LACOSTE, Yves Geografia do subdesenvolvimento

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A Geografia em edições DIFEL . ' PANORAMA DO MUNDO ATUAL, de Pierre George Estruturado de maneira a consttturr um repositório de incitamento à pesquisa social, política e econômica, este livro tem por fito des- vendar ao leitor toda a complexidade das· questões em foco, em escala• nacional, regional e, mesmo, continental e mundial, dadas as interligações de um mundo que nunca foi "tão profundamente dife- renciado, enquanto tantas coisas se uniformizam ... " GEOGRAFIA DOS MARES, de François Doumenge Estamos longe de conhecer, em extensão e em profundeza, a infinita variedade de aspectos físicos e biológicos que o mar oferece. Mais longe ainda de poder utilizar, em benefício do homem, todo o seu imenso potencial alimentar e energético. Mas é sobremaneira inte- ressante conhecer o que, nesse sentido, já vem sendo feito. \ A AMÉRICA ANDINA, de Pedro Cunill Um estudo sócio-econômico da região dos Andes onde uma população de 50 milhões de habitantes extrai penosamente a sua subsistência, submetida que está às contradições do subdesenvolvimento. O JAPÃO, de Max Derruau Este trabalho de Max Derruau deve interessar sobremaneira o leitor brasileiro devido à importância adquirida pela imigração japonesa no Brasil, e, particularmente, aos filhos desses mesmos imigrantes, que, embora aqui nascidos, desejam conhecer melhor a terra de seus pais, através de uma visão global, inteligente e objetiva . A AÇÃO DO HOMEM, de Pierre George O objeto deste livro é o estudo consciencioso da transformação ope- rada pela açiio do homem sobre uma geografia natural em virtude da extensão e do aperfeiçoamento da técnica. Geo ta yves lacoste DI FEL

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LACOSTE, Yves Geografia do subdesenvolvimento

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  • A Geografia em edies DIFEL

    . '

    PANORAMA DO MUNDO ATUAL, de Pierre George

    Estruturado de maneira a consttturr um repositrio de incitamento pesquisa social, poltica e econmica, este livro tem por fito des-vendar ao leitor toda a complexidade das questes em foco, em escala nacional, regional e, mesmo, continental e mundial, dadas as interligaes de um mundo que nunca foi "to profundamente dife-renciado, enquanto tantas coisas se uniformizam ... "

    GEOGRAFIA DOS MARES, de Franois Doumenge

    Estamos longe de conhecer, em extenso e em profundeza, a infinita variedade de aspectos fsicos e biolgicos que o mar oferece. Mais longe ainda de poder utilizar, em benefcio do homem, todo o seu imenso potencial alimentar e energtico. Mas sobremaneira inte-ressante conhecer o que, nesse sentido, j vem sendo feito.

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    A AMRICA ANDINA, de Pedro Cunill

    Um estudo scio-econmico da regio dos Andes onde uma populao de 50 milhes de habitantes extrai penosamente a sua subsistncia, submetida que est s contradies do subdesenvolvimento.

    O JAPO, de Max Derruau

    Este trabalho de Max Derruau deve interessar sobremaneira o leitor brasileiro devido importncia adquirida pela imigrao japonesa no Brasil, e, particularmente, aos filhos desses mesmos imigrantes, que, embora aqui nascidos, desejam conhecer melhor a terra de seus pais, atravs de uma viso global, inteligente e objetiva ..

    A AO DO HOMEM, de Pierre George

    O objeto deste livro o estudo consciencioso da transformao ope-rada pela aiio do homem sobre uma geografia natural em virtude da extenso e do aperfeioamento da tcnica.

    Geo ta Subdesen~lvime

    yves lacoste DI FEL

  • YVES LACOSTE

    GEOGRAFIA DO SUBDESENVOLVIMENTO

    Traduo de T. SANTOS

    4.3 edio

    DIFEL R ua Bento Freitas, 362 - CE P 01222

    Rua Marques de It, 79 - CE P O 1223 SO PAULO

    I 9 7 5

  • Do original francs

    Gogrcphie du sous-dvel.oppement Vol. n.0 2 da Coleo "Magellan", publicada

    sob a direo de PIERRR GEORGE. Presscs Universitaircs de Francc

    1 9 7 5

    Copyright by Presses Univers.itaires de France, Paris.

    Direitos exclusivos para a lngua portuguesa: DIFEL, So Paulo

    lNDICE DAS ILUSTRAOES

    l!'IG. 1 - Mapa esquemtico dos limites do Terceiro Mundo e das principais zonas trmicas do globo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

    l!'IG. 2 - Esquema da evoluo demogrfica em pais de-senvolvido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

    l!~IG. 3 - Evoluo politica dos pases subdesenvolvidos 152-153

    FIG. 4 - Esboo esquemtico do crescimento da popu-lao e das produes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

    FIG. 5 - Relaes entre o valor da ren.da nacional e o nvel geral de instruo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234

    FIG. 6 - Relaes entre o valor da renda nacional e a importncia do regime alimentar . . . . . . . . . . . 236

    FIG. 7 - RelB.es entre o valor da renda nacional e a proporo de agricultores na populao ativa 237

    FIG. 8 - Relaes entre o valor da renda nacional e a quantidade de energia utilizada ....... . . . . . . 238

    FIG. 9 - Relaes entre o valor da renda nacional e o do comrcio exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239

    FIG. 10 - Relaes entre o valor da renda nacional e o ritmo do crescimento demogrfico . . . . ... . . . . . 242-243

    FIG. 11 - As situaes de subdesenvolvimento 248-249

  • lNDICE GERAL

    Introduo . ... .. . .. ....... . ..... . . .. . . .. ... ....... . .. . ... .

    P refcio

    PRIMEIRA PARTE

    Caracteres Gerais dos Pases Subdesenvolvidos

    CAPTULO I - A Noo de Terceiro Mundo

    CAPITULO li - Subalimentao e Desperdcio

    CAPITULO III - Handicaps Econmicos ..... ... .

    5 7

    15 29

    43 CAPTULO IV - Estruturas Sociais Opressivas e Paralisantes 73 CAPTULO V - Disparidade entre o Crescimento Demogrfi-

    co e o Crescimento Econmico . . . . . . . . 116 Concluso da Primeira Parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142

    SEGUNDA PARTE

    O Subdesenvolvimento, Fem?meno do ScUlo XX

    CAPTULO I - A Procura de uma Definio Objetiva e Universal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190

    CAPITULO H - Em Busca das Causas Profundas . . . . . . . . . 190 Perspectivas 227

    Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259

    tndice das Ilustraes .... . . ..... .. . .. . . . .... . . . . . .. .. . .... 267

    INTRODUO

    Que seria uma geografia do subdesenvolvimento? M uitos pensaro primeira vista que se trata de um estudo enume-rativo, descritivo e diferencial dos pases subdesenvolvidos. T al estudo no seria mais que qm resumo dos dez volumes desta coleo que trataro da A /rica, dos pases subdesenvolvidos da Asia, da Amrica Latina. Seu interesse e sua utilidade seriam bastante limitados. O autor quis, ao contrrio, fazer um pre-fcio ao estudo do subdesenvolvimento nas diferentes formas em que se apresenta no mundo. Geografia do subdesenvolvi-mento e no economia ou sociologia porque sua abordagem a do gegrafo atravs das situaes, das relaes de fora que condicionam em cada meio e em cada momento da histria a vida e o destino de um povo. Absteve-se de abordar aqui o exame dos diversos caminhos do desenvolvimento traados do interior ou do exterior. Seria prematuro antes do estudo siste-mtico de todos os pases subdesenvolvidos. O subdesenvol-vimento , no mundo de hoje, um fenmeno geogrfico e, como todos os fenmenos geogrficos, irtfinitamente matizado, segundo o jogo respectivo dos diversos fatores, que so, neste caso, sobretudo os freios ao desenvolvimento. preciso conhe-c-los para compreender no seu conjunto situaes e problemas de pases que cobrem dois teros do mundo, e que interessam a trs quartas partes da populao terrestre. Eis a razo porque se tornou indispensvel publicar este volume no incio da Coleo Magellan.

    PIERRE GEORGE

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  • PREFACIO

    O problema dos pases subdesenvolvidos colocou-se no firrt da Segunda Guerra Mundial. Durante pouco mais de quinze anos, uma quantidade bastante considervel de livros e arti-gos foi publicada, tanto sobre os problemas do subdesenvolvi-mento em geral, como sobre seus aspectos particulares nos diferentes pases. Inmeras teorias foram elaboradas sobre os meios de san-lo. Poucas questes provocaram o nasci-mento de uma literatura to abundante e variada num lapso de tP.mpo to breve. A tal ponto que alguns, apesar de uma certa condescendncia, falam de "moda", de "inflao", e se admiram com o fato de que se possa ainda escrever sobre o subdesenvolvimento. De fato, uma parte dessas obras no tem um valor muito grande, mas sua proporo no su-perior que ocorre nos outros domnios. -

    Na verdade, o que pode ser mais legtimo do que este interesse geral pelos problemas do subdesenvolvimento? Desde que os Estados Unidos e a Unio Sovitica procuram conso-lidar o frgil equilbrio que repousa sobre o medo mtuo de desencadear foras terrificantes, o problema essencial de nossa poca colocado pelo conjunto dos pases subdesenvolvidos. Desde que a poltica de coexistncia dita pacfica (enquanto durar) atenua talvez, passo a passo, a uma soluo favorvel, o subdesenvolvimento aparece cada vez mais como um drama cuja escala atinge toda a humanidade. Na maior parte do mundo, apesar dos planos, numerosos, e de alguns sucessos parciais, a_ situao se agrava. A Africa Negra no , sem dvida, a nica "mal dividida". E certo que se empreendem numerosas pol-ticas de desenvolvimento e que teoricamente possvel um pro-gresso muito grande. Mas atualmente no existe ainda nenhum exemplo de pas verdadeiramente subdesenvolvido que tenha superado tdas as dificuldades. No existe ainda nenhuma

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  • prova definitiva de que o subdesenvolvimento possa ser liqidado.

    Al~ disso, o conhecimento das diversas situaes de sub-desenvolvimento e dos mecanismos de desenvolvimento ainda muito sumrio. Enfim, como as tarefas colocadas para os pases sub?esenvolvid~s so bastante diferentes daquelas que foram realizadas no seculo XIX na Europa e na Amrica do Norte, no possvel divisar atualmente todas as dificuldades gue adviro. na medida em que as polticas de desenvolvi-mento so postas em ao, que se pode aperfeioar as anlises e melhorar o conhecimento. Todas essas razes explicam e tornam desejvel a multiplicao das pesquisas relativas aos pases subdesenvolvidos.

    Os economistas foram os primeiros a abordar o estudo do. subdesenvolvime~to e conservam neste domnio um lugar e~mente. Em segmda, escreveram financistas, socilogos, po-lticos, e tambm eclesisticos, sindicalistas, demgrafos, mili-tares, etnlogos, juristas, mdicos, agrnomos assim como fi~sof?s, gelogos, lingistas e, evidentemente, j~rnalistas . Tal dispandade pode surpreender, num primeiro momento e no deixa de agastar aqueles que se consideram os nico; verda-deiramente habilitados para estudar o subdesenvolviml'!nto .

    Na realidade, a diversidade de especialistas que analisam os problemas dos pases subdesenvolvidos particularmente ben_fica. Com efeito, o subdesenvolvimento no pode ser considerado como um problema somente econmico. fato que durante um certo perodo foi estudado essencialmente no quadro da economia clssica, independentemente de todas as condies de tempo e espao. Este perodo de "economismo" estreito e abstrato findou, entre outros fatores, diante do fra-casso total ou parcial das tentativas de desenvolvimento basea-das somente na implantao de empresas e que levavam em conta apenas os dados estritamente econmicos . Pouco a pouco, as economias subdesenvolvidas deixaram de ser consi-?erada~ como economias " normais" . ( aos olhos dos O cidentais), as quais faltavam somente capitais e alguns bons conselhos. As diferenas entre pases desenvolvidos e subdesenvolvidos reve-lavam-se no somente econmicas e quantitativas, pois foram constatadas em domnios fundamentais dos mais variados tor-na-se necessrio, pois, considerar hoje em dia os pases s~bdesenvolvidos como qualitativamente diferentes do resto do mundo.

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    A partir de 1953-54, as realidades complexas do subdesen-volvimento e, em particular, os fatores sociolgicos foram progressivamente se revelando, depois sublinhando-se como obrigados a transbordar o quadro estrito de sua disciplina, enquanto a sociologia e a demografia comearam a oferecer sua contribuio. As pesquisas em matria de subdesenvolvi-mento devem ser hoje interdisciplinares .

    O subdesenvolvimento com efeito um fenmeno global, uma situao eminentemente complexa; em cada territrio ele se manifesta por uma imbricao dos sintomas econmicos, sociolgicos e demogrficos e procede de uma combinao de fatores imbricados uns nos outros; sua natureza muito diversa: a herana econmica, social e poltica de um longo passado e de t ransformaes recentes combina-se s conseqncias dos dados fsicos de base (grandes traos de relevo, clima ) e dos dados do meio natural transformado pelos homens ( solo, vege-tao ). A combinao realizada desta maneira no esttica, mas evolui sob o efeito de um jogo de foras complexas. Se, nestas linhas gerais, a situao de subdesenvolvimento encon-trada numa grande parte do globo, existem contudo notveis diferenas segundo os pases. .

    Todas estas caractersticas fazem com que tais problemas possam ser abordados de maneira frutfera pelo mtodo geo-grfico. O fenmeno do subdesenvolvimento se liga geogra-fia por trs razes difereptes:

    - De uma parte : a geografia moderna, tem como razo de ser o estudo da realidade na sua complexidade mesma e s secundariamente nos seus diferentes constituintes. Ela descreve e explica as interaes entre fa tores de naturezas bastante diferentes na superfcie do globo. Ora, o subdesenvolvimento uma combinao particularmente complexa.

    - De outra parte: para a geografia, as combinaes que ela apreende so dinmicas e resultam de uma sucesso de conjunturas . A geografia o resultado e o prolongamento da histria. Ora, as realidades do subdesenvolvimento no so estticas e resultam de uma longa evoluo histrica.

    - Por fim, o gegrafo o especialista do estudo diferen-cial das combinaes realizadas na superfcie do globo. Est pois particularmente bem armado para abordar a anlise das diferenas que apresenta o subdesenvolvimento, nos nmero-sos pases que ele afeta (aproximadamente 2/ 3 da superfcie dos continentes ).

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  • A priori, a geografia deveria ter sido uma das primeiras cincias a empreender o estudo do subdesenvolvimento, ainda mais que os gegrafos so, como os mdicos e os etnlogos, os que mais trabalham fora da Europa. Contudo, at o presente, preciso notar que a contribuio da geografia ao estudo do subdesenvolvimento foi bastante restrita e muito inferior ao que poderia ser. certo que numerosos gegrafos procederam a excelentes pesquisas sobre os pases da sia, da frica e da Amrica Latina, mas estas no abordam seno excepcionalmente as realidades complexas do subdesenvolvi-mento, e no levam suficientemente em conta a contribuio das disciplinas que tomaram este problema como tema funda-mental de pesquisa.

    Seria fora de propsito analisar longamente aqui as causas complexas desta relativa absteno dos gegrafos. OJ Notemos contudo que bastante normal existir um certo descompasso entre o comeo da anlise de um grande problema por diversas cincias e o momento em que a geografia comea a estud-lo, pois ela tem necessidade da contribuio das primeiras para poder desenvolver suas investigaes de maneira satisfatria. Como todo estudo srio do subdesenvolvimento coloca foro-samente problemas essencialmente geogrficos, uma pesquisa vlida, qualquer que seja a disciplina da qual emane, no pode negligenci-los totalmente. Tambm, inmeros economistas e socilogos, por exemplo, esforaram-se em abord-los , no sem dificuldades na maioria das vezes, sem mesmo perceber que seu encaminhamento dependia da geografia. Embora muitos acreditem nisso, no se faz geografia como M. Jourdain fazia prosa. Mas, passemos adian'te.

    desejvel que a geografia contribua bem mais intensa-mente para o estudo do subdesenvolvimento. Certamente, no se trata de reivindicar uma "caa proibida", nem de querer disputar com os economistas o papel eminente que lhes per-tence. Em muitos domnios, a utilizao do mtodo geogrfico, conjuntamente ao das outras disciplinas, j permitiu obter resultados frutuosos; as pesquisas relativas ao subdesenvolvi-mento encontraro sem nenhuma dvida novas fontes de pro-

    (I) Sobre esta q uesto c sobre o papel do gegrafo no estudo do subdesenvolvimento, ver Geografia Ativa, de P. George, R. Guglielrno, B. K ayser, Y. L acoste, Difuso Europ.ia do Livro, 3." ed., 1973.

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    gresso na contribuio dos gegrafos. certo, como vanos exemplos j o provaram, que a contribuio da geografia: frut-fera no nvel da anlise elos fenmenos de subdesenvolvimento vistos na sua generalidade, em escala planetria, ser ainda mais til no quadro dos estudos mais precisos e menos extensos espacialmente.

    A presente obra a primeira parte de uma contribu; o ao estudo geogrfico dos problemas que colocam os paises subdesenvolvidos. Ela comporta uma anlise das caracters-ticas essenciais do Terceiro Mundo, o estabelecimento de uma definio objetiva do subdesenvolvimento e a p~squisa das causas profundas de sua apario. O volume termma por um apanhado da grande diversidade, que apresentam es~e_s pases, todos colocados, contudo, diante das mesmas dtfrculdades fundamentais.

    Os_problemas do desenvolvimento, a diver_s~da?e das po_l-ticas em aplicao para sanar os graves desequihbno~, a vatH~dade dos primeiros resultados obtidos no sero vistos aqu~. No que os gegrafos se ausentem das tarefas do desenvolvi-mento, por se contentarem em descreve~, . d,efinir e explic~r as realidades presentes, sem procurar modifica-las. Na verdade, o estabelecimento das grandes linhas dos planos de ao e. a escolha de uma estratgia cabem principalmente aos economis-tas e polticos. Nesta empresa, cabe contudo aos gegrafos um papel que no deve ser negligenciado.

    O estudo geogrfico dos problemas , no somente de sub-desenvolvimento como de desenvolvimento, no quadro de urna anlise diferenci; l do Terceiro Mundo, ser abordado ulterior-mente nesta mesma coleo.

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  • !

    PRIMEIRA PARTE

    CARACTERES GERAIS DOS PASES SUBDESENVOLVIDOS

  • '

    CAPITULO I

    A NOO DE TERCEIRO MUNDO

    As TRANSFORMAES que o mundo sofreu depois do fim da ~)cgunda Guerra Mundial, particularmente o recuo considervel la dominao colonial e a criao da ONU tiveram mltiplas \Jllscqncias no domnio das idias. A viso do mundo da 111aior parte dos ocidentais, a imagem que faziam de si mesmos, ;,,a maneira de considerar o resto da humanidade, evoluram :;cns1Velmente. Durante vrios sculos, dividiram a humanidade n cristos e pagos, depois em civilizados e "selvagens", con-:.idcrando-se os primeiros, evidentemente, como portadores de urna superioridade incontestvel e congnita sobre os segundos. J:utrc as duas guerras, os "civilizados" estavam de acordo pranto ao mrito de serem tambm os "civilizadores"; quanto :to:' "selvagens, a maioria tinha-se transformado em "povos que to ao podemos deixar entregues a si mesmos" ( sic). No final .1:. guerra, estas concepes, apesar de no desaparecerem total-ttt('lltc, foram substitudas por uma viso singularmente nova do rnundo: um pequeno nmero de pases ricos estava envol-vtdo por unia grande massa de pases pobres. Os ocidentais loralll levados a tom~r conscincia de que cerca de trs quartos .b humanidade passavam fome, que estavam privados de instru-.-a c de cuidados pessoais, que estavam muitas vezes sem 1 rahalho. A Fome sem dvida to velha quanto o gnero lunnano, mas sua "descoberta", seu reconhecimento oficial .no lt nr da guerra foram conseqncias de profundas transforma--.nes polticas: enquanto existiam os elos estreitos da domi-

    tt:t~io colonial, e enquanto se procurava mant-los por bem ou I'"~' mal, admitir que as populaes colonizadas estavam na tniso

  • li

    maior parte dos colonizados tornou-se independente, d~sapar~ceu progressivamente o " tabu" (Josu de Castro) que 1m pedia os " civilizados" de ver, de admitir que cerca de trs homens em quatro passavam fome. Hoje, a misria, _a doena,. a i?no-rncia a fome so denunciadas pelas personal!dades mars drver-sas. Mas h ainda poucos anos na Frana, tais propsitos eram idias subversivas e caam sob o guante da lei e da investigao policial.

    As publicaes da organizao das ~aes ~nidas: o:~e- os representantes dos pases subdesenvolvidos sao maJontanos, contriburam bastante para a tomada de conscincia da exis-tncia de um pequeno grupo de pases muito ricos e de uma multido de pases pobres. Em 1951, o secretariad~ da_ ONU publicava e difundia a estatstica das rendas nacwnais por habitante e por ano para a maioria dos Estados : mostrava-se que, em 1954, a Europa (URSS inclusive ) e a A~~ricg_ do Norte, ou seja, 32% da populao do globo, be~e_ficravan:-se de 83% da renda mundial, enquanto que a Amenca Latma, com 7% da populao total, s dispunha de 4,5 % da renda total. A Africa, com um efetivo quase equivalente, subsistia com 2% das rendas. A Asia, mais da metade de. humanidade (54% ) , devia se contentar com 11,5% da renda mundial.

    Um tero dos seres humanos vive em pases cuja renda nacional por habitante e por ano inferior a 50 dlares_ e mais da metade dos homens se encontra em Estados cuJas rendas por pessoa so interiores a 100 dlares. Em 1954,_ para o conjunto dos pases subdesenvolvidos, a renda nacionaJ por habitante e por ano era de 65 dares, enquanto era de 586 dlares para o grupo dos pases desenvolvidos ( 1 870 nos Estados Unidos).

    Alm disso, t:sse desnvel, j considervel, cresce rapida-mente, dado que os pases desenvolvidos progri?em bem mai_s rapidamente que os outros. Assim, a renda nacronal por habi-tante nos Estados Unidos era 15 vezes mais elevada que a da ndia, antes da guerra. Vinte anos mais tarde, seria necessrio multiplicar por 35 a renda de um indiano para igual-la de um ianque.

    A apario do conceito de subdesenvolvimento contem-pornea de duas das maiores "descobertas" das cincias econ-micas e humanas. Esta coincidncia est longe de ser um acaso. A primeira dessas descobertas foi, como j vimos, a de um fenmeno muito antigo : a misria e a fome. A segunda foi a

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    de um fenmeno completamente novo : o extraordinrio :mmen-to da populao mundial a partir do comeo do sculo XX. Sua taxa de crescimento anual mdia, que durante sculos foi inferior a 0,3 % e que ainda era de 0,5 % no fim do sculo XIX, cresceu brutalmente : 1% em 1940, 2 % atualmente. A " exploso demogrfica" tal que, se foram necessrios sem dvida mais de 300 000 anos para povoar a terra de 3 bilhes de seres humanos, bastaro trinta anos para lhe ajuntar outros ) bilhes; a humanidade contava possivelmente com 250 mi-lhes de homens no comeo da era crist. Ser-lhe-o necessrios 16 sculos para dobrar este efetivo. Ela contava com aproxi-madamente 500 milhes de homens em 1650 e atingiu o bilho dois sculos -mais tarde. Dobrou novamente em menos de um

    :;~culo somente, pois os dois bilhes foram ultrapassados em I 'J30. A casa dos 3 bilhes ultrapassada em 1960; os seis bilhes sero possivelmente atingidos no fim do sculo XX, em menos de 40 anos. Somente no ano de 1962, a populao llll!Odial cresceu de 63 milhes de homens.

    Ora, e este o fato essencial, a massa das populaes po-bres, que j no chega a fazer face s suas necessidades atuais, , nn tribui com uma parte essencial neste aumento. O conjunto , los pases subdesenvolvidos, que constitui atualmente uma 111ass:1 de 2 400 milhes de homens, registrar de agora at I 'J'J0-95 um aumento de 146 % aproximadamente (no caso de

    11 111:1 hiptese mdia); enquanto que o grupo dos pases desen-vol vi,{os, 600 milhes de homens, s crescer cerca de 53%.

    A noo de subdesenvolvimento indissocivel destes dois ! .rios fundamentais:

    l ." - Os povos subalimentados formam atualmente cerca '1, 1 r,'s quartos da humanidade;

    2." - Sua massa vai ser multiplicada por cerca de 2,5 nos l' ' 'ximos quarenta anos.

    A ideologia dos movimentos nacionais nos pases coloni" : ; H [ns, as lutas que precederam sua independncia, a confe-,,-.,ll ia realizada em Bandung pelos representantes dos Estados h A I rica e da Asia, e tantos outros fatos, reforaram a idia de

  • ria, pela qual fazem responsvel o colonialismo, tornou-se necessrio um conceito. Assim se explica o nascimento e o xito, pelo menos em lngua francesa, da expresso "Terceiro Mundo". Ela foi forjada por A. Sauvy, imitao do "Terceiro Estado" de 1789, que, maioria da nao, era formado de diver-sas classes e grupos sociais que reivindicavam os direitos at ento confiscados pelos dois outros "Estados", a Nobreza e o Clero.

    A expresso Terceiro Mundo bem prefervel a de "Na-es Proletrias". Esta expresso de A. Toynbee, que evoca a existncia de um "proletariado exterior do Ocidente", foi popularizada por P . Moussa.

  • zadores, e pretendiam ser os detentores das nicas formas de civilizao. Por que se assustar com o fato de povos que se tornaram independentes reivindicarem hoje o bem-estar dos antigos mestres? Antigamente, estes ltimos diziam ao falar dos " indgenas" : " eles no tm necessidades", " contentam-se com pouco". Tais frases, na verdade revoltantes, pois tratava--se de homens quase desprovidos de tudo, continham uma certa parcela de verdade. A fome, a doena, a ignorncia, que exis-tiam h sculos, eram anteriormente recebidas como uma fata-lidade. So hoje sentidas como fatos monstruosos e inadmiss-veis. As condies de existncia que ersJD. ento o apangio reconhecido de uma minoria da hu.manidade so consideradas hoje no mundo inteiro como o que normal, justo, necessrio, indispensvel. As populaes do Terceiro lv'iundo esto hoje submetidas a um verdadeiro suplcio de Tntalo, pois sua misria cresce diante das vitrinas guarnecidas das ruas das grandes cidades, diante dos cartazes publicitrios que tm por objetivo despertar o apetite do cliente , diante das telas de cinema onde passam as produes de H ollywood, vises retum-bantes de um mundo muito bem nutrido. Os homens dos pases subdesenvolvidos so na verdade os "danados da terra". Frantz Fanon os concita a rejeitar a Europa e "este monstro supereuropeu, a Amrica do Norte", a vomitar sua cultura. "As realizaes europias, a tcnica europia, o estilo europeu devem deixar de nos tentar e nos desequilibrar" .
  • tual justo e preciso, a fim de que seja eficaz, orientando a pesquisa e a ao numa perspectiva construtiva.

    Como veremos, a maior parte dessas dferentt:s definies de subdesenvolvimento so extremamente abstratas ; foram concebidas a priori, sem levar em conta as realidades con eretas, em vez de decouerem de uma generalizao progres-siva e rigorosa dos fatos observados nos diversos pases sub-desenvolvidos.

    A definio de subdesenvolvimento, fenmeno global, situao complexa, s pode ser apreendida, tomando-se em considerao, no somente um nico critrio, nem um nico fator (por mais significativo que seja, como a fome ), mas uma combinao de fatores maiores . Se, como parece, o sub-desenvolvimento um fenmeno primordialmente de escala planetria, esta combinao de fatores fundamentais deve se encontrar no conjunto dos pases subdesenvolvidos, sendo sua diversidade o produto de caracteres relativamente secundrios . Por outro lado, se os pases subdesenvolvidos no apresentam, no seu conjunto, esta combinao primordial e se parecem se diferenciar, no por traos secundrios , mas pela presena de mltiplas combinaes fundamentais, ento o subdesenvolvi-mento no poder ser considerado como um fenmeno primor-dial e global, mas como um simples fator integrado em vrias combinaes dessemelhantes.

    Na primeira hiptese, o grupo dos pases subdesenvolvi-dos e, por anttese, o dos pases desenvolvidos constituem duas categorias primordiais: a distino entre situao de de-senvolvimento e situao de subdesenvolvimento a linha de clivagem essencial que divide a humanidade. Da decorreria que as outras categorias, pases capitalistas-pases socialistas por exemplo, por importantes que possam ser, no deixam de estar subordinadas s categorias precedentes. Na segunda hiptese, se o subdesenvolvimento no pode ser considerado como fenmeno primordial, a distino primeira no seio da humanidade n.o pode ser feita em funo de desenvolvimento e de subdesenvolvimento.

    Trata-se de um debate bizantino? Absolutamente! O dilema tem uma grande. atualidade. Se o desenvolvimento e o subdesenvolvimento so duas categorias fundamentais, os Estados Unidos e a URSS, apesar de suas diferenas e. seus antagonismos, formam sociedades irms, pertencendo ambas ao que Raymond Aron denomina a Sociedade Industrial (que

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    seria prefervel chamar de sociedade desenvolvida ) . D entro da mesma hiptese, apesar da participao comum no "campo socialista", as divergncias entre a URSS e a China refletem as diferenas que existem entre duas categorias fundamentai!; .

    O mundo se divide primordialmente em pases desenvol-vidos e pases subdesenvolvidos? Ou em sistema capitalista c sistema socialista? O subdesenvolvimento constitui uma situao fundamental e, neste caso, como o definir? Os fa-tores de unidade que existem no seio do Terceiro Mundo so mais possantes que sua d iversidade? A estas questes no possvel responder a priori. necessrio proceder pesquisa ns d iversos fatores e caracteres fundamentais que se encontram nos diversos pases subdesenvolvidos e que no existem nos pases desenvolvidos.

    Como no dispomos, para comear, de uma definio de subdesenvolvimento, com um certo empirismo, tateando, que se poder constituir a coleo dos pases subdesenvolvidos , ml tiplos casos concretos que necessrio analisar para desenhar os traos gerais da combinao de fatores que o subdcscn volvimento. Seri pueril fazer tbua rasa de tudo o que foi publicado, e bastante simples classificar a maioria dos past::;, utilizando alguns critrios estatisticamente simples: o montan lt da renda nacional por habitante e por ano, o nmero de calorias que consumido na alimentao mdia, a percentagem de analfabetos etc. ; estes critrios so cmodos para indicar os pases subdesenvolvidos. N a maior parte dos casos , os pase:; se classificam aproximadamente na mesma ordem, sob os dik rentes 'aspectos estats ticos . A frente, vm os pases incontcs tavelmente desenvolvidos . Ao final, encontram-se os pas(':; incontestavelmente subdesenvolvidos . na direo do mcio das sries estatsticas que aparecem os pontos de interrogao : certos pases esto " bem colocados" no q ue diz respeito :1 renda nacional, mas "em atraso" em outros pontos : cstt: o caso da Venezuela, por exemplo : sua renda nacional por habitante e por ano de um pas desenvolvido, mas seu regime alimentar expresso em calorias inferior ao do Egito e das Filipinas ; sua percentagem de analfabetos comparvel ela T ailndia, e sua taxa de mortalidade infantil est situada entre a de Hong Kong e a de Marrocos.

    ( l ) U tilizaremos por ex. N. GINSBU RG, Atlas o f economic t!o: nelop ment, The U niversity of Chicago Press, 1961, pg. 119.

    2 3

  • A baixa taxa de analfabetismo, mas tambm o poderio da indstria japonesa fazem com que se hesite em colocar o Japo entre os pases subdesenvolvidos, apesar de sua renda nacional e seu regime alimentar serem bem medocres. Existe assim um pequeno nmero de casos litigiosos, pases que, em vista das estatsticas, apresentam ao mesmo tempo caracteres de pas desenvolvido e sintomas de subdesenvolvimento: Venezuela, Argentina, Repblica Sul-Africana, Japo, Itlia (em razo do lugar que nela tem o Mezzogiorno), Romnia, Hungria. Exis-tem, como pensam alguns, pases semidesenvolvidos, interme-dirios entre os dois grupos principais? No pode ser depois de uma simples aproximao estatstica, de fato cmoda mas rudimentar, que se poder decidi-lo.

    Feitas essas reservas, possvel traar uma lista aproxi-mativa e provisria dos pases subdesenvolvidos. A dos pases indubitavelmente desenvolvidos mais simples de enunciar pois infelizmente bem mais curta. Eles aparecem no quadro se- guinte em caracteres em negrito, com um produto nacional bruto superior a 500 dlares por habitante e por ano.

    PRODUTO NACIONAL BRUTO (EM DLARES ) POR HABIT ANTE E POR ANO

    + de 2 000 $ + de 1 500 $ --- ----

    + de 1 000 $

    + de 500 $

    + de 250 $

    + de 100 $

    - de 100 $

    24

    Estados Unidos. Ca no:d:.

    Suc!a. SuCI, Luxe:mbmqo, Ausi~l!a. No'l'a Zelb:u:llo:, Dinamarco;, Aleootlnha OcidG>n!al, irrar.o:, l!':Hii0teno:.

    Norueqcz, Ee!gicQ\, Isl&ndla. Finl&ncl!a, :Pases '!iabros, URSS. Tcheccslcwqu!o:, AlemanhCl Oriental.

    Itlia, Po lnia, Hungria, A us!rl.a. lrlcmda. lo~o:eL Venezuela, Porto Rico, Uruguai, Romnia.

    Iugoslvia , Repblica Sul-A fricana, Argentina, Bul-gria, C uba, Panam, Espanha , Japo, Colmbia, Costa R ica, Malsia , Turquia, Grcia, Lbano, Jamaica, Brasil. Equador , Portugal, Filipinas, I raque, M xico, Chi-le, Guatemala , Arglia, Arbia Saudita, M arrocos, Peru, Gana, Rodsia, Vietn do Sul, Egito, T un-sia, Ceilo, Sria, Paraguai, Formosa, Ir, Sudo.

    Gongo ex-belga, J ord nia , Lbia, Coria, H aiti, China, l nd ia, Paquisto, Bolvia, Nigria , Knia, T anganika , Estados da cx-A.O.F . e da ex-A.E .F., Afeganisto, Etipia, Birm nia, L aos , Camboja, Nepal.

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  • Excetuando-se os pases desenvolvidos ( 600 milhes de homens), restam cerca de 90 Estados e territrios: uns (em

    caracteres itlicos no quadro) no podem ser classificados entre os pases incontestavelmente desenvolvidos, mas no seguro que sejam pases subdesenvolvidos. Estes 90 pases compreen-dem 2 400 milhes de homens aproximadamente e se estendem sobre cerca de dois teros da superfcie dos continentes. Os pases desenvolvidos se localizam na zona temperada, os pases do Terceiro Mundo se estendem do Equador at latitudes bas-tante altas como a China do Norte (paralelo 45.o), de uma parte, e como as do Chile Meridional (alm do paralelo 50.0 ), de outra parte. O Terceiro Mundo cobre pois a zona inter-tropical e ultrapassa largamente a zona temperada. Enquanto os pases desenvolvids so povoados exclusivamente de euro-peus ou de populaes originrias da Europa, o Terceiro Mundo rene populaes etnicamente muito diferentes.

    Primeiramente, o grupo dos pases subdesenvolvidos apa rec~ como heterclito. Querer descobrir nele um conjunto de caracteres comuns pode, em primeiro lugar, parecer uma aposta. Talvez seja a evidncia dessa disparidade de dados geogrficos que dissuadiu os economistas e os socilogos de empreender a anlise das realidades concretas do conjunto dos pases subde-senvolvidos e que os levou a se abstrarem delas, para procurar uma definio a priori do subdesenvolvimento. O gegrafo hoje, sem nenhuma dvida, quem pode resolver tal dificuldade.

    Os erros que foram cometidos no fim do sculo XIX por uma geografia nascente, ainda impregnada de uma concepo muito estreita do determinismo, foram hoje corrigidos. A com-plexa e relativa significao humana dos fatos naturais hoje apreciada de uma maneira muito mais justa. As combinaes de fenmenos que se estudam hoje so com efeito muito mais largas: a ao de um fator pode ser reforada ou, ao contrrio, atenuada pelo jogo de outras fras . Um mesmo elemento fsico ou dos meios naturais vizinhos pode provocar para os homens conseqncias bastante diversas, se vivem em condi-es econmicas e sociais muito diferentes. Inversamente, condies naturais muito diferentes podem no provocar con-seqncias bastante diversificadas para as coletividades huma-nas, colocadas em condies econmicas e sociais equivalentes.

    evidente que essas consideraes s so vlidas num grau relativamente elevado de generalizao, quer dizer, no quadro de observaes e raciocnios que atingem vastas extenses.

    26

    . Assim, por exemplo, o potencial pedolgico da zona tro-pical. e. o ~a zona temperada !>o bastante desiguais: os solos

    tropi~ais sao, na sua grande maioria, muito mais pobres e frgeis do que os outros. Contudo, a ao de outros fatures econmicos em particular, impede muitas vezes esta dif; rena de potenciais de se' manifestar plenamente: os pases subdesenvolvidos da zona temperada enfrentam tambm con-side!veis dificuldades agrcolas. Seus camponeses, que dispem

    teo~Icamente de u~ pote~cial natural oastante rico, mas que e~tao colocados na Incapacidade de explor-lo plenamente, no tem, como o mostra R. Dumont, uma produtividade suficien-temente superior dos cultivadores que vivem sob o calor da floresta equatoriana.

    As conseqncias humanas dos fatos fisicos no devem ser nem sub nem superestimadas. A disparidade das condies naturais atravs do Terceirq Mundo no a priori um obstculo

    maior existncia em nvel planetrio de um conjunto coerente, for:nado pelos pases subdesenvolvidos. Resolvido esse pri-meiro problema, possvel abordar o exame dos caracteres comuns que oferece a maioria, seno a totalidade dos pases subdesenvolvidos.

    Est~ a?lis~ do Terceiro Mundo, visto na sua generali-d~de, . nao Implica contudo uma minimizao de sua grende diVersidade. Esta ser evocada no fim deste livro. Ela ser estu~ada sobretudo numa prxima obra, em que o subdesen-volvimento ser estudado, no mais como situao planetria mas n_a escala de situaes que ocupam espaos mais restritos' no. se1o . dos quais so aplicadas polticas de desenvolviment~ multo diferentes.

    ~ com~do considerar que essas diversas situaes se sobre-poem umas as outras formando uma espcie de diferentes nveis de a~lise: na base, as mltiplas situaes locais e regionais; em CI?Ia, ~s que caracterizam um conjunto de regies do Estado. As s1tua~oes do n~el superior cobrem um grupo de pases, ~ma fraao de cont;mente, ou um continente inteiro. O todo e coroado pelas situaes planetrias: cada uma entre elas res~lta de. uma combinao de fatores que se tornam cada vez n_:a1s locahza~os , concretos e particulares quanto mais a stua-ao ~e l?c~hza no nvel inferior, domiciliada num quadro esp.acial lrmttado. Inversamente, quanto mais a situao carac-teriza vastas extenses, tanto mais os fatures que a compem so gerais e expressos em krmos abstratos. Isto resulta da

    27

  • I[

    generalizao dos traos comuns s diversas situaes subja-centes . Assim, a situao regional constituda pela sntese dos caracteres comuns s situaes locais, englobadas na regio. Feita a deduo dos aspectos especficos de cada uma delas, as diversas situaes regionais fornecem os traos da situao de nvel nacional ~te. Para atingir o nvel planetrio, este pro-cesso de generalizao progressiva ultrapassaria f!S possibili-dades de investigao de um indivduo. se no disnusesse de numerosos trabalhos de dntese efetuados anteriormente para descrever as mltiplas situaes dos diferentes nveis. A _pre-sente obra essencialmente otientada para a anlise das situa-es do nvel superior.

    Ev

  • da humanidade at o fim do sculo XIX. Foi particularmente grave entre os habitantes dos pases hoje desenvolvidos, no somente antes da revoluo industrial mas tambm at uma poca em que o crescimento econmico j era considervel. Ainda hoje, num bom nmero de pases ricos, uma frao da populao no dispe de um regime alimentar suficiente. A fome acompanha situaes econmicas e sociais bastante diver-sas e resulta de causas muito diferentes. A insuficincia ali-mentar dos africanos no tem a mesma causa que a dos prole-trios europeus do sculo passado. Atualmente, a fome dos caadores da floresta equatorial no tem as mesmas causas nem exatamente os mesmos aspectos daquela que sofre a popu-lao das favelas.

    As fomes agudas que outrora provocaram diretamente a morte por inanio de numerosas pessoas so cada vez mais raras em nossos dias. Como se calcula hoje as conseqncias polticas que poderiam ter, so rapidamente juguladas pelo transporte e a distribuio de cereais, fornecidos por pases desenvolvidos que dispe de estoques considerveis. Contudo, fomes agudas pode:m ainda existir, seja em razo das dificul-dades de acesso a certos territrios, seja por causa da anarouia poltica, sejam edim nas regies em rebelio, que so sub~etidas a um bloqueio metodicamente organizado.

    Por outro lado, a subalimentao crnica, que talvez a longo prazo mais destrutiva do que a fome, pesa sobre popu-laes extremamente numerosas. Segundo o pas, a impor-tncia quantitativa do regime alimentar dirio mdio est com-pre~ndida e~tre 3 500 e 1 500 calorias. Pode-se, numa pri-meira aproXImao, considerar que a subalimentao existe nos pas;s que no dispem em mdia de 2 500 calorias dirias por habitante. De acordo com as avalia~s da FAO, cerca de 70% da populao do globo est teoricamente neste caso, e 24% deve v1ver em mdia com menos de 2 000 calorias por dia.

    Certamente possvel evocar muitos argumentos para contestar esse balano pessimista: at a idade de 10-12 anos, as necessidades energticas so um pouco inferiores s de um adolescente ou de um adulto; como a populao dos pases subdesenvolvidos conta com uma grande proporo de jovens e crianas, resulta que, em relao mdia das calorias dispo-nveis, a quantidade de que eles no tm "necessda le" pode teoricamente servir para melhorar a rao das outras classes de idade. Com regime alimentar igual, o pas que conta com

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    maior nmero de jovens que ser o menos mal alimentado. l'r outro lado, as necessidades alimentares energticas so 1.1rr lo mais fracas quanto as temperaturas mdias so elevadas. lla tjue na zona intertropical a rao alimentar optimum no lt"rn necessidade de ser to grande quanto nos pases menos JIII"IllCS.

    Levando em conta a composio por idade das populaes ,- as condies climticas, os nutricionistas podem pois cal-' ulat, por habitante e por dia, as quantidades mdias de calo-rr; r:; necessrias manuteno da boa sade, para diferentes l'ascs . Estas quantidades so vizinhas de 2 400 calorias para Amrica Latina, a Afric& e o Oriente Prximo, e de 2 300 ;'rias para o Extremo Oriente. OJ Os clculos fariam pensar pw a situao alimentar, do ponto de vista quantitativo, no ... ria m para o conjunto da Africa e da Amrica Latina: a 1 '' irucira dispe de 2 350 calorias (necessidade coberta teori-, .uucntc em 98% ), a segunda, de 2 450. A situao no seria 1'.' ;rvt~ seno no Extremo Oriente onde, com 2 050 calorias .ILI'onveis erri mdia, as necessidades s seriam cobertas em !:J_;,_ Por outro lado, as raes ultrapassam o necessrio de I o a 20% na maioria dos pases desenvolvidos.

    Por interessantes que possam ser esses clculos, seus re--. ri 1 a dos tranqilizantes no devem nos esconder realidades '""ito mais graves: de uma parte, a tomada em considerao ,.).,J,al de conjuntos to vastos esconde os casos mais graves. l+r lndia, 2 250 calorias so teoricamente necessrias, mas ... uwntc 1 700 seriam disponveis ( 2 000 calorias segundo cer-,.,., autores), havendo portanto, um deficit de 25%. No Peru o mesmo o deficit terico. Na frica do Norte, o deficit .n ia de 21% (calorias necessrias, 2 430; disponveis, 1 920).

    I >c outra parte, trata-se de mdias anuais. Ora, na maior 1 .llk das regies rurais do Terceiro Mundo, a escassez antes f. r olheta, dentro do perodo de entre-safra, muito sens-vl. E esse o perodo dos trabalhos mais duros; esses devem, l"rtanto, ser realizados por populaes que passam ento

    111na fome aguda. Enfim, e isto essencial, as raes alimentares so mdias

    alnrladas para o conjunto da populao. Ora, os pases sub-

    (I) Ver P. V. SUKHATME, "The World's Hunger a nd Future ~ld~ iu Food Supplies", ]oumal of the Royal Statistical Society, '"'" A, vol. 124, 1961.

    31

  • desenvolvidos se caracterizam, como veremos, pelas desigual-dades sociais extremamente acentuadas. Estas so em geral particularmente acentuadas nos pases mais desprovidos. Um::~ minoria privilegiada vive num nvel de vid na maioria dos casos muito superior ao das categorias mais ricas dos pases desenvolvidos. Em certos lugares, sua superioridade se mani-festa ainda principalmente por um consumo alimentar desme-surado .. No Tchad, por exemplo, no dispe um sulto de uma rao diria -de 15 000 calorias, enquanto uma grande parte da populao tem de viver com 950 calorias? (Balandier). U>

    Existe pois uma grande diferena entre as realidades con-cretas da fome e sua avaliao pelas mdias. Contudo, a com-parao entre a rao mdia disponvel e a quantidade de calorias teoricamente necessria mostra claramente, desde j, que a extrema gravidade do problema da fome resulta, em grande parte, das desigualdades s~iais. Uma repartio mais igualitria permitiria atenu-lo sensivelmente.

    As necessidades energticas quantitativas que determinam a sensao de fome quando no so satisfeitas, ajuntam-se as necessidades qualitativas cuja no satisfao engendra, a longo prazo, as doenas de carncia. Regimes alimentares bastante copiosos mascaram uma fome oculta quando faltam as vitami-nas, sais minerais, e, sobretudo, os elementos de grande valor biolgico que so as protenas, principalmente as de origem an.imal, que so indispensveis conservao e constituio dos tecidos. Essas insuficincias qualitativas so mais extensas, mais graves e sobretudo mais difceis de remediar do que a insuficincia quantitativa: quantitativamente, a relao entre a rao alimentar mdia mais fraca ( 1 500, Libria, por exem-plo) e a mais alta (3 500, Dinamarca, por exemplo) da ordem de 1 para 2; qualitativamente, da ordem de 1 para 1.5: nos pases mais mal nutridos, menos de 5 g de protenas animais so consumidas em mdia por habitante e por dia: nos pases mais bem nutridos, a rao da ordem de 70 g (Nova Zelndia). De acordo com a FAO, 58% da populao mundial consumiria menos de 15 g de protenas animais por dia e 17% dos homens dispem de mais de 30 g de protenas por dia (Frana, 45 g, USA, 65 g).

    ( 1) G. BALANDIER, Les pays en voie de dveloppement. Len Cours de Droit, 1961, pg. 312.

    32

    A fome oculta particularmente grave, pois seus efeitos so complexos, terrveis e em grande parte irreversveis.. Ela reduz sensivelmente as faculdades fsicas e intelectw.,; . e afeta

    par~cularmente . os grupos vulnerveis da populao e, em par:Icular, as crianas, que sofrem as conseqncias por toda a vida.

    A insuficincia qualitativa particularmente difcil de resolver. Com efeito, os elementos "protetores da sade" so geralmente produtos caros. E particularmente o caso das protenas animais . Com efeito, uma caloria em carne leite ovo etc., resulta da transformao pelo animal do equi~alent~ a 5 a 10 calorias, ingeridas por ele sob a forma de produtos alimentares vegetais. Existem outras dificuldades: como os deitas da insuficincia alimentar qualitativa no se traduzem por uma sensa.o de fome (mas em geral ao contrrio por uma perda. de. apetite)~ como estes produtos dispendiosos no pare-cem mdispensveis, as populaes preferem muitas vezes se priva: deles, para poderem efetuar outras despesas, alimentare~ ou nao. Em numerosos pases ocorreu a substituio das cul-

    tura~ alimentares, na totalidade ou em parte, por uma cultura destmada exportao, o que levou ao desaparecimento da ali- mcntao tradicional; esta era relativamente equilibrada e sua :;ubstituio por um regime muito mais uniforme provocou o aparecimento de numerosas carncias. A fome oculta muitas vl:zes mais intensa . nas cidades do que no campo, onde o con-:; 1m o dos produtos da caa e da colheita (caa mida, lagartos, 111setos, larvas, bagas, frutas) fornece protenas e vitaminas em q11antidades apreciveis.

    Em nu~_erosos casos, a insuficincia quantitativa dos ali-nentos combma-se com sua pobreza nutritiva. Assim se sobre-I iic~ . c&rncias de origem e efeitos diferentes. F, possvel 1 la.ssificar num quadro de dupla entrada os pases para os quais I"XI.stem infor~~es disponv~is: notemos, a propsito, que :a: trata de medias e que a desigualdade social agrava os efeitos la desnutrio quantitativa e qualitativa.

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  • ,-.. "" ---~-~~~ --~---"'------ -------------------~""""'""'-""''"'"" =-----------------------

    MENOS DE 10 G DE PROTElNAS ANIMAIS

    DE 10 A 20 G DE PROTElNAS ANIMAIS

    DE 20 A 30 G DE PROTEfNAS ANIMAIS

    MENOS DE 2 000 DE 2 000 A 2 500 CALORIAS DI~RIAS CALORIAS DI~RIAS

    ndia, Ceilo, Ir- Ira- China, Japo, Sria, que, Lbia, Repblica Pases da ex-A.O.F. Dominicana, Salvador.

    Filipinas, Peru, ~frica Mxico, Rodsia, Egito, do Norte. Paquisto.

    Itlia, Turquia, Grcia, Chile, Venezuela, Co-lmbia, Brasil, ~frica do Sul.

    A fome tende a diminuir? Desde antes da guerra, a po-pulao do globo cresceu de 35% aproximadamente e a pro-duo alimentar aumentou de 52%, segundo a FAO. (A China est excluda destes clculos). Este balano satisfatrio em razo dos considerveis progressos agrcolas realizados nos pases desenvolvidos: na Amrica do Norte a populao cresceu de 40% e a produo alimentar de 68%; na Europa, o aumento demogrfico foi de 12% aproximadamente, enquanto a produo alimentar foi majorada em cerca de 50%.

    Ao contrrio, no conjunto do Terceiro Mundo, os pro-gressos da produo alimentar no chegaram a cobrir o cresci-mento demogrfico.

    No Extremo Oriente ( exclusive a China) e na Amrica Latina, a populao aumentou com rapidez sensivelmente maior que a produo alimentar. A Africa tende h alguns anos a apresentar o mesmo fenmeno. Assim, segundo o relatrio da FAO para 1960, a quantidade de gneros alimentcios produ-zidos em 1959-60 por habitante nestes trs grupos de pases era inferior em 3% mdia dos anos anteriores guerra. Estas mdias dissimulam situaes muito piores num grande nmero de pases. Alm disso, a tomada em-considerao das produes alimentares no seu conjunto enganosa pois inclui produtos destinados exportao (acar, caf, cacau, ch, frutas tropicais, oleaginosas), cujo aumento foi muito mais rpido em geral do que o dos produtos consumidos. Ora, como o veremos, os cultivadores no obtm um preo justo pelos produtos de exportao. Na maioria das vezes teriam maior interesse em produzir para si mesmos, mas no so livres para

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    decidi-lo. A relidade deve ser sensivelmente mais sombria por uma outra razo ainda: num grande nmero de pases, nos ltimos vinte anos, a economia de auto-'subsistncia recuou em proveito de uma economia de troca, cuja produo melhor recenseada pelos servios de estatstica. Isto torna artificial uma parte do progresso da produo alimentar que foi reali-zado nos pases subdesenvolvidos. Nessas condies, a melho-ria qualitativa da alimentao no parece ser possvel, pois a produo de protena animal implica (exceto na pesca, da seu interesse) na . transformao de uma quantidade de produtos alimentares vegetais relativamente muito grande.- Assim, pata o conjunto da Amrica Latina, a rao em protena animal passou de 29 gpor dia, em 1948-50, para 24 g, em 1956-58. Passou de 6 a 8 g no Extremo Oriente provavelmente graas contribuio da pesca.

    Segundo a FAO, a liqidao da fome oculta no conjunto do Terceiro Mundo, levando em conta seu crescimento demo-grfico, necessitaria que a produo de leite e de carne aumen-tasse ao menos de 500% nos prximos. quarenta anos. Como uma caloria de produto animal implica a utilizao anterior de 7 calorias vegetais em mdia, v-se a amplido do progresso necessrio.

    Este lento agravamento de uma sit~ao alimentar j ca-tastrfica um dos traos essenciais do subdesenvolvimento.

    II - Recursos negligenciados ou desperdiados

    .As dificuldades dos pases subdesenvolvidos e em parti-cular a fome que os castiga so freqentemente consideradas como o resultado da mediocridade de seus recursos naturais, de uma parte, e do excessivo efetivo da populao, de outra parte. Contudo, o Terceiro Mundo no uma parte do globo naturalmente deserdada, como as zonas ridas e polares. certo que as deficincias agrcolas dos solos tropicais, sua po-breza e sua fragilidade constituem dificuldades relativamente delicadas a superar ou a elidir num grande nmero de pases. Alguns gegrafos chamaram justa~ente a ateno sobre esses problemas , mas seria necessrio muito mais para que se pu-

    (1) Por exemplo, GOUROU, Les Pays tropica~x, Presses Uni-versitaires de France, 1948, pg. 196.

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    . --- --------------

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    I [I

    desse considerar esses obstculos naturais como a causa essencial das dificuldades econmicas dos pases subdesenvolvidos. Com efeito, o Terceiro Mundo no crreponde somente zona dos solos laterticos. Ele se estende, com caractersticas econmicas e sociais comparveis, com uma misria anloga, sobre regies extratropicais, que no so pois sujeitas aos mesmos imperativos naturais e que dispem de um potencal pedolgico bem superior.

    A imagem que se faz do Terceiro Mundo . , de alguma maneira, uma multido disputando o contedo de um guarda--comid miseravelmente provido pela natureza. Apesar de absurda, uma outra imagem cor:esponde muito mais reali-dade: uma multido que se aperta diante das portas em geral fechadas de um armrio muito bem fornido. A maior parte dos pases subdesenvolvidos dispe com efeito de um potencial natural considervel, mas sua explorao extremamente imper-feita e parcial. Por clebres que sejam, os exemplos de Java, Formosa, Antilhas e Japo, ilhas bastante povoadas com recur-sos agrcolas exguos, so cont,udo casos excepcionais. Na maior parte do Terceiro Mundo, existem vastos territrios cultivveis que no so utilizados : assim, apesar de um quarto da super-fcie da Amrica Latina ser cultivvel, sem _necessidade de se recorrer a mtodos tcnicos extraordinrios, soment~ 5% do solo explorado, e ainda de uma forma muito medocre. Imensas extenses so monopolizadas por grandes propriet-rios que, por razes complexas, no as valorizam praticamente nada; 1,5% dos proprietrios fundirios possuem mais de 50% das terras agrcolas da Amrica Latina. Na maior parte do Terceiro Mundo, os rendimentos agrcolas so medocres ou muito fracos, mesma nas regies de cultura intensiva.

    A laterilidade citada como a maldio dos pases tropi-cais, mas nem todos os solos so lateriticados: alguns, as aluvies do fundo dos vales em particular, escapam forma-o rpida de uma couraa latrica aps o desbravamento e o cultivo. Ora, na maior parte da frica e da Amrica tropicais, essas terras, que constituem o verdadeiro potencial agrcola desses pases, no so geralmente valorizadas.

    Ao contrrio, as zonas interfluviais onde se encontram os solos mais pobres e mais frgeis constituem a parte essencial dos terrenos cultivados: s se pode praticar sistemas de cultura itinerante, apoiados nas queimadas, e os rendimentos so muito fracos . Devido ao aumento da populao e ao desen-volvimento das culturas de . exportao, no mais possvel

    36

    hoje praticar os longos alqueives que so necessrios para manter uma relativa fer tilidade ; assim estes magros solos degradam-se rapidamente. Estes terrenos, que so os mais fa;orveis so contudo os que permitem uma explorao menos difcil pa;a as populaes frgilmente equipadas tecnicament:. Os fundos de vales, que oferecem possibilidades de uma agn-cultura estvel e de rendimentos bem superiores, poderiam ser cultivados somente com a condio de que os camponeses esti-vessem organizados e equipados para poder efetuar os nume-rosos trabalhos que requer a agricultura irrigada.

    Ao contrrio na sia . das mones, onde se d~senvolveram civilizaes capaz~s de realizar grandes obras de irrigao, foi nos vales e nos deltas que se acunmlou a populao. _Mas a situao no melhor. Com efeito, preciso proceder a mu~erveis trabalhos para evitar que :::aiam os rendimentos ( ae1ma de tudo medocres) de solos qne so terrivelmente superexplo-rados. A soluo reside, entre outras, na contribuio de ester-cos qumicos e adubos. Ainda a, uma grande parte do_pote__?-cial agrcola inutilizado: fora do~ vales! ~ast:s ext~nsoes sao explorveis. Seria possvel estender a 1rngaao ate elas, ou praticar uma criao de bovinos . que fornece a _leite, carne, fora de trao e estrumes naturais de que os cu~tlvadores dos vales tanto necessitam. Como o destaca Rene Dumont, o sucesso das plantaes de cactus ine~me e outras espcies vegetais particulares (Digitaria umpholo.zt,. ~ndr.opogon goyanus) abre perspectivas imensas para a constltUJao de pastagens rel~

    tivament~ ricas ern extenses de solo bastante pobres submeti-das a longos perodos de seca. No conjunto do Terceiro Mundo, a cultura e a criao, em geral praticadas por grupos diferentes, so geralmente dissociada~/ e _ so~rem m':ltuament~ devido a essa distoro. Ora, uma revoluao nas forragens (R. Dumont) 0 > possvel e necessria, pois a condio de passagem a uma agricultura intensiva .na Amrica La~ina e na Afrka, e para o aumento dos rendimentos na s1a . Nos pases subdesenvolvidos os recursos so f!Zenos raros que a capacidade de os articular utilmente entre st.

    Uma outra grande dificuldade que enfrentam os . agricul-tores dos pases subdesenvolvidos provocada pela Irr~gularidade das condies climticas : a maior ou menor duraao da

    ( 1) R. DUMONT, Afrque Noire, d ueloppem en t agricole, l'resscs Univcrsi ta ircs de Francc, 1961, pg. 212.

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    estao seca, o atraso da estao chuvosa, a inundao, sc ressentidas de uma forma particularmente dramtica por culti-vadores que no dispem de meios suficientes para remediar estes elementos aleatrios. A extenso das redes de irrigao e o aumento do volume das guas estocadas nas barragens, de uma parte, um instrumental agrcola suficientemente poderoso para poder acelerar, se fr necessrio, as operaes culturais, de outra parte, permitiriam atenuar os efeitos desastrosos da irregularidade dos fenmenos climticos. Na maioria dos pases subdesenvolvidos existem grandes possibilidades de aumentar a irrigao, mas faltam os capitais necessrios a estes traba-lhos e as condies que asseguram sua rentabilidade, no estado atual das coisas.

    As potencialidades agrcolas da maioria dos pases subde-senvolvidos so, pois, grandes e o Terceiro Mundo, onde domina a fome, um "mundo baldio" ( G. Ardant}. A utili-zao dos recursos do Terceiro Mundo bem inferior da maior parte dos pases desenvolvidos. certo que nestes ltimos subsistem extenses que poderiam produzir mais. Mas seu significado e as conseqncias desta ho utilizao so completamente diferentes dos do Terceiro Mundo, pois em numerosos pases desenvolvidos as colheitas so j super-abundantes.

    As dificuldades alimentares dos pases subdesenvolvidos no tm uma origem estritamente agrcola e os meios de san--las dependem igualmente da indstria: de uma parte, as rendas de origem industrial tornam possvel a compra macia de pro-

    . dutos alimentares nos paises que os exportam; de outra parte, a indstria poderia pr disposio da agricultura os meios de aumentar maciamente sua produo: material de irrigao, tratores, instrumentos; inseticidas, adubos. "Cinco toneladas de carvo permitem obter aproximadamente uma tonelada de azto puro. . . (este) fornece, nas condies agrcolas ordin-rias, um acrscimo da produo no valor de 20 toneladas de trigo. . . (Assim) a produo anual de um mineiro europeu cobre as necessidades alimentares de 1 000 pessoas" (F. Baade).

    Ora, de fato bastante conhecido que os pases subdesen-volvidos se caracterizam por uma produo industrial das mais

    ( 1) F. BAADE, La co1me l'an 2000, Presses Univcrsitaircs de France, 1963, pg. 265.

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    restritas. Seu potencial de industrializao contudo bastante considervel tambm. Se fato que alguns Estados (de pe-quena superfcie, na maior parte) parecem dispor de possibi: lidades muito limitadas, a maioria dos pases subdesenvolvidos esconde recursos abundantes e variados. fato que, excetuan-do a China, que dispe de reservas carbonferas enormes, bem repartidas e facilmente explorveis (ela hoje a primeira produtora mundial de carvo), parece que o Terceiro Mundo no dotado de grandes reservas carbonferas. Na poca em

    que o carvo era ainda a base indispensvel do desenvolvimento industrial, a frica, a Amrica Latina e uma boa parte da sia poderiam aparecer . seriamente em desvantagem pela raridade e pequenez dos recursos carbonferos descobertos. Uma pros-peco mais intensa pode sem dvida aumentar sensivelmente estas reservas.

    Mas hoje existem condies novas que so extremamente favorveis ao desenvolvimento das indstrias de base: de uma parte, o Terceiro Mundo, com o Oriente . Mdio e a Amrica Latina, detm a maior parte das reservas de hidrocarbonatos; de outra parte, as facilidades de transporte por navios de grande calado, o fato de existirem produes carbonferas exce~ dentes em vrios dos grandes pases industriais, constituem condies . bem mais favorveis industrializao dos pases que no dispem de grandes recursos em combustveis slidos. As siderrgicas americanas e europias se- orientam .para a importao macia de minrios de ferro, dos quais a frica, a Amrica Latina e uma parte da sia dispem de enormes reservas. Estas constituem trunfos ainda maiores para o desen-volvimento industrial de numerosos pases do Terceiro Mundo, em razo do esgotam.ento progressivo das jazidas situadas na proximidade das velhas regies industriais. possvel desde j divisar nos portos de exportao de minrio a construo de grandes centros siderrgicos. Eles podero tratar uma parte do ferro graas ao coque importado pelos navios de minrio.

    Enfim1 como o sublinhou G. Ardant, existe nos pases subdesenvolvidos um grande poten~ial de produo muito mal utilizado: os homens. Com efeito, uma grande proporo de mo-de-obra se encontra sem trabalho durante vrios meses do ano. Uma outra na realidade cronicamente subempregada. "Est certamente aqum da realidade calcular que existe no mundo subdesenvolvido 200 milhes de homens cujas possibi-

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  • lidades de trabalho se perdem durante 100 dias por ano ou seja 20 bilhes de j~madas perdidas. (Esta ) cifra bem inferior J:eslidade. . . Somente p8ra a China, Chu En-L ai estimava em 14,8 bilhes o nmero de jornadas de trabalho disponveis". (lJ

    Diretamente visvel, ou mascarado por atividades cujo efeito produtivo quase nulo, o subemprego uma das carac-tersticas fundamentais do subdesenvolvimento.

    No somente uma parte muito importante do potencial agrcola, industrial e humano do Terceiro Mundo no utili-zada, mas recursos e meios de produo considerveis so desperdiados. Num pas desenvolvido, cronicamente amea-ado pela superproduo, o fato j chocante e dificilmente admissveL Mas que dizer dessa anarquia num pas onde os homens tm fome e reclamam trabalho! Na maior parte dos pases subdesenvolvidos "o fenmeno do desperdcio (), como o escreve D anilo Dolci a propsito da Siclia, um fenmeno macio, complexo e absurdo ao mesmo tempo. o o No raro que se i mn.:~em fora as coisas literalmente; no raro, conscien-.i~ement~ ~u no, oue se deixem desempregados recursos j existentes; no ~nHmos raro que se negligencie de obter novos".

  • rios s inovaes nas culturas, raridade, seno ausncia, de matrias fertilizantes ou necessidade de multiplicar os trabalhos destinados a evitar a queda dos rendimentos dos solos super-explorados. A estes fatores negativos se ajuntam os efeitos da fraqueza fsica dos cultivadores subalimentados e doentes, e sua falta de interesse em relao s possibilidades de pro-gresso, cujos resultados lhes so inevitavelmente confiscados pelo agiota. Os rendimentos so fracos: a cultura do milho fornece 12 q. por alqueire na Amrica Latina, 8 q. na Africa, contra 25 q. nos Estados Unidos. Apesar do sistema de cultura intensiva, o Extremo Oriente s recolhe 16 q. de arroz por ha ( 11,8 na fndia), contra .36 p. nos Estados Unidos e 45 q. na Europa; 7 q. em mdia por ha de trigo na fndia contra 30 q. Ha Europa Ocidental. Quanto ao gado, o rendimento aproxintado mdio de uma vaca de 160 I de leite por ano no Ext :emo Oriente; 240 1 na Africa, 410 1 na Amrica Latina, contra 1 320 I na Amrica do Norte e 1 650 na Europa.

    Enquanto um cultivador norte-americano, secundado verdace por uma possante indstria, pode em mdia alimentar ricam ~nte 25 pessoas com frutos de seu trabalho de um ano, enqu,lflto o cultivador europeu assegura uma copiosa alimen-ta(; a mais de 10 pessoas, nos pases subdesenvolvidos, o campons no pode assegurar uma magra subsistncia a um pequeno nmero de indivduos ( 6 na Itlia . e no Peru, 5 no Brasil, 4 na fndia ) .

    Esta produtividade ainda mais baixa, sem dvida, j que na maior parte dos pases subdesenvolvidos os cultiva-dores so secundados de uma forma aprecivel pelas suas crian-as, sua mulher, os quais no so recenseados como "ativos". Teoricamente, no h grande coisa para vender aps estar assegurado . o consumo de sua famlia, que relativamente numerosa. Ora, uma grande parte dos pases subdesenvolvidos se caracteriza pela importnda de suas exportaes agrcolas, fato surpreendente primeira vista para agricultores cuja pro-dutividade to fraca.

    verdade que numerosos camponeses so obrigados, para l'agar o agiota, o proprietrio, o cobrador de impostos, a dis-por de uma parte de sua colheita alimentcia, ou a praticat culturas de exportao, que so efetuadas em grande parte em detrimento das produes de consumo. Mas a maioria dos

    gneros agrcolas exportados pelos pases subdesenvolvidos so produzidos por uma agricultura cujos traos so bastante dife-44

    rentes dos que foram evocados anteriormente: dispe de Gapi-tais, de tcnicas mais aperfeioadas; sua produtividade mais elevada.

    pois necessano distinguir rutidamente na agricultura da maioria dos pases subdesenvolvidos dois setores bastante diferentes:

    1 ) Uma agricultura onde dominam as produes para o consumo e que s secundariamente se orienta para a expor-tao. Ela abrange a maioria dos camponeses, mas cobre uma parte quase sempre reduzida da superfcie cultivvel. A agri-cultura de exportao f-la na maioria dos casos recuar para superfcies restritas, para as terras menos ricas e as regies menos bem servidas. Seu equipamento bastante rudimentar, pois os capitais que dispe so muito restritos. Seus rendi-mentos e sua produtividade so tambm muito fracos.

    Este setor agrcola freqentemente denominado "agri-cultura tradicional". Com efeito, um grande nmero dc:sses traos foi herdado do passado, mas o autoconsumo que era anteriormente um dos seus caracteres fundamentais, se no desapareceu completamente, diminuiu consideravelmente, devi-do s conseqncias da monetarizao. Os camponeses so obrigados a vender, em condies que lhes so desastrosas, os produtos de seu consumo ou de exportao, a fim de se livra-rem das cargas que lhes so exigidas.

    2) Uma agricultura bem mais favorecida orientada essen-cialmente para a produo destinada exportao. Ocupa uma parte bem menor dos trabalhadores agrcolas; operrios per-manentes ou temporrios, que trabalham em exploraes geral-mente de grande porte, contrastando com a pequenez das exploraes da agricultura tradicional. Estes grandes domnios ocupam, em numerosos pases, lllla grande parte do espao cultivado e as terras mais ricas. Este setor agrcola em geral chamado "agricultura moderna"; sua expanso , com efeito, relativamente recente, e seu funcionamento integrado no mercado internacional. tambm chamada de "agricultura colonial", pois foram os europeus em geral que a criaram. Se este setor agrcola encontra dificuldades para escoar seus pro-dutos, devido concorrncia internacional e uma situao de superproduo em geral, fato tambm que dispe, contudo, graas ao mercado que lhe oferecem os pases ricos, de um consumo infinitamente maior que a "agricultura tradicional",

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    constantemente freada pela pobreza do mercado interno . Os caJ:?itais que se investem numa atividade de exportao tm, p01s, geralmente assegurada uma taxa de lucro muito ma1s elevada do que aqueles que se implantam em funo de uma clientela interior praticamente privada de poder de compra. No pois de admirar que a agricultura de exportao seja o setor relativamente dinmico, que se beneficie dos investimen-tos agrcolas essenciais e que sua maquinaria e sua produtivi-dade sejam relativamente importantes. Por outro lado, ativi-dades agrcolas, cujo desenvolvimento contudo indispens-vel devido o crescimento demogrfico, so negligenciadas e s vezes mesmo deterioradas -em conseqncia da expanso da agricultura colonial.

    O contraste entre essas duas agriculturas extremamente ntido, por exemplo na Africa do Norte. Na Arglia, a agri-cultura colonial ( 2 800 000 h a) cobria em 19 54 23% das terras cultivveis e 40% das terras efetivamente cultivadas. Estas terras eram as melhores: ocupavam 75% da superfcie das regies onde o relevo e o clima permitiam uma utilizao de mais da metade dos territrios. Os rendimentos em cereais da agricultura "tradicional" eram inferiores em metade aos das agricultura "moderna": esta produzia metade dos cereais, 90% do vinho e agrume e 2/3 d2.s horticulturas . Ela fornecia 75% aproximadamente da renda agrcola .

    Apesar de a agricultura empregar a maioria da populao ativa, sua parte relativamente frgil na renda naci-:,J;al da maior parte dos pases subdesenvolvidos: 61% da populao ativa brasileira era, em 1950, composta de trabalhadores agr-colas, mas esta s fornecia 35% da renda nacional. No Mxico ( 1950), os agricultores representavam 61% dos ativos para 20% somente da renda nacional. (1) Na Afric9 Negra de lngua francesa, a parte da agricultura na renda nacional de 4 5%, e ~uperior a 80% na populao ativa. A agricultura aparece po1s como o grande setor desfavorecido. Como os grandes proprietrios do setor agrcola moderno detm, na maior parte dos casos, uma parte preponderante na renda total da agricul-tura, a massa dos camponeses conhece uma extrema misria. Na Arglia, a agricultura emprega 73% da populao ativa e s fornece 29% da renda nacional. A agricultura colonial

    (1) Revz;e Intemationale du Trauai/, ma10 de 1956.

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    constitui trs quartos das rendas agrcola, logo 70% da popu-lao diepe de cerca de 20% da renda nacional.

    Esta distino, no interior da agricultura da maior parte dos pases do Terceiro Mundo, entre dois setores extrema-mente diferentes e, numa certa medida, antagnicos, constitui um aspecto particular de uma caracterstica fundamental do subdesenvolvimento.

    II - Uma industrializao restrita e incompleta

    A fraqueza da industrializao um dos traos mais evi-dentes do conjunto dos pases subdesenvolvidos, a tal ponto que se tende a fazer do termo subdesenvolvimento um sin-nimo de no-industrializao e do termo desenvolvimento um equivalente de industrializao. Os pases desenvolvidos, com 25% da populao mundial aproximadamente, realizam mais de 90% da produo industrial total, 90% da produo de ::>.o, e consomem 85% da energia produzida no mundo. Um pas desenvolvido, mesmo quando no munido de recursos energticos e de matrias-primas industriais, um forte consu-midor de energia e realiza uma notvel produo industrial: o caso da Dinamarca, por exemplo, que utiliza o equivalente a crca de 20 000 kw e 183 kg de ao por habitante anualmente, enquanto um pas subdesenvolvido grande produtor de petr-leo, como o Ir, s utiliza o equivalente a 800 kw e emprega 14 kg de ao por ano, o que bem superior pelo menos aos 200 kw e 2 kg de ao utilizados pelos Estados da antiga A.E.F., por exemplo.

    O quociente de consumo energtico um bom critrio do nvel de industria1.izao. Enquanto mais de 8 t de equiva-lente carbonfero (ou seja: carvo + petrleo + gs + hi-droeletricidade, expressos em seu equivalente calorfico em carvo) so utilizados por habitante anualmente na Amrica do Norte e mais de 2,4 t em mdia na Europa ocidental, o conjunto da Amrica Latina s consome 600 kg por habitante anualmente, a Africa 320 kg e a Asia 200 kg ( 150 kg na ndia). Da mesma maneira, na sua grande maioria, os pases subdesenvolvidos utilizam menos de 100 kg de ao por ano e por pessoa (Chile, 54 kg; Marrocos, 19; Ir, 16; ndia, 12; Ceilo, 6; Bolvia, 1,7) e na maior parte dos casos trata-se de metal importado.

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    O conjunto do Terceiro Mundo s produz com efeito 38 milhes de toneladas de ao ( 18 milhes somente na China), num total mundial de 365 milhes de toneladas.

    Estas propores e estes quocientes, que sublinham com evidncia a extrema desigualdade da produo industrial no conjunto do mundo, podem causar enganos no que diz re,;-peito s realidades internas da maioria dos pases subdesen-volvidos. Estas mdias fazem pensar que o Terceiro Mundo estaria margem do fenmeno da industrializao, que se desenvolveu no sculo XIX na Europa ocidental. Para nume-rosos autores, a economia e a sociedade dos pases subdesen-volvidos estariam ainda num "estgio tradicional", anterior revoluo industriaL

    Na maior parte do Terceiro Mundo as realidades so dife-rentes. ndices e mdias no do uma idia justa, pois a utili-zao da energia e dos produtos metalrgicos, por exemplo, extremamente concentrada, tanto de um ponto de vista espacial como econmico e social. Num pas desenvolvido, o conjunto da populao utiliza a energia para fins produtivos ou no, e os diversos setores da economia so consumidores de energia,. de metal e outros produtos industriais. Mas nos pases subde-senvolvidos uma grande parte da populao no te~ sua disposio seno as . suas prprias foras musculares ou a dos animais domsticos e no utiliza matrias industriais nas suas atividades produtivas. Por outro lado, existe uma minoria que dispe de relativamente grandes quantidades de energia para produzir ou para aumentar seu bem-estar.

    Nos pases subdesenvolvidos, a utilizao da energia a ttulo individual ou domstico essencialmente um fato restrito s classes afortunadas. A maior parte dos produtos energticos e industriais utilizada nas grandes cidades, nos principais eixos de circulao e nas grandes emprt:sas industriais.

    A maioria dos pases subdesenvolvidos dispe de um potencial industrial, de fbricas e meios de transporte moder-nos. fato que muito pouco em relao ao que possui hoje um pas desenvolvido, mas no inteiramente negligencivel. Numerosos pases do Terceiro Mundo esto, no conjunto, me-lhor equipados do que o estavam certos pases, hoje desenvol-vidos, nos meados do sculo XIX.

    Nos pases subdes~nvolvidos, uma proporo no negli-gencivel da populao ativa empregada nas atividades do

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    "setor secundrio": 11% na Africa, 1 O% na Asia, 17% na Amrica Latina (contra, verdade, 37% nos Estados Unidos e 42% na Europa ocidental). E preciso ajuntar a essas y er-centagens a maior parte da mo-de-obra que trabalha nas mmas. Estas indstrias extrativas so muito importantes em nume-rosos pases subdesenvolvidos. Assim, o Chile conta com 30% da sua populao ativa na indstria e nas minas. A pro-dutividade dessa mo-de-obra industrial dos pases subdesen-volvidos evidentemente muito inferior ao normal admitido nos pases desenvolvidos, devido ao analfabetismo, . ao. mal estado de sade e instabilidade do emprego. A relativa msu-ficincia da maquinaria reduz consideravelme~te ~s ren~i~entos: segundo W. A. Lewis "enquanto nos patses mdustrlats o estoque de capital reprodutvel representa ~ trplice da r~nda nacional nos pases pobres o estoque de capttal, exceto a terra,

    f . ' . . ' d . 1" (l) in enor ou ntlmamente supenor a ren a nactona . preciso notar que uma frao muito impor~ante. ~os e~e!iyos do setor industrial empregada na construao ctvll ( ediflctos, trabalhos pblicos): 26% na Africa do Norte, 35% na Espa-nha no Congo ou na Jamaica, por exemplo, e at 44% na

    , d Rodsia do Norte (contra 15 a 20% somente nos patses e-senvolvidos). As atividades de construo ocupam com efeito um lugar excepcionalmente forte, seja devido os. numerosos trabalhos de edificao de infra-estrutura econmtca (portos, aerdromos, estradas, grandes barragens etc:),. como . devi~o propenso particular que apresentam os capttats para 1?vest1r em imveis. A abundante mo-de-obra dessas obras esta colo-cada fora do meio industrial clssico, simbolizado pela fbrica.

    :Estas reservas no permitem contudo negligenciar a impor-tncia do setor de atividade secundria na maior parte dos pases subdesenvolvidos. Como na agric':ltura, on,~e s~ ?pe~ uma agricultura "moderna" e uma agncultura tradtctonal , existe um grande contraste entre a indstria propriamente dita e o artesanato, caracterizado pelo emprego de ~todos tradi-cionais e por sua decadncia quase geral. Agrtcultura "colo-nial", minas e indstria se aproximam em muitos pontos nos pases subdesenvolvidos; formam uma importante parte d7 um setor de economia moderna, que contrasta, por suas ortenta-es, seus mtodos e suas estruturas, com o resto da econo-

    ( 1) W. A. LEWIS, A Teoria do Desenvolvimento Econmico, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1962.

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    mia, caracterizada, entre outros fatures, pelos vestgios mliJs ou menos importantes das estruturas "tradicionais".

    Os sintomas de uma industrializao relativamente forte na maioria dos pases subdesenvolvidos no se limita pre-sena de empresas industriais e a uma infra-estrutura moderna. A industrializao um fenmeno muito mais amplo e mais complexo que o da indstria. W. Rostow considera, no sem justeza, que "a indstria sozinha no permite industrializar um pas". Por industrializao necessrio entender o con-junto dos caracteres econmicos e sociais que so causas ou conseqncias do desenvolvimento industrial desde o sculo XIX.

    Nos pases subdesenvolvidos a industrializao , na ver-dade, parcial e limitada, mas no deixa de existir; ela se mani-festa pela difuso progressiva dos produtos manufaturados: so sobretudo comprados nas cidades e pelas categorias sociais afortunadas (vivem em geral num tal modernismo que a m-dia das condies de vida dos pases desenvolvidos parecem--lhes desusadas e mesquinhas), mas eles so tambm vendidos no campo. Nos pases subdesenvolvidos, a industrializao e a penetrao da civilizao "moderna" se manifestam muito mais sob o ngulo do consumo que da produo. Como assinalaram numerosos economistas, a "propenso" a consumir e a importar produtos industriais superior "propenso" a produzi-los.

    Outro sintoma de uma relativa it1dustrializao o pro-gresso rpido da urbanizao. Depois de um perodo de pe-queno crescimento das cidades, os pases subdesenvolvidos entraram numa fase de crescimento acelerado das populaes urbanas, a partir do comeo do sculo XX. O efetivo das cida-des de mais de 20 000 habitantes cresceu, na sia, de 24% entre 1800 e 1850, e de 30% de 1850 a 1900. Multiplicou-se por 5 de 1900 a 1950. A percentagem dos habitantes das cidades de mais de 20 000 pessoas na populao total de 26% na Amrica do Sul, de 13% na sia, de 9% na frica (contra 35% na Europa Ocidental e 42% na Amrica do Norte). Nestas regies de urbanizao recente, o papel das grandes cidades mtidamente mais importante que nos pases o?de o crescimento urbano foi mais progressivo. Assim, as cidades de mais de 100 000 habitantes agrupam 51 % dos cita-

    (2) W. ROSTOW, As Etapas do Cresciment.o Econmico, Za-har Editores, Rio de Janeiro, 1964.

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    dinos na Africa, 63% na Asia e 69% na Amrica do Sul ( con-tra 60% somente na Europa Ocidental). Sobre os aproxima-damente 300 . milhes de homens, que habitavam em 1950 as cidades de mais de 100 000 habitantes, 48% faziam parte do Terceiro Mundo. As cidades "milionrias", uma centena no total no so mais apangio dos pases altamente industriali-

    ' , zados: \:erca de sessenta entre elas encontram-se nos patses subdesenvolvidos. O crescimento dessas grandes aglomeraes j coloca, nos pases de alto nvel de vida, problemas de solu-o muito difcil: de catastrfico nos pases que esto menos equipados e que dispem de recursos bem inferiores. No con-junto do Terceiro Mundo, enquanto aumenta rapidamente a populao urbana e em particular a das grandes cidades, onde dominam os traos da vida "moderqa", estreitamente ligados ao fenmeno geral da industrializao, a populao dos campos, que conserva o mximo dos aspectos herdados do perodo pr--industrial, diminui sensivelmente, em valor relativo (muito excepcionalmente ainda, em valor absoluto ). De 1920 a 1950 o efetivo das cidades de mais de 20 000 habitantes passou de 28 para 40% da populao total do Chile, de 5 para 12% da 1ndia. Para o conjunto da Africa, a populao das cidades de mais de 100 000 habitantes passou .de 1,5 milho a 10 milhes e a percentagem em relao populao total passou de 1% a 5,2%.

    Este aumento das populaes urbanas resulta, de uma parte, do seu crescimento natural, superior ao das populaes do campo, onde a mortalidade ainda em geral mais forte que na cidade; de outra parte, do xodo rur_al. Suas causas so mltiplas: aumento do nmero de camponeses sem terra, de-vido o crescimento demogrfico e a extenso dos grandes dom-nios mecanizados; procura de recursos monetrios para pagar o impsto; abalo das estruturas sociais tradicionais que leva os jovens a partir; insegurana, que leva as populaes a se refugiarem nas cidades etc.

    Esta rpida urbanizao provoca graves conseqncias. A produtividade da agricultura de consumo , como j vimos, bastante reduzida; assim, o aumento da populao no agrcola coloca difceis problemas de abastecimento. Por outro lado, o crescimento dos efetivos urbanos no acompanhado por um crescimento equivalente dos empregos nas atividades produtivas no agrcolas. Uma parte notvel dos citadinos so na reali-dade desempregados, em tempo integral ou parcial. No dis-

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    pem de renda que lhes permita comprar os produtos de importao. Ora, a vida urbana acompanhada justamente de uma diversificao e de um. aumento das necessidades, que no podem contudo ser satisfeitas.

    Os inconvenientes do crescimento urbano em pas desen-volvido no so exatamente desta natureza, pois, atualmente, na maior parte dos casos, as ofertas de emprego so sensivel-mente superiores s demandas.

    Os graves perigos que a urbanizao acelerada apresenta nos pases subdesenvolvidos ressaltam um dos traos especficos mais importantes do tipo de industrializao que as caracteriza. Com efeito, a economia moderna, nascida na Europa Ocidental, propagou-se pelo mundo inteiro. Ela continua, na verdade, concentrada num pequeno nmero de pases. Mas as grandes potncias industriais, ao organizarem progressivamente a eco-nomia em escala mundial, repartiram sobre os cinco continentes as funes produtivas. O fenmeno da industrializao tomou aspectos muito diferentes segundo as regies. A "civilizao moderna" no em realidade a mesma em pases desenvolvidos e em pases subdesenvolvidos.

    Nos pases desenvolvidos, a industrializao um fen-meno global, diversificado, coerente e acumulativo. Sendo global, ela integra, com efeito, num mercado o conjunto da populao; diversificada e coerente, , com efeito, constituda de "sistemas de mquinas", de "sistemas de transportes" e de "sistemas de clculos" ligados entre si e ao conjunto do mer-cado; fenmeno cumulativo, pois esses sistemas de mquinas fabricam outras mquinas que as completam e aperfeioam e, por outra parte, sua eficcia acrescida pelas inter-relaes. OJ

    Nos pases subdesenvolvidos, a industrializao um fen-meno incompleto, incoerente e no cumulativo. Com efeito, somente uma frao da populao integrada no setor de eco-nomia moderna, o resto fica parte, pela fraqueza do poder de compra. Incompleto, pois, ao inverso dos pases desenvol-vidos, onde o consumo de produtos industriais atinge em grande parte objetos que so fabricados no pas, os EStados do Terceiro Mundo utilizam, no essencial, objetos manufaturados que no produziram.

    ( 1) F. PERROUX, L'conomie des jeunes nations, Presses Uni-versitaires de France, 1962, t. I, pg. 252.

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    Fenmeno incompleto e incoerente, porque, se a indstria na maior parte dos pases desenvolvidos se apresenta como um conjunto de empresas complementares, como um "sistema de mquinas", nos pases subdesenvolvidos, ao contrrio, muito raro existir uma tal complementaridade: apenas um pequeno nmero de operaes industriais so realizadas e as empresas existentes raramente se articulam umas com as outras. Suas relaes so mais estreitas com os "sistei?as:' econmic~s _dos pases desenvolvidos, que fornecem as maqumas e os tecmcos indispensveis.

    A industrializao no um fenmeno cumulativo nos pases subdesenvolvidos, pois o desenvolvimento de atividades como a indstria txtil e a construo das estradas de ferro por exemplo no se transformaram em "~olas de n~~e:', apes.ar de terem assegurado historicamente a decolagem mdustrtal dos pases hoje desenvolvidos. ~estes ltimos, a _indstria txtil e as estradas de ferro exerceram sobre o conJunto da economia um possante "efeito multiplicador", pois exigiram 0 estabelecimento de uma importante produo de mquina.s. Nos pases subdesenvolvidos, a impo~tao ?essas mquinas impede a realizao de um complexo mdustnal coerente e . reduz o efeito multiplicador. Em numerosos Estados do Tercerro Mun-do, a Argentina, o Brasil, a lndia, por exemplo, a criao das primeiras indstrias remonta a mais de cinqenta anos e, con-tudo, o processo de industrializa~ ainda no ~ _acumul?tivo. Em numerosos pases subdesenvolvidos, na Amenca Latma e na Africa do Norte, por exemplo, numerosas empresa~ indus-triais foram criadas durante a Segunda Guerra Mundtal e os anos que lhe seguiram, imediatamente, mas uma grande parte delas cessou sua atividade em seguida. Numa grande parte do Terceiro Mundo, o ritmo de crescimento das produes indus-triais parece ter mtidamente diminudo nos ltimos anos.

    A percentagem da mo-de-obra industrial na populao ativa total continua estacionria na maior parte dos pases sub-desenvolvidos e tende mesmo a diminuir em alguns, pois o crescimento demogrfico total mais rpido que os efetivos da indstria: no Mxico, passou de 22 %, em 1910, para 17%, em 1950; na !ndia, de 13 a 10%, de 1911 a 1951 (por outro. lado, a percentagem passou, durante a mesma poca, de 30 para 3 7% nos Estados Unidos, como na Frana).

    E certo que num orande nmero de pases subdesenvol-' "' . vidas, o consumo de energia por habitante e por ano registrou

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    um progresso muito superior ao observado nos pases desen-volvidos: assim, de 1937 a 1954, o quociente energtico cresceu de 33% por ano no Iraque, de 17% na Bolvia e em Madagascar, de 12% na frica Negra de expresso francesa (e somente 6% na URSS, 2% na Alemanha Ocidental, 1,74% nos Esta-dos Unidos e 0,6% na Frana e na Gr-Bretanha). Mas, exceo dos pases petrolferos (lraque, Venezuela) e dos pases socialistas, os pases subdesenvolvidos que registraram os mais fortes aumentos do quociente energtico so caracterizados por uma industrializao mnima. De outro lado, nos pases do Terceiro Mundo que dispem de uma indstria mais impor-tante, o crescimento do quociente energtico foi muito mais baixo (2,8% no Mxico, 2,7% no Chile, 1,3% na fndia). Excluinda--se algumas excees, o aumento das quantidades de energia utilizada parece, pois, no conjunto, dever-se mais s conseqncias da urbanizao, multiplicao dos veculos auto-mobilsticos do que ao crescimento da produo industrial. ~ um sistema de modernizao e de "industrializao", mas mais significativo da propenso a consumir que da propenso a produzir.

    As dificuldades da industrializao e suas carncias so muitas vezes atribudas fraqueza da infra-estrutura ou falta de cpitais. Essas causas so reais; no devem, contudo, ser superestimadas. Assim, na maioria dos casos, possvel cons-tatar um subemprego do material existente. A maior parte dos pases subdesenvolvidos se caracteriza, por exemplo, por uma utilizao muito insuficiente das estradas de ferro que dispe. Por um quilmetro de estrada de ferro, conta-se em mdia um trfico de 80 000 t km, para os pases da ex-A.O.F., 200 000 t para Portugal, 300 000 t para o Chile, 420 000 a 450 000 t na Esoanha, no Mxico, no Ir, 500 000 t na Turquia (contra 8 milhes de t km por quilmetro de Estrada na URSS, 2 570 000 t km nos USA e 1 560 000 t km na Alemanha Oci-dental). A fndia ( 1 milho de t km), a Repblica Sul Africana, a Rodsia, a China ( 3 640 000 t km) e a Coria do Norte ( 3 780 000 t km) so pases subdesenvolvidos, com trfico ferrovirio relativamente intenso.

    B fato que os pases subdesenvolvidos se caracterizam pela estreiteza dos recursos financeiros e logo pela fraqueza de investimentos. Ora, considerveis capitais deixam cada ano a maioria dos oafses subdesenvolvidos para investir nas econo-mias desenvolvidas. Por outro lado, na maior parte do Ter-

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    ceiro Mundo, somas muito importantes so dilapidadas em despesas sunturias, entesouradas, ou investidas em setores no produtivos (construo de residncias de luxo). Como o demonstrou R. Nurske OJ, os pases subdesenvolvidos se carac-terizam por uma grande fraqueza da propenso a investir, que resulta da estreiteza do mercado interior. Um grande nmero das empresas industriais que seriam necessrias para a formao de um "cacho" de investimentos, de um complexo industrial coerente e expansivo, no podem ser criadas ou no podem funcionar de maneira durvel, pois a rentabilidade de seu fun-cionamento implica uma dimenso mnima, e essa muito superior ao consumo oferecido pelo mercado interior, mesmo se levarmos em conta sua rpida expanso. Segundo R. Nurske, h alguns anos, 3 h de funcionamento de um laminador de tamanho normal bastaria para atender s necessidades do mer-cado chileno durante um ano.

    Uma prova evidente de que a ausncia de consumo inter-no freia a industrializao dada, de maneira inversa, pelo exemplo do dinamismo das empresas que trabalham para os mercados externos: os pases subdesenvolvidos dotados de indstrias menos estreitas, so (exceto a China, cujo cresci-mento industrial muito recente) os que realizam importantes exportaes de produtos mineiros que no so passveis ou vantajosos de serem transportados em bruto (Repblica Sul Africana, Rodsia, Chile, certos pases petrolferos etc.). As empresas industriais ou mineiras mais possantes e mais din-micas que esto situadas nos pases subdesenvolvidos so a emanao de grandes grupos financeiros internacionais. Elas no travam relaes com o conjunto da economia dos pases onde esto localizadas. So encravadas e dependem de centtos de deciso situados num pas desenvolvido: "repatriam" para l a maior parte de seus lucros.

    J restringido pela pobreza da grande massa da populao, o mercado interno de que dispem as produes industriais t' ainda reduzido pela concorrncia das mercadorias exportadas para os pases subdesenvolvidos pelas grandes potncias indus-triais. Aqui se coloca o problema das caractersticas do setor comercial na economia subdesenvolvida.

    (I) R. NURSKE, obra citada.

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    IH ~~ Hipertrofia e parasitismo do setor tercirio

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