Lazer e sociabilidade dos trabalhadores do bairro...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS. Bruno Caccavelli Lazer e sociabilidade dos trabalhadores do bairro paulistano da Mooca (1900-1920). Guarulhos 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS.

Bruno Caccavelli

Lazer e sociabilidade dos trabalhadores do bairro paulistano da Mooca (1900-1920).

Guarulhos

2015

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Bruno Caccavelli

Lazer e sociabilidade dos trabalhadores do bairro paulistano da Mooca (1900-1920).

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Departamento de História da Escola de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade Federal de São Paulo.

Orientador: Prof.º Dr. Luigi Biondi.

Guarulhos

2015

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Caccavelli, Bruno.

Lazer e sociabilidade dos trabalhadores do bairro

paulistano da Mooca (1900-1920) / Bruno Caccavelli. –

Guarulhos, SP, 2015. 264 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de São

Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,

Programa de Pós Graduação em História, 2015.

Orientador: Luigi Biondi.

Título em inglês: Leisure and sociability of workers in

Sao Paulo's district of Mooca (1900-1920)

1. Trabalhadores. 2. Sociabilidade. 3. Lazer. 4. Bairro

da Mooca - São Paulo (cidade) – História. I. BIONDI, Luigi.

II. Título.

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Para Cristiana.

Para Solange, minha mãe.

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Em memória de meus avós, Giovanni

e Giovannina Caccavelli e José

Fernandes da Cruz, trabalhadores

corajosos que deixaram a terra em que

nasceram em busca de uma vida

melhor.

Em memória de Valéria Caccavelli.

Quanta saudade!

Em memória de Michele Caccavelli,

meu pai, em quem penso todos os dias.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) que me

concedeu uma bolsa de pesquisa de mestrado entre 1 de janeiro de 2014 e 30 de junho de 2015,

sob o processo número 2013/20745-0, uma ajuda financeira que tornou possível este trabalho.

Tenho muito o que agradecer ao meu orientador, Luigi Biondi, que me deu a

oportunidade de ingressar no curso de mestrado, mas principalmente pela atenção e paciência

que teve comigo durante todo o período de nossa convivência. Dos nossos encontros, lembro

especialmente daquele cafezinho que acompanhava as discussões daquele tipo que só podem

acontecer entre um palmeirense – ele – e um corintiano. Agradeço sobretudo porque com Luigi,

este grande professor, aprendi muito, e esta é uma dívida que não pode ser paga.

Agradeço a todos os meus professores da Unifesp. Lembro aqui ainda das conversas

com o professor Odair da Cruz Paiva, que muito ajudaram a clarear as idéias deste trabalho.

Um agradecimento especial vai aos professores Edilene Toledo e Jaime Rodrigues pela

participação em meu exame de qualificação e por terem despendido seu tempo e atenção para

fazerem importantes observações sobre este trabalho. Agradeço sobretudo pelas conversas que

tive com eles, em que consegui dicas preciosas sobre a história e a vida.

Agradeço pelas amizades que fiz durante o curso de mestrado na Unifesp: Alex

Fonseca, Aline Ribeiro, Cesar Frezzato, César Roberto Silva, Clara Carvalho, Felipão Dantas,

Fred Blumenhagen, Gabriel Nascimento, Isadora Remundini, Jéssika Bezerra, Mariana

Rodriguez, Moisés Stahl, Nane Proatti, Natália Camargo, Rafael Barbi, Roger Camacho,

Verônica Calsoni, Vitor Callari, Luis Gustavo Ferreira. Vamos ainda nos encontrar de novo

para tomar cerveja, hein gente!

Especialmente, agradeço à Aline pelas nossas conversas que sempre nos animavam a

continuar. À Verônica agradeço muito pela ajuda com as traduções para o inglês e pela

companhia nas nossas viagens entre São Paulo e Guarulhos. Ao Roger, pelo ânimo e paciência

para ajudar no que fosse preciso. Ao Gabriel, pelas idéias que por diversas vezes me

destravaram na dura tarefa de escrever, pelas conversas tomando café, falando de coisas

importantes e das mais absurdas besteiras.

Ao pessoal dos arquivos que visitei agradeço pela ajuda e por muitas vezes terem me

ensinado a encontrar o que precisava. No Arquivo Público do Estado de São Paulo pude contar

com a ajuda paciente da dona Sônia e do Bruno. Na Biblioteca Mário de Andrade, Norma e

Joana me auxiliaram nas minhas primeiras visitas a encontrar o material de que necessitava. No

Centro de Apoio à Pesquisa em História "Sérgio Buarque de Holanda", na USP, foi muito

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importante a ajuda de Patrícia, Mariana, Bete e Cida, que me mostraram como funciona aquela

máquina de leitura de microfilmes – muito, muito obrigado mesmo.

Agradeço ao professor Paulo Fontes, que conheci em um congresso, e que lá me ajudou

muito, na hora da minha apresentação e depois com boas indicações para este trabalho.

Devo agradecer ainda à Maria Auxiliadora Dias Guzzo, que me orientou e muito ajudou

na construção de um projeto de mestrado, no curso de especialização em História, Sociedade e

Cultura na PUC-SP.

Não posso esquecer das amizades que fiz desde os tempos da graduação na UnG e que

ainda hoje me são muito caras, o Fábio, a Carola, o André. Ao amigão Régis, que sempre me

apoiou e animou a ingressar nesse mestrado, agradeço muito por ter acompanhando meus

escritos, mas principalmente por estar presente trocando idéias sobre o mundo. Da UnG ainda

me lembro das professoras Sueli Pereira Nunes e Sueli Giotto, que foram as que me inspiraram

a prosseguir estudando História.

À minha família e amigos tenho muito a agradecer. Pela paciência, pela compreensão

das minhas ausências, pelo apoio que me deram. Vão os meus abraços aos amigos Eder e

Amanda, com quem muito nos divertimos em nossos encontros. Também ao Rafael e à Are,

juro que passo aí para a gente bater papo mais vezes. Ao Luciano e à Bete, nossas conversas

são sempre muito boas, e agradeço muito pelos conselhos. Agradeço especialmente ao amigão

Luciano por ter por tantas vezes me ajudado nas revisões de texto.

Aos meus tios também tenho de agradecer. Sérgio, Rose, Fernando, Dulce, Márcia,

Celso, Vitório, Penha, Nicola, Eliana, obrigado! Agradeço também aos meus tantos primos, em

quem penso sempre. Fernando, Vânia, Guilherme, Thiago, Eduardo, Giovanni, Ricardo, Daniel,

Carolina, Felipe, Nathalia, Victor. Ao meu primo Vitão, que ajudou na revisão, mas também

pelas discussões, e à minha irmã, Bárbara, que me ajudou nas transcrições de estatutos e jornais,

agradeço especialmente. Aos meus primos músicos, Guilherme e Thiago, que me deixam

participar dos ensaios da banda e tocar uma guitarrinha, o que foi muito bom para descansar

nos momentos mais tensos da redação deste trabalho.

Agradeço à minha avó, Odila, porque a gente sempre pode correr para a casa da vó

quando precisa!

À família que ganhei tenho que agradecer pela amizade e afeto, e também pela paciência

que a Dri e a dona Marlene sempre tiveram comigo.

Às minhas priminhas, Ana Clara, Rennata, Giovanna, Maria Alice (que chegou

agorinha!), a quem o futuro pertence, e desejo que possam sonhar que ele seja mais justo,

agradeço pelas alegrias.

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À minha mãe devo muito, e não sei como agradecer. Mas tento como uma demonstração

do meu carinho. Pelo amor, pela força, pelas conversas, pela santa paciência, ah, e pelo

cafezinho. Obrigado por tudo!

À Cristiana, minha paixão, com que tive a felicidade de me casar, tenho tanto a

agradecer que não caberia nestas páginas. Sua força, apoio e amor (e as muitas vezes em que

teve de fazer sozinha as tarefas da casa), tudo isso foi muito valioso para que eu conseguisse

terminar esta dissertação. Então, Cris, dedico a você este trabalho.

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo pesquisar a sociabilidade dos trabalhadores do bairro paulistano

da Mooca entre os anos de 1900 e 1920 a partir do estudo de seus modos e atividades de lazer.

Orienta-se pela análise das experiências de lazer dos trabalhadores do lugar e das formas pelas

quais as múltiplas atividades de lazer expressam elementos e valores de uma cultura e

identidade de classe em formação. Procura-se entender também, em particular, como ocorreu e

qual importância teve, neste processo de formação identitária, a participação dos trabalhadores

da Mooca em associações de diversos tipos onde a sociabilidade recreativa se desenvolvia.

Finalmente, é objetivo importante deste trabalho entender como os modos de sociabilidade dos

trabalhadores do bairro tiveram um peso, não somente no seu cotidiano, mas também na própria

organização política e sindical da classe operária em São Paulo.

ABSTRACT

This work aims to research the sociability of workers in Sao Paulo's district of Mooca between

the years 1900 and 1920, from a study of its leisure modes and activities. It's guided by the

analysis of the leisure experiences of workers in this quarter and the ways in which the multiple

leisure activities express elements and values of a class culture and identity in the making. It

seeks to understand also, in particular, how occurred and what importance had, in this process

of identity formation, the participation of workers in Mooca associations of various types where

recreational sociability was developed. Finally, an important goal of this work is to understand

how these social modes of this workers that work at the district had a weight, not only in

everyday life, but also in the very political and trade union organization of the working class in

Sao Paulo.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Detalhe do bairro da Mooca em 1881. ................................................................................. 24

Figura 2 - Detalhe do bairro da Mooca em 1895. ................................................................................. 24

Figura 3 - Detalhe do bairro da Mooca em 1905. ................................................................................. 25

Figura 4 - Detalhe do bairro da Mooca em 1913. ................................................................................. 25

Figura 5 - Detalhe das ruas pavimentadas no bairro da Mooca em 1916. ........................................... 26

Figura 6 - Fábricas: a Companhia Antártica Paulista, 1912. .................................................................. 36

Figura 7 - Fábricas: seção de tecelagem do Cotonifício Crespi, 1912. .................................................. 36

Figura 8 - Trabalhadores: operários em frente a uma fábrica no bairro da Mooca, 1906. .................. 37

Figura 9 - Trabalhadores: vendedores de frutas sobre sua carroça no bairro da Mooca, 1920. .......... 37

Figura 10 - Corte e planta baixa do cinema São João (Bijou), 1912. ................................................... 104

Figura 11 - Corte e planta baixa do Cinema Mooca, 1911. ................................................................. 105

Figura 12 - Fachada e cortes do Cinema Moderno, 1916. .................................................................. 106

Figura 13 - Detalhe dos ventiladores do Cinema Moderno, 1916. ..................................................... 106

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Lista de bairros oficialmente existentes na Capital até 1908. .............................................. 23

Tabela 2 - Média dos salários mensais por área de trabalho................................................................ 31

Tabela 3 - Média salarial mensal dos trabalhadores da construção. .................................................... 32

Tabela 4 - Média salarial mensal dos trabalhadores de fábricas de tecidos. ....................................... 32

Tabela 5 - Média salarial mensal dos trabalhadores em oficinas mecânicas. ...................................... 32

Tabela 6 - Média salarial mensal dos trabalhadores do transporte. .................................................... 33

Tabela 7 - Média salarial mensal dos trabalhadores em tipografias. ................................................... 33

Tabela 8 - Média salarial mensal dos trabalhadores em serviços domésticos. .................................... 33

Tabela 9 - Quantidade de alunos dos Grupos Escolares da Mooca por nacionalidade. ....................... 38

Tabela 10 - Preços dos gêneros de primeira necessidade para o ano de 1913. ................................... 45

Tabela 11 - Quantidade de associações fundadas, instaladas ou mencionadas pela primeira vez no

bairro. .................................................................................................................................................... 52

Tabela 12 - Quantidade de associações por tipo. ................................................................................. 55

Tabela 13 - Número de associações em funcionamento no bairro anualmente. ................................. 58

Tabela 14 - Relação de armazéns no bairro da Mooca. ........................................................................ 91

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................... 2

CAPÍTULO 1 - UM PANORAMA DO BAIRRO DA MOOCA. ......................................................................... 21

1.1. Desenvolvimento e contornos do bairro da Mooca .................................................................. 21

1.2. As atividades econômicas e os ofícios. ...................................................................................... 28

1.3. Os habitantes do bairro ............................................................................................................. 38

1.4. Condições de vida. ..................................................................................................................... 40

1.5. As associações. .......................................................................................................................... 47

1.6. Os endereços das associações. .................................................................................................. 60

1.7. Funcionamento e dinâmica das associações. ........................................................................... 64

CAPÍTULO 2 - COSTUMES E PRÁTICAS POPULARES DE LAZER. ......................................................... 76

2.1. Recortes do cotidiano. ............................................................................................................... 76

2.2. Festas e folias. ........................................................................................................................... 82

2.3. Armazéns, botequins e o álcool. ................................................................................................ 90

2.4. Palcos: o cinema... ................................................................................................................... 101

2.5. ...e o teatro. .............................................................................................................................. 109

2.6. As festas e a música nas associações. ..................................................................................... 115

2.7. Futebol e outros esportes. ....................................................................................................... 120

CAPÍTULO 3 - O BAIRRO EM LUTA: TRABALHADORES, ASSOCIAÇÕES E O MOVIMENTO

OPERÁRIO NA MOOCA. ................................................................................................................................. 133

3.1. A Mooca radical ...................................................................................................................... 133

3.2. Momentos de incertezas, de resistências e de reconstruções. ................................................ 144

3.3. A retomada das associações políticas da Mooca. ................................................................... 149

3.4. A Liga Operária da Mooca na Greve Geral de 1917. ............................................................ 156

3.5. Refazendo as ligas de ofício. ................................................................................................... 160

CAPÍTULO 4 - OS CRUZAMENTOS ENTRE A POLÍTICA E O LAZER. ................................................... 165

4.1. O Primeiro de Maio. ................................................................................................................ 165

4.2. O lazer para as associações políticas. ..................................................................................... 172

4.3. O caso do Círculo de Estudos Sociaes Francisco Ferrer. ..................................................... 181

4.4. As associações recreativas como locais de uma classe em formação. ................................... 201

4.5. Outros palcos para as lutas: a Associação Recreativa Athlética da Mooca. ......................... 205

4.6. Espaços para a solidariedade. ................................................................................................. 214

CONSIDERAÇÕES FINAIS. ............................................................................................................................ 226

FONTES E BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 231

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2

INTRODUÇÃO

Em junho de 1880, era publicada na França, na revista L’Égalité, a primeira parte de

uma série de artigos que formariam um panfleto revolucionário intitulado “O Direito à

Preguiça”, escrito por Paul Lafargue. No texto, que viria nos anos seguintes a ser traduzido para

diversos idiomas e lido em diversos países por militantes da classe operária, Lafargue

denunciava o que percebia ser entre os trabalhadores o acolhimento da moral burguesa,

capitalista e cristã, esta tríade que tinha como ideal “[...] reduzir o produtor ao mínimo de

necessidades, suprimir suas alegrias e paixões e condená-lo ao papel de máquina de gerar

trabalho, sem trégua e sem piedade”.1 Enfim, os trabalhadores se haviam deixado “[...] perverter

pelo dogma do trabalho”. O seu texto abria-se dessa forma:

Uma estranha loucura apossa-se das classes operárias das nações onde impera a

civilização capitalista. Esta loucura tem como consequência as misérias individuais e

sociais que, há dois séculos, torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor pelo

trabalho, a paixão moribunda pelo trabalho, levada até o esgotamento das forças vitais

do indivíduo e sua prole”.2

A loucura, conforme apontava Lafargue, podia ser encontrada nas reivindicações pelo

“direito ao trabalho”, nas lutas para “[...] impor dez horas de trabalho nos fornos ou nas

refinarias aos capitalistas”, tudo isso parecia ao autor algo que afastava os trabalhadores da

sanidade da luta por uma sociedade em que reinaria o produtor, e não o burguês. “Impedir e

não impor o trabalho, isso é que é necessário”3, dizia.

As exigências e as lutas deveriam se focar sobre o fim do trabalho, sobre o “direito à

preguiça”. Mas, como os operários, aqueles apaixonados pelo trabalho, disputando insanamente

em velocidade com as máquinas que aos trabalhadores deveriam servir, sairiam desse estado de

idolatria pela aflição do trabalho imposto? A resposta de Lafargue aparece sob um alerta

dirigido aos membros ativos do movimento operário, apostos nos sindicatos e nas fábricas: “[...]

têm de demolir, nas cabeças das classes convocadas à ação, os preconceitos disseminados pela

classe dominante; têm de proclamar, na cara dos hipócritas de todas as morais, que esta terra

deixará de ser o vale de lágrimas do trabalhador”.4

1 LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec, 2009, p. 61-62. Ver também a introdução de Marilena Chauí. 2 LAFARGUE, Op. Cit., p. 67 e 63. 3 Idem, ibidem, p. 107. 4 Idem, ibidem, p. 60.

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Esses escritos de Lafargue me deixaram curioso quanto às questões do tempo livre dos

trabalhadores. Enquanto cursava especialização em história na PUC-SP, tive contato com a obra

pioneira intitulada “A vida Fora das Fábricas”, de Maria Auxiliadora Dias Guzzo, cujas

preocupações giravam em torno da constituição de um cotidiano dos trabalhadores em São

Paulo, a partir das suas condições de vida, como saúde, moradia, salário. No estudo, Guzzo

abordava as formas como as elites industriais e os poderes públicos, lançando mão de diversos

dispositivos de coerção e repressão, buscavam se inserir nesse cotidiano dos trabalhadores. Por

fim, através de uma análise da imprensa operária, indicava nos trabalhadores uma gama de

práticas sociais e conhecimentos próprios que se tornavam pontos de resistência às incursões

dos empresários no cotidiano operário.5

Do texto de Guzzo me chamou especialmente a atenção, apesar de não ser o foco

principal daquele estudo, a parte sobre o lazer – as danças, as festas, as reuniões, a música, o

futebol, os bares e a bebida. Esses momentos não estavam isentos da fiscalização e da repressão

policial, nem das tentativas dos industriais em se afirmar no tempo livre dos trabalhadores.

Todavia, contava a autora, esses eram também momentos em que as tradições da população se

afirmavam, em que os costumes podiam muitas vezes resistir aos valores burgueses e,

sobretudo, em que emergia um viver coletivizado.6

Chegada a época do trabalho final requerido pelo curso, decidi que meu tema seria esse:

o lazer dos trabalhadores. Queria entender como podia emergir a consciência de classe através

da análise do tempo livre dos trabalhadores empregado na recreação. Tive a sorte, reconheço,

de ter aquele trabalho orientado por Maria Auxiliadora Dias Guzzo, que contribuiu

enormemente para que ao fim tomasse a forma de um projeto de pesquisa. No projeto inicial,

que me levou ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de História da

EFLCH/UNIFESP, o recorte espaço-temporal era a cidade de São Paulo durante a Primeira

República e os objetivos eram compreender como ponto de partida a dinâmica da dominação e

exercício de poder por parte dos setores economicamente dominantes da sociedade sobre os

trabalhadores, mas também identificar por quais espaços de lazer transitavam os operários e as

localidades utilizadas para a prática da recreação, propondo assim um exame das experiências

de lazer da classe operária enquanto momentos e espaços de resistência à ordem vigente.

Quando iniciei os estudos no PPG-História, na Unifesp, ao longo dos encontros com o

orientador, o projeto foi repensado. Nesse processo de reelaboração, muito importante e

5 GUZZO, Maria A. D. A Vida Fora das Fábricas: cotidiano operário em São Paulo - 1927-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 6 Idem. Ibidem. Ver a parte a que me refiro entre as páginas 41 e 47.

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educativo, buscamos reconfigurar a pesquisa de forma que pudéssemos entender os mundos do

trabalho a partir da dinâmica experiencial dos trabalhadores, o que, por fim, nos fez mudar o

foco, reduzindo a demasiada atenção inicialmente dada aos setores dominantes e suas ações, e

abrindo espaço para as pessoas em suas relações horizontais e em suas práticas culturais, como

seus modos de comer, vestir, morar, festejar e, sobretudo, se relacionar socialmente.

A nossa inquietação com os usos do tempo livre passou a abarcar a sociabilidade dos

trabalhadores a partir do estudo de seus modos e atividades de lazer, analisando as formas pelas

quais as suas experiências recreativas expressam elementos de uma cultura e identidade de

classe em formação. Mantivemos, todavia, a intenção de compreender as diferenças entre o

lazer popular – que era experimentado nas ruas, bares e em outros espaços – e o lazer operário

– experimentado em espaços associativos de seu movimento –, também para evidenciar os

lugares pelos quais transitavam os trabalhadores nos momentos de lazer.

Uma outra reformulação pela qual passou o projeto relaciona-se à periodização e ao

espaço abordados. Entendemos que a proposta inicial, que era tentar dar conta das atividades

de lazer e recreação dos trabalhadores de toda a cidade de São Paulo durante o período da

Primeira República, seria tarefa bastante difícil de se cumprir dentro do prazo estipulado para

a conclusão do curso de mestrado. Ao mesmo tempo, como diversos estudos micro-históricos

indicaram7, ao focar a pesquisa a um espaço mais restrito, poderíamos perceber as articulações

e experiências do cotidiano operário, observando relações associativas, vivências e rituais, que

dificilmente enxergaríamos numa análise de escala mais dilatada. Desta forma, concordamos

em circular um dos bairros da capital, elegendo finalmente a Mooca, cuja constituição esteve

inserida entre a daqueles bairros que surgiam na cidade por grande afluxo e concentração de

imigrantes e grande concentração de fábricas, onde a proximidade entre estes estabelecimentos

fabris e as residências compunha um grande aglomerado de trabalho.8 Levamos em conta,

ainda, para escolher especificamente este bairro, o fato de ser habitado largamente – mas,

evidentemente, não apenas – por trabalhadores, e, principalmente, por ser um dos epicentros de

grandes movimentações operárias da Primeira República.

7 Cf. GINZBURG, Carlo. A Micro História e outros ensaios. Lisboa: DIFEL, 1991; GRIBAUDI, Maurizio. Mondo Operaio, Mito Operaio: spazi e percorsisociali a Torino nel primo Novecento. Turim: Einaudi, 1987, e “Escala, pertinência, configuração”. In: REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998. pp. 121-150. 1998; LEVI, Giovanni. “Sobre a Micro-História”. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992. pp. 133-162. 8 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit.

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Uma vez determinado o espaço, faltava-nos refletir sobre a periodização. A Mooca foi

desmembrada do Brás apenas em 19109, mas ao observar as plantas da cidade de São Paulo

encontramos o bairro já em um mapa de 1881. Todavia, até que se iniciasse o ano de 1900 não

havia muito mais do que rua da Mooca, que se estendia até o rio Tamanduateí e dali para o

centro da cidade, e a travessa da Mooca, que ia até o bairro do Brás, ambas com pouquíssimas

edificações. Além disso, é somente no início do século XX que o local passa a ser mais

densamente povoado, muito devido à instalação de um maior número de fábricas e de operários

imigrantes. Esses fatores nos levaram a estipular o ano de 1900 como o inicial do período de

pesquisa. Escolhemos o ano de 1920 como limite temporal por ser o marco de uma fase em que

os fluxos migratórios diminuem fortemente, chegando mesmo à interrupção com o início da

Primeira Guerra Mundial, o que proporcionou maior estabilidade demográfica. Além disso, o

bairro da Mooca atravessou uma grande onda de mobilização entre os anos de 1917 e 1919, que

acabou por reconfigurar as formas associativas e de lazer que haviam se estabelecido ao longo

das duas primeiras décadas do século XX.

Finalmente, esta pesquisa aborda a sociabilidade dos trabalhadores do bairro paulistano

da Mooca entre os anos de 1900 e 1920 a partir do estudo de seus modos e atividades de lazer,

e em especial as formas pelas quais suas experiências recreativas expressam elementos e valores

de uma cultura e de identidade de classe em formação.

***

Este trabalho pretende inserir-se na esteira da interpretação thompsoniana, também por

consideramos a classe um processo ativo e histórico que se deve tanto à ação humana quanto a

seus condicionamentos materiais e que acontece essencialmente em termos relacionais,

identificável através das experiências de classe, isto é, as formas como as relações de produção

são vivenciadas historicamente em termos culturais, através de ideias, valores, tradições, rituais

e instituições.10 Essa visão propõe observar as experiências dos trabalhadores não apenas em

suas relações econômicas, mas em seus modos de morar, festejar, transmitir tradições orais, de

viver ou resistir às transformações em seu cotidiano. Assim, a análise das múltiplas práticas do

lazer11, entendidas também como práticas culturais, permite observar nos ritos, costumes e

9 Lei n.º 1.237 de 23 de dezembro de 1910. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP). 10 THOMPSON, Edward P. A Formação da Classe Operária Inglesa. v. 1. A árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 11 O emprego do termo “lazer” nos estudos sobre o tempo livre dos trabalhadores aponta para um conjunto de práticas relativamente livres (Cf., STÉDILE, 2011; SIQUEIRA, 2002 e 2008; PEREIRA, 1998; ANTUNES, 1992). O

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experiências uma “[...] arena de elementos conflitivos”12 na qual “[...] é possível perceber o

delineamento das subsequentes: formações de classe, bem como da consciência de classe”.13

Quanto à importância destes momentos de lazer, Edward P. Thompson diz que

[...] deveríamos olhar as evidências, não com os olhos moralizadores (nem sempre os

‘pobres de Cristo’ eram agradáveis), mas com olhos para os valores brechtianos – o

fatalismo, a ironia em face das homilias, do establishment, a tenacidade da

autopreservação. E devemos também lembrar o submundo do cantor de baladas e das

feiras, que transmitiu tradições [...], pois dessa forma os ‘sem linguagem articulada’

conservam certos valores – espontaneidade, capacidade para diversão e lealdade

mútua.14

Na Mooca, diversas eram as possibilidades que se abriam aos trabalhadores para a

utilização de seu tempo livre, e os lugares pelos quais transitavam nos momentos de lazer eram

muitos. Motivados pela intenção de compreender as diferenças entre o lazer popular e o lazer

ligado aos valores da classe operária buscamos um referencial bibliográfico que nos desse

suporte para que entendêssemos melhor essas nuanças. Para “[...] prestar detida atenção aos

'modos de ver' e aos 'modos de ser'” dos trabalhadores15, devemos seguir alguns sinais que

podem nos levar ao encontro desse universo.

Robert Darnton, em admirável obra, procurou entender o universo mental dos “não

iluminados”, isto é, das classes populares, através de sinais refletidos em contos transmitidos

oralmente através de gerações. No estudo, Darnton reforça a necessidade de observar a relação

entre costumes e realidade material. Assim como os costumes cotidianos, também os temas das

histórias daquelas pessoas muitas vezes refletem situações cotidianas, como escassez, mas

também valores, temores e desejos.16

Assim também sugeriu Richard Hoggart, em um estudo imprescindível sobre as

utilizações da cultura. Hoggart chama a atenção para a necessidade de se observar novos e

velhos costumes, e sobretudo para a forma como interagem, resistem ou desaparecem. Tais

costumes residem nos hábitos cotidianos, como as formas de falar, cozer, entender o mundo.17

termo “recreação” aparece enquanto uma área mais ou menos estruturada do lazer, cuja aplicação reside em preencher e orientar o tempo livre do trabalhador (Cf. PEIXOTO, 2007, e BRÊTAS, 2007). 12 THOMPSON, Edward P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998g. p. 18. 13 THOMPSON, A Formação... v. 1, Op. Cit., p. 21. 14 Idem, ibidem, p. 61-62. 15 KIRK, Neville. “CULTURA: costume, comercialização e classe”. In: BATALHA, Claudio H. M. et. al. (Org). Cultura de Classes: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2004, p. 51. 16 DARNTON, Robert. O grande Massacre de Gatos. E outros episódios da História Cultural Francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986. 17 HOGGART, Richard. As Utilizações da Cultura: aspectos da classe trabalhadora, com especiais referências a publicações e divertimentos. Vol. 1. Lisboa: Presença, 1973.

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Esses costumes, porém, não nos chegam de forma direta e clara. Carlo Ginzburg,

resgatando as leituras e os pensamentos de um moleiro do Friuli, afirma que mesmo nos dias

de hoje

[...] a cultura das classes subalternas é (e muito mais, se pensarmos nos séculos

passados) predominantemente oral, e os historiadores não podem se pôr a conversar

com os camponeses do século XVI (além disso, não se sabe se os compreenderiam).

Para transpor tal barreira, ainda segundo Ginzburg, os historiadores servem-se das

fontes escritas, “[...] e eventualmente arqueológicas”, que são indiretas, também por serem “[...]

de autoria de indivíduos, uns mais outros menos, abertamente ligados à cultura dominante”.

“Isso significa que os pensamentos, crenças, esperanças dos camponeses e artesãos do passado

chegam até nós através de filtros e intermediários que os deformam”.18

Peter Burke mostra uma visão parecida com a de Ginzburg quando diz que “[...]

queremos saber sobre apresentações artísticas, mas o que sobrevive são textos”, “[...] queremos

ver essas apresentações através dos olhos dos artesãos e camponeses, mas somos obrigados a

enxergá-las com os olhos de forasteiros letrados”. Se não podemos observar diretamente o

universo mental daqueles trabalhadores, é necessário lançar mão de abordagens indiretas,

observando também a cultura material. Burke sugere que alguns sistemas simbólicos são

observáveis, por exemplo, através das roupas.

Numa determinada comunidade onde se partilham significados, existem certas regras

que regem o que pode ser vestido, por quem, em quais ocasiões, de tal forma que as

roupas usadas por um indivíduo transmitem várias mensagens aos membros da

comunidade”.19

Hoggart, também nessa direção, afirma ser possível observar uma cultura própria das

classes populares a partir de seu mundo material, – pelas roupas, vinho e pinga baratas20, e

também por outros milhares de pormenores, entre os quais podemos encontrar a necessidade de

ser atendido pelo médico do posto policial, por falta de recursos em se pagar um médico

particular, em caso de ferimentos, no caso dos habitantes da Mooca.

A busca de uma cultura popular pode ainda apoiar-se no folclore, que reforça a

importância dos estudos das tradições orais e rituais21, além das práticas, ou melhor, do

18 GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 13. 19 BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. Europa, 1500 – 1800. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 101 e 120. 20 HOGGART, As Utilizações da Cultura, Op. Cit. 21 BURKE, Cultura Popular na Idade Moderna, Op. Cit., p. 120.

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entendimento de como através dessas práticas e desses rituais essas pessoas percebiam o mundo

e a si mesmas.22 Contudo, é necessário aqui entender do que se trata o termo “cultura popular”.

Para Burke, a definição de cultura é a de “[...] um sistema de significados, atitudes e

valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são

expressos ou encarnados”, isto é, cultura como parte integrante de um modo de vida. Quanto à

“Cultura Popular”, Burke prefere “[...] defini-la negativamente como uma cultura não oficial, a

cultura da não elite, das ‘classes subalternas’”.23

Thompson também assume o termo cultura como um conjunto de diferentes recursos

onde ocorre sempre a troca entre o dominante e o subordinado, porém rejeita a definição cuja

composição recai nos “[...] significados, atitudes e valores”, e localiza a cultura popular “[...]

dentro de um equilíbrio particular de relações sociais”, de “[...] exploração e resistência à

exploração”, que “[...] transmite com vigor desempenhos ritualísticos ou estilizados, na

recreação ou em formas de protesto”. Assim, trata-se de um campo conflituoso

[...] que somente sob uma pressão imperiosa — por exemplo, o nacionalismo, a

consciência de classe ou a ortodoxia religiosa predominante — assume a forma de um

‘sistema’.24

Seguindo na mesma linha, Ginzburg observa a cultura popular como um “[...] conjunto

de atitudes, crenças, códigos de comportamento próprios das classes subalternas”, todavia

nunca algo passivo nem autônomo em relação à cultura das classes dominantes. Ginzburg opta,

assim, pelo termo “circularidade”, isto é, um relacionamento entre classes subalternas e classes

dominantes de tipo “circular”, “[...] feito de influencias recíprocas, que se movia de baixo para

cima, bem como de cima para baixo”.25

Portanto, uma cultura, de qualquer que seja a classe social, nunca é fixa ou imutável no

tempo, como se tratasse-se de um “[...] ente completamente unido e indiferenciado”26, não está

definida e também não é impermeável às influências externas. Como aponta Claudio H. M.

Batalha, o que define o “popular” da cultura das classes subalternas “[...] é a ‘tensão contínua’

entre essa cultura e a cultura dominante”. “Em outros termos, a cultura se situa e se define com

relação à luta de classes, tornando-se ela própria terreno dessa luta”.27

22 BATALHA, Claudio H. M. “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”. In: BATALHA, Claudio H. M et. al. (Org.). Cultura de Classes: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2004, p. 96-97. 23 BURKE, Cultura Popular na Idade Moderna, Op. Cit., p. 11. 24 THOMPSON, Costumes em Comum, Op. Cit., p. 17-18. 25 GINZBURG, O Queijo e os Vermes, Op. Cit., p. 10 e 12. 26 KIRK, “CULTURA”, Op. Cit., p. 52. 27 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 99.

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Todavia, devemos ter em mente que o termo “cultura”, “[...] com sua invocação

confiável de um consenso, pode trair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das

fraturas e oposições existentes dentro do conjunto”, levando-nos a um olhar homogeneizador,

uma visão a partir de cima, “[...] a não ser que sejam colocadas firmemente dentro de contextos

históricos específicos”.28

Devemos adiantar aqui, portanto, que o bairro da Mooca era habitado por imigrantes

vindos de diversos países e de diferentes regiões de um mesmo país e, como sugeriu Thompson

em seu clássico estudo sobre a formação da classe operária inglesa, “[...] todos poderiam ser

considerados por seus ‘superiores’ como pertencentes às ‘classes inferiores’, enquanto eles

mesmos mal poderiam se entender, por não falarem o mesmo dialeto”.29 Para o caso da cidade

de São Paulo, e, portanto, da Mooca, com trabalhadores imigrantes advindos de diversos países,

Michael Hall apontou que as experiências estavam longe de uma uniformidade:

As próprias histórias variavam segundo as experiências prévias dos imigrantes, as

épocas e circunstancias de suas chegadas, as semelhanças ou as diferenças da sua

cultura em relação à brasileira, as formas de incorporação no mercado de trabalho, as

relações do Brasil com seus países de origem, e vários outros elementos específicos

de cada grupo.30

Maria Cristina Cacopardo e José Luis Moreno, em um estudo sobre a imigração italiana

na Argentina, reforçaram a necessidade de se notar a “bagagem de viagem” dos imigrantes.

Não se trata, obviamente, do conteúdo das malas e baús que transportavam – se bem que seria

muito interessante conhecer o que separavam, escolhiam, julgavam ser mais importante para a

viagem, e o que decidiam deixar para trás. A “bagagem” à qual se referem os autores é a carga

cultural, as experiências vividas, suas habilidades pessoais e profissionais, suas formas de

socialização. Além disso, é importante observar também o contato do imigrado com o novo

país: a relação com o mundo o trabalho, as formas de se relacionar com outros grupos, a

capacidade de se comunicar com os outros, o saber ler e escrever, a experiência política. Toda

essa bagagem varia de região para região.31

Michael Hall observou ainda as tensões étnicas na cidade de São Paulo principalmente

entre última década do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX. O fato de os

28 THOMPSON, Costumes em Comum, Op. Cit., p. 17. 29 THOMPSON, Edward P. A Formação da Classe Operária Inglesa. v. 2. A maldição de Adão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 17. 30 HALL, Michael M. “Imigrantes na cidade de São Paulo”. In: PORTA, Paula (org.). História da Cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do século XX. (v. 3). São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 123. 31 CACOPARDO, Maria C.; MORENO, José L. “Alcuni Problemi di Concettualizzazione Sull’Imigrazione Italiana di Mazza in Argentina”. In: FAVERO, Luigi. Identità degli italiani in Argentina: reti social, famiglia, lavoro. Centro studi emigrazione Roma. Roma: Studium, 1993, p. 67.

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trabalhadores serem imigrantes de diferentes países, e, mesmo dentre trabalhadores da de um

mesmo país, advindos de regiões diferentes, certamente ofereceu obstáculos mesmo para a

organização da classe operária, ainda que não o tenha feito ao ponto de impedir, por exemplo,

a existência de sindicatos. Todavia, a origem desses trabalhadores imigrantes não lhes deu só

desvantagens: justamente por terem vindo de outros países e serem socializados numa cultura

diferente, muitas vezes escapavam à influência de padres e proprietários de terra. Assim, como

diz Hall, frente a qualquer manifestação por parte destes trabalhadores, a política do Estado

recaia violentamente sobre eles.32

É preciso, ainda, ter em conta que, mesmo entre aqueles trabalhadores participantes

ativos do movimento operário, que normalmente buscavam uma superação das diferenças

étnicas, nacionais e regionais, sob o signo do internacionalismo, era possível encontrar

diferenças e distanciamentos. Sobre a heterogeneidade ou as particularidades culturais da classe

operária há o estudo de Francisco Foot Hardman33, em que ele examina as tensões no interior

da classe como expressão da relação contraditória entre os trabalhadores e a sua direção política,

buscando entender as diferenças e as aproximações entre as diversas dimensões da classe, como

a relação entre direção do movimento organizado e as experiências dos trabalhadores, através

de suas manifestações culturais, nas quais identifica uma “cultura de resistência”, que constitui-

se basicamente de atividades de propaganda - como piqueniques, teatro, etc. - , uma “subcultura

anarquista” que, no entanto, se tomada como totalidade pode soterrar, assim como faz o

discurso dominante, os outros espaços do movimento operário.

Partindo para o lazer, em estudo recente Michelle Nascimento Cabral se debruçou sobre

as tensões existentes nas atividades de lazer e propaganda dos trabalhadores anarquistas do Rio

de Janeiro, realizadas através dos Teatros Anarquistas e do Futebol Solidário. Cabral observou,

para o caso do Rio de Janeiro, a transição da prática do teatro para a do futebol, este último que

entre os trabalhadores “[...] já era uma realidade dentro e fora da fábrica, e já estava consolidado

como atividade esportiva e de lazer em meio às camadas populares”, processo que foi

acompanhado de tensões no seio do movimento anarquista.34 A autora aponta que, da

indiferença frente à prática daquele esporte, os anarquistas passaram a atacar o futebol, com

especial crítica ao seu formato, em que se colocam frente a frente, em uma alegoria de combate,

32 HALL, Michael M. “O movimento operário na cidade de São Paulo: 1890-1954”. In: PORTA, História da Cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 263. 33 HARDMAN, Francisco F. Nem pátria, nem patrão: memória operária, cultura e literatura no Brasil. São Paulo: UNESP, 2002. 34 CABRAL, Michelle N. Teatro Anarquista, Futebol e Propaganda: tensões e contradições no âmbito do lazer. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007, p. 113.

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dois grupos distintos de operários, e à “inutilidade” da atividade, revelando mesmo um “[...]

caráter moralista e limitador”, já que ao invés desse esporte, devia-se buscar “[...] ‘passatempos

mais elevados’, como o teatro por exemplo”. Entretanto, ao “[...] perceberem a disseminação

dos esportes entre os operários”, os anarquistas “[...] não se resignaram a ‘adaptar-se’

inteligentemente”, tentando fazer frente aos industriais, que apoiavam, através de subsídios ou

financiamento, a prática do futebol entre os trabalhadores empregados em suas fábricas como

forma de organizar o seu lazer.35

A prática e o desenvolvimento do futebol entre as classes populares foram aspectos

analisados também por Fátima Antunes, em artigo e em dissertação de mestrado.36 Seu trabalho,

de ótica sociológica, inseriu-se entre aqueles que compuseram o conjunto de pesquisas da área

das ciências sociais que começavam a ser desenvolvidas nos anos 1990 e que galgaram espaços

tanto em periódicos especializados quanto vem veículos midiáticos.37 A autora discutiu a

participação do futebol nascido à sombra da fábrica no processo de difusão e profissionalização

do esporte, para o qual concorre o custeio da manutenção dos clubes pelas fábricas por falta de

recursos dos trabalhadores. Tal prática revelaria uma primeira forma de tentativa de controle

sobre a organização do lazer operário. Contudo, mais que disciplinar os corpos dos operários

para o trabalho, o que levou as fábricas a assumir uma parte ou o total dos custos dos clubes,

segundo Antunes, era a publicidade que obtinha o nome da empresa nos eventos futebolísticos,

que se popularizavam cada vez mais. Na mesma linha do que disse mais tarde Cabral, Antunes

entende que a difusão do esporte entre os operários levou anarquistas a tolerarem sua prática e

sindicatos a o adotarem como forma de socialização.

Leonardo Pereira, para o caso do Rio de Janeiro, busca no diálogo conflituoso que se

estabeleceu em torno do futebol, cujos interlocutores surgem de diversos grupos sociais (classe,

categoria, cor, gênero, etnia), a explicação para a rápida consolidação do esporte na cidade.

Abordando diferentes pontos de vista, e não somente, como enfatiza o próprio autor, os da

história oficial ou da história vista de baixo, procura apreender como grupos tão diferentes e

mesmo antagônicos fizeram do futebol uma ferramenta da expressão e de intermédio de suas

contendas. Ao resgatar este ambiente de conflitos e de diálogos onde eles foram produzidos,

Pereira entende que a efetivação de antagonismos e diferenças sociais tiveram neste esporte o

seu canal de afirmação e produziram as bases que mais tarde deram forma à construção de um

35 CABRAL, Teatro Anarquista, Futebol e Propaganda, Op. Cit., p. 100 e 109. 36 ANTUNES, Fatima M. R. F. “O futebol nas fábricas”. Revista USP, São Paulo, v. 22, p. 102-109, 1994; e Futebol de Fábrica em São Paulo. Dissertação de Mestrado. USP, São Paulo: 1992, respectivamente. 37 GIGLIO, S. Sérgio; SPAGGIARI, Enrico. “A produção das ciências humanas sobre futebol no Brasil: um panorama (1990-2009)”. Revista de História. São Paulo, n. 163, jul. /Dez. 2010. pp. 293-350.

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sentimento nacional. Há uma tentativa em seu estudo de não enxergar no esporte apenas um

meio de disciplinarização e dominação das classes menos favorecidas, o que reproduziria uma

visão do lazer como mero reflexo da dominação “[...] exercida pela lógica do trabalho”, e não

“um campo próprio de articulação e expressão de conflitos”.38

Uma outra importante dimensão da experiência dos habitantes da Mooca que abordamos

neste estudo foi a questão da sociabilidade. Luigi Biondi trouxe à luz, em obra recente, as

articulações, a complexidade e a heterogeneidade do mundo associativo dos trabalhadores

italianos na São Paulo da Primeira República, demonstrando que, diferente do que se acreditava,

a atuação dos socialistas italianos foi mais diversificada e teve alcance mais amplo que a dos

anarquistas, pois, mesmo em períodos em que não prevaleciam, estavam presentes em todos os

processos de organização dos operários, ora dirigindo, ora compartilhando o papel de direção

com anarquistas ou sindicalistas revolucionários, ocupando espaços de fundamental

importância para o desenvolvimento dos núcleos associativos dos trabalhadores, como as

sociedades étnicas. O trabalho de Biondi revelou a necessidade de se observar as associações

dos trabalhadores ao se buscar uma classe em formação.39

Quanto a esse aspecto associativo, buscamos em Claudio H. M. Batalha indicações de

uma “cultura associativa”, noção pela qual se entende não apenas a produção cultural

convencional em si (literatura, teatro, música, etc.), mas também os rituais, as celebrações, as

normas de associação, e como através destas práticas e rituais os membros das associações

percebiam o mundo e a si próprios, transcendendo a cultura popular ou mesmo a cultura

militante de determinado grupo. A riqueza ritual, isto é, sua maior elaboração e complexidade,

é proporcional à solidez e estabilidade da organização, aos recursos financeiros, etc.,

proporcional a uma história e tradição confirmada por seus símbolos, práticas e celebrações

capazes de aglutinar seus membros em torno de si40. Outra importante contribuição do mesmo

autor foi pensar a formação da classe operária não enquanto uma evolução linear ou etapista,

mas como um processo que comporta diferentes dinâmicas, com elementos de continuidade e

rupturas, visíveis nos discursos e nas práticas, que a visão historiográfica que entende a classe

operária como “filha da indústria” não nos permite ver.41

38 PEREIRA, Leonardo A. M. Football Mania: Uma História Social do Futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). Tese de doutorado. Unicamp. Campinas-SP, 1998, p. 3. 39 BIONDI, Luigi. Classe e Nação: trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo (1890-1920). Campinas-SP: Editora da Unicamp, 2011. 40 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., pp. 95-120. 41 BATALHA, Claudio H. M. “Sociedade de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas reflexões em torno da formação da classe operária”. Cadernos AEL. V. 6, nº 10/11, 1999. PP. 43-66.

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Sindicatos, sociedades de mútuo socorro, grupos anarquistas e socialistas, como já

demonstraram importantes estudos, tinham grande importância não apenas na luta e

sobrevivência dos trabalhadores, na medida em que empregavam esforços em torno da sua

mobilização ou proteção, mas também em seu cotidiano, por servirem como lugares de difusão

cultural e ainda de recreação.42 Contudo, as sociedades voltadas principalmente para a defesa e

luta dos trabalhadores não podem ser encaradas como os únicos lugares onde a organização era

possível. As associações cujos objetivos eram proporcionar diversas modalidades de recreação

– musicais, teatrais, esportivas, educativas –, também desempenhavam um papel relevante ao

proporcionar, além de acesso à informação, ao letramento e à cultura, espaços onde se podia

experimentar um viver coletivizado.43

Desta forma, nos debruçamos sobre o estudo de Uassyr de Siqueira, cujo foco, além das

associações sindicais, são os clubes recreativos, dançantes e esportivos, no bairro do Bom

Retiro, na cidade de São Paulo, compreendendo o período de 1915 a 1924, em uma tentativa de

perceber, através da análise do cotidiano dos trabalhadores, o papel que tais associações tiveram

no processo de formação da classe operária. Sua pesquisa englobou questões cruciais como

consciência de classe, experiência e cultura dos trabalhadores, e como as abordagens

historiográficas sobre a organização dos trabalhadores têm privilegiado as organizações

sindicais em detrimento de outros tipos de associações, como as organizações esportivas, por

exemplo. Seu trabalho toma como ponto de partida os principais aspectos do bairro em questão:

sua composição étnica, faixa etária, infraestrutura (saúde, transporte, habitação),

estabelecimentos fabris e comerciais e uma relação das agremiações existentes. Em seguida,

parte para uma análise aproximada das associações, seus períodos de atuação, principais

atividades, relação com o bairro, inserção junto ao movimento operário e as relações entre

organizações sindicais e agremiações. Por fim, detém-se sobre o Grêmio Dramático e Musical

Luso-Brasileiro, avaliando seus objetivos de existência, critérios de associação, composição

étnica, dinâmica associativa e inserção no bairro, tentando identificar uma possível articulação

da consciência de classe entre os membros dessa agremiação.44

42 Ver BATALHA, Cultura de Classes, Op. Cit.; BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit.; SIQUEIRA, Uassyr de. Clubes e Sociedades dos Trabalhadores do Bom Retiro: organização, lutas e lazer em um bairro paulistano (1925-1942). Dissertação de mestrado. Unicamp. Campinas, 2002, e Entre sindicatos, clubes e botequins: identidades, associações e lazer dos trabalhadores paulistanos (1890-1920). Tese de doutorado. Unicamp. Campinas, 2008; TRENTO, Angelo. “Organização Operária e Organização do Tempo Livre entre os Imigrantes Italianos em São Paulo”. In: CARNEIRO, Maria L. T. [et. al.]. História do Trabalho e História das migrações: Trabalhadores Italianos e Sindicatos no Brasil (Séculos XIX e XX). São Paulo: Edusp: Fapesp, 2010. pp. 233-266. 43 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit. 44 SIQUEIRA, Clubes e Sociedades dos Trabalhadores do Bom Retiro, Op. Cit.

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Em tese mais recente, Siqueira45 observa algumas das associações fundadas e

frequentadas pelos trabalhadores paulistanos, como sindicatos e clubes, e outros espaços de

lazer buscando perceber diferentes identidades (etnias, profissões, etc.) e diferentes conflitos

no processo de formação da classe operária paulistana a partir do enfoque sobre os sindicatos.

Sua análise parte da categoria profissional dos chapeleiros, acompanhando suas primeiras

greves, procurando perceber as tentativas de estabelecimento de identidades entre diversas

categorias profissionais, que buscavam ultrapassar divergências étnicas, de cor e de gênero. Em

seguida, lança luz sobre os clubes recreativos, analisados principalmente a partir de seus

estatutos, seus critérios de admissão, conflitos étnicos e seus objetivos, voltados não somente

para o lazer, mas também para atividades diversas como instrução e auxílio. Examina ainda

espaços de lazer tais como armazéns, cafés, botequins, frequentados por trabalhadores e

constantemente vigiados pela polícia, e a questão do consumo de álcool entre os operários,

hábito frequente mesmo entre os trabalhadores mais engajados nos movimentos grevistas. Ao

fim, conclui que tempo de trabalho e tempo de lazer não eram rigidamente definidos, mas se

entrelaçavam no cotidiano do trabalhador.

Na mesma linha de Siqueira, há o trabalho de Paula Christina Bin Nomelini, cujo foco

recai sobre as associações operárias, tanto recreativas quanto mutualistas, na cidade de

Campinas. Nomelini busca entender o funcionamento interno e a participação dessas

associações na organização e mobilização dos trabalhadores daquela cidade. A autora aponta a

importância da investigação do cotidiano dessas associações e da forma como os trabalhadores

criavam e articulavam identidades para inserirem-se no campo do debate político frente aos

poderes públicos.46

Tanto Siqueira quanto Nomelini concordam que as relações entre associações de

diversos tipos eram bastante complexas e que faziam parte de uma gama de possibilidades de

se organizar coletivamente, tanto sob o aspecto financeiro – como no caso dos sindicatos e das

sociedades mutualistas – quanto o cultural e de o lazer – como em círculos educativos de

matizes predominantemente políticas e étnicas, como os círculos italianos, espanhóis, etc., ou

as associações musicais, esportivas, dançantes, ou recreativas em geral. Entretanto, quanto a

relação destas associações entre si e com o poder público, há um breve afastamento entre os

modos de ver dos dois autores, essencialmente no que tange à legislação sobre as sociedades.

45 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit. 46 NOMELINI, Paula C. B. Associações operárias mutualistas e recreativas em Campinas (1906-1930). Dissertação de Mestrado. Unicamp. Campinas, SP, 2007.

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15

De acordo com o decreto federal de 4 de julho de 1891, nº. 434, em que foram

solidificadas as leis que regulamentavam as sociedades anônimas, todas as associações estavam

obrigadas a ter uma autorização do Poder Público para funcionarem legalmente. A emissão da

liberação estava condicionada à entrega e aprovação dos estatutos, para que funcionários do

Poder Público, notadamente a polícia, verificassem se os objetivos ali inscritos eram de

interesse público e se o regimento e as atividades internas da sociedade seguiam as normas

morais e legais estabelecidas.47 Também a lei nº 173, de 10 de setembro de 1893, dedicada a

regular a organização das associações que fossem fundadas para “[...] fins religiosos, Morais,

científicos, artísticos, políticos ou de simples recreio”, exigia a inscrição do “[...] contrato social

no registro civil da circunscrição onde estabelecerem a sua sede”.48

Siqueira, não sem fundamento, enxerga nestes dispositivos legais um “[...] aumento de

controle sobre os espaços de lazer”, cujos vestígios podem ser vistos nos relatórios policiais e

nas constantes mudanças de endereços das associações, que refletem “[...] as frequentes

interrupções de seu funcionamento e as descontinuidades em sua organização”.49 Nomelini, por

sua vez, sem negar a intenção contida nas leis, a de controle como indica Siqueira, sugere que

tais dispositivos possibilitaram também um ponto de convergência entre associações

mutualistas, recreativas e profissionais liberais frente ao Poder Público, aproximação que

ocorreria quando “[...] os profissionais eram simpáticos às ideologias e causas operárias, ou

quando eram personagens que se propunham a praticar a generosidade”.50

Todavia, tanto as preocupações de Siqueira quanto as de Nomelini giram em torno das

estratégias de sobrevivência das sociedades e ambas contribuem para observarmos as relações

entre as diversas sociedades e entre estas e outros agentes sociais. Ao dar relevância também a

estas estratégias, os autores inserem-se entre aqueles cujos estudos apontam no sentido de

revelar as experiências dos trabalhadores, observando as formas pelas quais negociavam seus

interesses, os mais diversos, entre si e frente a outras camadas sociais e poderes públicos.

***

Este estudo busca inserir-se entre aqueles empenhados em desvendar o mundo

associativo e também os momentos de lazer dos trabalhadores. No nosso caso, como tentamos

47 NOMELINI, Associações operárias mutualistas e recreativas em Campinas (1906-1930), Op. Cit., p. 119. 48 Lei Federal de n.º 173 de 10 de setembro de 1893. BRASIL, Câmara dos Deputados. 49 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 24. 50 NOMELINI, Associações operárias mutualistas e recreativas em Campinas (1906-1930), Op. Cit., p. 121.

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mostrar, o foco está especificamente sobre os habitantes do bairro da Mooca e a forma como as

práticas recreativas podem expressar valores de uma cultura de classe em formação.

O contato inicial com as fontes se deu junto aos estatutos das associações, cuja

importância para a pesquisa é a possibilidade de desvendar a dinâmica associativa das

sociedades formadas por trabalhadores, pois ali estão expostos os critérios de admissão dos

sócios, os valores de contribuição, os objetivos do grupo, como o mutualismo, a difusão da

cultura, etc., as datas a serem comemoradas, a composição do corpo diretivo e a indicação de

nacionalidade daquelas pessoas a partir de seus sobrenomes.51

Contudo, era também importante entender as questões mais gerais do bairro. Buscamos

então por indicativos sobre a densidade demográfica e a quantidade de estrangeiros por origem

na cidade de São Paulo. Utilizamos largamente para este fim os anuários estatísticos do Estado

de São Paulo que compreendem o nosso recorte temporal e de onde pudemos obter dados sobre

as escolas, públicas e privadas, as igrejas e as associações instaladas no bairro. Também

utilizamos o Boletim do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo, cuja importância

reside na listagem dos preços médios por região, incluindo a do bairro do Brás e redondezas

(portanto, a Mooca), dos gêneros de primeira necessidade vendidos no varejo, bem como no

elenco dos salários médios (contando ainda com apontamentos sobre o máximo e o mínimo

registrados) por área e ofício de atuação dos trabalhadores, o que nos ajudou a compor um

quadro das condições materiais de vida daquelas pessoas. Procuramos ainda por plantas e

registros afins, de armazéns, sedes de associações e outros estabelecimentos, para que

pudéssemos ter uma boa noção dos espaços utilizado pelos trabalhadores.

A busca por associações sediadas ou atuantes no bairro da Mooca prosseguiu entre os

jornais. Através deles foi possível localizar festas populares e notícias sobre ocorrências em

botequins – como prisão por jogos, brigas e bebedeiras – e diversas notas sobre associações –

endereços, membros diretores e sócios. Esta documentação ajudou a revelar também a dinâmica

associativa e os fragmentos de rituais e de identidades múltiplas, como veremos mais à frente.

Recorremos ainda aos almanaques, o que trouxe mais algumas informações sobre comércio,

indústria, repartições públicas, escolas primárias, transporte e o elenco de diversas ruas, o que

foi muito útil para a descobrir a localização geográfica das diversas associações.

Tendo em mente que a maioria dos moradores do bairro era composta por italianos,

resolvemos utilizar um outro periódico em língua italiana que pudesse nos oferecer aspectos

51 Todos os estatutos utilizados para este estudo foram encontrados no Primeiro Cartório de Registros de Imóveis da Capital (PCRIC), no Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP).

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mais profundos do viver, do lazer e da sociabilidade daquelas pessoas. Decidimos então buscar

pelo jornal Fanfulla, que tinha grande circulação entre os italianos radicados em São Paulo. O

esforço de pesquisar neste jornal nos trouxe muitas informações sobre associações do bairro da

Mooca, principalmente na coluna intitulada Circoli e Società, mas também sobre as festas,

manifestações, lazer cotidiano, espalhadas entre as colunas Cronaca Cittadina e Echi del

giorno, que incluíam ainda notas policiais sobre desavenças em armazéns e botequins. O jornal

mantinha uma seção dedicada ao Sport, na qual conseguimos encontrar outras agremiações

esportivas, ampliando assim o quadro das associações do bairro da Mooca.

A partir do cruzamento de todas estas informações conseguimos abordar diversos

aspectos do viver dos trabalhadores da Mooca neste trabalho, que foi dividido em 4 capítulos.

No primeiro, construímos uma “vista aérea” sobre o bairro, uma visão panorâmica que nos

possibilitou um entendimento mais global, procurando traçar o desenvolvimento e os limites

geográficos do bairro em si, entendendo o lugar como parte integrante de uma cidade em meio

ao processo de industrialização; elencando as atividades fabris e comerciais ali presentes, a

partir das quais pudemos deduzir os ofícios dos habitantes do local; observando as condições

materiais de vida desses habitantes; analisando a densidade habitacional e a composição étnica

da região, em que percebemos que, longe de ser um bairro puramente italiano, apesar de estes

serem, de fato, a maioria, a Mooca se compunha de imigrantes provenientes principalmente do

Norte e do Sul da Itália52, mas também da Espanha53, e imigrantes do centro e leste europeu,

como russos, lituanos, poloneses, húngaros e alemães54; e, finalmente, busquei construir um

quadro das associações e analisar seus tipos, tempo de existência e densidade associativa, e

refletir sobre as escolhas de localização geográfica, os rituais cotidianos de funcionamento

interno e a dinâmica associativa.

É relevante destacar, contudo, que a pretensão deste capítulo esteve longe de ser um

painel estático. O objetivo é o de fazer se abrir às vistas a complexidade da experiência dos

trabalhadores da Mooca.

No segundo capítulo o foco esteve sobre as vivências cotidianas e experiências de lazer

dos trabalhadores daquele bairro observando as práticas populares e dos trabalhadores.

52 DUARTE, Adriano L. Cultura popular e cultura política no após-guerra: redemocratização, populismo e desenvolvimentismo no Bairro da Mooca, 1942-1973. Tese de doutorado. Campinas, SP: 2002, p. 201. 53 Idem, ibidem. Ver também CANOVAS, Marília D. K. Imigrantes Espanhóis na Paulicéia: Trabalho e Sociabilidade Urbana (1890 – 1922). São Paulo: Edusp: FAPESP, 2009. 54 DUARTE, Cultura popular e cultura política no após-guerra, Op. Cit., p. 201-202.

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Iniciamos observando as vivências comuns dos trabalhadores, isto é, as suas formas de se

relacionar, seus comportamentos, as maneiras como resolviam seus conflitos e como

observavam o seu mundo, a partir das mais diversas notícias de jornais, que incluíam paqueras,

brigas entre casais, relatos sobre prisões, e tentamos reconstruir o universo mental daquelas

pessoas, em que se mesclavam uma ideologia machista55, traços de racismo56, laços étnicos,

diferenças e disputas cotidianas, mas também um código de conduta compartilhado, visível nas

formas próprias de resolução de conflitos57.

Passamos então a observar as festas populares. A partir daí, identificamos algumas

tradições, ou experiências prévias que os imigrantes traziam de seus países de origem, como a

Festa de San Gennaro ou ainda o Carnaval. No caso específico do Carnaval, tínhamos em conta,

e também pudemos observar a partir das fontes, que não se tratava de uma festa exclusiva das

classes populares. Contudo, optamos por tentar descobrir as práticas mais comuns entre os

trabalhadores – como o entrudo, o laça perfumes, as fantasias, as brincadeiras e chacotas.

Em seguida, nos debruçamos sobre os armazéns e botequins, e o hábito de ingerir

bebidas alcoólicas, procurando compreender os seus significados para os trabalhadores através

das práticas ali desenvolvidas.

Outra atividade de lazer disponível era o cinema, que passaram a se desenvolver na

Mooca a partir de 1910, muitas vezes improvisados em barracões. Contudo, mais que o cinema,

o teatro, um costume que os trabalhadores imigrantes traziam em sua bagagem cultural58, atraía

um grande público. Eram bastante populares as peças que tratavam da moral ou dos amores

impossíveis, normalmente com conteúdo bastante carregado de emoção. Outros títulos

sugeriam uma identificação étnica ao serem representados no idioma de origem. Além do teatro,

ainda outro costume eram as festas com música, executada pelas orquestras compostas por

trabalhadores, e bailes, estes muito apreciados e frequentemente bastante concorridos, que

normalmente duravam até a madrugada nos salões das associações.

Além das experiências prévias, pudemos observar também a apropriação de novas

práticas, como é o caso do futebol, esporte difundido entre os filhos das camadas mais abastadas

da sociedade paulistana, mas que logo foi adaptado pelos trabalhadores.

55 CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. Campinas: Editora da Unicamp, 2001, p. 326. 56 SLENES, Robert W. Prefácio: “O Horror, O Horror: O contexto da formação de identidades mestiças no Rio de Janeiro dos anos 1920”. In: GOMES, Tiago de M. Um espelho no palco: identidades sociais e massificação da cultura no teatro de revista dos anos 1920. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004, p. 16. 57 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 289. 58 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240.

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No terceiro capítulo, busquei levantar as demandas e lutas dos trabalhadores e as formas

como os operários se organizavam em torno das melhorias das condições de vida, do aumento

de salário, da redução da jornada de trabalho, em algumas vezes de forma espontânea e, outras,

em torno de associações marcadas pela atuação política e sindical. Estavam presentes diversas

correntes militantes – anarquistas, socialistas, sindicalistas –, além de outras identificações

políticas, como o monarquismo, arraigado principalmente entre a classe média imigrada do sul

da Itália. Tentamos acompanhar as formas de atuação desses grupos organizados em

associações, o que revelou a grande heterogeneidade do movimento operário atuante no bairro.

No quarto e último capítulo me propus a observar as relações entre as múltiplas

identidades formadas nas práticas de lazer. Mais especificamente como convergiam as práticas

populares e as atividades políticas. Levando em conta a multiplicidade das experiências dos

trabalhadores da Mooca, pretendi acompanhar o processo de como surgiam nessas atividades

identidade e valores da classe operária em formação. Iniciamos pelas comemorações do

Primeiro de Maio, tomando a data como a mais importante entre as celebrações ligadas à classe

operária. Foi interessante observar na Mooca que as associações de trabalhadores dos mais

diversos matizes se uniam em torno daquele evento.

Nos dedicamos em seguida a entender o funcionamento das atividades de lazer nas

associações políticas da Mooca. Assim, pudemos observar o empenho sobre a organização e

sociabilização ideológica por parte dos integrantes do movimento operário, estes que buscavam

sensibilizar os trabalhadores através de uma multiplicidade de intervenções, desde conferências

e palestras, aulas e cursos, até óperas e concertos, declamações de poesia e apresentações de

peças teatrais, estas últimas que serviam como importante meio de difusão de seus valores.59

Ao construir esta parte, uma associação em particular aparecia recorrentemente entre a

documentação, que era o Círculo de Estudos Sociais Francisco Ferrer. A quantidade de

informação sobre esta sociedade nos permitiu uma análise mais aproximada sobre a sua atuação

e uma maior compreensão sobre o lazer nas associações políticas do bairro por contarmos entre

as fontes com programas de festas, relação de pessoas presentes, locais de sedes, além é claro

das ações de marca política.

Depois, passamos às práticas das associações recreativas. Isto se explica por termos

encontrado entre a documentação indícios de valores e identidade que configuram uma

consciência de classe. Assim, observamos as interconexões associativas possibilitadas pelo

59 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240.

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cruzamento de informações que encontramos sobre trabalhadores, e notamos que muitas das

pessoas presentes em associações recreativas faziam parte ao mesmo tempo, e em alguns casos

vieram, de associações políticas. Nesta parte demos um maior espaço a duas sociedades de

cunho recreativo: a Associação Recreativa Atlética da Mooca e a Sociedade Recreativa Musical

da Mooca. Observando mais de perto as atividades dessas associações, notamos

recorrentemente peças teatrais com teor crítico à sociedade burguesa e temas que se ligavam a

tradições operárias. Além de contar entre seus sócios participantes oriundos de sindicatos e

sociedades anarquistas e socialistas, e, ainda, em alguns momentos, atuar como uma associação

mutualista ou de beneficência, coletando doações para a família de sócios falecidos.

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CAPÍTULO 1 - UM PANORAMA DO BAIRRO DA MOOCA.

1.1. Desenvolvimento e contornos do bairro da Mooca

Um viajante que tivesse deixado a cidade de São Paulo antes do fim do século XIX e

ficasse afastado por um longo período antes de retornar certamente sentiria um grande impacto

ao revê-la. No livro em que pôs suas recordações da cidade de São Paulo em que viveu até os

anos de 1900, impelido por lembranças e sentimentos nostálgicos, Alfredo Moreira Pinto deitou

estas palavras: “Oh! Que encantos tinhas naqueles bons tempos, que infelizmente não voltam

mais!”1 Com seus escritos, é possível perceber a mudança pela qual passou a cidade durante o

seu período de expansão industrial e populacional. Acompanhando este processo de

desenvolvimento constituiu-se o bairro da Mooca, que se erguia além dos terrenos alagadiços,

afastado do contorno urbanizado da cidade, em meio aos córregos e rios que caracterizavam o

lugar no fim do século XIX. Naquela época, o bairro era composto por algumas chácaras que

serviam como retiro de lazer das famílias mais abastadas que habitavam comumente o espigão

central da cidade2 e por pequenos sítios, onde eram cultivadas frutas e hortaliças produzidas

principalmente por imigrantes portugueses para abastecer o mercado central.3

Moreira Pinto, enquanto esteve na cidade cursando a Faculdade de Direito, ainda antes

do final do século XIX, e que guardou desse tempo “[...] tantas recordações e saudades”, conta

que “[...] o Brás, a Mooca e o Pari eram então tão insignificantes povoados com algumas casas

de sapê, que a medo erguiam-se no meio de espessos matagais [...]”, paisagem bem diferente

daquela que se via em 1900:

Para quem desembarca na estação do Norte [hoje a estação do Brás], da Estrada de

Ferro Central do Brasil [que liga São Paulo ao Rio de Janeiro], o aspecto da cidade

não impressiona bem. Com efeito, o viajante depara logo com o Brás, arrabalde muito

populoso, mas que não prima pelo asseio, nem pela beleza de seus prédios

particulares; depois passa por uma extensa várzea, muito maltratada, da qual avista a

cidade em um alto com os fundos das casas voltadas para o viajante.4

O bairro da Mooca ainda não existia oficialmente, mas era parte do distrito do Brás. De

qualquer forma, o lugar não escapou das memórias de Moreira Pinto. Aquela “extensa várzea,

1 MOREIRA PINTO, Alfredo. A Cidade de São Paulo em 1900. Impressões de Viagem. Imprensa Nacional: Rio de Janeiro, 1900, p. 8. 2 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit. 3 DUARTE, Cultura popular e cultura política no após-guerra, Op. Cit. 4 MOREIRA PINTO, Op. Cit., p. 8 e 24.

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muito maltratada”, se modificava com a instalação de fábricas, após a chegada da linha de ferro,

e com o grande afluxo de imigrantes. Essas pessoas, na busca por emprego e moradia, tendiam

a concentrarem-se próximas aos estabelecimentos fabris.5 Ao passar de trem em direção à

estação do Brás, a visão que se tinha da Mooca, para tomarmos de empréstimo as palavras de

Guzzo, era a de um grande aglomerado de trabalho.6 Contudo, se para um viajante de passagem

pelo local, a impressão que ficava era a de um quadro homogêneo, ou de um viver “deprimente”,

como sugere Hoggart para o caso inglês, com ruas e casas iguais em uma paisagem “[...] em

tons de cinzento sujo” e, sempre na descrição de Hoggart, “[...] tudo é muito mais escuro do

que o norte ou o oeste da cidade, onde se situam as zonas ‘boas’”, para os seus habitantes era o

lugar onde “[...] a vida é vivida dentro de um grupo de ruas conhecidas, integrando-se numa

vida de grupo muito intensa e ativa”.7 De fato, como nota Adriano Luiz Duarte, “[...] o bairro

é, na realidade, um detalhe administrativo muitas vezes acidental e contingente”, mas que se

torna a “referência urbana” mais próxima das condições materiais de vida de seus habitantes.8

Paulo Fontes, em seu estudo sobre os trabalhadores do bairro de São Miguel Paulista,

percebe que “para além da fábrica, o bairro era um espaço fundamental de articulação das redes

sociais e de experiências comuns entre os trabalhadores [...]”, integrando, naquele período,

trabalho, moradia e lazer, e abrigando “[...] uma gama de relações pessoais com familiares,

amigos e conterrâneos que municiava os migrantes com conhecimentos e contatos essenciais

para sua sobrevivência”. Assim, o bairro era o ambiente em que as tradições e relações de

amizade ou familiares que se traziam de seus países ou regiões de origem se encontravam com

novos contatos, amizades e vínculos que se formavam, tornando-se “[...] um espaço de trocas

de experiências e ‘produção de cultura’”.9 A vida no bairro, enfim, facilitava uma noção de

comunidade, “[...] de convicção de que a união se torna necessária caso se pretendam melhorar

as condições de vida, convicção essa que está na origem dos movimentos cooperativos”.10

Diante disso, é preciso seguir alguns apontamentos que indiquem o lugar ocupado pelo

bairro da Mooca dentro da cidade de São Paulo. Em 1908, o então diretor da Repartição de

Estatística e Arquivo do Estado de São Paulo, Adolpho Botelho de Abreu Sampaio, designou

José Jacinto Ribeiro, Segundo Oficial daquela Repartição, a empreender um estudo sobre as

divisas municipais do Estado. Na obra, cujo título era “Divisão administrativa e divisas

5 Ver HALL, “Imigrantes na cidade de São Paulo”, Op. Cit. 6 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit. 7 HOGGART, As Utilizações da Cultura, Op. Cit., p. 72 e 77. 8 DUARTE, Cultura popular e cultura política no após-guerra, Op. Cit., p. 3. 9 FONTES, Paulo R. R. Comunidade Operária, Migração Nordestina e Lutas Sociais: São Miguel Paulista (1945-1966). Tese de Doutorado. Unicamp: Campinas, 2002, p. 159. 10 HOGGART, As Utilizações da Cultura, Op. Cit., p. 99.

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municipais do Estado de S. Paulo”, onde foram compiladas diversas leis estaduais e provinciais

com o intuito de “[...] satisfazer uma necessidade imediata de ordem pública”, que era responder

aos “[...] repetidos pedidos de informações que nos vêm por parte das câmaras municipais com

os municípios limítrofes”11, Ribeiro ocupou-se em listar, além das divisões dos municípios, a

divisão da Capital em distritos. Encontramos naquele estudo os seguintes bairros:

Tabela 1 - Lista de bairros oficialmente existentes na Capital até 1908.

Bairro Ano12 Bairro Ano

Nossa Senhora do Ó 1796 São Miguel 1871

Penha de França 1796 Belenzinho 1889

Santa Efigênia 1809 Santa Cecília 1889

Brás 1818 Sant’Anna 1889

Liberdade 1833 Vila Mariana 1895

Sé 1833 Cambuci 1906

Consolação 1870 Butantã 1907

A Mooca, como se pode notar, não estava ainda entre os distritos delimitados da capital.

Era, como dito anteriormente, parte do Brás.13 No entanto, o estudo de Ribeiro ganhou uma

segunda edição em 1915 e, além dos bairros já mencionados pela publicação anterior, elencou

os bairros da Bela Vista, Bom Retiro, Lapa e o da Mooca, esta que tinha seus limites descritos

no livro exatamente iguais aos propostos na lei de sua criação14: o rio Tamanduateí (oeste);

avenidas Rangel Pestana e Celso Garcia (norte); rua Bresser e rua Teffé, seguindo então pela

rua da Mooca até o “valle do Tatuapé” (leste); córrego do “Allemão” até o “Morro da Mooca”

(sul); e dali de volta ao rio Tamanduateí.15

A criação destes bairros ocorreu em dezembro de 191016, sugerindo um esforço do poder

público em regularizar em âmbito administrativo esses locais cuja existência era já recorrente

na percepção e referências de seus moradores e de companhias públicas e privadas. Estas

companhias legaram vestígios de como entendiam as divisões administrativas da cidade de São

Paulo. Recorrer à cartografia que deixaram pode nos ajudar a entender melhor aquele espaço.

11 RIBEIRO, José J. Repartição de Estatística e Archivo. Divisão administrativa e divisas municipaes do Estado de S. Paulo. São Paulo: Typ. Mont´Alverne, 1908, p. 1. 12 Datas referentes à promulgação da lei de criação de cada distrito. Ver RIBEIRO, Divisão administrativa e divisas municipaes..., 1908, p. 6. 13 O Brás se estendia do rio Tamanduateí ao rio Aricanduva e do rio Tietê até “a estrada que segue de Mogi das Cruzes a Santos”, onde fazia limite com a cidade de São Bernardo do Campo. Cf. RIBEIRO, Divisão administrativa e divisas municipaes..., Op. Cit., 1908, p. 28. 14 Lei n. 1237 de 23 de dezembro de 1910. ALESP. 15 RIBEIRO, José J. Repartição de Estatística e Archivo. Divisão administrativa e divisas municipaes do Estado de S. Paulo. 2ª Edição. São Paulo: Typografia do 'Diário Oficial', 1915, p. 8. 16 Lei n. 1242 de 26 de dezembro de 1910 (cria o bairro da Bela Vista); Lei n. 1236 de 23 de dezembro de 1910 (Bom Retiro); Lei n. 1222 de 7 de dezembro de 1910 (Lapa). ALESP.

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Figura 1 - Detalhe do bairro da Mooca em 1881.17

Figura 2 - Detalhe do bairro da Mooca em 1895.18

17 HENRY, B; JOYNER, M.I.C.E. Planta da Cidade de São Paulo levantada para a Companhia Cantareira de Esgotos. 1881. 18 BONVICINI, Hugo. Planta da Cidade de São Paulo. 1895.

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Figura 3 - Detalhe do bairro da Mooca em 1905.19

Figura 4 - Detalhe do bairro da Mooca em 1913.20

19 COCOCI, Alexandre Mariano; COSTA, Luiz Fructuoso. Planta Geral da Cidade de São Paulo. Prefeitura Municipal de São Paulo para uso de suas Repartições, 1905. 20 COCOCI, Alexandre Mariano; COSTA, Luiz Fructuoso. Planta da Cidade de São Paulo. Companhia Litographica Hartmann-Reichenbach, 1913.

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Figura 5 - Detalhe das ruas pavimentadas no bairro da Mooca em 1916.21

Ao observar os mapas da cidade de São Paulo, levantados por empresas públicas e

privadas para diversos fins, tem-se uma percepção mais clara da forma como ocorreu o

desenvolvimento do bairro.22 A Planta levantada pela Companhia Cantareira de Esgotos ainda

em 1881 (fig. 1), já reconhecia o local como uma área própria, entretanto notando lá apenas a

rua da Mooca, ligando o lugar ao centro, e a Travessa da Mooca (mais tarde chamada de

Piratininga), ligando a Rua da Mooca ao Brás. O traçado pontilhado de ambas as ruas sugere

que não eram pavimentadas. Pode-se observar ali o rio Tamanduateí a oeste, separando a várzea

da Mooca da região central da Cidade, e o bairro do Brás, a norte, composto principalmente

pela “Rua do Braz” (mais tarde, Rangel Pestana) e “Rua do Gazometro”. A sul do bairro nada

é relacionado no mapa, e a leste, está a estrada de ferro S. P. Railway.

Em 1895, um outro mapa (fig. 2) dividiu a cidade em cinco grandes distritos: Sé do

Norte; Sé do Sul; Santa Efigênia; Consolação; e Brás. Dentro deste último bairro, a Mooca já

aparece, composta pela rua da Mooca, rua Visconde de Parnaíba, rua Piratininga e mais algumas

pequenas vias. Nota-se uma concentração destas ruas próximas à estação da estrada de ferro.

Logo abaixo desta estação, a figura indicada com o número 20 refere-se ao prédio da Imigração.

21 Planta da Cidade de São Paulo. Levantada pela Divisão Cadastral da 2ª Secção da Directoria de Obras e Viação da Prefeitura Municipal ("Edição Provisória"). Companhia Litographica Hartmann-Reichenbach, 1916. 22 Todos os mapas utilizados para este texto estão disponíveis no site do Histórico Demográfico do Município de São Paulo. <http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/index.php>. Acesso em: 15 ago. 2014.

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Pode-se observar ainda as várzeas alagadiças que seguem o rio Tamanduateí, representadas no

mapa por traços que lembram um terreno pantanoso.

Já no século XX, em 1905, a Planta Geral da Cidade de São Paulo (fig. 3), adotada pela

Prefeitura Municipal para uso de suas repartições, mostra um maior número de ruas entre

avenida Rangel Pestana e a rua da Mooca, ambas equipadas com linha de transporte por bonde

elétrico. A ligação entre estas duas vias podia ser feita também com linha de bonde elétrico,

pela rua Piratininga, antiga Travessa da Mooca. Da mesma rua Piratininga podia-se tomar um

bonde na esquina com a rua Visconde de Parnaíba – paralela à rua da Mooca e à avenida Rangel

Pestana – até a estação da Segunda Parada da Estrada de Ferro Central do Brasil. Nota-se na

porção leste do bairro o “Hyppodromo”, largamente utilizado pelo Jockey Club. Pode-se

observar também que o número de fábricas já é maior do que nos mapas anteriores.

Depois de sua criação oficial enquanto distrito, o bairro da Mooca aparece com

contornos próprios na Planta da Cidade de São Paulo de 1913 (fig. 4): a oeste, limitada pelo rio

Tamanduateí; a sul, ainda seguindo o rio Tamanduateí, faz fronteira com os bairros do Cambuci

e do Ipiranga; a leste, termina na rua Bresser; e a norte, separa-se do Brás na avenida Rangel

Pestana. No mapa, o adensamento populacional do bairro é levado em consideração e

concentra-se principalmente em torno da estrada de ferro, na rua da Mooca, e, em direção ao

bairro do Brás, nas proximidades com a avenida Rangel Pestana. Também existe um grande

número de estabelecimentos fabris.

Este adensamento não significou, porém, que as condições do bairro melhoraram. O

mapa seguinte (fig. 5), datado de 1916, mostra que, em comparação com o Brás, a Mooca tinha

poucas ruas pavimentadas. E estas se concentravam na região compreendida entre a rua da

Mooca e a avenida Rangel Pestana e em torno da via férrea. A relativa falta de pavimentação

pode ser explicada também pelo fato de a empresa que promoveu a produção do mapa, a

Diretoria de Obras e Viação da Prefeitura Municipal, considerava, no mesmo documento, como

fora do limite urbano todo o espaço do bairro da Mooca compreendido entre a rua da Mooca e

a Vila Prudente. Não havia ali mais do que a Estrada de Ferro São Paulo Railway, a estrada

para o Ipiranga e Vila Prudente, a rua Bavária e a rua Borges de Figueiredo, esta circundada

por outras poucas ruas menores. A maior quantidade de ruas estava mesmo situada entre a

Avenida Rangel Pestana e a Rua da Mooca.

O bairro, é relevante lembrar, não está separado do restante da cidade, fechado em si

mesmo. É necessário se ter em conta que as pessoas que o habitavam deslocavam-se para além

dessas fronteiras – nem sempre tão claras, mas espacialmente fluidas – para fins diversos, como

trabalho, atividades sindicais ou diversão. Mesmo dentro destas fronteiras não se pode supor

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uma identidade estanque, pois, como se verá, identidades múltiplas, como a local, mas também

étnica, regional, de gênero e de classe, se entrelaçavam e fundiam, desfaziam e reconstruíam.23

1.2. As atividades econômicas e os ofícios.

Pela cidade de São Paulo, os mundos do trabalho urbano se estabeleciam, alargavam e

diversificavam. Por todos os cantos surgiam “[...] grandes fábricas e fabriquetas, oficinas,

pequenas e médias empresas, estabelecimentos comerciais, botequins, companhias de

transportes e de serviços vários, [...]”.24 A Mooca, entre os anos de 1900 e 1920, inserida

também neste processo, mostrava grande diversidade em sua atividade econômica.

Os estabelecimentos têxteis tinham forte presença no bairro. Havia ali a Regoli, Crespi

& Comp., onde os operários, atuando em teares mecânicos, urdideiras, prensas, entre outras

máquinas, somavam no início do século XX entre 280 e 300, “[...] conforme a urgência do

serviço”.25 No n.º 155 da rua da Mooca situava-se a Fábrica de Tecidos Labor,26 na rua Orville

Derby, n.º 51, estava a fábrica de aniagens da Companhia de Indústrias Têxteis Penteado, e na

rua João Antônio de Oliveira, n.º 59, ficava a fábrica de estopas Santa Maria, de propriedade

de Antônio Sabetta.27 Havia também uma fábrica de tecidos pertencente a Francisco Ximenes28,

uma fábrica de tecidos, sem maiores identificações, à rua Javari, e, na rua da Mooca, uma

fábrica de aramina29, também sem identificação.30

Atividades fabris ligadas ao ramo de bebidas e alimentação também tiveram presença

marcante no bairro. Entre as alimentícias havia a Fábrica de Biscoitos Duchen, ocupante de um

galpão à rua da Mooca, a Companhia Frigorífica Paulista, no n.º 356 da rua da Mooca, a

Empresa de Laticínios União, ocupando os números 387 e 430 da rua da Mooca, e, na mesma

23 SAVAGE, Mike. “Classe e História do trabalho”. In: BATALHA, Cultura de Classes, Op. Cit. 24 GUZZO, Maria A. D. Indústria, Trabalho e Cotidiano: Brasil – 1889 a 1930. São Paulo: Atual, 1991, p. 5. 25 BANDEIRA JUNIOR, Antônio F. A Industria no Estado de São Paulo em 1901.Typografia do 'Diário Oficial': São Paulo, 1901, p. 9-10. 26 Para o levantamento das atividades econômicas presentes no bairro, utilizei, além da obra de Bandeira Júnior, principalmente o jornal Correio Paulistano. Edições de 18/09/1900; 20/06/1903; 22/10/1904; 28/12/1908; 12/12/1911; 06/10/1912; 28/05/1911; 23/03/1913; 09/05/1913; 01/08/1913; 13/09/1913; 07/10/1913; 05/11/1913; 01/12/1913; 01/03/1917; 01/08/1914; 17/01/1915; 12/07/1915; 13/07/1915; 02/10/1915; 01/04/1916; 17/09/1916; 03/04/1917; 01/07/1917; 01/09/1918. 27 A fábrica de estopas Santa Maria entrou em concordata em julho de 1921. Ver Diário Espanhol de 23/07/1921. 28 Também grafado como Gimerez. Ver O Commercio de São Paulo, 14/01/1903. 29 A aramina foi adotada como substituta do fio da juta e do cânhamo no fabrico de aniagem e de barbante. Ver MOTOYAMA, Shozo (Org.). USP 70 anos: imagens de uma história vivida. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p. 96. 30 Planta Geral da Cidade de São Paulo, 1905. Prefeitura Municipal para uso de suas Repartições.

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29

via, no n.º 236, a Fábrica de Bombons de Chocolate Optimus. Entre aquelas dedicadas à

produção de bebidas alcoólicas, havia a Distillação Italiana a Vapor, de propriedade de Luiz

Trevisan, à rua Visconde de Parnaíba, n.º 146, que produzia licores “finos” e “comuns” e

empregava 21 operários, sendo apenas 1 brasileiro.31 Havia também a Licores Azevedo e

Barros, no n.º 238 da rua da Mooca.32

A fábrica de cerveja Bavária, situada à alameda que levava seu nome, foi fundada em

1890 por Henrique Stupakoff, e empregava cerca de 200 pessoas “[...] conforme a urgência e

abundancia do fabrico”. Os 23 mil metros quadrados da área que abrigava o edifício e o

maquinário de produção chamou a atenção de Antônio Francisco Bandeira Júnior, autor de um

dos primeiros trabalhos sobre a indústria paulista, de 1901. Disse ele sobre a fábrica que

[...] é dever patriótico despertar a atenção pública por certos estabelecimentos, que se

estivessem na Europa, os brasileiros seriam os primeiros a percorrê-los para ter o que

narrar, entretanto não os conhecem em o seu próprio país!

A fabricação de cerveja requeria maior qualificação e envolvia atividades mais

complexas, como a necessidade de salas especiais para o cultivo do bacilo para a fermentação,

[...] indispensável ao fabrico da cerveja, uma das cousas mais curiosas desse ramo de

indústria, funciona em câmara separada, ao cuidado do hábil fabricante de cerveja, o

qual tem também a seu cargo o laboratório de análises.33

Outras atividades, além dos estabelecimentos têxteis, de bebidas e alimentícios, também

existiam no bairro. Na rua da Mooca, n.º 46, funcionou a Fábrica de Carros Rodovalho, de

propriedade de Antônio Proost Rodovalho, Oscar Horta e de Antônio Proost Rodovalho Júnior,

dedicada ao fabrico de “[...] carros, victorias, coupés, landeaux, berlindas, phaetons breaks,

charretes, troles, carroças e outros veículos”, contando com 50 trabalhadores “estrangeiros”.34

Em 1907, a empresa contava com uma cocheira no n.º 3 da rua da Mooca35 e, em 1915, montou

uma oficina de carros nos números 82 e 84 da mesma rua.

Ali perto, na rua da Mooca, n.º 131, estava também a Fábrica de Calçados Clark. Ainda

na mesma rua havia a Companhia Paulista de Louça Esmaltada; a Serraria Matarazzo

funcionava à rua Borges de figueiredo, n.º 108.

31 BANDEIRA JUNIOR, Op. Cit., p. 110. 32 O Combate, 30/08/1918. 33 BANDEIRA JUNIOR, Op. Cit., p. 38-29. 34 Idem, Ibidem. p. 120. 35 Fanfulla, 05/09/1907.

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Além dessas, existiam também estabelecimentos de menor vulto. Na rua da Mooca

estavam uma Serraria da Mooca, n.º 108; uma fábrica de Bilhares da Mooca; uma Fábrica de

Gaiolas, n.º 245; uma fábrica de tamancos. Estabelecimentos menores existiam pelo bairro: no

n.º 102 da rua da Mooca, a carpintaria de José Gioia; no n.º 120, a tinturaria Casa Toda

Confiança; no n.º 258, a oficina de carros e carroças de Antônio Anunzziata, onde também

trabalhavam seus filhos; e no n.º 266, a oficina de propriedade do ferreiro Augusto Borrobelli.

Em outros locais encontramos uma Lenharia da Mooca, na rua Placidina; uma Fábrica de

Pentes, à rua Xingu, n.º 68; e uma pequena fábrica de fogos de artifício, de propriedade do

fogueteiro Antônio Fortunato.

Quanto às atividades comerciais, existiam no bairro as farmácias Cataldi, Pharmacia

da Mooca, e a Pharmacia Roma; a padaria de Alfredo Chioffi, no n.º 29; e diversos armazéns,

muitos sem identificação, em diferentes alturas da rua da Mooca.

Os estabelecimentos fabris e comerciais situados na Mooca indicam os ofícios exercidos

pelos moradores do bairro. Assim, podemos notar a presença de tecelões; tintureiros; sapateiros;

mecânicos; serralheiros; ferreiros; carpinteiros; marceneiros; fogueteiros; farmacêuticos;

comerciantes e trabalhadores do comércio em geral; trabalhadores em fábricas de bebidas; de

alimentos em geral; de louças; de pentes; de gaiolas. Considerando ainda os grupos de ofício

que encontramos, pode-se verificar que pedreiros e alfaiates frequentemente faziam reuniões

na Mooca.36 Os cocheiros também tinham no local um armazém de sua Sociedade Cooperativa,

que ficava ao lado da Cocheira Rodovalho37, o que indica a forte presença de trabalhadores

deste ofício no bairro. Ainda, ferroviários, vaqueiros e carroceiros trabalhavam, passavam ou

habitavam no bairro, como apontam diversas notícias sobre acidentes, brigas ou prisões38.

Um outro aspecto, apontado por Maria Inez Machado Borges Pinto em importante

estudo, é bastante relevante para entendermos os mundos do trabalho na cidade de São Paulo.

Apesar da atmosfera de prosperidade das indústrias, os trabalhadores estavam sujeitos a baixos

salários que não faziam frente aos crescentes aumentos do custo de vida. Além disso, a redução

da produção de alguns ramos industriais, como o das cervejarias, cujo consumo do produto

oscila de acordo com as estações do ano, provocava a dispensa de grande parte dos

trabalhadores ou uma a forte redução em seus salários.39 A situação, que a autora bem define

36 A Lanterna, 16/03/1912. 37 Fanfulla, 05/09/1907; e O Commercio de São Paulo, 05/09/1907. 38 Ver como exemplo as edições 14432, 14529 e 14681 do jornal Correio Paulistano, em especial a seção chamada “Fatos Diversos”; e o Fanfulla de 17/06/1909. 39 PINTO, Maria I. M. B. Cotidiano e Sobrevivência: A Vida do Trabalhador Pobre na Cidade de São Paulo, 1890-1914. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 74 e 83.

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como “[...] ambígua de participação-exclusão”, fazia com que aqueles que não estavam

empregados em fábricas buscassem sobreviver do trabalho ocasional ou de pequenas atividades

independentes, dando origem a um grande número de pequenas oficinas caseiras, “[...]

localizadas em prédios malcuidados, pobres”, e vendedores ambulantes em carroças, como

fruteiros e verdureiros, ou mercadores a pé, “[...] carregando os seus produtos em sacos, cestas,

jacás de taquara, etc.”.40

Assim, fábricas e outros estabelecimentos de dimensões e portes variados indicam que

no bairro conviviam operários menos especializados, empregados em pequenas ou grandes

fábricas, e trabalhadores mais especializados, que ocupavam posições mais elevadas em

fábricas cujos processos produtivos requeressem maior qualificação, como os cervejeiros, ou

que trabalhavam em âmbito domiciliar ou em pequenas oficinas, assistidos por aprendizes,

muitas vezes integrantes da mesma família41, além, obviamente, daqueles que ocupavam

empregos sazonais ou que estavam desempregados.42

Os boletins do Departamento Estadual do Trabalho, lançados em 191343, para cada

trimestre daquele ano oferecem diversas informações sobre o salário corrente de diversos

ofícios das mais diferentes áreas de trabalho. A partir dos dados obtidos naquele documento,

conseguimos projetar um quadro geral das diferenças salariais entre os trabalhadores.

Tabela 2 - Média dos salários mensais por área de trabalho.

Área de trabalho Média mensal (em mil réis)

Construção 182,19

Tipografia 178,59

Transporte 122,25

Têxtil 106,59

Serviços domésticos 87,16

Conforme observamos na tabela acima, a variação salarial entre diferentes áreas de

atuação eram bastante grandes. Contudo, apesar de útil para mostrar de forma geral as

diferenças entre os ramos de trabalho, a tabela foi construída a partir de um aplainamento das

divisões internas de cada área, o que deixa de fora as variantes salariais a partir de ofícios, da

especialização, também aquela existente entre homens e mulheres, adultos e crianças e brancos

e negros. Assim, é importante traçarmos um quadro mais específico para cada área de atividade.

40 PINTO, Cotidiano e Sobrevivência, Op. Cit., p. 113 e 124. 41 Cf. THOMPSON, Edward P. “Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial”. In: THOMPSON, Costumes em Comum, Op. Cit.; e HOBSBAWM, Eric J. “O Debate Sobre a Aristocracia Operária”. In: HOBSBAWM, Eric J. Mundos do Trabalho: novos estudos sobre história operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. 42 PINTO, Cotidiano e Sobrevivência, Op. Cit., p. 74. 43 Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo: Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas. v.2, n.6, 1. trim., 1913; v.2, n.7, 2. trim., 1913; v.2, n.8/9, 3/4. trim., 1913.

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32

Tabela 3 - Média salarial mensal dos trabalhadores da construção.

Construção Média mensal (em mil réis)

Frentistas 300,00

Estucadores 285,00

Pintores decoradores 285,00

Marceneiros de obras finas 232,50

Ferreiros 224,00

Encanadores 200,00

Marceneiros 191,25

Carpinteiros 187,50

Pintores 183,75

Pedreiros especiais 180,00

Canteiros 176,25

Pedreiros 165,00

Ajudantes de carpinteiro 142,50

Cavouqueiros 135,00

Carroceiros 112,50

Trabalhador de terra 112,50

Ajudantes de encanadores 108,00

Servente de pedreiro 105,00

Guarda de obras 75,00

Servente de pedreiro (menores) 75,00

Tabela 4 - Média salarial mensal dos trabalhadores de fábricas de tecidos.

Fábricas de tecidos Média mensal (em mil réis)

Contramestres 195,00

Cardas 150,00

Tinturaria e alvejaria 150,00

Preparo e engomação 145,50

Tecelagem 144,00

Fiação 139,50

Batedores 135,00

Malharia (mulheres) 108,00

Fiação (mulheres) 103,50

Acabamento (mulheres) 97,50

Contramestres (mulheres) 97,50

Franjaria (mulheres) 82,50

Limpadeiras (mulheres) 75,00

Espulas (menores) 48,00

Franjaria (menores) 48,00

Maçaroca (menores) 48,00

Carreteis (menores) 45,00

Tabela 5 - Média salarial mensal dos trabalhadores em oficinas mecânicas.

Fundições e oficinas mecânicas Média mensal (em mil réis)

Eletricistas 250,00

Mecânicos 227,50

Caldeireiros 195,00

Maquinistas 190,00

Torneiros 187,50

Ajustadores 180,00

Chumbadores 135,00

Ajudante de eletricista 125,00

Foguistas 112,50

Malhadores 86,25

Aprendiz de torneiro 60,00

Aprendiz de malhadores 52,50

Aprendiz mecânico 52,50

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Tabela 6 - Média salarial mensal dos trabalhadores do transporte.

Transportes Média mensal (em mil réis)

Inspetores 231,00

Cheuffeur mecânicos 215,00

Cheuffeur (particulares) 150,00

Maquinistas 150,00

Condutores 144,00

Motorneiros 144,00

Carroceiros 127,50

Foguistas 124,50

Cocheiros 115,00

Cocheiro de empresa 105,00

Graxeiros 105,00

Manobristas 105,00

Entregadores de mercadoria 80,00

Tratadores 75,00

Entregadores de jornal 45,00

Mensageiros 40,00

Tabela 7 - Média salarial mensal dos trabalhadores em tipografias.

Tipografias Média mensal (em mil réis)

Gravadores 400,00

Mestres de tipografia 400,00

Linotipistas 397,50

Impressores 270,00

Impressores manuais 232,50

Pautadores 225,00

Mestres encadernadores 210,00

Encadernadores 202,50

Tipógrafos formistas 195,00

Tipógrafos 161,25

Meio-oficiais 106,50

Ajudantes 75,00

Aprendiz de tipógrafo 75,00

Aprendiz impressor 75,00

Aprendizes (em geral) 56,67

Tabela 8 - Média salarial mensal dos trabalhadores em serviços domésticos.

Serviços domésticos Média mensal (em mil réis)

Jardineiros 150,00

Costureiras 135,00

Lavador de casa 135,00

Enceradores de assoalho 131,25

Lavadeira de casa 120,00

Ama de leite 112,50

Cozinheiro Perito 100,00

Cozinheiro 80,00

Copeiros 67,50

Criado (para todo o serviço) 60,00

Lavadeira de roupa 57,50

Cozinheira 56,25

Criada (para todo o serviço) 52,00

Criada (cozinhar ou passar) 47,50

Ama seca 37,50

Pajens (menores) 22,50

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Quando observamos as tabelas acima, revela-se uma pluralidade e convivência de

ofícios mais ou menos especializados e com diferentes salários, o que podia gerar disputas ou

divisões, já que, como ensina Thompson, para o caso inglês, nas cidades “[...] o aprendiz e o

trabalhador qualificado, donos de suas próprias ferramentas e dedicados a uma profissão

durante toda a sua vida, eram uma minoria”, e, ainda, as “antigas especialidades” em um

momento de industrialização tendiam à extinção, suplantadas pelas “[...] novas, em ascensão”.44

Entre os trabalhadores das mais diversas áreas, os salários percebidos pelos mais

especializados eram significativamente maiores do que os de trabalhadores com menor

especialização. Na área da construção (tab. 3), por exemplo, os pintores decoradores recebiam

em média 100 mil réis a mais que os pintores comuns e quase três vezes mais que os serventes

de pedreiro. Também entre os tipógrafos (tab. 7), os salários de mestres de tipografia e

gravadores, que recebiam 400 mil réis, ultrapassavam a marca de 100 mil réis de diferença

sobre os demais trabalhadores.

Uma outra divisão podia ser percebida entre trabalhadores mais experientes e

aprendizes: um aprendiz de torneiro recebia 60 mil réis enquanto um torneiro comum podia

receber em média 187 mil réis (tab. 5), e a diferença era ainda maior, dependendo do ofício. Os

mecânicos, por exemplo, podiam receber até cinco vezes mais que seus aprendizes.

É interessante notar que entre os trabalhadores de fábricas de tecidos (tab. 4), emprego

que requeria menor especialização, os salários não sofriam muita variação entre os homens,

oscilando entre 135 e 150 mil réis. Todavia, podiam variar bastante conforme o gênero: as

mulheres recebiam de 30 a 100 mil réis a menos do que os homens para cumprir a mesma

função. As crianças, ainda, recebiam aproximadamente metade do salário pago às mulheres.

Se observarmos a tabela referente aos serviços domésticos (tab. 8), podemos entender

que aos trabalhadores negros cabiam os menores salários. Conforme conta Liana Salvia

Trindade, naquela cidade de São Paulo dos inícios do século XX esses trabalhadores eram

empregados em serviços domésticos e, nas indústrias, eram considerados como reserva de mão-

de-obra pelos empresários. Estabelecimentos pertencentes a italianos, libaneses, ingleses, como

fábricas de vidro, de sapatos, de chapéus ou as grandes indústrias têxteis, naqueles bairros

operários como Bexiga, Bom Retiro, Brás e Mooca, empregavam geralmente imigrantes

europeus, mas era possível encontrar trabalhadores negros nesses locais como carregadores,

faxineiros, ajudantes, enfim, “[...] empregados de baixo escalão”.45

44 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 88-90. 45 TRINDADE, Liana S. “O negro em São Paulo no período pós-abolicionista”. In: PORTA, História da Cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 104-105.

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Assim, às divisões de ofício e de especialização entre os trabalhadores podiam se somar

ainda divisões étnicas ou, para ser mais específico, de cor. A relação entre trabalhadores negros

e brancos, estes sobretudo imigrantes europeus, fazia emergir um “[...] racismo arraigado na

sociedade paulistana”, e causava constantemente uma série de conflitos cotidianos.46 Segundo

Trindade, os trabalhadores negros “[...] conviviam nos mesmos bairros que os imigrantes

europeus, viviam as mesmas condições de insalubridade, mas não encontravam as mesmas

condições que os brancos no mercado de trabalho”.47

Na Mooca, sabemos da existência de trabalhadoras afrodescendentes empregadas na

fábrica têxtil Trapani.48 Todavia, as referências que encontramos são muito escassas,

dificultando bastante a construção de um panorama sobre os locais onde se empregavam e os

ofícios que de fato exerciam os trabalhadores negros no bairro.

O que nos fica, porém, é que o panorama que vai se formando manifesta um caráter

bastante heterogêneo sobre a atividade econômica da Mooca e nos oferece vestígios de um

mundo do trabalho bastante diversificado.

46 SIQUEIRA, Uassyr de. “Clubes Recreativos: organização para o lazer”. In: AZEVEDO, Elciene et. al. (Org.). Trabalhadores na cidade. Campinas: Ed. UNICAMP, 2009, p. 285. 47 TRINDADE, “O negro em São Paulo no período pós-abolicionista”, Op. Cit., p. 105. 48 DOMINGUES, Petrônio J. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Ed. Senac, 2004, p. 228.

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Figura 6 - Fábricas: a Companhia Antártica Paulista, 1912.49

Figura 7 - Fábricas: seção de tecelagem do Cotonifício Crespi, 1912.50

49 “Fabrica de cerveja da Companhia Antartica Paulista”. Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo: Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, v.1, n.5, 4. trim., 1912, p. 586. 50 “Secção de tecelagem ‘Cotonificio Rodolfo Crespi’”. Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, Op. Cit., 1912, p. 505.

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Figura 8 - Trabalhadores: operários em frente a uma fábrica no bairro da Mooca, 1906.51

Figura 9 - Trabalhadores: vendedores de frutas sobre sua carroça no bairro da Mooca, 1920.52

51 (Autor desconhecido). 1 fotografia, ampliação, preto e branco, gelatina e prata, 18x24cm. Disponível em <http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/upload/fotografias/MI_ICO_AMP_043_002_021_001.jpg>. Acesso em: 7 de mai. 2015. 52 (Autor desconhecido). Vendedor de frutas italiano no bairro da Mooca em 1920. 1 fotografia, ampliação, PB, gelatina e prata, 18x24cm. Disponível em: <http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/upload/fotografias/MI_ICO_AMP_019_001_066_001.jpg>. Acesso em: 7 de mai. 2015.

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1.3. Os habitantes do bairro

Não sabemos quantos eram os habitantes da Mooca em 1900, já que o desmembramento

em relação ao distrito do Brás ocorreu somente em 1910. Para o ano de 1916, entretanto,

sabemos que os habitantes do bairro somavam 69.794, número composto por 35.957 homens e

33.837 mulheres, o que revela um relativo equilíbrio numérico entre os gêneros. Esse total fazia

da Mooca já o bairro mais populoso da capital, seguido pelo Brás (66.086) e pelo Belenzinho

(58.887).53 Em 1920, os moradores do bairro representavam 11,95% do total da capital, com

69.209 pessoas, número ainda superior ao dos vizinhos Brás (67.074) e Belenzinho (45.828).54

Em toda a cidade de São Paulo no início do século XX, a maioria da população era formada

por estrangeiros, que compunham 54,6% já em 1893. Apenas no fim da década de 1910 os

imigrantes deixariam de compor a maior parte dos habitantes, “[...] após vários anos de

imigração reduzida”, chegando a 35% em 1920.

Quando chegavam na cidade, explica Michael Hall, “[...] os imigrantes tendiam a

procurar emprego e moradia nos bairros industriais situados nas vizinhanças das linhas das

estradas de ferro”.55 Assim, podemos entender que a população da Mooca era composta por

uma maioria de estrangeiros. Os Grupos Escolares da Mooca podem nos dar algumas pistas da

composição étnica do bairro. A partir das informações encontradas nos Anuários Estatísticos

do Estado de São Paulo, referentes aos anos entre 1905 e 1920, temos a seguinte disposição56:

Tabela 9 - Quantidade de alunos dos Grupos Escolares da Mooca por nacionalidade.

Ano 1906 1907 1914 1915 1916 1918 1919

Total de alunos 396 401 1.1914 2.193 2.111 1.025 1.026

Brasileiros 365 373 1.621 1.874 1.780 857 862

Italianos - - 84 93 116 52 38

Portugueses - - 58 107 100 16 17

Espanhóis - - 104 85 65 62 71

Alemães - - - 9 16 - 1

Franceses - - - 3 4 - 2

Ingleses - - - 1 4 - -

Árabes - - - - 3 12 12

Outras Nacionalidades 31 28 47 - 7 19 19

53 SOUSA, Alberto. Estudos demográficos: a população de São Paulo no último decênio; 1907-1916. São Paulo: Tipografia Piratininga, 1917, p. 90-91. 54 Recenseamento do Brasil Realizado em 1º de setembro de 1920. População do Brasil por Estados, municípios e distritos, segundo o sexo, a idade e a nacionalidade. Vol. IV. – 2ª Parte. Tomo I. 1926. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. BRASIL. p. 122 – 139. Disponivel em <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv6461.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2014. 55 HALL, “Imigrantes na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 121. 56 As informações sobre os grupos escolares, seus alunos e seus pais foram encontradas nos Anuários Estatísticos do Estado de São Paulo referentes aos anos entre 1905 e 1920. Disponível em <http://www.seade.gov.br/banco-de-dados/>. Acesso em: 26 fev. 2015.

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Se adotássemos apenas estes dados, os brasileiros seriam absoluta maioria em todo o

período, seguidos por italianos, espanhóis, portugueses, árabes, alemães, franceses e ingleses,

excluindo-se ainda a notação “outras nacionalidades”, que não tem maiores identificações no

documento. Porém, ao examinarmos os dados oferecidos sobre os pais desses alunos, a situação

inverte-se. Em 1914, aqueles apontados como estrangeiros representavam 84%, número que se

mantém praticamente inalterado em 1915, subindo a 87% em 1916, chegando a 92% em 1918,

reduzindo-se somente em 1920, com 73%.

A partir destas informações, e lançando mão da noção de “comunidade migrante

alargada”, entendendo como imigrantes não apenas aqueles nascidos em seus países de origem

“[...], mas também seus filhos nascidos em São Paulo, mesmo sendo eles influenciados por um

ambiente multiétnico em constante transformação”, podemos considerar que os estrangeiros

eram maioria no bairro, porque ainda que seus filhos fossem classificados pelo poder público

como “brasileiros”, no caso dos imigrantes italianos seus filhos nascidos no Brasil cresceram

em uma São Paulo “[...] que por quase trinta anos teve um terço de sua população estável

composta por compatriotas de seu país, cujos filhos, por direito, também eram italianos”.57

Na Mooca particularmente se instalaram italianos, provenientes de regiões do Norte e

do Sul daquele país, também um expressivo contingente de espanhóis, advindos principalmente

da Andaluzia, e posteriormente imigrantes do centro e leste europeu, como russos, lituanos,

poloneses, húngaros e alemães.58 Assim como compuseram a maioria dos imigrados para a

cidade de São Paulo até os anos de 194059, os italianos, ao que tudo indica, eram maioria

também no bairro. É preciso notar, ainda, a presença de trabalhadores negros que, como vimos

pouco antes, trabalhavam na Mooca. Negros e brancos, contudo, apesar de partilharem as

mesmas experiências em relação às condições materiais do local, como a insalubridade,

encontravam muitas vezes barreias ao convívio mútuo, como o racismo e a discriminação por

parte dos brancos, que não eram facilmente – e muitas vezes não eram de forma alguma –

superadas por identidades políticas ou mesmo religiosas.60

De toda forma, essa presença amplia a riqueza e complexidade das relações dos

trabalhadores no bairro da Mooca, colocando em evidência que no local estavam não apenas as

culturas prévias de imigrantes europeus, mas também as de trabalhadores negros. Além disso,

57 BIONDI, Luigi. “Imigração Italiana e Movimento Operário em São Paulo: Um Balanço Historiográfico”. In: CARNEIRO, História do Trabalho e História das migrações, Op. Cit., p. 25. 58 DUARTE, Cultura popular e cultura política no após-guerra, Op. Cit., p. 201-202. Ver também, especificamente sobre os imigrantes espanhóis, CANOVAS, Imigrantes Espanhóis na Paulicéia, Op. Cit. 59 HALL, “Imigrantes na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 124. 60 TRINDADE, “O negro em São Paulo no período pós-abolicionista”, Op. Cit., p. 105.

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como lembra Hall, ao contrário do que ocorreu em várias cidades norte-americanas, nunca

houve em lugar algum da cidade de São Paulo “[...] guetos étnicos tão fechados”, apesar de ser

possível encontrar locais com uma forte concentração étnica61, sugerindo tanto divergências

internas no bairro quanto uma viva multiplicidade identitária e cultural.

1.4. Condições de vida.

Para a população mais pobre, inclusos aí os trabalhadores, assim como acontecia em

outros bairros da cidade de São Paulo nos inícios do século XX que apresentavam grande

número de fábricas e em que se concentrava “[...] o proletário nesta opulenta e formosa

Capital”62, a Mooca evidentemente não representava uma ilha de conforto.

Um articulista de A Lanterna, jornal anticlerical e libertário, em um artigo em que

criticava os gastos da Câmara Municipal com as construções de igrejas no ano de 1912,

lembrava da “[...] falta de habitações em condições apropriadas para esse fim”.

O que vemos atualmente são uns casebres - pois que não merecem o nome de casas -

sem salubridade, sem ar, sem luz, onde se vê a prole dos operários que as habitam

enfezada, anêmica, raquítica, atrofiada, depondo contra a salubridade de uma cidade

que se acha colocada em um ponto maravilhoso, quer encarado pelo lado topográfico,

como pela posição geográfica.

Na Mooca, contava-se ainda naquele jornal, existia na rua que levava o nome do bairro

um conjunto de pequenas casas “[...] a que o povo dá por uma triste ironia o nome de Vila da

Mooca [...], mas que nós lhe damos o de Cortiço da Mooca”.

Compõe-se esse grupo, além de algumas casas com frente para a rua, de vinte e dois

casebres, do arco de entrada para dentro, onze de cada lado, com uma porta e uma só

janela na frente, contendo três compartimentos, cada casebre, com as seguintes

dimensões: Sala: 4,70 por 3,05 igual 14.335 m. quadrados; Quarto: 3,10 por 3, 15

igual 9, 765 m. quadrados. Cozinha: 3,10 por 2,45 igual 7,595 m. quadrados. Tem o

todo [sic], fora uma pequena área, trinta e um metros, seiscentos e noventa e cinco

centímetros quadrados, rendendo cada casebre mensalmente 45$000 mil réis,

inclusive o imposto do lixo. Eis a quantos sacrifícios está sujeita a classe operaria e

pobre, habitando casas imprestáveis e insalubres, pagando uma renda caríssima.63

Entretanto, não eram somente grupos ligados ao movimento operário, como o jornal A

Lanterna, que estavam preocupados com a questão da habitação dos trabalhadores, “[...]

61 HALL, “Imigrantes na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 122. 62 BANDEIRA JUNIOR, Op. Cit., p. XIV. 63 A Lanterna, 22/06/1912.

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problema de muitos”, como bem destaca Maria Auxiliadora Dias Guzzo.64 Jefferson Cano, em

estudo recente, nota que, para industriais e poderes públicos, além da imprensa operária, os

cortiços reuniam em um mesmo quadro “[...] a dupla carência, de higiene e de moral”. Naquele

período, entre as classes mais abastadas, a percepção era a “[...] de que os trabalhadores

constituíam uma ameaça à saúde pública”, e ganhava força “[...] o desejo de combater essa

ameaça por meio de intervenções que visavam modernizar e europeizar a cidade [...]”.65

Os poderes públicos já desde o fim da década de 1890 vinham elaborando relatórios

sobre a questão, com o intuito de “ordenar o caos”, e as indústrias apostavam no lucrativo

negócio de construir habitações operárias.66 À época, muitos industriais iniciaram a construção

de conjuntos habitacionais próprios. Contudo, como diz Hugo Segawa, “[...] não se pode

generalizar a constituição de vilas operárias de iniciativa empresarial como uma prática

corrente”, pois era algo que requeria uma grande soma de capital, “[...] ao alcance apenas das

grandes empresas”, e eram destinadas à “[...] mão-de-obra especializada de mestres e

contramestres cuja permanência e controle próximo à planta industrial era uma necessidade

estratégica”.67

No bairro da Mooca, a Fábrica de Tecidos Crespi, a fábrica de sapatos Clark e a

cervejaria Antártica68 edificaram casas em série aglutinadas em torno de seus estabelecimentos.

Nesses casos, à exemplo do que ocorria nos outros bairros da cidade, contemplavam-se somente

os trabalhadores mais especializados. Os menos especializados, e mais pobres, para ter acesso

a alguma moradia, recorriam a casas, casebres, ou mesmo porões, subdivididos e ocupados

conjuntamente por várias famílias, que tentavam dar conta ainda dos altíssimos alugueis.69 Este

tipo de moradia era composto normalmente de muitos pequenos cômodos, pouquíssimas

instalações sanitárias e “[...] alguns tanques para a lavagem de roupas”. Carlos Lemos,

estudando os primórdios dessas habitações na cidade de São Paulo, assegura que

a repetição sistemática dessas acomodações de mesmos tamanhos naturalmente

sugeriu, por catacrese, a denominação cortiço, a moradia das abelhas caracterizada

pela sucessão de alvéolos de mesmo formato e tamanho.70

64 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit., p. 57. 65 CANO, Jefferson. “A Cidade dos Cortiços: os trabalhadores e o poder público em São Paulo no final do século XIX”. In: AZEVEDO, Trabalhadores na cidade, Op. Cit., p. 222. 66 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit., p. 57. 67 SEGAWA, Hugo. “São Paulo, veios e fluxos: 1872-1954”. In: PORTA, História da Cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 352. 68 No fim da década de 1900, a Companhia Antártica adquiriu a fábrica de cervejas Bavária, mantendo o estabelecimento no mesmo local, à rua Bavária. 69 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit., p. 59. 70 LEMOS, Carlos A. C. “Os primeiros cortiços paulistanos”. In: SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de. Habitação e Cidade. São Paulo: Fauusp/Fapesp, 1998, p. 10. Grifo no original

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Para os poderes públicos e seus fiscais sanitários, o que se entendia por cortiço, segundo

mostra Jefferson Cano, era

[...] uma área interior do quarteirão, aos fundos de um prédio onde haveria

‘estabelecida uma venda ou tasca qualquer’. Ali, em torno de um pátio, se dispunham

casinhas, em geral de ‘3 metros de largura, 5 a 6 de fundo, e altura de 3 a 3,5 com

capacidade para 4 pessoas, quando muito’.

Além desse cortiço “típico”, sempre segundo Cano, os operários ocupavam outros tipos

de habitações, tão preocupantes quanto eram os cortiços “[...] do ponto de vista sanitário”.

Mesmo sem os pequenos cubículos, “[...] um prédio independente com frente para a rua também

poderia ser considerado um cortiço em virtude da sua utilização, tendo em geral os cômodos

divididos em biombos, para permitir maior ocupação”. O mesmo processo de subdivisão dos

cômodos podia ser encontrado em sobrados ocupados na forma de cortiços, que “[...]

funcionavam como ‘casas de dormida a que se adicionam alguns cômodos para uso comum’”.71

Na Mooca, além da Vila da Mooca, existiu em 1900 um cortiço na rua Visconde de

Parnaíba, composto por dez cubículos, de propriedade do italiano Frederico Gambaro, mas

sublocado por Raphael Vitiello, e outro na rua Caetano Pinto, montado na casa de propriedade

de Francisco Zuanno, que foi repartida em cubículos para servir ao mesmo propósito.72

Encontrar informações sobre as condições em que os trabalhadores habitavam nos

cortiços é tarefa quase impossível, visto que, como nota Jefferson Cano, as fontes são bastante

escassas. A maior parte dos relatos que sobreviveram até os dias de hoje são recortes dos

relatórios elaborados por sanitaristas, e expressavam “[...] uma visão elitista e preconceituosa

em relação aos trabalhadores”. No interior dos cortiços, os relatores dos poderes públicos

descreviam a falta de ventilação adequada, o tamanho dos cômodos e, sobretudo, o “[...] asseio

dos habitantes, aspecto que ocupava de fato a maior parte das descrições”. Do lado de fora, as

torneiras e as latrinas eram insuficientes frente ao número de moradores. Além das questões

sobre insalubridade, encontravam-se outros meios para desaprovar os moradores,

[...] como os quadros de mau gosto, a infinidade de pregos nas paredes, onde se

penduravam utensílios domésticos e roupas, ou as pilhas de roupas para lavar que se

acumulavam sobre ‘móveis desagradavelmente dispostos’.73

71 CANO, “A Cidade dos Cortiços”, Op. Cit., p. 225. 72 Idem, ibidem, p. 239. 73 Idem, ibidem, p. 222 e 226-227.

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A moradia não era a única preocupação dos habitantes da Mooca. Bandeira Júnior, ao

descrever as condições encontradas nestes lugares, contou que “as casas são infectas, as ruas,

na quase totalidade, não são calçadas, há falta de água para os mais necessários misteres,

escassez de luz e de esgotos”.74 Além disso, não eram raros, principalmente naqueles bairros

situados próximos à várzea de rios, como é o caso da Mooca, os alagamentos. Em abril de 1900,

foi enviado à mesa da Câmara Municipal um abaixo-assinado dos moradores, proprietários de

imóveis dos bairros do Cambuci e Mooca, solicitando providencias para que fossem “[...]

minoradas as suas condições, que se tornam precárias, quando, na estação chuvosa, as águas do

rio Tamanduateí invadem as suas propriedades". Entretanto, nenhuma providência foi tomada

tão logo. Ainda no mês seguinte, com uma nova cheia do rio, formou-se uma “grande baía no

Cambuci e Mooca [...], nas ruas Anna Nery, Barão de Jaguará”.75

Em novembro de 1911, o Fanfulla expunha alguns dos problemas encontrados no

bairro. “As reclamações sobre o mau estado das ruas vêm de todos os lados e a velha história é

sempre a mesma”, contava-se ali. Os moradores do lugar reclamavam do “[...] indecente estado

em que se encontra a região servida pela linha de trens”. Segundo eles “[...] há um outro

desastre: a de vários fluxos de lama”.76 A mesma notícia revela ainda que os moradores sofriam

com a falta de iluminação, o que acarretava “[...] não poucos ladrões, e à noite eles vão para

roubar legumes”.77

Se em alguns períodos as águas fartavam e tomavam as ruas, na maior parte do tempo

“[...] falta o liquido fornecido pela Repartição de Obras Públicas”. Uma estratégia era então a

de ir abastecer-se de água nos “[...] dois poços artesianos que fornecem a água para o fabrico

do gelo e da cerveja” mantido pela cervejaria Bavária.78 De qualquer forma, com a falta de

saneamento, as habitações insalubres e os salários insuficientes para alimentação adequada, os

habitantes do bairro estavam vulneráveis a doenças “[...] de ‘fundo eminentemente social’”.79

A mistura de falta de salubridade urbana e as más condições de habitação da população

pobre fazia com que as preocupações sobre saúde e higiene naqueles bairros populares não

fossem sem razão, como afirma Jefferson Cano. Ainda segundo Cano, entre o fim da década de

74 BANDEIRA JUNIOR, Op. Cit., p. XIV. 75 Correio Paulistano, 04/04/1900 e 23/05/1900. 76 O Fanfulla era o maior jornal da comunidade italiana em São Paulo. Apesar de não pertencer à imprensa operária, foi, durante muito tempo, simpático às causas dos trabalhadores. Ver BIONDI, Luigi. “A greve geral de 1917 em São Paulo e a imigração italiana: novas perspectivas”. Cad. AEL, v.15, n.27, 2009, p. 273. 77 Fanfulla, 15/11/1911. 78 BANDEIRA JUNIOR, Op. Cit., p. 39. 79 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit., p. 39.

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1890 e início de 1900, diversas doenças como febre amarela, varíola, e febres

“maldeterminadas”, febres palustres, febre tifoide, escarlatina, alcançavam índices alarmantes

de mortalidade, sobretudo infantil. O Brás, que à época englobava também a Mooca, registrava

no início do século XX o maior número de mortes por doenças dentre os bairros da capital.80

No limiar dos anos 1900, quando os habitantes do Brás viviam uma epidemia de peste bubônica,

chegaram mesmo a cogitar que o bairro, representando na verdade toda aquela região a leste do

centro da cidade formada por grandes conglomerados fabris, se separasse da capital, “[...]

devido ao pouco caso das autoridades em satisfazer as necessidades do lugar”. Situação que se

repetiu em 1908, em meio à possibilidade de disseminação da varíola, e a consequente

devastação que a doença desencadearia, mesmo com o uso de vacinas, frente às más condições

de salubridade que se encontrava naquela região.81

Contudo, nenhum desses surtos de doenças poderia ser comparado ao advento da Gripe

Espanhola, em 1918. Segundo conta Liane Maria Bertucci, em outubro daquele ano a visão que

se tinha na cidade era a de “[...] gente morrendo pelas ruas, de cadáveres sendo recolhidos em

carroças e caminhões enterrados em valas comuns, de voluntários fazendo serviços públicos

(como condução de bonde, entrega de telegrama, etc.)”, também de recomendações para que

“[...] se evitasse aglomerados, visitas a doentes de qualquer moléstia e contatos físicos como

beijos, abraços e apertos de mão (‘trocar toda a roupa, desinfetar as mãos e banhar-se ao chegar

da rua’)”, e sobretudo de “[...] assistência médica descontínua e ineficiente”. A pandemia, que

atingiu números bastante expressivos de infectados e de mortos, fez com que a cidade ficasse

quase paralisada, “[...] com seus habitantes indo para fazendas ou permanecendo isolados

dentro de suas casas para tentar escapar da doença”.82

É verdade que a gripe não atingiu apenas os trabalhadores. Todavia, se a doença foi

apresentada pelos poderes públicos como algo de democrático, capaz de se instalar em todas as

camadas sociais, as vítimas preferidas foram sempre os mais pobres.83 Instruções resumidas do

Serviço Sanitário, “[...] escritas em português e italiano”, foram distribuídas de porta em porta

nos bairros que concentravam os habitantes mais pobres da capital, como o Brás, o Belenzinho,

o Pari e a Mooca. Faltavam postos de socorro, atendimento adequado e, sobretudo, condições

sanitárias que pudessem auxiliar na cura da doença. Nesse contexto, os habitantes mais pobres

80 CANO, “A Cidade dos Cortiços”, Op. Cit., p. 230-231. 81 BERTUCCI, Liane M. Impressões sobre a saúde: a questão da saúde na imprensa operária: São Paulo – 1891/1925. Dissertação de mestrado. Unicamp: Campinas, 1992, p. 48-49. 82 Idem, Ibidem. p. 58-59. 83 BERTUCCI, Liane M. Influenza, a medicina enferma. Ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola em São Paulo. Tese de doutorado. Campinas, SP, 2002. p. 290

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da capital tornavam-se os alvos preferenciais dos poderes públicos: “[...] sua situação de

penúria, seus hábitos não recomendáveis e pouca instrução podiam concorrer para a

proliferação da gripe espanhola”, “agora, mais do que nunca, elas eram as ‘classes

perigosas’”.84

Não tardou para que o Serviço Sanitário de São Paulo solicitasse, em 18 de outubro de

1918, a suspensão de reuniões e jogos de associações esportivas, recreativas e literárias,

fechando em seguida os grupos escolares da capital. No entanto, as proibições de contato entre

os pacientes, fosse nas casas ou mesmo nos hospitais, com familiares e amigos, foram muitas

vezes ignoradas, e em diversas ocasiões as atividades nas associações não foram interrompidas,

o que configurava, conforme Bertucci, uma resistência das “[...] relações sociais, culturais”.85

Além das doenças muitas vezes causadas pelas más condições de vida e dos altos

aluguéis cobrados por habitações insalubres, os trabalhadores encontravam dificuldades para

ter acesso aos alimentos e outros produtos de primeira necessidade.86 Para o ano de 1913, a

partir de informações contidas nos mesmos boletins do Departamento Estadual do Trabalho em

que estão os listados salários, conseguimos obter uma média dos preços dos produtos mais

básicos encontrados na região do Brás – englobando também a Mooca.87

Tabela 10 - Preços dos gêneros de primeira necessidade para o ano de 1913.

Gêneros Medida Preço

(em mil réis) Gêneros Medida

Preço

(em mil réis)

Açúcar refinado de 2ª Quilo 0,5 Farinha de milho Litro 0,2

Aguardente Garrafa 0,5 Farinha de milho Pacote 0,5

Arroz Litro 0,5 Farinha de trigo Quilo 0,4

Azeite doce Litro 1 Feijão Litro 0,2

Azeite doce Garrafa 0,8 Fósforos Pacote 0,4

Bacalhau de tina Quilo 0,9 Frango Um 1,8

Banha de lata Quilo 1,5 Leite Quilo 0,4

Batatas Litro 0,2 Ovos Dúzia 1,3

Café moído Quilo 1,4 Pão Quilo 0,3

Café moído de 2ª Quilo 1 Querosene Litro 0,3

Carne de porco Quilo 1,5 Sabão ordinário Quilo 0,5

Carne de porco de 2ª Quilo 1 Sal Saquinho 0,3

Carne de vaca de 1ª Quilo 1,2 Toucinho fresco Quilo 1,5

Carne de vaca de 2º Quilo 0,8 Toucinho salgado Quilo 1,5

Carne seca Quilo 1 Velas ordinárias Pacote 0,7

Cebolas Quilo 1 Vinho comum estrangeiro Garrafa 1

Farinha de mandioca Litro 0,2 Vinho comum nacional Garrafa 0,5

84 BERTUCCI, Influenza, a medicina enferma, Op. Cit., p. 123 85 Idem, Ibidem. p. 107 86 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit. 87 Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, 1913.

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Quando comparamos a tabela de preços (tab. 10) dos produtos aos salários médios dos

trabalhadores para a mesma época, podemos ter uma boa noção do seu poder de compra. Se

notarmos os salários de um operário comum, empregado em fábrica de tecido (tab. 4), levando

em conta ainda os gastos com moradia, que na Mooca para os cortiços mesmo que

compartilhados tomavam cerca de 45 mil réis mensais88, e outros gastos, como com vestuário,

podemos entender que os gastos com alimentação deviam ser bastante regrados no sentido de

fazer com que conseguissem ter mantimentos para longos períodos. Assim, é possível que

escolhessem aqueles produtos mais baratos, como batatas, arroz, farinhas de mandioca ou de

milho, feijão e sal, e talvez ainda optando por carne seca em lugar das carnes frescas.

Quanto aos trabalhadores com menores salários, aqueles empregados em serviços

domésticos, eles dificilmente conseguiriam obter o suficiente para saciar as suas necessidades

durante o mês. Maria Inez Pinto comenta que frente à essa situação,

As sobras de comida, vasilhas de leite, permissão para catar frutas e verduras na horta,

as vestimentas e roupas de cama velhas, os sapatos usados, móveis encontrados e

todos os resíduos de consumo familiar da elite ganhos pelas empregadas domésticas

eram essenciais para minorar a carência decorrente dos minguados ganhos

provenientes de seus ordenados.89

Havia ainda aqueles trabalhadores que não conseguiam se enquadrar em empregos

formais, e que recorriam ao trabalho como vendedores ambulantes, servindo como parte

importante no abastecimento dos bairros populares. Segundo Francis Marcio Alves Manzoni,

nas primeiras décadas do século XX, o abastecimento dos gêneros de primeira necessidade na

capital paulista estava a cargo dos chamados “caipiras”, isto é, “[...] lavradores, carroceiros,

carregadores, vendedores ambulantes, tropeiros e comerciantes de todo tipo [...]”.90

Em estudo recente, Isabela do Carmo Camargo lista a partir do cruzamento das

informações contidas nos alvarás de licença expedidos pela prefeitura uma grande variedade de

produtos que eram comercializados por ambulantes na cidade de São Paulo:

[...] frutas, querosene, verduras, tripas, lenha, leite, leite frio, leite em lata, leite

em vaca, aves, sorvetes, flores, carvão, tintureira, quinquilharias, amolador,

armarinhos, vassouras, batatas, louça, objetos de madeira, vidros, folhas de

flandres, fumo, charutos, empadas, doces, massas, cestas de vimes, fazendas,

linguiça, hortaliças, café moído, salsicha, sabão, fósforo, brinquedos, engraxate,

amendoim, balaios, farinha de trigo, legumes, figuras de gesso, massa de tomate,

88 A Lanterna, 22/06/1912. 89 PINTO, Cotidiano e Sobrevivência, Op. Cit., p. 100. 90 MANZONI, Francis M. A. “Campos e Cidades na Capital Paulista: São Paulo no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX”. História & Perspectivas, Uberlândia (36-37):81-107, jan. dez. 2007, p. 82.

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envelopes de papel, mel, queijo, meias, livros, bilhetes de loteria, aguardente,

óleo, guarda-chuvas, vidraceiro, jóias, peixes e caldo de cana.91

Os trabalhadores podiam recorrer também aos mercados – próximo ao rio Tamanduateí,

já se contava com um mercado em 1867 –, mas era mais comum que recorressem às feiras

livres, cuja prática foi regularizada em 1914.92 Na Mooca, contudo, não se encontravam naquele

período feiras livres oficialmente reconhecidas93, o que não significa, evidentemente, que não

ocorressem de maneira informal.

Além desses locais, ainda, os trabalhadores podiam recorrer às vendas e armazéns para

obter produtos básicos, como cereais, queijos, sardinhas, velas e fósforos, querosene, além de

aguardente e vinho, evitando também que os trabalhadores tivessem de se locomover até o

centro da cidade.94

1.5. As associações.

Os trabalhadores da cidade de São Paulo já desde o fim do século XIX constituíam

associações de diversos tipos e com diversas finalidades – mutualistas, sindicais ou

recreativas.95 No limiar dos anos 1900 o panorama das associações da cidade de São Paulo se

transformava, e as que foram fundadas a partir de então estavam inseridas num processo em

que os bairros, “[...] especificamente no Bom Retiro, na Mooca, na Barra Funda, no Cambuci

[...], na Água Branca, no bairro da Ponte Grande e, mais tarde também na Bela Vista”,

tornavam-se os locais privilegiados de instalação de sedes das sociedades, devido “[...] ao

crescimento da cidade e ao fato de os bairros populares (e especificamente operários) terem

uma população em maioria de origem italiana”. O funcionamento dessas sociedades, entretanto,

91 CAMARGO, Isabela do C. Entre cestos e pregões: os trabalhadores ambulantes na cidade de São Paulo: 1890-1910. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo, 2013, p. 30. Grifos no original. 92 SILVA, João L. M. “Alimentação e transformações urbanas em São Paulo no século XIX”. Almanack. Guarulhos, n. 07, p. 81-94, 1º semestre de 2014, p. 84. 93 O site da Prefeitura de São Paulo oferece informações resumidas sobre a história das feiras livres. A prefeitura reconhece, para o período em que foram regularizadas, 1914, apenas 7 feiras na cidade: 2 no Arouche; 2 no Largo General Osório; 1 no Largo Morais de Barros; 1 no Largo São Paulo; 1 na rua São Domingos. Ver <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/trabalho/abastecimento/feiras_livres/historico/index.php?p=6637>. Acesso em: 22 abr. 2015. 94 SILVA, Leopoldo F. O comércio nos bairros populares da cidade de São Paulo: os armazéns de secos emolhados (1914-1921). Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011, p. 23. 95 Ver BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit. Em especial o capítulo 1, “Tradições”; SIQUEIRA, Uassyr de. “Trabalhadores Paulistanos: Os Associados e as ‘Vítimas da Pinga’”. HISTÓRIA SOCIAL, Campinas – SP. n.º 14/15, 2008.

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não se alterou substancialmente, com exceção de que, para o caso das sociedades mutualistas

analisadas por Luigi Biondi, “[...] sua assistência deveria ser voltada para os residentes no bairro

onde a sociedade era sediada, mas isso também era muito aleatório”.96

De qualquer forma, sindicatos, sociedades mutualistas, sociedades recreativas,

agremiações esportivas, grupos musicais e teatrais, em suma, locais que proporcionavam um

convívio mais coletivo fora das fábricas97, compunham uma importante parte da experiência

dos trabalhadores.

Dirigindo a nossa atenção para as associações surgidas no bairro da Mooca, e também

àquelas que para lá se mudaram após seu surgimento, e excluindo, por enquanto, aquelas que

atuavam no lugar, mas cujas sedes estavam em outros locais, entre a instalação da primeira

agremiação e o ano de 1920, elencamos as que seguem98:

1. Unione Meridionale Italiana, 189699

2. Sport Club Germânia, 1899

3. Societá Italiana di Mutuo Soccorso Unione Mooca (também chamada de Sociedade

Operária de Mútuo Socorro União Mooca), 1900

4. Sociedade Beija-Flor, 1902

5. Sociedade Brasil, 1902

6. Club Recreativo Mocidade Mooca, 1904

7. Sociedade Dançante Recreativa da Mooca, 1904

8. Sport Club Atlético Mooca (também chamada de Sociedade Mooca Athletic Club), 1904

9. Società Ricreativa Stella d'Italia, 1905

10. Sport Club Mocidade da Mooca, 1905

96 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 77 e 80. 97 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit. 98 Principais fontes utilizadas: coleção do jornal Fanfulla, 1898-1920; coleções do jornal Correio Paulistano, 1900-1919 e 1920-1929; coleção do jornal O Combate, 1917-1927; coleção do jornal O Commercio de São Paulo, 1983-1909; coleção do jornal Diario Español, 1912-1922; coleção do jornal A Lanterna, 1909-1916; coleção dos Estatutos das Sociedades Civis, do fundo do Primeiro Cartório de Registros de Imóveis da Capital (Apesp), 1896-1922; Diário Oficial do Estado de São Paulo, 1895-1921; Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, 1898-1920; Almanacco illustrato della "Tribuna Italiana". San Paolo: Tribuna Italiana, UFFCI, 1905; Almanach para 1916. São Paulo, O Estado de São Paulo, 1916; Almanach da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas do Estado de São Paulo para o anno de 1917. São Paulo: São Paulo (Estado). Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Typ. Brasil, 1917. O clube de futebol Cinco de Outubro foi encontrado em uma referência na obra de Jacob Penteado, Belenzinho, 1910: retrato de uma época. São Paulo: Carrenho Editorial/ Narrativa Um, 2003, p. 203. As informações sobre o Sport Club Germânia e o Ítalo Brasileiro foram retiradas de SALUM, Alfredo Oscar. Palestra Itália e Corinthians: Quinta Coluna ou Tudo Buona Gente? Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007, p. 32. 99 A datas ao lado de cada nome referem-se ao ano de fundação da associação ou de sua fixação na Mooca.

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11. Società Ricreativa Stella d'Italia100, 1906

12. Sociedade Cooperativa dos Cocheiros, 1907

13. Associação Recreativa Athlética da Mooca, 1908

14. Circolo Filodrammatico Tina di Lorenzo, 1908

15. Circolo Ricreativo Filodrammatico Matteo Renato Imbriani, 1909

16. Club Recreativo FootBall, 1909

17. Sociedade Recreativa Giovanni Zanatello, 1909

18. Cinco de Outubro F. B. C., 1910

19. Italo Brasileiro Foot-Ball Club da Mooca, 1910

20. Banda União Operária, 1911

21. Escola Allemãn Mooca e Braz, 1911

22. Sport Club Flor da Mooca, 1911

23. Círculo de Estudos Sociaes Francisco Ferrer, 1912

24. Club Infantil Flor da Mooca, 1912

25. G.D.I. Libertário, 1914

26. Guttemberg Foot-Ball Club, 1914

27. Sport Club Infantil Internacional, 1914

28. Royal Recreativo da Mooca, 1914

29. Conferência de San Gennaro, 1914

30. Sociedade Internacional Beneficente de São Paulo (também chamada de Sociedade

Beneficente Operaria de São Paulo), 1914

31. Associação Universidade Popular de Cultura Racionalista, 1915

32. Centro Feminino Jovens Idealistas, 1915

33. Escola Nova, 1915

34. Grêmio Dramático 15 de Novembro, 1915

35. Oriental Mooca Foot Ball Club, 1915

36. União Geral dos Trabalhadores, 1915

37. Circolo Ricreativo Savoia Vincit, 1916

38. Gruppo Filodrammatico e Ricreativo Mooca, 1916

39. Sociedade Internacional de Socorro Mútuo da Mooca, 1916

40. Società Ricreativa Danzante Fiore della Mooca, 1916

100 Presidida por Nicola Della Volpe e ligada ao grupo “Meridionali Uniti”, diferente daquela homônima fundada no ano anterior.

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41. Società Drammatica Ricreativa e Sportiva Stella d'Italia, 1916

42. Centro Libertário da Mooca, 1917

43. Liga Operária da Mooca, 1917

44. Liga dos Operários de Tecelagem da Mooca, 1917

45. Sociedade Recreativa Musical da Mooca, 1917

46. Sport Club Juventude, 1917

47. Associação dos Operários em Fábricas de Tecidos da Mooca, 1918

48. Cavalier Foot Ball Club, 1918

49. Grêmio Recreativo e Esportivo da Mooca, 1918

50. Grupo Musical Progresso da Mooca, 1918

51. Grupo Musical União da Mooca, 1918

52. Heroe das Chammas Foot Ball Club, 1918

53. Società Italiana della Mooca, 1918

54. Sociedade Recreativa Musical União da Mooca, 1918

55. Italia Foot Ball Club, 1919

56. Juvenil Mooca Football Club, 1919

57. Luzitania da Mooca, 1919

58. Sport Club União Mooca, 1919

59. União dos Operários em Fábricas de Doces e Anexos, 1919

60. União Fluminense Foot Ball Club, 1919

61. Banda Bianca della Mooca, 1920

62. Grêmio Dramático Amadores d'Arte, 1920

63. Grupo Dramático Nacional, 1920

64. Pindorama, 1920

65. União Marcial Foot Ball Club, 1920.

Alguns pontos devem ser aqui esclarecidos sobre esta lista: o primeiro é que entre as

associações não estão listadas as igrejas nem as escolas providas pelo poder público101, porque,

mesmo considerando sua importância na vida associativa, recreativa e cultural das pessoas,

nosso esforço neste instante é tentar mostrar por quais associações os trabalhadores da Mooca

101 Paróquia de San Gennaro (São Januário) da Mooca, de 1914; Igreja Congregacionalista da Mooca, de 1914; Igreja Batista da Mooca, de 1919. Todas levantadas no Anuário Estatístico do Estado de São Paulo, especificamente referente a 1914 e a 1919. Quanto aos do Poder Público, os já mencionados Grupos Escolares.

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podiam transitar. Entretanto, nos encontraremos mais adiante com a questão da relação entre as

igrejas e o Poder Público e a recreação dos habitantes do bairro.

O segundo é que não elencamos o Jockey Club, e isso por um motivo. A relação entre

esta associação e o bairro da Mooca é, de fato, evidente, já que as costumeiras corridas de

cavalos, constantemente noticiadas pelos jornais da época, eram realizadas no hipódromo,

justamente na rua que levou o nome da atração, a rua Hipódromo. Porém, a sede dessa

associação estava situada na região central da cidade, à rua XV de Novembro102, onde mantinha

“[...] um club de diversões, com bilhares, jogos lícitos e salas de leitura e palestra”103, e, além

disso, sua existência se devia a um processo de alargamento do lazer e sociabilidade das famílias

mais abastadas da sociedade paulistana104, tonando-se assim um espaço composto quase que

exclusivamente por essa camada social. O mesmo se aplica neste estudo ao Sport Club

Germânia, que mesmo fundado por imigrantes alemães residentes na Mooca105, os seus

fundadores e sócios eram todos filhos de (ou eles mesmo o eram) grandes comerciantes106, o

que inseria o clube entre aqueles das camadas mais abastadas que utilizavam as associações

como um tipo de prolongamento da sociabilidade e de distinção em relação às camadas mais

pobres.107 Assim, essas agremiações parecem-nos se excluir daquelas sobre as quais desejamos

manter nossa atenção neste estudo, as pessoas e os trabalhadores comuns, habitantes do bairro

da Mooca. De toda forma, nos encontraremos mais adiante com os dois clubes – o Jockey e o

Germânia – quando tratarmos dos esportes no bairro.

O terceiro refere-se às datas que acompanham os nomes das associações listadas. Com

exceção do C. E. S. Francisco Ferrer e do C. F. Jovens Idealistas, sociedades fundadas no Brás

em 1910 e 1913 respectivamente, mas depois transferidas para a Mooca, as datas apresentadas

na lista correspondem ao ano de fundação ou, quando não localizamos este dado, ao ano da

primeira menção encontrada.

Por fim, pode-se notar que das associações elencadas, duas surgiram antes do período

deste estudo, o que se explica, contudo, por possibilitar uma análise mais global do

102 Diário Oficial do Estado de São Paulo, de 04/10/1895, 24/03/1905, 09/07/1908 e 06/08/1921. 103 MOREIRA PINTO, Op. Cit., p. 175. 104 RAGO, Margareth. “A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo, 1900-1950”. In: PORTA, História da Cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 392-393. 105 SALUM, Palestra Itália e Corinthians, Op. Cit., p. 32. 106 GAMBETA, Wilson R. A bola rolou: o Velódromo Paulista e os espetáculos de futebol 1895-1916. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2013, p. 166. 107 LOPES, José S. L. “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”. In: BATALHA, Cultura de Classes, Op. Cit., p. 125.

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associativismo, além do quê, tanto a Meridionali quanto o Germânia adentram o recorte

temporal aqui abordado.

A partir da construção de uma listagem das associações, podemos tentar aglutinar estas

informações para entender melhor o desenvolvimento do associativismo.

Tabela 11 - Quantidade de associações fundadas, instaladas ou mencionadas pela primeira vez no bairro.

Ano Associações Ano Associações

1896 1 1910 2

1899 1 1911 3

1900 1 1912 2

1902 2 1914 6

1904 3 1915 6

1905 2 1916 5

1906 1 1917 5

1907 1 1918 8

1908 2 1919 6

1909 3 1920 5

Na tabela acima, podemos notar que entre 1896, ano de fundação da primeira

associação, até o início da década de 1910 o número de associações que surgiam oscilou entre

1 e 3. O baixo número de sociedades fundadas nesse período pode se explicar tanto por causa

das duras condições materiais em que viviam os trabalhadores, sendo aquele um momento de

redução nos salários imposta pelos empresários, escasseando os recursos que poderiam se

destinar às associações, quanto pelas dificuldades de organização encontradas por militantes do

movimento operário.108

A partir de 1914, percebemos um aumento significativo de sociedades sendo fundadas

no bairro, totalizando, naquele ano, 6, mesmo número de fundações em 1915, sendo este um

período de retomada do empenho por parte de socialistas, anarquistas e sindicalistas sobre a

organização dos trabalhadores.109 Entre 1916 e 1917, a quantidade de associações surgidas

permaneceu praticamente a mesma, e em cada ano foram fundadas 5.

É interessante notar o substancial aumento no surgimento de sociedades no ano de 1918,

em que encontramos 8, pois aquele foi o período marcado pela Gripe Espanhola110 e por um

agravamento da repressão contra associações de trabalhadores.111 Contudo, era também um

momento em que ligas e sindicatos se reavivavam e tentavam se solidificar entre os

trabalhadores. Ainda assim, a repressão se intensificou ainda mais nos anos seguintes em termos

108 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 181-182. 109 Idem, Ibidem. p. 294. 110 SIQUEIRA, Uassyr de. “Clubes Recreativos: identidades e conflitos entre os trabalhadores paulistanos (1900-1920)”. Revista Mundos do Trabalho, vol. 3, n. 5, janeiro-junho de 2011, p. 237. 111 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 315.

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de violência policial, com invasão e fechamento das sedes de associações de trabalhadores112,

o que pode ajudar a explicar a redução no número de associações fundadas em 1919 e 1920.

Voltando agora à lista de associações, um outro aspecto que se revela é a

heterogeneidade do quadro associativo no bairro da Mooca. Entretanto, antes de nos

adiantarmos, é necessário nos determos sobre a definição dos tipos que compõe essa diversidade

associativa. É importante frisar, todavia, que com uma “definição” não pretendemos separar

cada tipo de associação em mundos associativos apartados entre si e invisíveis uns aos outros e

aos habitantes do bairro. Buscamos precisamente o inverso. Mas sem esta organização,

poderíamos homogeneizar experiências associativas bastante diferentes, e terminaríamos por

afirmar um tipo de monopólio sobre a organização dos trabalhadores que a historiografia

tradicional atribuiu aos partidos, sindicatos e associações políticas, que, ainda que

importantíssimas nas lutas e na própria organização, não são as únicas agentes possíveis. Assim,

correríamos o risco de cair no erro sobre o qual E. P. Thompson nos alertou em seu estudo sobre

a classe operária inglesa – tomando aqui a liberdade de usar suas palavras para o nosso caso –,

em que desvendaríamos a recreação e o associativismo, “[...] não como é, mas ‘como deveria

ser’”.113 E a nossa pretensão, de indicar as associações por tipo, é justamente a de mostrar que

a experiência associativa e recreativa dos trabalhadores do bairro da Mooca, assim como ocorria

em outros bairros da cidade de São Paulo114, era dinâmica e diversificada.

Isto posto, entendemos que essa organização em tipos deve respeitar, antes de tudo, a

forma como as próprias agremiações se definem. Tomamos por “recreativas” aquelas

agremiações que claramente se definiam assim, como “Sociedades Recreativas”, “Recreativas

Musicais” ou “Musicais Recreativas”, “Recreativas Dançantes” ou “Dançantes Recreativas”,

“Recreativas Dramáticas” e vice-e-versa, “Recreativas atlético-esportivas”, enfim, que

apresentavam características de recreação em geral, e as que as intenções não estão aparentes

em seus nomes, mas que demonstravam o seu interesse em oferecer uma recreação que

abarcasse práticas diversas.

Chamamos “esportivas” aquelas sociedades cujas práticas eram voltadas

predominantemente ao esporte, e, claro, as que normalmente carregam em seu nome tal

indicação, como as iniciais “F. C.” (Futebol – ou Football - Clube) e “F. B. C” (Foot Ball Club),

ou ainda “S. C.” (Sport Club) e “A. C.” (Athletic Club, ou também a variação em língua

112 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 278-280. 113 THOMPSON, A Formação... V. 1, Op. Cit., p.10. 114 Ver, por exemplo, SIQUEIRA, Clubes e Sociedades dos Trabalhadores do Bom Retiro, Op. Cit.; e Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit.

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portuguesa Clube Atlético), e assim por diante. Consideramos “Musicais” aquelas que se

intitulavam “Banda” ou “Grupo Musical”, mas também as dedicadas principalmente às

performances musicais. No tipo “Teatrais” incluímos grêmios, grupos e sociedades

autodenominadas “Dramática” ou “Filodramática”. Havia ainda as “Educativas”, (Escola,

Círculo, etc.), que tinham por objetivo a educação e o desenvolvimento cultural, e também, a

partir desses objetivos, foram consideradas “educativas” aquelas que não tinham essa prática

ou objetivo explicitados em seu nome.

Entre aquelas cujos objetivos não eram voltados diretamente ao lazer e à recreação,

consideramos como “religiosas” as associações ligadas às igrejas. Na Mooca, o único caso

desse tipo que encontramos foi o da Conferência de San Gennaro, cujo nome por si é bastante

sugestivo. O termo “conferência” nos remete a uma reunião de especialistas, agrupados para

discutir questões de um determinado assunto ou vários deles. Se insistimos em classificá-la

como um tipo “religioso” de sociedade (por falta de termo melhor), é por sua óbvia ligação com

a paróquia famosa do bairro, dedicada a San Gennaro.115

Entre as Sociedades de Mútuo Socorro (S. M. S.), incluímos aquelas que assim se

definiam e também as que tinham por objetivo principal a proteção de seus sócios por meio de

beneficências e cooperativas, fosse por etnia ou por ofício. Associações que apresentavam como

característica principal a de organização por ofício ou por vários ofícios para defesa ou

melhorias econômicas de seus associados foram elencadas sob o tipo “sindicais”. Por fim,

classificamos entre as “políticas” os grupos anarquistas pelo tipo de ação que desenvolviam.116

É preciso aqui explicar que tomamos a noção de etnia, em linhas gerais, como algo

construído a partir de múltiplas formas: a crença em uma origem comum, o compartilhamento

de costumes iguais pelos elementos dos grupos, até a crença em pertencerem, de fato, a um

grupo, identificando-se como diferentes de outros grupos, sobretudo “[...] oriundos de

diferentes culturas e países distintos”. Obviamente, tal noção não pode ser tomada como algo

paralisado no tempo. Segundo Philippe Putignat e Jocelybe Streiff-Fenart, tanto etnia quanto as

suas derivações – como a etnicidade, entendida como a tomada de identidade a partir da etnia

– surgem como uma “[...] forma de organização ou um princípio de divisão do mundo social

115 Ver, para verificar esta relação, também o Annuario Estatistico de São Paulo (Brasil): movimento da população e estatistica moral, 1916. São Paulo: Repartição de Estatistica e Archivo do Estado, v.2. p. 238-239 e 350-351. No mesmo documento, no elenco de igrejas, afirma-se que a Paróquia de São Januário (grafado assim, em língua portuguesa, mas cujo endereço é o mesmo da San Gennaro) possui uma sociedade anexa. 116 Terminologia parecida já foi utilizada para classificar “associações partidárias” e “grupos anarquistas”, entre outros, no estudo sobre associações de trabalhadores do Bom Retiro, de Uassyr de Siqueira, ainda que no caso daquele bairro, como aponta o autor, estivessem ausentes tais tipos de associações. Ver SIQUEIRA, Clubes e Sociedades dos Trabalhadores do Bom Retiro, Op. Cit., p. 51.

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cuja importância deve variar de acordo com as épocas e situações”. De fato, como já apontou

Michael Hall, os sentimentos de pertencimento étnico mostraram-se, em São Paulo, muito

variáveis e, em alguns momentos, fortuitos, podendo ser utilizada de maneira “[...] altamente

instrumental” para a solução de muitos problemas. Sobre esta questão, Hall narra como

exemplo o caso dos trabalhadores da fábrica de tecidos Penteado, na Mooca, que, por serem

demitidos em massa após uma greve, recorreram em um primeiro momento ao maior jornal da

colônia italiana em São Paulo, o Fanfulla, e depois ao próprio cônsul-geral italiano, Pio de

Savoia, em um préstito que incluía a bandeira italiana, para que tomasse parte no ocorrido.117

Voltando às associações, uma vez entendidos os tipos encontramos na Mooca a seguinte

proporção para o período aqui estudado:

Tabela 12 - Quantidade de associações por tipo.

Tipo Quantidade Porcentagem

Esportivas 19 29,2%

Recreativas 16 24,6%

Teatrais 7 10,7%

Musicais 6 9,2%

Sindicais 5 7,6%

S. M. S. 4 6,1%

Políticas 4 6,1%

Educativas 3 4,6%

Religiosa 1 1,5%

A partir da tabela acima, nota-se que as sociedades mutualistas, sindicais e políticas

somavam 13, compondo 20% do total, número relativamente baixo se comparado à grande

maioria composta por aquelas que tinham por objetivo principal o lazer, 80% das associações,

o que reforça a importância destas agremiações entre os trabalhadores.

Antes de prosseguirmos, porém, algumas observações sobre a tabela acima (tab. 12)

devem ser feitas. As associações que exibiam a palavra “círculo” nem sempre se encaixavam

entre as educativas, o que seria o caso se fossemos seguir uma classificação realizada somente

a partir dos nomes, pois trata-se, o círculo, de um termo que indica que as suas principais

finalidades “[...] eram a sociabilidade entre os sócios” e “[...] a difusão da cultura”.118 O Circolo

Filodrammatico Tina di Lorenzo, por exemplo, figura entre as associações teatrais, pois era

117 Ver, respectivamente, SILVA, Kalina V.; SILVA, Maciel H. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Contexto, 2005, p. 124-126; POUTIGNAT, Philippe; STRIFF-FENART, Jocelyne, “Teorias da Etnicidade. Seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth”, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1998, p. 124-125 apud SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 108-109; e HALL, Michael M. “Entre a Etnicidade e a Classe em São Paulo”. In: CARNEIRO, História do Trabalho e História das migrações, Op. Cit., p. 58-59. 118 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 56.

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dedicada à esta prática119, assim como o Circolo Ricreativo Filodrammatico Matteo Renato

Imbriani. O Circolo Ricreativo Savoia Vincit também não se enquadrava entre as sociedades

educativas, mas nas recreativas em geral, pois as suas atividades principais eram as festas.120

Ainda outro caso parecido com os anteriores é o da Sociedade Recreativa Musical União da

Mooca, que apesar de usar o termo "recreativa" em sua nomenclatura, o que sugeriria a adoção

de diversas modalidades de práticas recreativas, mantinham a sua atenção predominantemente

voltada para atividades musicais121, tratando-se na verdade de uma banda musical, além de ter

esta sociedade surgido a partir da fusão de dois grupos musicais, em 1918.122

É preciso ressaltar aqui, ainda, que atribuir às sociedades uma classificação a partir da

predominância de uma prática de recreação não significa que as associações realizassem

somente uma modalidade exclusiva. E também que as atividades de lazer não se limitavam ao

âmbito das sociedades recreativas. As associações políticas, sindicais e de mútuo socorro

promoviam o lazer ou a recreação. Como exemplo, o Círculo de Estudos Sociaes Francisco

Ferrer, além de palestras e aulas, costumava realizar festas de propaganda, reuniões

comemorativas em datas consideradas importantes para o grupo como o Primeiro de Maio.

Ainda, esta associação se empenhou fortemente em reuniões voltadas para a organização de

sociedades de resistência, como sindicatos de ofício.123 Também as associações mutualistas não

deixavam de realizar as suas festas, com danças, música, teatro e bailes para comemorar seu

aniversário ou inaugurar suas sedes.124 Essa mistura de atividades políticas e de lazer torna mais

complexo o quadro associativo dos trabalhadores da Mooca.

Voltando à visão panorâmica sobre as associações, o tempo de existência da maioria

das sociedades foi efêmero. A maior parte, 40 no total, não ultrapassou o primeiro ano de vida.

As dificuldades em manter ativa uma associação, incluindo entre elas a escassez de recursos e

a repressão por parte da polícia, eram grandes. Processos de reformulação, mudanças de nomes

e fusões também tinham relevante impacto no desaparecimento de agremiações.125 Ainda

assim, algumas chegaram a ultrapassar os 5 anos de duração, e outras existiram por mais de 20

anos. As que conseguiram ultrapassar o segundo ano de vida são as seguintes:

119 Ver, como exemplo, as edições do Fanfulla de 12 e 15/02/1909. 120 Fanfulla, 11/05/1916. 121 As apresentações desta sociedade eram noticiadas pelo Fanfulla. Ver, como exemplo, a ed. de 01/10/1918. 122 Os dois grupos são "União da Mooca" e "Progresso da Mooca". Fanfulla, 23/02/1918. 123 A Lanterna, 02/03/1912, 06/05/1912 e 16/03/1912, respectivamente. 124 Fanfulla, 11/12/1920, 02/01/1901 e 05/09/1907. 125 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 57.

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Unione Meridionale Italiana (Meridionali Uniti), 1896-1908126;

S. Operaria de M. S. “Unione Mooca”, 1900-1904127;

Sport Club “Athletico Mooca”, 1904-1909128;

Sociedade Recreativa Stella d'Italia, 1905-1908129;

Sociedade Recreativa Stella d'Italia, 1906-1909130;

Associação Recreativa Athletica da Mooca, 1908-1920131;

Escola Allemãn Mooca e Braz, 1911-1921132;

Círculo de Estudos Sociaes Francisco Ferrer, 1912-1915133;

União Geral dos Trabalhadores, 1914-1916134;

Conferência de San Gennaro, 1914-1919135;

Sociedade Recreativa Dançante Flor da Mooca, 1916-1919136;

Sociedade Internacional de Socorro Mútuo da Mooca, 1916-1936137;

Sociedade Recreativa Musical da Mooca, 1917-1928138;

Sociedade Italiana della Mooca, 1918-1940.139

Após o levantamento inicial, cruzando todas estas informações, conseguimos ter uma

boa idéia da coexistência das associações no bairro140 entre os anos de 1900 e 1920:

126 Estatuto da Unione Meridionale Italiana di Mutuo Soccorso. Sociedade Civil n.º 67, 1899; Fanfulla, 14/08/1908. 127 Correio Paulistano, 09/12/1900 e BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 57. 128 Correio Paulistano, 30/08/1904 e O Commercio de São Paulo, 07/02/1909. 129 Estatutos da Sociedade Recreativa Estrella D’Italia (Stella D’Italia). Sociedade Civil n.º 183, 1906. O Fanfulla de 14/10/1908 noticia a festa comemorativa do 3º aniversário de fundação, e esta é também a última nota que temos sobre esta sociedade. 130 Esta associação é diferente daquela Stella D’Italia fundada um ano antes. A Stella que foi fundada em 1906 estava ligada à Meridionali Uniti (Meridionali Italiana) e era presidida por Nicola Della Volpe. Ver Fanfulla, 24/09/1906 e 21/08/1909. 131 Fanfulla, 05/08/1911 e 25/10/1920. 132 Annuario ..., 1914, p. 232-233; e Estatuto da Escola Allemãn Mooca e Braz. Sociedade Civil n.º 818, 1921. 133 A Lanterna 24/02/1912 (esta edição noticiou a mudança da associação para a Mooca. A sociedade foi fundada em 1910, no Brás); e A Lanterna, 01/05/1915. 134 A Lanterna, 19/12/1914 e A Lanterna, 02/09/1916. 135 Anuários Estatísticos referentes a 1916 e 1919. A Conferência não consta a partir do anuário referente a 1920. 136 Fanfulla, 15/11/1916 e 03/04/1919. 137 Notícias da festa de 4º aniversário apareceram no jornal Fanfulla de 11/12/1920. Ver também Estatuto da Sociedade Internacional de Socorro Mútuo da Mooca (S. I. M. S. Mooca). Sociedade Civil n.º 802, 1926 e 1936. 138 Estatuto da Banda Internacional da Sociedade Recreativa Musical da Mooca. Sociedade Civil n.º 732, 1920; e Diário Nacional, 04/03/1928. 139 Fanfulla, 02/06/1918; e BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 59. 140 Excetuando-se, como mencionado anteriormente, o S. C. Germânia e o Jockey Club.

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Tabela 13 - Número de associações em funcionamento no bairro anualmente.

Ano Sociedades em

funcionamento Ano

Sociedades em

funcionamento Ano

Sociedades em

funcionamento

1900 2 1907 5 1914 9

1901 2 1908 6 1915 11

1902 4 1909 7 1916 11

1903 2 1910 4 1917 9

1904 5 1911 4 1918 14

1905 4 1912 4 1919 16

1906 4 1913 3 1920 10

Observando este quadro, podemos perceber que entre 1900 e 1903, com uma pequena

variação em 1902, encontramos 2 sociedades no bairro. O baixo número de associações

encontradas nestes anos possivelmente se devia ao fato de aquele ser um período em que as

condições de vida e de trabalho pioravam ainda mais, concorrendo ainda uma grave crise de

desemprego141, o que poderia dificultar o surgimento e a manutenção das associações. Entre

aqueles anos estavam presentes duas associações mutualistas, e as sociedades recreativas que

surgiram em 1902 deixaram de existir ainda naquele mesmo ano.

A partir de 1904, a quantidade de associações atuantes sobe para 5, com uma pequena

queda nos anos 1905 e 1906, mas retomando a mesma quantidade em 1907. É preciso notar que

o aumento no número de sociedades se deu entre as associações recreativas em geral – das

associações que existiam em 1904, 3 eram recreativas. Ainda em 1904 a S. O. M. S. Unione

Mooca deixa de existir e nos anos de 1905 e 1906 se encontram ativas – além da Meridionali –

apenas agremiações recreativas. Em 1907 o quadro se mantém praticamente o mesmo a não ser

pelo surgimento naquele ano da S. Cooperativa dos Cocheiros de São Paulo.

De forma geral, o período compreendido entre 1905 e 1907 foi considerado pelos

membros ativos das diversas correntes do movimento operário da cidade de São Paulo como de

inércia142, e apesar das grandes greves ocorridas naquele ano o movimento sindical tendia ao

declínio.143 Desta forma, não deve surpreender que até 1912, as associações presentes na Mooca

eram todas voltadas à recreação.

Entre 1910 e 1913, curiosamente, já que aquele primeiro foi o ano da oficialização do

bairro, a quantidade de sociedades sofre uma queda. Para o movimento operário da época,

novamente tratava-se de um período de completa letargia, uma afirmação que se baseava na

forte redução das atividades das ligas de ofício. Além disso, apesar de uma melhoria no mercado

141 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 180. 142 Idem, Ibidem. p. 238. 143 HALL, Michael M; PINHEIRO, Paulo S. (Org.). A Classe Operária no Brasil. 1899-1930. Vol. I. São Paulo: Alfa-Omega, 1979, p. 114.

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de trabalho, a redução pode ser explicada por ser aquele um período de aumento no custo de

vida.144

É somente após 1914 que o associativismo no bairro ganha maior fôlego, e, entre 1914

e 1916, a quantidade de associações parece se estabilizar, muito por causa da retomada das

atividades sindicais e políticas.145 Em 1914, das 9 associações existentes, 3 estavam ligadas de

forma mais direta ao movimento operário – o G. D. I. Libertário, o C. E. S. Francisco Ferrer e

a Sociedade Beneficente Operaria de São Paulo –, mesmo número das recreativas, além de 1

educativa, 1 esportiva e 1 ligada à igreja. Nos anos de 1915 e 1916 instalaram-se no bairro a

União Geral dos Trabalhadores e as escolas libertárias Escola Nova e a Universidade

racionalista, além de outras sociedades recreativas.

Em 1917, as associações existentes são praticamente as mesmas dos dois anos

anteriores, e a redução que observamos naquele ano da grande greve geral se deve

principalmente à descontinuidade das escolas libertárias, e também à concentração dos

trabalhadores em torno da U. G. T., esta que daria vez à Liga Operária da Mooca.146

O período de maior quantidade de associações atuantes ao mesmo tempo está entre 1918

e 1919, quando são observadas 14 e depois 16 sociedades, o que se deve muito possivelmente

ao entusiasmo vivido após as vitórias em 1917, reavivando o movimento sindicalista e

fortalecendo a expansão das associações esportivas e recreativas dos trabalhadores.147

Neste mesmo período, contudo, o aparato repressivo era diversificado e modernizado

pelo Estado e pelos empresários, mesclando violência, prisões, e um esforço maior daqueles

últimos em ordenar o lazer dos trabalhadores. Desta forma, o número de sociedades volta a cair

a partir de 1920, marcando um refluxo na organização dos trabalhadores que adentraria a década

seguinte.148

É preciso ressaltar que as sociedades dedicadas aos mais diversos tipos de lazer –

recreação, teatro, esportes, danças, cultura e música –, estiveram sempre em número superior

às associações políticas, chegando mesmo a ser o triplo da quantidade daquelas que não tinham

o lazer como objetivo principal, o que reforça a importância dessas agremiações no cotidiano e

na organização dos trabalhadores.

144 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 284. 145 Idem, Ibidem. p. 327. 146 Idem, ibidem, p. 337. 147 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 278. 148 Idem, ibidem, p. 280-281.

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1.6. Os endereços das associações.

O local onde fixar a sede de uma associação era algo tão importante quanto as práticas

e rituais entre seus sócios. Ocupar um determinado local podia significar uma resposta a

questões financeiras, de preços de aluguéis ou falta de receita, mas também indicar estratégias

de manutenção da existência e do fortalecimento da própria sociedade.

Para o caso da cidade do Rio de Janeiro, Claudio Batalha, refletindo sobre a questão da

localização geográfica, isto é, os endereços das associações, sugere que ao escolher o local de

sua sede, os sócios de um grupo não agiam de maneira espasmódica, mas, ao contrário, essas

escolhas seguem padrões que são possíveis detectar. O mais acentuado deles é a busca por um

local central, de maior visibilidade, como o centro da cidade. Uma vez no centro, buscavam

localizações com maior prestígio. Neste ponto surge uma possível diferenciação nas escolhas

feitas para a instalação entre associações recreativas e políticas, pois, ao contrário das primeiras

“[...] em que o endereço fornecido para fins de registro poderia ser a moradia de um dos

membros da diretoria ou um botequim, no caso das sociedades operárias os endereços de

instalação eram nitidamente comerciais”, ainda que fosse apenas uma pequena saleta, pois “[...]

o endereço da sede fazia parte da representação pública da associação”.149

Associações cuja área geográfica de atuação se concentrava em um bairro, também

seguem uma lógica não acidental cujos padrões são os mesmos daquelas atuantes nos centros

das cidades. Para o caso do bairro da Mooca, a maioria das sociedades estava concentrada na

rua da Mooca e na rua Visconde de Parnaíba, fato que parece confirmar o que diz Batalha, pois,

como vimos anteriormente, eram estas mesmas ruas que concentravam também a maior parte

do comércio e estabelecimentos fabris do bairro.

Somente a partir de 1905 é que se podiam encontrar associações cujas sedes estivessem

localizadas fora do eixo “rua da Mooca e rua Visconde de Parnaíba”. Naquele ano foi fundada

a S. R. Stella d’Italia, instalando sua sede na rua Prudente de Morais. Dois anos mais tarde,

porém, transferiu-se para o número 97 da rua Visconde de Parnaíba.150 No ano de 1914, em 19

de janeiro, o Club Infantil Internacional convocou uma assembleia que ocorreria às 19 horas

em sua sede social, “[...] à rua Mem de Sá, 26”151, via que à época servia de ligação entre as

149 BATALHA, Claudio H. M. “A geografia associativa: associações operárias, protesto e espaço urbano no Rio de Janeiro da Primeira República”. In: AZEVEDO, Trabalhadores na cidade, Op. Cit., p. 260-161. 150 Fanfulla, 16/08/1907. A rua Prudente de Morais encontra-se a uma quadra da avenida Rangel Pestana, em direção ao bairro do Brás, e a três quadras da Visconde de Parnaíba, em direção à Mooca. Hoje a rua fica nos domínios daquele primeiro bairro. Naquela época, entretanto, fazia parte da Mooca. 151 Correio Paulistano, 19/01/1914.

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ruas da Mooca e Visconde de Parnaíba.152 Em 1916, o Oriental Mooca F. B. C. tinha a sua sede

no n.º 76 da rua João Antônio de Oliveira, localização que fica bem próxima da esquina com a

rua da Mooca.153 A S. R. M. União da Mooca, que havia surgido em fevereiro de 1918,

instalando a sua sede na rua Taquari, n.º 97, altura do encontro entre esta rua e a rua Bresser,

quase em frente ao hipódromo, mudou-se em outubro daquele mesmo ano para a rua Borges de

Figueiredo, n.º 37, bem próximo à esquina com a rua da Mooca.154 Nesses casos, parece nítida

a estratégia das associações em assentarem a sede nos locais mais vívidos do bairro, ou mais

próximo deles o quanto fosse possível.

Das associações de que conhecemos o endereço, 92% tiveram em algum momento de

sua existência a sede instalada no eixo rua da Mooca-Visconde de Parnaíba. Entretanto o

logradouro mais buscado do bairro era mesmo a rua da Mooca, cuja maior concentração de

atividades comerciais e fabris e de residências a tornava também um importantíssimo centro

associativo. Daquelas associações que se instalaram em algum momento no “eixo”, 76%

estabeleceram sua sede nesta via. Dessa forma, concordamos com o que diz Batalha, que

Se o grau de formalidade burocrática no funcionamento das sociedades variava de

acordo com a orientação ideológica da sociedade [...] não há uma diferenciação

substancial entre sociedades com orientação mais ou menos radicais no que diz

respeito às preocupações relativas à localização das sedes. Todas procuravam

localizar-se nas principais vias comerciais.155

Na rua da Mooca, as associações tendiam a ocupar também as regiões de maior

movimentação, isto é, a região compreendida entre a linha férrea que cortava a rua, e a altura

da rua Taquari.156 Porém, para algumas sociedades o objetivo de fixar-se mais próximas ao

centro da cidade podia fazer com que abrissem mão de um endereço disputado, como a rua da

Mooca, e transferissem sua sede para outras ruas do bairro onde conseguissem diminuir a

distância para a região central.157 A União Geral dos Trabalhadores (U. G. T.), por exemplo,

mudou sua sede do número 292-A da rua da Mooca, onde esteve, pelo menos, entre dezembro

de 1914158 e janeiro de 1916, para a rua Visconde de Parnaíba, n.º 125159, local este mais

próximo ao espigão central da cidade.

152 Planta da Cidade de São Paulo, 1916. 153 Fanfulla, 01/04/1916. 154 Idem, 23/02/1918 e 01/10/1918. Ver também a Planta da Cidade de São Paulo, 1916. 155 BATALHA, “A geografia associativa”, Op. Cit., p. 262. 156 COCOCI; COSTA. Planta da Cidade de São Paulo, 1913. 157 BATALHA, “A geografia associativa”, Op. Cit. 158 A Lanterna, 19/12/1914; e Fanfulla, 11/12/1915. 159 Fanfulla, 23/03/1916.

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Muitas associações, entretanto, não informavam o local de suas sedes, e ocultar o

endereço podia ter uma gama de motivos. Como já se observou, a dificuldade em obter recursos

financeiros para manter em funcionamento uma associação é uma possibilidade, já que, não

raro, a fragilidade das sociedades em circunstâncias adversas ocasionava frequentes

interrupções ou mesmo desaparecimentos.160 Não divulgar o endereço podia ainda ter como

causa as constantes mudanças de sede, principalmente entre os anos de 1910 e 1920, período

cuja marca é a do surgimento de diversas associações, mas também de intensa repressão.161

A procura por localidades mais prestigiosas, aliada às dificuldades de existência, fazia

com que diversas sociedades ocupassem espaços já reconhecidos por abrigarem anteriormente

outras associações, ainda que com intenções de uso diferentes. Para se ter um exemplo, o

número 132 da rua da Mooca, onde foi instalada em sua fundação – novembro de 1916 – a S.

R. Danzante Fiore della Mooca, notadamente voltada a diversas atividades recreativas162,

abrigou entre fevereiro de 1912 e maio de 1915 o C. E. S. Francisco Ferrer, círculo voltado ao

enriquecimento cultural dos trabalhadores do bairro e de outras localidades.163

Essa ocupação de locais anteriormente alugados a outras associações podia também se

dever às dificuldades encontradas pelas sociedades que não possuíam sede própria, já que, como

para o caso do Rio de Janeiro apresentado por Batalha, a inconstância da maioria das

associações em conseguir recursos, particularmente nos casos daquelas “[...] voltadas para a

resistência, fazia com que proprietários de imóveis e as próprias associações relutassem em

firmar contratos de longa duração”, e recorrer a proprietários que costumavam negociar

contratos de locação para associações de trabalhadores podia ser a opção mais viável. Porém,

se a falta de recursos assolava muitas sociedades, é preciso notar que não eram somente os

fatores financeiros que determinavam a escolha do local, porque se fosse dessa forma, as

associações não buscariam localidades mais prestigiadas, cujo valor do aluguel era,

costumeiramente, mais caro. Para usarmos uma vez mais as palavras de Batalha, “[...] a busca

de uma localização considerada adequada e de um imóvel capaz de atender às necessidades da

sociedade também podiam ser determinantes [...]”.164

Batalha, neste caso, se refere à obtenção da sede própria, mas não vejo o porquê de não

aplicarmos o mesmo princípio à procura de uma sede alugada, já que, como para as associações

160 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 24. Ver também HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit. 161 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 21. 162 Fanfulla, 15/11/1916. 163 A Lanterna, respectivamente edições de 24/02/1912 e 01/05/1915. 164 BATALHA, “A geografia associativa”, Op. Cit., p. 265.

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mencionadas mais acima – uma educativa e outra dançante e recreativa –, a necessidade era a

de conseguir um espaço onde se pudessem não só dar atenção às atividades burocráticas e mais

rotineiras, mas também, no caso da C. E. S. Francisco Ferrer, promover aulas, conferências,

montar uma biblioteca e realizar reuniões de trabalhadores, ou, no caso da S. R. D. Fiore Della

Mooca, promover bailes e festas dançantes.

O leque de estratégias de sobrevivência das associações incluía também o uso

compartilhado de um endereço para suas sedes. O sobrado situado no número 292-A da rua da

Mooca, em 1915, chegou a abrigar 4 associações ao mesmo tempo. Ali era a sede da União

Geral dos Trabalhadores165, e também das escolas libertárias Centro Feminino Jovens

Idealistas, Escola Nova e Associação Universidade Popular Racionalista166, escolas estas,

como veremos mais adiante, dirigidas por Florentino de Carvalho, que na verdade se chamava

Primitivo Raymundo Suares, e Maria Antonia Soares, possivelmente parentes. De qualquer

forma, o que se torna evidente é uma solidariedade entre associações estabelecida pelas

características de cunho político e pelo tipo de atividade das associações, mas podemos sugerir

também que os componentes das sociedades pudessem se valer de redes familiares para manter

a existência de associações.

A solidariedade entre associações não ocorria somente entre aquelas de cunho político.

A Liga da Mooca, que em 1917 manteve sua sede também no número 292-A da rua da Mooca,

ocupou em 1918 o mesmo endereço em que o Heroe das Chammas Foot-Ball Club tinha a sua

sede, no número 13 daquela mesma rua. 167 Sem pretender contar agora todo este caso, já que

trataremos dessa relação no último capítulo de forma mais detida, o que se pode adiantar é que,

após as greves de 1917, com o endurecimento da repressão, as ligas operárias de bairro foram

fechadas “sob a acusação de serem meros ajuntamentos ilícitos, sociedades secretas e

perigosas”168, o que deixava a Liga da Mooca em uma situação bastante delicada. Ao mesmo

tempo, o Heroe das Chammas, uma sociedade esportiva, vivia um momento de ascensão, em

um período em que clubes esportivos de trabalhadores cresciam em quantidade, inclusive no

bairro da Mooca.169 Essa ocupação partilhada, portanto, podia ser a uma forma de possibilitar

e encorajar as reuniões entre seus membros, já que, como no caso da Liga da Mooca, as

165 Fanfulla, 11/12/1915. 166 A Lanterna, 10/07/1915, 10/07/1915 e 01/05/1915, respectivamente. 167 O Combate, 07/12/1917 e 22/08/1918. 168 LOPREATO, Cristina S. R. O espírito da revolta: a greve geral anarquista de 1917. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2000, p. 157 169 Fanfulla, 17/01/1919. Ao verificarmos a lista das associações existentes na Mooca, no início desta parte, notamos que até 1916 as associações esportivas oscilavam entre uma e duas em cada ano. Em 1918, entretanto, eram três e, em 1919, cinco.

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dificuldades de existência se impunham a cada vez mais. Assim, ligar-se não a outros grupos

libertários, mas a um clube esportivo, dividindo o espaço da sede, podia apresentar-se como

uma tática para desviar a atenção de agentes a serviço da polícia e dos industriais.

Ainda que a tática não tenha surtido o efeito desejado (a Liga da Mooca deixou de existir

ainda no mesmo ano de 1918170), ela revela um aspecto interessante das associações da Mooca,

em que as estratégias de sobrevivência passavam também por alianças feitas com outras

sociedades, às vezes bastante próximas, outras vezes (aparentemente) distintas. Mesmo que tais

uniões fossem, em último caso, apenas para a utilização do mesmo espaço como sede, estas

aproximações entre sociedades diferentes tornam a vida associativa do bairro mais intricada.

1.7. Funcionamento e dinâmica das associações.

De maneira geral, as associações tinham um aspecto funcional semelhante para tratar de

assuntos internos. Realizavam assembleias ordinárias e decidiam quem ocuparia os cargos

diretivos da associação por meio de eleições. As Sociedades de Mútuo Socorro, responsáveis

por experiências de condução mais democráticas entre as organizações coletivas que se

tornariam “[...] o modelo para os grupos políticos socialistas, republicanos, anarquistas e para

as ligas de ofício”, funcionavam de maneira bastante semelhante entre si, como explica Biondi:

Todas as SIMS eram governadas por diretorias eleitas por assembleias ordinárias, das

quais podiam participar, geralmente, todos os sócios em dia com os pagamentos. O

número de conselheiros variava, mas nunca ultrapassava o máximo de 22 elementos;

em média tinha em torno de 16 membros. Os cargos eram os de presidente, vice-

presidente, secretário e vice-secretário (ou 1º e 2º secretários), de tesoureiro e vice

tesoureiro, revisores de contas (ou síndicos, ou fiscais), conselheiros (de 8 a 16) e um

ou dois porta-bandeiras”.171

O Estatuto da S. O. M. S. Unione Mooca confirmava a sua inclusão nesta forma

apresentada por Biondi. O artigo 24º do documento afirmava um funcionamento mais

democrático, garantindo que “os cargos de presidente, vice-presidente, secretario, vice-

secretário, tesoureiro, vice tesoureiro e conselheiro são obtidos mediante eleição”. Apenas uma

função não passava diretamente por eleição, a de porta-bandeira, que tinha sua nomeação sob a

responsabilidade do presidente, mas que não compunha diretamente a direção da sociedade.172

170 O Combate, 25/09/1918. 171 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 86. 172 Estatuto da Società Operaia di Mutuo Soccorso “Unione Mooca”. Sociedade Civil n.º 113. 1903.

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Além dos cargos elegíveis mais comumente encontrados no corpo diretivo de uma

associação, outros cargos eram criados para responder às demandas mais específicas das

atividades de acordo com o objetivo principal da sociedade. A Sociedade Internacional de S.

M. Mooca assegurou ser “[...] administrada por uma diretoria composta de dezesseis membros

eleitos anualmente com os seguintes cargos: Presidente, Vice-Presidente, 1º e 2º Secretario, 1º

e 2º tesoureiro, oito Conselheiros e dois Revisores”. A associação contava ainda com duas

funções para as quais se contratavam pessoas que representariam a sociedade junto ao cotidiano

dos associados: o cobrador, a quem competia ir às residências para receber as mensalidades e

contribuições – tomando o cuidado de usar “[...] a máxima delicadeza para com os sócios;

quando o sócio não pagar a primeira vez, será este obrigado a ir a segunda” –, e entregar avisos,

ofícios e circulares. O médico, também contratado, ligava-se diretamente aos fins da sociedade,

principalmente o de “auxiliar com socorros médicos, os sócios e a família”. A ele cabia

comprovar por meio de atestados a real necessidade dos sócios em receber o auxílio, verificar

a condição de saúde de alguém que fizesse a proposta de filiar-se à associação e assistir aos

sócios em suas residências, caso a situação não os permitisse comparecer a seu consultório.173

Se, além do tempo, os objetivos específicos – auxílio médico desta última, e, da

primeira, “[...] manter vivo entre os sócios o sentimento pátrio e o respeito ao Brasil e prestações

de auxílio material, moral e intelectual”174 – podem distanciar estas duas sociedades, elas se

aproximam tanto em seu objetivo geral (o mútuo socorro), quanto em seu funcionamento, cujo

teor mais democrático constitui “[...] a característica mais marcante do processo de difusão das

associações mútuas e da construção de uma identidade operária” que “[...] expressa, na

autodeterminação e nas tomadas de decisões de forma democrática, um momento fundamental

no processo de formação das organizações entre trabalhadores”.175 Assim, temos aqui uma

importante indicação de que estas sociedades eram compostas, organizadas e geridas por

trabalhadores.

A partir dessas recomendações fornecidas por Biondi para o caso das SMS podemos

observar mais de perto o funcionamento das associações voltadas ao lazer. Os estatutos das

associações formadas por trabalhadores são bastante ricos em informações tais como objetivos,

funcionamento, critérios de admissão e formas de atuação e de organização desses grupos. Para

funcionar legalmente, as associações eram obrigadas a depositar os seus estatutos em cartórios,

constituindo-se em pessoa jurídica, conforme conta Uassyr de Siqueira. A partir dessa

173 Estatuto da S. I. S. M. Mooca, 1926. 174 Estatuto da S. O. M. S. Unione Mooca, 1902. 175 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 85-86.

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documentação, é possível distinguir e comparar diversas associações – em tipos, como fizemos

anteriormente, mas também entre diferentes matizes ideológicos –, e perceber as tentativas de

construções de diversas identidades, como por ofício, étnicas e de gênero.176

Quanto à organização, a forma experimentada pela maioria das sociedades recreativas,

musicais, teatrais e esportivas, em suma, aquelas voltadas para o lazer, também se baseava nas

configurações e experiências das sociedades de mútuo socorro. Às 7 horas da noite de sábado,

31 de outubro de 1908, o C. F. Tina di Lorenzo realizou sua primeira assembléia geral no bairro

da Mooca, onde havia acabado de instalar a sua sede, na rua Visconde de Parnaíba, n.º 18-A.

Para a reunião estavam programadas discussões, entre outros assuntos, sobre admissão de

sócios e aprovação de estatutos. Na segunda assembléia, no início do mês seguinte, os sócios

tiveram a incumbência de eleger a nova direção, composta também pelos cargos utilizados pelas

S. M. S., como o de presidente e vice, secretário (1º e 2º), fiscais e conselheiros. Além desses

cargos mais habituais, os sócios elegeram Vincenzo Morrone e Giuseppe Fuscella,

respectivamente, como primeiro e segundo mestres de salão177, funções dedicadas à

manutenção e organização dos espaços da sede social onde se realizariam as peças teatrais, as

festas e os bailes.

Esta forma de organização, e os rituais que a compõe, podem ser encontrados ainda em

outras associações de cunho recreativo. O C. R. I. Matteo R. Imbriani realizou assembléia geral

para a escolha de sua diretoria em 5 de julho de 1909, em sua sede à rua Visconde de Parnaíba,

n.º 175, onde elegeram o presidente e o vice, os secretários, os conselheiros, os revisores de

contas, os fiscais, os caixas e, a exemplo do Tina di Lorenzo, os mestres de salão.178 A S. R.

Giovanni Zanatello, em 08 de junho de 1909, em sua sede à rua da Mooca, n.º 134, realizou

assembléia geral para a eleição de uma nova diretoria, o que acontecia anualmente.179 Os sócios

da Sociedade Brasil assistiram, sete anos antes, às duas horas da tarde de um domingo, após

eleição, a posse da direção.180

A S. R. Musical da Mooca, no estatuto de sua Banda Internacional lançado em janeiro

de 1920, afirmou que “[...] todo o sócio fundador, contribuintes e perpétuos, que sejam correntes

com o pagamento, tem o direito de votar e serem votados” 181, e em sua composição diretiva

176 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 19. 177 Fanfulla, 31/10/1908 e 12/11/1908. 178 Idem, 04/07/1909 e 12/06/1910. 179 Idem, 08/06/1909. 180 O Commercio de São Paulo, 16/02/1902. 181 Estatuto da Banda Internacional..., 1921. O documento afirma que a Banda foi fundada em 1917, que na verdade é o ano de fundação da própria sociedade, sugerindo que ela tenha mudado de nome. Até o fim do ano de 1918, o nome referente a este grupo que permanece entre as notícias de jornais é o da S. R. M. da Mooca. A

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figuravam os cargos de Presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro e conselheiros.

Ademais, as assembleias gerais eram realizadas duas vezes ao ano, “sendo a primeira no último

sábado do mês de junho e a segunda no último sábado do mês de dezembro”. Entretanto, se ao

apontar estas práticas funcionais a sociedade parece se encaixar entre aquelas cujo

funcionamento é mais democrático, há no mesmo estatuto um indício de que a aparente

democracia da associação podia não funcionar completamente. O capítulo 6º afirma que “a

diretoria tem o direito de eleger secretamente uma nova Diretoria anualmente”.182 Dessa forma,

a diretoria podia agir no sentido de moldar a própria composição diretiva e, por consequência,

a social de seus quadros da maneira como melhor lhe conviesse no momento, e conseguir,

agindo de forma obscura, se fosse esse mesmo o caso, manter à frente da sociedade as mesmas

pessoas. Contudo, é preciso lembrar, o período após a greve de 1917 trouxe às associações de

trabalhadores um forte agravamento da repressão por parte dos industriais paulistas e dos

poderes públicos183, que agiam de diversas formas, das ações violentas até a infiltração de

agentes nas associações184, o que poderia explicar a opção adotada pela Banda Internacional

de eleger, naquele período, a sua diretoria de forma secreta.

Se não podemos fazer ainda nenhuma afirmação categórica a esse respeito, o exemplo

serve para nos tirar de cima dos ombros o peso da dúvida sobre uma aparente homogeneidade

no funcionamento interno das sociedades estabelecidas no bairro da Mooca.

Se alguém quisesse se associar a um desses grupos, teria antes que enquadrar-se em

determinados perfis aceitos pelas associações e normalmente expressos em seus estatutos.

Algumas associações preferiam não admitir novos sócios sem que fossem indicados por

membros e devidamente investigados, ou aceitariam somente aqueles que comprovassem ter o

que consideravam ser uma boa conduta. Outras insinuavam uma tentativa de manter em seus

quadros uma composição homogênea, aceitando ou recusando filiações de acordo com o país

ou região de origem do proponente, buscando reforçar uma identidade étnica.185

Sinais de identidade étnica podem ser notados entre algumas associações. Como adverte

Luigi Biondi, a escolha do nome da associação, longe de ser entregue ao acaso, “[...] era

partir do início de 1919, passam a se referirem a esse grupo como Banda Internacional da S. R. M. da Mooca. Ver, por exemplo, Fanfulla de 28/07 e 29/08/1918, e de 18/11/1920. Depois desta data, a tanto a S. R. M. da Mooca quanto sua Banda Internacional nos escapam. 182 Estatuto da Banda Internacional..., 1920. Grifo meu. 183 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 315. 184 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 278. 185 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: identidades...”, Op. Cit., p. 233-244.

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indicativa de toda uma série de sentimentos [...]”.186 Adotando a mesma linha, Uassyr de

Siqueira confirma a possibilidade de se notar traços de identidade étnica através do nome

adotado pela sociedade. Para o caso do Bom Retiro, afirma, “[...] Gênova Club, Città di Napoli

e GDR Ermete Novelli, sugerem a presença de italianos entre seu quadro de associados”.187

Seguindo estas pistas, para o bairro da Mooca no nosso caso, as associações que indicam

em seus nomes a presença de italianos são a maioria, havendo ali, além dessas italianas, apenas

uma alemã e uma portuguesa, esta última a Lusitânia da Mooca, da qual sabemos pouquíssimo.

Aquelas cuja nomenclatura aponta para a etnia italiana de seus sócios são a Banda Bianca della

Mooca, C. R. Savoia Vincit, Circolo Filodrammatico Tina di Lorenzo, Circolo Recreativo

Filodrammatico Matteo Renato Imbriani, Italia FootBall Club, Sociedade Italiana della

Mooca, Sociedade Operaria di M. S. Unione Mooca, Sociedade Recreativa Giovanni Zanatello,

Sociedade Recreativa Stella d'Italia, Società Drammatica Ricreativa e Sportiva Stella

d'Italia188 e Società Unione Meridionali Uniti.

É preciso observar, entretanto, que as sociedades cujos nomes indicam a origem italiana

de seus associados não formam um bloco homogêneo. Se a quantidade dessas associações era

maior que as de outras nacionalidades, isso se deve “[...] sobretudo à entrada de agremiações

que tinham uma caracterização regional muito marcada”. Biondi explica que ao longo dos anos

1890 o aumento da imigração italiana para São Paulo gerou maior diversificação, com vultuoso

aumento do número de italianos provenientes da região sul (“os meridionali”) presentes nos

centros urbanos, presença esta que ultrapassou a dos italianos setentrionais na cidade de São

Paulo já durante a primeira década do século XX.

O “caráter localista” destas associações, reforçado pelas nomenclaturas adotadas, tinha,

entretanto, um duplo papel. Conforme analisa Biondi,

A identidade italiana unitária era, então, para as sociedades formadas por imigrantes

provenientes do sul da Itália, um objetivo que devia ser declarado explicitamente, pois

reforçava sua identidade de classe que, no âmbito do sul, era fiel ao novo estado

italiano surgido em 1861 e, ao mesmo tempo, tinha a função de mostrar que esses

imigrantes do sul ocupavam um espaço legítimo na comunidade italiana imigrada

[...].189

186 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 73. 187 SIQUEIRA, Clubes e Sociedades dos Trabalhadores do Bom Retiro, Op. Cit., p. 103-104. 188 Existiram duas Sociedades Recreativas “Stella d’Italia” ao mesmo tempo na Mooca, ambas encerradas por volta de 1909, mas com datas de fundação e ligações associativas diferentes. A S. D. R. S. “Stella d’Italia” surge somente em 1916. 189 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 72-74.

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Assim, além daquelas que assumiam o regionalismo diretamente em sua nomenclatura,

como a Società Unione Meridionali Uniti (Sociedade União Meridionais Unidos, em tradução

livre), algumas sociedades homenageavam personagens de suas regiões, como é o caso do

Circolo Recreativo Filodrammatico Matteo Renato Imbriani, que reverenciou uma figura

importante nascida na região da Campânia, mais especificamente em Nápoles. Neste caso,

pode-se sugerir também um tipo de entroncamento identitário, pois parece ser tanto regional

quanto buscar pela “união e concórdia entre os italianos”, pois que Matteo R. Imbriani integrou

o movimento irredentista “[...] que visava à unificação com a Itália das regiões italianas sob o

domínio da Áustria”190, o que poderia significar uma abertura para que italianos provenientes

de diversas regiões, e não somente da região meridional, ingressassem na associação.

Outras agremiações baseavam seus nomes em expoentes das artes daquele país.

Giovanni Zanatello, tenor italiano nascido em Verona, região do Vêneto, foi homenageado por

uma sociedade recreativa que levou seu nome, e Tina di Lorenzo, proeminente atriz italiana,

nascida na capital da região piemontesa, Turim, emprestou seu nome a um círculo

filodramático. Entretanto, ainda que os nomes apresentados sugiram a presença de italianos em

larga medida nestas sociedades, apenas a partir desta observação não se pode lançar nenhum

tipo de afirmação quanto à exclusividade de sua presença ou que essas associações tinham como

critério associativo a etnia.

Em maio de 1916 um grupo de “[...] jovens dispostos a unir o útil ao agradável” fundou

e instalou no n.º 294 da rua da Mooca um clube dramático ao qual atribuíram “[...] o fatídico

nome ‘Savoia Vincit’”, nome que parece tanto apontar na direção de uma afirmação identitária

italiana quanto aludir ao acolhimento de uma ideologia monarquista.191 O curioso, porém, é que

a composição de sua diretoria era, étnica e regionalmente, heterogênea, como revela a edição

do jornal Fanfulla datada do dia 11 daquele mês:

Reuniram-se pela primeira vez em assembleia, tendo nomeado conselho diretivo

provisório, que é composto pelos seguintes senhores: Vincenzo Cianciarulo,

presidente - Antonio Guerriero, secretario - Candido A. da Paz, tesoureiro- Mario

Donnini, 1.o mestre de salão - Manuel Galhos, 1.o fiscal - Accacio Nani, 2.o fiscal .192

Não é difícil notar no quadro consultivo provisório desta sociedade, aparentemente

exclusiva aos italianos se considerarmos a sua nomenclatura, a presença de dois componentes

não italianos ocupando cargos de relativa importância, o tesoureiro Candido A. da Paz e o 1º

190 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 71. 191 Idem, ibidem, p. 74. 192 Fanfulla, 11/05/1916.

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fiscal Manuel Galhos, portugueses ao que tudo indica. A respeito daqueles cujos sobrenomes

apontam para uma origem italiana, também não se pode afirmar uma homogeneidade regional

da sociedade, porque, por exemplo, o sobrenome Guerriero sugere que o secretário, Antonio,

seja proveniente da região da Campânia, porção meridional, enquanto que os sobrenomes Nani

e Donini, do 2º fiscal, Accacio, e do 1.º mestre de salão, Mário, respectivamente, são mais

facilmente encontrados na região setentrional daquele país, entre a Lombardia e a Emilia-

Romagna. Estas informações denotam a heterogeneidade da composição desta associação, e

indica que a etnia não era necessariamente um de seus critérios associativos.

O mesmo ocorria em relação ao C. R. F. Matteo Renato Imbriani, cuja composição do

conselho diretivo em junho de 1910 era esta:

Presidente, Aliperbi Ciro - vice-presidente, Giuseppe Fuscelli - secretário, José

Zeverner - secretário, Olivio Ferrari - caixa, Luigi Gregnanica – conselheiros:

Francesco La Vecchia, Attilio Pavanelli, Ciro Vittolo, Nunziato Labatti; - revisores:

Pietro Molari, Luigi Martinelli; - 1.o mestre de sala, Antonio Di Marco - 2.o mestre

de sala, Vincenzo Vietri - 1.o fiscal, Giuseppe Romano - 2.o fiscal, Antonio

Portiello.193

O conselho, formado de uma maioria de italianos, cujos sobrenomes sugerem origem

tanto meridional (Campânia principalmente e Sicília) e setentrional (Emilia-Romagna e

Lombardia, principalmente), apresentava apenas o nome de José Zeverner como não italiano.

Não temos outros indícios que a etnia figurasse como um critério associativo. Existem, porém,

exemplos de sociedades em que claramente a etnia era requisito central. Entre os estatutos que

encontramos, podemos apontar duas com esta característica. Entretanto, uma delas, a Società

Italiana della Mooca, apesar de ter confirmado em seu estatuto, publicado em agosto de 1918,

o desejo de “[...] consolidar os vínculos de fraternidade e solidariedade entre os italianos

residentes na cidade de São Paulo e especialmente no bairro da Mooca”194, aludindo a uma

vocação étnica, foi fundada, como já mostrou Biondi, por “[...] industriais e comerciantes do

bairro da Mooca”, mas, na prática, “[...] era aberta também aos operários e aos brasileiros”.195

Dessa forma, relacionava-se muito mais ao bairro do que com uma identidade étnica, apesar

dessa identificação ser bastante marcante.

O outro caso é o da S. O. M. S. Unione Mooca. O estatuto, datado de outubro de 1902,

fora escrito à mão e apresentado com o título “Sociedade Operaria de Mutuo Soccorro ‘União

193 Fanfulla, 12/06/1910. 194 Estatuto da Società “Italiana della Mooca”, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo. 18/08/1918 (Dom.), ed. 178, p.4161. Grifos meus. 195 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 78.

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Mooca’”, assim mesmo, em português. Mas um primeiro indício de que se trata de uma

sociedade Italiana de Socorro Mútuo (S. I. M. S.) revela-se logo abaixo: escrito entre

parênteses, com as letras ligeiramente menores do que o chamativo título, está a nomenclatura

“Societá Operaia di Mutuo Soccorso ‘Unione Mooca’”196, em sua língua original.

Como vimos anteriormente, apenas o nome de uma associação não nos serve para

afirmar alguma exclusividade étnica entre os sócios. Continuando nosso percurso pelas folhas

amareladas do estatuto, logo no início encontramos um critério que indica fazer parte dessa

união somente um grupo étnico, como escrito no primeiríssimo artigo do documento, onde se

lê que aquela era

[...] uma sociedade entre operários italianos, com sede nesta capital e denominada -

Societá Operaia di Mutuo Soccorso Unione Mooca - cujo fim é estreitar mais os laços

de fraternidade por meio de socorro mutuo e ensino.

Além disso, a Unione tinha como principal objetivo, além, claro, da prestação de

auxílios “material, moral e intelectual”, “[...] manter vivo entre os sócios o sentimento pátrio e

o respeito ao Brasil”.197

O termo “operário” poderia nos confundir aqui, mas seu uso à época, conforme indica

Biondi, “[...] reforça a tese de que o mutualismo italiano era uma expressão auto-organizativa

quase exclusivamente de artesão e operários especializados e de pequenos e médio industriais,

ainda que isso não tenha significado [...] ausência de relações com os operários italianos [...]”.198

As propostas presentes no estatuto tornavam-se identidades visíveis na bandeira da

sociedade, que “[...] é a tricolor italiana, tendo no centro representadas duas mãos que se

apertam”.199 O uso deste último símbolo, como conta Claudio Batalha, data da antiguidade e

teve caminho bastante tortuoso, e é tarefa difícil estabelecer quando e como passou a ser

utilizado por associações operárias. É interessante, porém, que sociedades de diferentes

correntes ideológicas a tenham utilizado. Para o caso do Rio de Janeiro, analisado por Batalha,

a “[...] União dos Operários Estivadores, fundada em 1903, de orientação reformista, está entre

as primeiras sociedades a empregá-lo”, mas a insígnia podia ser vista em 1908 na “[...] principal

expressão do sindicalismo revolucionário brasileiro que foi a Confederação Operária

Brasileira” e também na bandeira da União dos Operários em Fábricas de Tecidos, em 1917.200

196 Estatuto da S. O. M. S. Unione Mooca, 1902. 197 Idem. Grifos meus. 198 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 78. 199 Estatuto da S. O. M. S. Unione Mooca, 1902. 200 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 103.

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De qualquer forma, estão presentes na bandeira da Unione Mooca tanto um símbolo

étnico, nas cores italianas, quanto de classe, nas mãos unidas, indicando se tratar de uma

associação que aglutinava trabalhadores que “[...] compartilhavam das mesmas redes de

imigrantes italianos”, mas que se identificavam com a classe operária, sobretudo através da

ampla atuação de socialistas italianos no seio deste tipo de sociedade, fazendo com que o

elemento étnico na verdade funcionasse como um “[...] agregador ‘subterrâneo’”.201

No caso da Escola Allemãn Mooca e Braz, os sobrenomes presentes em sua diretoria

indicam tratar-se de uma sociedade exclusivamente alemã. Eduardo Bruhns, um viajante da

Cervejaria Germânia202, era o presidente, Antonio Failz o vice-presidente e Julio Heckmann o

tesoureiro. Mas, além dessa informação, os estatutos contam também que a associação tem

como objetivo primeiro

[...] facultar aos filhos de alemães que imigrarem para o nosso Estado, bem como aos

brasileiros de descendência germânica e de qualquer outra origem, que residirem nos

bairros da Mooca e Braz desta Capital, o estudo metódico e aprofundado do idioma

nacional, da literatura, história e geografia brasileiras, proporcionar ou consertar-lhes

a pratica e o conhecimento da língua alemã e familiariza-los com as conquistas da

ciência desse país.203

O objetivo de promover a língua e cultura germânica, aliada à língua portuguesa, não só

para os emigrados e seus filhos, mas para pessoas de qualquer etnia, torna a escola mais próxima

da ideia de um círculo cultural. E a multiplicidade étnica aparecia entre seus alunos. O Anuário

Estatístico de São Paulo referente ao ano de 1914 guardava algumas informações relacionadas

à Escola, que foi fundada em 1911. Tratava-se de uma escola mista, que acolhia tanto meninos

quanto meninas, e que possuía 1 curso primário no período diurno, sem subvenções do Estado,

no qual se matricularam 46 alunos. Para o ano de 1914, matricularam-se 31 alunos, sendo 12

do sexo masculino, dos quais 10 tinham menos de 12 anos de idade, e 19 do sexo feminino, dos

quais apenas 3 tinham mais de 12 anos. Entre estes alunos, 11 foram classificados como sendo

brasileiros e italianos e 17 na categoria "Outras Nacionalidades".204

Entretanto, deve-se notar, é possível que esses alunos brasileiros fossem filhos nascidos

no Brasil de imigrantes alemães e que aqueles italianos e os de “outras nacionalidades” não

especificadas talvez guardassem algum parentesco com alemães (o sobrenome que os faria

201 BIONDI, Luigi. “Mãos unidas, corações divididos. As sociedades italianas de socorro mútuo em São Paulo na Primeira República: sua formação, suas lutas, suas festas”. Tempo, vol. 16, núm. 33, julio-diciembre, 2012, p. 80. 202 O Commercio de São Paulo, 14/09/1909. 203 Estatutos da Escola Allemãn Mooca e Braz, 1921. 204 Annuario Estatistico de São Paulo: estatistica economica e financeira, 1914. São Paulo: Repartição de Estatistica e Archivo do Estado, v.2, t.2, 1916.

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entrar como “outras nacionalidades” naquela lista era herdado do pai), ou fossem enviados à

escola por seus pais como meio, proporcionado pela identificação da escola com os bairros da

Mooca e do Brás, simplesmente de conseguir acesso ao desenvolvimento cultural de seus filhos.

Existiam ainda sociedades cujas nomenclaturas não davam indícios étnicos, apontando

somente uma ligação com o bairro, sob a indicação “da Mooca”. A Sociedade Dançante

Recreativa da Mooca, por exemplo, na data de sua fundação, em 1904, era composta por

brasileiros ou portugueses, apresentando no seu quadro diretivo

Presidente, Raymundo da Silva; vice-presidente, João Morandes; primeiro secretário,

João Antônio Barbosa; segundo dito, João de Mello e Castro, tesoureiro, Antônio

Demair Bonifácio; procurador, Francisco Carvalho; primeiro orador oficial,

Marcelino Pereira da Costa; segundo dito, Manuel Xavier de Paula; primeiro fiscal,

Angelino Pimenta.205

O Grêmio Dramático 15 de Novembro tinha entre os membros da diretoria sobrenomes

de origem tanto brasileira ou portuguesa quanto italiana como

Presidente, Arthur Silva - vice, Dario Borbolla - 1º caixa, Elicer Arguelhes - 2º caixa,

Josino R. Gonçalves - 1º secretário, Columbano Abranches - diretor de salão, Angelo

Graziano - 1º fiscal, Domenico Daluca - 2º fiscal, Mariano Gomes - Auditores de

contas: Eugene M. Castro - Francesco Capasso - Gugliemmo Ricci - Isidoro Lucio.206

A clara referência à Proclamação da República no Brasil na nomenclatura pode ser

interpretada como uma marca identitária étnica, é verdade. Mas também pode ser vista como

uma alusão ao republicanismo, o que não é estranho se considerarmos que em 1909, por

exemplo, a Associação do Livre Pensamento comemorou a data em sua sede com uma “sessão

solene” em que discursou Oreste Ristori, atacando os dirigentes da república pela expulsão

então recente de Edmondo Rossoni.207

Não encontramos na Mooca nenhuma associação formada entre trabalhadores negros,

apesar da sua evidente presença no bairro. O associativismo negro, como demonstrou Uassyr

de Siqueira, era muito forte no bairro do Bexiga, mesmo que estes trabalhadores não se

restringissem àquele local.208 Contudo, por toda a cidade de São Paulo se encontravam apenas

7 sociedades compostas por negros exclusivamente209, o que revela certa dificuldade em

localizar esses grupos.

205 Correio Paulistano, 24/06/1904. 206 Fanfulla, 09/01/1915. 207 A Lanterna, 20/11/1909. 208 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 110-111. 209 DOMINGUES, Petrônio J. “Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos”. Tempo. Niterói, v. 12, n. 23, 2007, p. 103. No artigo, o autor elenca as seguintes associações: Club 13 de Maio dos Homens Pretos,

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De toda forma, na Mooca, não podemos excluir a participação dos trabalhadores negros

nas associações mais diversas. Por muitas vezes os sobrenomes dos participantes nos eventos

associativos, sem o acompanhamento de nenhuma outra referência àquelas pessoas, não nos

dão certeza de serem portugueses ou brasileiros, brancos ou negros. É possível observar, porém,

alguns sinais da presença destes trabalhadores. Como exemplo, em 1912 o Círculo de Estudos

Sociaes Francisco Ferrer comemorou com uma palestra pública, em italiano – idioma da maior

parte dos sócios – e em português, o dia 13 de maio210, data alusiva à lei Áurea, que tinha forte

simbologia entre estes trabalhadores, mas que, além disso, era um evento que deveria ser

celebrado, segundo a imprensa negra, em clima de fraternidade e união.211

Além do aspecto étnico, as associações utilizavam outros critérios na admissão de seus

sócios. Para a S. O. M. S. Unione Mooca só seriam aceitos aqueles que, além de operários e

italianos, fossem maiores de 16 e menores de 60 anos e nunca tivessem sofrido “[...]

condenações infamantes” e, ainda assim, “[...] a admissão se fará por meio de requerimento do

candidato ou por meio de proposta de qualquer sócio, sujeito uma ou outra à deliberação secreta

do conselho, que deve reunir-se para isso, desobrigado de justificar a aceitação ou recusa”.212

A Sociedade Internacional de S. M. da Mooca, apesar de declarar que “[...] é composta

de número ilimitado de sócios, sem distinção de nacionalidade”, admitia somente “[...] aquele

que for proposto por um sócio, quite com o cofre social, declarando nome, idade, nacionalidade,

profissão, estado civil e residência do proposto” e que “[...] não tenha defeitos físicos

deformantes de membros que o impeçam de trabalhar e que tenham um bom comportamento”.

Algumas linhas adiante, este último requisito é reforçado: “Ter bom comportamento e profissão

honesta e que não tenha sofrido pena por crimes infamantes mesmo imposta pela lei pública”.213

O bom comportamento frente às leis e a boa saúde daqueles que desejavam ligar-se a

algum grupo estavam entre as preocupações principais das associações, e não se limitavam

àquelas de mútuo socorro. Ao lançar mão desses critérios, as sociedades procuravam funcionar

dentro daquilo que era permitido legalmente, desvencilhando-se de atividades ilícitas, mas

também evitando ter em seus quadros pessoas que pudessem ter pendências com a polícia, o

1902; Centro Literário dos Homens de Cor, 1903; Sociedade Propugnadora 13 de Maio, 1906; Centro Cultural Henrique Dias, 1908; Sociedade União Cívica dos Homens de Cor, 1915; Associação Protetora dos Brasileiros Pretos, 1917. 210 Fanfulla, 12/05/1912. 211 DOMINGUES, Petrônio J. “Salve o 13 de Maio: as comemorações da abolição da escravatura”. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. ANPUH - São Paulo, julho 2011, p. 3. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1308104661_ARQUIVO_13MAIOanais.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2015. 212 Estatuto da S. O. M. S. Unione Mooca, 1902. 213 Estatuto da S. I. S. M. Mooca, 1926.

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que poderia acarretar em problemas para a própria associação, já que cabia ao corpo policial

tanto a fiscalização quanto a permissão de funcionamento das sociedades. A exigência em se

gozar de boa saúde, pode ser encarada tanto como um resguardo das associações, sobretudo

mutualistas, que em geral garantiam o socorro em caso de doenças, quanto um critério

decorrente da experiência vivida durante a Gripe Espanhola, que assolou principalmente os

bairros chamados operários da cidade de São Paulo em 1918.214

Entretanto, critérios tais como os de ter “bom comportamento”, “emprego honesto”, ou

o de nunca ter sido implicado em crimes (nem “infamantes”, nem de “espécie alguma”),

buscavam, como nota Uassyr de Siqueira, estabelecer um perfil associativo ajustado “[...] pela

honestidade e pela valorização do trabalho”, e eram “[...] peculiares às agremiações dos

trabalhadores”, distanciando-se dos requisitos normalmente empregados por clubes ligados às

camadas abastadas da sociedade, cujo teor indicava diferenciação a partir do destaque

econômico ou social de que gozava um indivíduo na sociedade paulistana.215

Os vínculos identitários que se podiam criar nas associações da Mooca são bastante

variados, sugerindo uma dinâmica associativa ainda mais intricada. O mundo associativo do

bairro, posto ao lado da diversidade de relações de trabalho e de sobrevivência, de identificação

étnica e de identidades políticas e de ofício, conferem às experiências na Mooca grande

complexidade.

Para dar conta desta multiplicidade de experiências devemos nos debruçar sobre a vida

dos trabalhadores, as suas formas de observar o mundo, as suas demandas e expectativas, as

suas lutas e as suas associações, suas festas, os locais e que frequentavam e as formas como

participavam das atividades em seus momentos de lazer.

214 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: identidades...”, Op. Cit., p. 235 e 237. 215 Idem, ibidem, p. 238. Grifos meus.

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CAPÍTULO 2 - COSTUMES E PRÁTICAS POPULARES DE LAZER.

2.1. Recortes do cotidiano.

Ao observar o cotidiano dos trabalhadores da Mooca nos inícios do século XX,

intentamos reconstituir, ao menos em parte, as suas formas de se relacionar, seus

comportamentos, as maneiras como resolviam seus conflitos e como observavam seu mundo.

E. P. Thompson ensina que observar apenas um passado institucional e casto do movimento

operário significa muitas vezes soterrar os seus traços mais pujantes e desordeiros, enterrando

com isso também as vivências dos próprios trabalhadores. Contra isso, sugere que deveríamos

observar nas evidências a espontaneidade, a lealdade, e a capacidade para a autopreservação,

mas também para a diversão.1

Nas experiências vividas durante o lazer se encontram costumes e ritos em que podemos

perceber entre os trabalhadores algumas diferenças, bem como uma multiplicidade de vínculos

identitários e de valores compartilhados. O jornal A Gargalhada, que mantinha uma seção

chamada “Na Corda Bamba”, em que leitores indicavam uns aos outros para terem partes de

suas vidas expostas, pode nos ajudar a chegar mais perto de seu viver. Na edição de abril de

1909, “Na Corda Bamba” descrevia:

O Alexandre [do bairro do Brás] veio dar com o costado nesta seção por um fato

bastante simples. É o caso dele anunciar que vai voltar toda a sua preciosa atenção

para a rua da Mooca, onde espera ser mais feliz em amores. Que Deus o proteja e a

nós não nos desampare eis tudo quanto desejar podemos.2

Ao contrário do que podia ocorrer em relação aos casamentos, principalmente quanto

aos imigrantes, que em muitos casos mantinham os laços étnicos3, as paqueras não eram algo

que ocorria apenas entre pessoas de uma mesma origem nacional, mas era uma relação mais

aberta que podia girar em torno de diferentes etnias e entre diferentes bairros e ofícios. Todavia,

os rituais de cortejo não estavam despossuídos de regras próprias. Em um outro jornal, vê-se

que algumas vezes a paquera podia sair do comum: “está muito avacalhado: o engrosso de

certas mocinhas da Fábrica Trapani com certos soldados que ficam na esquina da rua Bresser”.4

1 THOMPSON, A Formação... V. 1, Op. Cit., p. 61-62. 2 A Gargalhada, 28/04/1909 3 HALL, “Imigrantes na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 123. 4 A Rua, 24/02/1916.

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Segundo Petrônio Domingues, o jornal A Rua, responsável por esta notícia, era componente da

chamada “imprensa negra”, e aquelas operárias da fábrica eram negras5, o que afirma a sua

presença e sugere a existência de uma rede que pudesse interligar estes trabalhadores. É preciso

notar, ainda, o teor crítico adotado pelo jornal face às paqueras entre as trabalhadoras e os

policiais, o que pode ser explicado tanto por uma desconfiança das classes populares em relação

aos poderes constituídos6, como também por um código de conduta que considerava

inadequado o comportamento por parte das moças em adular os policiais.

As paqueras, outras vezes, podiam resultar em violência, como no caso de Vincenzo

Canfora, residente à rua do Hipódromo, n.º 143, sapateiro italiano cujo sobrenome indica a sua

origem na região da Campânia. Certa noite, Canfora, que era casado e contava à época com 46

anos de idade7, dirigiu um “[...] elogio um pouco mais ousado” a Benedita Olyntha de Souza,

“[...] negra sacerdotisa de Vênus de 30 anos de idade”. O caso seguiu assim:

A negra ficou chocada e respondeu com insolência. Canfora, irritado com o pudor

fora de lugar, ou a insolência que acredita não ter merecido, respondeu com um tapa.

Benedita, porém, queria ser a última a responder, e agarrando a barra da porta virou

um golpe na cabeça do sapateiro, ferindo-o levemente. Canfora denunciou o fato à

polícia e foi submetido a exame médico no ambulatório da Central.8

A “insolência” de Benedita foi não ter admitido o cortejo de Canfora, o que representou

para o italiano uma afronta. Canfora se ofendeu em ser recusado por uma “sacerdotisa de

Vênus”, e desferiu um tapa em Benedita. Esta, quando reagiu, foi denunciada à polícia. O que

se torna patente, neste primeiro momento, é uma ideologia machista que surge como uma gama

de valores que podem reger as relações entre trabalhadores.9 Todavia, há também nessas

palavras um teor racista “[...] típica das antigas sociedades escravistas: a transformação da

mulher de cor no objeto sexual mais cobiçado [...]”.10 O jornal Fanfulla, produtor da notícia e

ligado à colônia italiana, fez saber sua opinião: Canfora reagiu a “[...] um pudor fora de lugar”,

isto é, nesses homens, imigrantes italianos na Primeira República, certos valores muito

arraigados entre os brasileiros brancos também se podiam mesclar com os costumes trazidos de

sua terra. Por isso, talvez, é que o caso foi para aqueles imigrantes algo de escandalizador: “a

negra ficou chocada” e “queria ser a última a responder”.

5 DOMINGUES, Uma história não contada, Op. Cit., p. 228. 6 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 289. 7 Informações cruzadas a partir do registro de matrícula do Museu da Imigração. Livro 41, p. 149, Família 46820. 8 Fanfulla, 11/04/1910. 9 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 326. 10 SLENES, “O Horror, O Horror”, Op. Cit., p. 16.

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Essa tentativa de desqualificação, acompanhada de ironia, indica que em meio aos

trabalhadores da Mooca as rivalidades não eram apenas étnicas ou nacionais, mas também

raciais, evidenciando uma tendência de imigrantes de mesma nacionalidade de se mostrarem

solidários aos seus nesses tipos de rixas.11 Esse tipo de conflito, contudo, não era raro.

Antônio Fortunato, com 46 anos de idade, italiano, casado e com 6 filhos, alugou por

dez mil réis mensais um pequeno cômodo no quintal de uma chácara à rua João Antônio

Oliveira, altura do número 27, para estabelecer ali uma fábrica de “bombas e foguetes”.

Fortunato trabalhava na fabriqueta com o filho Emilio, de 13 anos de idade, que, por muitas

vezes, tocava o negócio quando o pai tinha de se ausentar. O oficio de fogueteiro requeria certa

especialização. O valor que Fortunato despendia apenas com o aluguel indica que seus ganhos

eram maiores do que os de um operário empregado em fábrica, onde apenas os trabalhadores

homens mais especializados, como “[...] pessoal de oficinas, serralheiros, carpinteiros, etc.”,

alcançavam em média duzentos mil réis mensais.12 Além disso, o fato de trabalhar em sua

própria fábrica apenas com seu filho sugere que este era um ofício aprendido “[...] através de

estágio como aprendiz, em contraste com o operário que não tinha [...] treinamento”.13

Num sábado, 20 de junho de 1903, ao sair para tratar de questões do aluguel com o

senhorio, Fortunato deixou sozinho o filho.

Este estava trabalhando, quando ali apareceram dois pretos que desejavam comprar

diversas baterias de bombas. Emilio negou-se a efetuar a venda, porque, disse, tinha

para isso autorização e disse-lhes que voltassem hoje pela manhã. Os dois pretos,

então, amarraram o menor à porta do quarto, penetraram no interior, e puseram fogo

aos foguetes, evadindo-se em seguida.

Emílio conseguiu escapar, cortando “[...] o barbante com que o tinham amarrado” e

correndo para a rua, “[...] felizmente a tempo de se salvar” da explosão que se seguiu, quando

“[...] o teto voou pelos ares, ficando, em poucos instantes, destruído tudo o que ali se achava”.14

A forma como o caso foi narrado pelo jornal Correio Paulistano é bastante reveladora

dos valores daquele periódico15, portador ainda de uma mentalidade de degradação em relação

11 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 94. 12 "Condições do Trabalho na Indústria Têxtil no Estado de São Paulo". Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, 1912, pp.35-37 apud HALL, Michael M.; PINHEIRO, Paulo S. (Org.). A Classe Operária no Brasil. 1899-1930. Vol. II. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981, p. 82-89. 13 HOBSBAWM, “O Debate Sobre a Aristocracia Operária”, Op. Cit., p. 311. 14 Correio Paulistano, 20/06/1903. 15 O Correio Paulistano foi o primeiro periódico a ser publicado diariamente em São Paulo. Estava ligado ao Partido Republicano Paulista e, apesar de se por à frente de uma “vestimenta liberal e democrática”, segundo comenta Ângela Thalassa, associava-se aos oligarcas e às camadas mais abastadas da sociedade paulista. Ver THALASSA, Ângela. Correio Paulistano: o primeiro diário de São Paulo e a cobertura da Semana de Arte Moderna. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007.

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ao trabalhador negro16, uma mentalidade que podia se fazer presente também na recusa de

Emilio em vender seus produtos aos dois fregueses.

Voltando ao aspecto machista entre os trabalhadores da Mooca, encontrar padrões desse

tipo de comportamento em relações amorosas em meio à imprensa não é tarefa impossível.

Sidney Chalhoub aponta, em estudo sobre o cotidiano dos trabalhadores do Rio de Janeiro, que

esses casos repercutiam intensamente e eram cobertos de forma bastante sensacionalista pela

imprensa da época durante dias e até semanas.17 Na Mooca,

Luigi Lungo, empregado na Ferrovia Central do Brasil, residente na rua Visconde de

Parnaíba, 248, ontem, às 9 da manhã, por uma questão sem importância, cometeu a

proeza de bater repetidamente com uma cadeira em sua esposa, Sandrina Landi. A

pobre mulher, que além de vários hematomas nos braços, tinha uma grande ferida na

cabeça, apresentou denúncia ao doutor Pinheiro e Prado, delegado em serviço na

Central, qual abriu investigação sobre o caso.18

Não conhecemos as questões que desembocaram na agressão. Um outro caso, porém,

pode nos dar mais pistas sobre esses padrões machistas de comportamento.

Há dois anos, mais ou menos, o italiano Bazillari Raphael, marceneiro, residente à rua

Visconde de Parnaíba n.8, mantém relações com a sua patrícia Maria Pompelli,

moradora em um quarto da casa sita à rua do Hipódromo n.4. A harmonia, que sempre

reinou entre os dois, só era perturbada quando Raphael sabia que Maria conversava

com o seu compadre Pasquale de tal, residente à rua José Monteiro. Ontem, ás 7 horas

da noite, chegando Raphael ao quarto de Maria, encontrou lá o compadre; num acesso

de ciúme, avançou contra Pasquale, que fugiu precipitadamente, voltando então a sua

cólera para a amante. Agarrando Maria brutalmente, o ciumento Raphael subjugou-a

e, atirando-a ao chão, pisou-a ferozmente. Aos gritos da vítima, acudiram várias

pessoas, que intimaram Raphael a abrir a porta do quarto sendo atendidas, depois de

muito tempo, deparou-se lhes um quadro triste, tristíssimo. Deitada no chão,

gemendo, estava a infeliz Maria que, quase sem fala, explicou a cena que ali se

passara, dizendo sentir dores horríveis.19

Podemos observar em ambos os casos um comportamento baseado em um código de

conduta machista, “[...] que induzem e orientam as ações dos homens” e que desembocam em

violência. Todavia, como se percebe pelo primeiro caso, não era incomum que as mulheres

tentassem em alguma medida resistir a tais ações, recorrendo, por exemplo, à polícia, e se

colocando contra o marido.20 O segundo caso, revela um motivo comum de agressões: o temor

do adultério. Apesar de não serem casados e nem morarem juntos, Maria Pompelli e Raphael

Bazillari mantinham uma relação bastante íntima. Todavia, o fato de Pasquale frequentar a casa

16 TRINDADE, “O negro em São Paulo no período pós-abolicionista”, Op. Cit., p. 104. 17 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 184. 18 Fanfulla, 17/06/1909. 19 Correio Paulistano, 23/05/1904. 20 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 193.

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de Maria podia parecer a Raphael um descuido com os deveres de solidariedade e reciprocidade

entre o casal ou ainda um conflito de valores, uma demonstração de insubmissão por parte de

Maria, o que denota algum nível de independência por parte da mulher e que atentava contra a

honra do marceneiro, desembocando em um ajuste violento.21

Apesar da violência, é interessante notar que os dois casos giram em torno de casais

formados por italianos, o que parece indicar os laços que podem ter servido para que estas

pessoas se encontrassem e mantivessem uma relação amorosa. Esse tipo de endogamia, como

nota Michael Hall, reforçava os laços étnicos e, ao lado de outras organizações, como as

associações, servia para manter uma comunidade étnica.22 O sobrenome de Luigi Lungo é

comumente encontrado na região central da Itália, mais precisamente o Lazio, e Sandrina Landi

é comum na Toscana, também região central italiana, indicando que alguma aproximação entre

os dois pode ter se dado pela carga cultural prévia semelhante, ou pela identidade regional.

Ao congregarem experiências culturais prévias trazidas de seus países de origem e

relações bastante diversificadas na Mooca, seus habitantes viviam em uma atmosfera em que

se cruzavam diferenças e disputas cotidianas e afinidades étnicas e de ofício, o que fazia daquele

bairro um ambiente bastante heterogêneo e complexo. Um caso talvez reúna e interligue alguns

desses vários elementos. É uma pequena história sobre Wenceslau Mülller, que, segundo

contou-se em uma edição de abril de 1910 do jornal Fanfulla, morava no número 91 da rua da

Mooca, era russo e havia chegado recentemente ao Brasil. Encontramos Wenceslau num posto

policial no dia 11 daquele mês, uma segunda feira à noite. Sem conseguir pronunciar mais do

que algumas palavras em português, o russo tentava nervosamente explicar ao impaciente

delegado o motivo de ter sido posto na cadeia. O que se conseguiu compreender daquela

conversa, é o que segue:

Partindo de seu país natal, Wenceslau disse à família que enviassem as cartas dirigidas

a ele para alguns de seus compatriotas que vivem aqui em São Paulo, no largo da

Memória; até agora, porém, ele não havia recebido nenhuma carta de casa, e estava

em grande preocupação, temendo que algum infortúnio tenha ocorrido aos membros

da família. Ontem às 8 da noite, Wenceslau foi ter com seus conhecidos, no largo da

Memória, e teve a satisfação de finalmente encontrar uma carta, que lhe deu uma

excelente notícia de sua mãe e seus parentes. Depois de uma última olhada sobre a

carta, o pobre russo foi tomado por um acesso de alegria, e por um momento chegou-

se a acreditar que ele estava perdendo a razão. Ele saiu da casa dançando, pulando e

rindo, e, no meio da praça, para desabafar de alguma forma a soberba felicidade que

o tinha invadido, puxou um revólver e disparou dois tiros para o ar.23

21 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 202. 22 Ver HALL, “Imigrantes na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 123. 23 Fanfulla, 12/04/1910.

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Temos neste caso um indício de que Wenceslau veio ao Brasil por intermédio de alguns

amigos ou parentes que aqui já estavam e mantinham um endereço fixo, pelo qual poderia se

comunicar com seus familiares que ficaram em seu país de origem. Os laços que se estabeleciam

entre família e amigos tinham posição central na vida emocional dos imigrantes, organizando

a recepção, providenciando habitação e emprego, conselhos e empréstimos.24 A angústia de se

afastar não apenas de sua terra natal, mas também de seus parentes, a preocupação e a

dificuldade de comunicação estão impressas na atitude do russo, que explodiu em alegria ao

receber notícias de sua mãe. Sua felicidade, entretanto, exteriorizada através de tiros de

revólver, o levou à prisão. A partir daí observamos um indício da grande heterogeneidade das

experiências na Mooca. Se fosse Wenceslau um imigrante espanhol, cuja semelhança da língua

em relação à portuguesa fazia com que, não raro, os sobrenomes fossem aportuguesados, ou

mesmo italiano, cujas semelhanças culturais com a população brasileira iam do “[...]

catolicismo comum até as línguas neolatinas”25, a dificuldade de comunicação seria bem menor.

Não eram raros os casos em que imigrantes de uma mesma nacionalidade se reuniam

em torno de associações para promover a integração de sua cultura prévia com a cultura que

entravam em contato no Brasil. A Escola Allemã Mooca-Braz, como vimos, tinha por fim

difundir a cultura alemã e aprofundar os conhecimentos dos seus alunos sobre acultura

brasileira.26 Também a Società Unione Meridionale Italiana, ou Meridionali Uniti apontava

como finalidade

Difundir nos italianos residentes no Brasil o espírito de coletividade e a atividade

assimilativa com o elemento indígena; Cooperar no fortalecimento dos laços entre a

colônia e o país para que as relações entre italianos e brasileiros tenham maior

desenvolvimento [...]; Instituir escolas noturnas para o ensino da língua Italiana e

Portuguesa aos sócios e a seus filhos como meio de facilitação de relações de cada um

desses com as pessoas de quem são hóspedes, e o exercício de seus direitos e deveres

cotidianos.27

Com os trechos acima expostos, conseguimos perceber que parte dos imigrados tinha a

clara intenção de se fazer assimilar ao novo ambiente e ao mesmo tempo manter a cultura de

seu país de origem. Todavia, a bagagem cultural era mantida não apenas dentro desses círculos,

mas também em suas experiências cotidianas, onde elementos específicos de cada grupo se

encontravam e mesclavam-se, gerando aproximações e tensões.

24 HALL, “Imigrantes na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 142. 25 Idem, ibidem, p. 126. 26 Estatutos da Escola Allemãn Mooca e Braz, 1921. 27 Estatutos da Sociedade União Meridional Italiana, 1899.

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2.2. Festas e folias.

Das atividades de lazer das classes populares, talvez as mais antigas, e mais aguardadas,

fossem as festas. Thompson, em A Formação da Classe Operária Inglesa, identificou em tais

práticas uma quebra momentânea da escassez cotidiana, quando se podiam comer uma porção

a mais de pão ou carne, brincar e cortejar.28 Peter Burke, para o caso da Europa, aponta as festas

como o cenário mais importante da cultura popular justamente por representar uma quebra da

escassez. “Eram ocasiões especiais em que as pessoas paravam de trabalhar e comiam, bebiam

e consumiam tudo o que tinham”.29

As festas cívicas, como as paradas militares em comemoração ao 15 de Novembro que

ocorriam no prado da Mooca, certamente eram uma opção em que os trabalhadores não

precisavam gastar os seus parcos recursos para assistir às atrações, o que fazia com que fosse

notada durante os desfiles a presença de grande público. Em 1909, um jornal comentou que nas

várias tribunas montadas para o evento no prado da Mooca estavam “[...] as mais distintas

famílias de São Paulo”, das quais as senhoras e senhoritas exibiam suas “[...] elegantes

toilettes”. Ali se faziam notar também os representantes do poder público. Entretanto, o

reduzido número de palavras dedicadas às pessoas “[...] de todas as classes sociais”30, apesar

de indicar a presença de trabalhadores, sugere que sua participação se limitava ao papel de

observadores.

As festas religiosas organizadas pelas paróquias, entretanto, ocorriam com frequência e

eram bastante populares. A capela de Santa Cruz da Mooca, que estava localizada à rua João

Antônio de Oliveira, realizou em 18 de junho de 1904 a festa de Santa Cruz, que teve início

com “[...] missa solene às 10 horas e à tarde procissão”. Além das atividades religiosas, houve

também “[...] leilão de prendas, corridas em sacos e a pé, pau de sebo, iluminação, música e

outros divertimentos”, sendo o ápice do evento, a queima de fogos de artifício, preparada “[...]

pelo conhecido pirotécnico sr. Biaggio Chioffi”, aguardado para as 9 horas da noite. Em junho

de 1907, em outra festa em louvor à Santa Cruz, o programa se manteve praticamente o mesmo,

com “[...] leilão de prendas, pau de sebo, fogos de artifício e outros divertimentos, tocando uma

banda de música”.31

28 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 298. 29 BURKE, Cultura Popular na Idade Moderna, Op. Cit., p. 243. 30 Fanfulla, 16/11/1909. 31 Correio Paulistano, 18/06/1904 e 12/06/1907.

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Na paróquia de San Gennaro, fundada em 1914 e situada à rua da Mooca, a principal

festa era realizada em comemoração ao dia do santo padroeiro. Em 1915, as preparações

tiveram início em 16 de setembro com tributo solene, destacando-se a decoração festiva da

igreja, que “[...] acha-se caprichosamente enfeitada de palmas e flores”. A festa ocorreu no dia

19 daquele mês, obedecendo ao seguinte programa:

Ás 5 horas, alvorada;

às 7 horas, missa com cânticos e comunhão geral;

às 9 horas, missa solene cantada;

às 15 horas, grande leilão de prenda;

às 19 horas, terço, ladainha, pratica, 'Tantum Ergo', benção solene;

às 20 horas, leilão;

às 22 horas, extração da tombola.32

Percebe-se no programa um reduzido espaço destinado às diversões, exceto pelos leilões

às 15 e 20 horas, e também, conforme prosseguia a nota, pela música provida pelos integrantes

da banda Bersaglieri, composta por italianos e cuja sede ficava no Bom Retiro.33 Entretanto, se

tomarmos o evento, e o próprio padroeiro da igreja, como uma forte tradição entre italianos,

advindos principalmente da região da Campânia, a solenidade apresenta-se como uma forma

de afirmação identitária, já que San Gennaro é o padroeiro da cidade de Nápoles, local que

conta com igreja e com festas e comemorações a ele dedicadas. Para ficarmos em um exemplo,

no bairro de Little Italy, na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, os imigrantes italianos

ali instalados, oriundos da mesma região da Campânia, iniciaram o festival de San Gennaro,

que se mantém, à exemplo da Mooca, até os dias de hoje.34

A igreja de San Gennaro, também promovia outras festas. As do “mês de Maria”

mantinham, de maneira geral, a mesma programação composta de celebrações religiosas e “[...]

leilão de beneficência, durante o qual serão vendidos numerosos objetos doados por pessoas

caridosas”.35 Ao misturar práticas religiosas com atividades mais populares, essas capelas

possivelmente visavam à maior presença dos habitantes do bairro.

É importante lembrar que a construção da igreja envolveu um esforço não apenas de

elementos eclesiásticos, mas também de industriais e, principalmente, dos poderes públicos.

Tanto assim, que quem esteve à frente da comissão para a construção era um capitão da força

pública: “uma comissão de voluntariosos, por iniciativa do capitão Cyrino Junior, se encarregou

de erigir uma nova catedral da Mooca, desmembrando-a daquela do Brás”.

32 Correio Paulistano, 16/09/1915 e 19/09/1915. 33 Fanfulla, 27/08/1914. 34 Ver <http://www.littleitalynyc.com/sg_page1.asp>. Acesso em 05/01/15. 35 Fanfulla, 31/5/1918.

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A comissão em questão é composta dos senhores:

Dr. Almeida Lima, vice-presidente da câmara municipal; Goulart Penteado,

conselheiro; Joaquim Diniz, Mario Graccho Pinheiro Lima, Estanislau Jose Seabra,

Oscar Horta, Justiniano Vianna, Coronel Otaviano de Oliveira, Coronel Albino de

Godoy, Lellis Vieira, Paes de Barros e Joaquim Jose Rodrigues. Desde o primeiro

momento aderiram a esta iniciativa, os notáveis industriais desta capital, senhor

Andrea Matarazzo, dr. Eribaldo Sciciliano, e mais tarde, os senhores doutores Erasmo

de Assumpção e Giuseppe Crespi, industriais da Mooca.36

A lista composta exclusivamente por empresários e altos funcionários dos poderes

públicos nos faz acreditar que a importância da construção da igreja ultrapassava a devoção

religiosa, apontando mais na direção da criação de um mecanismo que pudesse colaborar para

um lazer mais normatizado dos trabalhadores do bairro.

As organizações das atividades ficavam a cargo de uma associação, a Conferência de

São Januário. Contudo, a contar pelo número de sócios, que eram 25 em 1916 e que caíram a

6 em 1919, era provavelmente composta por pessoas do mesmo grupo que aqueles que

integraram a comissão de construção. O valor das contribuições, que em 1916 chegavam a

1:591$700, não ultrapassavam um terço desse montante em 1919.37 Tais informações sugerem

que a associação foi fundada apenas para manter a igreja nos anos iniciais ou, uma especulação

nossa, para atrair os trabalhadores para um círculo religioso. Se foi este último o caso, as

intenções não tiveram sucesso.

Os trabalhadores certamente participavam das festividades das igrejas, mas não eram

unânimes quanto ao gosto dos vigários e das senhoras beatas para a montagem das festas. Os

redatores do jornal A Gargalhada revelaram o que se pensava a respeito das veladas paroquiais

ao incluírem na seção “Na Corda Bamba” um certo Alcindo, “[...] pela recordação tétrica da

festa da Santa Cruz da Mooca. Realmente, naquela festa — se é que se pôde chamar festa uma

reunião obrigada a perobas — o pau roncou que não foi vida”.38 As impressões gravadas pelos

articulistas indicam que em alguma medida estas festas aconteciam de maneira mais regrada,

provavelmente sob os olhares atentos do vigário e dos carolas, e nem sempre ao gosto dos

participantes.

Em uma terça feira à noite, 16 de junho de 1917, a igreja de San Gennaro promoveu

uma festa religiosa e um leilão de prendas. Estavam presentes muitos paroquianos, habitantes

da Mooca, mas também policiais, que ali se encontravam para assegurar que o evento ocorresse

36 Fanfulla, 20/11/1911. 37 Ver os Anuários Estatísticos de São Paulo referentes aos anos: 1916 (v.1, pp. 238-239 e 350-351); 1917 (v.1, pp. 354-355 e 378-379); 1918 (v.1, pp. 346-347 e 372-373); 1919 (v.1, pp. 384-385 e 414-415); 1920 (v.1, pp. 228-229 e 256-257). 38 A Gargalhada, 28/04/1909.

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em ordem. Entediado pelo andamento moroso do folguedo, o cozinheiro João Bendoni, de 50

anos de idade, “[...] promoveu grande desordem” por estar, segundo o jornal Correio

Paulistano, “alcoolizado”. O que compunha exatamente a desordem que Bendoni teria iniciado

não é comentado pelo autor da notícia, mas seguindo com o relato é possível perceber as tensões

vividas naquele período:

Recebendo voz de prisão, Bendoni resistiu espalhafatosamente, causando grande

escândalo. Inúmeros populares, julgando-se com o direito de intervir no caso,

tentaram opor-se à prisão, originando-se, por isso, um conflito, durante o qual foi

disparado um tiro de revólver, ao que se diz, por um policial.39

Talvez a primeira coisa que deva chamar a nossa atenção é o tom moralizador do jornal.

Abertamente ligado aos setores mais conservadores da sociedade, o Correio Paulistano não

titubeou em vincular ao nome de Bendoni termos como espalhafatoso, desordeiro, escandaloso.

Além disso, para os articulistas do jornal, a causa da “desordem” generalizada só poderia ser o

alcoolismo de um dos trabalhadores presentes.

O álcool – e os botequins, como veremos mais adiante – era uma das principais opções

de lazer dos trabalhadores pobres, hábito que contrariava os valores dominantes, principalmente

se praticado em praça pública40, o que pode explicar o teor moralizador e pedagógico

empregado nas páginas do jornal, bem como a ação da polícia em tentar deter o cozinheiro que

quebrou a regra do evento paroquial.

Resta tentar entender o motivo pelo qual os “inúmeros populares” presentes na festa

daquela noite se puseram ao lado de Bendoni. Uma explicação óbvia seria a escalada da tensão

naquele período de 1917, após meses de propaganda promovida por socialistas, anarquistas e

sindicalistas revolucionários, ou a insatisfação popular com os aumentos progressivos do preço

do pão.41 Todavia, como ensina Thompson, afirmar que a eclosão de uma briga generalizada,

envolvendo de um lado trabalhadores pobres e de outro a polícia, ocorreu simplesmente por

causa do preço do pão seria atribuir àquelas pessoas uma atitude espasmódica e inconsciente.42

Em suma, acabaríamos por entender o evento a partir do ponto de vista das camadas mais

abastadas da sociedade, representadas pelas palavras do jornal Correio Paulistano, e

terminaríamos por aceitar que a culpa de tal espasmo fosse mesmo do hábito do álcool.

39 Correio Paulistano, 17/06/1917. 40 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 258. 41 LOPREATO, O espírito da revolta, Op. Cit., p. 69 e 74. 42 THOMPSON, Edward P. “A economia moral da multidão Inglesa no século XVIII”. In: THOMPSON, Costumes em Comum, Op. Cit., p. 150.

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Não devemos descartar o impacto das ações de propaganda do movimento operário e

nem jogar por terra as insatisfações quanto ao preço de itens alimentares básicos, ou ainda com

as condições de trabalho. Porém, como observa Sidney Chalhoub para o caso do Rio de Janeiro,

“os membros das classes populares possuíam um conhecimento prático de que tinham que

desconfiar da autoridade constituída, boicotar sua ação e resistir com violência quando

possível”. Tais casos de resistência e insubordinação não são fatos isolados, mas mostravam-se

nas práticas de insubmissão em relação aos poderes constituídos.43 Assim, o conflito

estabelecido entre os numerosos populares e os policiais dão indícios de que nem o

comportamento do cozinheiro, nem a sua resistência à prisão representavam ofensa aos

costumes daquelas pessoas. Ao contrário, a atitude popular frente à “grande desordem”,

constituindo-se como um “código não-escrito”44, considerou justo o alívio embriagado de

Bendoni, um consenso popular que se chocava com a imposição da lei oficial concretizada na

atitude enérgica e moralizadora dos policiais.

Entre a imposição da ordem pela polícia e a insubmissão popular, o cozinheiro Bendoni

foi levado à repartição central de polícia, após ser “[...] espancado a espadim, recebendo

contusões e equimoses no nariz, nas costas, na cabeça, no braço e no antebraço direito”45, o que

nos faz acreditar, ainda, que toda a contenda pode também ter sido causada pelos excessos por

parte dos policiais, um exagero na aplicação da força que rompeu com o que aquelas pessoas

consideravam legítimo ou aceitável em uma intervenção da força pública. Em todo caso, o que

nos é visível é que aquelas pessoas possuíam um código próprio, em constante tensão com os

códigos daqueles integrantes das camadas abastadas da sociedade e dos poderes constituídos.

Essas tensões apareciam também durante outras festas. Segundo apontaram importantes

historiadores, o carnaval era a maior e mais importante festa popular do ano, período em que o

que se pensava poderia ser expresso com relativa impunidade46, um período de inversão de

valores e hierarquias, felicidade e abundância47, e, ainda, uma temporada de sexualidade

aflorada e de hilaridade que testavam as fronteiras sociais “[...] através de irrupções limitadas

de desordem” antes de retornarem mais uma vez ao “[...] universo da ordem, submissão e

seriedade da quaresma”.48 Contudo, tais práticas, ainda que comumente aceitas em meio à

43 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 289. 44 THOMPSON, A Formação... V. 1, Op. Cit., p. 62. 45 Correio Paulistano, 17/06/1917. 46 BURKE, Cultura Popular na Idade Moderna, Op. Cit., p. 248. 47 GINZBURG, O Queijo e os Vermes, Op. Cit., p. 15. 48 DARNTON, O grande Massacre de Gatos, Op. Cit., p. 113.

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população, não estavam isentas de críticas e de proibições por parte dos poderes públicos e das

camadas mais abastadas da sociedade.

Obviamente, o carnaval não era exclusividade das classes populares. Muitas pessoas das

ditas elites da sociedade, aninhadas em associações carnavalescas, se exibiam pelas ruas

centrais da capital em seus automóveis bastante ornamentados, transformados em carros

alegóricos, acompanhados por suas famílias, “[...] trajando lindas fantasias” em um longo

préstito, e seguidos “[...] por um barulhento Zé Pereira”.49

No carnaval de 1912, uma forte chuva no dia 19 de fevereiro desanimou

momentaneamente as festas. Porém, no dia seguinte,

[...] as pessoas tomaram as ruas, inundando as ruas centrais, pelas quais era impossível

andar. As trupes Fenianos, Excêntricos, Filhos do Inferno, Vai ou Racha e Flor da

Mooca, foram aplaudidíssimas, pois se apresentaram com grande luxo de

indumentária e lindíssimos carros alegóricos.50

O Club Infantil Flor da Mooca teve existência bastante curta, entre 1912 e 1913, mas

chegou a contratar “[...] dois conhecidos artistas para enfeitar seus carros” e a inaugurar um

barracão à rua da Mooca em um evento em que foi oferecido aos sócios e convidados “[...] mesa

de doces e finos licores”. Tais práticas, envolvendo bebidas mais sofisticadas, a contratação de

artistas renomados e o próprio fato de a sociedade possuir ou utilizar automóveis e carruagens

dos sócios inscritos, inserem o Flor da Mooca entre as associações das camadas mais abastadas

da sociedade. Ainda assim, a população mais pobre, mesmo que não participasse das festas e

reuniões no barracão do clube, aproveitava o desfile para foliar.

Como nos anos anteriores, esta sociedade carnavalesca pretende, na terça-feira gorda,

do próximo carnaval, apresentar um vistoso préstito, que depois de percorrer as

principais ruas do bairro da Mooca, fará a sua entrada no centro da cidade, às 8 horas

da noite.51

Os espaços utilizados pelos habitantes da Mooca para o lazer durante o carnaval eram

principalmente as ruas. E as fronteiras do bairro não eram, obviamente, limite. Muita gente ia

até o centro da cidade, enchendo as ruas para brincar o carnaval. Estas pessoas provinham tanto

das camadas abastadas quanto das classes populares, indicando certo interclassismo naquelas

atividades. É interessante notar que não demorou para que algumas figuras ligadas às elites da

sociedade paulistana tratassem de organizar, regular e encarecer o carnaval de rua.

49 Correio Paulistano, 10/02/1907. 50 Diario Español, 21/02/1912. 51 Correio Paulistano, 23/12/1912.

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Está definitivamente organizada a comissão promotora do carnaval externo deste ano

nesta capital. A comissão ficou assim constituída: presidente, conde Asdrubal do

Nascimento; secretário, coronel Aberto de Andrade; tesoureiro, o Banco do Comercio

e Industria de S. Paulo; membros: coronel Francisco da Cunha Bueno, Joaquim

Gomes Estella, J. Faria & Comp., comendador José Coelho da Rocha e cav. Rodolpho

Crespi.

A comissão, composta em 1911 por alguns conhecidos empresários para preparar os

folguedos e representar as sociedades participantes do concurso de desfile, cobrava uma

subscrição de um conto de réis52, valor considerável que acabava por impedir o acesso daquelas

associações composta por trabalhadores. Mas essa sutil divisão não era um empurrão isolado,

e nem o primeiro do tipo. Logo em 1900, por ordem do chefe de polícia do Estado de São Paulo,

Antônio Candido de Almeida e Silva, foi publicada uma proibição sobre algumas práticas

carnavalescas populares que visava salvaguardar a ordem e também certas camadas da

sociedade. Entre as práticas condenáveis constavam o uso “[...] de trajes indecentes ou fazerem

alegorias a quaisquer pessoas, empregados civis, militares ou eclesiásticos, bem como usarem

emblemas ofensivos às religiões”. As pessoas que assim fossem encontradas seriam “[...]

recolhidas à polícia”. Também com o intuito de manter a “[...] ordem e segurança pública”, se

advertia no documento que nenhuma sociedade carnavalesca, com ou sem fantasias, “[...]

poderá sair em préstito pelas ruas da capital sem prévia licença da mesma chefia de polícia”.53

As preocupações da força pública presentes no ato de proibição indicam algumas

práticas dos moradores da capital paulista durante o carnaval, principalmente daqueles que

habitavam os bairros populares. Os trajes “indecentes”, as zombarias e a hostilidades, dirigidas

a figuras públicas e a componentes das famílias abastadas, ou as críticas atribuídas aos párocos

ou à religião, todos estes elementos, ritualizados e liberados no momento do carnaval,

invocavam, de uma maneira ou de outra, certo antagonismo, e indicam um sentimento de

diferenciação entre o lado popular do carnaval e o lado das camadas mais abastadas.54

Entre as práticas que incomodavam os poderes públicos estava a do jogo do entrudo,

que era algo que se aproximava bastante dos charivaris ou da rough music descritas por

Thompson como uma “[...] expressão ritualizada de hostilidade”, que podia ser vista em ações

como “[...] o barulho estridente e ensurdecedor, o riso desapiedado e as mímicas obscenas”.55

O entrudo era uma ocasião para se chacotear o outro, “[...] uma oportunidade de se pregar peças

a conhecidos ou passantes, oferecendo-lhes, por exemplo, acepipes providos de recheios

52 Correio Paulistano, 10/01/1911. 53 Idem, 21/02/1900. 54 THOMPSON, Edward P. “Rough Music”. In: THOMPSON, Costumes em Comum, Op. Cit., p. 363. 55 Idem, ibidem, p. 353.

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duvidosos”, ou um “[...] momento de ‘guerra às cartolas’, tomando-se a elite, com seus trajes

elegantes, como alvo de brincadeiras”.56 Era costume “[...] molhar-se e sujar-se uns aos outros

com limões ou laranjinhas de cera recheados com água perfumada”, mas não apenas isso:

[...] todo e qualquer recipiente que pudesse comportar água a ser arremessada. Incluía

também, em determinadas situações, o uso de polvilho, ‘vermelhão’, tintas, farinhas,

ovos e mesmo lama, piche e líquidos fétidos, entre os quais urina ou ‘águas

servidas’.57

Esses costumes, porém, há muito eram vistos pelos poderes públicos como algo a se

suprimir. Tanto assim que o código de posturas municipais, já em 1886, proibia o jogo do

entrudo e todos os objetos a ele destinados.58 Em 1906, o chefe de polícia, Meirelles Reis,

seguindo o código, “[...] mandou publicar na imprensa vários editais proibindo a venda de

relógios, carrapichos, espanadores, pós, graxas e quaisquer outros objetos destinados ao jogo

do entrudo”, sob pena de apreensão, multa e prisão.59

Não bastava, entretanto, proibir tais práticas. Era necessário também fiscalizar. Todas

“[...] as autoridades, nos seus distritos, providenciarão sobre a inspeção dos bailes que se

realizarem nestes quatro dias de folguedos”. Os delegados circunscricionais deveriam

permanecer sempre nas ruas centrais da cidade, “[...] de modo a inspecionar o policiamento e

intervir para que a ordem pública não seja alterada”, com exceção do quinto delegado, “[...] que

não estará de serviço na cidade porque no Brás onde, a falar verdade, o carnaval é tão animado

como no perímetro central, os seus serviços são reclamados”. O fato de o quinto delegado ter

sido mantido no Brás é revelador das preocupações dos poderes públicos com os costumes

populares presentes naquela região. Conforme relatou impressionado um jornalista, “parece

incrível, mas é a pura verdade, o Brás tem vida carnavalesca, e tem-na vibrante e intensa”,

[...] a grande avenida Rangel Pestana foi-se enchendo de povo alegre, povo que tinha

sede e vontade de divertir-se e que isto conseguiu, pois até as 10 horas da noite ainda

eram grandes batalhas, que se travavam entre moços e senhoritas, no jogo delicado e

chic do lança-perfume.60

56 MONTEIRO, Débora P. “O mais querido 'fora da lei': notas de pesquisa sobre o entrudo na cidade do Rio de Janeiro (1889-1910)”. In: Anais do XIV Encontro Regional de História da ANPUH-Rio: Memória e Patrimônio. Rio de Janeiro: NUMEN, 2010, p. 2. 57 CUNHA, Maria C. P. da. Ecos da folia: uma história social do Carnaval carioca entre 1880 e 1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 apud MONTEIRO, “O mais querido 'fora da lei'”, Op. Cit., p. 2. 58 Código de Posturas do Município de São Paulo. Câmara Municipal de São Paulo. 1886. 59 Correio Paulistano, 07/02/1906. 60 Idem, 10/02/1907 e 26/02/1907.

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A brincadeira de lança-perfumes ocorria quando “bandos de rapazes promoviam os seus

ataques de lança-perfumes às senhoritas que resistiam, travando lutas renhidas”. Com isso, as

festas tornavam-se “[...] uma confusão de vozes humanas, de ruídos estridentes das buzinas e

dos assobios [...]”.61

Os moradores da Mooca iam ao bairro vizinho, às aglomerações do largo da Concórdia,

para brincar o carnaval. O português Mario Marques do Amaral, de 23 anos de idade, casado e

morador da rua Mem de Sá, nº. 15, foi àquela festa “[...] metido em trajes femininos”.

Ao chegar à rua Muller um grupo que estacionava junto a um combustor da

iluminação pública obrigou-o a dizer uma graça. Mario Marques enfureceu-se: não se

fantasiara para divertir os outros, mas sim para espairecer as suas mágoas. O resultado

foi levar uma sova de pau, para eterna recordação do carnaval de 1911.62

Novamente, o tom adotado pelos articulistas do jornal Correio Paulistano revestia-se

de moralidade, assumindo as proibições dos “trajes indecentes” por parte da polícia, e de ironia.

Todavia, aquele grupo que Marques encontrou não fazia parte da força pública. Não podemos

igualmente atribuir o evento a questões étnicas ou de algum tipo de quebra de solidariedade

entre conhecidos, mesmo porque, com o que pudemos apreender do texto, os personagens não

se conheciam previamente. Melhor seria tentar entender o caso a partir da idéia de conflito de

valores, isto é, que o ajuste violento ocorreu após o grupo dirigir gracejos a Marques, que

entendeu naquela ação algo injustificado, pois que era carnaval, e o português, assim como

grande parte da população, tinha naqueles dias um período de maiores liberdades. Assim, tanto

as provocações do grupo quanto a resposta de Marques, calcadas sobre um código de conduta

machista, desembocaram em violência.63

2.3. Armazéns, botequins e o álcool.

Pelas ruas da Mooca era bastante comum encontrar estabelecimentos em que os

habitantes ou os passantes podiam entrar e beber algumas doses de pinga ou vinho barato.

Durante a pesquisa nos deparamos com 17 deles, todos na rua da Mooca, a maioria ocupando

imóveis em esquinas de ruas que cortavam a principal via do bairro, sendo 14 descritos como

armazéns ou vendas, 2 padarias e 1 botequim. Entre os proprietários de armazéns, conseguimos

61 Correio Paulistano, 13/02/1911. 62 Idem, 20/02/1911. 63 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 326.

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saber o nome de 9 deles e a sua origem: 5 italianos, 3 portugueses ou brasileiros64 e 1 alemão.

Nas padarias, encontramos como proprietários um italiano e um português. O único

estabelecimento encontrado que estava indicado como botequim era de propriedade de um

italiano. Na tabela abaixo65, talvez consigamos ver mais claramente.

Tabela 14 - Relação de armazéns no bairro da Mooca.

Ano Estabelecimento Endereço Proprietário Nacionalidade

1900 Armazém Rua da Mooca. Francisco Pamplona Português ou brasileiro

1900 Armazém Rua da Mooca. Maria (sem mais identificações) Não informada

1900 Armazém Rua da Mooca. Sem Identificação Não aplicável

1901 Armazém Rua da Mooca, 150. Pietro Tebiase Italiano

1903 Armazém Rua da Mooca, 28-A. Firmino Simões Português ou brasileiro

1903 Armazém Rua da Mooca. Sem Identificação Não aplicável

1904 Padaria Rua da Mooca, 29. Alfredo Chioffi Italiano

1904 Armazém Rua da Mooca, 33. Sem Identificação Não aplicável

1904 Armazém Rua da Mooca, 126. João Romão Italiano

1906 Armazém Rua da Mooca, 60. José Hans Alemão

1908 Armazém Rua da Mooca, 260. Carlos Clemente Português ou brasileiro

1910 Padaria Rua da Mooca, 214. Odilo Lourenço Português ou brasileiro

1910 Armazém Rua da Mooca, 348. José Antanussa Italiano

1913 Armazém Rua da Mooca, 296. Sem Identificação Não aplicável

1913 Botequim Rua da Mooca, 345. Pedro Arystaran Italiano

1914 Armazém Rua da Mooca, 237. Arthur Tacioli Italiano

1914 Armazém Rua da Mooca, 241-A. Salvatore Romano Italiano

Para montar e manter esses comércios era preciso ter alguma soma de dinheiro

disponível, e normalmente as pessoas que abriam as portas das vendas já tinham experiência

em outros estabelecimentos. Por exemplo, o negócio de secos e molhados localizado na rua da

Mooca, n.º 28-A, foi comprado por Firmino Simões no início de abril de 1903. Firmino, porém,

já importava e vendia vinhos de Portugal, da Quinta Lopes de Miranda, e tinha escritório à rua

da Glória, 141.66

Francisco Pamplona tinha também alguma experiência no comércio, ainda que contasse

com uma falência notificada em julho de 1898. O armazém que possuía na rua da Mooca em

64 Os sobrenomes dessas pessoas não nos permitem saber ao certo. Além disso, nas fontes onde foram encontradas as informações não havia indicativo de etnia, nacionalidade ou cor de pele. 65 A tabela foi construída a partir do cruzamento de diversas fontes, mas principalmente de indicações em notícias em jornais. Seguindo a ordem da tabela, as referências são: Correio Paulistano, 08/06/1900, 14/05/1900 e 11/08/1900; O Commercio de São Paulo, 17/07/1901 e 19/04/1903; Correio Paulistano, 06/02/1903, 29/12/1904, 27/06/1904 e 18/04/1904; Obras particulares, Diretoria de Obras e Viação, PMSP, CX. OP9, 05/02/1906; Correio Paulistano, 18/09/1908; Obras particulares, Diretoria de Obras e Viação, PMSP, CX. OP99, 16/08/1910; Correio Paulistano, 12/09/1910, 19/04/1913 e 10/05/1913; Obras particulares, Diretoria de Obras e Viação, PMSP, CX. OP322, Registro 119591, 20/05/1914 e CX. OP322, Registro 119597, 07/07/1914. 66 O Commercio de São Paulo, 19/04/1903 e 01/11/1902.

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1900 também teve vida curta, pois Pamplona reaparece em 1902 como “[...] digno chefe de

tráfego da seção de Santo Amaro”, um cargo, portanto, com maiores vencimentos.67

Assim, essas pessoas compunham uma pequena parte da população que, apesar de

bastante modestos, algumas vezes identificavam-se em uma posição social relativamente

distinta frente as camadas populares68, o que, somado ao fato de alguns imigrantes serem

proprietários desses estabelecimentos comerciais, reforçam a idéia de que experiências dos

trabalhadores e habitantes da Mooca eram bastante heterogêneas.

Outra possível distinção em relação aos demais trabalhadores se origina da própria

natureza do comércio: armazéns, bares, botecos e botequins mantinham os ébrios escorados nos

balcões ou, em alguns casos, sentados nas pequenas mesas, enfim, em seu espaço interno.69 E

os proprietários tinham de zelar pela ordem em seus estabelecimentos, cuidando para que o

pequeno capital investido, em forma de mobiliário e estoques de mercadorias, não fosse

perdido. Tal posição lhes permitia gozar de alguma condescendência por parte da polícia e em

certos casos tornava o proprietário um aliado dos poderes públicos “[...] na vigilância contínua

que se quer exercer sobre homens pobres”, tornando mais agudo o antagonismo entre

proprietário e freguês.70

Dessa relação muitas vezes emergiam rixas por causa de questões de pagamento e

cobranças. Em uma noite de quinta-feira, sete de junho de 1900,

[...] na rua da Mooca, Mariano Casulo, depois de discutir por muito tempo com

Francisco Pamplona, proprietário de uma venda daquela rua, pegando de um peso de

quilo que se achava no balcão arremessou-o na cabeça do seu contendor, ferindo-o

levemente.71

Em outra venda, um mês antes, também por causa de dívidas, uma contenda ainda maior

armou-se.

Maria de tal, de certo tempo a esta parte entretinha, por causa de dívidas, grandes

discussões com um cunhado de Leopoldo Augusto de Oliveira, cocheiro da casa

Rodovalho, e ultimamente prometera vingar-se não só dele, mas de toda a sua geração.

Ontem à tarde quando Leopoldo passava pela venda de Maria, na rua da Mooca, esta

lhe atirou um facão, ferindo-o levemente na perna esquerda. Leopoldo, que nada tinha

com as questões do seu cunhado, desandou em tremenda descompostura, ameaçando

esbofetear a dona da venda, se continuasse a fazer brincadeiras desagradáveis como

aquela. Travou-se então animado bate-boca e José Frazzi, que assistia à cena, vendo

que Leopoldo estava disposto a agredir a mulher, esbordoou-o com uma bengala que

67 Correio Paulistano, 22/07/1898 e14/02/1902. 68 CANOVAS, Imigrantes Espanhóis na Paulicéia, Op. Cit. p. 310. 69 CAMARGO, Daisy de. Alegrias engarrafadas: os álcoois e a embriaguez na cidade de São Paulo no final do século XIX e começo do XX. São Paulo: Editora Unesp, 2012, p. 58. 70 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 260. 71 Correio Paulistano, 08/06/1900.

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trazia, travando-se então grande conflito. Acudiram populares e as praças que faziam

a ronda da rua prenderam os indivíduos e a mulher, os quais foram recolhidos ao

xadrez do posto policial do Braz, a ordem do tenente Anastácio de Andrade, 2º

subdelegado do Brás.72

A atitude da dona do armazém em cobrar um parente do devedor revela que a relação

de Leopoldo com o cunhado era bastante próxima, e possivelmente estavam ligados não apenas

por laços de parentesco, mas também pela rede de solidariedade impressa na divisão da mesma

habitação, uma na tática de luta pela sobrevivência muito comum entre trabalhadores pobres73,

o que podia fazer de Leopoldo e de seu cunhado, aos olhos da proprietária do armazém, um

único conjunto familiar.

Outro ponto a ser observado é a intervenção de José Frazzi na confusão. Enquanto

discutiam, Maria e Leopoldo resolviam as suas diferenças de acordo com uma forma aceita

pelos outros integrantes das classes populares que assistiam à cena. É somente no momento em

que Leopoldo ameaça agredir a dona da venda que Frazzi, que assistia desde o início o

desenrolar do bate-boca, aparece na história. Entre ele e Leopoldo, entretanto, não houve tempo

para discussões, partiram para a violência. O comportamento de interferência demonstrado por

Frazzi ocorreu quando uma das partes da contenda poderia estar em desvantagem, isto é, no

ponto em que Leopoldo ameaçava “esbofetear a dona da venda”, e sugere, como já observou

Chalhoub para o caso dos trabalhadores do Rio de Janeiro, “[...] uma concepção de justiça

segundo a qual a luta é válida e legítima enquanto há equilíbrio de forças entre as partes em

confronto”.74

Como se vê, a vida dos proprietários desses estabelecimentos comerciais não era fácil.

Ao contrário, “[...] implicava um despojamento de luxos, uma vida repleta de percalços, dívidas

e não pagamentos de fregueses”.75 Muitas vezes, para conseguir manter ou mesmo abrir um

comércio, recorriam ao sistema de consignação, negociando sem comprar dos fabricantes os

produtos que deixavam ali expostos, mas também sem que o dinheiro ficasse nas mãos do

vendedor.76 Os proprietários desses estabelecimentos podiam ainda ter outros prejuízos. Pedro

Tebiase teve levadas de seu armazém à Rua da Mooca, 150, "[...] duas frigideiras, uma caçarola

e um prato".77 Em outro armazém, situado na esquina da rua da Mooca com a rua Carneiro

Leão, logo pela manhã o proprietário encontrou “[...] uma das portas da casa toda às escancaras.

72 Correio Paulistano, 14/05/1900. 73 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 193. 74 Idem, ibidem, Op. Cit., 2001, p. 329. 75 CAMARGO, Daisy de. Alegrias engarrafadas, Op. Cit., p. 56. 76 CANOVAS, Imigrantes Espanhóis na Paulicéia, Op. Cit., p. 328-329. 77 O Commercio de São Paulo, 17/07/1901.

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Imediatamente, prevendo um roubo, pôs-se a revistar o armazém e certificou-se então

de que lhe haviam retirado as gavetas do balcão, indo encontrá-las na rua,

completamente limpas, sem 200$000 em dinheiro que continham, um relógio e um

revólver. O furto é atribuído à pessoa que se tivesse deixado escondida dentro da casa,

no momento de se fecharem as portas, por isso que estas não apresentavam sinal de

violência.78

A relação entre os proprietários e seus fregueses não se caracterizava, contudo, sempre

pela animosidade. Como aponta Chalhoub, a posição em que se encontravam esses

comerciantes era ambígua, pois, ainda que “[...] sua condição de proprietário fundamente um

antagonismo básico entre ele e seus fregueses”, ele não escapava ao “[...] mundo dos populares,

compartilhando sua visão das coisas e assimilando seu código de conduta”. “Tanto é assim que

o botequim é quase sempre o ponto de abrigo preferido de populares que procuram escapar à

ação dos meganhas ou de outros quaisquer agressores”.79 Além disso, armazéns, vendas,

padarias e botecos não tinham apenas uma função de lazer, mas serviam também como locais

de abastecimento, capazes de trazer aos habitantes dos bairros populares alguns produtos

básicos.80 Assim, era um local onde a relação entre proprietário e freguês podia se estreitar81,

pois era possível comprar pagando fiado, negociação que depende de uma relação de confiança,

e que, em tempos de maior escassez, como crises e desemprego, garantia aos trabalhadores

algum acesso à alimentação.

Uma estratégia para arranjar alguma diversão ao gosto do álcool, das conversas e dos

jogos era reunir-se nas pequenas casas ou casebres onde os trabalhadores moravam. Uma dessas

reuniões ocorreu na casa de número 274 da rua da Mooca, onde Deolinda Maria de Jesus, seu

amante Giovanni Gennaro, e seu amigo Enrico Marchesi conversavam alegremente. Quando o

amante se ausentou por alguns momentos, “o imponderado Enrico se aproximou de Deolinda e

lhe estalou um beijo na boca” por estar embriagado. Deolinda gritou por Gennaro, e, neste

momento, instalou-se a briga: “Marchesi, que tinha todos os erros, achou melhor se fazer de

valentão e feriu a pancadas o amante oficial da mulher, que foi forçado, para defender-se, a

quebrar uma garrafa na sua cabeça”.82

A grande quantidade de armazéns e botequins espalhados pela rua da Mooca, a

proximidade em relação à moradia e aos locais de trabalho, contudo, facilitava a presença de

trabalhadores nestes estabelecimentos. O ato de saborear bebidas alcoólicas, porém, era alvo de

78 Correio Paulistano, 06/02/1903. 79 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 265. 80 SILVA, Leopoldo F. O comércio nos bairros populares da cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 23. 81 CANOVAS, Imigrantes Espanhóis na Paulicéia, Op. Cit., p. 330. 82 Fanfulla, 13/02/1908.

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diversas críticas, tanto por parte de empresários quanto por parte de integrante do movimento

operário, o que indica que esse era um hábito muito disseminado entre os trabalhadores.83 Pelos

jornais, não eram raros os casos trágicos envolvendo os ébrios. O jornal em língua italiana

Fanfulla relatou, em um tom misto de gozação e moralização, o que considerava estar em íntima

relação com o alcoolismo:

Octavio Castello Branco, embora jovem, já está viciado no hábito de beber. E duas

são as consequências desastrosas de seus hábitos funestos: a primeira é que se

encontra quase sempre desempregado; a segunda é que faz viver em constante

agitação a sua família, que mora na rua da Mooca n. 86. Ontem, às 4 horas da tarde,

por exemplo, Otávio voltou à sua casa molhado de bêbado. Mas sua irmã o repreendeu

tão severamente que o ...embriagado tirou do bolso um canivete e, dizendo que queria

cortar sua artéria carótida, se fez uma cicatriz no pescoço. Isso não fez com que a

família ficasse menos alarmada, tanto que foi dado aviso à central, encontrando-se no

local o 5º delegado e um médico legista. Espera-se que Otávio deixe seu hábito

vergonhoso que o expôs ao ridículo hoje publicamente.84

Em outra notícia, os efeitos nocivos e o poder ridicularizador do álcool, na visão dos

editores do mesmo jornal, são mais uma vez expostos:

Francisco Lourenço, de 43 anos, tem um culto intenso para a pinga branca, e ontem

achou por bem fazer procissão por vários botequins, acabando com uma tremenda

ressaca que o privou do uso das pernas. Na rua João Antônio de Oliveira tropeçou em

uma pedra e caiu no chão ferindo a região parietal direita. Encontrado por um agente

foi recolhido e levado à polícia, onde se recupera de sua pinguite [sic] aguda.85

O álcool, e o hábito de ingeri-lo, girava em torno de um contexto de tentativas de

normatização e de tolerância, em que não se proibia com a força da lei, mas tentava-se a todo

tempo criar obstáculos, neste caso morais, à prática.86 Assim, tentavam-se controlar o costume

por diversas vias, quando não ridicularizando o bebedor, pela tentativa claramente pedagógica

de mostrar os malefícios da bebida:

O álcool não é um alimento, como se supõe erradamente. E nunca, de modo algum,

nutre o corpo, mantém ou aumenta a força. Não só não pode formar sangue, a partir

do qual se formam a carne, os nervo, os ossos e os músculos; mas impede mudanças

naturais que ocorrem no sangue e bloqueia as funções nutritivas e reparadoras.

Acredita-se geralmente que as bebidas alcoólicas atuam como uma ajuda para a

digestão dos alimentos. Isso, no entanto, não é a verdade, e nisso concordam quase

todas as mais eminentes autoridades médicas. A ação do álcool no líquido digestivo,

como foi demonstrado por experimentos químicos, é aquela de destruir o princípio

(pepsina); e é esta a razão pela qual tantos bebedores de licor sofrem de dispepsia.

Outro erro dominante em torno das bebidas alcoólicas, é que eles diminuem os efeitos

do frio sobre o corpo. Sua influência real, ao contrário, é tornar o corpo mais suscetível

83 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 151 e 168. 84 Fanfulla, 08/02/1908. 85 Idem, 02/09/1911. 86 THOMPSON, Edward P. “Costume, lei e direito comum”. In: THOMPSON, Costumes em Comum, Op. Cit., p. 89.

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aos estragos do frio, tal como o calor artificial e temporário é sempre seguido de uma

sensação de frio.87

Conseguimos chegar, através deste alerta aos malefícios da ingestão do álcool, a

algumas visões de mundo dos trabalhadores sobre a questão. Logo na primeira linha, é exposta

a primeira lição: álcool não é alimento. Obviamente, entre aqueles trabalhadores, o hábito de

tomar alguma bebida era considerado um tipo de complemento alimentar, uma prática que

associava prazer e necessidade. A bebida alcoólica, a pinga e o vinho, como conta Daisy de

Camargo, “[...] foi para os menos abastados uma complementação energética, uma opção de

calorias mais baratas”.88 Não apenas a ingestão de calorias, mas também, podemos acrescentar,

enganar a fome e, mais comum ainda, afastar a sensação de frio. Além disso, ainda seguindo a

nota sobre os malefícios da bebida, observamos algumas crenças populares que davam ao álcool

um caráter medicinal. Na visão dos trabalhadores, o álcool tinha poderes muito positivos sobre

o corpo: era capaz de formar sangue, o que ajudava a reparar lesões – além das mágoas, é claro

–, e servia para a má digestão, assim também como para abrir o apetite.

Trabalhadores cujos ofícios não estavam necessariamente ligados à disciplina do tempo

imposta pelas fábricas, como os cocheiros, eram os alvos prediletos das notícias envolvendo o

os efeitos do álcool.89 O italiano Nicola Grandino, cocheiro do bonde de número 155, no

intervalo de uma das viagens, quando parou no terminal da Mooca, “[...] dirigiu-se a uma venda

próxima e, ali, tomou uma jeribita. Quando de novo tomou as rédeas dos animais para fazer

seguir o bonde, recebeu na cabeça uma forte cacetada, ficando por algum tempo prostrado”.90

Novamente, para observar uma prática popular bastante difundida entre os

trabalhadores, temos de limar as arestas moralizadoras do jornal. Neste caso, Grandino

mostrava que o ideal dos industriais que quer separar de forma rigorosa lazer e trabalho não

tem nenhum significado frente aos seus costumes.91 E o episódio de Grandino não era incomum.

Ontem, ás 5 horas da tarde, na venda n. 33 da rua da Mooca, o português Domingos

Ferreira Lourenço, vaqueiro, residente à rua Luiz Gama, estava bebendo em

companhia de seu amigo Nicolau Gonçalves Sandi, italiano, cocheiro, residente à rua

da Mooca, quando, por motivo fútil, travou-se uma violenta altercação com ele,

trocando vários insultos. A um desaforo mais forte que lhe dirigiu Nicolau, Domingos

empunhou uma garrafa e atirou-a, ferindo-o no rosto. O ofensor foi preso em flagrante

e conduzido à presença do capitão José Firmino, quinto subdelegado, no posto policial

do Braz, sendo contra ele lavrado o competente auto de prisão. O ofendido foi

medicado no gabinete medico da Policia Central, pelo dr. Honorio Libero, médico-

87 Fanfulla, 10/01/1911. 88 CAMARGO, Daisy de. Alegrias engarrafadas, Op. Cit., p. 53. 89 PINTO, Cotidiano e Sobrevivência, Op. Cit., p. 230. 90 Correio Paulistano, 02/04/1900. 91 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 258.

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legista, que constatou a existência de um ferimento contuso na região temporal

esquerda.92

Temos nesta passagem dois trabalhadores cujos ofícios novamente não estão atrelados

ao tempo da fábrica, possibilitando assim maior flexibilidade no ir e vir93, isto é, poderiam, ao

fim das tarefas, ou em meio a elas, dispensar algum tempo para sentar, tomar um gole e papear,

revelando algum grau de controle próprio sobre o trabalho e o tempo de lazer.94 Segundo a nota,

o italiano e o português eram amigos, o que revela uma relação interétnica que, uma vez que

não tinham o mesmo ofício e nem residiam na mesma rua, ainda que ambos fossem habitantes

da Mooca, pode ter nascido das passadas pelo armazém ao fim das tarefas, resultado da maior

liberdade sobre o próprio tempo. A briga estabelecida, como já vimos em casos anteriores,

evoluiu de um ritual de provocações que desembocou na agressão física, como uma mostra de

uma noção própria de resolução de conflitos.

O português Domingos Ferreira Lourenço tinha à época 17 anos de idade, e era já

conhecido no posto policial do Brás por tais ajustes violentos. Alguns meses antes da contenda

com o italiano Sandi, o vaqueiro envolveu-se em uma briga junto com seu irmão, Antonio

Ferreira Lourenço, e com um outro vaqueiro, Manuel Carvalho dos Santos, de 26 anos,

residente à rua Visconde de Parnaíba n. 170, “[...] por questões inerentes à sua profissão”.

A discussão azedou-se de modo que Manuel e Antonio, sacando de facas, agrediram-

se, ficando feridos, Manuel, na região escapular e Antonio na região temporo-maxilar

direita. Domingos quis intervir para defender o irmão, ficando ele também ferido na

mão direita. Foram todos presos à ordem do 5º subdelegado do Braz, que os fez

medicar na Central pelo dr. Archer de Castilho.95

É interessante perceber que esses estabelecimentos funcionavam também como locais

em que discussões sobre o trabalho se desenvolviam. Não é difícil imaginar que trabalhadores

como cocheiros e vaqueiros os frequentassem não somente por diversão pura e simples, mas

também para conseguir algum serviço, desfazendo ainda mais a divisão entre lazer e trabalho.

Na verdade, como aponta Chalhoub, não apenas entre estes trabalhadores, ou ainda os entre

outros trabalhadores autônomos, mas também entre empregados em fábricas, o costume de

beber doses de álcool nos intervalos da jornada de trabalho era bastante difundido, o que aos

olhos dos empresários era algo indesejável, pois quebrava a rotina de produção. De qualquer

92 Correio Paulistano 27/06/1904. 93 THOMPSON, “Tempo, Disciplina e Capitalismo industrial”, Op. Cit., p. 280. 94 PINTO, Cotidiano e Sobrevivência, Op. Cit., p. 230. 95 Correio Paulistano, 26/01/1904.

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maneira, armazéns e botequins eram a “[...] principal opção de lazer dos pobres urbanos do sexo

masculino”, onde a conversa informal, “[...] ao redor de uma mesa ou encostados no balcão”,

acompanhada de vinhos baratos, cerveja ou cachaça, davam a tônica do ambiente.96

Tomar uma jeribita de passagem, reunir-se para papear com os amigos ou para jogar,

enfim, matar o tempo, eram já costumes entre aqueles trabalhadores. Por exemplo, naquele

estabelecimento que ficava na esquina da rua da Mooca com a rua Carneiro Leão, “[...] é

costume reunirem-se todas as noites alguns indivíduos que ali se entregam ao jogo”.97

Os jogos em locais públicos, mesmo dentro de botequins, já eram mencionados desde

1886 no Código de Posturas do município. "São proibidos, em casas públicas, todos os jogos

de parada ou aposta, por meio de cartas, dados, búzios, roletas ou qualquer outro aparelho

destinado ao mesmo fim”.98 Essa penalização ao lazer dos pobres é uma fresta que nos deixa

ver parte dos valores das classes mais abastadas, calcados não apenas valorização do trabalho,

mas também na face moralizadora do ideal de trabalhador, a antítese do vadio, pois “[...]

enquanto o trabalho é a lei suprema da sociedade, a ociosidade é uma ameaça constante à

ordem”.99 Não à toa, a fiscalização era intensa, e as prisões, comuns. “A polícia do Brás prendeu

ontem Germiniani Santo, quando bancava em uma casa da rua da Mooca o célebre joguinho do

bicho".100 Porém, mesmo frente à repressão, o costume do jogo era algo bastante arraigado entre

as camadas populares e aproximava proprietários de botequins e seus fregueses.

Este é o caso de João Romão, que mantinha um armazém no número 126 da rua da

Mooca. O nome é conhecido. É inevitável lembrar da personagem de mesmo nome criado por

Aluísio Azevedo. O ambicioso português que foi “[...] dos treze aos vinte e cinco anos

empregado de um vendeiro [...]” do bairro do Botafogo no Rio de Janeiro, e que recebeu como

pagamentos vencidos, quando o patrão se retirou para Portugal, “[...] nem só a venda com o que

estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro”.101

Devemos, porém, voltar à Mooca. O João Romão da Mooca era italiano, como se

noticiou por duas vezes em edições distintas de um jornal.102 É muito provável que seu

sobrenome fosse Romano, relativamente comum na Mooca nas primeiras décadas do século

96 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 256-258. 97 Correio Paulistano, 06/02/1903. 98 Código de Posturas..., 1886. 99 CHALHOUB, Trabalho, lar e botequim, Op. Cit., p. 73. 100 Correio Paulistano, 17/01/1902. 101 AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Paulus, 2002, p. 5. 102 Correio Paulistano, 18/04/1904 e 20/04/1904.

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XX103, e tenha sido aportuguesado pelos editores do jornal ou por quem ouvia João, na verdade

Giovanni, pronunciá-lo com a forte carga do idioma italiano. De qualquer forma, João Romão,

o da Mooca, estava bastante ligado aos seus fregueses, e “[...] permitia que em sua casa se

reunissem todas as noites compatriotas seus, entusiastas do celebre jogo denominado do toco,

que por muitíssimas vezes tem sido causa de conflitos e de assassinatos”. A notícia continuava:

A autoridade policial do distrito já o havia proibido de consentir em sua casa aquele

jogo. Mas João Romão, não dando a devida atenção a essa ordem, franqueou ontem a

sala de seu armazém a diversos indivíduos que ali apareceram e que, em animada

palestra, esgotando sucessivas garrafas de vinho tinto, lhe tinham pedido para jogar.

O jogo começou em ordem, não obstante a animação dos parceiros. À proporção,

entretanto, que as partidas se sucediam, o entusiasmo crescia de ponto e o monte de

garrafas esvaziadas tornava-se cada vez maior. Dos jogadores, raro era ali pelas 7

horas da noite, o que não estivesse chapado. Não tardou o barulho. Lá pelas tantas,

um parceiro entendeu que a partida ganha por outro não era honesta. Dito para cá, dito

para lá. Discussão. Insultos. Ameaças. E, de repente, eis que, em grande reboliço, os

jogadores se levantam, uns de cacete e outros de faca, e travam temeroso conflito, de

que todos saíram feridos. Aos gritos e apitos, acudiram, sem demora, o major

Brasileiro de Oliveira, 4º subdelegado do Braz, o escrivão Manuel Fernandes, o

sargento e o cabo comandantes do destacamento do posto policial da Imigração e

vários soldados, sendo efetuada a prisão em flagrante de todos os desordeiros. O dono

da venda evadiu-se.

Como se vê, Romão ignorou as ordens e os avisos prévios da polícia quanto à prática

do jogo em seu estabelecimento. Não apenas ignorou os avisos, mas ainda, em uma atitude com

sentido claro de burlar as fiscalizações, apontou uma saleta discreta para os seus fregueses que

queriam jogar, permitindo assim àqueles trabalhadores que se deleitavam com vinho tinto a

diversão do jogo.

A mistura entre jogo e bebida, segundo a noção quase pedagógica do jornal, era

explosiva, o que fez a noite terminar em briga generalizada. Porém, não devemos tomar para

nós a visão daquele jornal com origem nas camadas mais abastadas da sociedade, observando

a contenda de maneira espasmódica, em uma equação exata. Devemos saber então quem eram

os frequentadores que naquela noite estavam no armazém de João Romão.

Dos indivíduos presos, verificou-se que estavam feridos:

Fazzolari Giuseppe, italiano, de 28 anos de idade, morador na vila Figueiredo, 18,

com uma contusão na cabeça.

Fazzolari Giusseppe Domingos, soldado, italiano, 36 anos de idade, morador no

mesmo lugar, com pequeno ferimento contuso na cabeça, escoriações na região

maxilar, orelha e antebraço esquerdos.

Grecco Mario, italiano, de 40 anos de idade, morador na vila Figueiredo, 3, com uma

grande contusão na região parietal direita e ferimentos no antebraço direito e na região

escapulo umeral direita.

103 Algumas pessoas com esse sobrenome que encontramos foram: Vincenzo Romano, Ciro Romano, Giuseppe, Romano, Adelino Romano, Angelina Romano, Lorenzo Romano, Michelina Romano, Pasquale Romano e Salvatore Romano.

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Joaquim Gomes, português, soldado, morador à rua Silva Telles, 6, com várias

contusões no punho e no antebraço direitos.

Carmino Carnevale, italiano, de 42 anos, cocheiro, morador à rua da Mooca, 126. Este

apresentava palidez, pulso pequeno e tinha suores frios. Na região umbilical tinha um

ferimento perfuro-inciso de 2 1/2 centímetros de abertura externa, penetrante da

cavidade abdominal [...].

Além destes indivíduos tomaram parte no conflito, e foram presos, José Parisi e

Antonio Fazzolari.

Os feridos foram remetidos ao gabinete médico da Polícia Central e aí submetidos a

corpo de delito pelo dr. Archer de Castilhos. Foi considerado gravíssimo o estado de

Carmino Carnevale, motivo por que aquele medico mandou transporta-lo sem demora

para o Hospital de Santa Casa de Misericórdia. Também no mesmo hospital deu

entrada Grecco Mario, embora não fosse grave o seu estado. Os demais acham-se

presos no posto policial da rua da Imigração, tendo sido aberto inquérito sobre o facto.

Segundo o dizer de alguns dos desordeiros, foram Giuseppe Fazzolari e Antonio

Fazzolari, filho e pai, os ofensores de Carmino e Grecco Mario.104

Antonio, Domingos e Giuseppe Fazzolari eram parentes, como se pode perceber pelos

sobrenomes, revelando uma rede familiar de solidariedade, pois dividiam a mesma habitação.

Mário Grecco era vizinho dos Fazzolari, todos moradores do local que o jornal chamou de vila

Figueiredo, que ficava provavelmente em torno da rua Borges de Figueiredo.

Além da rede de amizade entre vizinhos e de relações familiares, nota-se também um

sinal de identificação étnica, pois eram quase todos italianos os envolvidos no evento. Por outro

lado, o sobrenome Grecco é mais comum na região da Lazio, porção central italiana, enquanto

que Fazzolari é um sobrenome mais difundido na Calábria, região meridional daquele país, o

que podia gerar tensões entre os italianos.

Se percebermos, os quatro vizinhos da rua Figueiredo foram os que deram início à briga,

sendo Giuseppe e Antonio Fazzolari os agressores tanto de Grecco quanto do cocheiro Carmino

Carnevale, este que morava no mesmo endereço do armazém em que se deu a briga, ocupando

algum tipo de sobreloja ou cômodo, e conhecido mais próximo de João Romão. É interessante

notar que o sobrenome Carnevale é encontrado principalmente na região da Lazio, mas também

é muito comum na Calábria, o que poderia inseri-lo tanto em uma rede de identidade com os

Fazzolari quanto com Grecco.105 Carmino Carnevale, todavia, não resistiu aos ferimentos e

morreu no dia seguinte, às 3 horas da madrugada. Mas também estava no armazém e participou

da contenda o italiano Giuseppe Parisi, que foi identificado dias depois como o responsável

pelas agressões aos demais presentes no armazém, 17 pessoas ao todo106, e cujo sobrenome

advém da região sul da Itália, sendo muito comum na Campânia e Sicília.

104 Correio Paulistano, 18/04/1904. 105 Ver o interessante site <http://www.cognomix.it/>, que faz uma relação da difusão dos sobrenomes na Itália. 106 Correio Paulistano, 20/04/1904.

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Não podemos nos esquecer de Joaquim Gomes, que parece estar um tanto deslocado

nesta história. Joaquim era português, o único entre os italianos, e não morava na Mooca, mas

na rua Silva Teles, no bairro do Pari. A explicação para que ele estivesse naquele armazém,

longe de sua casa e entre pessoas de outra etnia pode estar no fato de que o português era

soldado, assim como Domingo Fazzolari, o que provavelmente lhe rendeu o convite ao jogo

por parte do italiano. Todas essas informações revelam que as experiências eram muito

diversificadas e entrelaçavam diversas identidades, como familiar, étnica e regional, e de ofício.

O fato de estarem os dois policiais em meio à jogatina e ao álcool, e também em meio

às brigas, não deve surpreender. Ainda que fossem soldados da polícia, os dois soldados não

perdiam os costumes da camada da população a que pertenciam e, no fim do expediente,

entregavam-se a tais práticas para relaxar. A presença dos dois entre os companheiros de copo

e de jogo reforça a idéia de que a proibição que constava no Código de Posturas não lhes fazia

tanto sentido quanto desejavam os poderes públicos. Além disso, ao se reunirem em uma saleta

e praticar a jogatina de forma oculta, os jogadores, e também o dono do armazém, tinham

consciência de estarem burlando a proibição legal a este tipo de divertimento, uma proibição

que recaía justamente sobre as atividades que as camadas mais simples da população tinham

como opção para tornar a vida cotidiana mais tolerável, e, nestes casos, as leis tendiam a ser

ignoradas – ainda que não se ignorassem as consequências em fazê-lo.107

2.4. Palcos: o cinema...

Os cinematógrafos desenvolveram-se com grande força entre as famílias mais abastadas

da capital. Ainda que a sua maior difusão ocorresse a partir dos anos 20, a nova e tecnológica

sociabilidade, como descreveu Margareth Rago, “[...] se tornava um dos principais pontos de

encontro da nata da sociedade paulistana”.108 Todavia, as classes populares também mantinham

interesse na novidade, e naqueles bairros onde habitavam os trabalhadores os cinemas passaram

a se difundir em galpões e salões adaptados para o espetáculo cinematográfico. No Brás, em

1907 o Teatro Popular, na rua do Gasômetro, já transmitia “[...] projeções perfeitas e animadas”

em “[...] sessões de meia em meia hora, a começar das 6 e meia da tarde até a meia-noite”.109

107 THOMPSON, “Costume, lei e direito comum”, Op. Cit., p. 89. 108 RAGO, “A invenção do cotidiano na metrópole” Op. Cit, p. 395. 109 “O Estado de São Paulo”, 09/12/1907, p. 7, apud ARAÚJO, Vicente de P. Salões, Circos e Cinemas de São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981, p. 148.

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Na Mooca encontramos 6 cinemas. O primeiro, situado no número 307 da rua da Mooca,

foi fundado em 1910 por Luiz Pizzoti110, italiano que se naturalizou brasileiro em 1905.111 Ao

que consta, Pizzoti costumava investir em imóveis no bairro da Mooca e, no endereço onde

posteriormente estabeleceu o cinema, construiu um barracão para depósito de materiais. Para

transformar o barracão de depósito em cinema, Pizzoti teve de aumentar as portas para vãos de

um metro e meio, exigidas para a obtenção do alvará. Não se tem notícias do funcionamento

deste cinema. Contudo, ainda em 1910, naquele mesmo endereço, Clotaro Ramos Brandão

manteve em funcionamento um circo, transformado logo em um cinema. Brandão batizou o

cinematógrafo como Pavilhão da Mooca e, em 1911, transferiu-se para o número 45 da rua Dr.

Abranches, porém faliu no mesmo ano.112

Também em 1911, Manuel Jorge Domingues da Silva, jornalista e teatrólogo113, então

com 46 anos de idade, construiu um barracão, com área total de 253 metros quadrados, onde

fez funcionar o Cinema Mooca, na rua da Mooca, n.º 438, para apresentar filmes da Cia.

Internacional Cinema.114

Na rua Piratininga, n.º 118, funcionava, em 1911, o Cinema Piratininga, cujo escritório

ficava no Brás, rua de Santa Rosa, 36, mesmo local onde se situava o armazém de Fernando

Taddeo, este que era exibidor e também um dos proprietários da empresa Taddeo, Soncini e

Nicoli, que administrava o cinema. Em 1912, entretanto, a empresa passou a ter Taddeo como

único proprietário, e transferiu a atração para o número 95 da mesma rua. O prédio não tinha

muitos luxos: era um galpão antigo, com teto de zinco e piso de paralelepípedos, e as cadeiras

eram de ferro, cedidas pela Cia. Antártica Paulista.115

O cinema São João, de propriedade de Vicente de Paula Araújo, funcionou em 1912 no

n.º 436 da rua da Mooca. Contudo, não teve vida fácil e foi vendido várias vezes. Em 1913 foi

adquirido por Manuel Jorge Domingues da Silva, proprietário do Cinema Mooca – que ficava

ao lado –, e logo depois por José Ribeiro da Costa. Ainda em 1913, passou para a empresa Rosa

e Cia., que o reformou e mudou seu nome para Bijou Mooca.116 Em junho daquele ano, o cinema

foi vendido novamente e passou a se chamar Cinematógrafo Internacional, mantido pela

110 Inventário dos espaços de sociabilidade cinematográfica da cidade de São Paulo (1895-1929). Código: 00177. Levantada por Jose Inácio de Melo Souza. Disponível em <http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine.htm>. Acesso: 15 de jun. 2014. 111 Correio Paulistano, 06/01/1905. 112 Inventário dos espaços de sociabilidade cinematográfica..., Código: 00200. 113 Correio Paulistano, 19/11/1940. 114 Inventário dos espaços de sociabilidade cinematográfica..., Código: 00215. 115 Idem, Código: 00202. 116 Idem, Código: 00248.

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empresa Gonçalves e Teixeira, e, por causa de alteração de número da rua, ficou localizado no

n.º 430, esquina com a rua Marina Crespi. O Internacional, ao que tudo indica, deixou de

funcionar não muito depois de 1916, talvez por causa da concorrência do Cinema Moderno,

instalado quase em frente naquele mesmo ano.117

O Moderno foi posto em funcionamento por Angelo Falgetano, que era proprietário de

uma fundição e de muitos imóveis na Mooca. Mais robusto sob o aspecto financeiro do

proprietário, o Cinema Moderno durou como atração até 1966, e contava com 572 lugares118, o

que, contra os 900 lugares que o Internacional Cinema divulgava ter119, não parecia muito.

Uma explicação para o Moderno ter se sobressaído na concorrência com o Internacional, e com

os demais cinemas, talvez resida no fato de ter um espaço bastante mais amplo. A edificação,

ao todo, somava 392 metros quadrados120, enquanto o Internacional possuía 180 metros

quadrados, espaço que era insuficiente para uma ocupação de 900 cadeiras.

Quando se olha para a planta baixa do prédio ocupado pelo Internacional (fig. 10)121,

ainda sob o nome São João, que era de propriedade de Affonso Augusto e Agostino Micciuli,

percebe-se que, seguindo as regras de construção da prefeitura, não caberiam ali mais de cento

e cinquenta pessoas.

Para se ter uma idéia, a planta baixa do barracão onde funcionava o Cinema Mooca (fig.

11) mostra uma construção de 6 metros de frente, ou largura, e de 39 metros de comprimento,

sendo que destes eram utilizados para a sala de exibição vinte e três metros. Na figura que

representa o imóvel em uma perspectiva frontal (o corte), há a marcação de cinco metros de

altura, desde o piso até a forragem do teto. Apenas a área destinada à sala de exibições deste

cinema, com 23 metros de comprimento, tinha 138 metros quadrados. Se tomarmos ainda a

dimensão total da construção, o espaço contava com 234 metros quadrados. Maior, portanto,

do que a área total – os 180 metros quadrados – do Cinema Internacional.

117 Inventário dos espaços de sociabilidade cinematográfica..., Código: 00300. 118 Idem, Código: 00323. 119 Idem, Código: 00300. 120 Idem, Código: 00323. 121 Idem, Código: 00248.

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104

Figura 10 - Corte e planta baixa do cinema São João (Bijou), 1912.122

122 Projeto de construção do cinema com 142 lugares e sem banheiro em 12/4/1912. Grupo Edificações Particulares, OP.1912.003.112, AHMWL apud SOUZA, José I. de M. (Coord.) Base de dados Salas de cinema em São Paulo: 1895-1929. Disponível em: <http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine.htm>. Acesso em: 31 jul. 2014.

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105

Figura 11 - Corte e planta baixa do Cinema Mooca, 1911.123

123 Corte e planta baixa com anotação de Sá Rocha sobre o tamanho das portas. Grupo Edificações Particulares, OP.1911.002.508, AHMWL, apud SOUZA, Base de dados Salas de cinema em São Paulo: 1895-1929. Disponível em: <http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine.htm>. Acesso em: 31 jul. 2014.

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106

Figura 12 - Fachada e cortes do Cinema Moderno, 1916.124

Figura 13 - Detalhe dos ventiladores do Cinema Moderno, 1916.125

124 Fachada e cortes de 2/8/1916. Grupo Edificações Particulares, caixa M6/1916, AHMWL, apud SOUZA, Base de dados Salas de cinema em São Paulo: 1895-1929. Disponível em: <http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine.htm>. Acesso em: 31 jul. 2014. 125 Idem, ibidem.

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Voltando ao Cinema Moderno, ali existia ainda outras vantagens, por assim dizer, sobre

os outros cinemas. Possuía “[...] quatro ventiladores elétricos na plateia; sete lanternas de

socorro; nos toilettes de senhoras haveria pia e WC e, para os homens, mictórios e WC com

pisos ladrilhados e barramento de cimento na parede de 1,50 m de altura”126, o que significava

mais conforto aos espectadores.

É preciso, entretanto, notar algumas questões. Richard Hoggart, em seu estudo,

menciona, para o caso dos trabalhadores ingleses, que “a multidão dos sábados à noite que, na

baixa, sai dos cinemas, poderá, à primeira vista, parecer indistinta”. É necessário, portanto,

observar algumas sutis distinções que se manifestam no interior da cultura popular, como “[...]

o melhor ou pior nível de vida dos seus habitantes”.127 Os valores cobrados pelas entradas

podiam ser um entrave à frequência dos trabalhadores, sobretudo os mais pobres. O Moderno

chegou naquela época a cobrar por

[...] poltronas numeradas a Rs4$200 (quatro mil e duzentos réis), poltronas de segunda

classe a Rs3$200 (três mil e duzentos réis), galeria numerada a Rs1$600 (mil e

seiscentos réis) e gerais e Rs1$100 (mil e cem réis).128

Tais valores podiam não representar um grande peso no orçamento de trabalhadores

mais especializados, com ofícios mais bem remunerados, como os mestres de tipografias, cujo

salário mensal médio em meados da década de 1910, como vimos anteriormente, podia chegar

a quatrocentos mil réis, ou mesmo os marceneiros de obras finas ou pintores decoradores, com

uma média salarial que alcançava a marca dos duzentos e setenta mil réis. Os trabalhadores

menos especializados, entretanto, dificilmente conseguiam receber mensalmente, em média,

mais do que cem ou cento e vinte mil réis, incluindo neste grupo a maior parte dos operários

empregados na construção, em fábricas de tecidos, oficinas mecânicas, fundições e

principalmente empregados em serviços domésticos, como criados e criadas, cozinheiros e

cozinheiras, lavadeiras, cujos vencimentos não ultrapassavam sessenta e cinco mil réis.129

Os estabelecimentos, obviamente, podiam cobrar preços menores em datas festivas ou

com o intuito de conseguir mais espectadores. Os valores, nessas ocasiões, giravam em torno

de quinhentos réis a cadeira, frente aos mil réis dos dias comuns. Dessa forma, os trabalhadores

mais pobres que quisessem ir ao cinema tinham de assistir das chamadas “gerais”, locais menos

privilegiados em que os espectadores ficavam em pé, para pagar um valor menor, enquanto

126 Inventário dos espaços de sociabilidade cinematográfica..., Código: 00323. 127 HOGGART, As Utilizações da Cultura, Op. Cit., p. 20. 128 Inventário dos espaços de sociabilidade cinematográfica... Código: 00323 129 Médias obtidas a partir do cruzamento de dados do Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, 1913.

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outros podiam pagar, além de mil réis pelas cadeiras, valores que iam de dois mil a cinco mil

réis pelo camarote, isto, obviamente, naqueles espaços cinematográficos mais requintados, em

que se tinha um camarote. De toda forma, eis aqui um exemplo das diferenças na cultura

material entre os trabalhadores.130

As atividades no cinema não se resumiam a assistir aos filmes. O Cinema São João

possuía um botequim, que foi arrendando para um comerciante em 1914.131 O Cinema Moderno

possuía também um botequim, mas que era, apesar do conforto que oferecia a sala de cinema

para os espectadores, de quarta classe, conforme declararam à prefeitura os proprietários J.

Maffi e A. Falgetano. Ali, o próprio exibidor vendia doces, charutos e cigarros nos três dias da

semana em que havia funcionamento.132

Os espaços do cinema, pela amplitude, eram utilizados ainda para outros fins. Em

janeiro de 1915, o Cinema Internacional foi utilizado para a realização de uma festa, com um

“[...] programa muito atraente, e consiste de música, canto e declamação”, da Associação

Universidade Popular Racionalista, com entrada livre. O Moderno serviu de palco, em 1918,

para a apresentação de uma peça teatral promovida pela Sociedade Recreativa e Musical da

Mooca.133

Contudo, obviamente, as atividades principais nos cinemas eram as exibições de filmes.

As informações sobre a predileção dos trabalhadores por um ou outro tema, infelizmente, para

o caso da Mooca, são escassas. Conhecemos duas no ano de 1911:

CINEMA PIRATININGA

118 - Rua Piratininga - 118

Grande Empresa cinematográfica - Escritório, rua santa rosa, n. 36.

HOJE

ESPETACULO SACRO, com a exibição da fita de grande metragem

- - O MARTYR DO CALVARIO - -

Fita colorida, composta de 61 quadros.134

E também

Cinema Piratininga

Rua Piratininga, 118

HOJE

Sessões corridas com 10 films de alto valor, destacando-se o grandioso film histórico

‘Nos tempos da Fidalguia’, film da casa Edison.135

130 ARAÚJO, Salões, Circos e Cinemas de São Paulo, Op. Cit., 168-175. 131 Inventário dos espaços de sociabilidade cinematográfica... Código: 00248. 132 Idem, Código: 00323. 133 Fanfulla, 29/01/1915 e 24/08/1918, respectivamente. 134 Correio Paulistano, 09/03/1911. 135 Idem, 01/07/1911.

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O Mártir do Calvário, componente do espetáculo sacro prometido, que contava a história

dos últimos dias de Jesus Cristo, ligava os espectadores à fé cristã, o que não necessariamente

excluía da platéia aqueles espectadores que não se vinculavam à religião, mas sim ao gosto pela

própria experiência cinematográfica. Sobre o outro título, Nos Tempos da Fidalguia, não há

informações suficientes para afirmar qualquer tipo de ligação com os valores das classes

populares. Há, entretanto, outras formas de se chegar às preferencias dos trabalhadores.

2.5. ...e o teatro.

Mesmo com o advento do cinema, o teatro era uma atividade cultural e artística que

tinha já adquirido espaço privilegiado no uso do tempo livre dos trabalhadores. É certo que a

prática de frequentar o teatro já existia no Brasil e também em São Paulo. Na capital paulista,

o envolvimento de parcelas mais abastadas da sociedade, como os acadêmicos, com o teatro já

vinha desde meados da década de 1820.136 Todavia, como já apontamos, queremos observar

aqui as práticas das camadas populares, que não estavam nos grandes espaços associativos e de

lazer das famílias mais ricas. Neste mundo popular “[...] o ator e o espectador partilham a

mesma experiência anterior, assim como o cotidiano nada fácil de um novo continente”, “é

ainda um teatro europeu, tão vivo e atuante quanto as necessidades humanas e sociais do

trabalhador imigrado”, traços que marcam as diferenças entre o teatro das chamadas elites

paulistas e o dos trabalhadores dos bairros populares.137

Como já apontou Trento, o teatro era uma vivência experimentada em seus países de

origem, “[...] se não por todos, pelo menos por uma parcela não desprezível dos que estavam

expatriados, mas foi aprofundada nos países que os receberam (em parte também como

instrumento de identidade étnica)”, e tal bagagem cultural “[...] apresentava analogias com

imigrados de outras nacionalidades”.138

De fato, não se pode atribuir uma tradição teatral apenas aos italianos. Marília Cánovas

observa em importante estudo que entre diversas associações formadas por espanhóis havia

“[...] grupos de teatro amador e centros de dramaturgia”, influenciados “[...] pelas ‘divas’ e

136 MELO, Cássio S. Caipiras no Palco: Teatro na São Paulo da Primeira República. Dissertação de Mestrado. Assis-SP: Universidade Estadual Paulista (Unesp), 2007, p. 27. 137 VARGAS, Maria T. Teatro operário na cidade de São Paulo. São Paulo; Secretaria Municipal de Cultura, Departamento de informação e Documentação Artísticas, Centro de Pesquisa de Arte Brasileira, 1980, p. 14. 138 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240.

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110

pelos ‘divos’ que se exibiam no teatro comercial”.139

Os italianos, contudo, como afirma Trento, “[...] tiveram a vantagem de um tipo de

direito de progenitura na oferta desses espetáculos, os quais, segundo alguns testemunhos, ‘são

simultâneos às chegadas dos primeiros contingentes da imigração (1876)’”. Essa primazia,

continua o autor, “[...] derivou também do costume, por parte do próprio público brasileiro, de

assistir a espetáculos teatrais e líricos montados por companhias italianas”, que, atraindo grande

público com suas turnês por toda a América Latina, e particularmente no Brasil, reforçava nos

imigrados não apenas o gosto pelo teatro, mas também “[...] o hábito de escutá-lo na própria

língua, glorificando alguns intérpretes particularmente amados [...]”. As muitas companhias de

teatro que surgiam em São Paulo a partir dos anos de 1890 apareciam como algo de familiar

para as classes populares imigradas, não apenas pela língua, mas também por uma questão de

custos, contribuindo “[...] para reforçar o hábito do espetáculo teatral como maneira agradável

e instrutiva de passar o tempo, tanto em nível individual como familiar”.140

Os atores dessas associações eram todos amadores, trabalhadores. É provável que eles

mesmos se ocupassem da montagem da cenografia, ou que conseguissem esse trabalho entre os

próprios associados cujas profissões, como ferreiros, marceneiros ou pintores, e as suas

ferramentas, poderiam facilitar o serviço. Como observa Maria Thereza Vargas, as pessoas

envolvidas com o teatro tinham uma “[...] tradição desenvolvida de trabalho artesanal que lhes

permite dominar a carpintaria e a confecção de telas, assim como dominam as técnicas

disponíveis da composição gráfica”.141 Normalmente a mesma cenografia, com alguns ajustes,

era utilizada para vários espetáculos.142

Os salões, espaços destinados prioritariamente às conferencias, aos números musicais e

às festas, eram alugados de associações melhor estabelecidas, normalmente mutualistas, por

serem capazes de abrigar um maior número de pessoas e também uma maior riqueza de objetos

cenográficos.143 Esses grupos dramáticos colocavam em cartaz obras de autores italianos ou de

outras nacionalidades, compondo um variado repertório em que se podia encontrar, inclusive,

“[...] trabalhos escritos no Brasil com tema italiano ou brasileiro [...]”.144

Na Mooca, em janeiro de 1908, os sócios da Sociedade Recreativa Stella D'Italia

locaram um grande salão para a apresentação daquela que era uma das mais populares peças

139 CANOVAS, Imigrantes Espanhóis na Paulicéia, Op. Cit., p. 406. 140 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240-241. 141 VARGAS, Teatro operário na cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 22-23. 142 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 246. 143 VARGAS, Teatro operário na cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 24. 144 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 241.

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entre os italianos.145 A julgar pela notícia de um jornal, o evento teve um sucesso estrondoso:

“Nenhum lugar vazio, as cadeiras estavam todas ocupadas pelas mulheres: ao redor, os homens

estavam em pé, engrossando as paredes”.

A 'Tosca' foi representada elogiavelmente pelos seguintes atores amadores:

Barão Scarpia, F. Milano-De Brandi;

Cav. Mario Cavaradossi, sr. Antonio De Angeli;

Cesare Angelotti, sr. Domenico Memmo;

Columetti, sr. Luigi De Felice.

Shiarrone, sr. Giuseppe Margerita;

Gennarino, sennhora Maria Fabbri;

Sargento, sr. Mario Bernardi.146

Dias antes, o mesmo jornal, o Fanfulla, agradecia:

Um gentil convite nos foi enviado pela direção desta bem conhecida sociedade

recreativa, avisando que na noite de sábado, 11 do corrente, no salão Steinway, os

sócios atores amadores oferecerão ao público uma interpretação de 'Tosca'

Eis como os bravos diletantes se dividiram a difícil tarefa:

Floria Tosca, cantora, senhorita Elvira Camilli

Barone Scarpia, diretor de polícia, sr. F. Milano-De Brandi

Cav. Mario Cavaradossi, sr. Antonio De Angeli

Cesare Angelotti, fugitivo, sr. Domenico Cesarini

Padre Eusebio, sacristão, sr. Domenico Memmo

Columetti, escudeiro, sr. Luigi De Felice

Shiarrene, escudeiro, sr. Giuseppe Margerita

Gennarino, aprendiz de Mario, senhorita Maria Fabbri

Sargento, sr. Mario Bernardi.147

Em dezembro de 1910, o C. D. R. Matteo R. Imbriani, cuja sede estava na rua Visconde

de Parnaíba, n. 175, realizou no salão da Sociedade Gil Vicente, no número 265 da avenida

Rangel Pestana, uma apresentação da Tosca, “[...] representado por um grupo de amadores sob

a direção do sr. José Turola”, seguido de uma farsa, "A esposa e o cavalo", “[...] de que se

encarrega o cômico sr. N. Martinelli”.148 Esta última peça tinha como título original,

provavelmente traduzido pelos editores do jornal, La sposa e la cavala, e tratava de

[...] um comerciante de cavalos que, com dificuldades de vender uma égua que

adquirira num péssimo negócio tenta vende-la a qualquer custo: dá-lhe o nome da

própria filha para que um futuro pretendente, na ocasião em que pedisse a mão da

moça em casamento, se comprometesse a ficar com a égua.

145 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 277. 146 Fanfulla, 12/01/1908. 147 Idem, 06/01/1908. 148 A Lanterna, 17/12/1910.

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A Tosca, todavia, mais significativa sob o ponto de vista identitário, era ambientada em

Roma durante a invasão militar de Napoleão Bonaparte, composta por Giacomo Puccini, que

por sua vez se baseou na peça homônima de autoria de Victorien Sardou. “Com tiros de canhão,

facadas e gritos”, comenta Uassyr de Siqueira em seu estudo, “podemos imaginar que os ruídos

da encenação não ficavam restritos ao salão onde era apresentada [...]”.149 A ópera evocava um

sentimento de italianidade, reforçando uma identidade étnica entre os seus espectadores. Se

notarmos também as denominações adotadas pelas associações, a escolha do tema não causa

espanto. O nome da Società Ricreativa Stella D’Italia150, associação cuja sede ficava no número

97 da rua Visconde de Parnaíba151, remete a um dos mais antigos símbolos da península,

associado à personificação da pátria italiana “[...] sobre a qual ela brilha radiante”.152 O Circolo

Ricreativo Fillodramático Matteo Renato Imbriani, cuja sede estava na rua Visconde de

Parnaíba, 175153, escolheu seu nome para homenagear um republicano seguidor de Garibaldi

na campanha pela unificação italiana, M. R. Imbriani, que nasceu em Nápoles em 28 de

novembro de 1843.154 Um exame da composição da diretoria desta associação, a julgar pelos

sobrenomes de seus diretores, pode fornecer alguns indícios da escolha da nomenclatura da

associação:

Presidente, Aliperbi Ciro - vice-presidente, Giuseppe Fuscelli - secretário, José

Zeverner - secretário, Olivio Ferrari - tesoureiro, Luigi Gregnanica - conselheiros:

Francesco La Vecchia - Attilio Pavanelli - Ciro Vittolo - Nunziato Labatti; - revisores,

Pietro Molari - Luigi Martinelli - 1.o mestre de salão, Antonio Di Marco - 2.o mestre

de salão, Vincenzo Vietri - 1.o fiscal, Giuseppe Romano - 2.o fiscal, Antonio

Portiello.155

Devemos notar a presença do secretário Zerverner, cujo sobrenome remete à

nacionalidade alemã, o que indica que a associação não era exclusivamente para italianos.

Todavia, estes eram absoluta maioria. Attilio Pavanelli, Pietro Molari, Luigi Martinelli e Olivio

Ferrari tinham sobrenomes cuja origem aponta para a porção norte da Itália, principalmente

Lombardia e Emilia-Romanha. Contudo, os sobrenomes de Ciro Aliperti, Francesco La

Vecchia, Ciro Vittolo, Antonio Di Marco, Vincenzo Vietri, Giuseppe Romano e Antonio

Portiello revelam que estavam em maior número os dirigentes advindos da região da Campânia,

149 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 275 e 277. 150 Existiram na Mooca duas Stela D’Italia ao mesmo tempo. A outra tinha sede na rua da Mooca, 134. 151 Fanfulla, 16/08/1907. 152 Disponível em: <http://www.governo.it/GovernoInforma/Dossier/2_giugno_2014/emblema.html>. Acesso em: 20 jan. 2015. 153 Fanfulla, 04/07/1909. 154 Disponível em: <http://www.treccani.it/enciclopedia/matteo-renato-imbriani/>. Acesso em: 20 jan. 2015. 155 Fanfulla, 12/06/1910.

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ao sul do país, e cuja capital é justamente Nápoles, onde nasceu Matteo Renato Imbriani. Assim,

é provável que a escolha do nome se devesse à esta maioria de câmpanos.

No caso da Stella D’Italia, tomando-se os sobrenomes dos atores amadores, percebemos

que eram todos italianos, sugerindo que a escolha do tema da apresentação, além do nome da

associação, representava um laço identitário nacional. Os atores vinham de diversas regiões da

Itália, como da central – Camilli, Cesarini, Memmo –, meridional – De Brandi, De Felice – e

setentrional – De Angeli, Fabbri e Bernardi. Seguindo a origem dos sócios, os títulos escolhidos

eram quase sempre aqueles em língua italiana. A mesma Stella apresentou em setembro de 1907

o “drama marítimo” Giorgio Gandi, de Leopoldo Marenco, escrito antes de 1860 e cujo tema

abordava as relações entre marinheiros e se ambientava no navio Vitório Emanuelle.156

O Circolo Ricreativo Tina di Lorenzo, que homenageava a atriz italiana homônima,

apresentou em fevereiro de 1909, em um espetáculo inaugural, duas peças, ambas em língua

italiana: a comédia Il Telefono, e o drama de Francesco Guerrazi intitulado Isabella Orsini, este

ambientado em Florença.157 Na ocasião, “o corpo cênico estava assim distribuído”:

Personagens:

Paolo Giordano Orsini, príncipe romano, sr. F. Milano-De Brandi; Isabella Orsini, sua

mulher, senhora Elvira Camilli; Francesco Dei Medici, Grão-Duque de Florência, sr.

Vincenzo Morrone; Bianca, Grã-Duquesa de Florência, senhora Edmea Melato;

Troilo Orsini, sr. Luigi Sprevieri; Leonardo Salviati, escritor, sr. Pantaleone Nicoletti;

Pietro Dei Medici, sr. Raguello Cesca; Giulia, dama de Isabella, senhora Angelina

Fabbri; Titta, escudeiro de Orsini, sr. Giuseppe Cosentino; Lelio, pajem, sr. Giuseppe

Pellegrino; escudeiro, Giuseppe Fuscelli.158

É preciso notar que alguns dos componentes que aparecem na lista acima estavam, um

ano antes, na Stella D’Italia, associação que, ao que tudo indica, foi desfeita, já que perdemos

o seu rastro, e os seus sócios formaram o Tina di Lorenzo. De toda forma, percebemos que,

como no caso da Stella D’Italia, novamente se trata de uma associação de italianos. Sobretudo,

as mesmas características se mantêm no que se refere à composição étnica: além daqueles

associados que vieram da Stella D’Italia – Elvira Camilli, Giuseppe Fuscelli e F. Milano-De

Brandi, por exemplo, encontramos Edmea Melato, Pantaleoni Nicoletti e Raguello Cesca,

provenientes do Vêneto, porção setentrional. Entre aqueles provenientes da região meridional

encontramos Vincenzo Morrone, Giuseppe Cosentino e Giuseppe Pellegrino. A distância entre

156 Disponível em: <http://www.worldcat.org/title/giorgio-gandi-bozzetto-marinaresco-in-quattro-atti-in-ersi/oclc/21921087>. Acesso em: 20 jan. 2015. 157 Disponível em: <http://www.treccani.it/enciclopedia/medici-isabella-de-duchessa-di-bracciano/>. Acesso em: 20 jan. 2015. 158 Fanfulla, 12/02/1909.

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as regiões de onde se originaram os atores revela que o laço identitário que os unia nesta

associação não era regional, mas algo mais abrangente, como um sentimento de italianidade.

Na verdade, algumas vezes o nome da associação não refletia a origem dos seus

componentes. O Círculo Recreativo Mocidade da Mooca era uma dessas, e da qual não temos

informações sobre os nomes de seus associados. Todavia, neste caso, pode-se perceber a grande

presença de italianos através dos títulos das peças oferecidas.

Com a comedia Pallinfraschi fanatico per farsi bastonari e baile, proporcionará o

Club Recreativo Mocidade da Mooca, a 3 de setembro próximo, no salão Excelsior,

um agradável sarau a seus associados.159

Em outra apresentação, o título escolhido foi o drama em 8 atos “[...] Il Fabbro del

Villaggio di S. Paolo".160 A peça foi escrita pelos franceses Alexandre Marie Marechelle e

Charles Hubert, e originalmente era ambientada em um vilarejo, Saint-Paul, daquele país. A

peça foi traduzida por Gaetana de Cesari Rosa para uma publicação no idioma italiano em 1832.

O drama conta a história do ferreiro Carlo, que levava uma vida bastante simples e, em vias de

se casar com a apaixonada Giulietta, é vítima de um golpe em que é acusado de um roubo.

Muito mais tarde, consegue provar a sua inocência, mas, depois de 10 anos, Giulietta, sua

amada, estava casada com outro ferreiro, Gerard. De Giulietta, Carlo ouve uma frase que é

bastante reveladora do teor moral da peça: “por que somos honestos e temos boa conduta. Se

não há dinheiro, não é necessário: basta ter uma consciência limpa”.161

Este tipo de tema era bastante recorrente e muito apreciado pelas camadas populares, e

não apenas em língua italiana. Em 1913, a Associação Recreativa Atlética da Mooca apresentou

em português o drama em 3 atos “O Anjo da morte”. Anos depois, em 1918, além de uma

comédia intitulada “Dois mineiros na corte”, a mesma associação apresentou o drama em três

atos “Segredos do Pescador”. Em 1920, foi representado o “[...] comovente drama” chamado

“A filha do marinheiro”, obra de José Vieira Fontes.162 No mesmo ano, interpretaram o drama

“O adultério”.163

159 Correio Paulistano, 30/08/1904. 160 Idem, 14/05/1904. 161 O trecho original é: “Purchè siamo onesti ed abbiamo buona condotta. Se non c'è danaro, non serve: basta avere una coscienza netta”. MARECHELLE, Alexandre M.; HUBERT, Charles I. Il Fabbro del Villagio Saint-Paul. Tradução de Gaetana de C. Rosa. Milano: Presso L’Editore C. Barbini, 1863, p. 8. O livreto está disponível gratuitamente na plataforma de livros digitalizados GoogleBooks < https://books.google.com.br>. Acesso em: 20 jan. 2015. O trecho original é: “Purchè siamo onesti ed abbiamo buona condotta. Se non c'è danaro, non serve: basta avere una coscienza netta”. 162 Informações disponíveis em: <http://www.casadoautorbrasileiro.com.br/sbat>. Acesso em: 6 de mai. 2014. 163 Fanfulla, 01/06/1913, 26/08/1918, 13/03/1920, e 12/10/1920, respectivamente.

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Todos estes dramas tinham como temas centrais a moral ou os amores impossíveis.

Eram peças com conteúdo carregado pela emoção, como O Adultério ou A filha do Marinheiro,

que culminavam na punição exemplar de personagens transgressores ou na concretização dos

desejos amorosos, com o “[...] objetivo explícito de inibir comportamentos socialmente

desaprovados”164, reforçando a idéia de que entre as classes populares havia um código de

conduta e valores próprios, experimentados já em seu país de origem e reavivados em São Paulo

e, consequentemente, na Mooca.

2.6. As festas e a música nas associações.

A utilização dos espaços mais amplos dos salões para a prática do teatro não era algo

incomum. Contudo, muitas vezes as apresentações teatrais eram apenas componentes das festas

realizadas nesses espaços, normalmente nas noites de sábado. O Club Recreativo Mocidade da

Mooca realizou em 9 de abril de 1904, um sábado, uma “festa dramática e dançante”, “[...] no

salão ‘Excelsior’, à rua Florêncio de Abreu, 29, às 8 e meia horas da noite”.165 Nessas festas os

programas se compunham normalmente, além de apresentações teatrais, de rifas ou quermesses

e bailes, estes que representavam nos festejos o componente mais atrativo “[...] que garantia

uma participação maciça, fazendo com que as festas terminassem ao amanhecer”.166

Em janeiro de 1908, data da apresentação da peça Tosca realizada pelos sócios da Stella

d’Italia no Salão Steinway, a festa continuou e “depois da peça começaram as danças. De

magnífico efeito a dança de quadrilha, realizada por um grupo de sócios, sob a direção do

professor Vincenzo de Angelis”.167 Também a representação da Tosca pelo C. D. R. Matteo R.

Imbriani, em dezembro de 1910, foi seguida de um “[...] grande baile familiar e de uma

kermesse [sic] de lindos prêmios”.168 Ainda, o Circolo Tina di Lorenzo, em fevereiro de 1909,

após encenar Isabella Orsini e Il Telefono, realizou um “[...] Gran ballo”.169

Os programas desses eventos chamados “dramático-dançantes”, exibidos nos jornais,

seguiriam sem muitas variações ao longo da década de 1910. Em março de 1913, a Associação

164 COLLAÇO, Vera. R. M. “Os Conteúdos dos Dramas Carregados pela Emoção”. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 8, 2008, Florianópolis. Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder. Florianópolis: Editora Mulheres, 2008, p. 6. 165 Correio Paulistano, 04/04/1904. 166 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 247. 167 Fanfulla, 12/01/1908. 168 A Lanterna, 17/12/1910. 169 Grande baile, em tradução livre. Ver Fanfulla, 12/02/1909.

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Recreativa Atlética da Mooca realizou, no salão do Conservatório Dramático e Musical da rua

São João, região central da cidade, “[...] a anunciada festa de dramático-dançante”.

Desde as primeiras horas a festa se mostrou animada e assim se manteve por toda a

noite. O sucesso foi belíssimo. A imensa folia dos convidados invadiu o vasto salão.

Destacavam-se elegantes senhoras e senhoritas em variados 'toilettes'. Pela exímia

atriz senhora Elvira Camilli Lattari e pelos senhores Antonio Devisate, S. Adolpho,

Avelino G. da Silva, Eloi Biene, F. Rodrigues, J. M. Araujo, sob a direção do senhor

F. L. Rodrigues, foi interpretada o drama em 3 atos 'O anjo da morte'. O grande

público aplaudiu os artistas a cada queda de cortina. Um animado baile, que viu o

nascer do sol desta manhã, deu um fim à festa.

Mesmo com o evento sendo realizado no centro da cidade, afastado do bairro da Mooca,

o público compareceu em grande número.

Entre as muitas senhoras e senhoritas presentes notamos as seguintes:

Annita dela Monica - Maria Salvia da Silva - Margherita Gomes - Irene Gomes - Luisa

Ferella R. Rosita - L. Rosa - Z. de Alessandria - Aura Silva - Alcinda Gabiassi - Irene

Gabiassi - Luisa Bagalat - S. Esteva - Passetto Estella - Rosa Passeto - Angelina

Pasetto - Maria J. da Silva - Luisa Velidi - Josephina Simoes - A. Gomes - A. Monteiro

- F. Magliardi - Z. Manfredi - Ida Bruno - Angelina Corvade - Erminia Bertolani -

Olga Bertolani - Z. Bertolani - Maria Martins - Giuseppina Pepe - Giovannina Pepe -

Orzerita Anhani - Gemmy Domanatti - Adelina Domanatti - Adelina Augusta Faria -

Giulia Allegretti - Maira Felicidade - Carmela Felicidade - Carmen Commarelli -

Laurinda de Visotti - Alice Sellato - Nina Picchi - Alice Parce - Pasqualina Bienes -

Antonietta Bienes - Angelina Picchi - Emilia Fiore - Armanda Campagnoi - Maria

Dellene - Erminia de Fazio - Sulta del Vechio - Franceschina Capulo - Florida Rete -

Alessandrina Sammarino - Clara Rapisi.

Entre os cavalheiros presentes notamos os senhores:

Rezende Almeida - José Pinhati - Alberto Renani - Bruno Ventre Battista - Virgilio

Santori - José Barbosa - Saveiro Laforgia - Antenor Avres - Jose Cardoso - Michele

Pasqualetti - Basiliao Campanile - Domenico Temponi - Vito Culoviltti - João

Rodrigues - Tommasi Cesilla - Alberto Fartelli - Costantino Scarpini - Nicola

Carnevale - Bareil Ollize - Adopho Aoscana - Joaquim Elekovv - Emilio Pichi -

Vicenzo Devisate - Antonio Stasolla - Rosario Florio - Dante Neneste - Rederio

Borges - Adelino Romano - Antonio Gagliardi - Ernesto Nardi - Jose Napoleão - Luigi

Pugliesi - Gregorio Pugliesi - Napoleão Domingos - Domingos Alberti - Giuseppe

Conte - Raul Panighel - Belligote Escorsone - Jose da Silva - Antonio Dias - Leonardo

Zaccaria - Vergilio Grumo - Adolpho Palmeiras - Fracesco Paladini - Orlando de Biasi

- Giacintho Camargo - Daniel Gomes - Nicola Massa - Giulio Fairetane - Engolido

Pravagi - Deolindo Pravagi - Giovanni Penassi - Fiorino Zanardi - Silvio Cesti - Jose

Valzetano - João da Silva - Domenico Pepe - Giacomo Bertolano - Julio Fernandes -

João Ortenga - Giuseppe Manfredi - Albino Manfredi - Albino Espanhol - Carmino

Croci - Vinte Pempone - Jose Celestino - Thomaz da Silva - Ugo Valeri - Vicente

Pandole - Pedro Raiz - Luigi Sandri - Francesco Pazzetto - Natale Giarola - Erminio

Sandri - Jose M. Manacá - Antonio Luiz - Michele dela Monica - Baptista Cabral -

Pasquale Annucci - Giovanni Pamiguel - Jacob Perane - Dante Mocesavane - Mario

Alberto - Jose Peixoto - Raffaele Agarelli - Francisco Pinto - Alessandro Scote -

Giuseppe Gaeta - Ernesto Giugnine - Angelo Conselheiro - Attilio Gaglioz - Martinho

Ernesto - Riccardo Rocha - João da Costa - Cesar Gandolpho - Carlos Dancho -

Guerino Francucci - Albino G. Rodrigues - Pedro Justo - Giovanni Casoli - Jose

Covala - Giovanni Bosco - Vittorio Bosco - Salvatore Guerino - Giovanni Melino -

Antonio della Monica - Abilio Gomes - Jose Esquisa - Joaquim P. de Azevedo -

Americo Taddei - Manoel da Fonseca - Beppe de Ladeira.170

170 Fanfulla, 01/06/1913.

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O que se pode apreender desta lista, pela recorrência de sobrenomes, é que estes eram

eventos frequentados por toda a família. Também, o que é mais notório, ainda que não fossem

os únicos a comparecer ao evento, os italianos eram a maioria do público. De qualquer forma,

o sucesso desses eventos perdurou por muito tempo. Em 24 de agosto 1918, a mesma associação

promoveu “[...] uma festa dramático-dançante, com quermesse”, no salão Almeida Garret,

situado no n. 3 da rua Martim Burchard, no Brás. A estrutura do programa permanecia:

Sob a direção do sr. Francisco R. França, deve ser interpretado o drama em 3 atos

'Segredo do pescador' e a farsa 'Dois mineiros na corte'.

Ao espetáculo se seguirá um baile, que durará até tarde da noite.

Estamos confiantes de que a festa sucederá animadíssima.

O sucesso da festa foi confirmado em notícia do dia seguinte ao evento, exposta em um

jornal: “O evento foi animado e os participantes se divertiram até tarde da noite”, “após o

espetáculo começou o baile que, cheio de brio, durou até altas horas da madrugada”.171

Em 13 de março de 1920, a A. R. A. da Mooca realizou “[...] a sua 10ª festa social:

espetáculo, baile e quermesse”.

A festa foi realizada no salão 'Almeida Garret', situado à avenida Martim Burchard,

3, com a participação de um público numerosíssimo.

O comovente drama 'A filha do marinheiro', interpretado pelos senhores França, E.

Aetis e F. Teixeira, e pela senhorita J. Beratti, que mereceram muitos aplausos

calorosos, agradou muito.

Ao senhor Francesco Fattorusso, que cantou belas canções de seu vasto repertório, foi

realizado um magnífico ato variado, que foi aplaudidíssimo.

Então veio um grande baile com quermesse que durou até a noite.172

Exceto pela apresentação musical de Francesco Fattorusso, o programa permaneceu

praticamente o mesmo: iniciado por uma apresentação teatral e encerrado por quermesse e baile.

Todavia, levando em conta o fato de que os bailes não eram dançados ao som do silêncio, a

música era parte essencial e sempre presente nas festas. Algumas vezes, os eventos chegavam

a ocorrer sem as apresentações teatrais, e o programa anunciava apenas uma festa dançante, ou

um baile, como no caso do G. D. 15 de Novembro, que em janeiro de 1915 realizou no salão

situado no n.º 84 da rua Visconde de Parnaíba a sua festa de fundação, que contava apenas “[...]

com uma festa dançante”173, apesar de a associação levar no nome o termo “dramático”.

Em 1915, o Royal Recreativo da Mooca – recém fundado “[...] por iniciativa de diversos

moços da melhor sociedade da Mooca” – realizou “[...] uma agradável festa”.

171 Fanfulla, 22/08/1918 e 26/08/1918, respectivamente. 172 Idem, 14/03/1920. 173 Idem, 09/01/1915.

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Às 18 horas, no confortável prédio n. 86 da rua da Mooca que se achava ornamentado

com bastante gosto e profusamente iluminado, foi pelo maestro Luigi Del Papa dado

começo ao baile, que se prolongou até o amanhecer de ontem. Ás 22 horas foi servida

uma lauta mesa de doces com finas bebidas. As gentis senhoritas Maria Guiomar Leite

e Othilia Sampaio Castello Branco tornaram-se a nota alegre e agradável da festa, no

belo desempenho da música e canto.

Notamos o comparecimento das seguintes pessoas: Maria Guiomar Leite, Judith

Miranda, Josephina Lebeis, Ophelia Bonilha, Anna Candida Bonilha, Othilia Castello

Branco, Irene Castello Branco Braga, Annita Kriglet, Julia Irene, Argentina

Guimarães, Hilda de Camargo, Julio Kriglet, Alça Castello Branco, Clotilde Braga;

srs.: dr. José Diogo de Almeida Mello, dr. José Vaz Ferreira, João Evangelista de

Moraes, Aleardo Olivetto, Luiz Pinto, Wladimiro Carvalho, José Camargo, Laercio

Neves, Antonio P. de Castro, Candido Schimidt, Francisco Lopes Braga, Alcides

Leite e Gabriel Macedo, desta folha.174

É certo que alguns elementos afastam esta associação daquelas das camadas populares,

desde o próprio nome escolhido, Royal, até a forma como o salão, bastante confortável segundo

o jornal, estava enfeitado e a prática de servir aos sócios “[...] uma lauta mesa de doces com

finas bebidas”. Pela lista das pessoas que compareceram à festa podemos entender que aquele

era um evento bastante restrito. Além disso, percebe-se a ausência quase completa de

sobrenomes italianos ou espanhóis, mais comum entre os trabalhadores da Mooca. Tudo isso

indica que ali estavam pessoas de melhores condições financeiras do que a maior parte dos

habitantes do bairro.

Nicolau Sevcenko, em importante estudo, sugeriu a possibilidade destas festas de

associações serem animadas por músicas geradas pelos gramofones, que seriam substituídos,

no limiar dos anos 20, pela “[...] moderna vitrola: mais versátil, mais potente e, sobretudo, mais

acessível”, o que teria ajudado a democratizar o acesso à música, ao lado dos bailes e dos clubes,

e a universalizar a indústria fonográfica.175 Contudo, devemos notar que a festa do Royal, assim

como era comum em outras festas bailes, ocorriam ao som de cantorias e de instrumentos

acústicos executados pelos próprios sócios. Uassyr de Siqueira, refletindo sobre este mesmo

problema, afirma que é pouco provável que um equipamento como o gramofone tenha tido

tamanha relevância na democratização da música entre os operários. Talvez, sempre segundo

Siqueira, aqueles fossem aparelhos cujas associações das camadas mais abastadas da sociedade

tivessem fácil acesso, mas o preço bastante restritivo tornava o equipamento algo distante das

festas em associações de trabalhadores. Ao contrário, eram as orquestras formadas pelos

próprios sócios as principais animadoras dos bailes em salões.176

174 Correio Paulistano, 24/12/1914 e 11/01/1915. 175 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Cia. Das Letras, 1992, p. 90. 176 SIQUEIRA, Clubes e Sociedades dos Trabalhadores do Bom Retiro, Op. Cit., p. 76-77.

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A Società Meridionali Uniti mantinha, já em 1906, um corpo musical dirigido pelo

maestro Antonio Simonini, cuja função principal era animar as comemorações mais

significativas para a associação.177 Mesmo no limiar dos anos de 1920 a música era provida por

bandas compostas pelos próprios trabalhadores. Em 1918, a Sociedade Italiana da Mooca

realizou uma festa na qual

[...] houve entretenimento musical, em que na orquestra tocaram muito bem, Luigi

Oliani, Eduardo Panetta, Giovanni Guidi, Giuseppe Fiore, Orlando Lucati e Giacinto

Snecli, tomando parte os senhores Luciani Vetturazi, barítono, Menotti Sisti, tenor, e

Zanni Vittorino, cancionista. Todos foram muito aplaudidos.

Às 20 horas se iniciou o baile que durou animadamente até a meia-noite. Prestava

serviço a orquestra composta por: Demetrio Cecon; Alberto Malpeti; Italo Bisognini,

Carlo Misechiati, Manoel Oliveira, Radames Gohato, Alberto Gaspari, Carmine

Covielli, Mantovani Giovanni.178

Também a A. R. A. da Mooca, em 1920, quando realizou uma festa com teatro e

quermesse, finalizou com “[...] um grande baile familiar acompanhado por uma magnífica

corporação musical”.179

Outras atividades festivas realizadas nas associações de trabalhadores eram os eventos

comemorativos. As festas promovidas pela Stella d’Italia presidida por Nicola Della Volpe

evocavam algumas tradições trazidas do país de origem. Em 5 de dezembro de 1907, Della

Volpe comemorou, com a presença de muitas pessoas, o seu onomástico. Segundo se contou,

“[...] a sala estava lotada, transbordando” e foi “[...] elegantemente decorada para a ocasião”.

Em um dos intervalos das danças - que começaram muito animadas e assim se

mantiveram até o amanhecer desta manhã, os senhores Salvatore Borghese e Pasquale

Viersio cantaram com muito brio várias canções napolitanas, duetos e macchiette,

acompanhados pelo quinteto 'Partenopeo', dirigido pelo bravo maestro senhor

Francesco Maionone.

A banda musical da Sociedade 'Meridionali Uniti' seguiu executando várias marchas

e peças cuidadosamente escolhidas. [...] A festa se encerrou deixando a todos felizes

memórias.180

É importante explicar aqui que esta Stella d’Italia é diferente daquela que apresentou a

Tosca em 1908. Estava ligada à Società Meridionali Uniti, que também era presidida por Nicola

Della Volpe, e estava localizada no número 134 da rua da Mooca. Aquela Stella d’Italia tinha

como presidente Angelo Lafemina e, como vimos, tinha sede à rua Visconde de Parnaíba, 97.181

177 Fanfulla, 12/09/1906. 178 Idem, 17/07/1918. 179 Idem, 12/10/1920. 180 Idem, 08/12/1907. Onomástico era uma comemoração tradicional, correspondendo ao dia do santo de seu nome em que se recebia pela data um audível auguri. Neste caso, San Nicola, 5 de dezembro. 181 Fanfulla, 12/09/1906, 23/07/1908 e 12/10/1907, respectivamente.

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Voltando às práticas, outras datas também eram comemoradas nas associações. A

Società Italiana della Mooca, no dia 31 de dezembro de 1918, fez anunciar em um jornal que,

"com o objetivo de festejar o despontar do novo ano, será realizada hoje à noite, na sede social

sita à rua Visconde de Laguna n. 4, um entretenimento familiar brilhante”.182

Os aniversários de fundação das associações, data ritual importante para os sócios,

também eram comemorados com festa. O C. R. Matteo R. Imbriani, em 1910, prometia “[...]

uma pequena festa dançante amanhã à noite, sábado, para festejar a renovação desta sociedade,

na sede social, na rua Visconde de Parnaíba, número 175, às 8 horas e meia da noite”.183

As festas não se restringiam às associações dramáticas. A sociedade esportiva chamada

Oriental Mooca F. B. C, realizou em 1916, na rua João Antônio de Oliveira, n.º 76, uma festa

dançante para celebrar o seu primeiro aniversário de fundação. Em 1919, o União Fluminense

F. B. C. avisava em um jornal que “no salão deste Club, na rua João Antônio de Oliveira,

número 40, será promovida uma noite de dança, a ser iniciado às 20 horas”.184 Sobre a festa em

uma outra associação, em 1920, comentava-se:

O baile que teve lugar, na outra noite, no salão da rua da Mooca, 353, realizada pela

Associação União Marcial F. B. C., teve um resultado lisonjeiro. Percebemos um

grande público. O amplo salão estava lotado. A diversão transcorreu na mais perfeita

harmonia durante toda a noite.185

As festas em associações recreativas ou esportivas apareciam como momentos em que

identidades e valores eram reforçados ou rearranjados, conforme os trabalhadores escolhiam

aquelas que se mantinham praticamente fechadas entre seus compatriotas ou preferiam eventos

mais ou menos abertos a habitantes do bairro de origens diferentes. De toda forma, as festas

faziam parte do lazer daquelas pessoas. E a grande quantidade de sociedades agia como uma

ampliação das possibilidades de escolhas para empregar o tempo de lazer.

2.7. Futebol e outros esportes.

As associações esportivas começam a surgir na Mooca bastante cedo. O primeiro clube

de futebol, o Sport Club Germânia, foi fundado em 7 de setembro de 1889, com suas primeiras

182 Fanfulla, 31/12/1918. 183 Idem, 18/06/1910. 184 Idem, 01/04/1916 e 12/07/1919, respectivamente. 185 Idem, 15/09/1920.

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reuniões ocorrendo no número 115 da rua da Mooca. Tinha entre os seus fundadores Hans

Nobiling, que esteve presentes na criação do Sport Club Internacional, poucos meses antes. A

nomenclatura adotada pelos sócios deste último clube, “Internacional”, como apontou Alfredo

Oscar Salum em seu estudo, era uma referência à sua composição étnica, que reunia “[...] jovens

brasileiros e estrangeiros de classe média alta”. Nobiling, entretanto, buscavam um clube que

se aproximasse mais da colônia alemã, por isso levou as reuniões do novo clube, o Germânia,

ao bairro da Mooca.186

Há que se considerar, todavia, o fato de estarem entre os fundadores do Germânia Artur

Ravache, diretor da filial do Banco Brasileiro Allemão (“Brasilianische Bank fuer

Deutschland”), que mantinha filial em Hamburgo; os irmãos Rudolph e Hermann Wahnschffe,

residentes na Mooca e filhos de um comerciante proprietário da Rudolfo Wahnschaffe & Comp.,

firma importadora e distribuidora de materiais para construção civil e bebidas; René e Henrique

Vanorden, filhos de Emmanuel Vanordem, proprietário da gráfica Casa Vanorden. Outros

componentes do Germânia eram provenientes de Hamburgo e estavam ligados ao comércio

com o porto daquela cidade e à frente do comércio de bens de consumo importados para São

Paulo – Thomas Ritscher, que era comissário no porto de Santos; Hermann Friese, um dos

craques reconhecidos do esporte, que era comerciante e mantinha um escritório de

representações.187 A composição vista entre os fundadores do S. C. Germânia punha a

agremiação ao lado daquelas fundadas ou frequentadas por jovens pertencentes às famílias com

grande poder econômico, de retorno de seus estudos na Inglaterra, Alemanha ou Suíça, e que

mantinham uma “seleção social”, tornando o esporte bastante elitista. Esses clubes serviam

como um prolongamento da sociabilidade, através do esporte ou de sua assistência, como notou

José Sérgio Leite Lopes, experimentada antes nos salões pelas famílias abastadas da cidade.188

Antes da formação de qualquer clube voltado ao futebol, entretanto, é preciso observar

um espaço bastante frequentados pelas famílias mais abastadas, um salão distante da Mooca,

localizado na região central da cidade, à rua XV de Novembro189, onde se mantinha “[...] um

club de diversões, com bilhares, jogos lícitos e salas de leitura e palestra”.190 O Jockey Club,

que até 1881 chamava-se Club Paulistano de Corridas, foi fundado por 73 sócios, todos

membros das chamadas elites da sociedade, com o intuito de regrar as corridas de cavalos.

186 SALUM, Palestra Itália e Corinthians, Op. Cit., p. 32. O S. C. Germânia, que homenageava o clube homônimo da cidade de Hamburgo, na Alemanha, mudaria seu nome para Esporte Clube Pinheiros pelo advento da Segunda Guerra. 187 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 165-166. 188 LOPES, “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”, Op. Cit., p. 125. 189 Diário Oficial do Estado de São Paulo, 04/10/1895, 24/03/1905, 09/07/1908; 06/08/1921. 190 MOREIRA PINTO, Op. Cit., p. 175.

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A idéia de construir um hipódromo, a fim de cercar e restringir o evento, ganhava corpo

na medida em que o esporte se vulgarizava.191 O jornal Correio Paulistano, em 1862, já clamava

por maior controle sobre o divertimento:

Entre nós, também é muito prezado esse divertimento, e muito mais poderia ser, se a

gente da classe baixa, e homens velhacos não tivessem arredado dele tanta gente boa.

A populaça [sic], em maioria toma deles conta, grita contra uns, rebaixa outros,

havendo sempre ditérios e brigas, e não poucas vezes, mortes [...] eis aqui coisas que

fazem desesperar, e desejar ardentemente que sejam nossas carreiras como as do Rio

e da Europa, que haja um Hipódromo [...].192

Os sócios fundadores arrendaram o terreno localizado à rua Bresser, na Mooca, e

construíram, com subsídios públicos para a compra das áreas adjacentes, as instalações

necessárias, incluindo uma arquibancada com capacidade para mais de mil pessoas. A

organização do clube e a construção do hipódromo marcavam, assim, uma transição das

disputas esporádicas para um esporte baseado em modelos europeus, com espectadores

pagantes e com regras fixas, aprovadas pelos sócios do clube.

Cercar as corridas, mantendo-as a céu aberto, mas agora em um ambiente amplamente

frequentado pelas camadas mais abastadas da sociedade, contribuiu para tirar a prática de

corrida de cavalos do que esta camada social considerava vulgar.193 Esses clubes de galope

mantinham um caráter bastante excludente, e essa característica não agia apenas em relação às

camadas populares, mas também horizontalmente, entre os industriais. Até o limiar dos anos de

1920, “[...] certos imigrantes ricos não tinham acesso aos clubes sociais de maior prestígio,

como o Jockey, o Automóvel Club, e o Club São Paulo”.194 Dentro desses ambientes, os rituais

distintivos de uma elite econômica em relação aos mais pobres eram visíveis. No espaço do

hipódromo, as camadas populares eram aceitas apenas em uma parte das arquibancadas e nas

gerais, enquanto os sócios tinham acesso a áreas mais restritas.195

Outas distinções, além da divisão geográfica, podem ser notadas como um “[...] conflito

simbólico”.196 Como revela Gambeta, os chamados sportsmen, esportistas, em tradução livre,

termo que remete diretamente àqueles que praticam alguma modalidade de atividade física, não

eram os que disputavam as partidas esportivas, mas sim os endinheirados mantenedores,

patrocinadores, criadores e apostadores. Ainda, “[...] o típico sportsman era um dono de cavalos

191 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 40. 192 Correio Paulistano, 16 out. 1862, p. 3, apud GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 40. 193 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 40 e 42. 194 RAGO, “A invenção do cotidiano na metrópole” Op. Cit, p. 391. 195 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 42. 196 THOMPSON, Edward P. “Patrícios e Plebeus”. In: THOMPSON, Costumes em Comum, Op. Cit., p. 77.

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parelheiros que assistia aos páreos da tribuna de honra e recebia aplausos ao desfilar ao lado da

sua cria vencedora”.

Os jóqueis, cargo que ironicamente dava nome ao restrito clube, tinham origens

humildes e eram escolhidos entre jovens ou crianças pobres, com baixo peso corporal, “[...]

pagos para representar as cores do stud do dono do cavalo, claramente identificadas nas

chamativas camisas de seda”, e serviam aos sportsmen disputando as corridas e enfrentando as

perigosas quedas e decorrentes sequelas na tentativa de conseguir juntar algum dinheiro.197 Um

caso interessante de se notar ocorreu já nos idos de 1917.

Na rua da Mooca, próximo à rua Visconde de Laguna, o tecelão Antenor Carnavale

de 16 anos de idade, morador no n. 387 da primeira dessas ruas, foi ontem pouco

depois das 20 horas, agredido a punhal e ferido no braço esquerdo pelo jockey Nicola

Fares. Intervindo ao caso a polícia, Antenor declarou atribuir a agressão ao fato de ter

desmaneado o seu contrato de casamento com a irmã do ofensor. Antenor foi

socorrido pela Assistência.198

Não pretendo atestar a origem humilde do jóquei Nicola Fares por ter uma irmã prestes

a se casar com um tecelão que a desobrigou do matrimônio. Deve-se notar, entretanto, que a

palavra jóquei aparece da mesma forma como a palavra tecelão, isto é, como indicativo de

profissão, sugerindo que Fares era um daqueles profissionais da corrida de cavalos e que estava

nessa atividade não apenas pelo prazer, mas sobretudo para o seu sustento.

As divisões que se viam no turf foram mantidas na prática do foot ball na medida em

que os clubes dedicados a este esporte reproduziam “[...] uma seleção social que reunia famílias

das elites”.199 No início, na própria prática do futebol mantinha-se certa sofisticação, pois, muito

embora o material necessário não fosse exatamente restritivo ou sofisticado, uniformes,

chuteiras, bolas de couro, caneleiras, eram caros e tinham de ser importados da Inglaterra.200

Ainda que os treinos pudessem ser realizados em terrenos baldios, os jogos em si, com toda a

sua ritualística, eram realizados em campos gramados preparados para o esporte, a que tinham

acesso apenas os clubes cujos sócios tivessem condições financeiras mais elevadas.201

A boa apresentação das equipes passava não somente pela habilidade e intimidade com

a bola, mas principalmente pelos uniformes impecáveis, às vezes feitos sob medida na

197 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 42-43. 198 Correio Paulistano, 03/05/1917. 199 LOPES, “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”, Op. Cit., p. 126. 200 ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, Op. Cit., p. 19. 201 LOPES, “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”, Op. Cit., p. 129.

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Inglaterra, com emblemas cuidadosamente bordados.202 A platéia, bastante “seleta”, era

composta por “[...] homens vestindo terno e gravata, senhoras elegantes, moças e rapazes de

‘boa família’, que iam torcer por seus filhos, irmãos, primos, amigos”.203 Os termos adotados,

também importados da Inglaterra – como gentleman e amateur, ou o sportsman, já usado nas

corridas de cavalos, mas aplicado também aos ricos praticantes do futebol – diferenciavam os

sócios dos clubes não apenas por atuarem sem qualquer tipo de pagamento, mas,

principalmente, por sua condição social elevada. Os integrantes desses clubes, pertencentes às

famílias ricas ou com formação profissional muito qualificada, atuavam, segundo afirma

Gambeta, pelo amor ao esporte, e o amadorismo era também um fator de distinção.204

Contudo, clubes formados por trabalhadores não tardaram a aparecer. O primeiro de que

temos notícia, ao menos no bairro da Mooca, é o Sport Club Atlético da Mooca, em 1904.

Porém, por causa da escassez de informações encontradas sobre essa associação – apenas uma

chamada de comparecimento à Secretaria Geral da Prefeitura “[...] para esclarecimentos”205 –

não conseguimos conhecer as práticas que ali se desenvolviam.

Em 1905 encontramos alguns jogos de um Sport Club Mocidade da Mooca. Em junho

daquele ano, “[...] o terceiro team do Sport Club Domitilla bateu, no domingo passado, por

quatro goals a um, o segundo team do Sport Club Mooca”. Uma semana depois, “o terceiro

team do Sport Club Mocidade da Mooca saiu vencedor por cinco goals a três, no match que

disputou no domingo passado contra o terceiro team do Sport Club Alliança”. Apesar de a

primeira notícia indicar o nome do clube sem o termo “mocidade”, uma outra nota esportiva do

mesmo jornal, Correio Paulistano, indica se tratar da mesma associação:

Disputou-se, no domingo passado, o match de desempate entre o segundo team do

Sport Club Mocidade da Mooca e o terceiro do Sport Club Domitilla, sendo este

vencedor por dez goals a um!206

Estas três notícias não parecem indicar, à primeira vista, muito mais do que a existência

e da participação do S. C. Mocidade da Mooca em jogos de futebol. Mas, apesar da pouca

quantidade de informações de que dispomos, é possível afirmar que a associação contava ao

menos com três quadros de esportistas, algo que, como apontou Alfredo Salum, respondia à

necessidade de alocar os associados em equipes para que pudessem disputar também o

202 SANTOS, Henrique S. “’Desastres Materiais, Desordens Morais’: O ‘Foot-Ball’ de Vagabundos nas ruas de Salvador, 1905 – 1920”. Recorde: Revista de História do Esporte. Volume 5, número 1, junho de 2012. 203 ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, Op. Cit., p. 19. 204 Ver GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., em especial p. 168 e 227. 205 Correio Paulistano, 30/08/1904. 206 Idem, 14/06/1905, 28/06/1905 e 18/07/1905.

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futebol.207 No primeiro time encontravam-se os sócios mais talentosos, enquanto que aqueles

com menor talento com a bola e também os mais jovens ocupavam posições no segundo ou

terceiro quadro.208 Assim, se levarmos em consideração que cada um deles era composto por

onze jogadores, o número de associados possivelmente era superior a trinta, revelando a

popularidade que estes clubes vinham ganhando entre os trabalhadores.

Em 1909, um Sport Club A. Mooca colocou os principais jogadores em campo.

Realiza-se [sic] hoje um match de foot-ball no ground da Mooca entre os primeiros

teams do Sport Club Norte americana e do Sport Club A. Mooca. No mesmo local

será jogado também um match entre os segundos teams do Norte-americana e do Sport

Club D. Carlos 1º.209

Como se vê, as disputas entre equipes de bairros diferentes não eram incomuns. Os

clubes da Mooca também atravessavam a cidade para a prática do futebol.

Realiza-se hoje, no campo do Sport Club Sant´Anna, ás 8 horas da manhã, um match

de foot-ball entre os primeiros teams do Sant´Anna e do Flor da Mooca.210

Esse desenvolvimento do esporte entre os trabalhadores pode ser explicado pelo

adensamento dos bairros centrais, que tinham cada vez menos espaços disponíveis211, e, assim,

os terrenos baldios nos bairros populares passavam a ser palco de treinos dos times de elite, isto

é, aqueles cujos cofres sociais eram amplamente amparados pelos sócios endinheirados, e,

depois, dos jogos da primeira divisão. A Mooca, por causa dos terrenos baldios e descampados

existentes, se tornou um local de preferência também entre diversos clubes de outros bairros

para estabelecerem os seus campos de treinos. Em 1912, um grupo de “[...] rapazes amantes do

sport de foot-ball”, estavam organizando o Braz Foot Ball Club.

A nova sociedade terá como campo a vasta área de terreno situada ao lado do

Hipódromo da Mooca. Os teams compor-se-ão de jogadores já bastante conhecidos

nas rodas do referido sport, e usarão como distintivo camisas e bonets [sic] das cores

azul, branco e preto. O primeiro match será jogado nos primeiros dias do próximo mês

de maio.212

O Club Atlético Flamengo, fundado em 1914, e cuja sede estava situada na rua Barão

de Iguape, região central da cidade,

207 SALUM, Palestra Itália e Corinthians, Op. Cit., p. 39. 208 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 183. 209 O Commercio de São Paulo, 07/02/1909. 210 Correio Paulistano, 22/10/1911. 211 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 289. 212 Correio Paulistano, 22/04/1912.

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[...] cultivará diversos sports, iniciando, porém, a sua ação, dedicando-se ao

desenvolvimento do foot-ball. Os trainings realizar-se-ão no campo situado ao lado

da Fábrica de Tecidos Penteado, na Mooca.213

O Guttemberg Foot-Ball Club, do bairro da Bela Vista, apesar de manter a sede

administrativa na rua Pedroso, n.º 42, mantinha um “ground [...] situado no fim da rua da

Mooca”, onde organizava um vigoroso match-training entre os dois teams 'azul' e 'branco',

formados entre os sócios daquele club”.214

Em 1919, na rua Conselheiro João Alfredo, havia o campo do Italia Foot-Ball, onde

disputou-se

[...] um interessante match amistoso de foot-ball entre os 1.os e 2.os quadros dos clubs

infantis Italia e Torino. Os teams do infantil do Italia estão assim organizados:

1.o team:

Silva

Primo - Lucio

Piazenti - Bianco II (cap.) - Carlos

Marques - Tognoli - Cagnini - Bianco I - Perillo

Reservas Juca e Bataglia.

2.o team

Russo

Souza I - Pellegrini

Santiago - Nicolino - Mari

Sternini - Cagnini II - Souza II - Silva II - Manfrini

Reservas: Campos, Pimenta, Pinto.

Os jogadores deverão estar no campo ás 14 horas.215

Naqueles terrenos baldios “[...] o futebol se transformaria em divertimento acessível e

preferido dos meninos descalços dos bairros operários”. Além disso, as mesmas condições

materiais necessárias à prática do futebol, as exigências de equipamentos caros, que

contribuíam para manter o caráter amador e elitista num primeiro momento, podiam ser

facilmente assimiladas, adaptando e improvisando o esporte, jogando ao ar livre, em terrenos

baldios, com qualquer número de jogadores, de qualquer idade.216 Os uniformes podiam ser

substituídos por infinitas possibilidades – com e sem camisa, camisas claras e escuras, etc.; as

bolas, feitas de meias, restos de trapos, papel ou borracha, podiam ser chutadas por pés

descalços; as balizes podiam ser improvisadas com qualquer material disponível.217 O jogo de

bola passou rapidamente a ocupar espaço nas tardes de domingo.

213 Correio Paulistano, 01/08/1914. 214 Idem, 30/04/1915 e 05/07/1914, respectivamente. 215 O Combate, 10/05/1919. 216 ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, Op. Cit., p. 21. 217 LOPES, “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”, Op. Cit., p. 129.

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No prado da Mooca o servente de pedreiro José Bartoletti, de 15 anos de idade,

morador à rua Júlio de Castilho n. 23, jogava 'foot-ball' ontem, às 3 horas da tarde

com diversos companheiros quando sucedeu cair desastradamente, fraturando o terço

do antebraço esquerdo. O ofendido recebeu os primeiros socorros ministrados pela

Assistência Policial.218

O relato extraído do jornal Correio Paulistano tem seu foco na futura no braço do

trabalhador. É interessante notar que três anos mais tarde manteve-se o teor do discurso:

Quando jogava foot-ball ontem, às 13 horas e meia, num campo da rua da Mooca, o

operário Francisco Tassi, de 16 anos de idade, residente à rua da Ponte Preta, n. 37,

caiu desastradamente, fraturando o antebraço direito. A vítima foi socorrida pelo dr.

Luiz Hoppe, médico da Assistência.219

Um trabalhador com o braço ferido era um fato que parecia demasiado importante aos

editores do jornal que anos antes havia dispensado igual tratamento à prática desregrada e

“vulgarizada” da corrida de cavalos.220 É bastante difícil encontrar entre as páginas desse

mesmo jornal notícias semelhantes quando se tratava dos jogos envolvendo jovens de famílias

abastadas, praticantes do esporte entre seus pares nos seletos clubes amadores.

Jacob Penteado, recordando-se do futebol de sua infância, contava que naquela época

[...] esse esporte era, na realidade jogo para machos, pois a violência campeava

predominando o fator físico, a força bruta. Para isso, mais do que pela técnica, quase

inexistente, os integrantes do ‘time’ eram escolhidos pela robustez. Empregava-se

muito a marreta, golpe de ancas no adversário, que ia cair, geralmente fora do campo.

Certa vez, continua Penteado, apareceu no bairro do Belenzinho, vizinho à Mooca, “[...]

um quadro da cidade, enxertado de vários jogadores da liga oficial”. As lembranças vívidas do

memorialista dão conta de que a violência se fazia presente também entre os jogadores dos

clubes ligados às camadas mais abastadas da sociedade.

Vinham para ganhar de goleada, mas o capitão do ‘Estrela’, Ernesto Sertório, perdeu

a cabeça e meteu o braço no famoso Hermann Friese (a quem os caboclos chamavam

de Frisa), um dos maiores craques da época. O homem reagiu e o conflito generalizou-

se. Dizem que o Ernesto perseguiu ‘Frisa’ e seus colegas até o Prado da Mooca, de

revólver em punho.221

Os jogadores do “quadro da cidade” eram, como de fato o era Hermann Friese,

possivelmente componentes do S. C. Germânia, clube, como se viu, de uma elite de

218 Correio Paulistano, 18/08/1913. 219 Idem, 02/05/1916. 220 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 40. 221 PENTEADO, Belenzinho, 1910, Op. Cit., p. 200-201.

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comerciantes alemães. Nas notícias sobre os jogos de que participou, o nome de Friese quase

sempre está acompanhado de adjetivos tais como “o incomparável” ou “o inalcançável”222, e

nunca à violência entre praticantes ou às desventuras de um esporte cujo contato físico era

inevitável. Enfim, o “Frisa” era um amante do esporte, e não um “peladeiro” como Bartoletti

ou Tassi, excluídos daquele futebol entendido como de “[...] primeira grandeza”.223

O caráter de fácil improvisação do futebol permitia que mesmo dentro das fábricas,

durante a pausa para o almoço, os operários se reunissem para brincar com alguma bola

arranjada.224 Muitas vezes, os diretores das fábricas adotaram e promoveram o futebol, tentando

utilizá-lo como um instrumento disciplinar do lazer e da diversão dos funcionários de seus

estabelecimentos. José Sérgio Leite Lopes aponta que, quando percebem o poder agregador do

futebol, capaz de integrar empregados, supervisores e operários – ao mesmo tempo em que

poderiam se criar verdadeiras divisões entre trabalhadores de setores diferentes, colocando-os

em equipes opostas, montadas por setor de produção –, os empresários adotam o esporte como

forma privilegiada de lazer para seus empregados.225

No dia 1º de janeiro de 1908, a fábrica de sapatos Clark, da Mooca, realizou um pic-nic

para os trabalhadores do estabelecimento, e, entre outras atividades, estava presente o futebol.

Realizou-se anteontem com boa concorrência o pic-nic que a diretoria da Fábrica de

Calçado Clark ofereceu aos seus empregados. Grande número de bondes especiais

garridamente ornamentados partiu da fábrica na Mooca, dirigindo-se para Villa

Mariana, chegando ao Bosque da Saúde às 9 e meia hora. Durante o trajeto foram

espalhados diversos reclames. De acordo com o programa, a festa começou por um

jogo de ‘foot-ball muito bem disputado. Passou-se em seguida a vários jogos, corridas

a pé e com obstáculos, em que tomaram parte os rapazes, havendo outros

divertimentos em que tomaram parte as moças.226

Nestes eventos, como podemos notar, as atividades direcionada aos “rapazes” eram

diferentes daquelas das quais podiam participar as “moças”. Margareth Rago dá conta de que o

esporte estava intimamente ligado com a idéia de virilidade, sendo, apesar da participação da

mulher em algumas modalidades, atividades masculinas.227

De toda forma, não era incomum, ainda, que alguns times de futebol se formassem no

interior das seções de uma mesma fábrica sem a participação dos superiores da empresa, por

iniciativa dos próprios trabalhadores, que se cotizavam para tentar “[...] jogar como os ingleses,

222 O Commercio de São Paulo, 06/09/1904, e Correio Paulistano, 18/07/1904, respectivamente. 223 ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, Op. Cit., p. 52. 224 Idem, ibidem, p. 34. 225 LOPES, “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”, Op. Cit., p. 130-131. 226 Correio Paulistano, 02/01/1908. 227 RAGO, “A invenção do cotidiano na metrópole” Op. Cit p. 401.

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com equipes completas, uniformes, uma bola de couro, um campo, um lugar para se reunirem

e guardar o material esportivo”, enfim, pela vontade de incorporar as regras oficiais do jogo e

formar um clube de futebol. Contudo, como se viu, o material não era facilmente acessível,

mesmo com as contribuições de todos os trabalhadores interessados. Uma saída viável para o

problema da falta de recursos era, assim, recorrer à direção da fábrica. Uma vez de acordo, as

atividades do clube podiam ser subsidiadas pela direção fabril, com um terreno para o campo

de futebol e construção da sede social, com contribuições para os aluguéis, ou ainda quantias

em dinheiro para complementar o orçamento e cobrir despesas do clube, como impostos,

energia elétrica, uniformes, transporte, material, entre outras coisas.

Tais gastos, obviamente, eram acompanhados pela exigência de uma contrapartida,

normalmente vista através de um maior controle sobre a organização da associação, como a

formação de uma diretoria compota por elementos recrutados entre os empregados mais

graduados da empresa, cabendo aos altos funcionários ou mesmo ao dono da fábrica o posto de

Presidente de Honra, um sinal de reconhecimento pela ajuda dada ao clube. “Aos operários, de

quem partira a iniciativa de organizar o futebol, restava o consolo da prática desportiva e de

uma posição secundária na direção do grêmio”.228

Em junho de 1909, os trabalhadores da fábrica Crespi, da Mooca, representando o time

da empresa, o Club Recreativo FootBall, foram ao bairro do Ipiranga para enfrentar os

trabalhadores de uma fábrica de tecidos ali instalada.

Domingo, 5, teve lugar no Ipiranga a disputa de Foot-Ball entre os trabalhadores em

fiação da fábrica Crespi, na Mooca, e os operários do estabelecimento de tecido neste

local. Entre os competidores que mais se destacaram, com seus uniformes brilhantes,

pela destreza e habilidades demonstradas, são o talentoso senhor Pietro Piccolotto e o

senhor Giuseppe Cappelletto. Parabéns também para os operários da Mooca, que

contribuíram para o sucesso da festa.229

O episódio parece gravitar entre a integração e a desagregação. A primeira se dá através

do convite de participação, a partir dos trabalhadores da fábrica do Ipiranga, e do

comparecimento dos operários da Crespi ao evento, a fim de participar e possibilitar a partida.

Porém, é preciso notar que os trabalhadores que ali disputavam eram de empresas diferentes.

Os clubes mantidos pelas fábricas tendiam a criar certa identificação entre as empresas

e os trabalhadores, assim também com as suas famílias, atraindo ainda outros conhecidos,

pessoas das classes populares, promovendo alguma desagregação entre os operários.230 Ainda

228 ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, Op. Cit., p. 34-36. 229 Fanfulla, 08/06/1909. 230 LOPES, “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”, Op. Cit., p. 130-131.

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assim, esses clubes tiveram importante participação no processo de popularização do futebol,

difundindo a prática e o acesso mais direto das classes populares ao futebol, possibilitando que

os trabalhadores entrassem nos campeonatos das ligas onde estavam os clubes de elite.231

Como se viu, um fator distintivo dos clubes de elite era o amadorismo. Esses clubes não

reconheciam nos times formados por integrantes das camadas mais pobres um oponente à

altura, e se apegavam a uma pureza idealizada do esporte amador, tentando manter as disputas

entre clubes iguais.232 A condição de amador, exibida pelos integrantes dos times de elite, não

era compatível com a necessidade do trabalho das camadas populares, e fazia com que as

equipes formadas por trabalhadores estivessem em desvantagem em relação àqueles clubes.233

Nos anos 1910, o amadorismo exclusivista daqueles clubes reunidos na Liga Paulista

de Foot Ball se enfraqueceu, devido ao ganho de popularidade de associações formadas por

trabalhadores e à prática dos times formados pelas fábricas de oferecer gratificações ou até um

segundo salário aos seus jogadores.234 Com isso, a Liga Paulista passou a aceitar os times

surgidos em bairros populares, como o S. C. Corinthians Paulista. Essa popularização,

entretanto, fez com que os clubes de elite, ainda sob a força do amadorismo, abandonassem a

Liga para fundar a Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA), cujos critérios de

admissão eram ainda mais exigentes, sendo imperativo o caráter amador da agremiação. A

APEA, entretanto, manteve essa característica elitista somente até 1916, quando se tornou

impossível não receber os clubes populares em seus quadros, aceitando o Palestra Itália ainda

naquele ano. O Corinthians entraria para a Associação em 1917, causando a saída dos clubes

de elite, o que levou ao declínio ou à desistência do futebol por parte destes clubes.235

O Sport Club Juventude, fundado em 4 de setembro de 1917, com sede na rua

Piratininga, 57, em seu estatuto afirmava a finalidade de “[...] proporcionar aos seus associados

corridas de bicicleta, motocicleta, automóvel, passeios e mais diversões esportivas”.236 O fato

de não haver nenhuma menção ao futebol é um indício de que esta associação estava entre

aquelas que se pretendiam puramente amadoras. Mas sobretudo, os esportes que a sociedade

pretendia promover, apontados no estatuto, eram modalidades que requeriam despesas para

compra e manutenção dos equipamentos muito acima do que os trabalhadores conseguiam

recolher, o que inseria esta sociedade entre aquelas das classes mais abastadas.

231 ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, Op. Cit., p. 21. 232 GAMBETA, A bola rolou, Op. Cit., p. 17. 233 LOPES, “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”, Op. Cit., p. 133. 234 ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, Op. Cit., p. 51. 235 LOPES, “Classe, Etnicidade e Cor na Formação do Futebol Brasileiro”, Op. Cit., p. 140. 236 Estatutos do Sport Club Juventude. Sociedade Civil n.º 602, 1918.

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Contudo, a desistência do futebol pelas associações como o São Paulo A. C., o C. A.

Paulistano ou a A. A. Mackenzie, não significou a extinção daquele esporte entre todos os

membros das camadas abastadas da sociedade. Julio Kern, que em 1910 compunha o quadro de

sócios jogadores do São Paulo A. C.237, em 1919 era integrante da diretoria do Cavalier F. B.

C., cuja sede ficava na Mooca, no cargo de caixa da associação:

Presidente e vice, Vincenzo Romano e Christiano Gomes - Secretário e vice,

Guilherme Gennaro e Carlos Lucas – Caixa e vice, Antonio Tonadi e Julio Kern –

Diretor esportivo, Francisco de Paula Bueno - 1.º e 2.º Fiscais de Sede, Bernardo

Campinelli e Olindo Fioravante - 1.º e 2.º Fiscais de Campo, Luiz Fioravante e João

Zanardi - 1.º e 2.º cobradores, João Ulero e Luiz Gransier - Conselheiros, Thomaz

Tureio, José Borges, Luiz Fioravante e Antonio Covelli - 1. e 2. Captain, José Borges

e Olindo Fioravante.238

O novo clube, porém, não disputava campeonatos, encontrando outros times para

amistosos. Em 1918, o Cavalier foi à Vila Emma, para participar da festa de São Luciano

Mártir.

O programa organizado, que está deveras atraente, é o seguinte:

Ás 10 horas, missa cantada pelo Revmo. padre Faustino Consoni, com

acompanhamentos. Ás 2 horas, haverá um grande jogo de "foot-ball" entre os

principais quadros dos clubs S. C. Flor de Villa Prudente e "Cavalier", da Mooca, com

uma medalha de ouro ao vencedor, oferecida pelo festeiro, senhor S. M.239

Ao mesmo tempo, as associações esportivas mais populares continuavam a aparecer.

Obviamente, a maior parte deles não disputava os campeonatos promovidos pela Liga ou pela

APEA. Ainda assim, não deixavam de existir as partidas amistosas.

Em 1914, o Infantil Internacional, com sede estava na rua Mem de Sá, n.º 26, na Mooca,

enfrentou o Clube Estrela do Cambuci.

Esteve verdadeiramente emocionante o encontro dos primeiros teams do 'S. C. Estrella

do Cambucy' e o 'Infantil Internacional', da Mooca. A luta, que foi titânica, terminou

com a vitória do Infantil, por 2 goals a zero. Jogaram com grande lisura todos os

jogadores.240

Em 1919, o Mooca F. C. colocou seu time juvenil em campo.

Efetuou-se anteontem um match do football entre os teams do Juvenil Antártica F. C.

e os do Juvenil Mooca F. C. Em ambos os torneiros saiu vitorioso o Juvenil Antártica,

237 Correio Paulistano. 22/01/1910. 238 Fanfulla, 18/01/1919. 239 O Combate, 03/08/1918. 240 Correio Paulistano, 19/01/1914.

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por 8 goals a dois e três goals a zero, respectivamente, nos jogos do 1.os e 2.os

teams.241

Ainda naquele ano, o S. C. União Mooca encarou o S. C. Saturno “[...] às 14 horas, no

campo do primeiro”. Contudo, o campo utilizado pelo União Mooca não era de sua propriedade.

Em maio de 1919, este clube utilizava um campo de futebol pertencente à outra associação, o

União Fluminense Foot Ball Club, cuja sede ficava na rua João Antônio de Oliveira, 40, no

bairro da Mooca:

União Mooca vs. Luiz de Camões.

Realiza-se amanhã, no campo do Fluminense, um encontro amistoso de foot-ball entre

as equipes das sociedades acima. O jogo dos 3.os teams será início ás 13 horas em

ponto.242

Como se percebe, o União Mooca contava ao menos com três quadros, indicando que

possuía um relevante número de sócios, e também revelando a crescente popularização do

futebol. Todavia, como se tentou mostrar, a difusão da prática do futebol se deu em um processo

de troca, de negociação.

Como sugeriu E. P. Thompson, por muitas vezes o lazer das classes mais pobres

escapava ao controle das camadas mais abastadas da sociedade, e se modificava e se adaptava

em relação aos valores dominantes. Dessa forma, mudanças nos costumes populares, como

apropriação dos esportes antes disseminados entre as camadas mais ricas, não podem ser

atribuídas apenas às imposições de uma cultura dominante, mas a um tipo de “campo de força”,

nas palavras de Thompson, onde gravitavam, ora se repelindo, ora se aproximando, duas

culturas antagônicas, convivendo em equilíbrio e antítese.243

241 Correio Paulistano, 14/10/1919. 242 Idem, 22/06/1919 e 17/05/1919, respectivamente. 243 THOMPSON, “Patrícios e Plebeus”, Op. Cit., p. 52 e 55.

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CAPÍTULO 3 - O BAIRRO EM LUTA: TRABALHADORES, ASSOCIAÇÕES E O

MOVIMENTO OPERÁRIO NA MOOCA.

3.1. A Mooca radical

Mesmo levando em consideração o fato de que os trabalhadores de São Paulo e da

Mooca vivenciavam uma grande diversidade de experiências, com diferentes vínculos

identitários, é possível observar indícios de uma classe em formação. Para o caso dos

trabalhadores ingleses, Thompson apontou como sinais fundamentais de formação da classe

operária o crescimento da consciência de classe e da organização, em um processo em que,

frente às tentativas de empresários e do poder público no sentido de soterrar os seus valores, os

trabalhadores mantinham e criavam tradições políticas, formando-se a si mesmos como uma

classe, e distinguindo-se das classes abastadas, sobretudo dos industriais.1 Assim, é preciso

levar em consideração, antes de tudo, o “crescimento da consciência de classe”, isto é, “[...] a

consciência de uma identidade de interesses entre todos esses diversos grupos de trabalhadores

contra os interesses de outras classes”, observando o crescimento das formas de organização –

sindicatos, sociedades de auxílio mútuo, periódicos, instituições educacionais, entre outras.2

Esse processo de formação da classe operária não soterrava por completo, no entanto,

os costumes populares, ainda que o crescimento da consciência política e do auto respeito

eliminassem “[...] algumas formas de superstição e deferência, tornando intoleráveis certos

instrumentos de opressão”. Comparecer a festas e bailes, frequentar assiduamente os botequins,

jogando, entregando-se à embriaguez, como se viu no capítulo anterior, eram hábitos já bastante

arraigados entre os trabalhadores. Ainda assim, como indicou Thompson, mesmo que

bebedeiras e tumultos pudessem ocorrer com frequência, “a consciência de classe apresentará

os trabalhadores sóbrios e conscientes no momento de lutar por seus direitos”.3

O alvorecer dos anos de 1900 trouxe consigo uma piora nas condições de trabalho para

os operários da cidade de São Paulo e tentativas por parte dos empresários de redução dos

salários. Os trabalhadores desde cedo puseram-se em greve tentando restabelecer os antigos

salários e por melhoria nas condições de trabalho. Este período, no entanto, como nota Biondi,

teve como característica a espontaneidade das greves, isto é, elas ocorriam em um momento em

1 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 11-38. 2 Idem, ibidem, p. 17. 3 Idem, ibidem, p. 318 e 320.

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que a organização dos trabalhadores era ainda bastante incompleta, tanto que os grupos

socialistas apontavam justamente para a necessidade de organização, mais do que da greve.4

É verdade que havia no bairro a presença da Società Operaia di M. S. Unione Mooca,

cuja bandeira social – “[...] a tricolor italiana, tendo no centro representadas duas mãos que se

apertam”5 – mesclava identidades étnica e de classe, já que o simbolismo das mãos em

cumprimento remete a associações da classe operária.6 As atividades da Unione Mooca, porém,

eram bastante escassas, não se dirigiam diretamente à luta e o seu tempo de existência foi curto.7

De toda forma, como aponta Thompson, para o caso inglês, mesmo sem uma “expressão

organizada” em sindicatos ou visíveis nas lideranças dirigentes do movimento operário, é

possível perceber certo “radicalismo” nas ações dos trabalhadores no combate dos operários

contra o que consideravam injusto ou na coragem de que dispunham para enfrentar o Estado e

os patrões.8 Em junho de 1901 cerca de 40 trabalhadores tecelões da fábrica Regoli, Crespi &

Cia. entraram em greve, protestando contra a redução dos salários. A greve chegou a se ampliar

em outubro, mas o resultado foi que alguns operários foram despedidos, outros, presos.9

Todavia, após o início das greves em 1901, os trabalhadores tecelões, graças também ao

empenho de Alcibiade Bertolotti e de Alceste De Ambris durante as negociações, chegaram a

fundar a própria liga.

É importante lembrar aqui que os trabalhadores tecelões compunham o mais importante

setor industrial da cidade e eram, em maioria, italianos, mas contando também com uma

“consistente minoria” de espanhóis. Essa superioridade numérica de italianos refletia-se nos

nomes das ligas criadas pelos trabalhadores. A Lega di Resistenza fra Operaie ed Operai delle

Frabbriche di Tessuti di S. Paolo foi fundada em 1901, contando já no primeiro mês de

existência com mais de 600 trabalhadores filiados, “[...] com delegados e delegadas na direção

provenientes de todas as fábricas paulistanas, e que pagavam regularmente as mensalidades”.10

Com a força de uma liga, os trabalhadores conseguiram arrancar dos industriais um acordo,

contudo sem a readmissão dos trabalhadores despedidos.11

4 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 181-182. 5 Estatuto da S. O. M. S. Unione Mooca, 1902. 6 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit. 7 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 57. Na verdade, como mostra ainda Luigi Biondi, as sociedades mutualistas existiram em pouquíssimo número nos bairros da Mooca e do Brás, estes largamente ocupados por operários, o que reforça a idéia de que se tratavam de expressões organizativas quase que exclusivas de artesão e de pequenos e médios industriais. 8 THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. v. 3. A força dos trabalhadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 16. 9 BLAY, Eva A. Eu Não Tenho Onde Morar: vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1985, p. 263. 10 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 182 e 183. 11 BLAY, Eu Não Tenho Onde Morar, Op. Cit., p. 263.

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De toda forma, para os tecelões, a presença de uma liga de ofício significou um apoio

mais consistente sobre suas ações. Em outubro de 1902, quando os trabalhadores da Fábrica

Têxtil Anhaia, do bairro do Bom Retiro, entraram em greve – contra os maus-tratos de um

contramestre inglês sofridos por algumas operárias que foram depois demitidas junto com suas

famílias – a Lega entrou logo com o apoio, reunindo uma comissão de trabalhadores para

negociar com os industriais e conseguindo reunir subscritores de todos os bairros de São Paulo

e ainda do interior do Estado. No final de outubro, os grevistas do Bom Retiro, que já somavam

350 trabalhadores, alcançaram as suas reivindicações.12

No mesmo período, na Mooca, os trabalhadores da Fábrica de Tecidos Penteado,

paralisados em fevereiro, e os da Regoli, Crespi & Cia., paralisados em junho e depois em

setembro, terminaram as greves com vitórias, conseguindo o restabelecimento das condições

de trabalho anteriores e a redução da extenuante jornada, que foi mantida, entretanto, acima das

10 horas diárias.13

Pouco tempo depois, em dezembro de 1902, a cidade de São Paulo viu iniciar-se uma

onda de greves. Naquele mês, 80 tecelões de um total de 350 trabalhadores da Crespi entraram

em paralisação por aumento de salário e contra a demissão de dois companheiros. A polícia

interveio com violência, alegando que estavam ali para “[...] proteger ‘mulheres e crianças’ que

desejam trabalhar”. Muitos operários foram presos e, quando o trabalho foi retomado, os

operários tidos como “cabeças” da paralisação foram despedidos.14

No mesmo mês, os operários da Fábrica Penteado, cerca de 1.500, também tecelões,

entravam em greve por aumento de salário e pedindo “[...] a demissão de dois supervisores

considerados abusivos”. E com o prolongamento da greve outras reivindicações foram

incorporadas pelos trabalhadores. A Fábrica Penteado demitiu, neste meio tempo, os

organizadores de “[...] um memorial a ser enviado ao dono”, causando a indignação dos

operários. A indignação surgiu também por causa das multas arbitrárias impostas aos

empregados da fábrica e por causa “[...] de um desconto de 200 réis dos salários para o uso da

latrina”. O comportamento de Álvares Penteado, proprietário da empresa, segundo mostra Hall,

tornou-se cada vez mais provocador, com a sua recusa em receber a lista de reivindicações dos

trabalhadores, recrutando fura-greves e chamando outros donos de fábricas têxteis a investirem

contra as organizações operárias.15

12 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 208. 13 Idem, ibidem, p. 181. 14 BLAY, Eu Não Tenho Onde Morar, Op. Cit., p. 263. 15 HALL, “Entre a Etnicidade e a Classe em São Paulo”, Op. Cit., p. 58.

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A greve, contudo, continuava, e em 14 de janeiro de 1903 um grupo de trabalhadores

da Fábrica Penteado, liderado pelas operárias Philomena Garofa e uma outra, indicada apenas

pelo nome de Rosa, dirigiu-se à fábrica de aniagem Ximenez & Levi, também na Mooca, no

intuito de chamar os trabalhadores deste estabelecimento à greve. Segundo noticiou-se, o grupo

liderado por Philomena postou-se em frente à fábrica de aniagens às 6 horas da manhã,

conseguindo fazer com que os operários não entrassem ao trabalho.

A repressão policial a serviço dos industriais, entretanto, não tardou. Sabendo do

movimento, o quinto delegado do Brás, dr. Pinheiro e Prado, fez com que “[...] 15 praças de

cavalaria, sob o comando do alferes Pedroso”, se pusessem frente à fábrica, prendendo alguns

grevistas, entre eles as duas líderes Philomena e Rosa.16

Apesar da grande solidariedade demonstrada durante a greve, naquele mesmo janeiro

os trabalhadores começaram a retornar ao trabalho, derrotados pelas dificuldades impostas,

sobretudo a fome. Álvares Penteado recusou-se a aceitar a volta ao trabalho dos operários

grevistas. Apenas após a intervenção do cônsul-geral italiano, e após ter reconhecida a ampla

derrota dos trabalhadores, Penteado readmitiu alguns dos operários.17

Um outro exemplo de organização dos operários do período pode ser encontrado ainda

em 1903, com trabalhadores de um ofício que não estava ligado diretamente ao tempo e à

disciplina da fábrica, e que frequentemente eram expostos nas páginas dos jornais por estarem

envolvidos em brigas associadas ao álcool e à presença em botequins.

Os cocheiros se organizaram em 1903 contra impedimentos impostos pela Prefeitura

que prejudicaram os ganhos porque os fazia ficar até um dia inteiro sem transportar nenhum

passageiro. No início de julho, muitas reuniões foram realizadas em uma pequena casa no n.º

41 da rua da Mooca, residência do cocheiro conhecido pela alcunha de Juca Matinada e onde

compareceram diversos companheiros de ofício. A partir daquelas reuniões a greve foi

declarada. O jornal O Commercio de São Paulo divulgou os motivos dos trabalhadores:

1º - O fato de ter a Prefeitura determinado há dias que os tilburys e carros de praça

não mais circulassem, a passo, pelas ruas do triangulo central da cidade, o que só era

permitido a trote;

2º - As frequentes multas até de 30$ que lhes eram impostas pelos agentes da

Inspetoria de Veículos;

3º - O mau trato por parte das autoridades policiais, que os detinha, fazendo ainda

recolher ao deposito os seus veículos, pelos motivos os mais insignificantes.

4º. - O facto de ser necessário um memorandum para qualquer cocheiro vir ás ruas

centrais da cidade receber um freguês.18

16 O Commercio de São Paulo, 14/01/1903. 17 HALL, “Entre a Etnicidade e a Classe em São Paulo”, Op. Cit., p. 59. 18 O Commercio de São Paulo, 10/07/1903.

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Em 13 de julho de 1903, três dias depois do início da greve, mais trabalhadores aderiram

à paralisação, e “[...] ontem, não subiu à rua carro algum de empresa sendo vistos apenas

transitando poucos carros particulares”. Uma nova reunião ocorreu na residência do Juca

Matinada, sem “[...] a menor perturbação da ordem”, em um esforço auto organizado para a

manutenção da paralisação. O movimento crescia dia a dia, e outras categorias também aderiam

à greve por solidariedade. Se avisava em um jornal que “[...] parece fora de dúvida que rebentará

hoje ou amanhã a parede dos carroceiros, que estão em plena solidariedade com os cocheiros”.19

No dia 14, não apenas os carroceiros, mas também os carregadores aderiram à greve,

“[...] não só porque dessa forma manifestavam a estes a sua solidariedade, como também para

protestar contra a concorrência que lhes faz a empresa de transportes A Express”.

De fato, ontem, grande número de carroceiros e carregadores escusaram-se de

conduzir seus veículos, percorrendo em grupos as ruas da cidade. Em alguns

arrabaldes, os carroceiros assaltaram os veículos dos seus companheiros que não

aderiram à parede, danificando os respectivos arreios.

No decorrer daquele dia também os carroceiros empregados na Limpeza Pública “[...]

tornaram-se solidários com os paredistas”, aderindo de forma “[...] que até as 2 1/2 horas da

madrugada de hoje, não tinha sido feito o serviço de limpeza no perímetro central da cidade".20

No dia 16 de julho, entretanto, a greve perdia força, possivelmente devido ao aumento

da repressão por parte da polícia, e a maior parte dos cocheiros voltava à atividade,

enfraquecendo bastante o movimento. No dia 19, ao meio dia, “[...] os carroções de açougueiros

chegavam ao centro da cidade escoltados, cada um, por dois praças da cavalaria”. Um pouco

mais tarde, quase todos os açougues da capital tinham no local as suas carroças para

comercializar as carnes, tudo sob a fiscalização dos comandantes da polícia, acompanhados de

20 praças do 1º batalhão e 10 da guarda cívica, além de um regimento de cavalaria. O serviço,

com forte esquema de segurança, transcorreu normalmente e foi concluído às seis horas da

tarde. Naquele mesmo dia, os bairros habitados por trabalhadores estavam fortemente vigiados.

No Brás, mais especificamente no largo da Concórdia, os ânimos mantinham-se

exaltados. No local, reuniam-se muitas pessoas por insatisfação com os poderes públicos,

representados pela polícia, e em apoio aos carroceiros. Em meio às gritarias, “[...] um carroceiro

agrediu a cacetadas o soldado Belisse Antonio, da 1ª companhia do 1º batalhão, e que saía do

mictório existente no largo”.

19 O Commercio de São Paulo, 13/07/1903. 20 Idem, 14/07/1903.

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O soldado, sentindo-se ferido, sacou do revólver e correu em perseguição ao agressor,

disparando tiros. Foi quando 15 praças da infantaria, que se achavam estacionados no

largo, desembainharam os rifles e acometeram contra o povo inerme, espaldeirando-

o brutalmente. Nesse momento, apareceu um piquete de cavalaria, que deu uma carga

sobre o povo. Estabeleceu-se o pânico, correndo desordenadamente a multidão em

todas as direções. Os soldados, empunhando o sabre, espaldeiraram com uma fúria

indescritível o povo que enchia o largo. Famílias que haviam desembarcado naquele

momento não escaparam à fúria dos mantenedores da ordem. O povo corria em todas

as direções, perseguido pelas praças de cavalaria, que pisavam crianças, maltratavam

mulheres e desciam o chanfalho sem piedade, ferindo a torto e a direito [...]. Calcula-

se em 500 o número de pessoas feridas no espaldeiramento. Foram efetuadas pela

polícia mais de 30 prisões.21

Estes eventos marcavam o fim de uma greve de sete dias promovida pelos cocheiros,

mas que envolveu praticamente todos os trabalhadores em transporte na cidade. No dia 20, os

últimos paredistas voltavam à circular.22

Devemos, contudo, voltar às reuniões realizadas no n.º 41 da rua da Mooca. O cocheiro

conhecido pela alcunha de Juca Matinada era na verdade o espanhol David José Barcellos,

proprietário do carro de número 60.23 Ao promover as reuniões, Barcellos provavelmente

lançava mão de um conhecimento adquirido em suas experiências vividas na Sociedade

Beneficente União dos Cocheiros de São Paulo, de que era sócio desde ao menos 1899.24 Mas,

se a vivência de Barcellos na União dos Cocheiros foi relevante para a sua experiência em

organizar reuniões com seus companheiros, e também, obviamente, por fornecer uma rede que

interligava trabalhadores deste ofício, não se pode dizer que a própria associação tenha se

empenhado, ou mesmo participado de alguma forma, da greve, o que reforça a idéia de que

aquele período abrigou greves com certo teor de espontaneísmo.25

Apesar de ser uma associação de trabalhadores, tendo como objetivo a prestação de

auxílio aos sócios em caso de enfermidades, com socorro médico, farmácia e valor diário de

dois mil réis para assistência, e também “[...] concorrer por todos os meios lícitos para a união,

independência e elevação do nível moral da classe dos cocheiros”, a União dos Cocheiros,

colocava-se, pelo que indicavam seus estatutos, contra valores e aspirações professadas pelas

associações ligadas ao movimento operário. Essa condição podia ser vista na exigência, como

norma de admissão aos sócios proponentes, de “[...] não fazer parte de grupos, clubes,

agremiações ou associações socialistas – anarquistas, ou niilistas, nem adotar ou professar

21 O Commercio de São Paulo, 20/07/1903. 22 Idem, 21/07/1903. 23 Idem, 10/07/1903. 24 Estatutos da Sociedade Beneficente União dos Cocheiros de São Paulo (S. B. União dos Cocheiros), Sociedade Civil n.º 72, 1899. 25 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 182.

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doutrinas perturbadoras da ordem e organização social”, punindo com a expulsão os sócios “[...]

que se professem essas idéias ou outras dissolventes e perturbadoras da ordem e paz social”, e

ainda os que “[...] induzirem cocheiros a votar, nos comícios populares”.26

É possível que Barcellos tenha sofrido algum tipo de pena na associação, ou que tenha

sido expulso dos quadros da União dos Cocheiros. No entanto, isto não é algo que podemos

afirmar, por causa da pouca quantidade de informações disponíveis sobre este caso. O que

sabemos é que em maio de 1907 Barcellos reaparece como procurador e subscritor dos estatutos

da recém fundada Sociedade Cooperativa dos Cocheiros de São Paulo27, associação diferente

daquela primeira surgida anos antes.

Entre os diretores da Cooperativa dos Cocheiros, além de Barcellos, estavam Luigi

Caroni, presidente, Eugênio Barraqué, secretário, José Pires Gachielo, Tesoureiro, e os

conselheiros Dimitri Arturo, Angelo Cavaliere, Bergamini Fioravanti, Angelo Pimenta e Luiz

Pimenta. Ao que tudo indica, a sociedade era formada por sócios com uma condição material

um tanto melhor que a da maioria dos trabalhadores, pois eram proprietários de veículos, e

cobrava dez mil réis de taxa de admissão, e cinco mil réis de mensalidade.28

A exemplo da União dos Cocheiros, como de outras sociedades beneficentes, um dos

fins da Cooperativa dos Cocheiros era “[...] criar uma caixa de socorros mútuos”. Entretanto, a

associação não se limitava ao socorro, pretendendo igualmente “[...] proporcionar trabalho aos

associados mediante cooperação”, “[...] construir fundos para habitação dos associados, logo

que haja fundos para isso”, e, sobretudo, “[...] abrir estabelecimentos de gêneros alimentícios,

onde os associados possam se prover do necessário para a sua manutenção durante cada mês”.29

Poucos meses foram necessários para que este último anseio dos associados se concretizasse.

No início de setembro de 1907, a Sociedade Cooperativa dos Cocheiros de São Paulo

inaugurava o seu armazém no número 1 da rua da Mooca, “[...] perto da Cocheira Rodovalho”.30

A Sociedade Cooperativa dos Cocheiros inaugura hoje, 1 hora da tarde, o seu

armazém, sito à rua da Mooca.

Sendo como é, uma sociedade de auxílio mutuo e proteção entre os membros de sua

classe, bastante numerosa, é mais que certo seu progressivo desenvolvimento.

Gratos pelo convite que nos endereçaram.31

26 Estatutos da S. B. União dos Cocheiros, 1899. 27 Estatutos da Sociedade Cooperativa dos Cocheiros de São Paulo (Cooperativa dos Cocheiros). Sociedade Civil n.º 212, 1907. 28 Idem. 29 Idem. 30 Fanfulla, 05/09/1907. 31 O Commercio de São Paulo, 05/09/1907.

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Além de combinar auxílio mútuo e proteção entre os sócios, a sociedade assumia

também, como se vê, a função de cooperativa, explícita já desde o início em seu nome, o que a

colocava entre aquelas sociedades compostas largamente por socialistas, estes que buscavam

atuar em diversos níveis de organização, desde círculos políticos até sindicatos, mas

principalmente em associações de socorro mútuo e cooperativas de consumo e produção.32 O

cooperativismo era algo muito difundido entre socialistas, que, não raro, defendiam a idéia de

um “socialismo integral”, associando as cooperativas de consumo a greves e eleições.33

Voltando aos anos iniciais da primeira década dos 1900, é possível que, enquanto era

sócio da União dos Cocheiros, Barcellos fizesse parte, quando estourou a greve dos cocheiros,

da Lega di Resistenza tra Operai Lavoranti in Veicoli, fundada já em agosto de 1901. Apesar

do nome em italiano, as ligas de resistência, segundo afirma Biondi, não se limitavam a

trabalhadores italianos, o que reforça a possibilidade de o espanhol Barcellos compor seus

quadros sociais. Na verdade, como mostra Biondi, as ligas surgidas naquele período – com

exceção da dos tipógrafos – tinham nomes em língua italiana, muito porque o seu nascimento,

a partir de 1901, ocorreu por empenho dos socialistas que buscavam configurar nestas

sociedades “[...] uma estrutura comum, o quanto possível duradoura”, fato que pôs no

sindicalismo paulistano a marca do socialismo italiano.34

Um aspecto importante de uma liga de resistência daquele período era não se limitar à

construção de caixas para amparo durante as greves ou ao socorro mútuo. As ligas deviam

empenhar-se para criar uma cooperativa de produção e consumo e para chegar ao controle e à

formação profissional da força de trabalho35, exatamente os elementos que encontramos anos

mais tarde entre os objetivos da Sociedade Cooperativa dos Cocheiros, que Barcellos ajudou a

fundar, o que reforça ainda mais a possibilidade de o cocheiro participado da Lega.

As ligas de ofício constituíram um esforço dos trabalhadores em dar resposta às

necessidades de se dispor de sociedades que fossem além do socorro mútuo, em um momento

em que as condições de trabalho pioravam. No entanto, as ligas tiveram uma vida bastante

difícil, muito por causa da grave crise de desemprego do período, e só voltariam a se revitalizar

na segunda metade da década de 1900, devido principalmente ao movimento de crescente

sindicalização iniciado após a fundação da Fosp, em 1905.36

32 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 20. 33 TOLEDO, Edilene. Travessias Revolucionárias: idéias e militantes sindicalistas em São Paulo e na Itália (1890 – 1945). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004, p. 296. 34 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 174. 35 Idem, ibidem, p. 179. 36 Idem, ibidem, p. 180-181 e 224.

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A partir de abril de 1907, o número de sócios das ligas aumentou ainda mais37, e aquele

ano trouxe intensas lutas.38 Os operários paulistas declararam greve para a conquista da jornada

de 8 horas de trabalho, fechando grandes estabelecimentos e tomando o centro da cidade. As

greves não eram declaradas apenas por questões salariais e de jornada, mas também por

solidariedade contra as demissões. Naquele período, os trabalhadores em veículos eram um

exemplo a ser seguido por outros operários: organizados na Liga dos trabalhadores em

Veículos, haviam declarado greve por três vezes apenas naquele ano, todas elas vitoriosas. “A

luta pelas oito horas”, conforme conta Edilene Toledo, “[...] foi um movimento em cadeia”, e

foram os trabalhadores em veículos que transformaram o movimento em uma greve geral.39

Todavia, diferente das greves do período anterior, que tinham caráter quase

exclusivamente espontâneo, em 1907 convergiam ações espontâneas, com diversas categorias

aderindo à greve após os trabalhadores que já estavam paralisados conseguirem obter as oito

horas; e organizadas, principalmente em reuniões de ofícios diversos na Fosp, antes das

paralisações. Além disso, greve geral de 1907, como mostra Biondi, não era aquela de “tipo

clássico”. Os trabalhadores de diferentes ofícios não pararam ao mesmo tempo em uma única

grande mobilização. O que se via era “[...] uma situação fluida na qual, enquanto os

trabalhadores de algumas oficinas de certas categorias já recomeçavam o trabalho graças à

vitória (total ou parcial conseguida), os de outras categorias entravam em greve”.40

De toda forma, após os pedidos de fixação da jornada de trabalho em 8 horas e do

pagamento semanal por parte dos trabalhadores em fundição, operários de outros ofícios

fizeram as mesmas exigências. Em 8 de maio, mais de 2 mil trabalhadores de diversos ofícios

estavam paralisados.41 O sucesso se concentrou entre os trabalhadores das pequenas oficinas,

que conseguiram, em grande parte, a jornada de oito horas. Na Mooca, os trabalhadores das

grandes fábricas do setor têxtil estavam também em greve pela jornada de oito horas de

trabalho. Contudo, os operários de grandes estabelecimentos industriais encontraram maiores

dificuldades para obter resultados positivos. Os tecelões das fábricas Crespi, Penteado e

Matarazzo, por exemplo, não conseguiram as oito horas de jornada que almejavam. No caso do

Moinho Matarazzo, cerca de 200 trabalhadores foram demitidos.42

37 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 238. 38 TOLEDO, Edilene. Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário: trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República. São Paulo: Editora Fundação Perceu Abramo, 2004, p. 96. 39 Idem, ibidem, p. 21 e 91-92. 40 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 233 e 240 41 FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. Rio de Janeiro- São Paulo: Difel, 1977, p. 146. 42 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 241-250.

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Em 1908, inicia-se um período de crescente desemprego e repressão. As lutas,

entretanto, não cessam, e a tática continua sendo a da ação direta, com as associações ligadas à

Fosp impedindo a entrada em seus quadros de “[...] elementos não operários.43 No mês de maio

é realizado o Segundo Congresso Operário Paulista, cujas orientações são aquelas da ação

direta, ligando o grupo ao sindicalismo revolucionário.44 No relatório, o Congresso aconselhava

a continuidade das lutas, e que as ligas mantivesses “[...] entre seus associados sempre vivo o

espírito de rebeldia contra as arbitrariedades [...] não permitindo em ocasião alguma que o brio

dos operários livres seja pisoteado”, e a todos os operários aconselhava que fizessem “[...] uma

agitação contínua contra os frequentes desastres”, para que estejam preparados, nos casos em

que aconteçam acidentes nas fábricas, para protestar, “[...] preparando a consciência operária

para exigir que os patrões se considerem responsáveis de todo e qualquer acidente do trabalho”.

É interessante que nas reuniões do Segundo Congresso Operário de São Paulo estivesse

presente, através dos delegados Ulysses Barill e Giacomo Zucca, o Sindicato dos

Trabalhadores em Veículos (da cidade de São Paulo).45

No mês seguinte, em uma quinta-feira, 11 de junho de 1908, “[...] os srs. Rodovalho e

Horta, proprietários da ‘Empresa Rodovalho’, tiveram conhecimento de que os seus operários

da fábrica de carros, à rua da Mooca, se haviam declarado em greve”. A greve se dava, como

afirmaram na ocasião os trabalhadores, por causa do não atendimento dos pedidos que haviam

feito aos patrões de pagamento semanal dos ordenados. Com a fábrica paralisada, e os operários

em frente aos portões, alguns trabalhadores tentaram furar a greve e foram impedidos de entrar,

o que deu aos empresários pretexto para que recorressem à polícia, na figura do “[...] dr. João

Monteiro, 3º delegado interino, acompanhado de uma força”. A greve, no entanto, durou apenas

um dia, e terminou com a derrota dos trabalhadores. A reivindicação não foi atendida e, com a

polícia agora guardando os portões da fábrica, “[...] os operários cabeças da greve e que se

recusaram a trabalhar, foram pagos de seus ordenados e dispensados do serviço”.46

Os trabalhadores da Fábrica Crespi, em julho do mesmo ano, entravam novamente em

greve. Desta vez, lutavam para resistir à redução de 25% nos salários e ainda à piora das

condições de trabalho, impostos pela fábrica, esta que tentava, segundo contava o jornal

Avanti!, “[...] repristinar os tempos antigos”.47 Contudo, naquela greve, os trabalhadores já

43 TOLEDO, Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário, Op. Cit., p. 96. 44 HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 74. 45 Relatório da Associação no Segundo Congresso Operário Brasileiro (1908) apud HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 89 e 97. 46 Correio Paulistano, 12/06/1908. 47 Avanti!, 29/07/1908.

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sentiam os efeitos da carestia e do crescente desemprego, e a força repressiva de que lançavam

mão, através da polícia, os industriais. Os socialistas em torno do jornal Avanti!, percebendo

bem o momento de declínio pelo qual estava passando o movimento operário48, tentavam

animar os trabalhadores paralisados – “Sejam fortes e combatam os capitalistas e conquistarão

a liberdade e um futuro melhor” –, mas, sobretudo, alerta-los:

Esperamos que os operários não cedam nem à lisonja, nem à intimidação, para não se

arrependerem depois, como sempre acontece. [...] A teoria da santa paciência já foi

experimentada e sabe-se seu custo e quanto pode produzir. Juramentos que não se

aproveitam, que mostram a ganância dos proprietários, que pretendem apresentar hoje

a dureza de amanhã. Eles são como são uma besta que 'após a refeição tem mais fome

do que antes'. Se os operários da fábrica Crespi fizerem contente o seu patrão, como

gratidão ele vai em algum dia exigir novos sacrifícios deles.

O Avanti! revelava ainda o grau de desmobilização e divisão que ocorria naquele

momento no movimento operário, insistindo na necessidade de que os trabalhadores ficassem

“[...] firmes e unidos nessas atitudes que assustam os senhores industriais, os mesmos que,

entretanto, sempre precisam de braços proletários”.

Os operários que pensamos, são eles próprios cúmplices na exploração que os

proprietários têm sobre eles, em suas mulheres e seus filhos pequenos. A grande luta

por emancipação começou, mas cabe às mulheres não ficar no caminho. Elas podem,

da fábrica Crespi, como dos outros, se colocar ao lado dos homens, seriamente unidos

e calmos, e a vitória não se fará esperar.49

A vitória, contudo, não veio. O ano de 1908 marca um período em que o sindicalismo

organizado na cidade de São Paulo entrava em declínio.50 No fim daquele período, o sonho das

oito horas de trabalho parecia mais distante, quando o desemprego voltou a crescer fortemente

e a maior parte dos operários foi forçada a voltar às antigas jornadas.51 Muito por esses fatores,

o movimento sindical entrava em declínio.52 Não é de se estranhar, portanto, que as associações

na Mooca deste período, com exceção da Cooperativa dos Cocheiros, fossem todas

explicitamente recreativas, quadro que se alteraria apenas com a chegada da década seguinte.53

48 Ver HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 114. 49 Avanti!, 29/07/1908. 50 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 229-231. 51 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 272. 52 HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 114. 53 Em 1905: Sport Club Mocidade Mooca; S. R. Stella D’Italia. Em 1906: Stella D’Italia (ligada à Della Volpe); 1908: A. R. A. Mooca; Escola Mooca; C. Filodrammatico Tina di Lorenzo. 1909: C. R. FootBall; S. Ricreativa Giovanni Zanatello; C. R. Filodrammatico Matteo R. Imbriani. Ver também tabela 12, no capítulo 1.

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3.2. Momentos de incertezas, de resistências e de reconstruções.

O ano de 1910, trouxe consigo um período de grande crescimento econômico da cidade

de São Paulo. Mas, apesar de uma melhoria no mercado de trabalho, o que se via naquele

momento era um aumento do custo de vida. Algumas greves, ainda que bastante isoladas, foram

realizadas a partir de 1911, sobretudo entre os trabalhadores da construção.54 Em julho, por

falta de pagamento de salários, entravam em greve “[...] os trabalhadores empregados nos

trabalhos da construção do canal do Tamanduateí, no trecho que fica entre as ruas da Mooca e

Barão de Jaguará”. “Há quase três meses que esses operários não recebem o produto de seu

trabalho. Consta que os empreiteiros fugiram”.55

Em maio do ano seguinte, os sapateiros da Fábrica de Calçados Clark entraram em

greve por aumentos salariais, pela abolição do trabalho por peça e pela redução da jornada de

trabalho para 8 horas. Os operários das fábricas têxteis, sobretudo as da Mooca, entraram em

greve pelos mesmos motivos. Ainda que se espalhasse entre outros ofícios e fábricas, a greve

se concentrou sobre estes dois ofícios principalmente.

Boris Fausto, em importante estudo, afirma que “[...] a mobilização de 1912 tem origem

no agravamento das condições de existência, em um período de expansão econômica”.56 De

fato, naquele período, os elevados custos dificultavam ainda mais o viver dos trabalhadores,

que viam frente a isso um crescimento econômico pujante na cidade57, uma contradição que

poderia, como de fato ocorreu, gerar animosidade contra os empresários. Todavia, podemos

nos lembrar das lições de Thompson quanto aos riscos de se lançar sobre as mobilizações dos

trabalhadores uma certa visão “espasmódica”, tornando aquelas greves algo nada além de uma

reação aos estímulos econômicos. Devemos, ao contrário, observar naqueles trabalhadores as

suas reais motivações e seus valores consensuais.58 O empenho dos trabalhadores sobre a luta

pela jornada de 8 horas diárias de trabalho, por exemplo, não era um espasmo pela escassez

imposta pela conjuntura econômica, mas uma reivindicação antiga dos trabalhadores. Além

disso, ainda que não alcançassem a intensidade com que conseguiram atuar na década anterior,

aquele era um período de retomada da atividade sindical, sobretudo entre 1912 e 1913.59

54 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 284. 55 A Lanterna, 15/07/1911, ed. 95, p.4. 56 FAUSTO, Trabalho Urbano e Conflito Social, Op. Cit., p. 151. 57 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 272. 58 THOMPSON, “A economia moral da multidão Inglesa no século XVIII”, Op. Cit., p. 150-152. 59 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 284.

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Na Mooca, entretanto, as atividades políticas não se concentravam em um sindicato ou

liga, que não existiriam no bairro até ao menos 1915, quando a União Geral dos Trabalhadores

se instalaria no n.º 292-A da rua da Mooca.60 Excetuando-se as atividades do Centro Libertário

da Mooca, que atuou esporadicamente em 191461, entre 1909 e 1915 as associações da Mooca

eram, quase todas, recreativas. É certo que algumas delas, como veremos, mantinham em meio

às práticas recreativas atividades que indicavam valores da classe operária em formação – como

indica a própria existência de uma Banda Operária da Mooca. Todavia, o papel de abrigo

societário para socialistas, sindicalistas revolucionários e anarquistas coube ao Círculo de

Estudos Sociaes Francisco Ferrer, associação que, como veremos mais adiante de forma

detida, tinha por fim difundir entre os trabalhadores o estudo das questões sociais62, mas que

serviu em muitos momentos como espaço de reunião dos operários, principalmente quando

estes, em 1912, tentavam agrupar-se em sindicatos.

Uma das associações sindicais formadas após diversas reuniões realizadas em março de

1912 na sede do C. E. S. Francisco Ferrer foi a União dos Sapateiros63, de que era o secretário

geral Francisco Calvo, este que também estava à frente do Francisco Ferrer. Pouco tempo

depois, em meados de abril, a União dos Sapateiros contava com muitos trabalhadores filiados,

e mantinha sua sede na redação do jornal A Lanterna.64

Voltando à greve dos sapateiros realizada em maio de 1912, a partir da fábrica Clark

desencadeou-se a paralisação de cerca de 10 mil trabalhadores na cidade.65 O jornal Correio

Paulistano, em um tom alardeador, reclamava que a paralisação “[...] vai se generalizando de

maneira espantosa a muitos estabelecimentos industriais da capital”.

Atualmente acham-se em greve nada menos de 10.000 operários, pertencentes à

fábrica Clark, à fábrica de calçados Rocha, á uma oficina congênere da rua

Anhangabaú, à fábrica Nacional de Tecidos de Juta, à Fábrica Penteado, à Fábrica de

tecidos 'Mariangela', à de moveis Refinetti, à fábrica Mellilo e parte do pessoal da

fábrica de biscoitos Duchen.66

Alguns empresários, “[...] temendo a greve em seus estabelecimentos, caso triunfe a

pretensão dos operários da fábrica Clark”, antecipavam-se. Em meio aos protestos dos

operários, fechavam as próprias fábricas e oficinas. Outros, assumiram um compromisso com

60 Fanfulla, 11/12/1915. 61 Naquele ano, o encontramos em três edições do jornal A Lanterna: 07/02/1914, 19/07/1914 e 22/08/1914. 62 A Lanterna, 25/11/1911. 63 Fanfulla, 10/03/1912. 64 A Lanterna, 18/11/1911 e 25/05/1912. 65 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 285. 66 Correio Paulistano, 19/05/1912.

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o Centro Industrial de Fábricas de Calçados, levando suas fábricas a um lockout que, conforme

assegurava temerosamente o Correio Paulistano, provocava “[...] a adesão do operariado,

sendo possível que dentro de poucos dias estejam fechados quase todos os estabelecimentos

industriais da cidade”. As petições dos sapateiros da Clark foram expostas no mesmo jornal:

Oito horas de trabalho, 20 por cento na seção maquinaria; 30 por cento na seção de

pespontaderia; abolição de trabalho a contrato, na seção de corte e divisão em três

categorias, primeira, segunda e terceira, ganhando as de primeira 7$; as de segunda,

6$, e de terceira, 5$ por dia. As crianças que cortam calçado paulista, 4$ por dia.

Aumento de 30 por cento para os meninos que cortam aviamentos. Pedem para a seção

dos apontadores 300 réis por dúzia de pares em cada qualidade de calçado. Alegam

também que a Fábrica Clarck paga menos que as outras.

Os sapateiros empregados em oficinas, reunidos no Centro Operário da rua Marechal

Deodoro, decidiram “[...] não aceitar intermediários para a solução da crise”. Deliberaram

[...] não voltarem ao trabalho sem serem atendidas as condições pedidas pelos

empregados da Fábrica Clark; não receberem salario de dois e meios dias, a que têm

direito, para não incorrerem em pretextos de penalidades regulamentares.67

Os sapateiros começaram a retornar ao trabalho com vitória, após conseguirem aumento

salarial de 10% e a jornada de 8 horas e meia de trabalho.68 Segundo o próprio jornal Correio

Paulistano contou, os trabalhadores mantiveram “[...] uma atitude admiravelmente pacífica,

não se tendo registrado até hoje o menor incidente que desse causa à intervenção da polícia”.69

A polícia, por sua vez, “[...] trata de resolver a questão duma forma mais fácil, para ela:

prendendo os operários mais conscientes”.70

Além das lutas por salários e pela redução da jornada, um outro fator que muito

contribuiu para a expansão da greve daquele ano foi a prisão do sapateiro espanhol Francisco

Calvo, que como vimos era o secretário da União dos Sapateiros e empregado na fábrica Clark.

Comentava o jornal A Lanterna que “[...] a polícia, atribuindo a esse operário não sabemos que

serie de delitos horrorosos, destinou-o para vítima dos seus ataques de hidrofobia, nela tão

comuns por ocasião de todos os movimentos operários”.71

Às 10 horas da noite do dia 9 de maio, já em meio às greves, saindo da União dos

Sapateiros para retornar à sua casa, no n.º 154 da rua da Mooca, Calvo “[...] foi inopinadamente

agarrado no largo da sé por um desses tipos abjetos, excrecências do último estádio da

67 Correio Paulistano, 19/05/1912. 68 FAUSTO, Trabalho Urbano e Conflito Social, Op. Cit., p. 151. 69 Correio Paulistano, 19/05/1912. 70 A Lanterna, 18/05/1912. 71 Idem, 25/05/1912.

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degradação moral a que se dá o nome de espiões secretas”. Após sofrer duras agressões físicas

à base de socos e pontapés, o sapateiro foi levado à central de polícia, onde sofreria por semanas

os efeitos do isolamento e da fome. De lá, foi posto no posto policial da Consolação, onde ficou

“[...] sem receber o mínimo alimento e nem sequer uma caneca d’água”, “[...] obrigado a beber

a própria urina, por lhe ter sido negado um pouco d’água, apesar dos seus insistentes pedidos”.72

Quando a greve já atingia a sua metade, Calvo estava ainda preso, sem que dele tivessem

notícias por quase duas semanas os outros trabalhadores. Diversos habeas-corpus foram

impetrados pelo dr. Passos Cunha, advogado que que assumiu o caso, mas todos foram negados.

Os sapateiros, ainda em greve, organizados no Centro Operário, formaram uma comissão para

negociar a soltura de Calvo com o secretário de Justiça e Segurança Pública Sampaio Vidal,

tendo a moção negada sob a alegação de que Calvo estava livre73, o que não se comprovou.

Segundo relatou o jornal A Lanterna, do posto da Consolação Calvo foi levado de volta

à Central e, de lá, isolado durante doze dias em local desconhecido, ao mesmo tempo em que

os poderes públicos afirmavam, frente as diversas mobilizações, que já o haviam liberado. “Pela

meia noite de quarta-feira, 22, assistiu Calvo à mesma cena que já descrevemos: apagaram-se

todas as luzes e os soldados encapuçados foram busca-lo à solitária”. Os policiais, segundo o

mesmo jornal, puseram Calvo em uma “auto-ambulância” e o deixaram, encapuzado, após

agredi-lo a pontapés e socos, na várzea de Santo Amaro.74

O caso de Francisco Calvo comoveu os trabalhadores de tal forma que, além dos

sapateiros de São Paulo, muitos outros grupos solidarizaram-se com o operário. A União dos

Sapateiros recebeu diversas cartas em apoio ao trabalhador. Vindas do Rio de Janeiro,

mensagens da Federação Operária do Rio de Janeiro, do Sindicato dos Sapateiros e do Partido

Socialista daquela cidade, mostravam a sua solidariedade e protestavam contra a ação da

polícia. A Sociedade de Resistencia dos Trabalhadores em Trapiches e Café, também do Rio

de Janeiro, realizou solenemente uma reunião de repúdio ao ocorrido, que notificaram à União

dos Sapateiros e ao jornal A Lanterna. Cartas de diversos trabalhadores em apoio à greve, a

Calvo e à União dos Sapateiros chegavam de várias partes do interior do Estado e da capital.75

Na semana seguinte, o apoio das associações continuou: do Rio de Janeiro, a Sociedade

Protetora dos Vendedores Ambulantes “[...] em enérgicas palavras estigmatiza essa brutalidade

policial”. Mais tarde, “[...] com bastante atraso”, chegava do Pará uma carta de protesto dos

72 A Lanterna, 25/11/1911 e 25/05/1912. 73 Idem, 17/05/1912 e 19/05/1912. 74 Idem, 25/05/1912. 75 Idem, 09/06/1912.

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trabalhadores de Belém, organizados no Centro Sindicalista das Classes Trabalhadoras do

Pará, em que afirmavam à polícia paulista: “Podeis estar certos, ó cães de fila, que a mancha

negra que atirastes à face do operariado brasileiro jamais será olvidada. Nós, cá de bem longe,

também somos solidários com os operários daí [...]”. Do Mato Grosso chegavam também cartas

de apoio e, de mais longe, desde Oakland, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, os

operários K. Hamilton e H. Bowldres enviaram uma mensagem de protesto favorável à Calvo.76

As associações de trabalhadores espanhóis, não ligadas diretamente ao movimento

operário, solidarizaram-se com Calvo contra as injustiças que se abateram sobre um

“compatriota”.77 Os jornais da comunidade espanhola, como o La Tribuna Española e La Voz

de España protestavam contra o “[...] selvagerismo da polícia jesuítica paulista”.78 Por fim, a

Sociedad Beneficencia Española, que após assembléia concordou em protestar “[...]

energicamente contra aquelas autoridades policiais desta capital, que tão arbitrária e

infamantemente procederam contra o compatriota sr. Francisco Calvo”, organizou uma lista de

subscrição para ajudar nos gastos com as ações jurídicas79, o que revela que, como no caso dos

italianos, para os imigrantes espanhóis identidades de classe e nacionais e étnicas se

misturavam, sobretudo nesse período de aumento dos fluxos da imigração de espanhóis tanto a

partir da Espanha quanto vindos do interior paulista.80

Ainda em meados de 1912, constituía-se a Liga Popular Contra a Carestia de Vida,

cujo objetivo era o de conscientizar e reunir os trabalhadores contra a “escassez”, a “miséria” e

as “privações” da “[...] atualmente desesperadora vida do pobre”. Compunham a liga diversos

grupos políticos, como o Sindicato Operário de Ofícios Vários, o Sindicato dos Pedreiros, o

Sindicatos dos Estucadores e Serventes, a União Gráfica, a União dos Canteiros, o Grupo

Libertário Germinal, o Círculo de Estudos Sociaes Francisco Ferrer (este da Mooca) e o

Círculo de Estudos Sociaes Conquista do Porvir.81

Os comícios da Liga Popular tinham lugar principalmente nos bairros operários. As

primeiras reuniões foram realizadas “[...] uma no Cinema S. João, sito à rua da Mooca, 436, e

o outro na Lapa, no Salão Leone, à rua Trindade, 27”. “Nesses comícios falarão diversos

76 A Lanterna, 15/06/1912, 17/08/1912 e 19/10/1912. 77 Diario Espanõl, 10/06/1912. 78 A Lanterna, 15/06/1912. 79 Diario Espanõl, 18/06/1912 e 10/06/1912. 80 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 289. 81 A Lanterna, 15/06/1912 e 19/04/1913.

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membros da Liga e outros oradores. Todos se devem esforçar para que essas reuniões sejam o

mais concorridas [sic] possível”. No dia 15 de junho, outras reuniões estavam marcadas:

Hoje, ás 7 horas da noite, terá lugar um comício no Salão Leone do bairro da Lapa.

Na Mooca haverá um outro comício amanhã, domingo, ás 9 horas da manhã, no

Cinema S. João, sito à rua da Mooca, 436. Na Bexiga também haverá um comício ás

9 horas da manhã, na rua S. Domingos, 25.82

Apesar de novas reuniões serem anunciadas ainda para aquele mês de junho,

possivelmente por causa da repressão instaurada após a greve dos sapateiros, a Liga só

retomaria as atividades por volta de abril de 1913, quando se filiou à Confederação Operária

Brasileira. As reuniões em locais fechados, naquele ano, deram lugar a comícios em praça

pública, que tinham origem nos bairros operários e dirigiam-se ao centro da cidade.

A liga Popular Contra a Carestia da Vida, atendendo ao apelo da Confederação

Operária Brasileira, realizará um grandioso comício, no dia 20 do corrente, no Largo

S. Francisco. Nesse mesmo dia serão realizados comícios no Belenzinho, Pari, Mooca,

Brás, Bom Retiro, Bexiga e Cambuci, devendo o povo desses arrabaldes vir

incorporado para o lardo de S. Francisco.83

Os trabalhadores da Mooca, especificamente, reuniram-se “[...] às 3 horas no

cruzamento das ruas da Mooca e João Antônio de Oliveira”, para ir ao largo da Concórdia, para

seguir então ao Largo de São Francisco.84

Em 1913, entretanto, apesar dos esforços da Liga, os trabalhadores entravam em uma

fase de desorganização que, aliada a uma situação de crescente desemprego, faria com que o

movimento sindical reentrasse em um período de apatia, muito devido à crise econômica e à

desestruturação do mercado de trabalho, enfraquecendo as ligas de ofício e os sindicatos, que

dependiam largamente da contribuição regular, normalmente mensal, dos operários.85

3.3. A retomada das associações políticas da Mooca.

Entre 1914 e 1916 apareceram na Mooca 6 associações com características mais

políticas. A Sociedade Beneficente Operária de São Paulo surgiu no início de 1914, com sede

social à rua da Mooca, 294. Logo em seguida, muda o seu nome para Sociedade Internacional

82 A Lanterna, 09/06/2912. 83 Idem, 05/04/1913. 84 Idem, 19/04/1913. 85 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 284-305.

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Beneficente de São Paulo. Em sua diretoria estavam Mario Graco Pinheiro Lima, possivelmente

português, e Papaterra Limongi, italiano.86 Contudo, o fato de a sociedade ter sido divulgada

através de um jornal da comunidade imigrada espanhola, o Diario Español, indica que além de

portugueses e italianos, compunham a associação também os espanhóis, o que pode ter refletido

na mudança do nome, incluindo a marca do internacionalismo. De toda forma, aquela era, como

o nome indica, uma sociedade beneficente que, a exemplo de outras associações, necessitava

da formação de um caixa para atingir seus fins, o que, em uma época de crise econômica e de

desemprego, como foi 191487, podia oferecer sérios obstáculos à sua formação.

Ao que tudo indica, a sociedade conseguiu angariar alguns sócios. Mas, já em março,

apresentava dificuldades na aprovação dos estatutos:

A Diretoria desta Sociedade convida a todos os seus associados à Assembléia Geral

que se efetuará no dia 8 do corrente, às 14 e meia horas, na sua sede social, rua da

Mooca, n. 294, principal, para discutir a seguinte ordem do dia:

Leitura dos Estatutos e a aprovação dos mesmos.

A importância do assunto que há de ser objeto de discussão será entendida facilmente

por todos os senhores sócios, por cujo motivo devem comparecer pontualmente à

assembléia: É urgente que tão simpática e útil Sociedade comece a funcionar

regularmente, o que, sem haver aprovado os Estatutos, se faz impossível.88

É possível observar na nota divulgada que a sociedade estava encontrando dificuldades

em seu funcionamento. Quando ocorreu este chamado aos sócios, já passava quase um mês

desde que a Sociedade Internacional Beneficente noticiava a sua primeira reunião em que se

discutiriam os estatutos. Os sócios, porém, continuaram sem comparecer, ao menos em número

suficiente para a aprovação dos estatutos, às reuniões. Dois meses depois, em 21 de maio do

mesmo ano, a diretoria fez uma nova, e última, chamada para que se discutissem e aprovassem,

ainda, os estatutos.89 Todavia, tudo indica, não surtiu efeito, e a associação não apareceu mais

em meio às notícias dos jornais, fazendo-nos acreditar que deixou de funcionar.

Naquele período, anarquistas, socialistas e sindicalistas revolucionários tiveram de se

empenhar mais fortemente, e com muitas dificuldades, na reorganização dos trabalhadores.90 O

recém fundado G. D. I. Libertário, que se tornaria mais tarde o Centro Libertário da Mooca91,

distribuiu em fevereiro um boletim anunciando que faria uma conferência em sua sede, na

86 Diario Español, 13/02/1914 e 14/02/1914. 87 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 284. 88 Diario Español, 06/03/1914. 89 Idem, 13/02/1914 e 19/05/1914. 90 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 294. 91 Correio Paulistano, 07/10/1917.

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Mooca. Diante do grande número de pessoas, segundo contou A Lanterna, “[...] a conferência

se transformou em um comício, que se realizou em praça pública”.

Tratando da grande crise de trabalho e da carestia da vida que tornaram desesperadora

as condições da população trabalhadora, falaram os companheiros Antonio Nalepinsk,

Florentino de Carvalho e José Romero, que estudaram essa situação sob o ponto de

vista do ideal libertário, do qual fizeram uma larga exposição. [...] foi muito

satisfatória a impressão causada na numerosa assistência, que, com aclamações e

aplausos, demonstrou a sua aprovação às ideias expostas pelos companheiros que

falaram.92

Contudo, as dificuldades de organização se mostravam bastante grandes. O G. D. I.

Libertário, apesar do aparente sucesso desta reunião, só conseguiria reunir-se novamente cinco

meses depois, em julho, e não sem percalços. Desta vez, a quantidade de trabalhadores que

apareceu para acompanhar os oradores na sede da Mooca foi muito reduzida, o que fez com

que os seus promotores se pusessem na rua, mais precisamente na Caetano Pinto, onde

provavelmente ficava a sua sede, para falar aos trabalhadores.

Improvisada a tribuna em uma cadeira, a ela subiram e falaram os companheiros

Antonio Nalepinski, Virgillio Fidalgo, Francisco Calvo e José Romero, patenteando

todas as miseras condições do povo trabalhador em contraste com a opulência ociosa

dos argentários parasitas que nada produzem e tudo gozam, e demonstrando a

necessidade do povo se preocupar diretamente da sua sorte, preparando-se,

organizando-se fortemente para conseguir a sua emancipação com o estabelecimento

de um novo regime social no qual o bem-estar e a liberdade sejam patrimônio comum

e não, como hoje, privilegio de uma minoria opressora.93

A questão das condições de vida dos trabalhadores frente à opulência dos empresários

não era objeto apenas dos discursos dos libertários. O início da Primeira Guerra, em julho de

1914, fez com que socialistas e anarquistas se unissem em torno da crítica ao flagelo,

denunciando o apoio de setores da colônia italiana em São Paulo e depois dos empresários

italianos da cidade que enriqueciam com o conflito.94 Em agosto de 1914, o G. D. I. Libertário

compunha o Comitê Proletário de Defesa Popular, contra “os males da guerra”, junto com

diversos outros grupos como a União dos Chapeleiros, o Centro Socialista Internacional, o

Centro Libertário de S. Paulo, a Sezione del Partito Reppublicano Italiano, o Círculo de

Estudos Sociaes da Bela Vista, o Grupo Libertário da Lapa, o Grupo Libertário da Mooca,

além dos jornais Avanti!, A Rebelião, Volksfreund, La Propaganda Libertária e A Lanterna.95

92 A Lanterna, 07/02/1914. 93 Idem, 18/07/1914. 94 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 302-303. 95 A Lanterna, 22/08/1914.

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Como se percebe, os grupos refletiam as diversas correntes do movimento operário: ali

estavam representados os anarquistas, os socialistas, os sindicalistas revolucionários e os

republicanos. Além disso, nessa fase, como se vê pela nomenclatura dos mesmos grupos,

reuniam-se trabalhadores de diferentes nacionalidades, criando um movimento mais

internacionalista, abrangendo os grupos de trabalhadores imigrantes de diferentes países que

habitavam os bairros populares.

Quando o ano de 1915 chegou, os esforços de reorganização dos trabalhadores de

anarquistas e socialistas se intensificavam. Desde cedo, esses grupos sentiram a necessidade de

difusão cultural para a organização dos operários, sensibilizando e possibilitando uma tomada

de consciência frente às condições em que viviam. Entre os anarquistas, a necessidade de

difusão cultural fez com que efetivamente muitos grupos se dedicassem à instrução96, baseada

sobretudo nas idéias do pedagogo espanhol Francisco Ferrer y Guardia, combatendo ainda o

predomínio da religião no campo pedagógico.97

O Centro Feminino Jovens Idealistas, fundado em 29 de junho de 1913, surgiu com o

objetivo de “[...] tratar por todos os meios da propaganda em favor da emancipação da mulher,

isto é, tirá-la da escravidão em que hoje se encontra e colocá-la no lugar que lhe corresponde

na sociedade”. Com esse propósito, “[...] tratará de organizar as classes trabalhadoras em que

haja mulheres e levar a seu seio a luz benéfica da Verdade”. Contudo, o Centro Feminino não

teve vida fácil. As dificuldades financeiras em manter uma associação ficavam evidentes neste

caso: “[...] como, porém, esta associação não conta com recursos para começar a luta que se

impôs sustentar, resolveu-se fazer uma rifa apelando nós para a boa vontade dos camaradas

afim de conseguirmos o que desejamos”.98

Foi apenas em julho de 1915, quando já ocupava o n.º 292-A da rua da Mooca, onde

funcionavam ao mesmo tempo outros grupos escolares libertários, que o grupo conseguiu dar

vida a “[...] uma escola dominical, gratuita, para as operárias”.

Desejando o Centro Feminino Jovens Idealistas desenvolver uma ativa propaganda de

instrução e emancipação entre o elemento feminino desta cidade, resolveu dar início

a aulas dominicais gratuitas, de instrução primaria, para mulheres e meninas, e fundar

uma pequena biblioteca que contribua para dar maior impulso à obra da escola e do

próprio Centro.

96 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 239. 97 BIONDI, Luigi. La Stampa Anarchica Italiana in Brasile:1904-1915. Tese di Laurea di Storia Contemporanea. Università degli Studi di Roma “La Sapienza”. Roma, 1995, p. 106. 98 A Lanterna, 05/07/1913.

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153

A escola seria mantida pela “[...] boa vontade de todos os companheiros que sabemos

se interessam verdadeiramente pela grande obra de emancipação e regeneração humana”. Maria

Antônia Soares, que assinava pelo Centro Feminino na qualidade de secretária, pedia ainda que

companheiros e todos os grupos ajudassem no desenvolvimento da escola,

[...] enviando os livros, folhetos e jornais que lhes for possível. No dia 13 começam a

funcionar as aulas dominicais, cujo horário é das 13 às 15 horas. As matriculas para

as mesmas podem ser feitas todos os dias das 14 às 16 horas.99

No mesmo endereço, janeiro de 1915, surge a Universidade Popular de Cultura

Racionalista, que tinha entre os professores Saturnino Barbosa e Maria Antonia Soares,

secretária do Centro Feminino.100 Em julho daquele ano, funcionava também naquele endereço,

na rua da Mooca, n.º 292-A, a Escola Nova, que era dirigida por Florentino de Carvalho, e

aparece em uma lista “escolas livres” de cunho libertário divulgada pelo jornal A Lanterna.101

É interessante notar ainda que a Escola Nova, uma escola para as crianças operárias102,

parece ser um desmembramento tanto da escola dominical do Centro Feminino Jovens

Idealistas, destinado às operárias, quanto da Universidade Racionalista, que promovia aulas

para operários adultos, compondo assim, no mesmo endereço, um tipo de complexo educativo

de matriz anarquista, que abarcava toda a família, esta que era uma elemento importante para

os anarquistas, entendida não como base da moral e da propriedade privada, mas como um

ambiente privilegiado da educação libertária.103

Além dos fins culturais e educativos, o que chama a atenção é a evidente ligação dessas

sociedades com o pensamento libertário, o meio de associações em que, como nota Batalha, era

mais comum a prática de partilhar endereços.104

Antes de prosseguirmos, seria útil observarmos brevemente o diretor da escola, que

pode nos revelar alguns segredos. Florentino de Carvalho, nasceu na Espanha, em Oviedo, em

1889, e aos 10 anos imigrou para São Paulo com seus pais e irmãos. Foi já na cidade de São

Paulo que se entusiasmou como as idéias anarquistas, deixando, com isso, seu posto de cabo da

polícia. Após frequentes perseguições sofridas, partiu para a Argentina, de onde foi expulso em

1910, e, em 1912, foi expulso do Brasil, para onde retornou pouco depois de forma ilegal.105

99 A Lanterna, 10/07/1915. 100 Fanfulla, 29/01/1915 e 10/04/1915. 101 A Lanterna, 10/07/1915. 102 Fanfulla, 11/09/1915. 103 CABRAL, Teatro Anarquista, Futebol e Propaganda, Op. Cit., p. 61. 104 BATALHA, “A geografia associativa”, Op. Cit., p. 262. 105 ARENA, Dagoberto B. “Escolas Anarco-sindicalistas no Brasil: alguns princípios, métodos e organização curricular". História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 22, p. 87-108, Maio/Ago 2007, p. 97.

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De volta à São Paulo, atuou ativamente no G. D. I. Libertário106, da Mooca, e, no ano seguinte,

passou a dar aulas e dirigir a Escola Nova.

Anos mais tarde, ao ser preso após as greves de 1917, Florentino de Carvalho foi

qualificado pelo delegado Thyrso Martins como um “[...] decidido e extremado propagandista

anárquico”, que conseguiu retornar ao Brasil adotando um nome falso

[...] para iludir a vigilância policial. Em S. Paulo, intitulando-se professor de

anarquismo, pregava francamente a dissolução da ordem atual das cousas pelos

processos mais violentos. É do seu arquivo o boletim sobre a epígrafe SORTEIO

MILITAR, que a este junto. Seus discursos visavam, preferentemente, as classes

militares, que ele considerava fontes dos mais torpes vícios. Ao ser preso ultimamente,

deu o seu verdadeiro nome Primitivo R. Suarez.107

Primitivo Raymundo Soares, o verdadeiro nome de Florentino de Carvalho, diretor da

Escola Nova, provavelmente guardava algum parentesco com Maria Antonia Soares, secretária

do C. F. Jovens Idealistas com o qual a Escola Nova dividia a sede. Assim, além da identidade

estabelecida pelas características de cunho político e pelo tipo de atividade das associações,

pode-se sugerir também que os componentes das sociedades pudessem se valer de redes

familiares não apenas para difundir as suas posições políticas, mas também para manter a

existência de associações. As atividades destas associações não se interligavam apenas nas

práticas educativas e no compartilhamento do endereço, mas também nas questões mais gerais

do movimento operário. Em abril de 1915, o Comitê de Defesa Popular Contra a Guerra deu

espaço à Comissão Internacionalista Contra a Guerra, que reunia “[...] as entidades do

elemento avançado”. Entre eles, aquelas escolas com sede no número 292-A da rua da Mooca,

além de outros grupos anarquistas e socialistas, “[...] que são os seguintes”:

Centro Socialista Internacional, Centro Libertário, Deutschen Graphschen Verban-ies

für Brasilien, Associação Universidade Popular de Cultura Racionalista, Allgemeine

Arbeiterverein, Círculo de Estudos Sociaes Francisco Ferrer, Grupo Anarquista Os

sem Pátria da Lapa, União dos Canteiros, Federação Hespanhola, Grupo Feminino

Jovens Idealistas, e os periódicos Avanti!, La Propaganda Libertaria, A Lanterna,

Volskfreund.

A Comissão Internacionalista realizou pelos bairros populares diversos comícios que

entendiam ser “[...] reuniões parciais”, preparatórias para o ápice: o grande comício que teria

lugar no dia Primeiro de Maio, no largo da Sé. Entre os bairros de trabalhadores pelos quais

passaram estavam a Vila Mariana, a Água Branca e o Brás.

106 A Lanterna, 07/02/1914. 107 Correio Paulistano, 07/10/1917.

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Sempre perante boa concorrência, falaram nessas assembleias antiguerreiras os

companheiros Edgard Leuenroth, Vittorio Buttis, José Romero, Francisco Calvo,

Florentino Alvarez, dr. Passos Cunha, Ambrosio Chiodi e um companheiro alemão

cujo nome não nos vem à mente.108

Como se nota pelas associações e pelos trabalhadores presentes, esse era um movimento

que reunia socialistas e anarquistas. Em conjunto, as duas correntes, também os republicanos

italianos, se empenharam na superação da apatia e na reconstrução dos sindicatos.109 Em

dezembro de 1915, a União dos Sapateiros esboçava um reavivamento de suas atividades,

realizando reuniões para “[...] aproveitar a oportunidade de reivindicar o direito de classe”, e

mantendo, não por acaso, a sua sede provisória no número 292-A da rua da Mooca.110

Também desses esforços vinha se solidificando, já desde dezembro de 1914, a União

Geral dos Trabalhadores, que realizou a primeira reunião de propaganda na sede do Círculo

Republicano Italiano, no Bom Retiro, e em seguida no bairro da Mooca, bairros em que

conseguiram “[...] muitas adesões à U. G. dos T.”.111

A U. G. T. serviu a uma tentativa de agrupar elementos dispersos do movimento

operário.112 Conforme informavam os redatores do jornal A Lanterna, ela deveria substituir no

fortalecimento da atividade sindical as ligas de resistência dos trabalhadores, que tiveram seu

funcionamento interrompido no período anterior.113 Em dezembro de 1915, a U. G. T. se

instalou no endereço pertencente às escolas libertárias, n.º 292-A da rua da Mooca, onde

realizou reuniões “[...] com o intuito de tomar importantes decisões relativas à organização

operária e à campanha de reivindicações que já começou”.114

Em janeiro de 1916, a U. G. T já havia promovido “[...] várias reuniões de propaganda

e de organização, entre elas a dos trabalhadores em fábricas de tecidos, que teve lugar no

domingo passado, com regular ocorrência”.115 O empenho logo rendeu frutos, e a U. G. T.

conseguia se fortalecer. Dois meses depois, mantinha uma sede própria na rua Visconde de

Parnaíba, n.º 125, local que mais próximo da região central da cidade.116

Em 1917 a U. G. T. se fortaleceu ainda mais, e lançou as “bases de acordo” que

possibilitariam o surgimento das ligas operárias de bairro, superando as divisões por ofícios e

108 A Lanterna, 01/05/1915. 109 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 293. 110 Fanfulla, 11/12/1915. 111 A Lanterna, 19/12/1914. 112 LOPREATO, O espírito da revolta, Op. Cit., p. 100. 113 A Lanterna, 29/01/1916. 114 Fanfulla, 11/12/1915. 115 A Lanterna, 29/01/1916. 116 Fanfulla, 23/03/1916.

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reunindo trabalhadores sem distinção de sexo ou função, indicações que tanto refletiam o fato

de que os operários ligados ao grupo eram em grande maioria residentes da Mooca e do

Belenzinho quanto respondia a uma necessidade de dinamizar a organização de diferentes

grupos de trabalhadores.117

3.4. A Liga Operária da Mooca na Greve Geral de 1917.

A Liga Operária da Mooca foi fundada em maio de 1917 e, já no fim daquele mês,

somava cerca de 400 filiados, em maioria mulheres trabalhadoras do Cotonifício Crespi. O seu

surgimento ocorreu a partir dos esforços em torno do reavivamento do movimento sindical

desde períodos anteriores, que se tornaram mais robustos em 1917, sobretudo após o mês de

maio, quando socialistas, republicanos e anarquistas estavam juntos organizando comícios nos

bairros operários e, depois, uma grande passeata pelo centro da cidade, um movimento que

revelava que o processo de reorganização das ligas de caráter sindical já estava em curso.118

Não por acaso, portanto, o endereço da Liga Operária da Mooca era o n.º 292-A da rua da

Mooca119, o mesmo onde antes estavam as escolas libertárias e, em 1916, a U. G. T.

Os trabalhadores do setor têxtil da Crespi, na Mooca, em 9 de junho de 1917, entraram

em greve após terem os pedidos de aumento salarial e de redução da jornada de trabalho

negados pela diretoria da fábrica.120 As tensões vividas naqueles dias se tornavam mais patentes

nas fábricas têxteis, sobretudo a Crespi, que era então o maior estabelecimento do tipo na

cidade. Desde o início de 1917, diversas greves vinham ocorrendo nessas fábricas, com algumas

vitórias dos operários.121 Todavia, deve-se lembrar, aquele não foi um movimento que explodiu

apenas em resposta à terrível situação econômica em que viviam os trabalhadores, mas a partir

dos esforços de organização, um papel que a Liga Operária da Mooca desempenhou e que foi

fundamental para o início da Greve de 1917.

Antes que a greve no Cotonifício Crespi fosse declarada, havia dentro da fábrica uma

forte repressão, com gerentes e contramestres denunciando a larga participação dos operários

do estabelecimento nas reuniões noturnas da Liga Operária da Mooca, chegando a listar cerca

de 50 trabalhadores que considerados sindicalistas e entregando a lista à polícia. Os mesmos

117 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 337-338. 118 Idem, ibidem, p. 336-337. 119 O Combate, 24/08/1918. 120 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 233. 121 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 274.

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supervisores alertavam aos patrões sobre as conversas dos trabalhadores, em que percebiam

uma premeditação para uma greve de maiores proporções.122

Enquanto isso, na Liga Operária da Mooca diversas reuniões eram realizadas e, como

resultado, foi definido que os trabalhadores entrariam em greve e que os pedidos se

concentrariam sobre o aumento salarial e a abolição das contribuições pró-guerra. O número de

operários que aderiram à greve na Crespi correspondia ao número de filiados à Liga naquele

momento, 400, de um total de cerca de 1.500 empregados, o que denota esforço organizativo

por parte do grupo naquele movimento. A Liga Operária da Mooca se transformava em ponto

de referência, coordenando as negociações entre diretores e grevistas. No dia 23,

aproximadamente 110 trabalhadores do setor de lã enviaram um pedido à direção da fábrica

para o fim do patrulhamento externo, uma força conjunta entre fábrica e força pública agindo

em nome do estabelecimento. A fábrica, contudo, negou, e em resposta às agitações que

ocorriam ainda dentro de seus diversos setores decretou o lockout da seção. Em 29 de junho, os

trabalhadores que ainda não haviam aderido à greve tiveram seu pedido de aumento salarial

recusado. A partir daquele momento a fábrica estaria completamente paralisada.123

A presença da Liga Operária da Mooca, baseada não em ofício, mas em uma agregação

territorial, como ensina Biondi, se tornaria mais evidente ao servir de ponto de convergência

para trabalhadores de diferentes categorias. As fábricas de móveis, em grande parte situadas na

rua Piratininga, entre o Brás e a Mooca, que empregavam em média 50 operários cada, foram

paralisadas, conseguindo de forma relativamente rápida os 20% de aumento salarial. Quando

os marceneiros voltavam ao trabalho, os trabalhadores da fábrica Antártica entravam em greve.

Nesta fábrica, a dinâmica da Liga Operária da Mooca e a sua capacidade de atuar

territorialmente seria posta à prova, pois, diferente de outras fábricas, empregava trabalhadores

de diversos ofícios, como marceneiros, vidreiros, mecânicos, pintores e cervejeiros, uma

diversificação que exigiria várias organizações por ofício e por setor industrial. Porém, em

bloco, mais de 800 operários da Antártica dirigiram-se à rua da Mooca, n.º 292-A, para tomarem

lugar como filiados. Na sede da Liga da Mooca, decidiram formar uma comissão de 40

delegados da fábrica, representando todas as seções em greve. Até aquele momento, a greve

estava localizada na Mooca, principalmente nas duas mais importantes fábricas do bairro, com

exceção de uma breve paralisação dos 1600 trabalhadores da Fábrica de Tecidos Ipiranga, que

logo conseguiram o aumento salarial. Contudo, a tensão entre policiais e grevistas,

122 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 324. 123 Idem, ibidem, p. 339-340.

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materializada nas duras repressões dos primeiros sobre os últimos, se espalharia pela cidade,

tornando-a, nas palavras de Biondi, “[...] quase ingovernável”.124

Não vamos nos aprofundar na história da Greve Geral de 1917, que já foi tema de

estudos bastante importantes. Contudo, é importante percebemos os efeitos que se

manifestaram após os eventos. Terminada a greve, o aparato repressivo mobilizado por

industriais e pelo poder público se intensificou. Uma das principais ações do governo do Estado,

em uma reação à derrota, ao medo e à humilhação que sofreu na greve, e à intensificação das

atividades sindicais, foi aumentar em mil o número de soldados da Força Pública, adquirir

novos equipamentos, aumentar os salários dos soldados e tomar medidas para infiltrar

“secretas” e provocadores nas fábricas. Contudo, talvez o que tenha se mostrado mais eficaz foi

a massiva campanha lançada na imprensa e no congresso contra a ameaça “[...] dos subversivos

estrangeiros e seus planos nefastos”. Já no mês de setembro, o governo do Estado rasgou os

acordos de julho, derrubando várias garantias, e passou a operar extensivamente de forma a

desmantelar o movimento operário através de espancamentos e detenções, do fechamento de

várias organizações e, principalmente, da expulsão de líderes operários estrangeiros do país.125

O relatório apresentado pelo delegado geral Thyrso Martins ao Secretário de justiça em

outubro de 1917, respondendo ao pedido do Supremo Tribunal de apresentar informações sobre

os grevistas presos, e que na verdade tinha a intenção de subsidiar a negativa do Tribunal sobre

o pedido de habeas-corpus impetrado pelo advogado que representava aqueles operários

presos, Evaristo de Moraes, revelava que muitos líderes do movimento já haviam sido expulsos.

Entre os representados por Evaristo de Moraes estavam José Fernandes, Francisco Peralta,

Evaristo Ferreira de Sousa, Florentino de Carvalho, Antonio Lopes, Marcial Mejias, Antonio

Nalepinsk, José Bastone e do negociante Antonio Candeias Duarte.

Thyrso Martins, o delegado geral, iniciava o relatório afirmando que “[...] os impetrantes

de nomes Francisco Peralta, Marcial Mejias, José Bastone, Antonio Candeias Duarte e Evaristo

Ferreira de Sousa não se acham presos”. Os outros, no entanto, continuava o delegado, já

haviam sido “[...] embarcados para o estrangeiro a bordo do vapor nacional 'Curvelo’, em

obediência ao ato do sr. Ministro de Estado da Justiça e Negócios do Interior, que os expulsou

do território nacional à requisição do governo deste Estado”.

Sobre estes, Martins elaborou um longo relatório “[...] remontando nos factos ocorridos

neste Estado, desde maio último até esta data”, afim de “[...] relembrar os acontecimentos a que

124 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 341-342. 125 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 278.

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se filiam as providencias tomadas por v. exe. e mercê das quais pôde ser restabelecida a ordem

pública, seriamente perturbada”. Nos escritos, o delegado expõe a sua visão sobre a greve geral,

afirmando o movimento começou de forma justa, mas logo se “[...] desvirtuou a ponto de

degenerar em graves perturbações da ordem pública, com aspectos alarmantes de uma

verdadeira revolução”.126 O texto tentava justificar a ação da polícia, ressaltando que, frente à

generalização, levada a cabo por “[...] paredistas, trabalhados já por um grupo de anarquistas

impenitentes e libertários incendidos”,

[...] a polícia, por sua vez, cumpriu rigorosamente, o seu dever [...] de um lado

garantindo aos grevistas a sua liberdade de reunião, de outro lado garantindo a

propriedade dos industriais e assegurando aos operários, que não aderiram à greve, o

seu direito de trabalhar.

Quanto à atuação das ligas e outras associações, Martins revelava o pensamento das

camadas mais abastadas da sociedade sobre as comissões de trabalhadores.

As comissões de operários, recebidas delicadamente por v. exe., não precisavam

nunca, com segurança, as suas pretensões. Era uma série interminável de audiências

que resultavam praticamente inúteis, porque, a cada pretensão satisfeita, sucedia uma

nova pretensão.... Os industriais [...] mostravam-se dispostos a ceder e, quando a

população, que assistia inquieta a esses movimentos, esperava que a crise se

solucionasse naturalmente eis que os operários tomam inopinadamente uma atitude

de franca hostilidade, rebelando-se até em face do poder constituído.

O delegado continuou, no relatório, a tentar imprimir sobre o movimento um caráter de

total desordem e de desunião geral entre os trabalhadores, chegando mesmo a afirmar que a

morte do sapateiro José Martinez foi obra dos próprios operários que, ao tentarem reagir contra

a presença do subdelegado Pamphilo Marmo, teriam disparado tiros de revólver e, em

consequência disso, “[...] José Martinez, anarquista declarado e militante, foi casualmente

ferido por seus próprios companheiros. Um dia ou dois após falecia”. Todo aquele predomínio

do “espírito subversivo”, continuava o delegado, era uma anomalia causada por “[...] um grupo

de estrangeiros, rebotalho das mais baixas camadas sociais europeias, refratários ao

cumprimento de seus deveres primordiais de patriotismo”.

[...] enquanto seus compatriotas expunham a vida nas frentes de batalha, aqui se

deixavam ficar na exploração rendosa da ignorância das grandes massas operarias

atraindo-as para as associações anárquicas, disfarçadas de ligas de resistência e

instituições de classes. Nessas associações, típicos ajuntamentos ilícitos e sediciosos,

eram pregadas as idéias mais dissolventes.127

126 Correio Paulistano, 07/10/1917. 127 Idem, 07/10/1917.

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Seguindo a grande campanha feita pelos poderes públicos na imprensa para justificar a

expulsão de estrangeiros residentes no Brasil há mais de dois anos, o que impediria em situação

normal essa ação128, Thyrso Martins tentava construir a imagem de desordeiros perigosos sobre

cada um dos deportados. De Antonio Nalepinski, sapateiro polonês nascido na Varsóvia,

morador da Mooca, dizia que era “[...] um dos mais perigosos anarquistas que têm vindo ao

Brasil”, pois era “[...] dotado de surpreendente loquacidade, facilmente conseguia dominar as

grandes massas operarias”. Antonio Lopez, espanhol e operário tecelão, impressionava pela

“[...] violência de sua linguagem” e era “[...] parte saliente do Centro Libertário da Mooca”.

Também do C. L. da Mooca fazia parte o espanhol José Fernandez, que à época da greve estava

desempregado, sobrevivendo de pequenas vendas que conseguia fazer como ambulante.

Fernandez, sempre segundo o delegado, “[...] era exaltado e nas reuniões secretas propunha

sempre o emprego da dinamite”. Por fim, taxou Florentino de Carvalho, ou Raymundo

Primitivo Soares, como um “[...] decidido e extremado propagandista anárquico”, que “[...]

pregava francamente a dissolução da ordem atual das cousas pelos processos mais violentos”.129

A onda repressiva lançada em setembro de 1917, que empregava diversas iniciativas

para investir contra o movimento operário, aliou-se ao estado de sítio decretado com a entrada

do Brasil na Primeira Guerra Mundial. A partir de então, o cenário que se formava serviria para

impedir ações de uma maior envergadura por parte do movimento operário durante um período

de quase dois anos.130

3.5. Refazendo as ligas de ofício.

Mesmo diante do agravamento e da sistematização da repressão, a greve geral serviu de

ponto de ruptura entre um período marcado pela desorganização das associações sindicais e

outro em que as ligas e sindicatos passaram a se reavivar de maneira mais sólida, agindo de

forma consistente entre os trabalhadores paulistanos.131 A greve renovou as esperanças e as

vitórias alcançadas criaram um entusiasmo que fez com que as ligas de ofício fossem recriadas

em diversos bairros, como Lapa, Água Branca, Bom Retiro, Ipiranga, Cambuci, Brás,

Belenzinho e Mooca.132 Apenas na Mooca, entre 1917 e 1919, foram fundadas ao menos três

128 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 278. 129 Correio Paulistano, 07/10/1917. 130 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 279. 131 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 315. 132 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 278.

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associações de tipo sindical e por ofício: a Liga dos Operários de Tecelagem da Mooca

(1917)133, a Associação dos Operários em Fábricas de Tecidos da Mooca (1918)134 e a União

dos Operários em Fábricas de Doces e Anexos (1919), associação esta que tinha sede à rua

Borges de Figueiredo, n.º 37.135

A Liga dos Operários de Tecelagem da Mooca é mencionada pela primeira vez no

Anuário Estatístico do Estado de São Paulo referente ao ano de 1917136, porém sem informações

sobre a data exata de sua fundação. Na verdade, a Liga é apenas arrolada em uma listagem de

associações. De toda forma, em agosto de 1917 a Liga já realizava as primeiras reuniões no n.º

292-A da rua da Mooca137, local que, como vimos, abrigou as escolas libertárias, a U. G. T. e a

Liga Operária da Mooca, esta que possivelmente veio a se tornar, após a importante

participação na greve, a Liga dos Operários de Tecelagem do bairro.

Até o fim do ano de 1917, a Liga realizou reuniões e festas em sua sede. Em novembro,

houve uma festa com orquestra e teatro, para a qual pediam-se contribuições para a

quermesse.138 Em dezembro, foi convocada uma “[...] reunião dos seus associados para tratar

de assumptos de interesse próprio”. A relativa regularidade dos trabalhos da Liga, no entanto,

teria fim ainda naquele mês de dezembro. Na mesma nota convocatória para a reunião,

informava-se que “[...] A Liga Operaria da Mooca foi, há dias, mais uma vez varejada pela

polícia, tendo sido presos nessa ocasião três operários que ali se encontravam”. Segundo apurou

o jornal O Combate, a motivação da invasão e das prisões foi a convocatória por parte da Liga

dos Operários para a reunião de sócios de dezembro. O mesmo jornal, com bastante precisão

sobre o momento que viviam, declarou:

Ora, se à Liga é permitido conservar as suas portas abertas, obvio se torna que as suas

reuniões não poderão ser impedidas. O absurdo de lhe reconhecer existência legal e

vedar-lhe ao mesmo tempo o direito de efetuar as suas assembléias, não pode nem

deve prevalecer. O contrário disto só servirá para indispor a classe operaria contra

quem assim a afronta, obstando à relação dos desejos do sr. Presidente da República

de se intensificar o mais possível a produção nacional.139

O que se mostrava era a repressão colocada em curso desde o fim da greve que, como

vimos, se fazia através de um arsenal de táticas utilizadas pela polícia para desmantelar a

133 Annuario Estatistico..., 1917. v.1, t.1, 1919. p. 356-357; 380-381. 134 Estatutos da Associação dos Operários em Fábricas de Tecidos da Mooca (A. O. F. Tecidos da Mooca). Sociedade Civil n.º 594, 1918. 135 O Combate, 26/08/1919. 136 Annuario Estatistico..., 1917. v.1, t.1, 1919. p. 356-357; 380-381. 137 O Combate, 18/08/1917. 138 Fanfulla, 04/11/1917. 139 O Combate, 07/12/1917.

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atividade sindical, desde ações puramente violentas até a infiltração de agentes em fábricas e

nas próprias associações.140

Em 1918, Liga dos Operários de Tecelagem da Mooca ainda existia, apesar dos

evidentes percalços. O endereço, contudo, após a invasão da polícia, havia mudado. Estava

situada no n.º 13 da rua da Mooca (mesmo endereço de uma associação esportiva, como

veremos mais adiante), onde realizou, em agosto, uma de suas últimas reuniões.141 Em

setembro, uma dupla de trabalhadores têxteis enviou ao jornal O Combate uma carta relatando

os sérios problemas que a Liga vinha enfrentando. Assinando o texto como “Dois operários

conscientes”, tentavam preservar a sua identidade ao denunciar as tentativas feitas “[...] para

pulverizar esta organização obreira da Mooca”. De um lado, “[...] há fundadas suspeitas de que

os agentes dessa empresa agem por conta dos industriais e da polícia”, de outro, “[...] o

indivíduo que tem em seu poder todos os livros e valores sociais nega-se sistematicamente a

restituí-los seja a que for, dizendo que a Liga não existe mais”. Os “Dois operários conscientes”

continuavam a carta declarando, ainda sobre o portador dos livros e do caixa social, que

D'aqui se depreende que, para o seu modo de ver, a Liga era ele só... Os restantes

membros, quando muito, seriam apenas seus servos... Pois bem, os proletários da

Moca que lhe agradeçam esse conceito. Por nossa parte somente acentuaremos que o

referido 'cavalheiro' é dos tais que taxa de bandidos e ladrões os militantes

anarquistas...142

A partir daquele mês, de fato, a Liga não conseguiria se manter em funcionamento. Não

apenas por causa da repressão como também das divisões internas que sofria. Em janeiro de

1919 esboçou-se uma tentativa de retomar a Liga dos Operários de Tecelagem da Mooca.

Segundo nos informam, os operários tecelões da Mooca vão congregar-se de novo

para a defesa dos seus direitos, reorganizando brevemente o seu baluarte associativo,

que a má vontade duns, a inconsciência doutros e o comodismo de todo em má hora

deixou que se pulverizasse [...]. É por isso que os tecelões da Mooca, unificando agora

os seus esforços para um fim humano, evidenciam que estão enfim capacitados de que

a 'união faz a força'.

Oxalá, pois, que desta feita não desanimem.143

A Liga dos Operários de Tecelagem da Mooca, todavia, não teve sucesso em sua

reorganização, muito devido à intensa repressão, mas possivelmente também por causa do

surgimento da Associação dos Operários em Fábricas de Tecidos da Mooca144, esta que

140 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 278. 141 O Combate, 24/08/1918. 142 Idem, 25/09/1918. 143 Idem, 01/01/1919. 144 Estatutos da A. O. F. Tecidos da Mooca, 1918.

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aglutinou os operários que deixaram a primeira145 e que se tornou em 1919 a sucursal da União

dos Operários em Fábricas de Tecidos, cujos objetivos eram a conquista de melhorias e a defesa

dos trabalhadores, a ser alcançado “pela União consciente e solidária de seus associados”.146

Quando a Associação dos Operários em Fábricas de Tecidos da Mooca foi fundada, em

março de 1918, estavam à frente de sua direção o secretário Bernardo Marques, Amadeu Rejane

Mendes, João de Oliveira, Alfredo Lima e Eduardo A. Leitão.147 A escolha de uma comissão

representada por secretários em lugar de cargos mais elaborados, como presidente, vice-

presidente, fiscais, etc., indicava, já de início, o caráter sindical da associação.148 Esse caráter

era ainda bastante evidenciado entre os seus objetivos:

a) “intervir, como legitimo órgão dos associados, em todas as questões que se

suscitarem entre esses e patrões, defendendo e zelando pelos direitos e interesses dos

primeiros”;

b) promover por meios tendentes a despertar entre os operários de qualquer classe os

sentimentos de solidariedade, evitando dissensões oriundas de questões de

nacionalidade, de raça, políticas ou religiosas, a respeito das quais não permitirá

discussões em seu seio;

c) promover a instrução e a educação moral dos associados;

d) amparar os sócios que se acharem desempregados, facultando meios de se

recolocarem;

e) verificar se o trabalho dos associados é nas fábricas feito em condições de higiene

que lhes garanta a saúde, intervindo para que se realize o que assim não se faça.149

O caráter sindical da associação era reforçado ainda pela intenção de se filiar à

Federação Operária de São Paulo – [...] mas conservará a sua autonomia” – expressa nos

estatutos. Um importante objetivo da associação era reforçado pela intenção de promover o

despertar e os sentimentos de solidariedade entre os trabalhadores “de qualquer classe”,

intenção esta que se materializaria em seus atos e reuniões, em que era “[...] obrigatório o uso

de língua nacional”, mas também na promoção da educação moral e instrução dos sócios.150

Ao voltarmos à lista de objetivos, no entanto, notamos que ali havia práticas comuns

nas associações mutualistas e beneficentes, como o amparo em caso de desemprego, indicando

se tratar de um grupo de trabalhadores mais qualificados, que podiam obter um salário um

pouco maior que os demais empregados. Além disso, o próprio termo “associação” estava

145 O Combate, 24/05/1918. 146 Estatutos da União dos Operários em Fábricas de Tecidos (U. O. F. Tecidos), Sociedade Civil n.º 648, 1919. 147 Estatutos da A. O. F. Tecidos da Mooca, 1918. 148 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 100. 149 Estatutos da U. O. F. Tecidos, 1919. 150 Estatutos da A. O. F. Tecidos da Mooca, 1918.

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comumente ligado a sociedades de beneficência ou socorro, tipo mais comum aos trabalhadores

com salários capazes de manter-se em dia com as mensalidades.151

As reuniões da Associação dos Operários ocorriam semanalmente, “[...] prosseguindo

na sua tarefa de organização de todos os operários da mesma indústria”. A sociedade parecia

fortalecer-se gradualmente e “[...] pelo entusiasmo que se nota entre os seus componentes é de

presumir que dentro em pouco as suas condições materiais tenham melhorado”. Segundo

contava o jornal O Combate, o número de associados crescia a cada semana, e a associação

logo ficaria mais robusta. Ainda em 1918, em junho, uma grande reunião foi realizada entre os

associados na recém ocupada sede social, na rua João Antonio de Oliveira, n.º 93.152

Em 1919, estava à frente da associação o tecelão italiano Antonio Fabelli. Naquele ano

ocorreu, uma última vez, uma grande paralisação iniciada na fábrica Mariângela, de

propriedade da Matarazzo, após a demissão de um operário, que foi considerada injusta pelos

companheiros, que entraram em greve pela sua readmissão. Logo, trabalhadores de diversos

bairros e de variados ofícios estavam em greve. As reivindicações eram, a exemplo de 1917,

por aumento de salário e pela obtenção da jornada de oito horas.153 A Associação dos Operários

em Fábricas de Tecidos da Mooca se esforçava em constituir comissões de operários das

fábricas têxteis, e, mais tarde, tomou a frente das negociações entre os trabalhadores e os

proprietários da fábrica Labor, requerendo ainda maiores salários.154

A repressão ao movimento em 1919, contudo, tomou proporções muito maiores do que

se via em 1917. A polícia e a sua cavalaria dispersavam comícios com grande violência e ainda

com mais brutalidade atacava as sedes de associações e fazia prisões. A Federação Operária

convocou, em outubro de 1919, uma greve geral contra os abusos e a violência da polícia, mas

o movimento teve pouca adesão e acabou por fracassar. Entre 1917 e 1919, empresários e

Estado modernizaram e diversificaram o seu aparato repressivo. Estes eventos marcavam o

início do refluxo em que o movimento operário entraria e se manteria durante praticamente toda

a década seguinte.155

151 Ver BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., 2011. 152 O Combate, 06/05/1918 e 01/06/1918. 153 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 279. 154 O Combate, 29/09/1919. 155 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 280-281.

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CAPÍTULO 4 - OS CRUZAMENTOS ENTRE A POLÍTICA E O LAZER.

4.1. O Primeiro de Maio.

De todas as datas celebradas pelas associações de trabalhadores, a mais importante era,

sem sombra de dúvida, o Primeiro de Maio, cujo traço principal era o de demonstrar a força do

operariado através da simultaneidade do evento.1 Assim, a data deveria ter as comemorações

realizadas ao mesmo tempo em todas as cidades e em todos os países, funcionando como “[...]

elemento unificador da reivindicação operária”, principalmente em torno da luta pela redução

da jornada de trabalho.2 Era um momento de difusão e propaganda dos valores e ideais políticos

defendidos pelas diversas correntes do movimento operário através de panfletos, jornais e

cartazes.

Na Europa, no limiar dos anos de 1890, através desses veículos, os trabalhadores

tentavam cristalizar a data e difundiam a idéia de que as fábricas deviam fechar “[...] para fazer

do Primeiro de Maio um dia realmente desocupado”, no qual se misturariam prazer e política,

transformando-se na ocasião onde se combinariam uma “[...] festa em família e manifestação

política”.3 Era, ainda, “[...] o desfile anual das cores do exército operário”, isto é, uma

declaração simbólica do poder dos operários organizados, a afirmação da classe operária através

da “[...] apresentação pública e regular de uma classe em si”, que invadia o espaço da cidade.4

Em São Paulo, as comemorações em torno do Primeiro de Maio surgiram do esforço

conjunto de anarquistas e socialistas, que em 1894 se reuniram no Centro Socialista

Internacional para organizar a celebração. Logo, os eventos comemorativos da data se tornaram

“[...] de tipo organizativo e conflituoso”, mantendo os aspectos da organização e da difusão de

valores através de propaganda, com panfletos, manifestos, cartazes e jornais, como os mais

importantes.5

Os rituais ligados às comemorações do Primeiro de Maio eram geralmente muito

elaborados e estavam associados a bandeiras, marchas, cerimoniais, confraternização e

1 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 105. 2 PERROT, Michelle. Os Excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 130. 3 Idem, ibidem, p. 142 e152. 4 HOBSBAWM, Eric J. “A transformação dos rituais do operariado”. In: HOBSBAWM, Mundos do Trabalho, Op. Cit., p. 111 5 FRANZINA, Emilio. “Festas Proletárias, Imigração Italiana e Movimento Operário” In: CARNEIRO, História do Trabalho e História das migrações, Op. Cit., p. 211.

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concentrações em locais específicos.6 Contudo as comemorações podiam algumas vezes

evidenciar o distanciamento entre as diversas correntes do movimento operário. Anarquistas e

sindicalistas, sustentando que aquele era um dia de luta, frequentemente acusavam os socialistas

de quererem torná-lo um mero dia de festa.7 Em 1906, durante o Primeiro Congresso Operário,

cuja composição indicava claramente a influência do sindicalismo revolucionário, que

endossava a idéia da ação direta e da formação de sindicatos, atacando, ainda, os partidos e a

participação política eleitoral, os comissários que estavam presentes deliberaram que, frente às

péssimas condições dos trabalhadores, “[...] portanto, não se pode realizar uma ‘festa do

trabalho’, mas sim um protesto de oprimidos e explorados”. O texto ainda dirigia fortes críticas

às práticas interclassistas e às intervenções do Estado – que havia declarado a data como feriado

–, alertando para a necessidade de se realizar no dia “[...] propaganda das reivindicações e

afirmar o 1º de Maio”, contra as tentativas de apropriação da data pelos poderes públicos e pelos

industriais.8

Em 1913, durante o Segundo Congresso Operário, reforçou-se a necessidade de se

comemorar o Primeiro de Maio “[...] de maneira digna”, “[...] não com festas e manifestações

engrossativas [sic] a quem quer que seja, mas com o seu verdadeiro caráter de protesto contra

o regime de opressão patronal a que está subjugado”.9

Tais orientações faziam parte também do escopo de muitos libertários. Os editores do

jornal A Lanterna, em 1916, criticavam fortemente a atuação dos socialistas durante o Primeiro

de Maio daquele ano.

Convocada pela União Geral dos Trabalhadores, realizou-se, num salão central, uma

reunião, dos representantes de todas as agremiações e periódicos avançados.

Pretendia-se realizar como já fora feito, uma manifestação em comum. Assim podia

ser, porquanto se tratava de uma comemoração de índole genérica. Os socialistas

assim, porém, não entenderam. Um pretexto qualquer serviu para os seus

representantes tirarem o corpo fora... Era de esperar. Quando se trata de encaminhar

as coisas para os nobres, os heróicos, os belos prélios... caça-votos o contato dos

anarquistas é comprometedor...

Os socialistas estavam, como se divulgou no mesmo jornal, em uma festa “[...] numa

sociedade italiana de socorros mútuos da Barra Funda, rotulada de operaria, mas que não passa

de um centro de patriatardos, muitos amigos dos cavalieri”.10 Tratava-se, tudo indica, da Unione

6 HOBSBAWM, “O Debate Sobre a Aristocracia Operária”, Op. Cit., p. 107 7 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 107. 8 Relatório do Primeiro Congresso Operário, apud HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 41 e 47. 9 HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 218. 10 A Lanterna, 02/09/1916.

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Operaia di Mutuo Soccorso di Barra Funda, que existiu entre 1905 e 1944, e era composta

apenas de italianos. Contudo, os socialistas, em São Paulo na grande maioria italianos,

utilizavam-se de uma estratégia que buscava abarcar todas as formas associativas da

comunidade italiana, o que significava também o esforço para conquistar a direção do maior

número de sociedades italianas, tanto de mútuo socorro quanto recreativas, o que pode explicar

a ampla presença de socialistas naquela associação da Barra Funda.11

Apesar disso, o evento ocorreu e as ações comemorativas daquele ano foram antecedidas

pela distribuição de manifestos impressos e de uma série de comícios realizados nos bairros

populares, cujo mote era o da “[...] propaganda sobre a questão social”. Como revelou o mesmo

jornal, no dia 1 de maio, no início das atividades que eram acompanhadas por grande número

de pessoas, “[...] o tempo, porém, aliou-se à canalha dominante, despejando uma forte carga

d'agua justamente à hora da realização do comício”.12

As diferentes comemorações, como notou Batalha, recorriam geralmente ao mesmo

arsenal simbólico e aos mesmo rituais, em reuniões de operários e de suas famílias,

[...] a alegoria feminina da liberdade, o barrete frígio, o globo terrestre, o nascer do

sol, as duas mãos em cumprimento, figuravam tanto nos estandartes de associações

operárias como nas páginas da imprensa operária dedicadas ao 1º de Maio, ao lado da

bandeira vermelha dos socialistas e da bandeira negra dos anarquistas.13

Tais semelhanças ajudavam a tornar a data em algo capaz de atenuar as divisões

ideológicas dentro do movimento operário, assim como os contrastes étnicos e o racismo.14 A

universalidade do Primeiro de Maio era derivada não apenas do seu caráter internacional, mas

também por não se limitar às associações de ofício ou sindicatos, compreendendo na verdade

toda a classe operária.15

O Primeiro de Maio de 1912 “foi uma Jornada de larga e fecunda propaganda que, tudo

faz esperar, trará resultados práticos e duradouros para o movimento operário deste Estado”.

As comemorações tiveram início na noite de 30 de abril, com uma festa de propaganda em que

“foi representada com agrado a peça em um ato Don Pietro Caruso e uma farsa em um ato”,

seguidas por uma conferência de Edgard Leuenroth, que discursou “[...] sobre a agitação contra

a carestia da vida e convidou os assistentes a tomar parte na comemoração de 1º de Maio”.

Naquela noite, como se vê, combinavam-se o prazer da festa com o engajamento político. É

11 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 59, 80 e 165. 12 A Lanterna, 02/09/1916. 13 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 107. 14 FRANZINA, “Festas Proletárias, Imigração Italiana e Movimento Operário”, Op. Cit., p. 219. 15 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 105.

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interessante notar que o discurso de Leuenroth sobre a agitação contra a carestia de vida é

seguido diretamente pelo convite ao comparecimento ao Primeiro de Maio, atrelando a data

diretamente à luta. Segundo continuava a contar na mesma edição o jornal A Lanterna, os

esforços surtiram efeito, e “a paralização do trabalho nesse dia foi muito maior do que em anos

passados, notando-se por toda a cidade grande movimento de operários”.

Às 8 horas da manhã partiu o operariado do bairro da Mooca, precedido das bandeiras

do C. de E. S. Francisco Ferrer e do C. S. Internacional e de uma banda de música,

para o largo da Concordia, onde teve lugar o comício promovido por essas

agremiações. Como era de esperar num bairro essencialmente operário como o Braz,

este meeting teve uma concorrência enorme, que aplaudiu com entusiasmo os diversos

oradores que ali falaram.16

Diversos elementos rituais aparecem aqui: a concentração de trabalhadores, que

provavelmente se formou em frente à sede do C. E. S. Francisco Ferrer no número 132 da rua

da Mooca17, as bandeiras desta associação e do Centro Socialista Internacional, até a presença

da banda musical. O fato de duas associações do movimento operário de matrizes políticas

diferentes, uma mais ligada ao sindicalismo revolucionário, como veremos, e outra socialista,

se concentrarem e partirem juntas reforça a universalidade do evento.18

Do C. E. S. Francisco Ferrer, era um dos organizadores Angelo Scala.19 O Centro

Socialista Internacional, mencionado na notícia, tinha se extinguido dois anos antes e, nesse

período, a Lega della Democrazia “[...] era o único grupo político no qual se encontravam os

socialistas italianos de São Paulo”. Contudo, era sócio da Lega o italiano Giovanni Scala, que

até 1910 era associado ao Círculo Socialista Internacional.20 Dessa forma, é possível que

Giovanni Scala e outros socialistas tenham utilizado o nome do Círculo Socialista como meio

de aglutinação de trabalhadores do bairro da Mooca, ou ainda para fazer representar os

socialistas no comício e na coluna do Brás.

É interessante notar o fato de que Angelo e Giovanni Scala eram irmãos21, e ambos

militaram pela construção de um movimento socialista entre 1906 e 1910, porém afastando-se

das atividades sindicais quando o movimento perdeu força.22 De qualquer forma, percebe-se

que uma rede familiar também podia ser bastante prática em meio ao movimento operário.

16 A Lanterna, 06/05/1912. 17 Idem, 24/02/1912. 18 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 105. 19 A Lanterna, 02/09/1911. 20 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 292. 21 TOLEDO, Edilene. “Imigração, Sindicalismo Revolucionário e Fascismo na Trajetória do Militante Italiano Edmondo Rossoni”. Cad. AEL, v. 15, n. 27, 2009. p. 135. 22 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 292.

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As bandas de música, como nota Francisco F. Hardman, eram elemento indispensável

aos eventos do movimento operário, tomando a frente do préstito, ao mesmo tempo anunciando

e alinhando os trabalhadores que a seguiam.23 Ao tomar o largo da Concórdia, encontrando-se

com outros trabalhadores e possivelmente e atraindo mais gente, os operários se impunham e

tomavam o espaço social da cidade24 não apenas para reafirmar a sua presença, mas também

utilizando abertamente o largo para propagar através dos comícios os seus valores.

Voltando a acompanhar os relatos do jornal A Lanterna quanto às comemorações do

Primeiro de Maio daquele ano, simultaneamente aos comícios que ocorreram no Brás, um

grande número de pessoas avolumava-se no salão Celso Garcia, de propriedade da Associação

Auxiliadora das Classes Laboriosas e localizado na região central da cidade, mais precisamente

na rua do Carmo, n.º 39. Com a chegada dos sócios da União dos Canteiros, que “[...] vieram

incorporados, percorrendo o triangulo central precedidos de uma bandeira e de uma banda de

música”, “[...] falou um operário da sacada do salão convidando o povo a entrar”, tendo início,

às nove e meia da manhã, uma “grande reunião”, em que “[...] falaram muitos oradores em

nome das sociedades representadas, das quais nos escapam agora os nomes”. Às onze horas da

manhã, todos os presentes voltaram a atenção para a rua, tentando olhar de dentro do salão, das

sacadas ou descendo as escadas e chegando à calçada: “Era a coluna do Braz que acabava de

chegar”, com o “[...] Hino dos Trabalhadores cantado na rua por centenas de vozes”. O jornal

A Lanterna tentou registrar a emoção que tomou conta daqueles trabalhadores: “impossível

seria descrever o entusiasmo desse momento em que os vivas confundiam-se com as notas

empolgantes do hino rebelde”.

Depois disso, “o vasto salão da rua do Carmo apresentava nessa ocasião um aspecto

imponente”, e muitos dos presentes tiveram de se acomodar nos corredores, ficando outros

tantos do lado de fora. No local, as atenções voltavam-se para as palestras realizadas por

diversos oradores que versavam sobre a realidade do cotidiano operário. Depois a palavra foi

passada a “[...] duas operárias, que levaram àquela reunião o brado de protesto das suas

companheiras de sofrimento”.

Todos os operários que usaram da palavra foram concordes em atribuir ao 1º de Maio

o seu caráter de protesto e de reivindicação. Foram todos unanimes também em

constatar a necessidade da união da classe operaria em associações destinadas a

defender os seus direitos econômicos e morais.

23 HARDMAN, Francisco F. “Lyra da Lapa: acorde imperfeito menor”. In: HARDMAN, Nem pátria, nem patrão, Op. Cit., p. 369. 24 HOBSBAWM, “O Debate Sobre a Aristocracia Operária”, Op. Cit., p. 111

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Ao meio dia, Edgard Leuenroth retomou a palavra em nome da União dos Canteiros

encerrando o comício. Em meio àquelas palavras finais, “esse companheiro aproveitou então a

ocasião para se ocupar da agitação contra a carestia da vida, convidando o povo a tomar nela

parte ativa, pois é ao povo que cabe a defesa dos seus interesses”.

Terminado o evento no salão, os organizadores convidaram os presentes a “[...] tomar

parte no comício das 7 e 1/2 da noite do largo de S. Francisco”. Era hora de, novamente, ganhar

a cidade, “[...] e, cantando em coro a ‘internacional’, o povo saiu para a rua, formando-se em

uma compacta coluna, que percorreu o triangulo central e dissolveu-se na rua da Consolação”.

O comício aguardado para aquela noite foi prejudicado pela forte chuva que caía continuamente

desde o começo da tarde. Mesmo assim, trabalhadores dos diversos bairros foram até o largo

de São Francisco, “apesar da chuva torrencial com que o Padre Eterno protestava contra a nossa

heresia [...]”. “Falaram alguns operários, seguindo depois a comissão dos pedreiros com a sua

bandeira pelo centro da cidade”, finalizando o longo dia de comemoração e propaganda.

Os resultados simbólicos daquele dia talvez sejam difíceis de calcular. Contudo, como

resultados práticos, uma moção proposta por Edgard Leuenroth foi aprovada com grande

entusiasmo. Naquele dia, os trabalhadores

[...] decididos mais do que nunca a prosseguir na luta para a reivindicação dos seus

direitos de dia para dia em crescente menosprezo por parte dos dominadores da

sociedade capitalista e, conscientes do valor da solidariedade nessa mesma luta,

afirmaram o seu decidido proposito de iniciar com a reunião de hoje um ativo e

constante trabalho de organização dos sindicatos das diversas categorias de operários

de S. Paulo, sem o que os seus esforços se tornarão nulos pela falta de uma ação

conjunta das inúmeras energias dispersas.25

Os discursos sobre a necessidade da luta em meio aos rituais reforçavam a importância

tanto simbólica quanto prática da data, tornando as comemorações de Primeiro de Maio um

importante momento para a organização dos operários.26 De fato, o esforço em organizar

sindicatos se seguiu em muitos bairros de trabalhadores, principalmente no Bixiga e na Mooca.

O C. E. S. Francisco Ferrer cedeu a sua sede, e os seus associados se engajaram por diversas

vezes, para reuniões pela constituição de sociedades de resistência de pedreiros, alfaiates e

sapateiros.27

As comemorações do Primeiro de Maio de 1913 foram realizadas às nove horas da

manhã, novamente no salão Celso Garcia, promovida também pela União dos Canteiros, com

25 A Lanterna, 06/05/1912. 26 FRANZINA, “Festas Proletárias, Imigração Italiana e Movimento Operário”, Op. Cit., p. 211. 27 A Lanterna, 16/03/1912.

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bandeira e banda musical. Depois, à tarde, os trabalhadores da Mooca possivelmente foram em

grande número para o salão Alhambra, na rua Marechal Deodoro, onde o C. E. S. Francisco

Ferrer realizou um comício, onde falaram “[...] vários companheiros”. “Convocados estes

comícios e demonstrando qual é o caráter do 1º de maio, foram distribuídos dois bons boletins,

um da União dos Canteiros e outro dos sindicatos de acordo com o C. de E. S. F. Ferrer”.28

A união entre as diversas correntes do movimento operário podia ser vista novamente

no Primeiro de Maio de 1914, dia escolhido para o relançamento do jornal socialista Avanti!,

fato que foi comemorado na Praça da Sé com a presença de socialistas e libertários.29

Em 1915, as comemorações da importante data foram combinadas com uma grande

manifestação da qual participaram anarquistas e socialistas, unidos não só pela conquista de

direitos, mas também contra a guerra.

A comemoração do 1º de Maio serviu este ano para dar mais uma prova de que os

trabalhadores do Brasil vão tomando lugar nas fileiras imensas e agitadas do

proletariado internacional na luta pela conquista de seus direitos [...]. Correram

regularmente animados os comícios promovidos pela Comissão Internacionalista

Contra a Guerra, com o fim de acompanhar o movimento pacifista que se está

operando em muitos países da Europa e da América.30

Ainda naquela ocasião, comícios foram realizados no Brás, às nove horas da manhã,

onde discursaram o socialista Fosco Pardini e os libertários Antonio Nalepinski e Francisco

Calvo, este que, como vimos, era habitante da Mooca, o que indica que os trabalhadores do

bairro estavam participando desses eventos.

Como nos anos anteriores, a concentração dos operários denotava a riqueza ritual que

envolviam as comemorações de Primeiro de maio.31 O jornal A Lanterna anunciava que aqueles

comícios eram uma preparação “[...] de onde os trabalhadores partiram, em colunas, precedidos

de suas bandeiras e cantando hinos operários, para o largo da Sé”. No centro da cidade, após a

chegada desses trabalhadores, diversos oradores falaram em nome do Comitê Internacional

Contra a Guerra, entre eles estavam Passos Cunha, Maria Antonia Soares, Vittorio Buttis, e

Eduardo Hemffmeister, “[...] um em italiano e outro em alemão”, indicando a presença de

trabalhadores dessas nacionalidades, além de espanhóis e portugueses, nos comícios.

Em seguida, “[...] foi lida a moção apresentada pela citada comissão, recebendo a

aprovação da grande assistência por meio de uma calorosa salva de palmas”. “Falou a seguir o

28 A Lanterna, 01/05/1913. 29 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 295. 30 A Lanterna, 15/05/1915. 31 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 107.

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jornalista Carlos Caváco, partindo depois o povo trabalhador, em compacta massa, para a

passeata”, novamente pelo triângulo central, passando pelas ruas 15 de Novembro, Boa Vista,

Direita e também pela rua São Bento, “com as suas bandeiras vermelhas à frente, levadas pelas

companheiras do Grupo Feminino Jovens Idealistas”, voltando ainda à Sé, onde falaram “[...]

B. Scarmagnan e José Romero, respectivamente em italiano e português, dando-se por

terminada a animada manifestação pró-paz”.32

Novamente, a data se apresenta como uma confluência das diversas correntes do

movimento operário, unificando também socialistas, anarquistas e sindicalistas revolucionários

contra a guerra.33 E uma vez mais, a comemoração do Primeiro de Maio torna-se a combinação

entre simbolismo e prática. Uma data que, para os trabalhadores, “[...] simboliza a sua universal

batalha contra a exploração e a tirania das quais é vítima”, afirmando “[...] o seu direito a uma

vida de bem-estar e liberdade comum – que está disposto a conquistar”, ao mesmo tempo em

que reforça a necessidade de organização, que se combina com a atividade de propaganda e a

busca por resultados palpáveis, como a de organizar sindicatos ou comitês, instrumentos de

ação dos trabalhadores.34

4.2. O lazer para as associações políticas.

As diversas correntes do movimento operário, anarquistas, socialistas e sindicalistas

revolucionários, se empenhavam na organização e sociabilização dos trabalhadores e buscavam

sensibilizá-los através de diversos instrumentos. O tempo livre inseria-se nessa lógica e a

própria luta pela redução da jornada de trabalho, levada a cabo em vários períodos, visava à

ampliação dos momentos em que se poderiam promover a difusão da cultura, uma necessidade

tanto de socialistas quanto de anarquistas e sindicalistas revolucionários, e uma exigência que

se traduzia em uma multiplicidade de intervenções, desde conferências e palestras, aulas e

cursos, até óperas e concertos, declamações de poesia e apresentações de peças teatrais.35

Muitas associações mutualistas incluíam em seus estatutos iniciativas de fins

educacionais. A S. O. M. S. Unione Mooca, nos estatutos de 1902, declarava entre seus objetivos

“[...] estreitar mais os laços de fraternidade [entre operários italianos] por meio de socorro

32 A Lanterna, 15/05/1915. 33 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 302. 34 FRANZINA, “Festas Proletárias, Imigração Italiana e Movimento Operário”, Op. Cit., p. 211. 35 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240.

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mútuo e ensino”, prestando “[...] auxílio material, moral e intelectual”.36 Os objetivos

educacionais eram ainda comuns no limiar de 1920. Em 1918, a A. O. F. de Tecidos da Mooca

afirmava em seus estatutos a necessidade e o objetivo de “promover a instrução e a educação

moral dos associados”.37 A U. O. F. de Tecidos, fundada em 1919 e cuja sede central ficava na

rua Joly, mas que atuava na Mooca através da A. O. F. de Tecidos, afirmava que os seus

objetivos principais – a saber, o desenvolvimento moral, intelectual e material dos associados

– seriam alcançados pelo aumento de salários e diminuição da jornada de trabalho, pela união

consciente e solidária dos associados, mas também “[...] fundando escolas diurnas e noturnas

em todos os bairros fabris, criando bibliotecas, promovendo conferencias, palestras e excursões,

e bem assim criando uma escola profissional na sede social”.38

Entre os anarquistas, a necessidade de difusão cultural fez com que efetivamente muitos

grupos se dedicassem à instrução, sem deixar de fora, contudo, as atividades mais festivas.39 A

Escola Nova, que como vimos funcionava na rua da Mooca, n.º 292-A, e era dirigida por

Florentino de Carvalho40, em setembro de 1915 avisava que

[...] afim de fazer conhecer pelas famílias dos alunos o estado da escola e o modo

como funcionam as aulas, decidiu dar, no próximo domingo, às 14 horas, nas

instalações da escola, na rua da Mooca n. 292-A (sob.), uma aula pública. Haverá

também uma seção musical, sendo seguido o seguinte programa:

1. Início da programação com a orquestra;

2. Canto pelos alunos do hino 'Alegria da infância;

3. Recite da poesia 'O batismo' da aluna Carmen Serrato;

4. Trabalhos educativos;

5. Conferência da senhorita Antonia Soares;

6. Canto do hino 'A Mulher' pelos alunos Progresso Andonay e Amelia Mendes;

7. Recite da poesia 'As mães' da aluna Angelina Soares;

8. Conferência realizada por um dos professores;

9. Canto do hino 'A nova marselhesa', executado pelos alunos.

10. Distribuição de doces e brinquedos aos alunos.41

No evento, o objetivo educacional era acompanhado de recitais de poesias, cantos e

conferência, reforçando uma intenção de promoção intelectual, mas servindo também como

atração para as famílias dos alunos, uma combinação bastante cara aos anarquistas, que

pensavam as atividades de lazer de forma que englobassem ou partissem da família operária.42

36 Estatutos da S. O. M. S. Unione Mooca, 1902. 37 Estatutos da A. O. F. Tecidos da Mooca, 1918. 38 Estatutos da U. O. F. Tecidos, 1919. 39 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 239. 40 A Lanterna, 10/07/1915. 41 Fanfulla, 11/09/1915. 42 CABRAL, Teatro Anarquista, Futebol e Propaganda, Op. Cit., p. 61.

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Com sede no mesmo endereço, a Universidade Popular de Cultura Racionalista

promoveu, em janeiro de 1915, uma “festa educativa” no salão do Cinema Internacional às

19:30 de um sábado: “O programa é muito atraente, e consiste de música, canto e declamação.

A entrada é livre. Estamos confiantes do sucesso e de que não faltará procura”. Em abril, uma

nova festa manteve praticamente a mesma programação:

Amanhã às 11 horas da manhã, terá lugar no Theatro Eris, na rua Piratininga, esquina

com a rua Coronel Mursa, uma festa promovida pela Universidade Popular de Cultura

Racionalista.

Serão cantados hinos para a ocasião, e poemas recitados pelos alunos, será lido um

trabalho da professora Antonia Soares, e, finalmente, haverá uma conferência sobre o

tema 'A evolução do ensino', do prof. Saturnino Barbosa.

A comissão organizadora da festa faz saber que o acesso ao teatro é gratuito e convida

a qualquer um que queira participar.43

As festas eram bastante comuns entre todas as correntes do movimento operário. Nas

associações anarquistas, contudo, as atividades eram organizadas com o objetivo central da

emancipação e promoção da elevação intelectual e moral dos indivíduos, além de possibilitar

alguma arrecadação para a manutenção dos grupos.44 As atividades destas associações

permaneceram praticamente as mesmas durante todo o seu período de existência. Em junho de

1915, contava-se que

[...] a festa artística dada pela 'Universidade Popular de Cultura Racionalista' no salão

do 'Almeida Garret' na noite de sábado passado, o programa foi muito bem feito.

Foi cantado pelos alunos o hino 'Renovação'.

Em seguida, as crianças Manuel Soares e Salvador Serrato interpretaram muito bem

o diálogo 'Parla il rico, e parla il povero', de Mario Rapisardi.

A aluna Angelina Soares declamou com muito sentimento o poema 'A Guerra'.

Foi seguida pelo hino 'As aves', cantado pelos alunos.

Voltaram com a conferência sobre o tema 'Guerra e emancipação', realizada pelo

senhor Florentino de Carvalho.

Finalmente foram interpretados uma farsa, o drama 'Ideale', de Pietro Gori, e um outro

espanhol, 'Juventude'.45

Contudo, a predileção e a procura dos trabalhadores pelos bailes faziam com que os

grupos anarquistas disputassem espaço com outras associações políticas – como as socialistas

– ou com as recreativas. Tal querela, como sugere Michelle N. Cabral, fez com que os projetos

de propaganda anarquistas fossem reelaborados, adotando, finalmente, o baile (e também o

futebol) .46 Assim, as veladas com bailes, que os anarquistas constantemente criticavam47, não

43 Fanfulla, 29/01/1915 e 10/04/1915. 44 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 275. 45 Fanfulla, 22/06/1915. 46 CABRAL, Teatro Anarquista, Futebol e Propaganda, Op. Cit., p. 73. 47 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 184.

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podiam ser simplesmente descartadas. Em prol de construir formas de lazer que

correspondessem aos valores libertários, isto é, atividades voltadas para o despertar e

emancipação dos trabalhadores através sobretudo da educação48, muitas vezes a mistura de

atividades era inevitável. Em agosto de 1915, a Universidade Popular anunciou uma festa com

baile marcada para o dia 28, às 20 horas, no salão Leale Oberdan. Contudo, a sociedade deixava

bastante claro no título do anúncio o teor da velada: “Um festival instrutivo e recreativo”.

O Programa é o seguinte:

1.a Orquestra

2.a Conferência em português

3.a 'A Salvação', drama social em um 1 ato, em português

4.o 'L'inevitabile', drama em 3 atos em espanhol. As partes do 'Inevitabile' estão assim

distribuídas:

D.ª Tereza, E. Mejias

Elvira, A. Soares

Serveliana, E. Oliver

D. Jolian, J. Sanches

D. Carlos, J. Hernanez

Roberto, B. Quero

Padre Morole, F. Caparros

Camilo, J. Garcia

Comisario, F. Peralta

Aguacil, S. Salcedo

Rosales, M. Gimenez

Cuello J. Navarro.

Recitarão 'A Salvação': Angelina Soares - José Mendes - Salvador Serrato - Manoel

Soares - Socialina Nalepinsky - Carmen Serrato - Progresso Ardanay - Miguel

Messias - Manuel Martinez.

5.a Quermesse e baile familiar.49

Como se vê, o programa combinava propaganda e sensibilização para as questões

sociais com a difusão cultural e atividades bastante populares, como quermesse e bailes.

Também o Centro Feminino Jovens Idealistas realizava eventos em salões, quando a sede não

comportava o número de pessoas dispostas a participar das palestras, de ouvir à orquestra, de

auxiliar à associação nas rifas e quermesses e, principalmente, participar dos bailes:

O Centro Feminino Jovens Idealistas realizará uma festa de propaganda no dia 17 do

mês entrante no salão Leale Oberdanck, sito à rua Brigadeiro Machado, 5 no Braz. O

seu programa está assim organizado:

1º - Abertura de festa pela orquestra;

2º - Representação do emocionante drama em 4 atos, de R. Bracco, Maternitá;

3º - Conferencia sobre a questão social

4º - Dialogo adequado;

5º - Quermesse e baile familiar.

Os bilhetes para esta velada social podem ser procurados na Escola Nova, à rua da

Mooca, 292-A, e em nossa redação.50

48 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 275. 49 Fanfulla, 28/08/1915. 50 A Lanterna, 10/07/1915.

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Mesmo em atividades ao ar livre, largamente utilizadas para a propaganda, muitas vezes

o baile aparecia como fator de atração para trabalhadores. O próprio Centro Feminino, em maio

de 1914, organizou um “festival campestre” que “[...] realizar-se-á na Cantareira, no domingo,

10 do corrente”. Para a ocasião, divulgou-se

[...] um festival de propaganda, cujo programa constará de recitativos de poesias

escolhidas, conferência, quermesse e baile familiar ao ar livre. Os seus promotores

convidam para tomar nele todos os interessados na propaganda e suas famílias, e

pedem às pessoas que queiram dar alguma prenda para a quermesse, entregá-las na

rua Visconde Parnaíba, 55; no Centro Libertário, à rua Riachuelo, 41; na rua Miller,

74, e na nossa redação.51

O baile e a quermesse estavam novamente presentes, mas sempre antecedidos de

conferências, peças teatrais – cuja temática era a da crítica social –, recitais e músicas, o que

respondia às exigências de difusão cultural.52 No entanto, a existência dos bailes em eventos

promovidos por essas agremiações era motivo de grandes divergências entre os anarquistas,

negando assim qualquer apontamento na direção de um caráter homogêneo entre seus grupos.

Nas associações socialistas, eram muito mais comuns as festas com bailes, pois que não

a consideravam uma prática imoral, uma “perda de energias” ou algo “[...] útil somente como

forma de propaganda”, como geralmente faziam os anarquistas em sua imprensa. Segundo

conta Edilene Toledo, “os socialistas convidavam os trabalhadores a aproveitarem os poucos

momentos de prazer, como um merecido descanso que renovava as energias para a luta”.53

As festas eram, de toda forma, importantes meios de arrecadação de fundos para

sociedades socialistas, anarquistas e sindicalistas revolucionárias. Os eventos eram organizados

não como meras ocasiões de diversão, mas tinham sempre uma função de sensibilização dos

trabalhadores, e iam desde propaganda até finalidades mais concretas como a coleta de fundos,

através de ingressos, rifas e a arrecadação de valores para financiar jornais, greves, criar caixas

de resistência, ajudar companheiros presos ou exilados, seus órfãos e viúvas, e abrir bibliotecas,

além de ser uma forma bastante eficaz de se infiltrar nas classes populares.54

A U. G. T. mantinha uma comissão de propaganda que, entre outras coisas, se esforçava

em organizar as festas em benefício da associação.

Esta noite a União Geral dos Trabalhadores dará, no salão 'Celso Garcia', no n. 39 da

rua do Carmo, uma festa dramática com quermesse em benefício da associação.

51 A Lanterna, 01/05/1914. 52 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240. 53 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 184. 54 Idem, ibidem, p. 247 e 289.

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Será executado um atraente programa e, portanto, temos certeza, a concorrência será

numerosa.

Se iniciará a noite com músicas selecionadas que serão executadas pela orquestra.

Em seguida, serão interpretados pelo grupo dramático 'Jovens' o drama em espanhol

'L'inevitabile' e um outro em italiano 'La canaglia'.

Durante os intervalos serão vendidos os ingressos para a quermesse.55

Essas festas tinham sentido bastante prático e material: a manutenção da associação em

um período de reconstrução e fortalecimento dos sindicatos.56 Em algumas ocasiões, no entanto,

o saldo dos eventos não correspondia às expectativas dos organizadores. “A festa realizada pela

União Geral dos Trabalhadores”, contava-se no jornal A Lanterna, “correu bastante animada,

embora o seu resultado monetário não tenha sido satisfatório”.57 Ainda assim, outros

componentes dos programas dessas festas mantinham o caráter de sensibilização. Os títulos

escolhidos para as representações teatrais remetiam à pobreza, ao desemprego, ao

anticlericalismo, ao arbítrio policial e dos patrões, à exploração econômica e sexual das

operárias, sempre em defesa do trabalhador, identificados com a classe operária e inspirados na

propaganda ideológica e na solidariedade.58

Outro caso, já em 1917, foi o da Liga Operária da Mooca que, buscando dar apoio às

famílias dos operários expulsos do país após as jornadas grevistas daquele ano, passou a receber

doações em sua sede. As doações eram provenientes das quermesses que compunham os

programas das festas realizadas “em benefício das famílias deportadas”. Em 14 de novembro o

Grupo Os Semeadores realizou na sede da Liga uma festa beneficente com o seguinte programa:

1. Uma orquestra sinfônica - 2. º Sarau filodramático interpretado o drama em três

atos "Le ineditabile" e a farsa 'La tromba di Eustarchio' -. 3 º Conferência.

A festa terminará com um animado baile.

Haverá também uma quermesse, aqueles que quiserem contribuir, podem enviar as

doações para a sede da Liga Operária da Mooca, na rua da Mooca 292-A.59

Nas associações mutualistas, onde atuavam largamente os socialistas, muitas vezes a

temática das festas mesclava a identificação de classe com o sentimento de pertencimento

étnico. Como vimos, os socialistas, que em São Paulo do início do século XX eram italianos

em maioria, buscavam abranger todas as formas associativas da comunidade italiana, tentando

55 Fanfulla, 15/04/1916. 56 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 293. 57 A Lanterna, 22/07/1916. 58 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 254-246. 59 Fanfulla, 04/11/1917.

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conquistar as mais diversas associações de modo que pudessem substituir os valores

monarquistas ou nacionalistas por um funcionamento mais democrático.60

O primeiro aniversário da S. O. M. S. Unione Mooca foi comemorado na sede social,

situada na rua da Mooca, n.º 141, no dia 1 de novembro, uma sexta-feira, às cinco e quarenta e

cinco da tarde, horário incomum para a maioria das associações formadas por trabalhadores,

inclusive as recreativas, que preferiam as tardes de domingo ou, muito mais comumente, as

noites de sábados – fato que corrobora a idéia de que a Unione Mooca era, como eram boa parte

das associações mutualistas, uma associação formada principalmente por artesãos e operários

especializados.61 O jornal O Commercio de São Paulo deu conta de que compareceram ao

evento muitas pessoas, entre associados e convidados.

Aberta a sessão magna, com a assistência do presidente honorário, dr. Ernesto Moura,

falou o presidente efetivo, sr. Agostini Giovanni, que dirigiu, em nome da sociedade,

agradecimentos ao dr. Ernesto Moura, e deu, em seguida, a palavra ao professor

Pasquale Brand, orador oficial. O dr. Ernesto Moura saudou depois a Società Operaia.

Seguiram-se outros brindes, sendo por essa ocasião oferecida uma taça de champanhe

aos circunstantes. Durante as saudações, a banda musical Giuseppe Verdi tocou os

Hinos nacional e italiano.

Aos presentes, após o encerramento da sessão, foi oferecido um parafuso e variado

lunch. A bela festa prolongou-se até ás 11 horas da noite; o nosso representante foi

recebido com cativante gentileza que muito nos penhorou. À distinta agremiação

auguramos prosperidades, a que tem jus pela dedicação de seus diretores.62

Não se tratava, obviamente, não era uma festa comum. Era algo muito mais elaborado,

preparado para a comemoração do aniversário da sociedade, evento associativo talvez menor

apenas do que o Primeiro de Maio. De toda forma, as atividades estavam repletas de referências

à identidade italiana, com a execução do hino daquele país, além do brasileiro, e a própria banda

escolhida, a Banda Musical Giuseppe Verdi, cujo nome homenageava um famoso compositor

de óperas italiano, “[...] personalidade carregada de toda uma série de valores ligados à

construção de uma identidade italiana”.63 Assim, a festa compreendia e refletia os objetivos

descritos nos estatutos da associação, o de estreitar os laços de fraternidade entre os italianos,

além daquele de difusão cultural marcado pela prestação de auxílio moral e intelectual.64

Anos mais tarde, em 1920, a Società Internazionale di M. S. da Mooca, fundada em

1916, e cujo presidente era Luigi Rizzo, comemorava o seu primeiro aniversário colocando no

palco,

60 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 165 e 172. 61 Idem, ibidem, p. 172. 62 O Commercio de São Paulo, 02/11/1901. 63 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 172. 64 Estatutos da U. O. F. Tecidos, 1919.

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[...] no grande salão da Leale Oberdan [...] o comovente drama em três atos, intitulado

‘Sombra e Luz’; em seguida, a brilhante comédia ‘Maldito Relojo [sic]. A festa será

encerrada com um grande baile familiar animado pela Banda Bianca della Mooca que

se cede gentilmente.

Assim, mantinha-se o programa de teatro e baile. O comitê executivo da festa –

composto pelos sócios italianos Carmine Grimaldi, Giuseppe Salerno, Ferruccio Chiodini,

Michele Trancucci, Raffaele D'Apolo e Luigi Rizzo –, “[...] foi incansável para tornar esta festa

bem sucedida e brilhante, e ao mesmo tempo gostaria de agradecer a todos aqueles que têm

comparecido com presentes para quermesse”, presentes estes que variavam entre diversos

produtos – estatuetas, litros de vermout e licores, maços de cigarros, vidros de perfumes, barras

de sabonete, galos e galinhas vivas, frutas, biscoitos e um cofre – e dinheiro vivo em montantes

que chegavam a cinco mil réis65, contribuições que tanto ajudavam a abrilhantar a festa quanto

podiam servir para fortalecer os cofres da associação.

Conforme se comentou nos dias após a festa, “[...] o público chegou numeroso,

literalmente enchendo o amplo salão, que apresentava um quadro magnífico”. O corpo cênico,

dirigido por Rizzo, era formado por sócios da agremiação, que, no entanto, não eram apenas

italianos: “[...] A. Fernandes, J. dos Santos, M. dos Santos, C. Pimenta, A. Granato e a senhora

A. Giunchetti, que foram muito aplaudidos”. O sucesso da festa foi comentado no jornal

Fanfulla: “o baile foi ótimo. Uma orquestra alegrou o simpático entretenimento, que terminou

a uma hora tardia da noite, deixando nos participantes uma feliz recordação”.66

Como podemos notar, um elemento constante nas festas promovidas pelas associações

do movimento operário eram as representações teatrais. O teatro, como afirma Angelo Trento,

era o mais importante instrumento de difusão da cultura “[...] em chave ideológica”. Assistir a

obras cuja temática era a da crítica social, representações sobre oprimidos e explorados, era um

costume difundido já desde os primeiros anos do século XX. Assim, a atividade teatral de lazer

se apresentava como uma forma de propaganda paralela àquelas realizadas nos locais de

trabalho, e essa era uma convicção compartilhada tanto por anarquistas quanto por socialistas

e sindicalistas revolucionários, mas particularmente importante a estes últimos.67

Muitas vezes, as peças teatrais refletiam uma realidade mais imediata dos trabalhadores.

Em 1912, em meio a greve dos empregados da fábrica Clark, realizou-se em 30 de maio, uma

quinta-feira à noite, no salão Alhambra, uma festa em benefício e em solidariedade aos

65 Fanfulla, 11/12/1920. 66 Idem, 13/12/1920. 67 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240 e 242-243.

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sapateiros. “A concorrência foi boa, agradando bastante o drama Erro Judicial”.68 O título

escolhido era um ataque frontal aos poderes públicos, sobretudo se lembrarmos que naquele

período Francisco Calvo, sapateiro espanhol empregado na fábrica Clarck e secretário da União

dos Sapateiros, em meio à greve e às reuniões da associação, foi preso sob diversas acusações,

ficou desaparecido durante muitos dias nos cárceres policiais e, quando o soltaram, o

abandonaram em uma várzea, vendado, após ter sido espancado.69 Tais demonstrações revelam

uma noção bastante apurada por parte daqueles trabalhadores nas escolhas dos títulos a serem

representados, relacionando-os com eventos marcantes ligados ao movimento operário e

também à vida cotidiana.

Os temas teatrais mais comuns escolhidos para as apresentações eram, contudo, aqueles

tradicionais da literatura anarquista, que abordavam questões como pobreza, desemprego,

exploração do trabalho e exploração sexual das operárias, anticlericalismo, arbítrio policial e

dos patrões, normalmente escritos por autores estrangeiros, principalmente italianos, como

Pietro Gori, “[...] o autor seguramente mais querido pelo público libertário”, mas também textos

locais, escritos por trabalhadores – e imigrantes, como Gigi Damiani, Angelo Bandoni e

Teodoro Monicelli.70 Era uma literatura que podia ser entendida como um “[...] sistema

autônomo de militância intelectual” que se apresentava como contraponto, com “[...] o seu

ritmo de radiografia da vida burguesa, além de deformar a concepção do herói”, este que,

quando ao gosto das camadas abastadas, se desvincula como personagem “[...] das contradições

da luta de classes, então ostensivas na atividade cultural das associações, nas festas e

celebrações públicas, nas greves e nos atos de resistência”.71

Entre todas as correntes havia a crítica à ausência desse tipo de tema, ou, mais

amplamente, àquelas representações cujo repertório não mostrasse vínculos com o movimento

operário, fazendo das apresentações um esforço para a consolidação de um “[...] teatro de defesa

do trabalhador”, identificado com a classe operária e inspirados na propaganda e na

solidariedade.72

68 A Lanterna, 01/06/1912. Grifo no original. 69 Idem, 25/05/1912. 70 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 246-248. 71 PRADO, Antonio A.; HARDMAN, Francisco F.; LEAL, Claudia F. B. (Orgs). Contos Anarquistas: temas & textos da prosa libertária no Brasil (1890-1935). São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011, p. XV. 72 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 244-245.

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4.3. O caso do Círculo de Estudos Sociaes Francisco Ferrer.

De forma geral, a intervenção das associações do movimento operário no viver dos

trabalhadores perpassava muitos aspectos, desde as greves e reivindicações por melhores

condições de trabalho, maiores salários e tempo livre, até o esforço em torno dos momentos de

lazer. Não podemos afirmar com isso, porém, um caráter homogêneo das práticas de lazer

dessas associações, pois, cada uma a seu modo, ainda que ligado ao teor geralmente crítico à

sociedade burguesa e voltado ao tema abrangente da luta de classes, empregava nos momentos

de lazer diferentes atividades e temas, algumas vezes mais populares do que propriamente

operárias.73 Diante desta heterogeneidade representada pela atuação das diversas associações

da Mooca, o estudo mais detido sobre uma delas pode nos ajudar a perceber de forma mais

aprofundada os entroncamentos entre experiências políticas e de lazer vividas pelos

trabalhadores durante o processo de formação da classe operária.74

A quantidade de informações que encontramos sobre o Círculo de Estudos Sociaes

Francisco Ferrer nos permite reduzir a escala de análise75, buscando entender melhor, a partir

desta sociedade, a atuação das associações no bairro, sem, contudo, almejar uma generalização,

mas, ao contrário, mantendo o foco nas relações associativas, nas articulações e nas vivências

e rituais dos trabalhadores nas associações pelas quais passavam.

Ao nos debruçarmos sobre o C. E. S. Francisco Ferrer procuramos não separar em

blocos as práticas de lazer e as políticas, isto é, mantivemos uma certa ordem cronológica afim

de perceber a forma como a associação atuava, misturando a dimensão de luta com a difusão

cultural. E é justamente nisto que reside a relevância desta sociedade para este estudo, pois,

como se verá, os seus integrantes adotaram diversas iniciativas, das festas à organização de

sindicatos de ofício, na busca pela organização e emancipação dos trabalhadores, em um

momento, entre 1911 e 1914, em que esta era a única associação de característica mais

abertamente política presente no bairro da Mooca, como vimos nos capítulos anteriores.

No entanto, antes de prosseguirmos, é preciso avisar aqui que as comemorações do

Primeiro de Maio realizadas por esta associação não foram elencadas nesta parte, porque, como

se viu anteriormente, diante da importância e da universalidade da data, preferimos tratar do

tema de maneira específica.

73 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 249. 74 SIQUEIRA, Clubes e Sociedades dos Trabalhadores do Bom Retiro, Op. Cit., p. 75. 75 Cf. GRIBAUDI, Mondo Operaio, Mito Operaio, Op. Cit.; e GRIBAUDI, “Escala, pertinência, configuração”, Op. Cit., pp. 121-150.

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Voltando ao foco desta parte, o C. E. S. Francisco Ferrer foi fundado em 1910 no bairro

do Brás. A primeira reunião ocorreu na sede, na rua Martim Burchard, n.º 11, às 7 e meia da

noite de 6 de junho, e foi aberta a “[...] todos os companheiros inscritos e não inscritos”. Naquele

período em que esteve no Brás, passou por diversos endereços, como na rua Saião Lobato, n.º

28; rua do Gasômetro, n.º 159; rua Monsenhor Anacleto, n.º 38; e, em outubro do mesmo ano,

voltou a ocupar o número 11 da avenida Martim Burchard.76

Entre os seus organizadores estavam Angelo Scala e Francisco Calvo. O primeiro,

italiano e operário mecânico, era também autor do folheto editado pelo grupo, chamado Morale

e Religione, em que “[...] procura propagar, em forma muito simples, o ideal de emancipação

econômica do operariado”.77 Nascido na Campânia, mais especificamente em San Rufo,

província de Salerno, Angelo era filho dos camponeses Antonio Scala e Maria Rosa Fanelli.

Com seus pais e o irmão imigrou para o Brasil ainda muito jovem, por volta de 1897. No Brasil,

atuou intensamente no movimento operário de São Paulo, ao lado de seu irmão, o socialista

Giovanni Scala. Participou ainda das reuniões da FOSP78 e foi um dos líderes, ao lado do irmão,

e de Giulio Sorelli, dos esforços de organização sindical dos trabalhadores.79

Francisco Calvo, como já vimos, era espanhol e operário sapateiro empregado na fábrica

de calçados Clarck, na Mooca, e tinha residência no mesmo bairro, no número 154 da rua da

Mooca. Se empenhou na organização dos trabalhadores de seu ofício, a União Geral dos

Sapateiros, da qual se tornou secretário em 1912, enquanto ainda fazia parte do C. E. S.

Francisco Ferrer.80

Voltando agora ao Brás, mais especificamente à rua Martim Burchard, n.º 11, sede do

C. E. S. Francisco Ferrer, em outubro de 1911, um grande comício realizado em comemoração

à morte do libertário e pedagogo Francisco Ferrer y Guardia, a quem o grupo homenageou em

sua nomenclatura, partiu exatamente daquele local. Muitos eram os manifestantes que andaram

pelas ruas daquele bairro “[...] com a banda de música à frente” indo se concentrar no largo da

Concórdia, onde “[...] perante uma grande massa de povo, falaram do coreto Leão Aymoré e

A. Scala, pondo-se depois a coluna em marcha para o largo de S. Francisco”.81 Tão grande o

sucesso que não tardaram os organizadores em marcar um novo comício, desta vez no mês de

novembro, “[...] para comemorar os mártires de Chicago e lançar-se um protesto contra as

76 Fanfulla, 01/06/1910, 03/06/1910, 12/06/1910, 19/06/1910 e 24/10/1910, respectivamente. 77 A Lanterna, 18/11/1911 e 02/09/1911. 78 TOLEDO, “Imigração, Sindicalismo Revolucionário e Fascismo...”, Op. Cit., p. 135 e 342. 79 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 289. 80 A Lanterna, 25/11/1911 e 25/05/1912. 81 Idem, 21/10/1911.

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guerras”. No entanto, “[...] apesar de seus fins serem claramente conhecidos, a reunião não pôde

realizar-se por proibição da polícia, que lhe atribuiu falsamente outros intuitos”.

Por todas as grandes cidades do mundo civilizado ainda há pouco fez-se o mesmo em

manifestações colossais. Em parte alguma foram proibidas. Em S. Paulo não se deu o

mesmo. A polícia, mentindo infamemente, afirmou que a manifestação tinha por fim

atacar o rei da Itália!

Simplesmente ridículo!

As tentativas por parte dos poderes públicos de coibir a manifestação não pararam na

proibição, segundo o que contou no jornal A Lanterna. Um dia antes da programada e proibida

manifestação, a sede do C. E. S. Francisco Ferrer, em 10 de novembro, no momento em que

estavam ali reunidos diversos sócios para tratar de uma festa de propaganda que seria – como

de fato ocorreu – realizada no dia 18 daquele mês, foi invadida pela polícia, “[...] com os seus

agentes e soldados de revólver em punho”, resultando em vinte e duas pessoas presas.

Alguns dos presos saíram dois dias depois, mas os companheiros Angelo Scala e

Calvo só foram postos em liberdade na quinta-feira, apesar dos numerosos habeas-

corpus requeridos e prejudicados pela astucia da polícia. O nosso companheiro Edgard

Leuenroth também foi ameaçado de prisão, tendo a sua residência cercada durante

dois dias. Até quando durarão estas infames violências?82

Angelo Scala e Francisco Calvo, que foram soltos na quinta-feira, dia 16, possivelmente

procurando demonstrar a sua resistência frente às incursões repressivas dos poderes públicos

participaram da festa realizada no sábado seguinte, a mesma que estavam organizando na

reunião realizada no dia fatídico da invasão. No salão Germânia, às 8 e meia da noite teve início

“[...] a festa de propaganda do Círculo de Estudos Sociaes Francisco Ferrer”.

É o seguinte o seu programa:

1ª parte - Representação da peça em 2 atos, de Pedro Gori, Senza Patria;

2ª parte - Conferência;

3ª parte - Representação de uma comedia em um ato;

4ª parte - Recitativo do monólogo napolitano Il Cafone.

Terminará a festa com um baile familiar.83

A edição do jornal Fanfulla de domingo, 19 de novembro, trouxe os resultados da festa:

O resultado da festa de propaganda dada por este Círculo ontem à noite no salão

'Germânia' foi muito bom.

As senhoras M. Barbieri, A. Fabbri, T. Camilli e os senhores G. Turola, A. Vergani,

A. Avallone, T. Gesmaro, G. Panighelli, E. Fagiano e V. Richetti, intérpretes da

amostra em dois atos 'Senza Patria' e uma farsa, foram muito aplaudidos.

82 A Lanterna, 18/11/1911. 83 Idem, 18/11/1911.

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Também o senhor Giuseppe Cocciolito foi aclamado no monólogo 'O cafone' ou 'La

festa di S. Antimo'.

Em um interlúdio os senhores Angelo Scala e Francisco Calvo falaram sobre o

anticlericalismo, sendo aplaudidos.84

Entre aclamações e aplausos, a festa ganhou naquele momento uma dimensão simbólica

de resistência e de demonstração de força, afirmando os valores do grupo e mobilizando nos

discursos e nas apresentações uma forte carga emocional85 ativada pela solidariedade entre os

inúmeros presentes, principalmente se lembrarmos que na ocasião da invasão da sede noticiou-

se que o número de presos foi de vinte e dois ao total.

Dos títulos exibidos, certamente o mais importante foi Senza Patria (Sem Pátria, em

tradução livre), obra de Pietro Gori. O tema da conferência, o anticlericalismo, aliava-se ao

drama de Gori e conferia ao evento um caráter não apenas de diversão, insinuado pela presença

do baile e da comédia, mas sobretudo militante, ultrapassando o mero passatempo. No entanto,

a presença de uma comédia no programa não deixa de ser relevante, já que as obras que não

ofereciam relação com a realidade social sofriam duras críticas da imprensa operária86, tornando

mais complexa a atuação dos grupos políticos daquele período.

Os atores, todos amadores, o que era comum entre as associações de trabalhadores87,

provavelmente estavam presentes na sede no dia da invasão, o que pode ter contribuído para

que a sua atuação fosse um tanto mais emotiva do que costumavam fazer. A listagem dos nomes

elencados na notícia dos resultados da festa nos permite cruzar as informações, revelando que,

muitas vezes, estas pessoas traziam para a associação a experiência prévia como atores

amadores, vivenciada em outras sociedades. Angelina Fabbri, por exemplo, integrou até ao

menos 1909 o corpo cênico do Circolo Ricreativo Tina di Lorenzo, associação que, como

vimos, buscava reforçar um caráter identitário étnico e que representava dramas e comédias

populares.88 O mesmo pode ser dito de Giuseppe Turola, que em 1910 era diretor cênico do

Circolo Matteo R. Imbriani89, esta sociedade que apresentava uma forte carga identitária

italiana e também republicana, indicadas pela escolha do nome.

Frente a isso, e ainda mais se levarmos em consideração que para o período de existência

do C. E. S. Francisco Ferrer haviam outras associações dramáticas em que os atores amadores

podiam atuar, fica claro, além da dinâmica interassociativa que se desenvolvia no bairro, que

84 Fanfulla, 19/11/1911. 85 HOBSBAWM, “O Debate Sobre a Aristocracia Operária”, Op. Cit. 86 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 244-247. 87 Idem, ibidem, p. 246. 88 Ver, por exemplo, Fanfulla, 12/02/1909. 89 A Lanterna, 17/12/1910.

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emergia entre estes atores uma consciência política, revelada na opção por uma sociedade

engajada na organização dos operários, que promovia peças teatrais não apenas em que

pudessem atuar, mas que refletiam em suas escolhas valores coletivistas e críticos à ordem

burguesa, indicando uma identidade de classe.90

Os atores, como os sobrenomes indicam, eram na totalidade italianos, o que certamente

também se refletia através do idioma no qual se apresentaram tanto o drama quanto o monólogo.

Mesmo que nas atividades do Círculo não houvesse sinais de que o país de origem fosse um

requisito para associar-se – ao contrário, a sua atuação política marcou em diversos momentos

um caráter internacionalista –, essa característica étnica estava presente entre os associados,

demonstrando que o sentimento de pertencimento a uma classe não era incompatível com um

senso de pertencimento étnico, ainda mais por que naquele período na cidade de São Paulo “[...]

a língua do movimento operário era principalmente italiana”.91

A festa, enfim, foi bastante concorrida. O jornal Fanfulla relacionou em meio à nota

sobre os resultados da festa uma listagem de pessoas presentes:

Numerosos foram os participantes, entre eles notamos:

Senhoras e senhoritas:

Rosalina Albano – Adele Stefanelli – Luisa Stefanelli – Carmela Del Vecchio –

Maddalena Del Vecchio – Giacobbe Gina – Vittoria Lacchiere – Dina Aranzonico –

Letizia Ostellino – Alzira Alberi – Lucia Alberi – Gloria Belloni – Narcina Belloni –

Martina de Oliveira – Rosário Cesarina – Antonietta D’Atrita – Adelina Blasoferro –

Carmela Blasoferro – Ida Blasoferro – Cesira Seghettini – Caterina Chiaffaroli – Luisa

Gabriele – Elvira Pertuso – Ida Pertuso – Irene Pertuso – Maria Agredini – Maria

Liguri – Laura de Vivo – Caterina de Vivo – Emilia Liguori – Gelsomina Tedesco –

Italia e Rosa Stella – Elvira Errante – Maria Zebi – Grande Massa –Nannina Oriola –

Luigia Oriola – Concetta Giordano – Angelina Giordano – Barbieri Ernesta – Amelia

Cavanati – Luisa Basile – Rosa Cirillo – Teresa Collarlle – Veralina Emilia –

Vincenza Francia – Rosa Gurolina – Camilia Mancini – Pia Chiari – Assunta

Vollerine – Adina Corazzi – Luisa Caforia – Vita Caforia – Dadila Giovanna – Ada

Giannina – Ambalia Giocchinelli – Amalia Bravo – Maria Cechinelli – Ernesta

Percovelli – Rita Madela – Borin Carolina – Adelaide Bonina – Santa Steva – Elvira

Steva – Adele Panegalli – Antonia Mimen – Angela Mimen – Maria Turolla –

Vincenzo Rea – Concceta Marchio – Santa Mantovani – Montalbo Anna – Aurelia

Pisani – Ugolina Birlandi – Maria Bagatti – Tahale Feres – Alyra Lopez – Virginia

Ferres – Carmela Guido – Giuaitta Salvatori – Clara Salvatori – Deolinda Salvatori –

Maria Salvatori – Luisa Ventes – Maria Barbera – Anfielina Crusca – Orsolina Carne

– Maria Rebolla – Anna Rebolla – Anna Menta - Fernanda da Rocha – Maria Birali –

Angelina Birali – Giuditta Possi – Pierini Poggi – Ernestina Poggi – Enrichetta Moraes

– Francesa Schiava.

Senhores:

Armindo Zamponi – Giovanni Scala – Carlo Paldino – Luigi Tommasi – Arturo Rossi

– Domenico Biamini – Pietro Mero – Francesco Biamini – Pietro Mero – Francesco

Ruggero – Efisio Ostellino – Alcda Pucci – Domenico Abbiere – Mario Venturi –

Americo Della Santa – Giovanni Ornerani – Nemesio Bellini – Antonio de Oliveira –

90 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 316. 91 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 246. Ver ainda, quanto ao cruzamento entre identidade de classe e identidade étnica, BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit.

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Aldo Santinelli – Benedicto de Oliveira – Giovanni Corosio – Oghero Benvenuti –

Carlo Blasiferri – Francesco Blasiferri – Arturo Coronati – Angelo Ferretti – Giuseppe

Dotti – Francesco Campinelli – Giacinto Brunato – Vrgilio Brunato – Manlio

Chieregato – Giuseppe Giannelli – Aldo de Paoli – Ignazio Cuccia – Gomes Cintra

Barde – Vincenzo Amodio – Paolo Casagrande – Tancredi Zampiero – Giovanni

Tosco – Giuseppe Temine – Colombo Leone – Attilio Astolfi – Giulio Biamiri –

Michele Isofaro – Amilcare Radiogone – Raffaele Del Vecchio – Alessandro

Feliciano – Manno Pulcinelli – Giuseppe Severino – Eugenio Casagrande – Americo

Taddei – Pasquale Falbo – Aprile Giovanni – prof. Francesco Fática – Nicola Mancini

– Zinetto Siqueira – Provola Sasso – Attilio Galli – Antonio Ranzi – Giorgio Corazzi

– Angelo Ferrari – Grassini Palmiro – Brasile Palmiro – Massimino de Luca – Plinio

de Camargo – Lodovico de Luca – Vincenzo Caforio – Francesco de Marco – Boria

Giuseppe – Raimondo Morana – Cicchinelli Giuseppe – Masetti Cesare – Giuseppe

Bianchini – Giovanni Tolo – Cesare Milani - Antonio Verderame – Silvano de Olivera

– Manuel da Silva – Agostino Bardazzi – Alfredo Colucci – Penegatti – Memeri –

Chiafarata – Spadone – Cedro – Pertuso – Alfonso de Vivo – Luigi Avirio – Giuseppe

Stella – Americo Stella – Errante Etore – Antonino Avallone – Guerra Giovanni –

Luigi Lista – Pasquale Milito – Giacobbe Cicetta – Giuseppe Fagnani – Antonio

Cristofari – Aniollo Afelsro – Dino Taquarra – Poolo Lombo – Chiarello Costabile –

Chiarello Luigi – Ovilio Rossi – Giuseppe de Martino – Virginio Berali – Armando

Franzolin – Antonio Mellone – Egisto Matteucci – Luigi Miranda – Francesco Pozzi

– Carlo Repetti – Secondo Astolfi – João Battista – Schiava.92

A partir desta listagem conseguimos saber um pouco mais sobre a associação. Em

primeiro lugar o fato de que os participantes eram, na grande maioria, italianos, aproximando-

se da composição do corpo cênico da sociedade. Mas também que estavam ali pessoas cujos

sobrenomes, como Oliveira, Rosário, Gomes, Cintra, Lopez, indicavam origem portuguesa ou

espanhola, o que reforça a idéia de internacionalismo dentro da associação.

Ainda observando a lista, percebemos uma recorrência de sobrenomes, indicando que

os trabalhadores compareciam aos eventos em família, o que se punha de acordo com uma

prática bastante difundida entre as diferentes correntes do movimento operário – sobretudo

entre anarquistas.93

Cruzando os nomes das pessoas com informações encontradas ao longo da pesquisa,

notamos que algumas participavam ao mesmo tempo de outras associações, revelando na

sociabilidade dos trabalhadores a mobilidade e diversas interconexões associativas: Vincenzo

Amodio era membro da comissão executiva da União Gráfica de São Paulo94; Palmiro Grassini

era pedreiro e conselheiro da Liga dos Pedreiros95; Antonio de Oliveira era operário mecânico

e representante do Sindicato dos Metalúrgicos.96 A presença dessas pessoas serve ainda para

92 Fanfulla, 19/11/1911. 93 CABRAL, Teatro Anarquista, Futebol e Propaganda, Op. Cit., p. 61. 94 Relatório da Associação no Segundo Congresso Operário Brasileiro (1908), apud HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 160. 95 BIONDI, Luigi. Entre associações étnicas e de classe: os processos de organização política e sindical dos trabalhadores italianos na cidade de São Paulo (1890-1920). Tese de doutorado. Campinas, SP: 2002, p. 277 96 HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 74.

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demonstrar que dentro do C. E. S. Francisco Ferrer as identidades que se construíam

ultrapassavam a de ofício, indicando uma identificação mais abrangente, de classe.

Por último, alguns dos nomes indicam que a sociedade não estava fechada à presença

de trabalhadores ligados a uma ou outra corrente. O nome de Giovanni Scala, irmão de Angelo

Scala e conhecido socialista, reforça a tese de que anarquistas, socialistas e sindicalistas

revolucionários frequentavam os mesmos espaços, levando para aqueles ambientes as suas

idéias e as obras de autores de sua predileção, o que sugere que o C. E. S. Francisco Ferrer

estava entre aquelas associações ligadas à corrente sindicalista revolucionária, que não

raramente recebiam militantes anarquistas e socialistas, e que propunham a neutralidade

política, funcionando como ponto de aglutinação entre as diversas correntes.97

Apesar do sucesso da festa, o C.E.S. Francisco Ferrer encontrou dificuldades após a

invasão da sua sede pela polícia. Era preciso, então, para a continuidade da própria existência

da associação, encontrar um novo local a partir de onde pudessem preparar e realizar as

atividades e organizar os trabalhadores. A residência de Francisco Calvo, no n.º 154 da rua da

Mooca, serviu como endereço provisório de correspondência e local de reunião. A partir deste

local, Scala e Calvo se esforçaram em reconstituir o grupo. Um pedido lançado através do jornal

A Lanterna revela que, quando a polícia invadiu a antiga sede, não apenas prendeu os

integrantes, mas provavelmente recolheu ou destruiu todo o material que encontraram no local:

Esta associação de caráter educativo, fundada [...] com o fim de divulgar na classe

trabalhadora o estudo da questão social em seus diversos aspectos, pede a todos os

grupos editores de livros, folhetos, revistas e jornais para que lhe enviem exemplares

das suas publicações.

A busca pela reconstituição de uma biblioteca, algo diretamente ligado ao caráter

educativo que a associação demonstrava tanto na sua nomenclatura quanto nas atividades de

difusão cultural, aliava-se, naquele momento de reconstituição, à retomada da atuação do grupo

no movimento operário em geral da cidade de São Paulo e à busca pela constituição de redes

de solidariedade entre as associações, o que ficou explícito no restante da nota publicada: “[...]

desejando também travar relações com as agrupações avançadas de toda a parte, pede às

mesmas lhe comuniquem as suas iniciativas”.98

97 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 41 e 213. 98 A Lanterna, 25/11/1911.

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Por outro lado, foi preciso reforçar também entre os antigos sócios a necessidade da

volta à atividade. A comissão administrativa do grupo, que tinha entre seus componentes, além

de Angelo Scala e Francisco Calvo, os italianos Lorenzo Basso, Giovanni Giacobbe e Jannicelli

D’Alfonso99, publicou por meio do jornal A Lanterna “[...] um caloroso apelo a todos os seus

associados, convidando-os a voltar à atividade indispensável para a continuação da sua obra de

educação e propaganda social no seio da classe operária”. No documento, afirmavam a vontade

de manter regularmente “[...] todas as terças-feiras, às 7 e 1/2 horas da noite”, as reuniões

costumeiras, “[...] nas quais alguns companheiros fazem sempre palestras sobre a questão social

e sobre noções de ensino prático.100

Os esforços de reorganização, tudo indica, tiveram resultados positivos. Em fevereiro

de 1912, a associação anunciou a mudança definitiva para a Mooca, e com endereço próprio.

Este círculo mudou sua sede da rua Martin Burchard para a rua da Mooca, 132, onde

tem a sua sala de leitura à disposição das pessoas que a queiram frequentar.

Os pedidos feitos “a todos os grupos editores” para que enviassem exemplares “[...] de

suas publicações de propaganda” foram reforçados, “[...] ficando a seu cargo as despesas do

correio”.101

Sobre o funcionamento interno deste círculo especificamente, as assembléias eram

abertas também aos “companheiros não inscritos”, provavelmente com a intenção de conseguir

mais filiados a quem pudessem difundir seus ideais sociais e que contribuíssem,

financeiramente sobretudo, com a sua existência. As assembléias eram geralmente

acompanhadas de palestras e aulas e, em alguns casos, comemorações. Na assembléia de 29 de

agosto de 1911, a “ordem do dia” era “leitura da ata da sessão anterior; Balanço do caixa social;

Discussão sobre o movimento interno; Palestra proferida pelo senhor Angelo Scala”.102

Em outra assembléia, realizada em 26 de novembro de 1912, às 6 e meia da noite,

praticamente os mesmos procedimentos se mantiveram:

[...] a assembleia ordinária dos sócios para discutir a seguinte ordem do dia:

1. Leitura da ata da assembleia anterior;

2. Nomeação de uma comissão para organizar uma festa;

3. Diversos.

Por último o cidadão Angelo Scala falará sobre o tema: Parlamento e os partidos

subversivos.103

99 Fanfulla, 19/11/1911. 100 A Lanterna, 23/12/1911. 101 Idem, 24/02/1912. 102 Fanfulla, 06/06/1910 e 28/08/1911. 103 Idem, 25/11/1912.

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A estrutura dessas reuniões permaneceu a mesma ao longo da existência do C. E. S.

Francisco Ferrer, com frequência anual ou semestral e eleições para a atribuição de cargos em

comissões para os mais diversos fins.104 É interessante o fato de que o grupo mantinha uma

Comissão Administrativa105, um elemento bastante mais simples do que as diretorias mais

elaboradas de outras associações que contavam com conselhos fiscais, presidentes, tesoureiros,

etc., como era o caso, por exemplo, das associações mutualistas.106

Esse caráter organizativo mais “informal”, para tomar de empréstimo as palavras de

Claudio Batalha, era característico das concepções dos grupos identificados com o Sindicalismo

Revolucionário, corrente em que esse tipo de prática era menos ritualizado.107 Contudo,

elementos característicos do funcionamento de associações cujos procedimentos tinham uma

carga de ritualização podiam ser vistos no funcionamento cotidiano da C. E. S. Francisco

Ferrer. As assembléias para decisões coletivas e que asseguravam um funcionamento

democrático, fruto da experiência das sociedades mutualistas largamente influenciadas pelos

socialistas108, ocorriam, como vimos, periodicamente na sede. Essa forma de funcionamento do

grupo reforça a afirmação de Edilene Toledo de que socialistas, anarquistas, sindicalistas

revolucionários, e também republicanos, muitas vezes frequentavam os mesmos espaços,

denotando a mobilidade dos trabalhadores e de suas idéias entre os mais diversos grupos,

principalmente nos momentos de incertezas e de indeterminação.109

Além disso, o C. E. S. Francisco Ferrer estava inserido em um período em que o

sindicalismo revolucionário em São Paulo se reativava, desde 1911, e ganhava certo fôlego

entre 1912 e 1913110, o que certamente se refletia nas atividades realizadas pelo grupo,

combinando práticas culturais e de luta, cotidiana, econômica e também política, ações bastante

comuns entre associações sindicais, que acabavam por servir como um “[...] ‘ponto de apoio’

para o trabalhador nos casos de desgraça”, e também onde se podia encontrar os amigos e se

instruir em conferências e discussões, o que os levaria a perceber os efeitos da miséria social.111

Na Mooca, na verdade, o esforço pelo reavivamento do movimento sindical se deu, em

grande medida, nos espaços do C. E. S. Francisco Ferrer. Em março de 1912, a sede foi

utilizada pelos sapateiros, que tentavam se organizar em torno da criação de um sindicato.

104 Cf. por exemplo, Fanfulla 06/06/1910, 28/08/1911 e 25/11/1912. 105 Fanfulla, 19/11/1911. 106 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 86. 107 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 100. 108 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 86. 109 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 274-276. 110 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 284-285. 111 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 19 e 185.

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Aos operários sapateiros e afins

Todos os trabalhadores da classe estão convidados para duas assembleias que

ocorrerão esta manhã, às 8 na rua da Mooca. 132 e na rua S. Domingos n. 25.

Estas assembleias serão realizadas nestes dois locais diversos por comodidade dos

operários da classe que participarão daquele que lhes for mais conveniente.

Em ambas as reuniões se discutirá sobre a organização de um sindicato, pelo que se

pede fortemente que não faltem.

A Comissão Provisória.112

Os sapateiros voltaram a se reunir, ainda no mesmo mês, na sede do grupo. E não apenas

os trabalhadores deste ofício se esforçavam em reuniões:

O grupo de pedreiros e serventes que está trabalhando pela constituição de uma

sociedade de resistência da sua classe continua a promover diversas reuniões da

mesma pelos arrabaldes desta capital [...]. Hoje á noite será realizada uma outra

reunião no salão do Círculo de Estudos Sociaes Francisco Ferrer, na rua da Mooca,

132.

No dia seguinte, um domingo, às nove horas da manhã, realizou-se na sede do C. E. S.

Francisco Ferrer a reunião dos alfaiates com o intuito de se discutir sobre a “[...] fundação de

uma agremiação para dedicar-se à defesa dos seus interesses”. Também “os sapateiros das

fábricas e particulares terão dentro em breve uma associação da sua classe”.

O núcleo desses trabalhadores que está se esforçando para conseguir esse desideratum

[sic] realizou no domingo duas reuniões: uma no salão do C. de E. S. Francisco Ferrer,

na Mooca e a outra no Bexiga, na sede do C. de E. S. Conquista do Porvir.113

Os trabalhadores sapateiros logo conseguiriam o seu intento. Em maio de 1912, já se

tinha notícias da União dos Sapateiros, cujo secretário era Francisco Calvo, um dos fundadores

do C. E. S. Francisco Ferrer.114

Em meio a estas reuniões o C. E. S. Francisco Ferrer realizou no dia 16 de março uma

festa de propaganda no Salão Leale Oberdan, no Brás, às 8 e meia da noite de sábado, cujo

programa estava assim disposto:

Representar-se-á a comedia em três atos de Ettore Dominici La Legge del Cuore e a

farsa em um ato ‘Os 2 conquistadores’.

Por um companheiro será realizada uma conferência sobre o tema La donna e

l´avvenire.

A velada terminará com um baile familiar.115

112 Fanfulla, 10/03/1912. 113 A Lanterna, 16/03/1912. 114 Correio Paulistano, 17/05/1912. 115 A Lanterna, 16/03/1912.

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A atividade mais ligada aos ideais políticos da associação, nesta festa, talvez tenha sido

a conferência cujo tema tratou da relação entre a mulher e o porvir. Na verdade, por muitas

vezes as mulheres foram colocadas pelos conferencistas da associação no centro das discussões,

e em meio ao tema “a família” as principais abordagens variavam sobre o gênero feminino,

como “mãe” ou “maternidade”. Ainda, é preciso apontar a importância da atividade

desempenhada pela operária e atriz amadora Trieste Amato no C. E. S. Francisco Ferrer, cujas

atribuições passavam não apenas pela organização dos eventos, mas também na ocupação do

cargo de diretora do corpo cênico e, depois, do grupo dramático mantido pela associação.116

Voltando às apresentações, os outros dois temas não parecem, a partir da observação de

seus títulos, representar uma ligação orgânica com as reivindicações do movimento operário.

Assim, em um primeiro momento, a programação afasta-se dos anseios do movimento operário

de difusão dos valores classistas. No entanto, como notou Maria Thereza Vargas, a utilização

de tais temas “[...] permite compreender que os militantes estão em contato com obras mais

avançadas do teatro burguês”.117 Não era incomum, ainda, que por muitas vezes os grupos

políticos tivessem que se contentar “[...] com autores e tramas que apenas parcialmente

representavam instrumentos de emancipação do proletariado”, adotando obras que apontavam

mais para um senso de pertencimento étnico, o que, entretanto, não era incompatível com o

sentimento identitário de classe.118

A obra em língua portuguesa “Os dois conquistadores”, de autoria dos portugueses

Joaquim Augusto de Oliveira e Jorge de Faria119, revela ainda uma tentativa de maior inserção

por parte do grupo entre a população do bairro, que, como vimos anteriormente, era composta

também por portugueses e espanhóis, além dos italianos.120 Devemos lembrar que entre

associações deste tipo a necessidade da difusão cultural perpassava várias atividades e, como

neste caso, muitas vezes significava misturar tradições populares com práticas e temas que

visavam sensibilizar os trabalhadores para a sua realidade social.121

O caráter educativo da associação, reforçado já no seu objetivo de fundação, que era o

de “[...] divulgar na classe trabalhadora o estudo da questão social em seus diversos

116 Esta indicação está em Fanfulla, 08/02/1913. 117 VARGAS, Teatro operário na cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 57. 118 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 242. 119 Ver o site de Serviços de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, disponível em: <https://alpha.sib.uc.pt/?q=content/os-dois-conquistadores-cassoada-em-1-acto>. Acesso em: 09 mar. 2015. 120 Ver DUARTE, Cultura popular e cultura política no após-guerra, Op. Cit. e CANOVAS, Imigrantes Espanhóis na Paulicéia, Op. Cit. 121 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240.

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aspectos”122, fez com que os temas mais caros ao movimento operário pudessem ser vistos

também nas diversas aulas, palestras e conferências que realizava. Como se viu, logo que se

instalou na nova sede, no número 132 da rua da Mooca, o C. E. S. Francisco Ferrer se esforçou

em montar uma sala de leitura. Quando ainda no Brás, o grupo promoveu uma “lição de

astronomia”, que foi dividida em partes apresentadas em duas terças-feiras à noite.123 É

interessante notar que, para acompanhar a primeira lição de astronomia, realizada em 12 de

setembro de 1911, estava prevista uma “comemoração da queda temporal do papa”, fato que

amplia a utilização das lições de ciências, como a astronomia, ultrapassando a difusão do

conhecimento e alcançando no teor explicitamente político da difusão do anticlericalismo.

As palestras eram normalmente proferidas por nomes bastante conhecidos no meio

operário, como o de Angelo Scala, mas também Leão Aymoré, secretário da Escola Moderna,

ligada aos anarquistas124, e Paolo Mazzoldi, socialista e jornalista empregado no jornal

Fanfulla125, que em certa vez na sede do C. E. S. Francisco Ferrer discutiu o tema “Trabalho e

Educação”.126

Por vezes, algumas datas importantes foram objeto de palestras, agregando a finalidade

de difusão cultural aos eventos que se inseriam em um âmbito de coletividade e de identidade

operária. Em 1912, para o dia 13 de Maio, o C. E. S. Francisco Ferrer promoveu em sua sede

a comemoração da data com uma palestra em que falaram “[...] pela ocasião diversos oradores

em italiano e em português. A comemoração será pública”.127 A comemoração da data, além

de afirmar o internacionalismo, por ser proferido nos idiomas italiano e português, pode ser

também um indício da presença de trabalhadores negros entre os associados.

Em maio de 1912 a associação promoveu, durante todo aquele mês, uma “[...]

conferência científica” realizada por um “[...] conhecido orador”.128 No mês seguinte, uma

sessão de propaganda se realizou na noite de quinta-feira, 27 daquele mês, “[...] na qual falarão

diversos companheiros em português, espanhol e italiano”. Os idiomas escolhidos refletiam

novamente a composição do bairro, formado por pessoas oriundas de diversas nacionalidades,

mas principalmente por italianos, espanhóis e portugueses, o que denota a tentativa por parte

da associação de ampliar a sua atuação junto à população da Mooca – o que parece ser reforçado

122 A Lanterna, 25/11/1911. 123 Fanfulla, 11/09/1911 e 18/09/1911. 124 A Lanterna, 09/07/1910. 125 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 238. 126 Fanfulla, 24/10/1910. 127 Idem, 12/05/1912. 128 Correio Paulistano, 19/05/1912.

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pela indicação de que “[...] será franca a entrada para essa reunião” 129 –, e também dá indícios

de que o próprio círculo era composto predominantemente por pessoas dessas etnias – basta

lembrar que Scala era italiano, e Calvo, espanhol.

Em julho, a reunião realizada na noite de sábado, 13, com entrada franca, foi dedicada

exclusivamente a “[...] uma sessão de propaganda sobre o 14 de julho”130, aniversário da queda

da Bastilha, evento largamente utilizado pelas associações do movimento operário e cujo

conteúdo das palestras sobre o tema giravam em torno da “[...] evocação da Revolução Francesa

como momento de nascimento da luta pela liberação do homem e a tarefa destinada ao

movimento operário de continuá-la”.131

Também marcante para a memória do movimento operário eram as comemorações de

11 de Novembro. O jornal A Lanterna fez saber a importância da data para as associações

operárias:

Entre as datas que lembram os crimes da argentária classe dominante, destaca-se esta

que, em rubros caracteres, registra-se na história da luta social como a pedra de toque

do esforço empregado pelo proletariado universal para a conquista de sua

emancipação integral. A tragédia de 11 de novembro vive indelevelmente na alma dos

trabalhadores que, numa incessante agitação, num ciclópico conclamar, preparam-se

para a reivindica derradeira. As forças que em 86 baloiçaram os corpos dos cinco

mártires sublimes, são o símbolo da grande luta que, como um mar revolto, sacode a

humanidade de um polo a outro, e cujo fim só se verificará quando da face da Terra

desaparecerem as desigualdades sociais, quando, deixando de haver ricos que morrem

na orgia e pobres que se matam a trabalhar, os homens vivam, em paz e felizes,

irmanados numa única e universal família. A causa de suprema justiça que se

pretendeu estrangular com os cinco mártires de Chicago, vai ainda e sempre, de

quebrada em quebrada, fronteiras afora, reunindo os deserdados da sociedade para a

grande batalha social do último ajuste de contas com os exploradores e tiranos que

impedem a humanidade de marchar livremente em busca da sociedade onde a

felicidade de uma minoria não assente na miséria e nos sofrimentos da maioria.

Acompanhada desta nota, havia a notícia de que o C. E. S. Francisco Ferrer realizaria

em 9 de novembro de 1912, às sete e meia da noite de sábado, uma “sessão pública de

propaganda”, “[...] para comemorar o 11 de Novembro [...]. Falarão diversos companheiros”.132

Talvez a data mais importante para a associação, com exceção do Primeiro de Maio em

que se percebia um grande empenho do grupo na organização do evento entre os trabalhadores

da Mooca e junto de outras sociedades, fosse aquela que lembrava do fuzilamento de Francisco

Ferrer y Guardia, morto em 13 de outubro de 1909.

129 A Lanterna, 22/06/1912. 130 Idem, 13/07/1912. 131 BATALHA, Claudio H. M. “‘Nós, Filhos da Revolução Francesa, a Imagem da Revolução no Movimento Operário Brasileiro no Início do Século XX”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 20, n.19, 1991, p. 241. 132 A Lanterna, 09/11/1912.

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LOJA MASSÔNICA 'UNIÃO HESPANOLA' - CÍRCULO DE ESTUDOS

SOCIAES F. FERRER.

A Loja Maçônica 'União Hespanhola’ desta capital, comunica que em sessão solene

será comemorado, em 13 do corrente, o mártir de Montjuic, Francisco Ferrer. Falarão

em tal circunstância, além do orador da Loja, que realizará uma conferência sobre o

tema: 'Os crimes do clericalismo', diversos outros oradores.133

É interessante notar a relevância deste evento para a identidade do grupo, desde a ligação

com a Loja Maçônica para o evento até o anticlericalismo. O próprio Ferrer y Guardia era

maçom, e as ligações entre a maçonaria e o livre-pensamento eram bastante comuns.134 Em São

Paulo, naquele início de século, era possível encontrar anarquistas que eram também maçons.135

Além disso, como se sabe, as posições anticlericais de Ferrer eram bastante explícitas.136

Contudo, é preciso apontar, o anticlericalismo era comum entre anarquistas e também entre

socialistas e sindicalistas revolucionários.137 Não por acaso, portanto, as comemorações do 13

de Outubro, em 1913, organizadas pelo C. E. S. Francisco Ferrer para lembrar “[...] o grande

mártir do ideal sublime da redenção humana”, foram realizadas com a presença “[...] dos

representantes das agremiações populares e de todas as pessoas de ideais livres”.138

No dia 12 de outubro de 1912, o C. E. S. Francisco Ferrer locou o salão Celso Garcia,

que pertencia, como vimos anteriormente, à Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas, e

estava localizado na rua do Carmo, n.º 39. É possível que ao sair da Mooca e do Brás a

associação pretendesse aglutinar na festa os trabalhadores de outros bairros, e talvez por isso se

tenham decidido pela sua realização na região central da cidade. O programa da festa afirmava

que naquele sábado “[...] serão representadas as seguintes peças: L´Ideale, de Pietro Gori, Triste

Carnevale, e Um Hotel Modelo. L´Amore, será o tema da conferencia que desenvolverá um

companheiro. A festa encerrar-se-á com um baile familiar”.139 É curioso, todavia, que a data de

13 de outubro, dia que relembra a morte do libertário Francisco Ferrer, não tenha sido ao menos

citada. Na verdade, e estranhamente, não houve naquele ano nenhuma referência à data.

Entre as peças representadas, estava novamente uma obra de Pietro Gori, L’Ideale, título

que se remete a uma projeção “[...] das utopias libertárias”, uma sociedade ideal e livre, baseada

133 Fanfulla, 09/10/1911. 134 SILVA, Rodrigo R. Anarquismo, Ciência e Educação: Francisco Ferrer y Guardia e a rede de militantes e cientistas em torno do ensino racionalista (1890-1920). Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2013, p. 107 e 123. 135 Ver BIONDI, La Stampa Anarchica Italiana in Brasile, Op. Cit. 136 SILVA, Rodrigo R. Anarquismo, Ciência e Educação, Op. Cit., p. 107. 137 BIONDI, “Mãos unidas, corações divididos”, Op. Cit., p. 97. 138 A Lanterna, 27/09/1913. 139 Idem, 06/05/1912 e 28/09/1912.

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“[...] na igualdade e ajuda mútua”.140 Novamente o repertório oferecia títulos em língua italiana

e portuguesa. Neste idioma, foi representada a peça Um Hotel Modelo, da qual sabemos muito

pouco além do fato de que se tratava de uma comédia, obra do português João Borges, cuja vida

foi dedicada, em Portugal, à escrita de peças teatrais e periódicos sobre o teatro amador.141

Contudo, é relevante o fato de a associação não se dedicar nas festas exclusivamente a

obras cujo sentido fosse estritamente político, ainda que não possamos descartar a possibilidade

de, durante a atuação, os atores amadores reinterpretarem o texto de forma a sensibilizar

socialmente os espectadores. É preciso pensar ainda, como apontou Antonio Arnoni Prado, no

fato de que o uso da comédia pelas associações políticas “[...] não se destina a fazer rir, mas

propor a reflexão”142, tinha como objetivo conscientizar sobre a degradação da moral,

desmistificar o dinheiro e criticar a cobiça material, reforçando muitas vezes o sentido

pedagógico das apresentações.143

No fim de dezembro de 1912, o Círculo realizou um evento que se diferenciava das

demais festas que costumava promover. Contudo, não se tratava de uma data comum, mas das

comemorações de ano novo:

A comissão executiva do Círculo de Estudos Sociaes 'Francesco Ferrer' convida por

nosso intermédio aos sócios a participarem com suas famílias de uma reunião íntima,

que ocorrerá amanhã, 31. Serão recitados dois monólogos de um jovem e será

realizada pelo orador do Círculo uma conferência sobre o tema: 'A família'.144

É possível que o caráter mais íntimo do evento se desse pelos organizadores esperarem

para a festa poucas pessoas, impossibilitando que se realizassem bailes ou outras atividades que

precisassem de um maior número de participantes. De toda forma, o tema abordado, “a família”,

era algo bastante caro entre associações políticas, sobretudo anarquistas, como vimos antes.

Além de buscar uma alternativa à concepção burguesa e clerical da família, insistir na

importância do núcleo familiar era tentar também construir uma rede fundamental para a

sobrevivência dos trabalhadores, para a inserção no mercado de trabalho, para a conquista e a

defesa dos direitos custosamente obtidos, para a solidariedade em tempos de conflito e, talvez

principalmente, para a constituição de organizações políticas e sindicais145, permitindo ainda

140 PRADO; HARDMAN; LEAL, Contos Anarquistas, Op. Cit., p. XXXI. 141 Sobre esse autor, ver <http://porbase.bnportugal.pt/>. Acesso em: 09 mar. 2015. 142 PRADO, Antonio A. Trincheira, Palco e Letras. Crítica, literatura e utopia no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2004, p. 119. 143 PRADO; HARDMAN; LEAL, Contos Anarquistas, Op. Cit., XXXII-XXXIII. 144 Fanfulla, 30/12/1912. 145 BIONDI, “Mãos unidas, corações divididos”, Op. Cit., p. 78.

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que se fortalecessem os sentimentos de identidade.146 É interessante notar que o tema “a

família”, e suas variações, como a maternidade, a mãe, o amor, e mesmo a indicação do “baile

familiar”, estiveram presente em praticamente todas as festas do C. E. S. Francisco Ferrer, ora

dividindo, ora cedendo espaço para a questão da miséria.

Em fevereiro de 1913, no período em que os operários ligados à associação participavam

do esforço em conjunto com outras associações de constituir uma Liga Popular Contra a

Carestia de Vida147, o Grupo Dramático do C. E. S. Francisco Ferrer promoveu uma festa de

propaganda. “Será realizado o seguinte programa”:

Primeira parte

Será representado pelo grupo filodramático do Círculo, dirigido pela senhora Trieste

Amato, o grande drama em três atos de Enrico Ibsen: 'Gli Spettri'.

Personagens:

A sra. Alving, viúva do capitão e camareiro Alving, senhorita Trieste Amato

Osvaldo Alving, pintor, Oberdan Rossi

Pastor Manders, Ticiano Gennaro

Engstrand, carpinteiro, Tommaso Camilli

Reguia Engstrand, empregada doméstica da Sra. Alving,

senhorita Amalia Italia.

Segunda parte

Conferência sobre o tema - 'A miséria'.

Terceira parte

'Qualcuno guastò la festa!', obra social em 1 ato de M. Marsolleau.

Personagens: Agricultor e operário, Tomaso Camilli

Banqueiro, Amore Cozzolino

Deputado, Giacomo Gerardini

Duquesa, senhorita Trieste Amato

Cortesã senhorita Amalia Italy

Juiz, Emilio Mingarelli

General, Antonio de Santis

Bispo , Vicenzo Falotico.

No final do espetáculo será sorteada uma bela pintura em óleo do pintor espanhol

Vidal.

Quarta parte – Baile familiar.

A conferência sobre a miséria encontrava-se em acordo com as idéias da Liga Contra a

Carestia de Vida, indicando que as festas tinham também sentido bastante prático de inserção

dos trabalhadores nos atos do movimento operário. Pelo que se revelou depois como resultado

da festa, Angelo Scala, que realizou a conferência, “[...] desenvolvendo muito bem o tema”,

“[...] foi interrompido várias vezes por aplausos repetidos”.148

Também nesta direção pode ser entendido o drama de Henri Ibsen, Spettri – em

português sob o título Os espectros –, cujo mote em geral era o da “[...] fatalidade da condição

146 SAVAGE, “Classe e História do trabalho”, Op. Cit., p. 42. 147 A Lanterna, 19/04/1913. 148 Fanfulla, 08/02/1913 e 10/02/1913.

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humana agindo sobre os personagens”.149 Além disso, consta a obra Qualcuno guastò la festa,

de autoria de Louis Marsoleau e que, segundo Maria Tereza Vargas, parecia, como outras peças

do mesmo gênero, tratar em tom jocoso dos hábitos do clero em relação às ceias150, uma

tentativa, portanto, de aliar o anticlericalismo à realidade dos trabalhadores pobres.

Seguindo o tema do anticlericalismo, na reunião que ocorreu na sede social às 7 e meia

da noite de terça-feira, dia 1 de abril de 1913, foi promovida a “[...] segunda lição de história

natural”, da qual podiam participar “[...] também os não-sócios”.151 O tema reforçava a ligação

às concepções do libertário Francisco Ferrer y Guardia, a quem homenageou em seu nome, ao

manter acesa a crítica à educação religiosa e à burguesa.152

Ainda naquele abril de 1913, o C. E. S. Francisco Ferrer integrou a Liga Contra a

Carestia de Vida, na verdade gestada ainda durante as comemorações do Primeiro de Maio do

ano anterior153, que realizou diversas agitações e comícios na maioria dos bairros da cidade

buscando combater a “[...] exploração dos condecorados ladrões de casaca”. Na Liga, o C. E.

S. Francisco Ferrer tinha a função, junto com os outros grupos, de preparar os comícios e de

levar bandeiras e cartazes aos eventos. Entre os grupos integrantes da Liga, além do Francisco

Ferrer, estavam Sindicato Operário de Ofícios Vários, Sindicato dos Pedreiros, Estucadores e

Serventes, União Gráfica, União dos Canteiros, Grupo Libertário Germinal e Círculo de

Estudos Sociaes Conquista do Porvir154, revelando um intenso contato entre associações de

trabalhadores de diversos bairros da cidade e de diferentes correntes do movimento operário.

De todas estas associações, contudo, e além da União dos Sapateiros, da qual Calvo era

secretário, o Sindicato de Ofícios Vários talvez fosse aquele que mantivesse mais proximidade

com o C. E. S. Francisco Ferrer. O Ofícios Vários, associação de que faziam parte José Romero

e João Gonçalves da Silva, era ligado à Confederação Operária Brasileira155, esta que, segundo

apontam Pinheiro e Hall, tinha resoluções ligadas à teoria sindicalista revolucionária.156 Tais

conexões entre o Círculo e o Sindicato podiam ser vistas em diversos momentos, como nos

149 SILVA, Jane P. Ibsen no Brasil: historiografia, seleção de textos críticos e catálogo bibliográfico. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, 2007, p. 68. 150 VARGAS, Teatro operário na cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 70. 151 Fanfulla, 31/03/1913. 152 ANDRADE, Carlos E. F. “Rebeldes Palavras: a revolta enquanto agir político nos discursos anticlericais anarquistas (1909-1916)”. Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP, 2008. 153 A Lanterna, 19/04/1913 e 06/05/1912, respectivamente. 154 Idem, 19/04/1913. 155 TOLEDO, Edilene. “‘Para a união do proletariado brasileiro': a Confederação Operária Brasileira, o sindicalismo e a defesa da autonomia dos trabalhadores no Brasil da Primeira República”. Perseu: História, Memória e Política, v. 7, 2013, p. 24. 156 HALL; PINHEIRO, A Classe Operária no Brasil, V. 1, Op. Cit., p. 41.

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comícios Contra a Carestia de Vida, de que ambos participavam, assim também no Comitê de

Defesa Popular, e, talvez mais importante, na circulação de trabalhadores entre ambos, como é

o caso de José Romero, palestrante nas reuniões do C. E. S. Francisco Ferrer.157

Em junho de 1913, o Ofícios Vários promoveu diversas reuniões de propaganda pelos

bairros de São Paulo, realizando discussões sobre “[...] a utilidade da organização”, uma

necessidade que “[...] ficou bem patenteada pelos oradores, demonstrando-se que é ela o único

meio com que contam os operários para reivindicar os direitos conspurcados”, estando entre os

principais oradores Angelo Scala e Francisco Calvo. Na Mooca, o centro de difusão destas

idéias era o prédio localizado no n.º 132 da rua da Mooca, sede do C. E. S. Francisco Ferrer.

No dia 22 daquele mês, um domingo, às 9 horas da manhã, foi promovida no local a “[...]

segunda reunião de propaganda”, em que “[...] apesar da concorrência não ser numerosa, reinou

bastante entusiasmo, tendo sido feita uma coleta pró-Jabert”.158

Outra festa, realizada poucas semanas depois, em julho de 1913, reforçava a necessidade

de organização. Nela, a mesma estrutura programática comum aos outros eventos festivos,

combinando práticas populares, como bailes, quermesses e rifas, e temas que que giravam em

torno da luta de classes, como a moral, a miséria, o anticlericalismo, a negação da sociedade

burguesa159, foi utilizada pelo C. E. S. Francisco Ferrer. Naquela noite de sábado, dia 19, entre

uma e outra apresentação, os trabalhadores puderam ouvir e discutir sobre “a necessidade de

um ideal no movimento operário” na conferência realizada por Angelo Scala. Os presentes no

evento de propaganda realizado no salão Celso Garcia puderam assistir também à representação

do drama em 3 atos de Roberto Bracco, Il diritto di vivere (o direito de viver, em tradução livre),

[...] sob a direção da brava atriz senhora Trieste Amato, que desempenhou de maneira

irretocável o papel de Maddalena; também as senhoras N. N. e A. Italy [sic] foram

uma perfeita Brigida e a outra uma Nannina impecável; os senhores O. Rossi, D.

Negrini, J. Amato, A. Zoccolino, G. Giardini, V. Ambrosio, S. Papa, N. N., F.

Mingarelli, V. Amadio, G. Nicolai, U. Guazzini, U. G. e A. Giannicelli

desempenharam seus papéis muito bem.

Seguiu-se o monólogo de autoria de E. Roland, Una Madre, recitado por Trieste Amato,

além da comédia “Se fra un’ora?” que “[...] divertiu imensamente os espectadores que se

acabaram em riso”. Os que estavam presentes participaram ainda do aguardado baile, com “[...]

as danças muito animadas, que duraram até a madrugada de ontem, deram fim à bela festa”.160

157 A Lanterna, 19/04/1913, 22/08/1914 e 21/06/1913. 158 Idem, 21/06/1913. 159 PRADO; HARDMAN; LEAL, Contos Anarquistas, Op. Cit., p. XXXI. 160 Fanfulla, 21/07/1913.

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Em outubro, Calvo dirigiu-se à cidade de Bragança a pedido da União dos Canteiros.

Lá, em um comício, “[...] estendeu-se em considerações sobre a questão social e os prejuízos

que dominam a sociedade atual: o militarismo, a religião e a propriedade privada”, e, sobretudo,

“[...] fez um caloroso apelo aos operários para se instruírem, pois da instrução depende em

grande parte a emancipação proletária”. De volta à São Paulo, conseguiu ainda ajudar na

organização da última festa de propaganda que o C. E. S. Francisco Ferrer promoveu naquele

ano, realizada em 15 de novembro no salão Celso Garcia, “[...] cujo programa é o seguinte”:

1º - Gente onesta, importante drama em 3 atos, de Pedro Gori;

2º - Conferência sobre o tema La famiglia;

3º - Uma engraçada comédia;

4º - Quermesse e baile familiar.161

A partir de então, as atividades do C. E. S. Francisco Ferrer parecem ser mais

esporádicas. Quase sete meses se passaram desde a última festa até que a associação

reaparecesse, já em junho de 1914, subscrevendo o manifesto do recém surgido Comitê Pelas

Vítimas Políticas da Reação Italiana que entre outras práticas visava à ajuda aos “[...]

subversivos da Itália”, através de subscrições para socorrer às “[...] famílias dos mortos e

presos” e principalmente para “[...] alimentar a ação de propaganda revolucionária”. “Armemos

os reivindicadores!”, era o principal mote do Comitê. A função do C. E. S. Francisco Ferrer

era propagar no bairro da Mooca a necessidade de que os operários, “[...] num generoso

movimento, contribuam com a sua quota de solidariedade”.162

No dia 11 de julho daquele ano, no salão da sociedade Leale Oberdan, no Brás, a festa

de propaganda foi organizada nos moldes das anteriores, com o seguinte programa:

1º - Maternitá - drama em 4 atos de Roberto Bracco, representado pelo grupo

dramático do Círculo;

2º - Conferencia;

3º - Representação de uma comedia;

4º - Baile familiar.163

Contudo, a pequena nota sobre a festa foi o último registro de um evento deste tipo

envolvendo o C. E. S. Francisco Ferrer. Ainda em julho, Francisco Calvo passaria a integrar

também o Grupo Dramático Libertário, em que estavam Antonio Nalepinski, Virgílio Fidalgo

e José Romero.164

161 A Lanterna, 16/10/1913 e 08/11/1913, respectivamente. 162 Idem, 20/06/1914. 163 Idem, 11/07/1914. 164 Idem, 18/07/1914.

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200

Em 1915, o C. E. S. Francisco Ferrer teria como sua última atuação a Comissão

Internacionalista Contra a Guerra, “[...] que agrupa as entidades da vanguarda do elemento

avançado”. Nos comícios, os associados do Círculo tiveram contato com diversos conhecidos

militantes do movimento operário, entre anarquistas, socialistas e sindicalistas revolucionários,

como Edgard Leuenroth, Vittorio Buttis, Passos Cunha e Ambrosio Chiodi.165

A partir de então, as dificuldades impostas pela crise econômica e pela desestruturação

do mercado de trabalho, que já vinham se desenrolando desde o ano anterior, e a apatia que

reinou sobre o movimento sindical a partir do fim de 1914166, refletiram-se sobre o grupo

dificultando a sua atuação. Ainda em 1915, o C. E. S. Francisco Ferrer deixou de atuar. Um de

seus principais animadores, Angelo Scala, voltou à Itália para lutar na Primeira Guerra, e

retornaria a São Paulo somente em 1919.167

Ao acompanhar o C. E. S. Francisco Ferrer e os seus componentes, ainda que o tempo

de existência do grupo não cubra todo o período estudado, podemos observar nas suas ações

em meio aos trabalhadores uma multiplicidade de atividades, intercalando a difusão política, o

aprofundamento cultural e a diversão, esta normalmente direcionada à sensibilização e

construção de uma identidade operária.168 Mesmo sem a pretensão de que as práticas do deste

grupo sejam tomadas por todas as associações da Mooca, certamente elas refletem os modos de

atuação, em uma ou outra medida, dos grupos operários do bairro, o que nos ajuda a entender

melhor como se dava a dinâmica associativa a o esforço de organização dos trabalhadores.

As festas realizadas pelo grupo se inseriam na lógica de difusão cultural e sensibilização

dos trabalhadores, práticas comuns, como apontou Angelo Trento, entre anarquistas, socialistas

e sindicalistas revolucionários169, e que seguiam as propostas de observação da questão

social170, o que se tornou explícito nas aulas e palestras promovidas pelo C. E. S. Francisco

Ferrer. Durante todo o período de sua existência, o grupo promoveu festas em que conseguia

aliar importantes instrumentos de difusão de seus valores e ideais políticos, como o teatro, as

conferências e palestras e os monólogos, a atividades bastante populares à época, como as rifas

ou quermesses e os bailes, variando as modalidades oferecidas de acordo também com as

circunstâncias do momento que presenciavam.171

165 A Lanterna, 01/05/1915. 166 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 285. 167 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 376. 168 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240. 169 Idem, ibidem, p. 240. 170 A Lanterna, 25/11/1911. 171 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 103.

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201

O fato de o C. E. S. Francisco Ferrer incluir o baile em sua programação revela o seu

esforço de adentrar nos meios populares, oferecendo a atividade, o ponto alto da noite, como

fator atrativo já que, que como se viu, apesar de serem objetos de grandes discussões entre as

diversas correntes do movimento operário, e no interior de cada uma delas, as danças gozavam

de uma larga predileção entre os trabalhadores.172

Além disso, a atuação do C. E. S. Francisco Ferrer possibilitava diversas conexões entre

associações e trabalhadores, e entre socialistas, anarquistas e sindicalistas revolucionários,

aglutinando diferentes experiências políticas e de associativismo.173 Contudo, as mesmas

conexões eram bastante amplas e complexas, o que pode ser amplificado, ainda, se observarmos

as práticas de lazer, ou, para ser mais específico, as atividades festivas e teatrais que o grupo

promovia, algumas vezes afastando-se de valores da classe operária, outras inserindo nas festas

questões diretamente ligadas ao cotidiano e às reivindicações experienciadas pelos

trabalhadores, afastando, desse modo, qualquer prerrogativa de homogeneidade que se possa

querer lançar sobre o movimento operário da Mooca e de São Paulo.

Finalmente, a atuação do C. E. S. Francisco Ferrer, caminhando explicitamente na

direção de sensibilizar os trabalhadores através de diversas modalidade de atividades,

principalmente a da difusão cultural experimentada fundamentalmente como um meio de

emancipação174, e também aliando diversas outras práticas a suas atividades, nos serve de base

para observarmos a tomada de uma consciência de classe em outras associações.

4.4. As associações recreativas como locais de uma classe em formação.

Embora seja inegável a importância das sociedades de cunho político na organização

dos trabalhadores, as associações mutualistas, sindicais, as ligas de ofício, grupos socialistas e

anarquistas e partidos políticos não podem ser consideradas como os únicos lugares possíveis

de se observar os processos de formação da classe operária.175 Os clubes recreativos, largamente

frequentados pelos trabalhadores, mais do que uma mera opção de lazer para aquelas pessoas,

representavam uma opção de encontros e de articulação de diversas identidades.

172 CABRAL, Teatro Anarquista, Futebol e Propaganda, Op. Cit., p. 73. 173 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 243. 174 Idem, ibidem, p. 240. 175 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 272.

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As associações de caráter mais político, no entanto, ainda que utilizassem largamente

atividades festivas, como vimos por exemplo no caso do C. E. S. Francisco Ferrer, dirigiam

críticas às agremiações recreativas, sobretudo os anarquistas176, mas também os sindicalistas

revolucionários. Entre estes últimos, a afirmação muitas vezes era a de que o espaço legitimo

da organização operária era mesmo o sindicato, lançando às associações recreativas argumentos

que procuravam enquadrá-las entre aqueles locais de “[...] ‘imbecilização’ da juventude e o

estímulo à libidinagem, além dos altos preços das mensalidades cobradas”.177

Outras críticas recaíam ainda sobre as formas de se manter as estruturas administrativas.

Diferente dos sindicatos – estes que costumavam cultivar, como vimos anteriormente,

comissões administrativas, cujo caráter era bastante menos ritualizado178 – os clubes recreativos

mantinham uma estrutura bastante elaborada, em geral contando com presidente e vice,

secretários, tesoureiros, fiscais e, em muitos casos, bibliotecários e fiscais de salão, algo que os

sindicalistas revolucionários tendiam a considerar como formas de exercício de autoridade “[...]

tão severas quanto aquelas suportadas nas oficinas de trabalho”.179

As críticas mais pesadas, entretanto, recaíam sobre as atividades dispostas nas

associações recreativas como as danças, o futebol180, o repertório apresentado nos palcos, as

obras musicais, mas sobretudo sobre as peças teatrais que não mostrassem ligações com o

movimento operário ou com a realidade social dos trabalhadores.181

As associações recreativas eram, contudo, é preciso lembrar, produto dos esforços dos

próprios trabalhadores.182 Quando, em 1911, alguns desses trabalhadores habitantes da Mooca

decidiram por formar uma banda musical, entre as inúmeras possibilidades de nomenclaturas

que podiam utilizar resolveram batizá-la de Banda União Operária da Mooca183, assumindo

abertamente uma identidade operária.184

Mais comum, contudo, era que nessas associações se combinassem e fortalecessem

laços identitários múltiplos.185 A Società Ricreativa Musicale Unione della Mooca, dirigida

pelo professor italiano Ezio Dall’Ovo, quando inaugurou a sua sede na rua Borges de

Figueiredo, n.º 37, realizou uma “[...] festa de baile”.

176 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 184. 177 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 301. 178 BATALHA, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, Op. Cit., p. 100. 179 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 301. 180 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 184. 181 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 244. 182 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 310. 183 Correio Paulistano, 11/06/1911. 184 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 27. 185 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 272.

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A festa começou com o seguinte programa musical:

'Festa in città' - sinfonia:

Cavatina dell 'Ernani': 'Garibaldi a Caprera' - Sinfonia:

'Mignonette' - sinfonia.

A execução, sob a direção do sr. Ezio Dall'Ovo, foi ótima sendo todos

aplaudidíssimos. Em seguida começou o baile que, ao som de um quinteto de sócios

da associação, durou até o amanhecer do dia seguinte.186

Ainda que não tenhamos uma lista das pessoas presentes na festa, o idioma e a origem

das obras apresentadas sugerem que no evento havia uma maioria, senão a totalidade, de

italianos. A escolha destas músicas podia estar baseada em algo mais do que uma simples busca

por diversão. A ópera “Ernani” tem como autor o compositor italiano Giuseppe Verdi, que em

suas populares obras destacava um ideal de pátria, em meio ao processo da unificação

italiana.187 Não por acaso, o “[...] exímio maestro Ezio Dall’Ovo” era, mais tarde, em 1920, o

encarregado pelas comemorações promovidas pela Società Italiana della Mooca em

homenagem ao XX de Setembro, data simbólica que dividia os trabalhadores italianos,

colocando aqueles apoiadores do consulado e das políticas do governo italiano frontalmente

contra associações socialistas, sindicalistas, anarquistas e até republicanas.188

Voltando agora para a festa da S. R. M. Unione della Mooca, a passagem específica

escolhida trata do último repouso do revolucionário Giuseppe Garibaldi. A apropriação desses

importantes personagens italianos carrega a ação de significados múltiplos ao sugerir uma

afirmação da identidade étnica italiana, ao mesmo tempo em que parece exprimir valores de

classe. Ou, como melhor descreveu Luigi Biondi, era uma “[...] afirmação do triunfo da

monarquia de Savoia como guia da unificação do país, mas era também a afirmação do mais

profundo anticlericalismo libertário e socialista”.189

Também parece se pôr neste exemplo o Gruppo Filodrammatico e Ricreativo Mooca,

composto, em 1916, exclusivamente de italianos e que representava peças teatrais no idioma de

origem de seus integrantes. No “[...] festival dramático”, que ocorreu em 24 de junho daquele

ano no salão da Società Leale Oberdan, foi “[...] sob a direção do senhor Ludovico Boschini,

estrelado o drama I misteri dell’inquisizione di Spagna.” O público, numeroso, “[...] aplaudiu

os senhores G. Amato, L. Boschini, L. Riccio, L. Rizzo, S. Picchi, e a senhora L. Lambertini”.190

186 Fanfulla, 01/10/1918. 187 HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital, 1848 – 1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 394 e 396. 188 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 143. 189 Idem, ibidem, p. 97-98. 190 Fanfulla, 25/06/1916.

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Como ensina Biondi, identidades étnicas e de classe não eram excludentes191, o que é

reforçado pela idéia de que muitos socialistas, sindicalistas revolucionários e anarquistas

transitavam pelas mais diversas associações, desde sindicatos a sociedades mutualistas,

passando pelas recreativas, sem que as suas atividades em uma associação excluíssem a sua

participação em outras.192 Para se ter um bom exemplo, o ator amador G. Amato, cujo nome

aparece listado mais acima entre os componentes do G. F. R. Mooca, provavelmente era parente

de Trieste Amato, diretora do corpo cênico do C. E. S. Francisco Ferrer, e, muito

possivelmente, era o mesmo G. Amato apontado como ator amador deste círculo.193

Mas devemos nos ater também ao título escolhido. Os Mistérios da Inquisição

Espanhola, em tradução livre, estava entre aqueles dramas, ao lado de Os Miseráveis, por

exemplo, em que eram “[...] perceptíveis a contestação à injustiça”194, indicando certa

sensibilização diante dos sofrimentos dos trabalhadores.195 Todas essas misturas tornavam as

associações recreativas locais possíveis para o desenvolvimento de uma identidade de classe.

Ao observarmos a atuação de uma associação de caráter político, como ao acompanhar

a trajetória do C. E. S. Francisco Ferrer, notamos que muitas vezes um grupo ligado

diretamente ao movimento operário podia utilizar-se de estratégias que se inseriam nos gostos

populares para a atração de participantes para os seus eventos, que, tomados em sua totalidade,

tinham caráter de difusão cultural de valores operários. Da mesma forma, podemos entender

que o caminho também funcionava em um sentido diferente, isto é, os clubes recreativos,

largamente frequentados pelos trabalhadores, mais do que uma opção de lazer, possibilitavam

um viver mais coletivo.196 Essas agremiações, ainda que dedicadas a atividades recreativas, se

apresentavam também como espaços de organização dos trabalhadores.

Já há muito tempo Thompson apontou a necessidade de se superar modelos estáticos e

preestabelecidos no exame do processo de constituição da classe operária, um equívoco em que

“[...] a teoria prevalece sobre o fenômeno histórico que pretende teorizar”.197 Ao contrário, é

importante relembrar aqui o que ensinou o historiador inglês: a classe acontece “[...] como

resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas)” em que os trabalhadores “[...]

191 Ver BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit. 192 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 242. 193 Fanfulla, 21/07/1913. 194 VARGAS, Teatro operário na cidade de São Paulo, Op. Cit., p. 49. 195 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 318. 196 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 271. 197 THOMPSON, Edward P. “Algumas observações sobre classe e ‘falsa consciência’”. In: NEGRO, Antônio L.; SILVA, Sérgio (Org.). As peculiaridades dos ingleses e outros artigos / E. P. Thompson. Campinas (SP): Ed. da Unicamp, 2001, p. 270.

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sentem e articulam a identidade de interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses

diferem (e geralmente se opõem) dos seus". Desta forma, a observação do processo de formação

da classe operária precisa necessariamente estar encarnada nas relações pessoais – nos ritos e

costumes – e em contextos reais, para que possamos verificar como as experiências comuns dos

trabalhadores são tradadas em “[...] termos culturais”.198

Seguindo ainda os escritos de Thompson, a classe se forma

[...] segundo o modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e

segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do 'conjunto de suas

relações sociais', com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base no

modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural.199

A formação da classe operária revela-se sobretudo no crescimento de uma consciência

de classe, isto é, “[...] a consciência de uma identidade de interesses entre todos esses diversos

grupos de trabalhadores contra os interesses de outras classes”. No entanto, se sindicatos, ligas

de ofício e sociedades mutualistas eram instituições sólidas da classe operária, para Thompson

outros lugares também figuravam como organizações de classe – “[...] movimentos religiosos

e educativos, organizações políticas, periódicos” – além de indicadores tais como tradições

intelectuais, senso de comunidade e de sensibilidade. Assim, as sociedades recreativas fundadas

por trabalhadores muitas vezes podiam apresentar elementos que caminhavam neste sentido,

isto é, que as inseriam no processo de formação da classe operária.200

4.5. Outros palcos para as lutas: a Associação Recreativa Athlética da Mooca.

A Associação Recreativa Athlética da Mooca foi fundada, tudo indica, em outubro de

1908.201 Apesar de levar o termo Atlética em seu nome, as práticas que desenvolvia eram

principalmente dramáticas, e ocorriam em meio a festas normalmente acompanhadas por bailes.

Contudo, o que nos chama a atenção é o teor e os títulos das peças apresentadas, que estavam

entre aqueles utilizados por sociedades abertamente políticas e cujo sentido se enquadra em um

esquema de difusão cultural, refletindo os seus esforços de organização do tempo livre dos

198 THOMPSON, A Formação... V. 1, Op. Cit., p. 10. 199 THOMPSON, “Algumas observações sobre classe e ‘falsa consciência’”, Op. Cit., p. 277. 200 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 17. 201 Apesar de não possuirmos os estatutos desta sociedade, estamos levando em consideração o fato de que em outubro de 1912 foi comemorado o aniversário de 4º ano de sua fundação. Cf. Fanfulla, 05/08/1911.

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trabalhadores.202 Em suas apresentações teatrais se escolhiam temas voltados à crítica da

realidade social dos trabalhadores e à visão de um futuro melhor, opondo-se em relação as

classes dominantes, denunciando injustiças, sentindo o seu empobrecimento, enfim revelando

em meio às atividades recreativas uma consciência de classe.203

O funcionamento da associação, apesar de não contarmos com seus estatutos, pode ser

observado nos indícios que acompanham as notícias das festas. A A. R. A. Mooca seguia um

formato amplamente utilizado pelas sociedades mutualistas e que representavam uma

experiência de condução democrática entre as organizações coletivas.204 A diretoria era

composta, em 1911, por um presidente, Tommaso Devisate, um vice-presidente, Antonio

Devisate, um secretário, Gaetano Galdi, um vice-secretário, Luigi Falgetano, este que também

era o responsável pela direção das festas, e um tesoureiro, Luigi di Luiggi.205

Em 1912, poucas mudanças podiam ser vistas: a associação incluiu um cargo

administrativo, o de vice tesoureiro, ocupado naquele ano por Umberto Casconi. Quanto aos

outros cargos, ainda em 1912 Antonio Devisate tornou-se o presidente, Luigi Falgetano o vice-

presidente, Gaetano Galdi ocupou o cargo de secretário e Luigi di Luiggi manteve-se como o

primeiro tesoureiro.206 Essas alterações nos quadros da direção, ainda que pequenas, revelam

que a associação passava ao menos anualmente por eleições, reforçando assim o caráter

democrático de seu funcionamento.

Em 1913, novamente a composição era diferente: Antonio Devisate era ainda o

presidente, mas a vice-presidência era ocupada agora por Angelo Auriemma. O Primeiro

secretário era João Antonio Pereira. Gaetano Galdi ocupava o posto de primeiro tesoureiro,

sendo que o segundo tesoureiro agora era Olimpio Pereira. Francesco Auriemma e Carlo

Marchela eram, respectivamente, primeiro e segundo fiscais, cargos recém-criados. Giovani

Agnani e Laurindo Barbosa eram os mestres de sala, postos também incluídos no corpo diretivo

da associação naquele ano.207 O que podemos notar a partir destes nomes que compunham a

diretoria da associação ao longo destes anos é o aumento da participação de portugueses nos

quadros da associação que antes eram compostos quase que exclusivamente por italianos,

revelando um intento internacionalista.

202 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 240. 203 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 27. 204 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 86. 205 Fanfulla, 06/08/1911. 206 Idem, 29/01/1912. 207 Idem, 01/06/1913.

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Antes de passarmos de fato às atividades da A. R. A. Mooca, é preciso aqui observar que

ao longo de sua existência, que vai até os anos 1920, a associação passou por duas fases

distintas, em que diferiram não apenas a composição da diretoria e dos sócios, mas também o

teor dos títulos escolhidos para as apresentações. Após 1913, o grupo não teve eventos

registrados ao menos até o ano de 1918, o que indica que houve uma interrupção de suas

atividades.208 Quando reaparece, entretanto, a associação está bastante diferente: o teor das

peças representadas após 1918 já não imprimiam valores de uma identidade operária, mas,

como vimos no segundo capítulo, eram títulos cujos conteúdos se pautavam pela emotividade,

pela moral e pelos amores impossíveis209, afastando-se, desta forma, do movimento operário.

De toda forma, é a primeira fase que nos interessa neste momento.

Até o fim de 1913 a associação realizou diversas festas em que se podiam notar nos

títulos escolhidos para as apresentações um teor crítico à realidade vivida por aquelas pessoas.

Estava anunciada para as 8 e meia da noite de 5 de agosto de 1911, sábado, uma “[...] festa

dramático-dançante” no salão Almeida Garret, na avenida Martim Burchard, no Brás. O

programa, em uma nota bastante curta no jornal Fanfulla, avisava que “[...] serão representados

o drama em três atos 'Scena da miséria' e uma comédia, e, em seguida, as danças". A edição do

mesmo jornal do dia seguinte à festa deu maior espaço à descrição do evento, e comentava-se

que “apesar do tempo frio e da garoa gelada que caiu ontem à noite, muitas famílias e muitos

convidados lotaram o Salão 'Almeida Garret' na avenida Martim Burchard, 3”.

A festa, organizada pelo Clube Recreativo da Mooca, foi muito bem gerenciada

Antes do baile, que foi animado até as primeiras horas da manhã, foram apresentados

o drama 'Scena da Miseria' e uma comédia, que rendeu aplausos para os atores

amadores, senhores Rodrigues F., T. Devisate, A. Devisate, Giulio Falgetano, Adolfo

Primeiro, Adolfo Segundo, e a atriz senhora Alice Gomes.210

Não conhecemos, infelizmente, a profissão dos participantes, dos sócios ou dos atores

amadores da associação, com exceção do ator e diretor cênico, o português Francisco Lemes

Rodrigues França, que era negociante.211 É interessante o fato de que, anos antes, em julho de

1903, enquanto era proprietário da barraca de número 30 do mercado da rua Vinte e Cinco de

Março, Francisco Rodrigues achava-se ao lado dos trabalhadores em meio à greve dos cocheiros

208 A sociedade aparece até a edição de 13/10/ 1913 do jornal Fanfulla. A partir de então, nada mais foi noticiado sobre esta associação, que volta a ser mencionada somente em 22 de agosto de 1918, no mesmo jornal. 209 COLLAÇO, “Os Conteúdos dos Dramas Carregados pela Emoção”, Op. Cit., p. 6. 210 Fanfulla, 05/08/1911 e 06/08/1911, respectivamente. 211 Correio Paulistano, 28/01/1912.

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e acabou ferido e preso com mais outras 30 pessoas212, revelando uma ligação com valores e

identidades da classe operária.

A escolha do título representado parece não deixar dúvidas quanto ao posicionamento

da associação. A peça encenada, “Scena da Miséria”, um “[...] drama popular em três atos”, é

obra de autoria do português Henrique Macedo Júnior, que chegou a ser censurada em Portugal

nos anos 1930 por seu teor crítico.213

Em outubro de 1912, para as comemorações do quarto aniversário da associação, os

sócios promoveram uma “[...] festa dramático dançante” em que “[...] será representado o drama

'La presa della Bastiglia'".214 A Tomada da Bastilha marcava de tal forma uma identidade

operária para as associações que muitas vezes a data era comemorada com grande riqueza ritual,

com comícios e bandas musicais215, chegando, outras vezes, a ser tomada com tamanha

importância que ganhava espaço relevante nos estatutos como uma das datas a ser lembrada.216

Em 1913, “[...] no Conservatório Dramático e Musical da rua São João”, o grupo

realizou uma nova festa.

Desde as primeiras horas a festa se mostrou animada e assim se manteve por toda a

noite.

O sucesso foi belíssimo. A imensa folia dos convidados invadiu o vasto salão.

Destacavam-se elegantes senhoras e senhoritas em variados 'toilettes'.

Pela exímia atriz senhora Elvira Camilli Lattari e pelos senhores Antonio Devisate, S.

Adolpho, Avelino G. da Silva, Eloi Biene, F. Rodrigues, J. M. Araujo, sob a direção

do senhor F. L. Rodrigues, foi interpretada o drama em 3 atos 'O anjo da morte'.

O grande público aplaudiu os artistas a cada queda de cortina.

Um animado baile, que viu o nascer do sol desta manhã, deu um fim à festa.217

É interessante que por vezes a associação tenha locado o salão do Conservatório

Municipal, localizado na região central da cidade, além de outras apresentações no salão

Almeida Garret, no Brás. Tal medida possivelmente se deve ao fato de que a sede da associação

não tinha espaço suficiente para abrigar os eventos. Na verdade, durante toda a sua existência

não houve menção à um endereço na Mooca onde fosse de fato a sua sede, provavelmente

devido a dificuldades em conseguir um local em que pudessem se instalar, algo comum às

associações de trabalhadores naquele período.218 Por outro lado, ao conseguir locar o espaço do

212 O Commercio de São Paulo, 20/07/1903. 213 LEITÃO, Bárbara J. M. A relação entre bibliotecas públicas, bibliotecários e censura na Era Vargas e Regime Militar: uma reflexão. Tese de doutorado. USP, São Paulo, 2010, p. 218. 214 Fanfulla, 11/10/1912. 215 HARDMAN, Nem pátria, nem patrão, Op. Cit., p. 382. 216 BIONDI, “Mãos unidas, corações divididos”, Op. Cit., p. 104. 217 Fanfulla, 01/06/1913. 218 BATALHA, “A geografia associativa”, Op. Cit., p. 265.

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Conservatório – que foi fundado por figuras expressivas (e abastadas) da sociedade paulistana

(Pedro Augusto Gomes Cardim, Carlos de Campos e o senador Lacerda Franco estavam entre

eles) tendo como fim o “[...] desenvolvimento e o ensino da arte de representar e da arte

musical” –, e realizar ali as suas apresentações, a A. R. A. Mooca buscava conferir uma aura de

maior respeitabilidade em torno de suas práticas, tentando obter assim maior reconhecimento

sobre as suas apresentações219, o que poderia ao mesmo tempo, contudo, gerar algumas

divergências frente aos grupos ligados ao movimento operário.220

Devemos voltar, porém, às apresentações que a associação realizava. No aniversário do

quinto ano de existência, o programa da festa dramático dançante, fechado por um “[...]

animado baile”, anunciava que “[...] será interpretado por aqueles atores amadores, sob a

direção do Sr. Francisco Lemes Rodrigues, o drama em quatro atos ‘Os vampiros sociais’”221,

obra que se enquadrava entre aquelas com teor crítico à exploração do trabalhador e à ordem

burguesa.222 Naquela noite, de um sábado como de costume, o drama “[...] foi muito bem

interpretado pela atriz Elvira Camilli Lattari e pelos senhores Eloy Bienes, Antonio Devisate

Luiz Falgetano, Antonio Martins, Thomaz Devisate, João A. Pereira e José Machado”.223

Dentre todas as apresentações da A. R. A. Mooca, uma em especial recebeu maior

atenção por parte dos jornais à época. No sábado, dia 28 de janeiro de 1912, o salão do

Conservatório Musical estava bastante cheio de espectadores ansiosos pela apresentação do

drama “Os ladrões da honra”, que seria seguido por uma comédia, ambas sob a direção de

Francisco Lemos Rodrigues França. Além do próprio diretor, que tomou o papel de um padre,

participavam da encenação a atriz Alice Gomez e os amadores Antonio e Tommaso Devisate,

Luigi e Giulio Falgetano, Eloy Bienes e Antonio Farselli. Durante o evento, contudo, um

acidente interrompeu o andamento da apresentação:

O público se divertia muito e aplaudia freneticamente os intérpretes, quando, no

terceiro ato, precisamente no ponto em que o sacerdote tinha de atirar-se sobre os

joelhos, o senhor Lemes, identificando-se pelo papel que representava, executou

muito o ajoelhar-se. Aqui ocorreu um incidente desagradável, que felizmente não teve

consequências tristes. Terminado o incidente, o espetáculo continuou

imperturbável.224

219 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 312. 220 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 241. 221 Fanfulla, 11/10/1913. 222 PRADO; HARDMAN; BAETA. Op. Cit., 2011, p. XXXII. 223 Fanfulla, 13/10/1913. 224 Idem, 29/01/1912.

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O “incidente desagradável”, como o nomeou o Fanfulla, foi descrito também em um

outro periódico, de grande circulação, o Correio Paulistano, mas com um tom mais caricatural,

indicando que as ações deste tipo de associação de trabalhadores não estavam em harmonia

com as predileções do grupo dirigente do jornal. O Correio Paulistano, ao contar sobre o

incidente, refere-se à obra “Os ladrões da honra” como “[...] um complicado drama, de ação

incerta e época remota”. E continua:

Ao subir o pano, por entre uma roda de palmas da sôfrega assistência, uma respeitável

matrona, de cabeleira empoada, declamava ao fundo, junto de um repuxo, com a

ênfase de um personagem à 1830.

Seguindo com os relatos, o jornal enfoca agora o negociante Rodrigues França “[...] um

dos mais hábeis amadores dos arraiais da Mooca”, que tinha o papel de “[...] 'padre cura',

persona-gratíssima na representação”. “Dele dependeria inquestionavelmente o bom êxito da

representação e as lagrimas porvindouras”. O elogio, todavia, vinha mesclado com um tom

jocoso por parte dos editores do jornal, que continuavam:

Ninguém estranhou, portanto, a ruidosa aclamação que se fez na sala, quando surgiu,

solene na sua sotaina negra, o negociante sr. Francisco Rodrigues, de 31 anos de idade,

residente à rua da Mooca, n.º 320. Era amador de truz, e dele tudo esperava a

numerosa assistência.

O 'velho padre cura', que, por sinal não era velho nem nada, porque a respectiva

caracterização mal encobria as suas rosadas bochechas, protestando uma mocidade

sadia, entrou solene, como ficou dito, e solene permaneceu durante todo o ato, para

gaudio dos espectadores e dos que com ele contracenavam.

A peça seguia e, após um intervalo, “[...] regado copiosamente à cerveja e à gasosa -

únicas bebidas compatíveis com o calou de ontem”, teve início o segundo ato “[...] que decorreu

cheio de emoções para a assistência”. O terceiro ato, contudo, trouxe o incidente. Ainda

encarnando a personagem de “padre cura”,

[...] atormentado por uma enfermidade, que todos lamentavam, surgiu de trás de um

bastidor com as faces encovadas, que mais acentuavam o seu ar piedoso mantido

desde começo. Era chegada a sua hora! - dizia ele, revirando os olhos até à altura das

bambinelas, onde ardia uma gambiarra de gás. Não a temia, porém, 'pois a morte é

doce, quando se sabe morrer!'[...].

Finalmente, soou a hora fatal. Sem uma palavra de ódio, sem um gesto de rancor, que

denotasse a sua impaciência naquela hora suprema, o sacerdote, erguendo as mãos aos

céus numa atitude súplice, exclama, ao tempo que um grande calafrio percorre a

espinha dorsal da assistência: - É assim, assim é que morre um justo! ...

Disse e caiu.

Uma nova e vibrante salva de palmas a reboar no salão, mas foi de súbito suspensa,

pois uma lamentável desgraça tinha ocorrido. O negociante Francisco Rodrigues, que

então já não era o padre cura, ao cair de cheio no tablado espetou irreverentemente o

queixo num prego e deu um grito lancinante, que a platéia bem compreendeu não ser

do papel.

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O 'cínico' foi o primeiro a socorrê-lo, cheio de enternecimento e solicitude.

É fácil de imaginar-se a balburdia que se estabeleceu, pois a virtude não tinha sido

ainda totalmente premiada, quando o raio do acidente veio perturbar a boa marola da

representação.

E assim terminou a partida de ontem da Associação Recreativa e Atlética da Mooca.

O negociante Francisco Rodrigues, caracterizado ainda de padre cura e com as vestes

ensanguentadas, foi conduzido para a Polícia Central num auto ambulância e ali

recebeu socorros ministrados pela assistência policial.225

A passagem retirada do Correio Paulistano é bastante diferente do que se noticiou no

Fanfulla. No primeiro, é possível observar que o incidente representou, para os seus editores, o

ápice da noite, ao ponto de toda a descrição daquele jornal se manter quase que apenas sobre o

acidente, sempre em tom jocoso, e chegar mesmo a dar por encerrada a festa após o fato que

lhes interessava noticiar. O Fanfulla, contudo, tratou o acidente como algo menor, preferindo

dar conta do evento em sua totalidade, sem os ares chistosos do outro jornal:

Terminado o incidente, o espetáculo continuou imperturbável.

O programa musical, realizado pelos alunos do professor Armando Marchi, foi muito

bem feito, e os artistas, aclamados.

Encerrou a bela festa um animado baile, que foi até a madrugada.

A direção da associação ofereceu ao professor Armando Marchi uma medalha de ouro

trabalhado e à sua mulher senhora Guanita um belo 'bouquet' de flores artificiais.

Os membros do corpo cênico ofereceram ao seu diretor, senhor Francisco Lemes

Rodrigues, uma bela medalha de ouro.226

As diferentes visões apresentadas pelos jornais revelam bastante a respeito da

associação. O Fanfulla tinha como principal característica se apresentar como porta-voz da

comunidade italiana imigrada, sendo o maior periódico publicado em língua italiana de São

Paulo. Apesar de compor a chamada grande imprensa (burguesa), e não uma imprensa operária,

o Fanfulla foi simpático às causas operárias e em muitos momentos atuou mediando as

negociações entre os trabalhadores grevistas e os empresários.227 Já o Correio Paulistano, como

se sabe, estava ligado a uma elite econômica paulista bastante conservadora e ao Partido

Republicano Paulista, o PRP, como o próprio jornal exibia em sua capa.228

Observando as duas notícias sobre a associação, e levando em conta o que disse

Thompson para o caso inglês, podemos entender que a A. R. A. Mooca nos dá, frente à “[...] sua

opacidade diante do escrutínio das classes superiores”, uma mostra de certa independência e

também do desenvolvimento de uma cultura de classe em suas atividades.229

225 Correio Paulistano, 28/01/1912. 226 Fanfulla, 29/01/1912. 227 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 126 e 273. Ver principalmente os capítulos 3 e 6. 228 THALASSA, Op. Cit. 229 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 314.

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Certamente, é preciso ter em conta, como aponta Angelo Trento, que as peças que

tratavam de temáticas sociais eram bastante frequentes entre as associações de trabalhadores,

mesmo entre aquelas que estavam desvinculadas de qualquer esforço político declarado, que

escolhiam com astúcia dramas cuja temática era a de contestação de injustiças.230 Todavia,

existem ainda outros sinais que nos permitem entender desta forma – como pertencente à classe

operária em formação – esta associação.

Comecemos pelos grupos que estavam presentes nos eventos da A. R. A. Mooca.

Durante todo o período de que tratamos, que vai até o ano de 1913, diversas associações se

fizeram notar nas festas promovidas pela A. R. A. Mooca. O G. D. Almeida Garret estava

representado por uma comissão na festa que foi realizada em seu próprio salão, em agosto de

1911. Em 1912, em outra festa, encontrava-se presente a comissão representando do Grupo

Dramático Lira D’Apollo, e, no ano seguinte, em 1913, era constante a presença de

representantes do Grêmio Giovani Violeta e do Triumph Club, este último sempre nas figuras

de Nello Flarini, Giuseppe Pennera, Mario Berini e Daniele Ligeri.231

É verdade que estas associações eram todas recreativas, mas a sua presença sugere uma

tentativa de fortalecimento e de legitimação entre elas, configurando um tipo de comunidade

de trabalhadores na defesa, mas sobretudo na afirmação, da existência de suas sociedades.232

Mais interessante, no entanto, é a presença constante do Círculo Dramático Aurora

(também apresentado entre as notícias como Grêmio Recreativo Dramático Aurora233), grupo

libertário dirigido por Pietro Frigieri e Onofrio Vella234 que se fez representar em todas as

apresentações da A. R. A. Mooca realizadas até 1913, sobretudo através de Salvatore Coelho e

Luando da Silva235, o que demonstra que a sociedade estava ligada a associações políticas.

Um outro ponto de convergência entre o lazer e a organização de cunho mais político

pode ser notado entre os sócios, muitas vezes socialistas, anarquistas, sindicalistas

revolucionários e republicanos que transitavam entre associações.236 De fato, não foram poucos

os dirigentes do movimento operário, sobretudo os imigrados italianos socialistas, que tinham

como tática aproveitar todos os espaços associativos possíveis, incluindo aqueles de caráter

230 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 241. 231 Fanfulla, 06/08/1911, 29/01/1912, 01/06/1913 e 13/10/1913. 232 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 17. 233 Ver, por exemplo, Fanfulla, 13/10/1913. 234 TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel, 1989, p. 223. 235 Ver, como exemplo, as edições do jornal Fanfulla de 06/08/1911; 29/01/1912; 01/06/1913; 13/10/1913. 236 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 241-242.

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fortemente étnico, para difundir as suas idéias.237 Mas também os trabalhadores comuns podiam

participar ao mesmo tempo de mais de uma associação, transitando, por exemplo, entre as

sociedades mutualistas, sindicais e recreativas.238

Das pessoas que participavam das atividades da A. R. A da Mooca, encontramos

Giuseppe Devisate, que, em 1906, era auditor de contas da Stella D’Italia239, associação

presidida por Nicola Della Volpe, ligada à Meridionali Uniti e cujos valores monarquistas eram

antagônicos aos internacionalistas, estes mais difundidos entre as associações ligadas

explicitamente à classe operária. Contudo o caso de Giuseppe, parente de Antonio, Vincenzo e

Tommaso Devisate, diretores da associação, é atípico quando se compara, junto com o teor das

peças representadas, à presença de outros participantes. Ainda, a presença de Giuseppe, como

já demonstraram Trento e Biondi, reforçava a idéia de que identidade étnica e de classe não

eram incompatíveis e nem estáticas.240

Da mesma forma podemos entender os casos de Balzano Annetta, tesoureiro da Stella

D’Italia em 1907, que, após o encerramento das atividades desta associação, tornou-se sócio da

A. R. A. Mooca, em 1912241, e de Elvira Camilli Latari, atriz amadora que atuou na mesma

Stella D’Italia em que estava Balzano, entre 1907 e 1908, e depois, em 1909 no C. F. Tina di

Lorenzo, até filiar-se à A. R. A. Mooca em 1913, onde permaneceu até ao menos 1918.242

É possível, e bastante provável, ainda, que Elvira Camilli Latari tivesse algum grau de

parentesco com Tommaso Camilli, ator amador do C. E. S. Francisco Ferrer entre 1911 e

1913243, o que pode sugerir que por algumas vezes a atriz se fizesse presente nas reuniões do

Círculo, associação que, como se viu, se empenhava em organizar os trabalhadores tanto em

veladas de propaganda quanto em reuniões mais práticas com grupos de ofício.

As ligações entre a A. R. A. Mooca e o C. E. S. Francisco Ferrer podem ser confirmadas

ainda por outras pessoas: Vincenzo Richetti, ator amador associado ao mesmo tempo, em 1911,

das duas associações. Americo Taddei participava das sessões do mesmo círculo e, mais tarde,

passou a acompanhar também as apresentações da A. R. A. Mooca. Tzianno Genaro, que

costumava comparecer às sessões promovidas pela A. R. A. Mooca era ator amador e participava

237 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 165. 238 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 242. 239 Fanfulla, 24/09/1906. 240 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit.; BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit. 241 Fanfulla, 12/10/1907 e 29/01/1912, respectivamente. 242 Idem, 30/09/1908, 06/01/1908, 12/02/1909, 12/10/1913 e 26/08/1918, respectivamente. 243 Idem, 19/11/1911 e 08/02/1913.

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das apresentações do C. E. S. Francisco Ferrer. Também eram sócios das duas associações, ao

mesmo tempo, Adelaide Bonine e o ator amador Giovanni Panighel, ambos italianos.244

Outros trabalhadores, enquanto frequentavam a A. R. A. Mooca, eram sócios de

associações de caráter mutualista, e – pela indicação de internacionalismo – socialista, como a

Associação Auxiliadora União Internacional, antiga Sociedade Beneficente dos Alfaiates em

São Paulo. Esse era o caso de José da Silva Rodrigues e de José Pereira de Almeida, sócios e

subscritores dos estatutos da União Internacional245, e que acompanharam a A. R. A. Mooca

entre 1911 e 1913.246

Todas estas interconexões entre diferentes associações, algumas libertárias, outras

socialistas, além dos títulos apresentados, são fortes indícios de que a A. R. A. Mooca se

configurava em uma associação gestante de uma cultura operária247, tornando-se não apenas

uma sociedade de trabalhadores em sentido amplo, mas componente da classe operária.

4.6. Espaços para a solidariedade.

As formas de organização da maioria das sociedades recreativas, como vimos

anteriormente neste estudo, eram derivadas do formato amplamente utilizado pelas sociedades

mutualistas, que representava uma experiência de condução democrática entre as organizações

coletivas, chegando a se tornar o modelo para diversos grupos políticos da classe operária.248 A

título de comparação, os estatutos da União dos Operários em Fábricas de Tecidos, cujos fins

apresentavam características sindicais (de defesa, “[...] em caso de perseguições e injustiças por

questões sociais”, e de luta, para “[...] melhorar as condições de trabalho nas fábricas”), era

administrada por “[...] uma diretoria com atribuições executivas, eleita anualmente, composta

de um presidente, vice-presidente, 1º e 2º secretários, 1º e 2º tesoureiros e um procurador”.

Havia ainda um conselho fiscal “[...] também eleito”. Todos os cargos eram escolhidos em

eleições anuais, durante assembléia geral, e todos os sócios tinham o direito de votar e serem

votados, mediante a utilização de cédulas que posteriormente eram recolhidas em uma urna

“[...] devidamente fechada”.249 Também a Sociedade Cooperativa dos Cocheiros de São Paulo,

244 Ver, respectivamente, as edições do Fanfulla de 06/08/1911 e 18/11/1911; 19/11/1911 e 01/06/1913; 29/01/1912 e 08/02/1913; 19/11/1911 e 29/01/1912; e 19/11/1911 e 01/06/1913. 245 Estatutos da Associação Auxiliadora União Internacional (A. A. U. Internacional). Sociedade Civil n.º 128, 1903. 246 Fanfulla, 06/08/1911 e 01/06/1913. 247 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 314. 248 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 86. 249 Estatutos da U. O. F. Tecidos, 1919.

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fundada em 1907, era administrada por um presidente, um secretário, um tesoureiro, um

procurador e um conselho fiscal, com eleições realizadas a cada três anos, de que podiam

participar todos os sócios.250

Voltando às associações recreativas, o Heroe das Chammas Foot-Ball Club em seus

estatutos afirmava ter a diretoria composta por um presidente e um vice-presidente, 1º e 2º

secretários e 1º e 2º tesoureiros e um diretor esportivo, todos eleitos mediante

[...] escrutínio secreto em cédulas manuscritas ou impressas, legíveis e sem emenda,

contendo dez nomes, a saber: seis membros para a Diretoria, três para a Comissão de

Contas e um para Diretor Esportivo.

Todos os sócios “[...] quites com o cofre social” tinham direito a “[...] votar e ser votado

para os cargos administrativos”, e ainda “[...] propor, discutir e votar em Assembléia Geral,

qualquer medida que julgar conveniente, a bem dos interesses do Club”251, o que garantia ao

Heroe um funcionamento baseado em valores bastante coletivistas.252

Os estatutos da Banda Internacional da Sociedade Recreativa Musical da Mooca

também indicavam que “[...] a sociedade é administrada por um presidente, um vice-presidente,

um secretário, um vice-secretário, um tesoureiro, um vice tesoureiro e quatro conselheiros”.253

Tanto o clube de futebol quanto a banda alertavam nos estatutos para a necessidade –

na verdade a obrigatoriedade – de se ter um “bom comportamento” como um requisito para

manter-se como sócio. Para ser admitido como sócio do Heroe das Chammas o proponente

deveria “[...] ter bom comportamento moral e civil” e “[...] não ter sido expulso de outros Clubs

por motivos desairosos”.254 A Banda Internacional afirmava, além do “[...] bom

comportamento moral”, que “[...] o sócio não deve ter cometido crime de espécie alguma, e não

comprometer de modo algum o bom andamento da sociedade”.255

Para associações políticas e também para aquelas recreativas, como nota Thompson para

o caso inglês, “[...] ordem e honestidade eram os principais lemas. Havia uma expectativa,

inclusive, de que, quando os ‘cavalheiros e magistrados’ constatassem a sua disciplina,

‘tenderiam a reverenciar ao invés de punir semelhante sociedade’”.256 Contudo, tratava-se

também de uma forma de se diferenciar daquelas associações pertencente às camadas mais

250 Estatutos da S. Cooperativa dos Cocheiros, 1907. 251 Estatutos do Heroe das Chammas F. B. C. Sociedade Civil n.º 826, 1921. 252 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 310. 253 Estatutos da Banda Internacional..., 1920. 254 Estatutos do Heroe das Chammas, 1921. 255 Estatutos da Banda Internacional..., 1920. 256 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 310.

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abastadas, que muitas vezes tinham como um importante critério de admissão a posição e o

reconhecimento na sociedade de que gozava o proponente.257

A exigência de boa conduta, entretanto, como alerta Uassyr de Siqueira, não significava

o mesmo que para a polícia ou poderes públicos.258 Para as associações de trabalhadores,

[...] a disciplina necessária para a custódia dos fundos, para a condução organizada

das reuniões e para a resolução de situações controversas exigia um autocontrole tão

grande quanto a nova disciplina do trabalho.259

Não por acaso, a imposição de multas e penalidades dispostas nos estatutos eram

bastante severas: a Banda Internacional previa a “demissão” dos sócios “[...] que procurarem

desmoralizar esta sociedade” e dos que “[...] faltarem três vezes consecutivas às reuniões sem

motivo justificado”. Quanto à previsão da punição pelo atraso da mensalidade, principal fonte

de recursos da associação, o termo demissão – que poderia alguns casos ser em ser revertido

após deliberações do conselho – foi substituído pelo termo mais permanente “eliminação”.260

Para o Heroe das Chammas, o atraso no pagamento das contribuições em mais de dois

meses acarretaria em suspensão de todos os direitos associativos do devedor, até que este

quitasse as mensalidades. A eliminação, contudo, estava prevista para a maior parte das faltas:

o atraso das mensalidades em mais de três meses, a difamação do clube “[...] direta ou

indiretamente”, os que fossem “[...] condenados por crimes infamantes”, os que fraudassem os

cofres sociais, os que não prestassem contas de seus atos em nome da associação.261

Todos estes “códigos”, como diz Thompson, eram elementos necessários à própria

manutenção das sociedades constituídas entre os trabalhadores, e, ao serem tomados em

conjunto, indicam uma aquisição de autodisciplina e de consciência frente às adversidades

experimentadas por aqueles operários. Essas experiências comuns muitas vezes cristalizavam

nas associações de trabalhadores um caráter de reciprocidade ou de solidariedade.262

Em agosto de 1918, o Heroe das Chammas publicou uma nota de chamada aos sócios

em um jornal, informando que

Hoje, ás 19 horas, reunir-se-á na sede social, à rua da Mooca, 13, a assembleia geral

extraordinária desta sociedade, à qual deverão comparecer todos os associados. São

da maior importância os assuntos dados para discussão.

257 SIQUEIRA, “Clubes Recreativos: organização...”, Op. Cit., p. 281. 258 Idem, ibidem, p. 283. 259 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 311. 260 Estatutos da Banda Internacional..., 1920. 261 Estatutos do Heroe das Chammas, 1921. 262 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 312 e 316.

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Dois dias depois da assembleia geral realizada pelo Heroe, a Liga dos Operários de

Tecelagem da Mooca realizou a sua assembleia, às 19 horas, exatamente no mesmo endereço.263

Estas duas sociedades, com nenhum tipo de vínculo aparente, a não ser o endereço e a

prática ritual da assembleia geral – às 19 horas –, lançavam mão de uma estratégia de

sobrevivência ao compartilharem uma mesma sede. No entanto, naquele período, as duas

viviam situações bastante distintas no que diz respeito à sua solidez.

Instalada à época na rua da Mooca, n.º 292-A264, a Liga da Mooca, surgida em maio de

1917 para “[...] melhorar as condições de vida e trabalho do operariado”, contava com 400

filiados, passando a 600 no mês seguinte, e, a partir daquele mês, junto com outras ligas, como

a do Brás, da Água Branca, Lapa, Cambuci, e outras ainda, teve decisiva participação na

mobilização dos trabalhadores para a greve geral e durante o movimento operário em geral

daquele ano. Imediatamente após as jornadas grevistas a Liga contava com 3.000 filiados,

sediava reuniões de diferentes categorias em sua sede e promovia palestras libertárias. O

período de ascensão das ligas, porém, estava para terminar já em setembro daquele ano, pois

como diversos jornal anarquistas e socialistas passaram a denunciar, cresceu a ofensiva

promovida por industriais e pela polícia.265

Por sua vez, o Heroe das Chammas, “[...] formado por elementos boníssimos”, poucos

meses após aquela assembleia já estava filiado à Federação Paulista de Sports Athléticos,

ocupando ótima colocação no campeonato e com grandes chances de ascender à “[...] segunda

divisão”.266 Vivia, portanto, um período de ascensão, em que floresceram no bairro diversos

outros clubes esportivos.267

Frente a isso, manifesta-se o caráter solidário do uso compartilhado da sede em que uma

associação recreativa abrigou uma liga sindical, em uma tentativa de se garantir frente às

adversidades, denotando valores intrínsecos a uma “comunidade operária”, expressos no

coletivismo e na solidariedade ao enfrentarem experiências comuns.268

Pensando ainda nas experiências vividas pelos trabalhadores em suas associações

recreativas, a Banda Internacional preocupou-se em adicionar, no estatuto lançado em 1920,

mais um elemento de seleção aos aspirantes a sócios: seriam admitidos os apenas os indivíduos

263 O Combate, 22/08/1918 e 24/08/1918, respectivamente. 264 Idem, 04/10/1917. 265 LOPREATO, O espírito da revolta, Op. Cit., p. 102 e 142-146. 266 Fanfulla, 17/01/1919. 267 Ao verificarmos a lista das associações existentes na Mooca, no início desta parte, notamos que até 1916 os grupos esportivos oscilavam entre um e dois em cada ano. Em 1918, entretanto, eram três e, em 1919, cinco. 268 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 310 e 316.

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sadios, “[...] e não sofrendo doenças contagiosas”.269 A decisão de incluir esta exigência no

documento possivelmente se deveu às lembranças da época vivida em meio à Gripe Espanhola,

epidemia que afetou de forma grave, em 1918, os bairros operários270, ceifando a vida de muitos

trabalhadores.271 Naquele período, segundo Uassyr de Siqueira, o Serviço Sanitário determinou

o fechamento de muitas das sociedades de trabalhadores da cidade, sobretudo as recreativas,

que o órgão público julgava como um dos locais possíveis de transmissão da doença. Assim, a

exigência do ser “saudável” se ligaria tanto à necessidade de responder a uma imposição dos

poderes públicos quanto “[...] criar uma imagem de vigor” entre os seus sócios.272

Devemos nos deter por alguns momentos sobre as experiências dos trabalhadores da

Banda Internacional para poder entender como ela se configurava como uma associação ligada

ao processo de formação da classe operária paulistana. Um primeiro indicativo reside na própria

nomenclatura adotada: o nome Banda Internacional da Sociedade Recreativa Musical da

Mooca indicava, antes de tudo, a intenção de fazer do internacionalismo uma característica

identitária do grupo273, exemplo encontrado também em outras associações da Mooca, como

beneficentes e mutualistas – como a Sociedade Internacional Beneficente de São Paulo (1914)

e a Sociedade Internacional de Socorro Mútuo da Mooca (1916).

A identidade internacionalista a que visavam os sócios da Banda podia ser encontrada

ainda na composição étnica da diretoria: presidente, Geronymo Colla; vice-presidente,

Francesco Auriemma; secretário, José Maria L. Saraiva; vice-secretário, Augusto Steinlock;

tesoureiro, Giovanni Breanza; diretor-mestre, Dante Cavazzini; conselheiros, Galdino Reis,

Paulo Roversi, Angelo Auriemma, Narciso Teroni.274

A partir destes nomes, conseguimos identificar, em primeiro lugar, uma maioria de

italianos, seguindo a composição mesma do bairro, mas sobretudo, para o que importa neste

momento, sobrenomes provenientes de outras regiões: José Saraiva e Galdino Reis,

portugueses; Augusto Steinlock, possivelmente alemão.

A associação, entretanto, não nasceu como uma banda, nem levava o termo

internacional. Os estatutos, datados de 1920, marcavam a data de fundação como 5 de dezembro

269 Estatutos da Banda Internacional..., 1920. 270 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 95. 271 BERTUCCI, Liane M. “Remédios, Charlatanices... e curandices: práticas de cura no período da gripe espanhola em São Paulo”. In: CHALHOUB, Sidney et. al. (org.). Artes e ofícios de curar no Brasil: capítulos de história social. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009, p. 199. 272 SIQUEIRA, Entre sindicatos, clubes e botequins, Op. Cit., p. 121. 273 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 80. 274 Estatutos da Banda Internacional..., 1920.

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de 1917, dia em que se instalaram no n.º 480 da rua da Mooca.275 Contudo, o nome adotado foi

Società Ricreativa Musicale della Mooca, indicando ter sido fruto do empenho de trabalhadores

italianos.276 Os mesmos objetivos declarados nos posteriores estatutos – “[...] organizar festas

e bailes familiares uma vez por mês”277 – podiam ser vistos já em 1918. Em agosto daquele

ano, a S. R. M. della Mooca promoveu uma festa no espaço do cinematógrafo “[...] Palácio

Moderno”, situado na rua da Mooca, n.º 419. “Será posto em cena o drama 'Lo schiavo di S.

Domingo'. Estamos confiantes de que o partido terá sucesso esplêndido".278

A peça, com título em língua italiana, era um drama em um prólogo e quatro atos, de

autoria de Giambattista Colajani-Cely, publicado e largamente encenado em Nápoles279,

Campânia, indicando que a associação era frequentada em grande parte por italianos sobretudo

provenientes daquela região.

Antes de prosseguirmos com nosso foco sobre esta associação, é preciso chamar a

atenção para o fato de existir no mesmo período uma outra sociedade com um nome bastante

parecido: a Società Ricreativa Musicale Unione della Mooca. Todavia, esta sociedade, como

vimos, além do diferencial elemento Unione em sua nomenclatura, era dirigida por Ezio

Dall’Ovo, foi fundada em fevereiro de 1918, a partir da fusão de outras duas sociedades, e tinha

sede na rua Borges de Figueiredo, n.º37.280 Além disso, os caminhos tomados pelas duas foram

muito diferentes: a Unione não ultrapassou o primeiro ano de existência e, entre 1919 e 1920,

alguns de seus sócios se ligaram à Società Italiana della Mooca, sociedade esta que caminhava

na direção de vínculos identitários puramente étnicos e interclassistas.281

Mas voltemos à Banda Internacional. Na época de sua fundação, a associação era

formada quase que exclusivamente por italianos. Em 1918, estavam à frente da S. R. M. della

Mooca Tulio Castoldi, Attilio Corazza, Angelo Passetto, Ettore Bernardi, Dante Cavazzini e

Giuseppe Fandella.282 É interessante notar a grande mudança na composição dos nomes da

diretoria, na qual apenas Dante Cavazzini permanecia em 1920. A mudança na diretoria se deu

provavelmente em 1919, quando a associação aparece já com o nome de Banda Internacional.

Nesta fase há um sinal de que a origem do internacionalismo destacado na nomenclatura do

275 Estatutos da Banda Internacional..., 1920. 276 Fanfulla, 28/07/1918. 277 Estatutos da Banda Internacional..., 1920. 278 Fanfulla, 24/08/1918. 279 Archivi di Teatro Napoli. <http://cir.campania.beniculturali.it/archividiteatronapoli/atn/copioni_teatrali/dettagli_copioni_teatrali_tit_en?oid=24010&query_start=668>. Acesso em: 26 mar. 2015. 280 Fanfulla, 01/10/1918. 281 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 143. 282 Fanfulla, 29/08/1918.

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grupo tenha se devido, entre outros fatores, às ligações que a S. R. M. della Mooca mantinha

com associações políticas engajadas nas lutas dos trabalhadores. Em outubro de 1919, mais

precisamente no dia 12, um domingo,

[...] ás 14 horas, véspera do 10º aniversário do fuzilamento de Francisco Ferrer y

Guardia, instituidor da Escola moderna de Barcelona, será realizada na sede da Escola

Moderna n.1 à avenida Celso Garcia, 282, uma sessão comemorativa a esse

acontecimento histórico.

O programa contará de uma pequena exposição de trabalhos escolares, exercícios ao

quadro negro pelos alunos, cantos de hinos, recitativos, música pela Banda

Internacional da Mooca e conferencia alusiva à data.283

Essas ligações, como vimos anteriormente, não eram fato raro entre sociedades dos mais

variados tipos. Todavia, elas revelam bastante sobre os valores dos trabalhadores associados à

S. R. M. della Mooca. As experiências prévias dos sócios e diretores da associação podem

reforçar este tipo de ligação. Angelo Auriemma, um dos conselheiros da Banda Internacional,

foi, em 1911, sócio da A. R. A. Mooca – que, já vimos, mantinha vínculos com integrantes

ativos do movimento operário –, e em 1913 era o seu vice-presidente. Da mesma forma,

Francesco Auriemma, secretário da Banda Internacional, era sócio em 1911 da A. R. A. Mooca

e seu primeiro fiscal em 1913. Galdino Reis, também conselheiro da Banda, era sócio daquela

associação. Ainda, faziam parte da A. R. A. Mooca e aparecem mais tarde como sócios da Banda

Pietro Gardini e José Bertorelli. Outros trabalhadores frequentavam ao mesmo tempo a Banda

Internacional e eram sócios da Sociedade Internacional de Socorro Mútuo da Mooca, como o

português João Gonçalves e o italiano Pietro Ballabene.284

As interconexões encontradas denotam uma circulação de idéias entre os trabalhadores,

que por muitas vezes adotavam aquelas que pudessem colaborar para a melhoria de suas

vidas285, o que possivelmente contribuiu para que a S. R. M. della Mooca adquirisse valores

mais coletivistas como o internacionalismo.286

É possível, ainda, que muitos dos integrantes desta associação se inserissem entre os

socialistas. Neste período, vivia-se ainda o estado de sítio iniciado pelos poderes públicos, com

duras repressões após às jornadas grevistas de 1917. Esta era também uma fase em que os

grupos anarquistas estavam em declínio. E, apesar de ser um período de descontinuidades em

relação àquele anterior, os socialistas não desapareceram depois de 1917, ainda que tenham

283 O Combate, 11/10/1919. 284 Fanfulla. Respectivamente: 06/08/1911 e 01/06/1913; 06/08/1911 e 01/06/1913; 29/01/1912 e 13/10/1913; 13/10/1913 e 29/08/1918; 29/08/1918 e 11/12/1920. 285 TOLEDO, Travessias Revolucionárias, Op. Cit., p. 384. 286 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 187.

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diminuído em quantidade, e se abrigaram em diversas associações, sobretudo mutualistas, mas

atuando ainda em praticamente todos os meios associativos dos trabalhadores paulistanos.287

De toda forma, a Banda Internacional, ainda sob o nome de Società Ricreativa Musicale

della Mooca, em 1918, deu mostras de um forte senso coletivista.

O presidente da Sociedade Recreativa Musical da Mooca faz notar que, após a morte

do sócio Secondo Bolani, falecido antes de ontem, e cujo funeral ocorreu ontem, foi

iniciada uma subscrição em favor da viúva e dos quatro filhos, em idade precoce, que

se encontram com muitas limitações.

É preciso lembrar que naquele período vivia-se já a epidemia da Gripe Espanhola, que

atingiu gravemente os bairros operários, e que possivelmente foi a causa da morte de Bolani. A

S. R. M. della Mooca, ao agir em socorro à família do sócio falecido, lançava mão de uma

prática característica das sociedades mutualistas. Não apenas isso, os diretores da sociedade

apelavam para a “humanidade”, buscando despertar a solidariedade daqueles que liam a nota:

“[...] se apela para a bondade dos sócios e pessoas dispostas que não neguem ofertas. Temos a

certeza de que ninguém se negará a contribuir com uma obra tão humanitária”.288

Como não possuíam caixa suficiente – mesmo porque o estatuto da associação não

previa um fundo para dar conta de casos como este – os sócios e diretores da S. R. M. della

Mooca passaram a coletar dinheiro durante quase um mês entre diversos moradores do bairro

e de diferentes associações para amparar a família do falecido Bolani. Ao que tudo indica, a

subscrição obteve sucesso.

A Società Ricreativa Musicale della Mooca conseguiu para a viúva e aos 5 filhos do

sócio Secondo Bolani, que morreu nos últimos dias, a soma de 341$300 reis,

recolhidos dos próprios sócios e seus conhecidos.

Na mesma nota, a direção agradecia a todos os “[...] generosos subscritores” pelo

auxílio, divulgando os nomes e os valores das doações.

Lista n. 1 do sr. Tulio Castoldi: Tulio Castoldi 5$ - Manuel Duarte 2$ - Luisa

Mampero 2$ - Augusto Cieuto 1$ - Hugo Moraes 2 - Antonio Detin 2- Virginio Longo

4$ - Valentino Rossi 3$ - Gino Zanese 3$ - Total 24$.

Lista do sr. Attilio Corazza: Attilio Corazza 5$ - Alfonso Fioravanti 2$ - Adolfo

Piazzoli 1$ - Massimiliano Allegreti 2$ - Fortunato Ernesto 3$ - Irmãos Cardoso 1$ -

Attilio Crespi 2$ - J. B. 2$ - Francisco Saraiva 1$ - R. I. 1$ - José Rodrigues 2$ -

Ernesto Sartorio 1$ - João Januario 1$ - José Fernandes de Mattos 1$ - Silvio Trolhani

1$5 - Fernando A. Vecchi 2$ - Angelo Sandri 1$ - Orlando Luccati 2$ - Rinaldo

Dorini 2$ - Alfredo alves de Azevedo 1$ - Total 37$599.

287 BIONDI, Classe e Nação, Op. Cit., p. 360-364. 288 Fanfulla, 28/07/1918.

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Lista do sr. Angelo Pasetto: Angelo Pasetto 5$ - Fernando Albertini 1$ - Vitale De

Fraia 1$ - Italo Calciolari 1$ - prof. Ezio Dall'Ovo 5$ - Alessandro Fomentini 1$5 -

José Albertini 2$ - Francesco Pasetto 1$ - Usoltta L. L. 2$ - Cristiano Generoso 5$ -

Socrate Bettini 5$ - Vicente Cicchiarelli 3$ - Pantale Farielo 1$ - José Maldi 3$ - Jose

Francapani 2$ - Emilio Mesnuito 2$ - Benedito Gonçaves 1$ - Dante Negrini 5$ -

Diego Salas 2$ - Eliseo 2$ - Giovanni Eberle 2$ - Marini Giovanni 2$ - José Detini

5$ - Giovanni Daros 2$ - Luiz Bedendo 2$ - Manoel da Silva 1$ - G. Pinza 2$ - Pedro

Gil 2$ - Vicente Romano 1$ - Teresa Sandri 1$ - Famiglia Girardi 3$ - Luisa Carlini

1$ - Tasson 2$ - Andrea Rancci 2$ - José Roversi 2$ - Total 30$500.

Lista do sr. Ettore Bernardi: Ettore Bernardi 2$ - Antonio Fernandes Paiva 1$ - Julio

de Almeida 5$ - Gaspar 1$ - Vergilio 1$ - Giulio Falgettano 1$ - Andrea Bellotti 5$ -

Breanza 1$ - Battista Valsecchi 1$ - José Santi 1$ Arnoino Novelli 1$ - Corrado

Bottoni 2$ - Raffaele Vechiati 1$ - Ramiro Ferreira 2$ - Guilhermino Pimentel 1$ -

Augusto Moreira 1$ - José Ramos 1$ - Ernesto Gerardo 1$ - Salamanca 1$ - Carlo

Albertini 1$5 - José Bertorelli 1$ - Vicente Custodio 3$ - Antonio de Santi 2$ -

Thomaz Santos 1$ - João dos Anjos 1$ - Joaquim Borges 2$ - Carlos Von Eni $ [sic]

- Angelo C. $5 - Luiz $5 - Total 34$500.

Lista do sr. Dante Cavazzini: Dante Cavazzini 5$ - Silvino P ver $ [sic] - Gennaro

Pozzavia 2$ - Carlo Fraguglia 2$ - Pasquale Battista 1$ - Federico Faggio 1$ - Manoel

Carneiro 1$ - Primo Veronese $5 - Victor Bin 2$ - Anônimo 1$ - Giuseppe Crisoni

2$ - Vincenzo Sudano $5 - Tranquillo Fioravanti 1$ - Filippo Pasquale 2$ - Francesco

Rascaglia 1$ - Domenico Giovane 1$ - N. 27 $5 - Giuseppe Presotto 1$ - Giuliano

Bertarello 1$ - Salvatore Panelardi 1$ - Pasqualino Antonio 3$ - Pietro Gardina 1$ -

Angelo Franceschetti $5 - Amadeu dos Santos 1$ - Augusto Vilman 1$ - Gioacchino

Saiani 2$ - Ferdinando Goddig 1$ - Francisco Ferreira 1$ - Antonio Pinetti 1$ -

Andrea Ferrari $5 - Ricardo Vernese 2$ - Antonio De Filippo 1$ - Luigi Pegioni 1$ -

João Gomes 1$ - Giovanni Casparetto 1$ - Giuseppe Cappoli 1$ - Antonio Macceri

1$ - Salamone Sabbaro $5 - Terano Luigi $5 - Lino Nastari 1$ - Cesare Passerini 1$

- João Gapis $5 - Villy Schuz 2$ - Jamenci Giovani 1$ - Antonio Rozzi 5$ - Hugo

Ulman 1$ - Antenor Benedusi 1$ - Manoel Ferreira 1$ - Cesario Carrara 1$ - Antonio

Jaccob 1$ - João Gonçalves $5 - José Nessan 1$ - José Cardoso 1$ - Carlo Angelini

$5 - Eduardo de Jesus 1$ - Angelo Frezzi 1$ - João Paulon 1$ - José Di Cara 1$ -

Vittoria Vanecci $5 - Amelia De Jesus $5 - Teresa Pereira $4 - Maria das Dores $5 -

Candida da Conceição $5 - Assunta De Negri $5 - Albina Vandaes $5 - Candida da

Conceição $5 - Santa Passerini $5 - Annalide Jesus $5 - Maria Ricci $4 - Herminia

Canova $5 - Isabel Casta $5 - Conceição Ottaviano $5 - Maria Angelica $3 -

Annunziata Marangoni $5 - Vincenzo Damillo $5 - Augusta Rosario $5 - Ussolina

Pereira $2 - Felizia Panelardo $2 - Antonia Daniello $5 - Maria Nunes $5 - Natalina

Pinto $5 - Josepha Ferrarri 1$ - Adelia Novani $5 - Libera Libano $5 - Maria Vieira

$8 - Anna Jaccon 1$ - Z. B. 2$ - Pedro Balabeu 1$ - Manoel Gonçalves 1$ - Henrique

Bimbar 1$ - Coquelin 5$ - Emilio Varonese 2$ - Carlos Maier 2$ - Pedro Palon 1$ -

Lorenza Fermato 1$ - Ricardo Sinnani $5 - João Pradeca 1$ - Francisco Linhani $5 -

Antonio Vittorello 1$ - Angelo Tonibaldi 1$ - Manoel Pires 1$ - Total 110$800.

Lista do sr. Giuseppe Fandella: Giuseppe Fandella 2$ - Giuseppe Belli 1$ - Amadeo

Benedusi 1$ - Antonio Benedusi 1$5 - Santo Romanato 1$ - Marco Armezzano 1$ -

Giovanni Mancini 1$ - Pasquale Covelli 1$ - Rodolfo Zavan 1$ - Luigi Valli 1$ -

Paolo Zani 1$ - Raffaele Paladini 1$ - Estevan Ghigonetto 1$ - Teodoro Zameghini

1$ - Battista Ghihonetto 2$ - Gaetano Landi 2$ - Mariano Di Maio 1$5 - Dante

Gandolfi - 1$5 - Pilada Faggioni 1$5 - Domenico Sartori 1$5 - Cesare Franzoni 1$ -

Luigi Teresani 1$ - Cesare Franzoni 1$ - Rocco Felice 1$ - João Rissalti $5 - Orlando

Salvatore $5 - Giovanni Castellanza 1$ - Santo De Marchi 1$ - Giuseppe Ronasegna

2$ - Francesco Valvason 5$ - Giovanni Cavallari 2$ - Adriano Maneini 1$ - Arturo

Gollini - Luigi Castello 1$ - Antonio Filadelfi 1$ - Giovanni Andreoli 1$ - Luigi

Valende $5 - Massimo De Marchi - José Benvenga 1$ - Gaetano Busolati 1$ - Signora

Caleagno 1$ - Gaetano Battocchi $5 - Domenico Caleagno 1$ - Total 54 $500.

Total geral - 341$800.289

289 Fanfulla, 29/08/1918.

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Observando os nomes que compõe a lista de subscritores podemos notar que os sócios

e diretores da S. R. M. della Mooca lançaram mão de uma rede de solidariedade baseada em

diversas identidades. A começar pela identidade étnica, já que notamos uma maioria de

italianos, nacionalidade do próprio Bolani, o sócio falecido. Não é por acaso, portanto, que

encontramos Angelo Auriemma, sócio e depois conselheiro da Banda Internacional da S. R.

M. della Mooca, como participante em uma festa musical da Società Italiana della Mooca

exatamente naquele período de 1918.290

Ao cruzarmos as informações que obtivemos a partir de uma pesquisa nominativa,

encontramos muitos italianos que compunham os quadros da Società Italiana e que

participaram com doações da lista de subscrição em benefício da família de Bolani, como Ezio

Dall’Ovo, Massimiliano Allefreti, Orlando Lucati e Domenico Sartori. Na lista, há também o

nome de Vincenzo Romano, presidente do Cavallier F. B. C, clube este que, como vimos no

segundo capítulo, estava ligado às camadas mais abastadas da sociedade paulistana.291

Os organizadores da lista recorreram também aos trabalhadores residentes na Mooca

que eram membros de associações auxiliadoras, como José da Silva Rodrigues, sócio da

Associação Auxiliadora União Internacional292, e de sociedades mutualistas, como a Sociedade

Internacional de Socorro Mútuo da Mooca, como João Gonçalves, Pietro Ballabene e Cesare

Carrara, além da União dos Cocheiros de São Paulo293, na figura de José Ramos.294 Outras

doações vieram ainda de antigos membros do C. E. S. Francisco Ferrer, esta abertamente uma

associação política de operários, como Manoel da Silva, Dante Negrini e Antonio de Santis.295

A maior parte dos subscritores de que temos informações, contudo, revelam que muitas

vezes os vínculos formados em associações recreativas se mantinham duradouros em torno de

uma “comunidade operária”.296 Angelo Auriemma, Francesco Auriemma, Galdino Reis, José

Bertorelli e Pietro Gardini eram, como vimos, todos sócios da A. R. A. Mooca, e possivelmente

por isso conseguiram doações para a lista junto dos antigos companheiros de palco. Na lista

constam os nomes de antigos sócios da A. R. A. Mooca, como Ernesto Sertório, Manoel Ferreira,

Giulio Falgetano, José Cardoso e Attilio Corazza.297

290 Fanfulla, 17/07/1918. 291 Idem, 13/09/1920, 17/07/1918 e 18/01/1919, respectivamente. 292 Estatutos da A. A. U. Internacional, 1903. 293 Fanfulla, 11/12/1920. 294 Estatuto da União dos Cocheiros, 1899. 295 Fanfulla, 19/11/1911, 21/07/1913 e 08/02/1913. 296 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 310. 297 Fanfulla, 29/01/1912, 13/10/1913, 01/06/1913 e 12/10/1913, respectivamente.

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Os esforços dos membros da Banda Internacional da S. R. M. della Mooca revelam um

empenho consciente frente às adversidades, garantindo à família de um sócio falecido o auxílio,

mas também deixando claro os seus propósitos coletivistas e comunitários, e marcando ainda a

tomada de consciência e autodisciplina, uma “[...] prova autêntica do desenvolvimento de uma

cultura e de instituições independentes da classe operária”.298

A Banda Internacional, todavia, não teve vida longa. Ao adentrar o ano de 1920, tudo

indica, encontrou sérias dificuldades em manter-se. Uma homenagem, em novembro daquele

ano, já próxima da extinção do grupo, foi promovida no teatro Melitta, no n.º 340 da avenida

Celso Garcia, pelo Grupo Dramático Nacional, através de uma “festa cine-dramática”, sinal já

da mudança dos tempos para as associações de trabalhadores e de suas formas de lazer.

A noite foi realizada em homenagem à 'Banda Internacional' da Sociedade Recreativa

da Mooca.

O espetáculo vai começar com uma apresentação de um filme de grande valor, seguido

pelo magnífico drama em quatro atos: 'O Judeu'.

Serão intérpretes os senhores: Mariano Lima, Antonio Fernandes, Pietro Barone,

Domenico Mucci, Alfredo Cedraschi e as senhoras Germana Camilli e Benedicta

Andrade.

Vai fechar o show brilhantíssima uma comédia de um ato.299

A partir de então, não encontramos mais indícios da Banda Internacional. Um outra

Sociedade Recreativa Musical da Mooca surgiu em 1928, porém com atividades que

apontavam mais na direção do interclassismo e muito ligadas aos industriais.300 Também em

1928, alguns dos então sócios da Banda Internacional da S. R. M. da Mooca fundariam em 1º

de janeiro a Banda Musical Lira da Mooca, para “[...] promover festas dançantes e campestres,

de acordo com a lei”.301

As mudanças ocorridas no lazer e também nas práticas das associações de trabalhadores,

como aponta Trento, se davam em um momento de progressiva perda de forças tanto da ação

de propaganda quanto de classe, fruto de condições tais como a forte redução da imigração,

sobretudo italiana, e da situação encontrada no cenário brasileiro, e, portanto, paulistano. Após

o fim das grandes mobilizações daquele período (1917-1920), os trabalhadores encontraram

grandes dificuldades de organização, muito devido à forte repressão instalada desde o fim da

década de 1910, o que se agravaria ainda mais ao longo da década de 1920.302

298 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 314. 299 Fanfulla, 17/11/1920. 300 Diário Nacional, 04/03/1928. 301 Estatutos da Banda Musical Lira da Mooca. Sociedade Civil n.º 1209, 1928. 302 TRENTO, “Organização Operária e Organização do Tempo Livre...”, Op. Cit., p. 250-251.

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225

Michael Hall descreve que a partir de 1919 o movimento operário entra em um refluxo

frente à modernização e ampliação do repertório repressivo dos patrões e do Estado. A Igreja,

por sua vez, passou a enfrentar sistematicamente a questão social através de publicações em

massa dirigidas aos trabalhadores, e principalmente em torno da formação da Juventude

Operária Católica. Os industriais, buscando a todo custo evitar o que chamavam de “guerra de

classes”, implantaram sistemas de pagamento por produtividade e incentivos, mas, sobretudo,

“[...] houve um esforço considerável de taylorizar o lazer e a educação dos trabalhadores e suas

famílias”303, uma tentativa aberta de inserir no cotidiano operário o que consideravam um lazer

mais produtivo que visava tornar o trabalhador mais “[...] disciplinado e ordeiro”.304

Voltando às experiências dos trabalhadores vividas em seus momentos de lazer no

período que estudamos, a pluralidade e a mistura de atividades possibilitavam aos trabalhadores

uma série de alternativas para a utilização de seu tempo livre. A busca por locais onde se

pudesse desligar das pressões de sobrevivência cotidiana e do trabalho, assistindo a uma

representação teatral, por exemplo, associava-se à procura por atividades mais ligadas a

elementos e valores coletivistas.

É importante lembrar aqui que nessas associações as atividades como interpretações

musicais e teatrais eram realizadas por amadores, normalmente os próprios sócios305, isto é, por

trabalhadores, que ao escolherem determinados temas para as suas apresentações ultrapassavam

a simples busca pela diversão, alcançando um sentido questionador das condições materiais de

vida que experimentavam e da própria ordem vigente. Desta forma, a presença destes temas

insere as sociedades recreativas no que Emilio Franzina chama de “[...] tecido operário

paulista”.306

Por fim, vale reforçar que mesmo misturadas com aquelas atividades cujo mote voltava-

se para o divertimento de caráter mais popular, é possível observar nas práticas destas

sociedades o crescimento de uma consciência de identidade de interesses e valores comuns

entre os trabalhadores, que apontavam diametralmente contra os interesses de empresários e

poderes públicos, reforçando a importância das associações recreativas na experiência de

organização dos trabalhadores e na formação de uma cultura e identidade de classe.307

303 HALL, “O movimento operário na cidade de São Paulo”, Op. Cit., p. 281-282. 304 GUZZO, A Vida Fora das Fábricas, Op. Cit., p. 95. 305 Correio Paulistano, 28/01/1912. Francisco Lemes Rodrigues França, por exemplo, ator amador e, mais tarde, diretor cênico da A. R. A. da Mooca, era, por profissão, negociante. 306 FRANZINA, “Festas Proletárias, Imigração Italiana e Movimento Operário”, Op. Cit., p. 220. 307 THOMPSON, A Formação... V. 2, Op. Cit., p. 17.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ao longo deste trabalho, procuramos entender as experiências de sociabilidade e

organização dos trabalhadores do bairro paulistano da Mooca entre os anos de 1900 e 1920 a

partir do estudo de seus modos e práticas de lazer. Levando em conta as interações e expressões

culturais mais diversas – em um bairro com marcante diversidade étnica, mas habitado

largamente por imigrantes italianos –, nos empenhamos em analisar de que modo se mesclavam

o lazer e as experiências de marca política daqueles trabalhadores. Buscamos compreender as

formas pelas quais as experiências recreativas dos trabalhadores do lugar expressam elementos

e valores de uma cultura e identidade de classe em formação.

As considerações que podíamos tecer a respeito dos objetos aqui pesquisados

encontram-se, acreditamos, no decorrer dos capítulos. Mas, assumindo o risco de tornar esta

parte final cansativa pela repetição, é necessária uma retomada de alguns pontos.

Ao iniciarmos o estudo, buscamos construir uma vista aérea do bairro da Mooca, o que

nos fez ver que ali conviviam trabalhadores dos mais diversos ofícios, com diferentes graus de

especialização e também aqueles não especializados. Além disso, diferenças étnicas e de cor

abriram um quadro bastante heterogêneo, em que as relações entre os trabalhadores mostravam-

se bastante complexas, ao mesmo tempo em que possibilitava uma multiplicidade cultural e

identitária.

Alguns padrões comuns às experiências desses habitantes da Mooca emergiram. Todos

eles estavam sujeitos às más condições de vida e à falta de saneamento, às elevações de preço

dos produtos os mais básicos, às doenças e epidemias que se proliferavam, e também, muitas

vezes, acabavam frequentando os mesmos locais de abastecimento, como os botequins, estes

que acabavam por ser um importante local de sociabilidade e lazer.

Ao nos debruçarmos sobre as associações, ainda dessa forma panorâmica, pudemos

notar a importância daquelas voltadas para o lazer e para a recreação, tanto pelo número de

sociedades existentes, que foi superior àquelas de tipo sindical durante todo o período estudado,

quanto por possibilitar uma vida associativa bastante plural e intrincada, mas sobretudo

coletiva, aos trabalhadores.

O que surge a partir de uma vista panorâmica dos trabalhadores e da sociabilidade do

bairro é uma variedade e multiplicidade de vínculos identitários e de experiências, que

configuravam muitas vezes, nesse ambiente heterogêneo, formas de ver o mundo e regras

próprias, o que refletia, tanto quanto tornava, a dinâmica associativa bastante complexa.

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Tal complexidade se materializava na manutenção e na reconstrução das formas que

esses trabalhadores encontravam de se relacionar. Devemos reforçar aqui, novamente, que esses

trabalhadores não compunham um grupo unificado, e nem casto – para lembrar Thompson.1 As

relações entre si eram perpassadas por elementos conflitivos como diferenças em sua vida

material, conflitos étnicos e de gênero, o que acabava por implicar também em diferenciações

nos momentos de lazer.

Por muitas vezes, foi possível perceber uma busca por afirmar as tradições e os costumes

presentes em seus países de origem, reforçando uma ligação identitária étnica. Outras vezes, os

trabalhadores se esforçavam sobre a integração entre a cultura prévia e aquela que encontravam

no Brasil – o que podia ser visto no empenho de algumas associações em difundir a língua

portuguesa e o funcionamento das leis brasileiras.

Em outros momentos, conseguimos observar um certo consenso sobre valores

compartilhados entre si e opostos àqueles das camadas mais abastadas da sociedade. Mesmo

diante das diferenças entre os trabalhadores, formava-se um código próprio – uma concepção

própria de justiça, sobre hábitos comuns e aceitos ou rejeitados – que se punha em constante

tensão com os códigos dos poderes públicos e das camadas mais ricas da sociedade, ainda que

estes códigos comuns entre os trabalhadores pobres pudessem, em um ou em outro momento,

se pôr em acordo com os da Lei formal.

Quando observamos as práticas populares de lazer, foi possível perceber que diversas

identidades – a familiar, a étnica, a de ofício – podiam se entrelaçar, ora reforçando costumes e

práticas trazidas pelos imigrantes em sua “bagagem cultural”2, ora se apropriando e

reconstruindo costumes no bairro da Mooca.

Algumas vezes os valores dos habitantes da Mooca se mostravam mais de acordo com

aqueles encontrados entre os industriais. Assim, não era raro encontrar no lazer popular um

interclassismo que emergia dos clubes de futebol organizados pela fábrica, como o Crespi F.

B. C., ou em outras atividades, como as festas das empresas, que reuniam um grande número

de operários. Contudo, outras vezes entravam em ação estratégias por parte dos trabalhadores

em utilizar as ofertas dos empresários para obter algum acesso ao lazer e à diversão. Em meio

a essa tensão, os trabalhadores se apropriavam e ressignificavam as práticas das camadas mais

abastadas da sociedade, como ocorreu em relação ao futebol. Essa ressignificação fazia com

que as práticas populares de lazer adquirissem forma e regras próprias, se mesclando com as

1 THOMPSON, A Formação... V. 1, Op. Cit., p. 61-62. 2 CACOPARDO; MORENO. “Alcuni Problemi di Concettualizzazione”, Op. Cit., p. 67.

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práticas que já eram ou se constituíam como costumes comuns entre os trabalhadores – o

botequim, o álcool, o teatro, as festas –, e que frequentemente eram alvo da artilharia

moralizadora das camadas mais ricas e dos poderes públicos, marcando assim uma forma de

diferenciação entre os dois grupos.

Mesmo frente à heterogeneidade e às diferenças entre os habitantes do bairro da Mooca,

foi possível observar uma classe em formação. E ainda, esse processo de formação da classe

operária não chegou a soterrar os costumes populares. O processo de construção da classe

operária, assim, podia ser visto em momentos de união dos trabalhadores, nas lutas por seus

direitos, mesmo em períodos em que sindicatos e outras associações políticas dos trabalhadores

encontravam-se bastante fragilizadas. Os esforços pela construção das ligas e associações de

ofício e de bairro certamente marcavam esse processo. Mas também devemos considerar as

lutas, a solidariedade, as formas de organização provenientes de experiências prévias, as

aspirações mais enraizadas na memória daqueles trabalhadores – o aumento salarial, a redução

da jornada para 8 horas, a melhoria das condições de trabalho, tanto quanto aquelas realizadas

em prol da manutenção dos direitos e formas de trabalho.

Obviamente, muitos foram os percalços que se encontraram. Fases de desorganização,

divisões entre os grupos políticos das mais diversas correntes, com estratégias diferentes sobre

a organização dos trabalhadores, permitiram em certos momentos alguma dispersão. Contudo,

pudemos encontrar em meio à grande heterogeneidade do mundo do trabalho na Mooca

elementos de forte coesão, como valores consensuais dos trabalhadores, a união em torno de

reivindicações tradicionais, a solidariedade em meio a períodos turbulentos, a superação das

divisões étnicas, de gênero e mesmo de ofício.

É preciso notar que esse processo observado a partir das associações políticas e do

movimento operário já foi bastante marcado pela historiografia, ainda que não tenham dirigido

o foco especificamente para o bairro da Mooca do período que estudamos. O que nos interessou

neste estudo foi observar esse processo a partir da sociabilidade e sobretudo do lazer dos

trabalhadores.

Nos dedicamos também a observar o entroncamento entre o lazer e as identidades

políticas, entre o lazer e a identidade de classe em construção. Todas as correntes do movimento

operário, na busca por sensibilizar os trabalhadores, agiam sobre o lazer através de diversas

atividades, desde palestras e aulas até festas e bailes. Tais atividades geravam divergências entre

os operários, não apenas quanto às práticas, como por exemplo a do baile, algo a que anarquistas

eram fortes críticos, mas também sobre a temática adotada nas músicas e nas peças teatrais

representadas.

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O teatro servia como fator de mobilização e, assim, segundo os anarquistas, deveria ser

algo que refletisse os males da sociedade, algo útil somente enquanto uma ferramenta capaz de

emancipar os trabalhadores. Para socialistas, e em alguma medida também para sindicalistas

revolucionários, o teatro serviu como um elemento de inserção de suas idéias e valores nos

meios populares, ao mesmo tempo em que atraia os trabalhadores para os espaços das

associações políticas, mesclando temáticas que davam conta da crítica à realidade dos operários,

que afirmava valores baseados em um ideal de sociedade livre e da classe operária, com

atividades mais ao gosto popular, como os bailes. Assim, as associações políticas, ligadas às

correntes diversas do movimento operário, como anarquistas, socialistas e sindicalistas

revolucionários, mostravam-se bastante heterogêneas em suas atividades. Além disso, as

identidades políticas não eram os únicos fatores que podiam destoar nos momentos de lazer.

Muitas vezes, os sentimentos de pertencimento étnico faziam com que essas divisões fossem

fortalecidas. Todavia, o elemento étnico, em outras ocasiões, sobretudo pela atuação dos

socialistas, grupo que se formava em grande medida por italianos, servia para estreitar os laços

de solidariedade e reforçar a necessidade de organização dos trabalhadores, mobilizando o

sentimento de pertencimento étnico para afirmar concentrar trabalhadores que experimentavam

as mesmas redes compostas por seus conterrâneos.

Há que se considerar, ainda, que as divisões não significaram barreiras intransponíveis

para o movimento operário. A começar pelas datas mais universais – o Primeiro de Maio e o

14 de Julho, por exemplo –, que serviam como elementos de aglutinação, aliando trabalhadores

ligados às diferentes correntes em diversos momentos. Além disso, por muitas vezes as festas

foram utilizadas por associações ligadas aos mais diferentes matizes do movimento operário,

unidos pela experiência comum de ter de sustentar materialmente as sociedades, algo a que

esses eventos se prestavam com grande sucesso. Não podemos nos esquecer, finalmente, que,

apesar das diferenças internas do movimento operário, anarquistas, socialistas e sindicalistas

revolucionários uniam-se contra inimigos comuns: a burguesia e a ordem capitalista.

A mistura entre o lazer e a política revela a grande complexidade nas relações entre os

trabalhadores. Quando acompanhamos o C. E. S. Francisco Ferrer, pudemos perceber que não

poucas vezes, apesar das diversas críticas que dirigiam às associações recreativas, as sociedades

compostas por trabalhadores ligados às diversas correntes do movimento operário utilizavam

estratégias de inserção entre os habitantes do bairro que envolviam atividades e temas

frequentemente bastante ligados aos valores mais populares.

Ainda, é preciso ter em conta que a escolha dos trabalhadores por uma ou outra

sociedade não se dava por falta de opção – já que eram muitas as sociedades em que se podiam

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passar os momentos de lazer –, nem estava entregue ao acaso: a escolha por uma sociedade de

marca abertamente política para acompanhar as conferências ou assistir, ou ainda atuar, às

peças, demonstrava um sinal claro de consciência e identidade de classe. Nos espaços do C. E.

S. Francisco Ferrer encontravam-se identidade de ofício, misturavam-se identidades étnicas e

redes familiares, circulavam trabalhadores das mais diversas identificações políticas e

configurava-se, por fim, uma identificação capaz unir todos esses diferentes trabalhadores. Uma

identidade, portanto, de classe.

Depois de observarmos uma associação política e as suas formas de atuar sobre o lazer

dos trabalhadores, pudemos passar ao estudo das relações e identidades formadas em outras

associações e perceber aquelas sociedades voltadas diretamente ao lazer como locais possíveis

da construção da classe operária. Da mesma forma como vimos nas associações políticas, foi

possível entender as associações recreativas como locais possíveis para a criação de uma

multiplicidade de identidades. É verdade que muito comumente emergia das associações

recreativas formadas por trabalhadores um caráter interclassista, que se apoiava sobretudo na

identificação étnica entre patrões e empregados. No entanto, como já afirmamos, o mundo

associativo da Mooca era um terreno complexo em que, não raro, podiam brotar

entroncamentos entre o sentimento de pertencimento étnico e de classe.

As sociedades recreativas se configuravam também em locais em que os trabalhadores

podiam experimentar um viver mais coletivo, tornando possível o surgir dessas experiências

uma identidade de interesses comuns entre si e diferentes daqueles das chamadas elites, enfim,

em que se pode perceber uma consciência de classe. Além de demarcar a pluralidade de

alternativas na utilização do tempo livre, as associações recreativas eram fruto do empenho

consciente dos trabalhadores em torno de sua organização, e permitiam que se aliassem a

diversão e os valores de uma comunidade operária. Tais valores podiam ser vistos nas escolhas

dos títulos que encenavam, das músicas que executavam, na solidariedade que demonstravam,

nos valores coletivistas, nos vínculos que se mantinham entre diferentes associações e também

na forma como eram vistos pelas camadas mais abastadas da sociedade.

Todos estes elementos, como tentamos demonstrar ao longo do estudo, dão indícios do

florescimento de uma identidade de classe no espaço e nas atividades das associações

recreativas, marcando o lazer dos trabalhadores como importante elemento do processo de

formação da classe operária.

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231

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes

___________________________________________________________________________

Arquivo Histórico de São Paulo (AHSP)

Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo - Grupo Diretoria de Obras e Viação - 1906 a

1920

Obras particulares

Planta 1019, registro 68862, Caixa OP9. Rua da Mooca, 60-A e 62. 1906. Alinhamento

para construção de duas casas (uso misto). Interessado: HANS, José; Proprietário:

ANNUNZIATO, Antonio.

Planta 1020, registro 68864, Caixa OP9. Rua da Mooca, 66. 1906. Alinhamento para

construção de um prédio e uma cocheira (uso misto). Interessado: MARZO, Miguel;

Proprietário: AMBRÓSIO, Miguel.

Planta 1023, registro 68868, Caixa OP9. Rua da Mooca, 68. 1906. Requerimento (sem

mais informações). Interessado: DELIZIA, Vicente; Proprietário: DELIZIA, Vicente.

Planta 12530, registro 92781, Caixa OP25. Rua da Mooca, 58. 1907. Alinhamento para

construção de prédio (lazer). Interessado: SANTOS, Raul dos; Proprietário: VITAL, Francisco.

Planta 14737, registro 95407, Caixa OP45. Rua da Mooca, 90. 1908. Construção de um

galpão. Interessado: CARONI, Luiz; Proprietário: n/i.

Planta 36339, registro 119591, Caixa OP322. Rua da Mooca, 237. 1914. Construir

residência e negócio (uso misto). Interessado: TACIOLI, Arthur; Proprietário: n/i.

Planta 36344, registro 119597, Caixa OP322. Rua da Mooca, 241-A. 1914. Pedido de

construção de casa com armazém à frente (uso misto). Interessado: ROMANO, Salvatore;

Proprietário: n/i.

Planta n/i, registro 100359, Caixa OP99. Rua da Mooca, 214. 1910. Licença para

construção de barracão/padaria (uso misto). Interessado: LOURENÇO, Odilo; Proprietário:

LOURENÇO, Odilo.

Planta n/i, registro 119577, Caixa OP322. Rua da Mooca (número não informado).

1914. Pedido de licença e alinhamento para construção de casa de uso misto. Interessado:

AURICHIO, Miguel; Proprietário: AURICHIO, Miguel.

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232

Arquivo Público do Estado de São Paulo (Apesp)

Jornais

Avanti! (1908).

Primeiro Cartório de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

Prontuários de associações, sociedades e sindicatos

Antartica FootBall Club (Cx. C10434, soc. n.º 755, 1920);

Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas (Cx. C10391, soc. n.º 90, 1900; Cx.

C10394, soc. n.º 133, 1903);

Associação Auxiliadora União Internacional (Cx. C10408, soc. n.º 333, 1903, 1911 e

1917);

Associação Beneficente São Vito Martyr (Cx. C10430, soc. n.º 673, 1919 e 1920);

Associação do Livre Pensamento (Cx. C10402, soc. n.º 270, 1909);

Associação dos Operários em Fábricas de Tecidos da Mooca (Cx. C10426, soc. n.º 594,

1918);

Banda Internacional da Sociedade Recreativa Musical da Mooca (Cx. C10433, soc. n.º

732, 1920);

Banda Musical Lira da Mooca (Cx. C10457, soc. n.º 1209, 1926);

Bráz Concordia Club (Cx. C10430, soc. n.º 668, 1920);

Centro Politico Industrial da Mooca (Cx. C10463, soc. n.º 1370, 1927);

Club Athletico Parque da Mooca (Cx. C10469, soc. n.º 1444, 1928);

Club dos Principes Carnavalescos - Brás (Cx. C10427, soc. n.º 617, 1918);

Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (Cx. C10455, soc. n.º 1171, 1925);

Cotonifício Rodolfo Crespi Foot-Ball Club (Cx. C10396, soc. n.º 1177A, 1906);

Egreja Evangelica da Mooca (Cx. C10476, soc. n.º 6, 1929);

Escola Allemã Mooca-Braz (Cx. C10437, soc. n.º 818, 1921);

Heroe das Chammas Foot Ball Club. (Cx. C10437, soc. n.º 826, 1921);

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Nacional Club (Cx. C10431, soc. n.º 699, 1920);

Sociedade Beneficente União dos Cocheiros de São Paulo (Condutores de Veículos)

(Cx. C10434, soc. n.º 72, 1899 e 1905; Cx. C10398, soc. n.º 212, 1908 e 1920);

Sociedade Cooperativa dos Cocheiros (Cx. C10398, soc. n.º 212, 1907);

Sociedade Internacional de Socorro Mútuo da Mooca (Cx. C10436, soc. n.º 802, 1921);

Sociedade Recreativa Estrella de Italia / Stella di Italia (Cx. C10396, soc. n.º 183, 1906);

Sociedade União Meridional Italiana (Caixa C10390, sociedade n.º 67, 1929);

Società Operaia di Mutuo Soccorso Unione Mooca (Cx. C10393, soc. n.º 113, 1902);

Società Ricreativa Impiegati Civili - Brás (Cx. C10417, soc. n.º 472, 1916);

Sport Club Juventude (Cx. C10426, soc. n.º 602, 1918);

Sport Club Juventus da Mooca (Cx. C10473, soc. n.º 1514, 1928);

União dos Operários em Fábricas de Tecidos (Cx. C10429, soc. n.º 648, 1919);

União dos Operários em Fábricas de Tecidos (Cx. C10429, soc. n.º 648, 1919).

Centro de Apoio ao pesquisador em história da FFLCH/USP (CAPH-USP)

Jornais

Fanfulla (1906 – 19203).

3 O periódico está microfilmado. Na época em que visitei o arquivo, faltavam as bobinas referentes ao período anterior a 1906.

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234

Fontes Eletrônicas

___________________________________________________________________________

Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP)

Base de Legislação4

Decreto 223, de 2 de março de 1894. Estabelece o Código Sanitário.

Decreto 494, de 30 de outubro de 1897. Dá regulamento à lei n. 522 de 26 de agosto do

corrente ano e consolida as disposições vigentes relativas ao serviço policial do Estado, ás

atribuições das respectivas autoridades e aos processos policiais.

Decreto 1714, de 18 de março de 1909. Dá regulamento para os divertimentos públicos,

nos termos do artigo 28 da lei n. 1.103, de 26 de novembro de 1907 e mais disposições em

vigor.

Decreto 2141, de 14 de novembro de 1911. Reorganiza o Serviço Sanitário do Estado.

Lei 1237, de 23 de dezembro de 1910. Cria o distrito de paz da Mooca, no município da

Capital e estabelece as respectivas divisas.

Arquivo Histórico de São Paulo (AHSP)

Base de Dados Salas de cinema em São Paulo5

Cinema Moderno (Cód. id. 323).

Cinema Mooca (Cód. id. 215);

Cinema Piratininga (Cód. id. 202);

Cinema São João (Cód. id. 248);

Cinema sem identificação (Cód. id. 177);

Internacional Cinema (Cód. id. 300);

Pavilhão da Mooca (Cód. id. 200);

4 <http://www.al.sp.gov.br/alesp/pesquisa-legislacao/>. Último acesso em 26/02/2015. 5 SOUZA, José Inácio de Melo Souza (Coord.) Salas de cinema em São Paulo: 1895-1929. Disponível em <http://www.arquiamigos.org.br/bases/cine.htm>. Acesso em 31 jul. 2014.

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Histórico Demográfico do Município de São Paulo6

Históricos demográficos

População nos Anos de Levantamento Censitário. Município e Região Metropolitana

de São Paulo, Estado de São Paulo e Brasil. 1872 a 2010. Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Urbano, 2007.

Residentes Estrangeiros. Município de São Paulo. 1872 a 2000. Secretaria Municipal

de Desenvolvimento Urbano, 2007.

Mapas

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COCOCI, Alexandre Mariano; COSTA, Luiz Fructuoso. Planta Geral da Cidade de

São Paulo. Prefeitura Municipal de São Paulo para uso de suas Repartições, 1905.

COCOCI, Alexandre Mariano; COSTA, Luiz Fructuoso. Planta da Cidade de São

Paulo. Companhia Litographica Hartmann-Reichenbach, 1913.

HENRY, B; JOYNER, M.I.C.E. Planta da Cidade de São Paulo levantada para a

Companhia Cantareira de Esgotos. 1881.

Planta da Cidade de São Paulo. Levantada pela Divisão Cadastral da 2ª Secção da

Directoria de Obras e Viação da Prefeitura Municipal ("Edição Provisória"). Companhia

Litographica Hartmann-Reichenbach, 1916.

Biblioteca Mario de Andrade (BMA)

Coleção de Obras Raras7

BANDEIRA JUNIOR, Antonio Francisco. A Industria no Estado de São Paulo em

1901. São Paulo: Typografia do 'Diário Oficial', 1901.

MOREIRA PINTO, Alfredo. A Cidade de São Paulo em 1900. Impressões de Viagem.

Imprensa Nacional: Rio de Janeiro, 1900.

LIGA Paulista de Football. Guia de football da LIGA Paulista de Football. 4.ed. São

Paulo: Cardoso, 1906

SOUSA, Alberto. Estudos demográficos: a população de São Paulo no último decênio;

1907-1916. São Paulo: Tip. Piratininga, 1917.

6 <http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/index.php>. Acesso em 31 jul. 2014. 7 <http://docvirt.no-ip.com/demo/bma/bma.htm>. Acesso em 31 jul.2014.

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236

Câmara dos Deputados (Brasil)

Base de Legislação8

Decreto 1641, de 7 de janeiro de 1907. “Lei Adolfo Gordo”. Providencia sobre a

expulsão de estrangeiros do território nacional.

Lei 173, de 10 de setembro de 1893. Regula a organização das associações que se

fundarem para fins religiosos, Morais, científicos, artísticos, políticos ou de simples recreio,

nos termos do art. 72, § 3º, da Constituição.

Câmara do Município de São Paulo

Base de Legislação Municipal9

Ato 67, de 12 de janeiro de 1900. Cria taxa sobre espetáculos de cançoneta e dança, fora

de teatros e cobrando-se entrada.

Código de Posturas Municipais, 1886.

Lei 656, de 7 de julho de 1903. Regula o fechamento das portas dos estabelecimentos

comerciais.

Lei 702, de 5 de fevereiro de 1904. Regulamenta o jogo de FootBall.

Lei 2015, de 20 de outubro de 1916. Proíbe a exibição de fitas cinematográficas que não

consultem a moral e os bons costumes.

Lei 2241, de 22 de novembro de 1919. Regulamenta o funcionamento das confeitarias,

sorveterias, leiterias e botequins existentes no Município.

Fundação Biblioteca Nacional (BN)

Hemeroteca Digital Brasileira10

Almanaques

O Estado de São Paulo. Almanach para 1916. São Paulo, 1916. 484 pág.

8 <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao>. Último acesso em 26/02/2015. 9 <http://www.camara.sp.gov.br/biblioteca/legislacao/>. Último acesso em 26/02/2015. 10 <http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx>. Último acesso em 31/07/2014.

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237

Jornais

A Lanterna (1909-1916);

A Vanguarda (1909-1912);

Correio de São Paulo (1932-1936);

Correio Paulistano (1900-1940);

Diario Español (1912-1922);

Diario Nacional (1928-1932);

Il Pasquino (1915-1927);

O Combate (1917-1919);

O Commercio de SP (1901-1909);

O Pirralho (1911-1918).

Obras

RIBEIRO, José Jacinto. Repartição de Estatistica e Archivo. Divisão administrativa e

divisas municipaes do Estado de São Paulo. 2ª Edição. São Paulo: Typografia do 'Diário

Oficial', 1915. 289 p.

RIBEIRO, José Jacinto. Repartição de Estatística e Archivo. Divisão administrativa e

divisas municipaes do Estado de S. Paulo. São Paulo: Typografia Mont´Alverne, 1908. 410 p.

Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE)11

Anuários Estatísticos

Relatorio do anno de 1898 apresentado em 20 de setembro de 1899 ao cidadão Dr. José

Pereira de Queiroz Secretario de Estado dos Negocios do Interior pelo Dr. Antonio de Toledo

Piza. São Paulo: Repartição de Estatistica e Archivo do Estado, 1900. viii, 605p.

Relatorio do anno de 1900 apresentado em 13 de janeiro de 1902 ao cidadão Dr. Bento

Pereira Bueno Secretario de Estado dos Negocios do Interior e da Justiça pelo Dr. Antonio de

Toledo Piza. São Paulo: Repartição de Estatistica e Archivo do Estado, 1903. viii, 709p.

11 <http://www.seade.gov.br/banco-de-dados/>. Último acesso em 26/02/2015.

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Annuario Estatistico de São Paulo (Brazil), 1902. São Paulo: Repartição de Estatistica

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Annuario Estatistico de São Paulo (Brasil), 1903. São Paulo: Repartição de Estatistica

e Archivo de São Paulo, 1905. viii, 741p.

Annuario Estatistico do Estado de São Paulo (Brasil), 1904: movimento da população.

São Paulo: Repartição de Estatistica e Archivo de São Paulo, v.1, t.1, 1907. vii, 1103p.

Annuario Estatistico de São Paulo (Brasil), 1905. São Paulo: Repartição de Estatistica

e Archivo de São Paulo, v.1, t.1, 1907. v, 419p.

Annuario Estatistico de São Paulo (Brasil): estatistica economica e moral, 1905. São

Paulo: Repartição de Estatistica e Archivo de São Paulo, v.2, t.2, 1907. viii, 364p.

Annuario Estatistico de São Paulo (Brasil), 1906. São Paulo: Repartição de Estatistica

e Archivo de São Paulo, v.1, t.1, 1908. x, 413p.

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Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo: Secretaria da Agricultura,

Commercio e Obras Publicas, v.2, n.6, 1. trim., 1913. 187 p.

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo: Secretaria da Agricultura,

Commercio e Obras Publicas, v.2, n.7, 2. trim., 1913. p. 196-374.

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo: Secretaria da Agricultura,

Commercio e Obras Publicas, v.2, n.8/9, 3/4. trim., 1913. p. 380-598.

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo: Secretaria da Agricultura,

Commercio e Obras Publicas, v.4, n.14, 1. trim., 1915. 223 p.

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Commercio e Obras Publicas, v.4, n.15, 2. trim., 1915. p. 230-447.

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo: Secretaria da Agricultura,

Commercio e Obras Publicas, v.4, n.16, 3. trim., 1915. p. 454-599.

Boletim do Departamento Estadual do Trabalho. São Paulo: Secretaria da Agricultura,

Commercio e Obras Publicas, v.4, n.17, 4. trim., 1915. p. 606-754.

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