Jurisprudência da Terceira Turma · 2018-12-10 · JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 303 Afirma...
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Jurisprudência da Terceira Turma
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 12.604 - SP (Registro n. 2002.0036194-6)
Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro
Recorrente: Antônio Pedro Cobianchi
Advogado: Carlos Alberto Pedrotti de Andrade
Recorrido: 1.Q. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo
Paciente: Antônio Pedro Cobianchi
301
EMENTA: Recurso em habeas corpus - Depositário fiel - Prisão civil.
I - O depositário judicial é o responsável pela guarda e conservação dos bens a ele confiados, e tem o dever de restituí-los sempre que assim foi determinado pelo JUÍzo da execução.
11 - Não há ilegalidade na decisão do magistrado que, verificando não estar o juízo garantido, suspende os embargos e determina, no processo de execução, que o depositário apresente o bem ou o equivalente em dinheiro, sob pena de prisão.
IH - Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília-DF, 30 de abril de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Relator.
Publicado no DJ de 3.6.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Carlos Alberto Pedrotti de
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
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Andrade impetrou ordem de habeas corpus preventivo em favor de Antônio Pedro Cobianchi, "ante a provável decretação de sua prisão civil, por ser considerado depositário infiel" (fi. 2).
Alegou que o Paciente e demais sócios da Fábrica de Aguardente e Tijolos Santa Luzia Ltda, firmaram contratos de crédito rotativo com penhor de safra, com a Cooperativa Agrícola Mista de Adamantina, figurando como garantia contratual a quantia de 1.200.000 (hum milhão e duzentos mil) litros de aguardente.
Não cumprido o contrato, a credora ajuizou ação de execução. Citados, os devedores não ofereceram bens à penhora, por não haver bens livres para esse fim, como certificado pelo Oficial de Justiça.
Requereu, então, o Exeqüente, a penhora sobre os bens oferecidos em penhor rural, o que foi deferido pelo Juízo a quo, ficando o ora paciente como depositário fiel.
Foram oferecidos embargos à execução.
Realizada a perícia, foi constatada a alienação dos bens, que não mais foram encontrados na posse do depositário.
Ordenou, então, o juiz monocrático, que o Paciente apresentasse o bem ou depositasse o equivalente em dinheiro, sob pena de prisão.
Entendeu ser ilegal a suspensão dos embargos à execução ante o incidente na execução.
Afirmou, ainda, o Impetrante, que foi requerida a suspensão do processo ante o óbito do embargante Narciso Cobianchi Neto.
O 15l. Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, por sua Décima Segunda Câmara, denegou a ordem em acórdão assim ementado (fi. 133):
"Habeas corpus preventivo. Depositário judicial que é intimado a apresentar os bens sob sua guarda, ou a depositar o equivalente em dinheiro, pena de prisão. Constrangimento ilegal não configurado, pois a decisão guerreada exprime o poder de direção do processo, que a lei confere ao magistrado, não havendo nenhuma ilegalidade na determinação. Ordem denegada."
Daí a razão do presente recurso ordinário no qual insiste o Recorrente na falta de previsão legal para suspensão dos embargos à execução "para aguardar o desfecho do suposto incidente levantado na execução" (fi. 142).
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 303
Afirma que, ante a inexistência do bem penhorado, não há como de
cretar a prisão civil do Paciente sem o devido processo legal, com o direi
to de ampla defesa.
Entende que, em decorrência da morte do outro executado, a suspen
são do processo se impõe.
Nesta Instância, manifesta-se a douta Subprocuradoria Geral da República pelo improvimento do recurso em decisão assim ementada (fi. 156):
"Constitucional e Processual Civil. Recurso em habeas corpus.
Depositário de coisa fungível. Decreto de prisão. Possibilidade reco
nhecida em julgamento do colendo STF. Inexistência de imunidade
irrestrita com arrimo no Pacto de São José da Costa Rica. Pelo impro
vimento do recurso.
o devedor, depositário de coisa fungível, é passível de sofrer a
prisão civil, sem ofensa à Constituição Federal (HC n. 72.366-SP,
STF, reI. Min. Néri da Silveira, julgo em 13.9.1995).
O Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana so
bre Direitos Humanos, ao tratar da liberdade do réu, remete ao plano de direito positivo interno a previsão das hipóteses de privação da
liberdade (art. 7SJ., n. 2).
Pelo improvimento do recurso."
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Relator): Ao denegar a or
dem, assim afirmou, com acerto, o prolator do acórdão recorrido (fls. 135/
136):
"O Paciente é depositário judicial. Há notícias de que os bens foram alienados, o que significa que o juízo não está garantido. Nessa hipótese, é perfeitamente possível e até recomendável que o magistrado
cuide de zelar pela efetividade da prestação jurisdicional de cunho
satisfativo, mesmo que isso implique abertura de incidente na execução até então suspensa por força de apresentação de embargos de de
vedor. Não importa a anterior suspensão do andamento da execução,
RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
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decorrente do recebimento dos embargos. Isso é irrelevante em tais circunstâncias. É que se o magistrado percebe que, malgrado recebidos os embargos, o juízo não está ainda garantido, deve suspender a suspensão, até mesmo de oficio. Os embargos ficarão então sobrestados. Essa perda transitória do efeito suspensivo dos embargos (sf., a pro
pósito, Araken de Assis, Manual do Processo de Execução, Ed. RT,
6lL ed., 2000, p. 1.098) é perfeitamente admissível e deve ocorrer toda vez que haja o risco de o juízo não estar efetivamente garantido, até
que seja regularizada a situação. É o caso dos autos. Assim aliás, já se decidiu nesta Câmara (Ag n. 953.537-1, de São Paulo) em hipótese análoga."
A decretação da prisão civil nos autos de execução é possível, como decidiu o aresto atacado. Veja-se o enunciado da Súmula n. 619 do Supre
mo Tribunal Federal:
"A prisão de depositário judicial pode ser decretada no próprio
processo em que se constituiu o encargo, independente da propositura
da ação de depósito."
Não há, portanto, qualquer constrangimento ilegal na decisão do juiz a quo que, para o bom andamento da execução, intimou o depositário para
que este apresentasse o bem sob a sua guarda.
O depositário judicial é o responsável pela guarda e conservação dos bens a ele confiados, e tem o dever de restituí-los sempre que assim for de
terminado pelo juízo da execução.
Além disso, como salientado pela douta Subprocuradoria Geral da
República, citando o Parquet Estadual (fls. 158/159):
"Inexiste, doutra parte, ameaça concreta de risco iminente a pesar sobre o paciente. Afinal, o processo suspender-se-á até a habilita
ção dos sucessores de um dos executados, recentemente falecido. E,
mais do que isso, o decreto de prisão só sobreviverá se os bens
porventura não forem encontrados e o Paciente, depositário, não os
substituir pelo equivalente em dinheiro."
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 139.012 - SP (Registro n. 97.0046603-5)
Relator: Ministro Ari Pargendler
Recorrentes: Sérgio Miguel Scarso e cônjuge
Advogado: Agamennon de Luiz Carlos Isique
Recorridos: Dílson Bottino e cônjuge
Advogados: Carlos Simão Nimer e outros
305
EMENTA: Civil - Bem de família - Ação de reparação de danos proposta contra réu solteiro.
Matrimônio superveniente, antes da execução da sentença de procedência, cuja penhora recaiu sobre imóvel em que o casal residia. Bem de família que se reconhece, porque à época do gravame, o imóvel era impenhorável por força de lei.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília-DF, 11 de junho de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 5.8.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Sérgio Miguel Scarso opôs embargos à execução de título judicial ajuizada por Dílson Bottino e cônjuge, julgados procedentes pelo MM. Juiz de Direito Dr. Bruno José Berti Filho à base dos seguintes fundamentos:
"Trata-se de execução provisória, fundada em sentença que condenou o Embargante à reparação dos danos causados aos Embargados.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
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Houve a penhora de um imóvel que pertence aos Embargantes (fl. 14).
Está demonstrado que esse é o único bem imóvel do casal (fl. 15), que é usado como residência deste (fls. 16/18).
Assim, há provas de que o bem penhorado se enquadra nos requisitos da lei competente.
Por isso, é aplicável ao caso a regra do artigo 1l~ da Lei n. 8.009/ 1990, sendo impenhorável o imóvel que serve como residência do casal." (fl. 41).
A egrégia Quinta Câmara do 1ll. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, relator o eminente Juiz Nivaldo Balzano, reformou a sentença, nos termos do acórdão assim ementado:
"Penhora. Bem de família. Lei n. 8.009/1990. Imóvel que, no momento da conduta culposa e antijurídica perpetrada pelo devedor, assim como naquele do protesto acautelatório, não era destinado à entidade familiar, por ser o co-embargante solteiro. Hipótese em que nem antes nem depois do casamento o imóvel foi instituído bem de família, continuando a garantir a obrigação indenizatória, além de não comunicar à consorte do devedor. Co-embargante considerada legitimada no pólo ativo da oposição incidental. Existência de peculiaridades factuais e jurídicas que impedem seja albergada a pretensão dos recorridos pela norma invocada. Recurso provido, v.u." (fl. 66).
Daí o presente recurso especial, interposto por Sérgio Miguel Scarso e cônjuge, com base no artigo 105, inciso UI, letras a e c, da Constituição Federal, por violação ao artigo 1ll. da Lei n. 8.009, de 1990 (fls. 74/83).
VOTO
o Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): Os autos dão conta de que a responsabilidade de Sérgio Miguel Scarso resulta de ilícito praticado em 25 de julho de 1993, quando era solteiro.
Este ainda era seu estado civil quando da propositura da ação de reparação de danos, registrando-se que fora antecedida de medida cautelar de protesto contra a alienação de bens.
A 22 de janeiro de 1994, ele casou sob o regime de comunhão parcial. Reconhecendo, embora, que o casal reside no imóvel, que antes era ocupado
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
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somente pelo varão, o Tribunal a quo validou a penhora realizada em 15 de fevereiro de 1995, à base da seguinte motivação:
" ... no momento da conduta culposa e antijurídica perpetrada pelo devedor, assim como naquele do protesto acautelatório, o imóvel não era destinado à entidade familiar, portanto, responderia como bem patrimonial pela reparação dos danos causados, estando sujeito à eventual excussão e expropriação forçada.
Nem antes, nem depois do casamento dito imóvel foi instituído bem de família, portanto, permaneceu garantindo a obrigação indenizatória, além de não se comunicar à consorte do devedor. Se posteriormente passou a abrigar a nova família recém-formada, tal circunstância não descaracteriza a circunstância de garantidor patrimonial da dívida; primeiro, porque meação não há, e, segundo, porque permaneceu acautelado o crédito desde a formação dele, por ocasião do ato ilícito" (fi. 69).
Em suma, afastou-se a aplicação da Lei n. 8.009, de 1990, porque, à
data do evento danoso, o imóvel não seria "próprio da entidade familiar", já que solteiro o devedor.
Sem razão.
o aludido diploma legal dispõe sobre a impenhorabilidade e, à época do gravame, o imóvel já se destinava à residência da entidade familiar.
Conforme ensina Álvaro Vilaça de Azevedo:
"A norma, de natureza processual, impede que os bens constituídos, como de família, por força da lei sob exame, fiquem sujeitos à
penhora.
( ... )
... no regime da Lei n. 8.009/1990, aqui analisada, a impenhorabilidade, e tão-só ela, passa a incidir na aludida residência e nos mencionados bens móveis, a partir de quando estejam nas situações previstas, nessa lei de emergência, independentemente de quaisquer formalidades. Nesse caso, a impenhorabilidade nasce ex lege, por norma de
ordem pública ...
Pelo caput do artigo ora cogitado (artigo 32), portanto, a impe
nhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, a
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
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que implica entender que o direito a qualquer crédito de natureza privada, civil ou comercial, fixa inexeqüível, em face do bem de família." (Bem de Família, 4J.l. ed., Editora Revista dos Tribunais, pp. 175/176).
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe provimento para restabelecer a autoridade da sentença de 1 Q grau.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 205.172-SC (Registro n. 99.0017121-7)
Ministro Ari Pargendler
Relator pl acórdão: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
Advogados:
Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda
Wolfram Ehrenhard Echelmeier e outros
Edson dos Santos
Mário César dos Santos e outro
EMENTA: Ação cominatória com imissão de posse - Compromisso de compra e venda de imóvel - Plano econômico - Correção monetária - Teoria da imprevisão.
1. Os artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial não foram prequestionados e o art. 85 do Código Civil é impertinente.
2. A correção monetária, no cenário brasileiro, não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão, mesmo diante da euforia decorrente do Plano Cruzado, que não alcançou estabilidade suficiente. Assim, no caso dos autos, celebrado o contrato a preço fixo e pagas todas as parcelas contratadas, restando saldo quando da entrega das chaves, também em valor fixo, tudo em prazo inferior a dois anos, não há razão alguma para que fosse determinada a imposição da correção monetária.
3. Recurso especial conhecido pela alínea c), mas desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal
RST}, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
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de Justiça, por maioria, vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler, conhecer do recurso especial, mas lhe negar provimento. Votou vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler. Votaram com o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito os Srs. Ministros Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro. Não participou do julgamento a Sra. Ministra Nancy Andrighi (§ 22., art. 162, RISTJ).
Brasília-DF, 20 de novembro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.
Publicado no DJ de 25.3.2002.
RELATÓRIO
Edson dos Santos propôs "ação cominatória c.c. imissão na posse e perdas e danos" contra Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda (fls. 2/7).
Seguiu-se reconvenção, "para o efeito de ser decretada a rescisão dos contratos objeto da demanda, condenado-se o Autor-reconvindo, além da perda das quantias pagas à conta do preço, ao pagamento de indenização pelo tempo em que tiver ocupado as unidades transacionadas, como se apurar em liquidação ... " (fls. 50/53).
Mais tarde, Edson dos Santos propôs "ação cautelar incidental" contra Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda, obtendo medida liminar de imissão de posse nas unidades imobiliárias comprometidas (fls. 77 e 98, autos em apenso), confirmada pelo Tribunal a quo (fls. 126/130).
O MM. Juiz de Direito Dr. Ernesto Z. Morestoni julgou improcedentes a ação ordinária, a reconvenção e a ação cautelar incidental, "tornando em conseqüência ineficaz a liminar de imissão de posse concedida" (fls. 390/ 399).
A egrégia Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, relator o eminente Desembargador Vanderlei Romer, deu provimento à apelação interposta por Edson Santos e negou provimento ao recurso adesivo interposto por Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda, em acórdão assim ementado:
"Contrato particular de compromisso de compra e venda. Preço fixo. Inexistência de cláusula de atualização monetária. Impossibilidade de sua incidência. Fixando o contrato de promessa de compra e
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
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venda de unidade habitacional o preço, pagamento e condições, sem cláusula de indenização monetária, incabível é o credor exigi-la. Em tal hipótese há m.ora accipiendi, justificando o depósito do quantum. debeatur e a sua extinção declarada por sentença (Ap. Civ. n. 29.305, relator Des. Francisco Oliveira)." - fl. 475.
Daí o presente recurso especial, interposto por Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda, com base no artigo 105, inciso UI, letras a e c, da Constituição Federal, por violação aos artigos 85 e 1.090 do Código Civil e aos artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial, bem assim por divergência jurisprudencial (fls. 482/496).
VOTO
Os votos dão conta de que as partes, em 30 de abril de 1986, ajustaram a promessa de compra e venda do apartamento n. 406 do Edifício Carlos Gomes, com frente para a rua Uruguai, na cidade de Itajaí-SC (fls. 14/18), bem assim o "box" n. 16, destinado a estacionamento de veículo (fls. 19/23).
À época, vivia-se a euforia do Plano Cruzado, e a cláusula do preço do apartamento foi assim redigida:
"Cláusula quinta - Do preço, do pagamento e das condições - a Incorporadora e o(s) adquirente (s) comprometem-se a efetuar a transação objeto deste contrato pelo preço ajustado de Cz$ 230.310,00 (duzentos e trinta mil, trezentos e dez cruzados). O preço ajustado será pago à Incorporadora da seguinte forma: a) no ato da assinatura do presente contrato a quantia de Cz$ 32.000,00 (trinta e dois mil cruzados); b) e o saldo de Cz$ 198.310,00 (cento e noventa e oito mil, trezentos e dez cruzados) correspondentes nesta data a ... nihil ... será pago pelo(s) adquirente(s) na entrega das chaves.
Observação: o valor de Cz$ 32.000,00 (trinta e dois mil cruzados) referente à entrada serão pagos da seguinte forma.
O presente contrato refere-se a cruzados, sendo que o saldo será convertido pela moeda ou qualquer outra denominação oficial, que porventura seja instituído pelo SFH." (fl. 15).
A cláusula do preço do "box" tem redação idêntica, salvo quanto aos valores (fl. 20).
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 311
As razões do recurso especial sustentam, pela letra a, que, não reco
nhecendo a indexação contratual, o Tribunal a quo contrariou os artigos 85 e 1.090 do Código Civil, bem assim os artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial (fls. 482/496).
O artigo 1.090, e também os artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial não foram prequestionados.
O artigo 85 do Código Civil, a cujo teor "Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem", só teria sido contrariado se o contrato revelasse, limpidamente, o propósito das
partes.
O trecho, a seguir transcrito, no qual a promitente-vendedora se apóia, é obscuro:
"O presente contrato refere-se a cruzados, sendo que o saldo será
convertido pela moeda ou qualquer outra denominação oficial, que porventura seja instituído pelo SFH." (fl. 15).
Além disso, não fecha com a estipulação nominal do saldo devedor,
assim expressa na letra b da cláusula quinta:
"b) E o saldo de Cz$ 198.310,00 (cento e noventa e oito mil, trezentos e dez cruzados), correspondente nesta data a ... nihil ... " (fl. 15).
Os valores nominais constituíam a regra do Plano Cruzado, incompatível com a indexação. Por isso que, aproveitando, contratos padronizados
para períodos inflacionários, a indexação foi afastada pelo vocábulo latino nihil.
Se pela letra a, o recurso especial não pode prosperar, pela letra c, ele deve ser conhecido e provido.
A divergência jurisprudencial está demonstrada à vista do REsp n. 8.473-RJ, relator o eminente Ministro Athos Gusmão Carneiro, cujo acórdão tem a seguinte ementa:
"Cláusula rebus sic stantibus. Ação revisional de contrato de construção e venda de unidade habitacional em prédio em condomínio. Pretensão da construtora e vendedora à correção monetária das parcelas devidas com e após a entrega das chaves. Contrato avençado durante o 'Plano Cruzado 1'.
RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
312 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A correção monetária, como um aspecto diferenciado da teoria da imprevisão no contexto peculiar da economia brasileira, pode incidir mesmo nos contratos avençados sem a sua previsão. Contrato firmado durante o Plano Cruzado I, sob custos congelados e geral expectativa, em todas as classes sociais e com raras exceções, de que a inflação estivesse debelada ou reduzida a razoáveis proporções, permitindo, assim, a contratação de construções por preços acrescidos apenas de juros. Retomada da inflação, autorizadora da atualização da moeda desvalorizada a ponto de afetar a comutatividade contratual: recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 8.473, RJ, Lex 34, p. 147).
o precedente citado está conforme a melhor doutrina e atende às exigências do caso concreto, sob pena de alterar as bases econômicas do negócio, com graves prejuízos a uma das partes.
Nessa linha, a ação ordinária improcede e a reconvenção procede, em parte.
As circunstâncias do caso não autorizam a perda das quantias pagas pelo promitente-comprador, que devem ser devolvidas, com correção monetária, pela promitente-vendedora, à base de 90% (noventa por cento) do que foi pago, a despeito de que isso não tenha sido objeto de reconvenção, tal como decidido no REsp n. 49.396-0, relator o Ministro Eduardo Ribeiro:
"Promessa de compra e venda. Rescisão. Devolução do que foi pago. Reconhecido que o promitente-comprador te direito à devolução do que foi pago, posto que negado o pleito do autor, no sentido da perda das importâncias correspondentes, as partes haverão de ser repostas no estado anterior. Possibilidade de determinar-se a devolução, sem necessidade de reconvenção." (RSTJ n. 74, p. 350).
Lê-se no julgado:
"Não se ignora que nosso Direito Processual conhece ações a que se reconhece caráter dúplice. De seu julgamento poderá resultar tutela a direito do réu, em relação ao autor, que sofrerá condenação, embora não ofertada reconvenção. Exemplo clássico encontra-se nas possessórias, expresso o Código de Processo Civil em seu artigo 922. Também a renovatória de locação julgada improcedente, em virtude de oposição do locador, que deseja retomar o imóvel, poderá conduzir ao desejo do autor, sem que para isso seja mister deduzir reconvenção.
RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 313
Creio que o mesmo entendimento se haverá de ter quando se trate
de casos em que, pelo conteúdo da prestação pedida e acolhida, as par
tes devam ser repostas no estado anterior. Assim, por exemplo, procedente o pedido de anulação de contrato, de que decorreram prestações
recíprocas, não se exigirá do réu, que resiste àquele pedido, deva for
mular reconvenção para receber de volta o que pagou, caso rejeitada
sua defesa. Esse resultado será a conseqüência natural do acolhimento do pedido do autor. O mesmo haverá de suceder, quando se cuide de rescisão, e fique estabelecido que a conseqüência será a recomposi
ção do status quo ante. Não se faz necessária reconvenção que, aliás, não se coaduna com a posição do réu que se opõe à rescisão." (ibid., p. 350).
A promitente-vendedora, todavia, faz jus à indenização pela ocupação
do imóvel, equivalente aos aluguéis que este lhe proporcionaria se tivesse
sido locado, tudo com juros a partir da intimação da reconvenção, mais cor
reção monetária.
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe
provimento, em parte, para julgar
• improcedente a ação ordinária, condenado Edson dos Santos a pagar à Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda as custas e os honorários de
advogado à base de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, bem assim condenando esta a devolver àquele, com correção monetária, 90% (noventa por cento) da parte, paga, do preço;
• procedente a reconvenção para o só efeito de condenar Edson dos Santos a indenizar Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda pela ocupação
do imóvel, equivalentes aos aluguéis que este lhe proporcionaria se tivesse
sido locado, tudo com juros a partir da intimação da reconvenção, mais correção monetária, e honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por
cento) da condenação, e
• improcedente a ação cautelar, condenando Edson dos Santos a pagar à Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda as custas e os honorários de advogado à base de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.
VOTO-VENCEDOR
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: O Recorrido ajuizou ação cominatória com imissão de posse, alegando que adquiriu por contrato
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
314 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
particular de compromisso de compra e venda de um apartamento e box, com pagamento do que lhe cabia; mas, a entrega da construção, prevista para 30.4.1987, não foi cumprida, tendo sido obtido o habite-se em 19.11.2000; pede que seja a Empresa-ré compelida a providenciar os documentos junto ao agente financeiro para que possa o Autor obter o financiamento do saldo devedor, a entregar as chaves e a lavrar a escritura definitiva, desembaraçada de qualquer ônus. O magistrado determinou a imissão na posse, desde logo, compelindo a Ré a entregar as chaves do prédio (fi. 42). Em reconvenção, pediu a Ré a rescisão dos contratos, com a perda das quantias pagas, com indenização pelo tempo em que tiver ocupado o imóvel. A sentença julgou improcedente a ação cominatória c.c. imissão de posse e perdas e danos, a reconvenção e a cautelar, tornando ineficaz a imissão de posse (fls. 390 a 399). O Tribunal de Justiça de Santa Catarina deu provimento ao recurso do Autor e negou provimento ao recurso do Réu. Para o acórdão recorrido, o "contrato firmado entre os litigantes rezava que o pagamento do saldo devedor seria efetuado por ocasião da entrega das chaves, em 30.4.1987", o que não ocorreu. Mas, para o Tribunal, o que importa é saber se incide ou não a correção monetária diante do contrato que estipulou preço fixo, com o que, fixado o valor em cruzados, sem menção a qualquer tipo de atualização, é "inadmissível a exigência feita pela Construtora, no sentido de ver convertido o saldo em OTNs, porque não houve a menor estipulação contratual neste sentido, ressaltando que o princípio do pacta sunt servanda não é absoluto, mas, no caso, não há possibilidade de se rever o ato negociaI". Por outro lado, o Tribunal local afastou o art. 85 do Código Civil, porque "não há o menor indício de que havia intenção da ora apelada de corrigir a importância remanescente". E, ainda, asseriu que "ao fixar o valor do saldo devedor, mesma considerou o fator risco, a ele conferindo um acréscimo, a fim de evitar eventual prejuízo", não podendo, portanto, "exigir o pagamento do montante corrigido para outorgar a escritura ao adquirente dos imóveis", improcedentes os argumentos expostos na reconvenção.
O Sr. Ministro-Relator, Ari Pargendler, conheceu e proveu, em parte, o especial para julgar improcedente a ação ordinária, condenando o Autor a pagar à Ré as custas e honorários de advogado de 10% sobre o valor da cau
sa, bem assim condenando esta a devolver àquele, com correção monetária, 90% da parte paga do preço. Procedente a reconvenção para o só efeito de condenar o Autor a indenizar a Ré pela ocupação do imóvel no valor equivalente aos alugueres que este lhe proporcionaria se tivesse sido locado, tudo com juros da intimação da reconvenção, correção monetária e honorários de
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 315
advogado de 10% sobre a condenação e, finalmente, improcedente a cautelar, condenando o Autor às custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
Pela alínea a) o especial não tem êxito, seja porque não prequestionados os artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial, seja porque o art. 85 do Código Civil não se enquadra no caso dos autos.
Pela alínea c), de fato, o precedente de que foi relator o Sr. Ministro Athos Gusmão Carneiro é pertinente ao que se põe nestes autos. Lá está a possibilidade de computar-se a correção monetária, na ausência de previsão contratual, diante da peculiar situação da economia brasileira, firmando o contrato em momento de euforia que fazia prever estivesse debelada a inflação, permitindo fossem os contratos firmados, apenas, com a previsão dos juros.
Reconhecendo, embora, a força do precedente e as bem fundadas razões apresentadas pelo voto do ilustre Relator, não creio que a correção monetária, no cenário brasileiro, autorize a aplicação da teoria da imprevisão, mesmo considerando o trânsito eufórico do Plano Cruzado. O certo é que o plano econômico de 1986, que institui o cruzado, perdurando o padrão monetário até janeiro de 1989, quando nasce o cruzado novo, não alcançou estabilidade suficiente para justificar a invocação da teoria da imprevisão relativamente aos efeitos do controle inflacionário. Basta que se verifique a evolução da tabela de correção monetária que se tornou crescente a partir do mês de abril, não mais parando de crescer até a consolidação do real de julho de 1994 em diante. O empresário da construção que contrata a venda de imóvel diante desse cenário sabe dos riscos que assume; do mesmo modo, a parte-adquirente, se admitida a teoria da imprevisão nesse quadro monetário, estaria sendo inviabilizada financeiramente, perdendo não somente o bem, como, ainda, sendo obrigada a pagar a indenização imposta pela ocupação em decorrência de determinação judicial, como acontece neste feito.
Neste caso, a Empresa contratou a preço fixo, sendo que todas as parcelas contratadas foram pagas, restando o saldo quando da entrega das chaves, também em valor fixo, tudo em prazo inferior a dois anos, não havendo razão alguma para que fosse determinada a imposição da correção monetária, expressamente dispensada na modalidade assumida pelo contrato, isto é, preço fixo. A meu sentir, na economia brasileira, até o advento do Plano Real, não havia espaço suficiente para justificar a correção monetá
ria para a aplicação da teoria da imprevisão.
Rogando vênia ao eminente Ministro Ari Pargendler, eu conheço do especial pela alínea c), mas negou-lhe provimento.
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316 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO-VISTA
o Sr. Ministro Waldemar Zveiter: Solicitei vista dos autos em face da divergência surgida no julgamento no tocante à possibilidade de incidência de correção monetária, em contrato que expressamente não a previu.
O eminente Ministro Ari Pargendler, relator, conheceu do recurso especial pela alínea c, admitindo-a, forte no precedente citado pelo Recorrente, da relatoria do Ministro Athos Gusmão Carneiro, assim ementado:
"Cláusula rebus sic stantibus. Ação revisional de contrato de construção e venda de unidade habitacional em prédio em condomínio. Pretensão da construtora e vendedora à correção monetária das parcelas devidas com e após a entrega das chaves. Contrato avençado durante o 'Plano Cruzado 1'. A correção monetária, como um aspecto diferenciado da teoria da imprevisão no contexto peculiar da economia brasileira, pode incidir mesmo nos contratos avençados sem a sua previsão. Contrato firmado durante o Plano Cruzado I, sob custos congelados e geral expectativa, em todas as classes sociais e com raras exceções, de que a inflação estivesse debelada ou reduzida a razoáveis proporções, permitindo assim a contratação de construções por preços acrescidos apenas de juros. Retomada da inflação, autorizadora da atualização da moeda desvalorizada a ponto de afetar a comutatividade contratual. Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 8.473-RJ).
O eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito divergiu, sustentando, assim:
"Pela alínea c), de fato, o precedente de que foi relator o Sr. Ministro Athos Gusmão Carneiro é pertinente ao que se põe nestes autos. Lá está a possibilidade de computar-se a correção monetária, na ausência de previsão contratual, diante da peculiar situação da economia brasileira, assinado o contrato em momento de euforia que fazia prever estivesse debelada a inflação, permitindo fossem os contratos firmados, apenas, com a previsão dos juros.
Reconhecendo, embora, a força do precedente e as bem fundadas razões apresentadas pelo voto do ilustre Relator, não creio que se deva considerar que a correção monetária, no cenário brasileiro, autorize a aplicação da teoria da imprevisão, mesmo considerando o trânsito eufórico do Plano Cruzado. O certo é que o plano econômico de 1986,
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 317
que instituiu o cruzado, perdurando o padrão monetário até janeiro de
1989, quando nasce o cruzado novo, não alcançou estabilidade suficiente para justificar a invocação da teoria da imprevisão relativamente aos efeitos do controle inflacionário. Basta que se verifique a evolução da tabela de correção monetária que se tornou crescente a partir do mês de abril, não mais parando de crescer até a consolidação do real de julho de 1994 em diante. O empresário da construção que contrata a venda de imóvel diante desse cenário sabe dos riscos que assume; do mesmo modo, a parte-adquirente, se admitida a teoria da imprevisão nesse quadro monetário, estaria sendo inviabilizada financeiramente, perdendo não somente o bem, como, ainda, sendo obrigada a pagar a indenização imposta por ter ocupado o bem por determinação judicial,
como acontece neste feito.
Neste caso, a Empresa contratou a preço fixo, sendo que todas as parcelas contratadas foram pagas, restando o saldo da entrega das chaves, também em valor fixo, tudo em prazo inferior a dois anos, não havendo razão alguma para que fosse determinada a imposição da correção monetária, expressamente dispensada na modalidade assumida pelo contrato, isto é, preço fixo. A meu sentir, na economia brasileira, até o advento do Plano Real, não havia espaço suficiente para justificar a aplicação da teoria da imprevisão em casos como o deste feito.
Rogando vênia ao eminente Ministro Ari Pargendler, eu conheço do especial pela alínea c), mas nego-lhe provimento."
Apreciando os autos e considerando as ponderações feitas por ambas
as partes e pelos votos acima, estou em acompanhar o eminente Ministro Menezes Direito.
O fato é que, entre a data da assinatura do contrato e aquela prometida para a conclusão da obra, quando deveria ser quitada a última parcela, decorreu apenas um ano. Pagas as parcelas iniciais conforme estipulado na avença, o restante seria dado por ocasião da entrega das chaves, que não ocorreu na data prevista, não se podendo imputar ao Recorrido a culpa por tal atraso.
O certo é que o contrato não previa qualquer tipo de atualização monetária, até pelo tempo exíguo pactuado para o seu total cumprimento e a
circunstância da instauração do Plano Cruzado.
A empresa, como bem acentuou o Ministro Menezes Direito, está ciente dos riscos do negócio. Não seria justo que a penalização recaísse sobre a
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318 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
parte-contratante menos favorecida, que aderiu ao contrato sabendo-o sem
correção monetária, na esperança de quitá-lo em apenas um ano, impondo,
inclusive, indenização pelo tempo que ocupou o imóvel, quando tal se deu em estrita obediência à determinação judicial.
Forte em tais lineamentos, rogando respeitosa vênia ao eminente Mi
nistro Ari Pargendler, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.
"Ementa: Contrato particular de compromisso de compra e ven
da. Preço fixo. Inexistência de cláusula de atualização monetária.
I - Embora não se afaste, em tese, a possibilidade de incidência da correção monetária em hipóteses como a presente, em que não prevista no contrato, é de concluir-se pela sua não-incidência no caso concreto, à vista das peculiaridades descritas nos autos.
II - Voto-vista pelo conhecimento e não-provimento do recurso especial."
VOTO-VISTA
o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Pedi vista destes autos para
melhor exame após o voto do Relator, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, em parte, e dos votos dos Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Waldemar Zveiter no sentido de conhecer do recurso, mas negar-lhe provimento.
O dissenso entre os votos discordantes refere-se à possibilidade, ou não,
de reconhecer a correção monetária em favor da Recorrida, embora não
contratualmente prevista.
O dissenso acha-se configurado e, quanto a isso, não há discordância.
Por isso, conheço do recurso.
E, no mérito, acompanho a dissidência, embora não afaste, em prin
cípio, em casos como o presente, a possibilidade de incidência da correção
monetária, não obstante sem previsão contratual.
É que a espécie apresenta peculiaridade, bem ressaltada no voto do
Ministro Waldemar Zveiter:
"O fato é que entre a data da assinatura do contrato e aquela pro
metida para a conclusão da obra, quando deveria ser quitada a última
parcela, decorreu apenas um ano. Pagas as parcelas iniciais conforme
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 319
estipulado na avença, o restante seria dado por ocasião da entrega das chaves, que não ocorreu na data prevista, não se podendo imputar ao Recorrido a culpa por tal atraso."
A propósito, analisando o caso concreto, argumentou o acórdão recorrido:
"Por certo que, ao fixar o valor do saldo devedor, a mesma considerou o fator risco, a ele conferindo um acréscimo a fim de evitar eventual prejuízo.
Não poderia, pois, exigir o pagamento do montante corrigido para outorgar a escritura ao adquirente dos imóveis.
Por conseguinte, obviamente que os argumentos expostos na reconvenção são totalmente improcedentes. Não houve a mora do autor, porque incabível a atualização do saldo devedor, uma vez que a Construtora condicionava o pagamento daquele para a concessão da escritura." (fl. 479).
Em conclusão, pois, acompanho a dissidência: conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.
RECURSO ESPECIAL N. 263.718 - MA (Registro n. 2000.0060501-8)
Relator:
Recorrente:
Advogado:
Recorrida:
Advogados:
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro
Banco do Estado do Maranhão S/A - BEM
Alberto Pavie Ribeiro
Escavações e Transportes Ltda - Estral
Carlos Luiz Kutianski e outros
Sustentação oral: Pedro Gordilho (pelo recorrente) e Bruno Bittar (pelo recorrido)
EMENTA: Processual Civil - Ação de execução - Quitação da dívida - Comprovação - Desistência - Possibilidade - Honorários advocatícios - CPC, art. 569 - Aplicação.
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320 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDE]USTIÇA
I - A quitação de dívida não se presullle, devendo ser COlllpro
vada.
11 - O legislador assegurou a livre disponibilidade da execução. Assilll, pode o exeqüente desistir da ação de execução (CPC, art. 569), selll que isso illlporte elll renúncia ao seu direito de crédito.
111 - Se a desistência ocorre antes do oferecilllento dos elllbar
gos, desnecessária é a anuência do devedor. Precedentes.
IV - Recurso especial conhecido e provido, vencido, elll parte,
o Relator quanto aos honorários.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu
nal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Minis
tro Castro Filho, acompanhando a divergência, por unanimidade, conhecer
do recurso especial e dar-lhe provimento para reformar o acórdão recorrido a fim de homologar a desistência sem que isso importe a renúncia do exeqüente ao seu crédito, vencido, em parte, o Sr. Ministro-Relator quanto aos honorários. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy
Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler. Presidiu o julgamento o
Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília-DF, 16 de abril de 2002 (data do julgamento).
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 20.5.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Trata-se de recurso especial
interposto pelo Banco do Estado do Maranhão, com base no art. 105, a e c, da Constituição Federal.
Para se entender melhor a controvérsia, faço um breve resumo dos au-
tos:
O Banco do Estado do Maranhão S/A propôs ação de execução contra a Estral - Escavações e Transportes Ltda, alegando ser credor de importância
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 321
de R$ 1.976.078,77 (hum milhão, novecentos e setenta e seis mil, setenta
e oito reais e setenta e sete centavos), crédito originado de cédula de cré
dito comercial no valor de R$ 1.500.000,00 (hum milhão e quinhentos mil reais) .
Antes de qualquer apreciação do juízo, a Executada deu-se por citada e requereu que o Exeqüente não bloqueasse "qualquer recurso a ser credi
tado na conta da Executada" (fi. 24).
O MM. Juiz determinou a penhora dos bens que se achavam hipotecados e aceitou o pedido da Estral, entendendo que o bloqueio dos recursos era indevido, uma vez que a matéria já estava sob a tutela judicial.
Dessa decisão agravou o Banco, sendo seu agravo desprovido liminarmente por falta de peças obrigatórias.
Determinou, então, o Juízo a quo, a liberação dos recursos existen
tes na conta do Executado (fi. 74).
Peticionou o Banco, afirmando que os valores creditados na conta-corrente estavam disponíveis e que "os valores que transitaram indevidamente
na conta-corrente da Executada em data de 7.5.1997, se processou por fa
lha operacional" (fi. 80).
Também peticionou a Estral, requerendo mandado de seqüestro para
que a importância de R$ 575.598,86 (quinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos e noventa e oito reais e oitenta e seis centavos) fosse arrecadada de qualquer das agências do Banco, uma vez que tal importância havia sido
debitada, em sua conta, pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Maranhão, em 6.5.1997. O pedido foi deferido à fi. 96.
Às fis. 100/102, o Banco afirma que a soma reclamada é, na realida
de, de crédito a ele pertencente, recebido por cessão através de contrato de direito de cessão de crédito firmado entre ele - instituição financeira, e a
empresa Estral - Escavações e Transportes Ltda, aduzindo (fi. 10 1):
"As ordens bancárias coletivas, emitidas ao Banco do Estado do
Maranhão S/A, pela Secretaria de Estado da Fazenda do Maranhão, via
agência do BEM na Praia Grande, para pagamento aos vendedores ou
prestadoras de serviços aos órgãos ou autarquias estaduais, são, rigorosamente, processadas via computador. Na emissão, aquela Secreta
ria faz constar todos os dados dos favorecidos e, em especial, o número
da conta-corrente onde os recursos devem ser creditados, conforme
modelo anexo, OBC n. 163. (doc. 1).
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322 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ora, MM. Juiz, no caso em tela, tratando-se de um direito previamente transferido ao Banco do Estado do Maranhão, via contrato particular de cessão de direito de crédito, aquela Secretaria deixou de consignar o número da conta-corrente da prestadora de serviços, objeto da ordem/fatura, no caso, a empresa Estral, registrada na nota descritiva (doc. 2), deixando a critério do Banco a utilização dos recursos que de fato e de direito lhe pertencem, como melhor lhe aprouvesse.
Porém, digníssimo Juiz, funcionário subalterno do Banco, desavisado do destino dos recursos ou submetido a, sabe-se lá que pressões por prepostos da empresa Estral, datilografou, em máquina de escrever manual, o número da conta-corrente da referida empresa, adulterando claramente a OBC. Ou seja, preencheu com instrumento mecânico campos do formulário usual e exclusivamente preenchidos por computadores eletrônicos. Em seguida, efetuou lançamento no Caixa, sensibilizando, incorretamente, a conta-corrente em questão. (doc. 3).
Dando seguimento à maquinação, representante da empresa, preparando-se para questionar direitos que já havia transferido desde o ano de 1995, acessou a conta-corrente enxertada e obteve extrato da mesma com o registro do crédito indevido.
Ocorreu que, quando administrador da Estral - executada -, apresentou-se à administração da agência para tentar transferir, através de DOC (documento de compensação interbancária), a importância irregularmente creditada para conta sua em outra instituição de crédito, que, como visto, não lhe pertencia, o gerente da referida agência não acatou tal pretensão, por haver, antes, constatado a fraude e a reparado com o imediato e conseqüente estorno dos recursos pertencentes ao BEM, comunicando o procedimento à Secretaria de Estado da Fazenda, incontinenti (doc. 4)."
Expedido o mandado de seqüestro (fi. 112), o Banco impetrou mandado de segurança, julgado prejudicado (fi. 213).
À fi. 206 o Banco-exeqüente requereu desistência da execução, afirmando: "Esclarece o Exeqüente, por não ter sido paga a dívida executada, que a presente desistência não implica em renúncia ao direito de crédito, devendo ser simplesmente homologada, sem prejuízo de posterior ajuizamento de nova execução, .... " (fi. 206).
Em razão do pedido de desistência ter sido formulado nos termos acima, entendeu o MM Juízo de Direito que a extinção não poderia ser autorizada,
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 323
sem a manifestação da parte contrária e por estar pendente o julgamento do
mandado de segurança (fi. 208). Dessa decisão agravou o Exeqüente.
Em razão do writ ter sido julgado prejudicado, foi determinada a li
beração do valor R$ 601.713,31 (seiscentos e um mil, setecentos e treze
reais e trinta e um centavos).
Ao agravo de instrumento interposto foi negado seguimento por enten
der o ilustre Relator que na decisão agravada não havia "conteúdo decisório"
(fi. 316).
Manifestando-se sobre o pedido de desistência, a Estral afirmou que
a dívida com a Exeqüente já havia sido liquidada. Conclui afirmando que "aceita a desistência do Exeqüente e a extinção deste processo, desde que
seja devolvido o crédito depositado pelo DER, quantia que foi apropriada indevidamente pelo Exeqüente, devidamente reajustada, e que se dê a extin
ção da execução com base no art. 794, inciso IH, do Código de Processo
Civil brasileiro, caso contrário, a Executada não aceita a desistência do
Exeqüente e que se dê continuidade ao feito" (fi. 310).
Apreciando o pedido de desistência, entendeu o MM. Juiz de Direito
(fi. 338):
"Vê-se, pois, que o Banco do Estado do Maranhão S/A, ao ajui
zar a presente ação de execução, o fez para acobertar o bloqueio da
importância creditada em contas-correntes da Executada, no importe
de R$ 575.598,86 (quinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos e no
venta e oito reais e oitenta e seis centavos).
Assim, sem qualquer demonstrativo do débito atualizado e a de
volução da importância retida indevidamente da conta-corrente da
Executada - matérias revistas por via de agravo de instrumento e man
dado de segurança -, tenho que o pedido de desistência opera a
inexistência de dívida a ser cobrada pelo Banco-autor."
Concluindo, o MM. Juiz a quo extinguiu a ação de execução e con
denou o Exeqüente ao pagamento de indenização por danos sofridos no va
lor de R$ 575.598,86 (quinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos e no
venta e oito reais e oitenta e seis centavos), além de honorários advocatícios
arbitrados em 20% sobre aquele valor corrigido monetariamente, além de
custas e despesas processuais.
O seqüestro foi efetivado à fi. 343.
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324 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em grau de apelação, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e em desacordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conheceu do recurso e deu-lhe parcial provimento, apenas para afastar o pagamento da indenização no valor de R$ 575.598,86 (quinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos noventa e oito reais e oitenta e seis centavos), nos termos do voto do Relator (fi. 408).
A ementa do acórdão ficou assim redigida:
"Processual Civil. Apelação cível. Execução. Desistência. Necessidade de manifestação da parte-executada. Dívida com garantia hipotecária. Bloqueio de crédito em conta-corrente. Impossibilidade. Devolução em sede de seqüestro. Confirmação da medida. Indenização. Incabimento.
1. O juiz não pode homologar desistência de execução sem prévia concordância do executado, já citado para a ação e reagido em defesa dos seus direitos.
2. Encontrando-se a dívida sob garantia hipotecária, é injustificável e arbitrário o bloqueio de crédito do devedor em conta-corrente, sendo correta a decisão de que determina sua devolução em sede de seqüestro.
3. Incomprovada a ocorrência de dano resultante do bloqueio indevido, incabível qualquer indenização nesse sentido.
4. Apelo parcialmente provido. Unanimidade."
O vencido opôs embargos de declaração alegando omissão do julgado "quanto ao exame da totalidade da manifestação de fIs. 100/102" (fi. 430), afirmando que aquela Corte não poderia ter desconsiderado os fatos ali narrados, e que o estorno de valores lançados irregularmente em contas bancárias por erro, é operação resguardada por lei e chancelada pela jurisprudência desta Corte.
Entende que, sem examinar a totalidade dos fatos narrados às fIs. 100/ 102, fazendo-o como fez o acórdão apenas em parte e atribuindo-lhe o valor que entendeu, é negar a existência dos demais fatos.
Sustentou que a alegação, no acórdão, de que o ora embargante não rebateu a afirmação da Empresa-executada de que a dívida estava liquidada não procede, uma vez que há várias petições posteriores à manifestação da Executada e anteriores à sentença, opondo-se à pretensão de declaração de liquidação do débito. Assim, afirma, há omissão no exame das provas carreadas aos autos.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 325
Afirmou que há "contradição no acórdão ora embargado, na medida em que essa egrégia Corte reconhece que o BEM está pleiteando a reforma da sentença, para que seja homologada a desistência da execução nos termos do art. 569 do CPC, porque não liquidada a dívida, e, ao mesmo tempo, afirma que o BEM não teria se oposto à afirmação da Executada, de que a dívida fora liquidada" (fl. 434).
Esses embargos foram rejeitados (fls. 4411446), e novos embargos foram outra vez opostos para aclaramento dos primeiros, mas também rejeitados (fls. 458/462).
Daí o recurso especial, interposto pelas letras a e c do permissivo constitucional, no qual o Recorrente alega ofensa aos seguintes preceitos (fi. 468):
"a) aos arts. 128 e 460 do CPC, porque ao se manter a parte da sentença que conhecera do pedido de 'desistência da execução' como pedido de 'extinção da execução', com 'declaração de liquidação da dívida', proferiu-se decisão diversa da que foi pedida;
b) ao artigo 569 do CPC, porque rejeitado o provimento da apelação para homologar a desistência da execução;
c) ao artigo 794, III, do CPC, porque aplicado em hipótese com ele não identificada (extinção da execução em face de desistência da execução);
d) aos artigos 939 a 949 do Código Civil, porque mantida a sentença na parte em que declarou extinta a execução sem prova da quitação;
e) aos artigos 458, I e II, e 515, do CPC, porque não foi examinada toda a matéria devolvida ao Tribunal a quo no julgamento da apelação."
Sustenta, ainda, violação aos arts. 458, I e II; 515 e 535, II, do CPC, e cita jurisprudência desta Corte.
Oferecidas as contra-razões, foi o recurso admitido nos seguintes termos (fl. 511):
"Em relação à alegada violação aos artigos supramencionados, constato ser a questão passível de apreciação pelo Superior Tribunal Justiça, uma vez que a matéria discutida em sede ordinária recomenda uma profícua decisão superior, tendo o acórdão recorrido enveredado por tema que transcende aos limites desta Corte.
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326 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Cuidando-se do fundamento contido na alínea c do permissivo constitucional, evidenciado está o dissídio jurisprudencial, encontrando-se atendidas as exigências legais do parágrafo único do artigo 541 do Código de Processo Civil, com a descrição dos decisórios, mencionando os pontos controvertidos."
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Relator): A Súmula n. 5 desta Corte veda a simples interpretação de cláusula contratual no âmbito do recurso especial. Contudo, para melhor deslinde da controvérsia, é necessário que vejamos a cláusula primeira do contrato de cessão de direito de crédito firmado entre o Banco-recorrente e a Empresa-recorrida:
"Cláusula primeira. A Cedente, na qualidade de prestadora de serviço de construção de estrada MA 402, trecho Morros-Humberto de Campos, e da duplicação da estrada MA 201, trecho Cohab-Maiobão, contratados pelo DER - Departamento de Estradas de Rodagem, cede e transfere ao cessionário, em caráter irrevogável e irretratável, todos os direitos creditórios, seus acessórios, vantagens e garantias assegurados nos Contratos de n. 41/1992 e 44/1993, respectivamente, alusivos a essas obras.
Parágrafo único. Transfere ainda a Cedente ao Cessionário, quais
quer importâncias que venham a ser creditadas em sua conta de depósitos mantida na agência do Banco-cessionário, oriundas de outros órgãos do Governo Estadual (Administração Direta ou Indireta), ou da Prefeitura Municipal de São Luís." (grifos nossos). (fi. 32).
Assim, estava o Banco-exeqüente autorizado a transferir a importância creditada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Maranhão na conta do Executado.
Mesmo afirmando a Executada que a dívida com a Exeqüente já havia sido liquidada, não trouxe aos autos qualquer comprovação, embora sustentasse que "como pode ser comprovado pela avaliação de operações finan
ceiras feita pelo escritório Gustavo B. Pualinelli - Assessoria e Consultoria Financeira (anexo doc. 1), declara não dever mais nada à Exeqüente, e, sim, é esta que a deve, pois é facilmente comprovado pelos critérios adotados na
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 327
avaliação supra-referida" (fi. 310). Não há, contudo, qualquer documento que comprove a liquidação da dívida.
O art. 794 do Código de Processo Civil determina:
"Extingue-se a execução quando:
I - o devedor satisfaz a obrigação;
II - o devedor obtém, por transação ou por qualquer outro meio, a remissão total da dívida;
III - o credor renunciar ao crédito."
Nenhuma dessas hipóteses se verifica dos autos.
A afirmação do MM. Juiz de Il1. grau de que "o pedido de desistência opera a inexistência de dívida a ser cobrada pelo Banco-autor" (fi. 338) não está prevista em lei, mas em mera presunção.
Ao requerer a desistência da execução, o Banco salientou que não estava renunciando ao seu direito de crédito e que a dívida não havia sido paga (fi. 206). Em outra petição posterior, insistiu na homologação da desistência.
Alcides de Mendonça Lim.a afirma:
"A 'desistência', como ocorre no processo de conhecimento, diz respeito com o 'processo de execução', em si mesmo, sem prejudicar a pretensão a executar. Assim sendo, a 'desistência' torna extinto o processo de execução sem julgamento do mérito (art. 329). Mas, aplicado subsidiariamente (art. 598), o art. 268, 'a extinção não obsta a que o autor intente de novo a ação', mormente quando o Código aderiu à corrente que considera a 'execução' como ação, em plano de igualdade, portanto, com a ação de conhecimento ou de cognição, e não como fase dessa (n. 23 e segs., supra). Não há renúncia ao direito em si mesmo, isso é, o credor renuncia aos atos do processo, mas não renuncia à ação." (Comentários ao Código de Processo Civil, voI. IV, Tomo I, p. 171).
Já Pontes de Miranda, com seu magistral entendimento, leciona:
"O art. 569 apenas fala de 'credor', mas havemos de entender qualquer legitimado ativo, no plano do processo. Não se trata aí de renúncia à ação de direito material. Apenas se cogita da desistência da
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328 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
propositura da ação executiva, que pode voltar a ser proposta, ou de algum ou alguns atos processuais que foram praticados (ou pedidos)
para o procedimento da execução." (Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo IX, 211. ed., revista e atualizada, atualização
legislativa de Sérgio Bermudes, Editora Forense, 2001). (p. 80).
Humberto Theodoro Júnior assim entende:
"Com a renúncia ao crédito, não se confunde a desistência do
processo. Enquanto a primeira é de direito material, fazendo extinguir o próprio direito à prestação obrigacional, a segunda é um ato mera
mente formal, que apenas põe fim à relação processual pendente, sem
atingir o direito substancial da parte. Quem renuncia não pode mais
voltar a demandar a obrigação, que definitivamente se extinguiu. Mas,
quem desiste pode voltar a disputar a mesma prestação em nova relação processual." (Processo de Execução, 10ll. ed., pp. 438/439).
o art. 569 do CPC dispõe:
"O credor tem a faculdade de desistir de toda a execução ou de
apenas algumas medidas executivas."
O legislador editou, pois, norma expressa assegurando a livre dispo
nibilidade da execução.
Nesse sentido, acórdão proferido pela Quarta Turma deste Tribunal,
assim ementado:
"Processo Civil. Execução. Embargos oferecidos. Desistência.
Audiência da embargante. Necessidade. Recurso provido.
I - Constitui princípio, albergado na legislação vigente (CPC, art.
569), que o exeqüente tem a livre disponibilidade da execução, poden
do desistir a qualquer momento, em relação a um, a alguns ou a to
dos os executados, mesmo porque a execução existe em proveito do
credor, para a satisfação do seu crédito.
II - Se a desistência ocorre após o oferecimento dos embargos,
imprescindível se faz a audiência da parte-executada para aferir-se do seu interesse no prosseguimento dos embargos." (REsp n. 7.370-PR,
reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 4.11.1991).
RST}, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 329
No caso dos autos, não houve embargos à execução, assim, desnecessária a anuência do devedor.
O acórdão recorrido acolheu a alegação do Executado de que a dívida, objeto da execução, estava liquidada. Contudo, o próprio julgado reconhece que não houve comprovação, in verbis:
"A Apelada, por sua vez, não aceitou a desistência, alegando que, para tal, o Apelante deveria devolver a quantia já apropriada indevidamente por ele e depositada no valor de R$ 601.713,31 (seiscentos e um mil, setecentos e treze reais e trinta e um centavos) já atualizada, a fim de que se procedesse à extinção da execução com base no art. 794, IH, do CPC, vez que a dívida já foi liquidada, afirmação feita à fl. 309, pela Empresa-executada, sem comprovação." (os grifos não são do original). (fls. 411/412).
Como, então, presumir-se o adimplemento da obrigação? A quitação ou a renúncia não se presumem, como afirmado pelo eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, no REsp n. 21.662-SP, nos seguintes termos:
"O processo de execução tem como escopo a satisfação do credor e só deve terminar com o adimplemento integral da obrigação ou renúncia ao crédito (CPC, art. 794).
Tal adimplemento se prova mediante quitação - que não se presume, a não ser em hipóteses legalmente previstas (Código Civil, arts. 939 a 949).
Também a renúncia deve ser expressa, não presumida.
O silêncio do exeqüente não induz quitação, nem renúncia.
No julgamento do REsp n. 8.775, esta Turma, conduzida pelo eminente Ministro Garcia Vieira, proclamou em admirável síntese:
'Não cumprido o julgado, é inadmissível a extinção da execução.'
Extinguir o processo de execução, sem prova cabal do adimplemento, é denegar justiça."
O acórdão desse julgado traz a seguinte ementa:
"Processual. Processo de execução. Presunção de pagamento. Silêncio do exeqüente. CPC, art. 794. CC, arts. 939 a 949.
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330 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sentença que, após intimação do exeqüente, pela imprensa, face ao silêncio deste, que o crédito foi satisfeito e põe termo ao processo de execução.
Tal sentença merece reforma.
O processo de execução só deve terminar com o adimplemento integral de obrigação ou renúncia ao crédito (CPC, art. 794).
O adimplemento prova-se mediante quitação ou renúncia, que não se presumem (CC, arts. 939 a 949).
O silêncio do exeqüente não induz quitação, nem renúncia.
Extinguir a execução, sem prova cabal do adimplemento, é denegar justiça.
Recurso desprovido."
O acórdão recorrido, ao entender que "a Apelada, ao manifestar-se sobre o pedido de desistência do Apelante alegou que a dívida, objeto da execução, estava liquidada, e sobre esse ponto o Apelante não se manifestou, colocando em confronto com a lógica e as regras de experiência, excluindo o que for inverossímil ou improvável do relato, para acolher o que se evidenciar racional, coerente e compatível com as circunstâncias" (fi. 419), realmente estabeleceu divergência com decisão desta Corte, acima transcrita.
O pedido de desistência da ação de execução foi feito com base no art. 569 do CPC, por ter o credor livre disponibilidade da execução.
Como já salientado, não foram opostos embargos à execução, assim, não era necessária a audiência do devedor para aferir-se do seu interesse no prosseguimento da execução.
Pontes de Miranda, na obra acima citada, afirma:
"Quanto à desistência, pode o autor desistir da ação se o processo é cognoscitivo, sem consentimento do réu, até a resposta (art. 267, § 4.2.), ou com o consentimento do réu, a qualquer tempo, até se proferir a sentença. Se a ação é executiva, não há limite temporal, quer para toda a execução, quer apenas para alguma ou algumas medidas executivas."
Podia, assim, o Exeqüente requerer a desistência da ação executiva, cabendo ao juiz declarar por sentença a extinção, sem julgamento do mérito, uma vez que, repita-se, não foram opostos embargos.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 331
A propósito, mais um ensinamento de Alcides de Mendonça Lima na obra anteriormente citada:
"Ora, se for fundada em título extrajudicial (art. 585), a situação é muito semelhante à do processo de conhecimento, tanto que a defesa é ampla (art. 745). Equipara-se à antiga ação executiva do Código de 1939 (arts. 298-301). A desistência, portanto, somente poderá ocorrer, sem o consentimento do devedor (posição similar à do réu), antes da 'resposta dele' (art. 267, § 412), isso é, antes dos embargos (art. 736 c.c. o art. 745);" (fl. 172).
Quanto aos honorários advocatícios, tem entendido esta Corte que são eles devidos no caso de desistência da execução, ainda que não tenham sido opostos embargos.
Contudo, no caso dos autos, a ora recorrida resistiu ao pedido de desistência, levando o Banco-recorrente a interpor vários recursos até chegar a esta egrégia Corte. Saliente-se que a sentença de 112 grau chegou a condenar o Recorrente ao pagamento de uma indenização, não pedida, de R$ 575.598,86 (qúinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos e noventa e oito reais e oitenta e seis centavos), além de honorários advocatícios fixados em
20% sobre esse valor corrigido monetariamente.
O acórdão atacado manteve essa decisão, retirando apenas a referida indenização, ocasião em que o Banco interpôs dois embargos de declaração, rejeítados, além do recurso especial.
O artigo 26 do CPC dispõe que, no caso de o processo terminar por desistência, as despesas processuais e os honorários serão pagos pela parte que desistir.
No caso dos autos, o processo não teve fim, nas instâncias ordinárias, com a desistência; ao contrário, tendo a Executada resistido ao pedido, a questão pertinente prosseguiu até chegar a este Tribunal.
Assim, nos termos do artigo citado, deve o Recorrente arcar com as custas processuais, mas somente até a data do pedido de desistência. A partir daí, a Recorrida arcará com as verbas da sucumbência, inclusive honorários advocatícios, uma vez que o seu pleito não foi acolhido por esta Corte.
Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para reformar o acórdão recorrido, a fim de homologar a desistência sem que isso importe em renúncia do Exeqüente ao seu crédito. Condeno o Banco-recorrente, contudo, ao pagamento das custas processuais até a data da desistência. A
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
332 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
partir daí, as demais verbas de sucumbência serão suportadas pela Recorrida, inclusive honorários advocatícios, que fixo em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), em razão do trabalho desenvolvido pelo patrono do Recorrente.
VOTO-VENCEDOR
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: O Banco-recorrente ajuizou execução alegando ser credor da importância de R$ 1.976.078,77, originada de cédula de crédito comercial; que não tendo havido pagamento, foi feita escritura de composição e renegociação de dívida, também não cumprida. A Ré, dando-se por citada, nos termos do § 29., art. 655 do Código de Processo Civil, requereu a penhora dos "bens que se acham hipotecados ao título", requerendo, ainda, que o Exeqüente "se abstenha do bloqueio de qualquer recurso a ser creditado na conta da Executada, posto que ato administrativo desta ordem estaria em confronto com o princípio do juízo natural e com a gradação da ordem de penhora estabelecida no dispositivo suso". Em seguida, o Banco pediu o prosseguimento do feito, com a citação da Exeqüente, e, ainda, que fosse indeferido o pedido feito pela Executada, juntando um contrato de cessão firmado entre as partes pelo qual a Executada "cede e transfere ao cessionário, em caráter irrevogável e irretratável, todos os direitos creditórios, seus acessórios, vantagens e garantias assegurados nos Contratos de n. 41/1992 e 44/1993, respectivamente, alusivos a essas obras" e, também, "quaisquer importâncias que venham a ser creditadas em sua conta de depósitos mantida na agência do Banco-cessionário, oriundas de outros órgãos do Governo Estadual (Administração Direta ou Indireta), ou da Prefeitura Municipal de São Luís", autorizando o cessionário a "utilizar qualquer valor que seja transferido/depositado para crédito da conta de depósito da Cedente, resultante do estatuído na cláusula primeira e seu parágrafo único, seja na amortização de parcelas vincendas ou vencidas, ou na liquidação, mesmo que antecipada, de dívidas contraídas com o Banco-cessionário". O magistrado admitiu a citação da Executada como por ela requerido e determinou a penhora dos bens que se acham hipotecados, impedindo o bloqueio de recursos creditados na conta da Executada. Da decisão, o Banco interpôs agravo de instrumento, que foi indeferido por ausência de peça obrigatória. O magistrado, diante de informação da Executada, ordenou o imediato seqüestro da importância de R$ 575.598,86, com depósito imediato na conta desta, "eis que não se trata de penhora, posto que a execução encontra-se com garantia real". Houve, então, o ingresso de ordem de .. , segurança pelo Banco, com obtenção de liminar para impedir o seqüestro em 13.5.1997, que, afinal, foi julgado
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 333
prejudicado em sessão de 10.3.1998. Em seguida, requereu o Banco-exeqüente a desistência da execução, determinando o juiz que fosse ouvida a Executada. Diante do julgamento do mandado de segurança, ordenou o juiz o depósito do valor que estava com o Banco, tendo havido novo agravo de instrumento, desta feita combatendo a decisão que não homologou a desistência, com base no art. 559 do Código de Processo Civil. A Executada, finalmente, manifestou-se favoravelmente ao pedido de desistência "desde que seja devolvido o crédito depositado pelo DER, quantia que foi apropriada indevidamente pelo Exeqüente, devidamente reajustada, e que se dê a extinção da execução com base no art. 794, inc. lU, do Código de Processo Civil brasileiro, caso contrário, a Executada não aceita a desistência do Exeqüente e que se dê continuidade ao feito". O Relator negou seguimento ao último agravo de instrumento interposto pelo Exeqüente. O seqüestro do valor de R$ 601.713,31 foi efetuado. Finalmente, a sentença (fls. 344/ 345) julgou extinta a execução, condenado o Banco a pagar a importância de R$ 575.598,86, retida indevidamente, tudo corrigido. O Tribunal de Justiça do Maranhão proveu, em parte, a apelação do Banco, para afastar o pagamento da indenização no valor de R$ 575.598,86.
O eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator, conheceu e proveu o especial "para reformar o acórdão recorrido, a fim de homologar a desistência sem que isso importe em renúncia do Exeqüente ao seu crédito. Condeno o Banco-recorrente, contudo, ao pagamento das custas processuais até a data do pedido de desistência. A partir daí, as demais verbas de sucumbência serão suportadas pela Recorrida, inclusive honorários advocatícios, que fixo em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), em razão do trabalho desenvolvido pelo patrono do Recorrente".
O que se verifica dos autos é que, realmente, instalou-se um tumulto processual, resistindo o Banco a cumprir a ordem judicial de seqüestro, embora pedindo a desistência da execução sem a renúncia do direito a receber o seu crédito.
Não me parecem presentes as alegadas violações aos artigos 128, 458, 460,515 e 535 do Código de Processo Civil. O Tribunal manteve o julgado apresentando fundamentos suficientes para sua conclusão, não extrapolando dos limites da apelação. Os artigos 939 a 949 do Código Civil estão apenas mencionados, não trazendo o especial fundamentação específica sobre o tema. O que se deve examinar, portanto, é a alegada violação aos artigos 569 e 794, lU, do mesmo Código.
A meu sentir, o ponto nuclear é, exatamente, a possibilidade do pedido de desistência e suas conseqüências. E, de fato, a desistência é possível,
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
334 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a teor do art. 569 do Código de Processo Civil, ainda mais neste feito, em que não houve, efetivamente, a interposição dos embargos. A Executada permaneceu nos autos o tempo inteiro, após dar-se por citada, e requerer a penhora dos bens que se acham hipotecados ao título, sem, contudo, apresentar embargos. Ora, se não houve a apresentação dos embargos, possível é o pedido de desistência da execução, formulado pelo Exeqüente, com a ressalva de que tal pedido não inclui renúncia ao seu direito de cobrar a dívida. É certo que o processo desenvolveu-se, com variado cenário protelatório, tudo em torno de valor que havia sido retirado da conta da Executada e que, finalmente, a esta retornou. Esse quadro jurídico não autoriza mesmo a pura e simples extinção da execução, que somente pode ocorrer nos termos do art. 794 do Código de Processo Civil, sendo certo que se não pode presumir a renúncia com o pedido de desistência, diante da expressa ressalva, nem, tampouco, é admissível presumir a quitação do débito (REsp n. 21.662-SP, relator o Sr. Ministro Gomes de Barros, DJ de 14.12.1992).
Razão, portanto, tem o eminente Relator ao conhecer e prover o especial para afastar a extinção e homologar a desistência.
Todavia, peço vênia ao eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro para ponderar quanto aos honorários advocatícios. A nossa Corte tem consagrado que os honorários são devidos pelo credor quando desiste da execução "após o Executado constituir advogado e indicar bens à penhora, independentemente da não-oposição de embargos" (REsp n. 285.347-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 5.3.2001; no mesmo sentido: REsp n. 257.002-ES, relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, DJ de 18.12.2000). Neste caso, com mais razão deve ser acolhido esse entendimento. A resistência prolongada do Banco-exeqüente no cumprimento da ordem judicial, com a interposição de dois agravos de instrumento e mais um mandado de segurança justifica, plenamente, que lhe seja imposta a totalidade dos ônus da sucumbência, com o pagamento das custas e dos honorários de advogado de R$ 50.000,00.
Em conclusão, conheço do especial e dou-lhe provimento para homologar a desistência, respondendo o Banco-exeqüente pelas custas e honorários de R$ 50.000,00.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial em processo de execução, interposto por Banco do Estado do Maranhão, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 335
Perante o Juízo a quo, o ora recorrente deduziu pedido de desistência do processo de execução. Após a manifestação do Recorrido, opondo-se ao pleito nos termos em que foi formulado, afastou o MM. Juiz a quo o pedido de desistência e julgou extinto o processo de execução ao fundamento de restar provado que o débito fora liquidado pelo Recorrido.
Em conseqüência, condenou o ora recorrente ao pagamento de indenização por pleitear valor indevido, acrescidos de custas processuais e honorários advocatícios.
o egrégio Tribunal a quo acolheu em parte o recurso de apelação do
ora recorrente, tão-somente para afastar a condenação do Recorrente ao pagamento de indenização por pleitear valor indevido.
Os primeiros e os segundos embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Em suas razões de recurso especial, alegou o Recorrente ofensa aos arts. 20, 21, 128, 458, incs. I e II; 460, 515, 535, inc. II; 569, 794, inc. III, do CPC, e 939 a 949 do CC, e divergência jurisprudencial.
O Ministro-Relator conferiu provimento ao recurso especial, reconhecendo a existência de violação aos arts. 20 e 569 do CC, para reformar o v. acórdão recorrido e homologar o pedido de desistência formulado, sem que isto implicasse em renúncia do Exeqüente ao seu direito de crédito.
Quanto à sucumbência, condenou o Recorrente ao pagamento das custas processuais até a data do pedido de desistência; as custas devidas após
este pedido, bem como os honorários advocatícios, arbitrados em R$ 50.000,00, concluiu o Ministro-Relator, deverão ser suportados pelo Recorrido.
Em voto-vista, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito dissentiu do Ministro-Relator quanto à questão da sucumbência, sob o fundamento de que a jurisprudência deste colendo STJ tem consagrado que os honorários e as custas são devidos pelo credor quando este desiste do processo de execução "após o Executado constituir advogado e indicar bens à penhora, independentemente da não-oposição de embargos". Arbitrou os honorários, devidos pelo Recorrente, em R$ 50.000,00.
Reprisados os fatos, decide-se.
Acompanho o Ministro-Relator no que respeita às questões relativas à
ofensa aos arts. 128, 458, ines. I e II; 460, 515, 535, inc. II; 569, 794, inc. III, do CPC, e 939 a 949 do CC.
Passo à análise do recurso especial quanto à questão da condenação ao
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
336 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pagamento de custas e honorários advocatícios (negativa de vigência aos arts. 20 e 21do CPC).
De acordo com o entendimento moderno da ciência processual, a obrigação ao pagamento de custas e honorários advocatícios deriva do fato objetivo da sucumbência: victus victori. Paga quem foi vencido, independentemente da existência de culpa ou de outro motivo a ensejar a obrigação de pagar.
Ocorre que o princípio da sucumbência não oferece regra operadora na hipótese de extinção do processo sem exame de mérito, ou seja, quando não houver nem vencedor nem vencido.
Com o fito de solucionar a questão, apresentou-se outro fundamento, mais abrangente e adequado, consistente no princípio da causalidade. No julgamento do AgRg na MC n. 1.243-SP, de minha relatoria, restou o referido princípio assim explicitado, in verbis:
"Contudo, é assente na jurisprudência que aquele que deu causa à propositura da ação frustrada responde pelos consectários da sucumbência. É a conjugação do art. 20 do Código de Processo Civil com a teoria da causalidade, uma vez que a legislação ordinária mostrou-se insuficiente para atender ao critério de distribuição dos ônus sucumbenciais quando notado o insucesso em causas que não tenham, a princípio, vencedor ou vencido."
Na hipótese dos autos, foi o Recorrente quem propôs a execução.
O Recorrido, citado, teve de contratar advogado, indicou bens à penhora e arcou com despesas outras, a fim de defender os seus interesses em juízo. Está a justificativa da condenação em custas e honorários advocatícios, assim, na causalidade imputada ao ato recorrente.
Note-se, a respeito, a firme jurisprudência deste colendo STJ, que entende ser devida a condenação do Exeqüente ao pagamento de custas e honorários advocatícios, nas hipóteses em que houve pedido de desistência e o Executado, citado, tenha constituído advogado e indicado bens à penhora. Cite-se, a respeito, os seguintes precedentes: AgRg no Ag n. 44.000-MS, reI. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ de 12.12.1994; Recurso Especial n. 75.057-MG, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 5.8.1996; Recurso Especial n. 80.391-MG, reI. Min. Waldemar Zveiter, Terceira Turma, DJ de 4.11.1996; Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 80.257-SP, reI. Min. Adhemar Maciel, Primeira Seção, DJ de 25.2.1998; Recurso Especial n. 134. 749-SC, reI. Min. Waldemar Zveiter,
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 337
Terceira Turma, DJ de 8.9.1998, DJ de 24.5.1999; Recurso Especial n. 149.292-MG, reI. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, DJ de 19.6.2000; Recurso Especial n. 257.002-ES, reI. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ de 18.12.2000, e Recurso Especial n. 285.347-SP, reI. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJ de 5.3.200l.
Fundamenta o Ministro-Relator, ao votar pela condenação do Recorrido ao pagamento de honorários advocatícios, no fato de ter este resistido ao pedido de desistência, o que levou o Recorrente "a interpor vários recursos até chegar a esta egrégia Corte".
Peço aqui a devida vênia ao eminente Relator, pois entendo que o Recorrido, ao ser intimado para manifestar-se sobre o pedido de desistência formulado pelo Recorrente, exerceu de forma regular direito seu, opondo-se ao pedido de desistência com os argumentos que elencou.
A demora em se reconhecer, ao Recorrente, o direito à desistência do processo de execução deveu-se não aos atos de resistência praticados pelo Recorrido, mas ao fato de não ter sido tal pedido acolhido pela r. sentença, a qual restou confirmada neste aspecto pelo v. acórdão ora atacado.
Com a reforma do v. aresto em sede de recurso especial, nos moldes do voto do Ministro-Relator, operando-se a homologação do pedido de desistência formulado, impõe-se in casu, em conseqüência, a aplicação do disposto no art. 26 do CPC, com a conseqüente condenação do Recorrente ao pagamento de custas e honorários advocatícios.
Forte em tais razões, no que respeita à questão da sucumbência, acompanho o voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito para condenar o Recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados estes em R$ 50.000,00.
É o voto.
VOTO-VISTA
o Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se, na origem, de execução promovida pelo Banco do Estado do Maranhão contra Estral - Escavações e Transportes Ltda da importância de R$ 1.976.078,77.
À falta de pagamento, fez-se, por escritura, renegociação da dívida, também não cumprida.
Depois de procedimento um tanto tumultuado, foi julgada extinta a execução e condenado o Banco a pagar a importância de R$ 575.598,86, que, indevidamente, havia sido retida. A sentença, entretanto, foi reformada pelo
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338 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tribunal de origem, mas, apenas, para afastar o pagamento da quantia supra-referida. Daí, o presente recurso especial interposto pelo Banco, com base nas alíneas a e b do permissivo constitucional.
S. Ex.', o ilustre Ministro-Relator, Pádua Ribeiro, após pormenorizada exposição, concluiu por dar provimento ao recurso, "a fim de homologar a desistência, sem que isso importe em renúncia do Exeqüente ao seu crédito", condenou o Banco ao pagamento das custas processuais até a data do pedido de desistência, passando, a partir de então, a Recorrida, a suportar as demais verbas da sucumbência, inclusive honorários advocatícios, que arbitrou em R$ 50.000,00.
O douto Ministro Menezes Direito - e com e ele a ilustre Ministra Nancy Andrighi - acompanhou o Relator, no que concerne ao provimento do recurso, para afastar a extinção, no que diz respeito à quitação do débito, mas homologando a desistência da ação. Entretanto, inspirando-se em precedentes da Corte, dele dissentiu quanto às custas e honorários, atribuindo-os ao Banco-recorrente.
Com efeito, a pura e simples desistência da ação (o que, em verdade, trata-se de desistência, não da ação, mas do processo), contemplada no § 42
do artigo 267 do Código de Processo Civil, não se confunde com a renúncia ao direito sobre que se funda a ação, de que cuida o inciso V do artigo 269 do mesmo diploma legal. Por isso, exigir a lei, para os casos de desistência da ação, a anuência da parte contrária, se formulado o pedido após decorrido o prazo para resposta. Aliás, no particular, defendo que, feita a citação, já é de se exigir o pronunciamento do Réu, mesmo que não esgotado o prazo para resposta, considerando que, em conseqüência da causa, já poderá ter sido obrigado a assumir compromissos e fazer despesas.
É, exatamente, o que ocorreu na hipótese em apreciação, razão pela qual, com a devida vênia do emérito Relator, acompanho, no ponto, a divergência, para atribuir ao Recorrente a totalidade das despesas processuais, inclusive os honorários de advogado, já fixados em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
É o voto.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 303.546 - MT (Registro n. 2001.0015910-9)
Ministro Castro Filho
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 339
Recorrente: Shell Brasil S/A
Advogados: Antônio Vilas Boas Teixeira de Carvalho e outros
Recorrido: Bertin e Carlos Galvan Ltda
Advogados: Sérgio Palomares e outros
Sustentação oral: Antônio Vilas Boas Teixeira (pela recorrente) e Sérgio Palomares (pelo recorrido)
EMENTA: Processual Civil - Requerimento de provas por ambas as partes - Julgamento antecipado da lide - Cerceamento de defesa.
Conquanto a avaliação da necessidade da produção de prova deva ficar, em princípio, ao prudente critério do juiz que aprecia os fatos, esta Corte entende ser possível apreciar o tema na via do especial, para afastar o cerceamento de defesa que decorre da falta de oportunidade para demonstração da veracidade dos fatos alegados em contestação, quando nítida a violação à regra de igualdade entre as partes e de garantia de defesa.
Primeiro recurso especial provido e prejudicado o segundo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do primeiro recurso especial e dar-lhe provimento e julgar prejudicado o segundo recurso especial. Os Srs. Ministros. Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília-DF, 19 de março de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministro Castro Filho, Relator.
Publicado no DJ de 13.5.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se de dois recursos espeCIaIS interpostos por Shell Brasil S/A, em face de acórdãos da colenda Terceira
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Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que negou provimento à sua apelação e aos seus embargos de declaração, e acórdão das Câmaras Cíveis Reunidas do mesmo tribunal, que deu parcial provimento a seus embargos infringentes.
Cuida-se, originalmente, de "ação de rescisão contratual c.c. lucros cessantes, multas, indenizações e danos à imagem" proposta por Bertin e Carlos Galvan Ltda em desfavor da Recorrente, julgada procedente no 1 Q
grau de jurisdição, para "declarar rescindido o contrato de locação do autoposto (Posto Luma), de fls. 23 usque 31, firmado entre as partes em questão em 21 de dezembro de 1994, condenando-se a Ré ao pagamento das indenizações pleiteadas na inicial", calculadas pelo juízo em R$ 3.076.290,00 (três milhões, setenta e seis mil, duzentos e noventa reais), bem como honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.
Opostos embargos de declaração alegando a existência de exceções de suspeição e impedimento, a suspensão do processo em razão de exceção de incompetência, a necessidade de produção de provas, o cerceamento de defesa, a omissão quanto à natureza jurídica do contrato entre as partes, obscuridade e omissão quanto à técnica para apuração dos valores da condenação, e excessividade extrema na fixação dos honorários advocatícios, foram eles rejeitados.
Foi interposta apelação pela Recorrente, inquinando a sentença de "absurda, teratológica, ilegal, desfundamentada e nula", afirmando que, por sua complexidade, as causas de pedir e os pedidos cautelar e indenizatório, exigiam ampla e obrigatória produção de provas, uma vez que, mesmo desprovida "de qualquer base legal-contratual-fática", a Autora-apelada alegara que:
a) o contrato de locação entre as partes tinha natureza de pacto de com-pra e venda mercantil;
b) o contrato era de adesão;
c) as partes celebraram "adendo verbal" ao contrato de locação;
d) seu prazo era de 15 (quinze) dias para pagar pelos combustíveis e a Shell não poderia suspender tal prazo;
e) tinha direito à indenização por fundo de comércio, com contrato de locação celebrado por prazo indeterminado, sem regência pela Lei de Luvas;
f) tinha direito à indenização por danos à imagem e por lucros cessantes;
g) tinha direito à multa no valor de três aluguéis.
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Sustentou a Recorrente que a hipótese dos autos não comportava julgamento antecipado da lide, eis que, em vista da complexidade dos fatos, somente poderia haver decisão após regular produção de prova pericial, cuja
oportunidade denegou o juiz, incorrendo em manifesto abuso de autoridade e cerceamento de defesa.
Argüiu a nulidade da sentença, proferida por juiz suspeito e impedido, em relação a quem ainda tramitavam recursos especial e extraordiná
rio do acórdão relativo à exceção de suspeição. Da mesma forma, ainda em
trâmite junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso exceção de impedimento quanto ao mesmo magistrado, o processo deveria ter ficado suspenso (arts. 265, IH, e 306 do CPC) até sua decisão definitiva.
Asseverou ser imprescindível a realização de prova técnica e contraditória à sentença, na medida em que, proferida em julgamento antecipado, implicando o reconhecimento da não-necessidade de provas, afirmou serem elas necessárias e declarou que era a falta de provas que levava à condenação da Shell.
Indispensável a prova técnica, a sentença teria violado os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da legalidade. Ademais, absolutamente desfundamentada, sem elencar as razões de convencimento do magistrado, a decisão teria afrontado o disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Disse existir conexão/continência entre 7 (sete) demandas em curso na
Comarca de Belo Horizonte e a ação de rescisão contratual em trâmite perante a 8ll. Vara Cível do Mato Grosso, questão não examinada pelo Juízo a quo.
Alegou serem ineptas as iniciais, tanto da ação cautelar quanto da ação principal, por falta de causa de pedir, além da ausência de qualquer das condições da ação.
Aduziu ter sido a ação principal proposta fora do prazo legal, mais de trinta dias após a concessão da liminar na cautelar preparatória. Ademais,
concedida liminar satisfativa e sem nem mesmo caução idônea, nenhum prejuízo sofreu a Autora, o que inviabilizaria o manejo do pedido de indenização.
Argúi a nulidade também da sentença, por decidir, de uma só vez, os incidentes processuais autônomos de impugnação ao valor da causa, na ação principal e impugnação ao valor da causa na cautelar, e as ações cautelar e principal, que desafiam recursos distintos, insultando o princípio da unirrecorribilidade recursal.
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Impugnou os valores atribuídos à causa, em desrespeito aos critérios legais, e reputou nula a decisão que rejeitou os embargos declaratórios, eis que omissa e contraditória a sentença.
Acusou, igualmente, de nulidade, a decisão concessiva da liminar pleiteada, já que deferida antes mesmo da regular distribuição do feito, sem argumento hábil a justificá-lo.
Lembrou o conteúdo do parecer de Hum.berto Theodoro Júnior, que concluiu não ser de adesão o contrato de locação do posto de serviço firmado entre as partes, ser legal a cláusula eletiva do foro prevista no contrato, e ser o Juízo da 811. Vara Cível de Cuiabá incompetente para conhecer e julgar as demandas cautelar e indenizatória, inexistir abuso de direito ou prática de ato ilícito na supressão ou redução de prazos concedidos eventualmente ao locatário, e não ter a Autora-apelada direito a qualquer indenização, a título de perdas e danos, com base no contrato de locação e no relacionamento comercial entre as partes.
Requereu o provimento do recurso para ver reformada ou cassada a sentença-recorrida, com inversão dos ônus da sucumbência e condenação da Apelada por litigância de má-fé. Requereu, ainda, a manifestação expressa do Tribunal a respeito de todas as violações legais indicadas, de modo a se obter o prequestionamento, sob pena de omissão atacável por meio de embargos declaratórios.
A colenda Terceira Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça matogrossense, por maioria, negou provimento ao apelo da Empresa, em acórdão assim ementado, verbis:
"Ação de rescisão contratual cumulada com lucros cessantes. Multa, indenizações e danos à imagem. Preliminares rejeitadas. Agravo retido, conhecido e improvido. Comprovação de adendo contratual verbal entre as partes. Existência de concessão de prazos dilatados para pagamento de produtos. Inadimplemento pelo corte unilateral dos prazos pela Apelante. Recurso improvido. Mantença da decisão atacada.
As preliminares, ora confundindo-se com o mérito, ora não se mostrando eficazes, afastam a hipótese de serem julgadas procedentes.
Agravo retido conhecido e apreciado em preliminares.
Negado provimento em razão, principalmente, da regra contida no inciso 11 do art. 259 do CPC.
Na questão de fundo, o conjunto probatório dos autos revela a
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existência de adendo contratual verbal em relação à concessão de prazos dilatados para pagamento dos produtos adquiridos pela ora apelada
junto à Apelante, restando demonstrado o seu descumprimento em ra
zão do corte unilateral de tais prazos, causando desestabilização eco
nômico-financeira à Apelada. Nexo causal demonstrado.
Acertada a decisão de IlL instância que houve por bem rescindir
contrato entre as partes e condenar a Apelante ao pagamento de mul
ta, lucros cessantes, indenizações e danos à imagem."
Shell Brasil SI A opôs embargos de declaração, afirmando ter o v.
aresto embargado violado o art. 330, l, do Código de Processo Civil, e o
art. 511., LV, da Constituição Federal, já que vedado o julgamento antecipa
do da lide sempre que a produção da prova for essencial à exata composi
ção de controvérsia. Defendeu que a decisão impugnada deixou de reconhe
cer o desrespeito da sentença aos dispositivos legais indicados, não procedendo à indispensável indagação sobre os fatos reputados verdadeiros com
base em documentos insuficientes à prova, e deixou de conceder a neces
sária produção probatória, requerida em tempo hábil, além de não apreciar a questão do cerceamento de defesa, mormente quando o julgamento ante
cipado da lide.
Negado provimento aos embargos de declaração, foram opostos embar
gos infringentes e recursos especial e extraordinário.
N os embargos infringentes, a Shell Brasil SI A defendeu a posição do
voto-vencido, que afastara, de início, o ressarcimento por danos à imagem,
não demonstrado e, ainda assim, restara calculado em quantias que reputou
estratosféricas. Afastara a quantificação dos lucros cessantes, calculados com
base em conjecturas inadmissíveis para tão longo espaço de tempo. Ressal
tara a falta de amparo legal os cálculos para a indenização, destacando ain
da o exacerbamento da indenização pelo fundo de comércio, que, a rigor,
diz a ela pertencer o equívoco nos números considerados na sentença, e no
entendimento de que o aumento da litragem de combustível vendida impli
cara em valorização diretamente proporcional do fundo de comércio.
As Câmaras Cíveis Reunidas, por maioria de votos, deram parcial pro
vimento aos embargos infringentes, apenas para reduzir a verba fixada a tí
tulo de danos à imagem.
N ovos embargos de declaração foram opostos, ressaltando não terem
os ilustres julgadores levado em consideração o fato de que a indenização
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pleiteada seria paga à vista, enquanto o cálculo apresentado levava em con
sideração um lucro a ser auferido ao longo de 10 (dez) anos de vigência do
contrato. Os embargos foram rejeitados.
Foram interpostos dois recursos especiais pela Shell Brasil S/A, o pri
meiro relativamente à parte unânime do acórdão que julgou a apelação e
fundado nas alíneas a e c do art. 105, lU, da Constituição Federal (fls. 685
a 707), e o segundo relativo ao acórdão que julgou os embargos infringentes,
com fundamento da alínea a do permissivo constitucional (fls. 806 a 817).
No primeiro especial, a Recorrente re-historia a causa, afirmando
consubstanciar-se em "mais uma daquelas tentativas de se converter o pro
cesso judicial em instrumento de assalto aos cofres de uma empresa com
recursos", inclusive já tendo um outro posto, após a condenação, ajuizado
"contra ela, também em Cuiabá, ação de semelhante jaez, distribuída à 911
Vara Cível, mas processada pelo mesmo juiz da 811, por causa de enigmáti
ca declaração de suspeição do titular da 911", pedindo ressarcimento no va
lor de R$ 51.000.000,00 (cinqüenta e um milhões de reais).
Ressalta não incidir a vedação da Súmula n. 7 deste Superior Tribu
nal de Justiça, uma vez que "não se pretende alterar a moldura fática deste
processo, mas, sim, demonstrar que, nesta ação, a prova simplesmente não
existe, eis que se cerceou o direito de defesa da Shell de maneira ignomi
niosa, ao se julgar antecipadamente a lide numa causa em que a atividade
instrutória deveria ser a mais ampla possível".
Salienta incontestável o prequestionamento da matéria em exame.
Afirma a nulidade do acórdão dos embargos declaratórios, por
irrecusável ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil e ratifica ser
evidente o cerceamento de defesa, diante do julgamento antecipado da lide.
Colaciona julgados deste Superior Tribunal de Justiça e do Excelso
Pretório, reconhecendo como cerceamento de defesa o julgamento anteci
pado da lide sem a produção de prova essencial à devida composição da
controvérsia, em como aquele que se vale, precisamente, da falta de prova
das afirmações de uma das partes para julgar contra ela.
Enfatiza a violação ao art. 330, I, do CPC, que somente incide quan
do a questão de mérito, sendo de direito e de fato, não demandar a produ
ção de qualquer prova além daquelas apresentadas com a inicial e a con
testação.
Lembra que a própria Autora, ciente de que a determinação exata de
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 345
uma eventual responsabilidade da Shell por um suposto inadimplemento
contratual dependia de provas, pleiteara a sua produção, com o depoimento pessoal do representante legal da Ré, a oitiva de testemunhas, a juntada de documentos e a realização de perícias.
Ainda que, por absurdo, se considere que as notas fiscais juntadas pela
Autora-recorrida tinham o condão de comprovar uma alegada alteração de prazos para pagamento de mercadorias adquiridas pela Recorrida, jamais
teriam o condão de comprovar o ocasionamento do alegado prejuízo e, muito menos, sua quantificação, sendo relevantíssima a produção da prova ir
regularmente dispensada.
Diz encontrar-se a decisão em confronto com acórdão deste Superior Tribunal de Justiça, que "peremptoriamente declara nula a decisão que, violando o art. 330, I, do CPC, julgou antecipadamente a lide quando havia questões dependentes de prova, requeridas pelo Réu na contestação".
N o segundo especial, a Recorrente volta a manifestar sua irresignação com o exacerbado simplismo com que foi tratada a causa de valores vultosos e a requerer a pronta intervenção desta colenda Casa "para esmagar as tentativas de profanação do processo judicial, que o aviltam como instituto e desacreditam os que têm por mister operá-lo, já que permitir a consumação de tamanha ilegalidade consistirá em ato de manifesta cumplicidade".
Destaca a negativa de vigência ao art. 535, II, do Código de Proces
so Civil, eis que persistente omissão sobre questão relevante no tocante à
forma de pagamento da indenização, apontada nos embargos de declaração da Recorrente, e que não fora suprida sob a assertiva de que só seria neces
sário justificar o entendimento do órgão julgador, se houvesse adotado o
voto-vencido.
Acusa a negativa de vigência, pelo decisum impugnado, aos arts.
1.059 do Código Civil, e 330, I, do Código de Processo, na medida em que a indenização foi calculada a partir de parâmetros nitidamente hipotéticos,
sem qualquer base técnica e sem aplicar-se um deflator, e não se permitiu a produção das provas indispensáveis.
Contra-arrazoados os recursos (fls. 827 a 831 e 837 a 842), foram
inadmitidos por decisões do Desembargador Munir Feguri, ilustre Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, às fls. 858 a 865
e 866 a 871.
Interpostos agravos de instrumento para este egrégio Superior Tribunal de Justiça, foram providos pelo eminente Ministro Waldemar Zveiter,
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346 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que determinou o encaminhamento dos autos a esta egrégia Corte, para melhor exame.
É o relatório.
VOTO
o Sr. Ministro Castro Filho (Relator): Trata-se, em breve suma, de recursos especiais que impugnam decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, em ação objetivando rescisão contratual e indenização por danos morais e materiais (indenização do fundo de comércio, lucros cessantes e multas), em virtude de contratos de locação de um autoposto e serviços afins, julgada procedente em julgamento antecipado da lide, condenando a Shell Brasil S/A ao pagamento de indenização em montante que supera R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), além de honorários advocatícios fixados em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.
O Recorrente aponta violação aos arts. 330, I, e 535 do Código de Processo Civil, e 1.059 do Código Civil, além de divergência jurisprudencial.
As ações cautelar e ordinária foram ajuizadas alegando-se que, firmados contratos diversos envolvendo a locação de um autoposto, e reconhecida a ampliação dos negócios pela locatária, a locadora passou a conceder prazos mais amplos para pagamento dos combustíveis, prazos que, depois, passou a reduzir unilateralmente, inviabilizando o negócio, o que justificou o pedido de rescisão contratual cumulado com indenização pelo fundo de comércio, lucros cessantes, multa e danos à imagem.
A própria Autora, ora recorrida, a fim de demonstrar o suposto inadimplemento contratual da Ré, bem como a causalidade entre este e seus alegados prejuízos, requereu a produção de todas as provas em direito admitidas, em especial o depoimento pessoal do representante legal da Ré, a oitiva de testemunhas, cujo rol juntaria oportunamente, a juntada de documentos e a realização de perícias eventualmente necessárias (fl. 16).
Em extensa contestação (fls. 129 a 170), a Ré aduziu uma série de preliminares, pleiteando a extinção do feito sem julgamento do mérito, negou todas as afirmações da Autora, e requereu o uso de todos os meios de prova previstos no ordenamento jurídico pátrio, hábeis a demonstrar a absoluta inviabilidade das pretensões autorais, especialmente pelo depoimento pessoal dos representantes legais da Autora, e pelas provas testemunhal, documental e pericial.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 347
Foram, no entanto, com fundamento no art. 330, I, do Código de Processo Civil, e sob a consideração de que "as provas carreadas ao bôjo (sic) destes processos, por ambas as partes, já são suficientes para a prolação da sentença, com a necessária segurança" (fi. 391) e "quanto ao mérito da presente ação, esta circunscinge-se (sic), evidentemente, ao campo probatório", julgados antecipadamente procedentes os pedidos, tendo em vista que "os argumentos da Ré são contraditórios e carentes de elementos probatórios" (fi. 414), que "a Ré não trouxe ao bôjo (sic) dos presentes autos qualquer prova que ilidisse a pretensão da Autora, embora coubesse a ela comprovar os fatos modificativos ou extintivos do direito do autor" (fi. 415), que "as argumentações da Ré, para que merecessem guarida, teriam de restar induvidosamente comprovada nos autos, documentalmente, inclusive" (fi. 415), e que "as provas apresentada (sic) pela parte-autora não foi abalada (sic) pelos fracos elementos colacionados pela Ré, insuficiente para demonstrar suas alegações" (fi. 416).
A sentença fixou, desde logo, o quantum. indenizatório, considerando que, tendo sido pago pelo fundo de comércio o valor de R$ 158.063,00, acrescido da assunção de dívida assumida (10 x 7.019,95 = 70.199,50), e de despesas de manutenção no valor de R$ 23.683,14, tais valores deveriam ser somados e elevados proporcionalmente ao aumento da litragem de combustíveis vendida pelo posto nos poucos meses de funcionamento (ainda que tendo sido essa litragem combatida pela Ré), perfazendo indenização pelo fundo de comércio no valor de R$ 773.997,00.
Fixou indenização por danos à imagem da empresa locatária no mesmo valor da indenização pelo fundo de comércio, R$ 773.997,00, e determinou fossem pagos lucros cessantes pelo prazo de 10 (dez) anos, considerada a quantidade de litros de combustível vendida por mês e sua margem de lucro, estimado o lucro líquido mensal em R$ 12.578,30 e, assim, indenização por lucros cessantes no valor de R$ 1.509.396,00 (120 meses).
Ordenou, ainda, o pagamento de multa rescisória, no valor de R$ 18.900,00 (três meses de aluguel), totalizando a condenação em R$ 3.076.290,00, além de honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor referido.
Salvo quanto a uma pequena mudança no tocante à forma de cálculo da indenização por danos morais, fixando-os em 10% (dez por cento) sobre o valor dos lucros cessantes, eis que o posto só funcionou por menos de um ano, o Tribunal local manteve a sentença.
Questiona o Recorrente, a meu ver com razão, como pode ter sido julgada antecipadamente procedente uma ação sob o fundamento de que a
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parte-ré não apresentou provas suficientemente fortes, se não lhe foi dada oportunidade de produzir as provas que bem entendesse necessárias, oportunamente requeridas.
Não adentrando o exame dos fatos e provas, o que, em sede de recurso especial, é vedado pelo Enunciado Sumular n. 7 desta egrégia Corte, questiona-se: poderia um magistrado, baseado, tão-somente, em um contrato e notas fiscais, julgar ter havido causa suficiente à sua rescisão, inclusive com prejuízo daí decorrente e, ainda mais, quantificar tal prejuízo sem fazer uso das provas técnicas requeridas?
A mim, me parece que não.
O juiz só pode julgar antecipadamente a lide quando a questão de mérito for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de provas em audiência.
No caso, ambas as partes manifestaram-se pela realização de provas.
No entanto, o pleito da Ré não foi sequer apreciado pelo MM. julgador singular, que preferiu afirmar a fraqueza de suas provas já anexadas aos autos e julgar antecipadamente o feito em seu desfavor, condenando-a ao pagamento de indenização em valor que supera mais de treze vezes tudo o que o Autor despendeu para adquirir e exercer o direito de colocar em funcionamento o posto locado.
Assim, a meu sentir, o julgamento antecipado da lide, sem a produção de prova essencial, no mínimo à comprovação e delimitação dos prejuízos, configurou inequívoco cerceamento de defesa.
Conquanto esta Corte tenha posição firmada no sentido de que a avaliação da necessidade da produção de prova deve ficar, em princípio, ao prudente critério do juiz que aprecia os fatos, igualmente entende ser possível apreciar o tema, na via do especial, para afastar o cerceamento de defesa, que decorre da falta de oportunidade para demonstração da veracidade dos fatos alegados, quando nítida a violação à regra de igualdade entre as partes e de garantia de defesa.
Neste sentido, inúmeros os precedentes deste Tribunal:
"Julgamento antecipado. Cerceamento de defesa.
Hipótese em que a causa exigia a produção de provas.
Recurso conhecido e provido." - grifou-se. (REsp n. 220.002-BA, Quarta Turma, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 31.8.1999, DJ de 25.10.1999, p. 93).
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 349
"Processual Civil. Julgamento antecipado. Indeferimento de prova.
Cerceio de defesa. Nulidade.
1. O indeferimento de prova especial requerida pela parte, julgando-se antecipadamente a lide, caracteriza cerceamento de defesa. Preceden
tes deste Tribunal.
2. Recurso conhecido e provido para anular o processo, desde quando denegada a produção da prova requerida pelo autor." - grifou
-se. (REsp n. 69.393-SE, Segunda Turma, reI. Min. Peçanha Martins, j. em 12.12.1996, DJ de 23.6.1997, p. 93).
"Processual Civil. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de
defesa. Produção de provas. Devido processo legal. Ato de demissão. Reintegração em cargo público. Solicitação do processo administrativo.
Cabimento.
- O princípio do livre convencimento do juiz não pode atropelar o
princípio do devido processo legal, de dignidade constitucional, sendo descabido o desprezo da pretensão de se produzir prova requerida, tida como
necessária para a demonstração do fato constitutivo do direito postulado.
- Para a demonstração da ilegalidade do ato demissório, pressuposto para a reintegração funcional, é adequada e pertinente a requi
sição e exame do processo administrativo-disciplinar.
- Recurso especial conhecido e provido." - grifou-se. (REsp n. 201.794-RJ, Sexta Turma, reI. Min. Vicente Leal, j. em 25.5.1999, DJ de 14.6.1999, p. 236; JSTJ 9/456; RSTJ 122/474).
No mesmo sentido: REsp n. 232.443-MG, Primeira Turma, reI. Min.
Garcia Vieira, j. em 18.11.1999, DJ de 7.2.2000, p. 139, RJADACOAS 4/
137; REsp n. 230.308-RS, Quinta Turma, reI. Min. Felix Fischer, j. em
19.6.2001, DJ de 20.8.2001, p. 513; REsp n. 315.935-SP, Quinta Turma, reI.
Min. Felix Fischer, j. em 19.6.2001, DJ de 20.8.2001, p. 524: REsp n.
230.308-RS, Quinta Turma, reI. Min. Felix Fischer, j. em 19.6.2001, DJ de
20.8.2001, p. 513; REsp n. 13.407-ES, Quarta Turma, reI. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, j. em 31.10.1991, DJ de 2.12.1991, p. 17.544; REsp
n. 7.45 6-ES, Quarta Turma, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em
17.9.1991, DJ de 16.10.1991, p. 14.481.
Diante do exposto, conheço do primeiro recurso e dou-lhe provimento pa
ra, reconhecido o cerceamento do direito de defesa da Ré, anular o processo
desde a sentença, a fim de que se abra às partes oportunidade à produção
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
350 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
das provas por elas requeridas, ficando prejudicado o segundo, por falta de objeto.
É como voto.
VOTO
o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Sr. Presidente, meu convencimento é análogo ao do eminente Ministro-Relator.
Na verdade, ao julgar antecipadamente a lide, sem assegurar à parte a produção de provas oportunamente requeridas, necessárias ao julgamento da causa, o acórdão recorrido violou às claras o art. 330 do Código de Processo Civil.
Conheço do primeiro recurso especial e dou-lhe provimento, julgando prejudicado o segundo.
Relator:
Recorrente:
Advogado:
Recorrido:
Advogados:
RECURSO ESPECIAL N. 308.744 - ES (Registro n. 2001.0027338-6)
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Pisa Engenharia, Transportes e Montagem Ltda
Rodrigo Loureiro Martins
Condomínio do Edifício Ilha de Creta
Fernando Eisenwiener Tonon e outros
EMENTA: Responsabilidade civil - Responsabilidade da construtora por danos ocorridos em unidades e áreas comuns - Art. 128 do Código de Processo Civil - Artigos 159 e 1.245 do Código Civil -Procedimento sumário - Súmula n. 194 da Corte.
1. Correto é o procedimento sumário tratando-se de dano em prédio urbano, a teor do art. 275, 11, c), do Código de Processo Civil.
2. Não viola o art. 128 do Código de Processo Civil o julgado que considera o pedido de reparação de danos ocasionados pela construção, comprovada a responsabilidade do construtor, de acordo com a prova dos autos.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 351
3. A Súmula n. 194 da Corte ("Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra") está corretamente aplicada pelo acórdão recorrido. No caso, o acórdão recorrido, objetivamente, não contestou a afirmação da inicial de que houve reclamação logo após a entrega do prédio, fazendo o construtor reparos paliativos, não valendo como tal a assertiva de que poderia haver a responsabilidade mesmo em caso de aparecer defeito após o prazo de cinco anos, sendo certo que a prova produzida indica a culpa do construtor pelos danos sofridos.
4. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Castro Filho.
Brasília-DF, 6 de dezembro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.
Publicado no DI de 18.3.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Pisa Engenharia, Transportes e Montagem Ltda interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a) e c) do permissivo constitucional, contra acórdão da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, assim ementado:
"Processual Civil e Civil. Ação de ressarcimento por dano em prédio urbano. Procedimento sumaríssimo. Rito adequado. Agravo retido rejeitado. Sentença. Fundamentação congruente ao dispositivo. Dispositivo genérico. Pedido também genérico. Nulidades do ato sentencial. Inexistentes. Vícios estruturais como causa petendi. Prescrição
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
352 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e decadência. Inocorrência. Infiltrações decorrentes da construção. Dano e nexo causal demonstrados. Responsabilidade do construtor.
1. Sendo a demanda proveniente de dano em prédio urbano, correta foi a utilização do então procedimento sumaríssimo. Agravo retido rejeitado.
2. Não padece de nulidade a sentença que possui fundamentação baseada na prova dos autos e é congruente com a parte dispositiva, que por seu turno pode ser genérica, quando genérico for o pedido.
3. Inocorre prescrição ou decadência quando o pedido de indenização por vício estrutural foi formulado no prazo vintenário.
4. Restando comprovado que os danos estruturais do edifício decorreram da sua construção, o construtor é responsável pela indenização." (fl. 271).
Opostos embargos de declaração (fls. 285/286), negou-se provimento ao recurso (fls. 291 a 295).
Alega violação aos artigos 128 e 535, inciso 11, do Código de Processo Civil, ante a omissão do acórdão recorrido em apreciar todas as matérias postas pela Recorrente, mesmo com a oposição dos embargos de declaração. Afirma, também, que "se o pedido autoral tem fundamento no dever de 'garantia' do construtor, não é possível julgar a causa com fundamento em responsabilidade por violação contratual (v.g., culpa)" (fl. 303).
Sustenta ofensa ao artigo 275, inciso 11, alínea d), do Código de Processo Civil, na medida em que não subsiste a fundamentação do acórdão atacado de que o dano ao imóvel tenha sido causado por uma conduta culposa ou dolosa da ora recorrente.
Destaca que "o conceito de 'dano' (conseqüência de conduta ilícita) não se coaduna com o dever do fabricante ou construtor de garantir, pelo prazo previsto em lei, o funcionamento ou solidez do produto ou obra" ((fl. 302).
Aduz negativa de vigência ao artigo 1.245 do Código Civil, argumentando que a construtora responde pela segurança e solidez do imóvel pelo prazo de cinco anos após a entrega da obra, sendo que os defeitos que não forem apresentados ao construtor neste período não mais podem ser reclamados.
Diz, ainda, que somente foi notificada da existência dos alegados vícios construtivos nove anos após a entrega da referida obra e que a natureza das deteriorações no prédio não pode ser caracterizada como vícios estruturais.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 353
Contra-arrazoado (fls. 315/316), o recurso especial (fls. 298 a 313) foi admitido (fl. 323).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (Relator): O Condomínio-recorrido ingressa com ação de ressarcimento de danos alegando que diversas unidades e áreas comuns do prédio construído pela Empresa-ré apresentavam irregularidades de ordem estrutural, defeitos de construção; que solicitou vistoria da Caixa Econômica Federal, feita, concluindo que havia, de fato, vícios de construção; que o Condomínio, diante do silêncio da Ré, contratou a impermeabilização das floreiras, a recuperação da rede elétrica; pede a condenação da Ré, após a realização de prova pericial, ao pagamento dos prejuízos sofridos. A sentença julgou procedente o pedido, condenando a Ré a reparar os prejuízos apontados no especial, incluídos os reparados antecipadamente. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo afastou as preliminares e manteve a sentença. Entendeu correto o procedimento pelo art. 275, II, d), vigente à época, tratando-se de prédio urbano, rechaçou a decadência com apoio na Súmula n. 194 da Corte, afastou a alegação de nulidade da sentença, asserindo que não houve aplicação ao caso da confissão ficta, valendo-se o magistrado do conjunto probatório, e, ainda, que "no que atina à ausência de 'grau de certeza' da parte dispositiva, não há muito que se falar, porquanto, se o pedido foi genérico (fl. 9), não é dado ao julgador a possibilidade de realizar uma condenação específica. A certeza da sentença, quando o pedido é genérico, se adstringe ao campo da determinabilidade e não da determinação, que ficará relegada a momento próprio (liquidação)". No mérito, com base na prova pericial, afirmou que "os danos já existiam pela má construção, mas foram agravados pelas águas que escoam do prédio vizinho. Isto corrobora a denotação de que os vícios estruturais já existiam". Os embargos de declaração foram rejeitados.
Não entendo presente a violação ao art. 275, II, do Código de Processo Civil. Como destacou o acórdão recorrido, trata-se de indenizatória em prédio urbano, não havendo fundamento para a distinção entre o dever do fabricante ou construtor de garantir a solidez e a ação de reparação de danos. Na verdade, a ação é de responsabilidade civil com fundamento nos
danos causados pelos defeitos de construção, que afetaram a solidez e se
gurança do trabalho, nos precisos termos do art. 1.245 do Código Civil. No caso, tratando-se de prédio urbano, correta a aplicação do art. 275.
RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
354 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Também não enxergo violação aos artigos 128 e 535 do Código de Processo Civil. Primeiro, pretende a Empresa-ré que se o pedido tem fundamento no dever de garantia do construtor, não é possível julgar a causa com fundamento em responsabilidade por violação de contrato. Ora, na verdade, o pedido foi feito para o ressarcimento de danos ocasionados por irregularidades decorrentes da construção do edificio, devidamente apontados. A sentença salientou que a Ré alegou, apenas, que os problemas decorriam da falta de manutenção e conservação do prédio após a entrega, contribuindo ainda a construção de prédio vizinho, concluindo por afirmar, expressamente, que a "responsabilidade da Ré sobre os vícios de construção no Edifício Ilha de Creta, exsurge de forma cristalina, e, portanto, à luz do que estatui o art. 159 c.c. o art. 1.245 do CC, deve ser condenada". E, também, considerou que "todos os documentos trazidos à colação pela Autora, e não impugnados pela Ré conduzem neste sentido". E o acórdão recorrido sublinhou que a "prova produzida no processo, especialmente a pericial", não guarda as justificativas da Ré. Ora, o conteúdo da sentença e do acórdão não oferece cobertura para a alegada violação ao art. 128 do Código de Processo Civil. Merece lembrado precedente da Quarta Turma no sentido de que não existe julgamento extra petita "quando a parte procura imputar ao réu uma modalidade de culpa e o julgador, diante da prova dos autos, entende caracterizada outra" (REsp n. 233.446-RJ, relator o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 7.5.2001). Ou, ainda, um outro, do mesmo ilustre Relator, no sentido de que "o pedido é aquilo que se pretende com a instauração da demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógico-sistemática do afirmado na petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica 'dos pedidos'" (REsp n. 120.299-ES, DJ de 21.9.1998). O mesmo deve alcançar a apontada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. Na petição de embargos insiste a Ré em afirmar que o acórdão embargado não indica como poderia ter sido desafiada a pretensão sob o ângulo da culpa se não houve alegação para isso. Mas, o acórdão não foi omisso, enfrentando a questão posta demonstrando que o tema foi efetivamente desafiado no acórdão embargado.
Quanto ao art. 1.245 do Código Civil, afirma o especial que o construtor ou empreiteiro é responsável pela solidez e segurança do trabalho, durante cinco anos após a sua entrega, invocando lição de Caio Mário, terminando a garantia se a reclamação não é feita dentro do prazo. Tal matéria já está assentada na Corte com a Súmula n. 194: "Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra". Com a relatoria do Sr. Ministro Waldemar Zveiter, decidiu a Terceira Turma
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 355
que o "prazo qüinqüenal previsto no art. 1.245 do CC refere-se apenas à garantia de solidez da obra e à responsabilidade do empreiteiro pelo trabalho que tenha executado, não se reportando ao exercício da ação que essa garantia venha a se fundamentar. Este, a seu turno, é estabelecida pelo prazo prescricional comum de 20 anos" (REsp n. 161.351-SC, DJ de 3.11.1998; no mesmo sentido: REsp n. 47.476-SP, relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, DJ de 24.5.1999; REsp n. 210.237-SP, da minha relatoria, DJ de 17.12.1999). No caso, o exemplo oferecido pelo acórdão recorrido sobre o aparecimento de defeito posterior ao prazo de cinco anos, mas decorrente da construção, ou a afirmação de que a responsabilidade do construtor não está excluída após o decurso do prazo de cinco anos, podendo advir problemas após esse lapso temporal, "ainda em virtude da má construção da obra", não significa que não tenha havido a constatação dos defeitos no prazo de cinco anos, como pretende a Recorrente. O acórdão recorrido aplicou a Súmula n. 194 da Corte e concluiu, com a prova dos autos, pela responsabilidade do construtor porque os defeitos decorreram da construção. Anote-se, por outro lado, que o acórdão recorrido procurou acentuar ser irrelevante a referência ao art. 1.245 do Código Civil, entendendo provada a responsabilidade da construtora pelos danos ocorridos nas unidades e nas áreas comuns; no caso, teve por comprovada a culpa da construtora, daí a condenação.
Com essas razões, eu não conheço do especial.
RECURSO ESPECIAL N. 331.232 - PB (Registro n. 2001.0079694-0)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorridos:
Advogados:
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
BB Leasing SI A Arrendamento Mercantil
Luiz Antônio Borges Teixeira e outros
José Ricardo Porto e outros
José Ricardo Porto (em causa própria) e outros
Sustentação oral: José Ricardo Porto (pelo recorrido)
EMENTA: Ação rescisória - Agravo de instrumento - Alegação de decisão extra petita - Embargos de declaração: possibilidade de renovação - Honorários.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
356 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Não viola literal disposição de lei, ausente a configuração de
julgamento extra petita, a decisão que em agravo de instrumento
sobre o deferimento da medida liminar entende cabível a extinção
do processo, seja porque ausente a indicação da ação principal, seja
porque a ação escolhida foi imprópria, tendo havido recurso especial
contra tal decisão, não admitido, negado provimento ao agravo de
instrumento, confirmada a decisão em agravo regimental.
2. A renovação dos embargos, acolhidos com efeitos infringentes, tendo sido ouvida a embargada, é possível quando o tema foi indi
cado nos primeiros embargos, que provocaram a determinação da
Corte para que fosse juntado o voto-vencido, que detalhou a circuns
tância omitida no julgamento dos primeiros embargos.
3. Julgada improcedente a ação rescisória, não malfere qualquer
dispositivo de lei federal a condenação da vencida em percentual sobre o valor da causa.
4. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima
indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu
nal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs.
Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler vota
ram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra N ancy Andrighi.
Brasília-DF, 5 de março de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.
Publicado no DI de 22.4.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: BB Leasing S/A Ar
rendamento Mercantil interpõe recurso especial com fundamento nas alíneas
a) e c) do permissivo constitucional, contra acórdão do Pleno do Tribunal
de Justiça do Estado da Paraíba, assim ementado:
RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 357
"Ação rescisória. Pretensão de ver rescindido acórdão que extinguiu ação de busca e apreensão, por inidoneidade da lide para reaver
veículos em contrato de arrendamento mercantil. Preliminar de ilegi
timidade do litisconsorte passivo refutada. Procedência parcial, tão-so
mente, para reduzir os honorários fixados, quando da extinção do processo, à base de 1 % (um por cento) sobre o valor da causa.
- 'O litisconsórcio necessário tem lugar se a decisão da causa propende a acarretar obrigação direta para o terceiro, a prejudicá-lo ou a afetar seu direito subjetivo' (STF-RT 594/248). Assim, uma vez fixados honorários advocatícios - os quais pertencem ao advogado -, tem este direito autônomo para executar a sentença nesta parte.
- Cabível é a redução dos honorários advocatícios, em se tratando
de ação rescisória, quando em recurso de agravo os seus membros extinguem o processo, sem julgamento de mérito nas hipóteses relaciona
dos no art. 267 do Código, particularmente em casos de indeferimento da petição inicial, admitindo-se a fixação dos honorários em
percentual sobre o valor da causa, à força de apreciação eqüitativa, ainda que aquém do limite de 10%." (fl. 164).
Opostos embargos de declaração pelo Recorrente (fls. 173/174), foram rejeitados por não conter matéria elencada nos arts. 535 e seguintes do Có
digo de Processo Civil (fls. 209/210), e recebidos como simples petição, determinando "a remessa dos autos ao Ex. mo Des. Antônio Elias de
Queiroga, a fim de ser lavrado o voto-vencido, na forma do art. 197, § 3'\
do RI, observando-se, em seguida, a Coordenadoria Judiciária, a republicação do acórdão de fls. 164/168" (fl. 210).
Opostos embargos de declaração pelo Recorrido (fls. 217 a 222), foram acolhidos (fls. 234 a 241) "para excluir do acórdão embargado de fls.
164/168 a decisão que reduziu os honorários fixados quando da extinção do processo de busca e apreensão, no julgamento do agravo de instrumento pela Segunda Câmara Cível deste colendo Tribunal, à base de 1 % (um por cen
to) do valor da causa, por ser juridicamente impossível (art. 267, VI, CPC), permanecendo em 20% (vinte por cento), já que referida matéria fora objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, em que foi relator o Ministro Sálvio de Figueiredo, afrontando, pois, o art. 512 do CPC, fato
omitido no acórdão embargado, restando improcedente a rescisória" (fl. 241).
Novos embargos de declaração foram opostos pelo Recorrente (fls. 244 a 249), tendo sido rejeitados (fls. 265 a 268).
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
358 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sustenta o Recorrente que o acórdão recorrido, ao extinguir o processo de busca e apreensão, negou vigência aos artigos 131, 162, 166, 296, 460, 485, inciso V; 504, 513 e 522 do Código de Processo Civil, uma vez que alterou a causa de pedir, além de tornar juridicamente impossível a revisão por meio de recurso de apelação.
Aduz contrariedade ao artigo 295, inciso V, do Código de Processo Civil, haja vista que era possível a adequação ao procedimento legal, não podendo a petição inicial ser indeferida.
Alega violação ao art. 535, incisos I e 11, do Código de Processo Civil, porque o Tribunal a quo não "supriu as omissões suscitadas em embar
gos declaratórios, tocantes às violações aos artigos 20, § 4Q, e 131 do CPC;
93, IX, CF/1988, bem como não eliminou as contradições existentes no jul
gado atinente à incompetência do Tribunal a quo que reconheceu a sua incompetência absoluta e, no entanto, julgou o mérito da ação rescisória (fl. 279).
Argúi ofensa ao art. 20, § 4Q, do Código de Processo Civil, por ser o
dispositivo aplicável para o cálculo dos honorários advocatícios quando a ação é julgada improcedente.
Sustenta, ainda, afronta ao art. 21 do Código de Processo Civil, uma vez que está configurada nos autos a sucumbência recíproca, sendo indevida a condenação do Recorrente às custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa.
Aponta dissídio jurisprudencial com julgados desta Corte.
Contra-arrazoado (fls. 333 a 345), o recurso especial foi admitido (fls. 380/381).
Houve recurso extraordinário (fls. 318 a 326), inadmitido (fls. 382/ 383), tendo sido interposto agravo de instrumento contra esta decisão (fl. 390).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (Relator): A Empresa-recorrente ajuizou ação rescisória alegando o que se segue: a) em
4.9.1995 ajuizou ação cautelar preparatória de busca e apreensão, tendo obtido medida liminar; b) desta decisão houve agravo de instrumento, sendo o processo de busca e apreensão extinto, com a decisão embargada pelos
RST}, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 359
Agravantes, acolhida, então, a pretensão de haver honorários de 20% sobre o valor da causa, quantia equivalente a R$ 72.878,54, ora em fase de execução com o juízo já garantido; c) a decisão, porém, não pode prevalecer porque extra petita; d) pede a decretação da nulidade do acórdão proferido no agravo de instrumento e o novo julgamento do recurso "por ordem do art. 488, inc. I, do CPC".
O Tribunal de Justiça da Paraíba julgou a ação rescisória procedente, em parte, "para reduzir os honorários advocatícios a 1 % sobre o valor da
causa", por maioria, rejeitando, por unanimidade, a preliminar suscitada pelo litisconsorte, alcançando o direito autônomo de execução da parte relativa aos honorários. O Tribunal local entendeu "ser cabível em sede de agravo a extinção do processo, quando a ação escolhida for imprópria para a elucidação da demanda". Em embargos de declaração, o Recorrido alegou que em nenhum momento houve pedido de redução da verba honorária, requerendo, ainda, que fosse lavrado o voto divergente. Os embargos de declaração foram rejeitados, remetendo-se, porém, os autos para a lavratura do voto-vencido. Novos embargos de declaração foram oferecidos, desta feita para que fosse aclarada a questão, tendo em vista que os honorários fixados foram decididos e transitaram em julgado, até mesmo com decisão do
Superior Tribunal de Justiça, negando provimento ao agravo regimental interposto contra o despacho que negou provimento ao agravo de instrumento
interposto contra decisão que não admitiu o especial. O Tribunal local acolheu os embargos e julgou totalmente improcedente a ação rescisória, impondo os ônus da sucumbência ao Autor. Desta feita, a Empresa-recorrente ingressou com embargos de declaração, rejeitados.
Vejamos o especial pela letra a), de acordo com a ordem apresentada.
Alega violação ao art. 162 e seus parágrafos, do Código de Processo Civil "porque o acórdão profligado manteve a decisão extra petita,
prolatada em flagrante desacerto nos autos do agravo de instrumento mencionado". Não há suporte para tal alegação. O que o acórdão recorrido decidiu foi ser cabível em sede de agravo de instrumento a extinção do feito "quando a ação escolhida for imprópria para a elucidação da demanda". Veja-se o teor do acórdão rescindendo que considerou a ausência de indicação da ação principal a ser ajuizada, que pode levar, até mesmo, ao indeferimento da inicial, declarando, ainda, ser inidônea a ação para reaver os
veículos arrendados. Tal decisão foi embargada pelo Agravante e os embargos foram admitidos para a imposição de honorários e foi, ainda, atacado
por especial interposto pelo Banco, não admitido, sendo negado provimento
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
360 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ao agravo de instrumento e ao agravo regimental, com a relatoria do Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. A Quarta Turma decidiu que o "acórdão recorrido, ao prover o agravo e cassar a liminar concedida se arrimou em dois fundamentos distintos e suficientes, a saber: a) por não ter a Autora (ora agravante) indicado na ação preparatória qual a ação principal que seria ajuizada; b) por inexistir segurança ou plausibilidade de futuro deferimento da ação principal. A Recorrente, a seu turno, ainda que superficialmente, atacou apenas o primeiro, deixando incólume o segundo". Decidiu, ainda, o acórdão, sobre a questão dos honorários, que "possuindo o processo cautelar autonomia jurídica em relação ao principal, as partes, uma vez instaurada litigiosidade em torno da providência assecuratória requerida, ficam sujeitas às regras gerais de sucumbência (arts. 20 e 21, CPC), incumbindo ao juiz, ao decidir demanda preparatória ou incidente, dispor, relativamente a essa demanda, acerca da responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais respectivas e dos honorários advocatícios" (REsp n. 11.956-MG, DJ de 28.3.1994, de minha relatoria). Anote-se, ademais, que a Empresa-recorrente alega que ao declarar a extinção do processo, o Tribunal impediu que fosse interposto recurso de apelação para a revisão do julgado. Ora, a parte fez o que lhe competia, ou seja, diante de tal julgado interpôs o recurso especial para esta Corte, que, contudo, não foi admitido, barrado no patamar do agravo de instrumento com reforço colegiado em agravo regimental. Não há falar, portanto, em ter sido inviabilizado o duplo grau obrigatório de jurisdição, como pretendido, no ponto, pelo especial. Vê-se, portanto, que o fundamento para alegar violação ao art. 162 e seus parágrafos, está deficiente, não merecendo trânsito.
Alega violação ao art. 295, V, parte final, que se articula com o art. 250 do mesmo Código, porque "sendo possível a adaptação ao procedimento adequado, não poderia a petição inicial ser indeferida, como de fato o foi, determinando a extinção do processo, sem que se fizesse a adequação ao procedimento legal". Também aqui, a Empresa não pode colher favor legal. O Tribunal de origem não indeferiu a petição inicial, mas, sim, extinguiu o processo considerando que houve procedimento inadequado e porque não foi indicada a ação principal. E o acórdão da rescisória limitou-se a entender possível a extinção do processo em sede de agravo de instrumento, "quando a ação escolhida for imprópria para a elucidação da demanda". Ora, sob todas as luzes, tal julgado não guarda pertinência alguma com a alegada violação ao art. 295, V, do Código de Processo Civil.
Alega, ainda, violação ao art. 296 do Código de Processo Civil porque "tendo ocorrido a supressão da instância, o egrégio Tribunal a quo negou
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 361
a oportunidade de apelar da decisão, ferindo os princípios da ampla defesa e do contraditório, insculpidos na Constituição Federal (art. 5Q., LIV e LV)". Ora, nada tem a ver o acórdão rescindendo com o princípio da am
pla defesa, que não guarda compatibilidade nesta quadra recursal. A Empresa-recorrida exerceu o seu direito ao recurso especial para atacar o acórdão
rescindendo, sem, contudo, obter êxito. Qual a violação configurada ao art. 296? Nenhuma. Baldia, portanto, a alegação.
Em seguida, alega violação aos artigos 504 e 513 do Código de Processo Civil porque "pela dicção dos dispositivos aos despachos de mero expediente não cabem recurso e da sentença caberá apelação. Logo, o v. acórdão recorrido mantendo a decisão interlocutória proferida no agravo de
instrumento, decidiu extra petita porque extinguiu o processo, alterando a causa de pedir. De modo que referida decisão contrariou os dispositivos em comento porque cerceou o direito de defesa do Recorrente e tornou ju
ridicamente impossível reconsiderar a decisão interlocutória, através de apelação, quando o recurso cabível seria o agravo". É fácil constatar que a impugnação não tem amparo algum. É uma repetição inútil da impossibi
lidade da apelação para combater a decisão. Ora, tal já se demonstrou, não é correto. E não é porque da decisão que extinguiu o processo no agravo
interposto de decisão interlocutória a parte teria assegurado o seu direito a recorrer na via própria, como fez, de resto, sem, contudo, alcançar o su
cesso desejado. Os artigos apontados neste tópico não têm força para guardar o ataque feito com o objetivo de obter a rescisão do julgado. Não há cerceamento de defesa nenhum, nem, tampouco, o acórdão recorrido cuidou de atravessar a natureza do despacho que ensejou o recurso de agravo. É, por
tanto, absolutamente, despropositado o fundamento apresentado em torno dos artigos 504 e 513 do Código de Processo Civil.
Depois, a Empresa-recorrente visualiza ofensa ao art. 522 do Código de Processo Civil "porque o acórdão prolatado no agravo de instrumento
referido jamais poderia ter declarado a extinção do processo, principalmente
porque estava adstrito aos lindes da decisão interlocutória", isto é, em outras palavras, "restou malferido porque foram extrapolados os limites da
decisão interlocutória, na medida em que se alterou a causa de pedir, decidindo pela extinção do processo em sede de agravo, quando, no máximo,
o que poderia ocorrer seria a cassação da liminar". Ora, não é crível o ata
que feito. O art. 522 do Código de Processo Civil não veda o julgado que foi proferido, limitando-se a prescrever o recurso cabível das decisões inter
locutórias, como é o caso dos autos.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
362 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o ataque seguinte atinge o art. 460 do Código de Processo Civil, vio
lado "porque ao julgar extra petita, extinguindo o processo sem exame do
mérito, sem réstia de dúvida, laborou o douto julgador em supressão de ins
tância, cerceando o direito de defesa, eliminando o contraditório e a am
pla defesa, na instância a quo, princípios constitucionais assegurados ao
Recorrente para satisfação da tutela jurisdicional". Ora, com todo respeito,
não houve cerceamento de defesa algum, como já visto, simplesmente por
que o Tribunal julgou de acordo com o seu convencimento, fundamentan
do a decisão e ensejando o recurso cabível, que foi utilizado, embora sem
sucesso. Evidentemente, o art. 460 não foi violado pela decisão rescindenda
que apreciou a matéria relativa ao recurso sobre a liminar na ação de bus
ca e apreensão e considerou imprópria a ação cassando a liminar e extin
guindo, desde logo, o feito. A decisão pode estar até equivocada, mas, sem
dúvida, a meu sentir, ela não ofendeu a disciplina do art. 460 do Código de
Processo Civil. Anote-se que o acórdão rescindendo extinguiu o processo
porque entendeu que a ação de busca e apreensão é medida preparatória e
preventiva a exigir indicação da ação principal a ser ajuizada, invocando
diversos precedentes da Corte. Tal julgado poderia ser atacado, como foi,
pelo recurso especial. Mas, não se pode dizer que malfere o art. 460 men
cionado neste tópico.
Chega o especial, agora, ao art. 485 do Código de Processo Civil.
Depois de repetir a questão da nulidade do acórdão rescindendo pelo jul
gamento extra petita, o especial, quanto ao art. 485 raciocina como se se
gue: "Uma vez que o v. acórdão recorrido julgou improcedente a ação
rescisória, emprestando efeito infringente aos segundos embargos
declaratórios dos Recorridos, quando a matéria se encontrava preclusa, por
que não foi versada nos primeiros embargos, restaram violados a literalidade dos artigos 166, §§ p., 2.9., 3.9. e 4.9.; 460, 522, 504, 513, 295, V; 535, I e lI,
todos do CPC, impondo-se o provimento do presente recurso especial para
julgar procedente a ação rescisória, decretando-se a nulidade do acórdão
rescindendo proferido no Agravo de Instrumento n. 961.176-2, restauran
do-se o direito violado e a mais lídima Justiça".
Ora, uma coisa é a rescisão pedida, que impõe saber se o acórdão
rescindendo violou literal disposição de lei; outra coisa é saber se o acórdão
recorrido violou algum dispositivo de lei federal. Até aqui está demonstra
do que o acórdão rescindendo não violou literal disposição de lei. Vamos
examinar, então, se o acórdão recorrido violou as disposições apontadas pelo
especial.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 363
A decisão do Tribunal Pleno, por maioria, como já destacado supra, admitiu a extinção do processo em agravo de instrumento diante da ausência
de indicação da ação principal e da impropriedade da ação e considerou possível alterar a fixação da verba honorária, reduzindo-a a 1 % do valor da causa. Os embargos de declaração interpostos pelo Réu da rescisória foram rejeitados, embora tenha sido determinada a remessa dos autos para a lavratura do voto-vencido. Neste, o Desembargador Antônio Elias de Queiroga assinalou a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que impediu a passagem do especial, seja porque um dos fundamentos do acórdão rescindendo não foi atacado seja porque enfrentou a natureza autônoma do processo cautelar, admitindo que fica ele sujeito aos ditames da sucumbência. Anote-se, ainda, que o acórdão desta Corte esclareceu bem "que a questão de ter sido ou não proferido julgamento extra petita pelo colegiado de origem, quando do julgamento do agravo, não foi objeto de
irresignação, sabido ser vedado inovar no agravo do art. 544, CPC". No seu
voto-vencido, o Desembargador paraibano adiantou a questão da competência para o julgamento da ação rescisória, afirmando que a nossa Corte "vem reconhecendo a sua competência para julgar ação rescisória quando, 'negando provimento ao agravo, tenha o relator apreciado a questão federal controvertida. Princípio da Súmula n. 249 do STF (AR n. 311-0-MA, reI. Min. Nilson Naves, Segunda Seção, publicado em 18.9.1995)'. No caso em tela, o STJ, através da Quarta Turma (não foi um simples despacho) considerou legal a verba honorária questionada em sede de agravo regimental, diga-se de novo". Novos embargos de declaração foram interpostos pelo Réu e, desta feita, acolhidos por aplicação do art. 512 do Código de Processo Civil, julgando a rescisória totalmente improcedente. Os embargos de declaração da Empresa-recorrente foram rejeitados.
Ocorre que, de fato, na ação rescisória, como posto no voto-vencido,
que acabou sendo acatado em embargos de declaração, não se postulou a redução da verba honorária de 20% para 1 %, com o que não poderia neste campo ingressar a Corte, como afinal veio a ser reconhecido. E, ainda mais, esta Corte reconheceu a legitimidade da verba honorária fixada no acórdão rescindendo, sepultando a questão com o esgotamento da via recursal pró
pria. Daí, primeiro, não ser possível enfrentar a alegada violação ao art. 166, §§ I))., 2))., 3)). e 4))., porque o referido artigo não contém parágrafos e
refere-se, apenas, aos atos do escrivão ou do chefe de secretaria; segundo,
os artigos 460 e 522, no caso, não foram violados exatamente porque o Tri
bunal cuidou de espancar a decisão que extrapolava, de acordo com o próprio voto-vencido, o pedido contido na ação rescisória, e, ainda, porque
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
364 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
cuidou de desafiar o agravo de instrumento interposto, sem macular a disciplina própria; terceiro, o art. 504 do Código de Processo Civil não foi sequer desafiado pelo acórdão recorrido, sendo induvidoso que o despacho deferindo liminar não pode ser configurado como de mero expediente; quarto, o acórdão recorrido, sob todas as luzes, passou ao largo da contrariedade ao art. 295, V, do Código de Processo Civil, presente que o julgamento considerou que a ação escolhida foi imprópria, mantendo o acórdão rescindendo que considerou, também, a ausência de indicação da ação principal; finalmente, resta examinar se o acórdão recorrido violou o art. 535, I e lI, do Código de Processo Civil. Nos embargos de declaração, e foram três, o Tribunal local rejeitou o primeiro do réu na rescisória, mas mandou juntar a declaração de voto-vencido; acolheu o segundo recurso do mesmo réu, já capitulando diante do voto-vencido sobre a verba honorária, diante da omissão em considerar a decisão desta Corte que não conheceu do especial interposto contra o acórdão rescindendo, mantendo a condenação da verba honorária. Em tal situação, presente a omissão, e omissão flagrante, tendo havido chance para a intervenção da outra parte antes do julgamento dos embargos de declaração, é possível a concessão de efeitos infringentes, tal e qual fez o Tribunal local.
Finalmente, os embargos de declaração interpostos pela Empresa-recorrente, de fato, foram respondidos com claridade, não deixando marca de omissão ou contradição. A alegada violação ao art. 20, § 4>1., do Código de Processo Civil, igualmente, não colhe êxito. A menção à verba honorária, se referente ao acórdão rescindendo, não tem cabimento aqui, porque nada impede que seja feita a fixação, diante da extinção do processo, considerando o valor da causa, não havendo, no caso, violação ao dispositivo apontado; se referente ao acórdão recorrido, no campo do art. 21 do Código de Processo Civil, sem razão a Empresa-recorrente porque o julgamento do Tribunal de origem foi de improcedência da rescisória, não havendo espaço para a incidência do mencionado art. 21, nem, tampouco, aplicável o reclamo relativo ao § 4>1. do art. 20 do mesmo Código porque não há qualquer vedação legal para que seja imposta a verba honorária sobre o valor da causa em tal situação.
Em conclusão, pela letra a), não houve violação a literal disposição de lei, a justificar a procedência da ação rescisória, nem, muito menos, o acórdão recorrido padece das violações indicadas no especial.
Vejamos agora o especial pelo dissídio.
O primeiro paradigma que se encontra à fi. 283, tem a ementa e um trecho do voto do Relator, afastada, portanto, a referência ao Superior Tribunal
RST}, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 365
de Justiça, porque é de apelação cível com transcrição do voto do
Desembargador, que se vê da cópia de fls. 300/301 ser do Mato Grosso, e
cuida de decisão tomada em desconformidade com a petição inicial, o que,
sem dúvida, não é o caso dos autos.
O segundo paradigma, que se aponta como relator o Sr. Ministro
Cláudio Santos, e da ementa transcrita consta como relator o Sr. Ministro
Eduardo Ribeiro (fls. 284/285), mas, que, de fato, foi relatado pelo primeiro,
como está na cópia de fl. 294, desafia o princípio jura novit cuda, tratando
de benefício legal diverso do direito pleiteado.
O terceiro paradigma é da relatoria do Sr. Ministro Milton Pereira, e
o quarto, da relatoria do Sr. Ministro Demócrito Reinaldo, podem ser exa
minados em conjunto porque servem para o caso do art. 535 do Código de
Processo Civil. Nos paradigmas o que está indicado é que os segundos em
bargos de declaração somente podem versar omissões existentes nos primei
ros embargos, ou seja, se a alegada omissão não foi apresentada nos primei
ros, não há como ultrapassar a etapa para a renovação dos embargos. Mas,
neste caso, duas peculiaridades impedem a utilização dos paradigmas des
ta Corte. A primeira, é que a parte interessada teve a cautela de mencionar
a circunstância de já ter o Superior Tribunal de Justiça deliberado sobre a
legalidade dos honorários fixados; a segunda, é que somente com a
interposição dos primeiros embargos é que veio a juntada do voto-vencido
do Desembargador Antônio Elias de Queiroga, o qual, expressamente, cuidou da decisão desta Corte sobre os honorários de advogado.
Foi juntada, ainda, uma cópia de paradigma desta Corte, mas que não
se encontra no tópico do especial sobre a divergência. De todas as manei
ras, trata da incidência do § 4Q e não do § 3Q do art. 20 do Código de Pro
cesso Civil, em casos de extinção do processo sem julgamento do mérito,
que, como já vimos, não pode atingir este feito, diante do julgamento de
improcedência, valendo o antes demonstrado com relação ao especial no
tópico da letra a) do permissivo constitucional.
Em conclusão, eu não conheço do especial.
VOTO
O Sr. Ministro Castro Filho: Sr. Presidente, com ressalva à termino
logia, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator, não conhecendo do recurso especial.
RST}, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
366
Relatora:
Recorrente:
Advogados:
Recorridos:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 356.821 - RJ (Registro n. 2001.0132110-4)
Ministra Nancy Andrighi
Condomínio do Edifício Palacete São Gabriel
Alberto Moreira de Vasconcellos e outros
Luiz Gonzaga do Nascimento Filho (espólio) e outro
Representado por: Regina Maria Porto Carreiro Proença Pereira (inventariante)
Advogados:
Recorridos:
Advogado:
Ana Maria M. da Rocha e outro
Roberto Batalha Menescal e outros
Jorge Antônio Culuchi
EMENTA: Processual Civil - Civil - Recurso especial -Prequestionamento - Condomínio - Área comum - Utilização - Exclusividade - Circunstâncias concretas - Uso prolongado - Autorização dos condôminos - Condições físicas de acesso - Expectativa dos proprietários - Princípio da boa-fé objetiva.
O recurso especial carece de prequestionamento quando a questão federal suscitada não foi debatida no acórdão recorrido.
Diante das circunstâncias concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas unidades condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade comum, que há mais de 30 anos só eram utilizadas pelos moradores das referidas unidades, pois eram os únicos com acesso ao local, e estavam autorizados por assembléia condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do princípio da boa-fé objetiva.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora. Sustentou oralmente, o Dr. Alberto Vasconcellos, pelo recorrente.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
Brasília-DF, 23 de abril de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministra Nancy Andrighi, Relatora.
Publicado no DJ de 5.8.2002.
RELATÓRIO
367
Cuida-se de recurso especial interposto por Condomínio do Edifício Palacete São Gabriel, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em ação rescisória.
Em 31.10.1983, o Recorrente propôs ação reintegratória de posse em face dos proprietários das unidades condominiais n. 101 e 102, do Edifício Palacete São Gabriel. Narrou-se que o prédio de apartamentos, originalmente de exclusiva propriedade do INPS, hoje INSS, foi dividido idealmente em unidades, as quais foram paulatinamente vendidas, em 1968, formando-se um condomínio. Desde então, os proprietários dos apartamentos n. 101 e 102, utilizavam-se de uma área de 660m2
, localizada aos fundos das unidades, como se fizesse exclusivamente parte dessas. Em outubro de 1969, a primeira assembléia condominial decidiu que os proprietários das unidades 101 e 102 poderiam continuar utilizando o referido espaço, com exclusividade. Construíram-se, assim, benfeitorias na área de 660m2
, registradas em cartório. Todavia, em 1982 os demais condôminos realizaram convenção, na qual decidiram retomar a posse do bem. Porém, ao tentarem registrar a convenção, foram impedidos por conta do anterior registro das benfeitorias, feitas pelos Réus. Assim, requeriam a reintegração na posse da citada área de 660m2
•
O rito foi convertido em ordinário, e julgado procedente o pedido. Contra a sentença, apelaram os Réus, tendo sido provido o apelo, para julgar improcedente o pedido, sob o fundamento de que, desde a construção do edifício, a área controvertida servia exclusivamente aos apartamentos 101 e 102, para ventilação e iluminação, pela própria arquitetura do prédio. Assim, ainda que fosse área comum, o direito de uso cabia exclusivamente aos Réus e não podia ter sido retirado, depois de longos anos em que constituído, por simples decisão de assembléia condominial. O acórdão transitou em julgado em 27.8.1997.
Em abril de 1998, o Condomínio, ora recorrente, ajuizou ação rescisória, objetivando desconstituir o mencionado aresto, com base em violação de disposição legal (arts. 3.20 da Lei n. 4.591/1964, 530, I; 676 e 856, I, do CC)
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
368 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e erro de fato, pois as provas indicavam, em suma, que: a) a área de 660m2,
situada aos fundos dos apartamentos 101 e 102, sempre fora de uso comum, e servia como iluminação e ventilação de várias unidades, sendo utilizadas de má-fé, pelos condôminos dos citados apartamentos, como se fosse área exclusiva; b) a assembléia realizada em 1969 nada mais fez que atribuir a utilização, a título precário, do espaço controvertido, aos moradores das unidades 101 e 102.
O pedido foi julgado improcedente pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, porque corretamente aplicado o art. 311. da Lei n. 4.591/1964.
Daí o presente recurso especial, no qual se alega:
I - ofensa ao art. 311. da Lei n. 4.591/1964 e dissídio jurisprudencial, ao se entender que tal norma permite a utilização exclusiva, por um dos condôminos, de área de propriedade comum;
11 - violação aos arts. 530, I; 676 e 856, I, do CC, porque considerou-se válido o registro em cartório das benfeitorias feitas pelos proprietários das unidades 101 e 102;
111 - afronta ao art. 485, IX, do CPC, porque houve erro de fato no acórdão rescindendo.
As contra-razões foram juntadas às fls. 331/332 e 334/339.
É o relatório.
VOTO
I - Do prequestionamento
As matérias versadas nos arts. 485, IX, do CPC (erro de fato), e 530, I; 676 e 856, I, do CC (registro das benfeitorias) não foram debatidas no acórdão recorrido, restando ausente o prequestionamento.
Aplicam-se, assim, as Súmulas n. 282 e 356-STF.
11 - Da ofensa ao art. 311. da Lei n. 4.591/1964, e dissídio jurisprudencial
A questão relativa à violação ao art. 3.Q. da Lei n. 4.591 está prequestionada e o alegado dissídio jurisprudencial restou demonstrado.
O ponto controvertido resume-se a saber se apenas um ou alguns dos condôminos podem utilizar área comum, de forma exclusiva.
A situação fática está delineada no acórdão recorrido, e deve ser a premissa para a análise do recurso especial (Súmula n. 7-STJ), in verbis:
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 369
"O laudo pericial de fl. 122, em resposta aos quesitos 4ll. e 5ll. do Juízo, informa que a área está fisicamente ligada aos apartamentos 101 e 102, dos Réus, não tendo qualquer entrada independente.
Trata-se, assim, de uma parte remanescente do terreno que ficou encravada e cujo acesso é hoje exclusivo dos moradores dos apartamentos dos Réus.
Verifica-se, ainda, que a posse direta foi exercida pelos Réus e seus sucessores desde a promessa de venda feita então pelo INSS por contrato particular datado de 4.10.1986 e re-ratificado em 20.3.1969.
O próprio Condomínio-autor, em 1969, através de assembléia geral reconheceu essa situação fática e concedeu autorização provisória aos moradores das unidades 101 e 102, como constou da respectiva ata (fls. 3 e 103).
Durante os trinta anos de posse exclusiva, os Réus lograram averbar no RGI as benfeitorias que realizaram, isso em 1977, como admitido à fl. 5 e comprovado pelas certidões de fls. 53, 74 e 123.
Em se tratando de ação originária de caráter possessório, seria condição sine qua non para se obter a proteção, que o Autor tivesse efetivamente exercido a posse, circunstância inexistente no caso presente, além de absolutamente incomprovada nos autos. Na realidade, o Condomínio nunca teve a posse da referida área e até por impossibilidade material não teve condições de exercê-la. Essa situação foi reconhecida pelo próprio laudo pericial, à fl. 123.
Diante da situação plenamente consolidada, não poderia a assembléia geral de condôminos prejudicar os direitos dos proprietários das unidades 101 e 102 ao gerar direitos retroativos sobre situações fáticas estabelecidas ao longo de décadas.
( ... )" (fls. 296/297).
O Tribunal de origem concluiu, ainda, com base em ensinamentos doutrinários, que o art. 3ll. da Lei n. 4.591, não impede que determinada área, de propriedade comum, seja utilizada com exclusividade por um ou alguns condôminos, não só porque há impossibilidade física de uso pelos demais, como por autorização em assembléia, que é o presente caso.
De fato, esta Corte já decidiu que, em determinados casos, nos quais os proprietários de apartamentos façam uso exclusivo de área considerada comum, a situação deve ser mantida, pelo princípio da boa-fé objetiva, segundo
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370 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
explica o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em voto proferido no REsp n. 214.680-SP:
"Essa situação excepcional e característica daquele prédio é que levou os Réus a usarem a área com exclusividade, com a plena con
cordância dos demais condôminos, os quais ratificaram tal estado de coisas em assembléia, assim permanecendo por trinta anos. As condições do prédio eram tais que nunca houve qualquer reclamação; antes, o expresso consentimento. A situação poderia ser modificada se demonstrada a alteração das circunstâncias, surgindo razão ponderável de
interesse comum a justificar a retomada da área para a sua destinação inicial, que desaparecera desde a unificação das unidades habitacionais.
A única solução justa recomendada para o caso é a manutenção do statu quo.
Para isso pode ser invocada a figura da suppressio, fundada na
boa-fé objetiva, a inibir providências que já poderiam ter sido adotadas há anos e não o foram, criando a expectativa, justificada pelas circunstâncias, de que o direito que lhes correspondia não mais seria exigido. A suppressio tem sido considerada com predominância como hipótese de exercício inadmissível do direito (Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, 11, 810) e pode bem ser aplicada neste caso, pois houve o prolongado comportamento dos titulares, como se não tivessem o direito ou não mais quisessem exercê-lo; os condôminos ora réus confiaram na permanência desta situação pelas fundamentadas razões já explicadas; a vantagem da Autora ou do Condomínio, que ela
diz defender, seria nenhuma, e o prejuízo dos Réus, considerável. Penso que, no caso, se pode fazer boa aplicação do princípio."
Transpondo-se a lição para o presente recurso, tem-se que os proprietários dos apartamentos 101 e 102 utilizam, com exclusividade, a área de 660m2, localizada ao fundo, e somente eles têm acesso ao referido espaço, situação que advém desde a constituição do Condomínio, há mais de 30 anos. Os próprios condôminos concordaram em permitir o uso exclusivo da área de 660m2, "temporariamente", através de assembléia realizada em 1969.
Porém, a utilização se perpetuou até 1982, quando por nova assembléia re
solveu-se retomar o uso da área.
É possível, assim, concluir que os condôminos das unidades 101 e 102 licitamente esperavam a permanência da situação de uso da área situada aos
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 371
fundos, tanto que até realizaram ali benfeitorias, e que tal expectativa estava alimentada pela decisão da assembléia condominial, perdurando por mais de dez anos, sem qualquer problema.
Por outro lado, nenhum motivo foi alegado, na reintegratória de posse ou na ação rescisória, para que o Condomínio desejasse retomar o uso da área controvertida. Apenas o acórdão rescindendo, à fi. 171, assinalou que se pretendia utilizar o referido local para construção de um estacionamento, fato que não se caracteriza como "razão ponderável" para se alterar uma situação há longos anos consolidada.
Ademais, como assinalou o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no REsp n. 254.095-RJ, em que se analisou situação análoga, a par da regra do art. 3ll. da Lei n. 4.591/1964 "que, na sua parte final, comanda que serão 'inacessíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino as dependências de uso comum dos proprietários', ( ... )", o mesmo diploma
legal determina "que a convenção de condomínio estabelecesse 'o modo de usar as coisas a serviços comuns' ( ... )".
Portanto, os condôminos podiam decidir, como decidiram em assembléia, que parte do total da área comum ficasse sob utilização exclusiva de um ou alguns condôminos, conferindo legitimidade às expectativas dos proprietários das unidades 1 O 1 e 102, as quais se fortaleceram pelo decurso do tempo.
Por fim, é oportuno mencionar a consideração feita pelo eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no apontado precedente, in verbis:
"O especial não pode vencer o plano dos fatos, nem o direito pode ultrapassar a realidade da vida. Se a própria lei prescreve que os condôminos podem estabelecer o modo de utilização da coisa comum, se, no caso, a situação física da área em litígio confina o acesso pelos apartamentos dos 1ll. e 2ll. réus, sendo contígua às varandas, ademais de envolver perigo de acidente outra forma de utilização, não há como enxergar a pretendida violação ao art. 3ll. da Lei n. 4.591/1964."
Portanto, está correto o aresto vergastado, uma vez que o princípio da boa-fé objetiva tempera a regra do art. 3ll. da Lei n. 4.591/1964 e recomenda que não se permita a retomada da área utilizada pelos ora recorridos.
Forte em tais razões, conheço parcialmente do recurso especial, e, nessa parte, nego-lhe provimento.
É o voto.
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372 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
o Sr. Ministro Castro Filho: Sr. Presidente, após os elucidativos re
latório e voto da ilustre Ministra-Relatora, não há como deixar de acom
panhar o voto de S. Ex.". Estou convencido acerca de seu entendimento.
Conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe pro
vimento.
VOTO
O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Sr. Presidente, não obstante
a brilhante sustentação produzida pelo ilustre advogado, não vejo, realmente,
como alterar a decisão do Tribunal a quo, bastando, a meu ver, com rela
ção à substância da questão, que se trata de ação de reintegração de posse
e que as instâncias ordinárias decidiram que o Condomínio nunca teve a
posse. Por aí já se deduz que jamais poderia ser acolhida esta ação. Afora
isso, no que diz respeito às questões jurídicas propriamente ditas que, aqui,
foram deduzidas, a ilustre Ministra-Relatora bem as examinou, à vista da
orientação traçada pelos precedentes deste Tribunal.
Com essas breves observações, acompanho a ilustre Ministra-Relatora,
conhecendo parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negando-lhe
provimento.
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: Srs. Ministros, acompanho o voto da
eminente Ministra-Relatora apenas pelo aspecto enfatizado pelo Sr. Ministro
Antônio de Pádua Ribeiro. Na primeira assembléia condominial - anterior
mente, não havia condomínio, e o prédio era do INSS -, atribuiu-se a es
ses dois condôminos a posse exclusiva do terreno adjacente de 610m2; quer
dizer, como o Condomínio nunca teve posse, não poderia pleiteá-la. Quanto
ao mais, meu ponto de vista é o seguinte: uma autorização precária da as
sembléia geral não é meio hábil para transferir a propriedade. Em
usucapião, não se pode falar, porque eles estão ali em nome do Condomí
nio. De modo que, se a ação fosse diversa, o resultado poderia ser outro.
Conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe pro
vimento.
RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 363.939 - MG (Registro n. 2001.0117474-5)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Roberto Soares de Souza Lima
Advogados: Danilo Fernandes Rocha e outro
Recorrida: Fiat Automóveis SI A
Advogados: Daniel Ribeiro Pettersen e outros
373
EMENTA: Consumidor - Recurso especial - Publicidade - Oferta - Princípio da vinculação - Obrigação do fornecedor.
- O CDC dispõe que toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a pro
dutos e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficiente
mente precisa e efetivamente conhecida pelos consumidores a que
é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado.
- Constatado pelo egrégio Tribunal a quo que o fornecedor, através de publicidade amplamente divulgada, garantiu a entrega de veí
culo objeto de contrato de compra e venda firmado entre o consumidor e uma de suas concessionárias, submete-se ao cumprimento da obrigação nos termos da oferta apresentada.
- Diante da declaração de falência da concessionária, a responsabilidade pela informação ou publicidade divulgada recai integralmente sobre a empresa fornecedora.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer, em parte, do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Minis
tra-Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Sustentou, oralmente, a Dra. Sara de Sousa Coutinho, pelo recorrido.
Brasília-DF, 4 de junho de 2002 (data do julgamento).
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
374 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministra Nancy Andrighi, Relatora.
Publicado no DI de 1.7.2002.
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial, interposto por Roberto Soares de Souza Lima, contra acórdão exarado pelo egrégio Tribunal de Alçada de Minas Gerais.
O ora recorrente propôs ação de conhecimento sob o rito ordinário em face de Fiat Automóveis S/A. Sustentou que firmou contrato de compra e venda de veículo pelo sistema denominado "Palio On Line" com a Concessionária Scala Veículos S/A, representante da Recorrida em Bom Despacho-MG.
Comprometeu-se ao pagamento de 20% do valor do bem a título de reserva, ao mesmo tempo que a Concessionária-contratante se obrigou a entregar o veículo em dois meses da data de assinatura do contrato, ocasião em que os 80% restantes do preço, inclusive despesas e acréscimos relativos ao negócio, deveriam ser pagos pelo Recorrente.
Ocorreu que, na data aprazada, o veículo não fora entregue pela Concessionária, embora o Requerente, segundo afirmou, houvesse quitado a to
talidade do saldo devedor, mediante o pagamento de parcelas mensais, das quais juntou os respectivos comprovantes (fls. 16/21). A sua situação restou ainda mais agravada com a declaração de falência da concessionária com a qual havia celebrado o contrato.
Nos termos da oferta publicitária amplamente divulgada (fls. 58/60), a fornecedora Fiat S/A, ora recorrida, garantira a entrega do bem. Assim sendo, com lastro nos arts. 30, 34 e 35 do CDC, pugnou pela sua condenação ao cumprimento da obrigação, ainda que na condição de solidária à
Concessionária, e nos termos da peça informativa a que teve acesso, e em razão da qual firmara o contrato. Alternativamente, pugnou pela rescisão do
contrato e restituição da quantia antecipada com a devida atualização monetária.
O douto Juízo a quo julgou o pedido procedente para condenar a Recorrida ao cumprimento da obrigação concretizada no contrato de reserva
de veículo firmado entre as partes, determinando que fosse entregue ao
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 375
Recorrente o veículo, devendo ele, contudo, arcar com o pagamento dos va
lores previstos na avença, ainda não pagos, a título de quitação integral do contrato.
Inconformadas, as partes recorreram ao egrégio Tribunal a quo. Ao
recurso interposto pela Recorrida foi dado provimento, por maioria, para
julgar improcedentes os pedidos contidos na inicial, e prejudicado o recurso interposto pelo Recorrente, nos termos da ementa infra:
"Contrato de reserva on line de veículo. Falência da concessionária. Inadimplemento do contrato. Inexistência de obrigação solidária por parte do fabricante.
Não logrando a parte fazer prova de ser a concessionária preposta
ou representante da fábrica de veículos, não há que se falar em responsabilidade desta por contrato com aquela firmado.
A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes (art. 896 do CC)."
Aproveitando-se da não-unanimidade de julgamento, o Recorrente in
terpôs embargos infringentes, que foram rejeitados por maioria, nos termos da ementa abaixo:
"Embargos infringentes. Contrato com reserva de veículo. Con
cessionária e fábrica. Solidariedade. Ausência.
Ausente a prova de que seja a concessionária preposta ou repre
sentante da fábrica respectiva, não se há que falar na solidariedade desta
pelo contrato firmado entre aquela e o autor, diante da falta de pre
sunção a respeito.
Recurso rejeitado."
Irresignado, o Recorrente interpôs recurso especial, com fulcro no art. 105, inc. 111, alínea a, da Constituição Federal, sob a alegação de ofensa aos
arts. 6Q, VIII; 30, 34 e 35 do CDC.
Afirmou que a conclusão do acórdão contém manifesto erro de direi
to ao deixar de reconhecer a solidariedade existente entre a fornecedora,
então recorrida, e a Concessionária, bem como que não seria dele o ônus
de provar qual seria a relação jurídica estabelecida entre ambas para verificação da solidariedade. Tal incumbência seria da Recorrida.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
376 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sustenta que, independentemente da forma característica da relação co
mercial entre as duas empresas, a Recorrida se obrigou à entrega do veículo
objeto do contrato, por meio da publicidade que divulgara.
É o relatório.
VOTO
O presente recurso especial merece conhecimento, porquanto presen
tes todos os requisitos indispensáveis a sua admissibilidade.
A questão posta a desate pelo Recorrente consiste em aferir a respon
sabilidade da Fiat Automóveis S/A pelo inadimplemento do contrato de
compra e venda de veículo firmado entre o Recorrente e uma de suas con
cessionárias.
A Recorrida, mediante ampla divulgação publicitária (fls. 58/60), le
vou ao conhecimento de todos os consumidores informações acerca da venda
de veículos Palio pelo sistema on line.
De acordo com a peça publicitária veiculada, garantiu a entrega do
automóvel que viesse a ser adquirido, por tal sistema, nos termos da cláu
sula V.I.I. do contrato de reserva de veículo firmado com a concessionária
(fls. 10/14), do qual faz parte integrante, segundo a cláusula IX.l, o Regu
lamento do Programa "Palio On Line" às fls. 39/43, que na cláusula quin
ta, § 1 Q, possui estipulação no mesmo sentido.
No caso, despicienda se faz qualquer discussão acerca da solidarieda
de existente entre o fornecedor e seus prepostos ou representantes para o
fim de responsabilização, nos termos do art. 34 do CDC.
A responsabilidade da Recorrida há de ser constatada diante das prá
ticas comerciais que utilizara para promover a venda de seu produto. Acres
cente-se que, no caso dos autos, tal responsabilidade deve se dar de forma integral, diante da declaração de falência da concessionária com a qual o
Recorrente assinou o contrato.
As práticas comerciais abrangem as técnicas e métodos utilizados pe
los fornecedores para fomentar a comercialização dos produtos e serviços
destinados ao consumidor. Acabam, pois, por alimentar a sociedade de con
sumo. Entre essas encontra-se o marketing, que além dos mecanismos de
incentivo às vendas (liquidações, promoções, descontos, cupons, ofertas com
binadas, etc.), compreende também a publicidade.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 377
Na medida em que, na sociedade de consumo, as relações jurídicas travadas ascendem do nível pessoal ao social, inserindo em seu contexto interesses comuns, se tornou imperiosa a intervenção do Estado nessas relações, de modo a compatibilizar o exercício do marketing pelo fornecedor com a defesa do consumidor.
A publicidade realizada pelo fornecedor tem o objetivo de divulgar seus produtos e/ou serviços e ofertá-los aos consumidores. A oferta, nesse caso, difere da oferta a que faz alusão o art. 1.080 do CC. Porquanto destinada à sociedade de consumo, fez-se necessário atribuir à publicidade certo valor contratual, ainda que não fosse instrumento do contrato e tivesse mero conteúdo indicativo.
Atento à possibilidade de que a veiculação desvirtuada da publicidade viesse a prejudicar os consumidores, o legislador assegurou a tutela da sociedade de consumo através do preceito legal insculpido no art. 30 do CDC, verbis:
"Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."
Trata-se do princípio da vinculação, um dos princípios informadores do marketing, que se aplica não somente à oferta, mas, também, à publicidade. Segundo o escólio de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 1995, pp. 176/177).
"dois requisitos básicos devem estar presentes para que o princípio atue. Em primeiro lugar, inexistirá vinculação se não houver 'exposição'. Uma simples proposta que, mesmo colocada no papel, não chegue ao conhecimento do consumidor, não obriga o fornecedor. Em segundo lugar, a oferta (informação ou publicidade) deve ser suficientemente precisa, isto é, o simples exagero (puffing) não obriga o fornecedor.
( ... )
A vinculação age de duas maneiras: obrigando o fornecedor mesmo quando ele se nega a contratar ou, diferentemente, introduzindo-se em contrato eventualmente assinado."
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378 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No caso sub examine, o egrégio Tribunal a quo reconhecera a declaração da Recorrida no sentido de garantir a entrega do veículo, independentemente de qualquer fato atinente às relações jurídicas operadas entre os consumidores e suas concessionárias, o que se infere pela análise dos seguintes excertos do v. acórdão recorrido:
"De fato, incontroverso é o fato de que a propaganda veiculada pela Ré afirmava que a entrega do veículo era garantida pela fábrica, sob pena de multa moratória, o que, aliás, é previsto pela cláusula sétima do Regulamento do Programa Palio 'On Line', pela qual a Fiat Automóveis S/A 'declara que o veículo será entregue pelo concessionário contra o pagamento do saldo do preço'." CP. 122).
"Pelo que se depreende dos autos, pretendeu o Recorrente atribuir a responsabilidade solidária à Fiat Automóveis S/A, ora recorrida, pelo contrato que firmou com a empresa Scala Veículos Ltda, para entrega do veículo identificado na inicial, mediante o pagamento de um sinal, que teria resultado da publicidade veiculada pela mesma no sistema de vendas on tine, em que garante a entrega dos veículos, vendidos pelas suas concessionárias, nesta modalidade de negócio juridi
co." CP. 162).
Verifica-se, pois, que a oferta foi suficientemente precisa, sem qualquer exagero ou absurdidade, e chegou ao conhecimento do Recorrente que, seguro da garantia de entrega do veículo pela própria Recorrida, firmou contrato de compra e venda com uma de suas concessionárias.
Dada a força vinculativa da oferta divulgada pela Recorrida, aplica-se ao caso em análise o art. 35, I ou UI, do CDC, nos termos dos pedidos sucessivos formulados pelo Recorrente na petição inicial Cfls. 617).
Contudo, também restou decidido pelo egrégio Tribunal a quo que o Recorrido não procedera à completa quitação do valor do contrato para que tivesse direito ao recebimento do veículo. Confira-se:
"Por outro lado, ao contrário do que quer fazer crer o Autor, não há, também, prova de que tenha ele quitado o preço avençado entre as partes contratantes.
Os documentos de fls. 16/21-TA não têm o condão de dar a quitação do preço por ele pretendida. Vários são os defeitos desses do
cumentos.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 379
Primeiramente, verifica-se que, não obstante o contrato sub examine ter sido firmado aos 11.7.1997, vários recibos têm data de vencimento anterior, começando em 25.3.1996. Portanto, nenhum recibo anterior ao negócio jurídico sub judice tem a eficácia que lhe pretende imprimir o autor.
Mesmo que todos os recibos fossem posteriores ao contrato analisado, ainda assim não poderiam surtir efeito em relação a ele, pois, da forma como trazidos aos autos, não guardam qualquer prova de relação com o negócio jurídico, o que deveria ser explícito, haja vista que a forma de pagamento pactuado não fora aquela alegada pelo Autor.
Ademais, muitos desses recibos sequer apresentam autenticação mecânica comprobatória do pagamento do valor nele contido, o que invalida totalmente a sua eficácia. (sic).
Por fim, até mesmo o cheque de fi. 21-TA não serve para demonstrar o pagamento alegado, pois não há prova de que ele tenha-se revertido em favor da concessionária (observe-se que apenas o verso foi apresentado, não existindo qualquer prova de sua apresentação ou compensação).
Portanto, em relação ao preço há, tão-somente, quitação em relação aos 20% do sinal, dada no próprio instrumento contratual."
De fato, o contrato firmado entre as partes previu que o restante do preço, inclusive os custos decorrentes de transporte, seguro e eventuais acréscimos, seria pago até o dia seguinte ao da confirmação da chegada do veículo no estabelecimento da concessionária, o que seria comunicado ao cliente por telegrama (cláusula IV.2 do contrato às fls. 10/14 e cláusula quarta do Regulamento do Programa Palio "On Line" às fls. 39/43). Não há notícia nos autos que tal comunicação tenha se efetivado.
Posta a situação nesses termos, ainda que a Recorrida deva submeter-se ao cumprimento forçado da obrigação, em virtude de publicidade pela qual garantiu a entrega do veículo, o Recorrente deve efetuar o pagamento do saldo devedor do contrato para que tenha direito ao recebimento do bem objeto da avença.
Na petição inicial, o Recorrente formulou pedido de cumprimento forçado da obrigação, nos termos da publicidade de oferta e, sucessivamente e de forma subsidiária, pedido de rescisão do contrato, com direito à restituição do preço pago e perdas e danos. Constatada a vinculação da Recorrida à entrega do veículo, impõe-se a procedência do primeiro.
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380 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Forte em tais razões, conheço do presente recurso especial pela alínea a do permissivo constitucional, e dou-lhe provimento, para julgar parcialmente procedente o pedido de cumprimento forçado da obrigação formulado pelo Recorrente, devendo ele, contudo, cumprir a sua obrigação de pagar, dentro do prazo convencionado, o saldo devedor previsto na cláusula IV.2 do contrato, a título de quitação integral, condicionando-se a entrega do veículo pela Recorrida ao pagamento do preço na forma avençada.
Em virtude da sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários advocatícios de seus patronos. Custas processuais pro rata.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 400.789 - RJ (Registro n. 2001.0198259-4)
Relator: Ministro Castro Filho
Recorrente: Fundação dos Economiários Federais - Funcef
Advogados: Sérgio dos Santos de Barros e outros
Recorrente: José Maria da Costa Ferreira
Advogados: Juliana Meira Coelho Melhado e outros
Recorrido: Os mesmos
EMENTA: Direito Processual Civil - Embargos de declaração -Hipóteses do art. 535 do CPC - Negativa de prestação jurisdicional - Inocorrência - Recurso especial - Prequestionamento - Inocorrência - Súmulas n. 282-STF e 211-STJ - Divergência jurisprudencial -Confronto a demonstrar a similitude fática - Necessidade - Previdência privada - Proventos - Incorporação de parcela que não fez parte do salário-de-contribuição - Inocorrência.
I - Segundo a moldura do cânon inscrito no art. 535 do CPC, são os embargos de declaração instrumento processual destinado a expungir do julgamento obscuridade ou contradições, ou ainda a suprir omissão sobre terna cujo pronunciamento se impunha, não sendo de sua índole, em regra, a reapreciação do julgado.
II - O prequestionamento, entendido corno a necessidade de o terna objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada,
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 381
constitui exigência inafastável da própria previsão constitucional do recurso especial, figurando entre os requisitos de seu conhecilllento.
Não exalllinada a lllatéria objeto do especial pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição e julgalllento dos elllbargos declaratórios, incidelll os enunciados das SÚlllulas n. 282 do Suprelllo Tribunal Federal, e 211 deste Superior Tribunal de Justiça.
In - SOlllente as parcelas da rellluneração paga pela CEF que integralll o salário-de-contribuição podelll servir de base ao cálculo de cOlllplelllentação do benefício previdenciário pago pela Funcef.
IV - Não se conhece de recurso especial pela alínea c do perlllissivo constitucional se não houve suficiente confronto entre as decisões, de forllla a delllonstrar a silllilitude fática capaz de asselllelhar as hipóteses a que supostalllente se deu tratalllento jurídico distinto.
Recurso especial conhecido e provido. Recurso adesivo a que se nega conhecilllento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento e, não conhecer do recurso adesivo. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Minis
tro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília-DF, 2 de abril de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministro Castro Filho, Relator.
Publicado no DJ de 6.5.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se de dois recursos especiais interpostos por Fundação dos Economiários Federais - Funcef e José Maria da Costa Ferreira, em face de acórdãos da colenda Primeira Turma do egrégio
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382 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tribunal Regional Federal da 2lJ. Região, que deu parcial provimento a seus recursos de apelação e negou provimento a seus embargos de declaração.
Cuida-se, originalmente, de ação ordinária ajuizada por José Maria da Costa Ferreira em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e da Fundação dos Economiários Federais - Funcef, objetivando a revisão dos cálculos da aposentadoria, para incluir, a partir da data da respectiva concessão, os valores das gratificações de produtividade, apuradas em liquidação de sentença, correspondente ao montante dos atrasados, com incorporação dos valores apurados nos proventos da inatividade, no quantitativo de 1/ 12 avos, acrescidos de juros de mora e correção monetária, a partir da data da aposentadoria concedida.
O pedido foi julgado procedente, em parte, reconhecida a prescrição qüinqüenal das parcelas vencidas. Opostos embargos de declaração por ambas as partes, foram acolhidos, em parte, os do Autor, para acrescentar ao dispositivo final da sentença o item referente à correção monetária, calculada segundo o critério da Lei n. 6.899/1981.
Interpostos recursos de apelação por ambas as partes, a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 2lJ. Região deu-lhes parcial provimento, em acórdão assim ementado, verbis:
"Previdenciário. Proventos. Suplementação da Funcef. Adicional de produtividade.
- A suplementação dos proventos pela Previdência privada não afasta a legitimidade de postular o seu reajuste.
- Gratificação de produtividade que se incorpora em face à habitualidade de seu pagamento."
No voto-condutor do aresto unânime, restou consignado:
"Por certo que o adicional de produtividade foi deferido dentro dos parâmetros em que foi requerido, e coerente com precedentes que dizem do direito da parte quanto às verbas que se incorporam aos vencimentos, seja em razão do contrato laboral, seja em razão da habitualidade de seus pagamentos.
No que diz respeito à inclusão de expurgos inflacionários ou mesmo da incidência da TRD como fator de correção monetária, há de ser afastada tal pretensão, posto não serem tais fatores praticados pela política de correção dos padrões dos salários e vencimentos.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 383
No que pertine aos juros, devem ser computados a partir do trânsito e a correção aquela mesma que se aplica aos beneficiários da Previdência Social, a teor da Súmula n. 17 deste egrégio Tribunal Regional Federal, com observância do afastamento das parcelas vencidas nos últimos cinco anos que antecederam o requerimento inicial, vez que prescritas."
Opostos embargos declaratórios, por ambas as partes, tiveram provimento negado, em acórdão cuja ementa se transcreve:
"Processo Civil. Embargos de declaração. Inexistência de omissão. Efeito infringente que se afasta.
A matéria veiculada nos autos foi apreciada no seu mérito em nível monocrático e recebeu em sede de apelação o trato legal e dogmático que se coaduna com o seu deslinde."
Inconformada, interpõe a Funcef, além de recurso extraordinário, recurso especial com fundamento nas alíneas a e c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, sustentando ter o acórdão recorrido negado vigência ao artigo 535, inciso lI, do Código de Processo Civil, recusando a devida prestação jurisdicional, eis que deixou de consignar o malferimento aos artigos 5.Q., XXXVI, e 195, § 5.Q., da Constituição Federal, e ao artigo 6.Q., § 1.Q., da Lei de Introdução ao Código Civil, além de violar o preceito legal ora referido e divergir da jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos.
Afirma que, inacolhendo os embargos de declaração, o Tribunal "incorreu em fidedigno error in judicando", fazendo tábula rasa do artigo 535, lI, do Código de Processo Civil.
Acresce que "não esgota a atividade jurisferante a postura adotada pelo v. acórdão objurgado, de julgar o feito neste ou naquele sentido, (mas) ao revés, impende que o exercício nobre da função jurisdicional seja perpetrado de forma cumpridamente (sic) fundamentada, dissecando todos os argumentos (de) que as partes tenham lançado mão no iter do debate processual".
Sustenta a nulidade de pleno direito do acórdão, "tendo em vista que os maus tratos perpetrados ao art. 535, I, do pergaminho ritual, ao deixar de fazer constar em seu bojo os artigos 5.Q., XXXVI, da CF; 6.Q., § 1.Q., da
LICC; 195, § 5.Q., da CF, dando azo, per si, ao acolhimento e ulterior provimento do apelo heróico".
Afirma que, deferindo a integração da parcela requerida aos proventos
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
384 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
do Recorrido, o acórdão impugnado desconsiderou o conteúdo de ato jurídico perfeito entre os litigantes, eis que o contrato de previdência complementar firmado entre as partes, cujas cláusulas estão delineadas no Regulamento dos Planos de Benefício da Funcef, não previa a inclusão da referida gratificação anual no cálculo dos proventos, nem o referido regulamento previa a contribuição, seja por parte dos servidores, seja por parte da Caixa Econômica Federal, de qualquer parcela sobre tal gratificação, para fins de formação de reserva para custeio.
Traz à colação diversos julgados do extinto Tribunal Federal de Recursos, em defesa de sua tese.
Requer a anulação do acórdão que julgou os embargos de declaração ou a reforma do acórdão para julgar procedente o pedido inicial ou, pelo menos, acaso esta Corte entenda por manter a integração deferida, a compensação dos valores atinentes à indispensável fonte de custeio na forma do contratado.
Oferecidas contra-razões (fls. 609 a 626), o Autor interpõe recurso especial adesivo, com fundamento no artigo 500 do Código de Processo Civil e nas alíneas a e c do permissivo constitucional, afirmando ter o acórdão guerreado violado o disposto no artigo 535, II, do Código de Processo Civil, e divergido da jurisprudência de outros tribunais.
Afirma que a decisão recorrida foi omissa quanto à forma de aplicação da correção monetária, merecendo anulação o acórdão que julgou os embargos declaratórios.
Sustenta que a correção monetária deve ser integral, incluídos sempre os expurgos inflacionários, como decidido em julgados que colaciona deste Superior Tribunal de Justiça e do egrégio Tribunal Regional Federal da IJ.l. Região.
Contra-arrazoado o adesivo (fls. 698 a 703), foram ambos os recursos admitidos por decisão do Dr. Chalu Barbosa, ilustre Vice-Presidente do egrégio Tribunal Regional Federal da 2J.l. Região.
José Maria da Costa Ferreira requereu preferência no julgamento do recurso, eis que conta com mais de 65 anos de idade.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Castro Filho (Relator): O recurso especial não comporta acolhimento pela alínea a do permissivo constitucional.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 385
Rejeitados os embargos declaratórios com propósito de prequestio
namento, a Recorrente sustenta a nulidade do acórdão por infringência ao
artigo 535 do Código de Processo Civil, afirmando ter ocorrido negativa de prestação jurisdicional.
No entanto, ao contrário do que defende a Recorrente, a jurisprudên
cia desta Casa é uníssona ao proclamar que, desde que os fundamentos adotados bastem para justificar o concluído na decisão, o julgador não está
obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte.
Não se prestam, pois, os embargos de declaração a submeter o julgador ao exame da matéria exatamente nos termos que a parte gostaria de ver analisada. Tampouco a responder questionários do Embargante, o que, se admitido, teria por conseqüência desnaturar o recurso. O fim dos embargos é de esclarecimento, apenas. Não havendo esclarecimentos a serem feitos,
não há como serem acolhidos, não havendo nisto qualquer negativa de prestação da jurisdição.
Por sua vez, a apreciação da suposta infringência ao artigo 6.Q., § 1.Q., da
Lei de Introdução ao Código Civil, encontra óbice nas Súmulas n. 282 do
Supremo Tribunal Federal, e 211 deste Superior Tribunal de Justiça, não preenchido o requisito básico do prequestionamento, exigência inafastável
da própria previsão constitucional do recurso especial, uma vez que sobre ele o Tribunal local não se manifestou expressamente.
Conheço, porém, do recurso, pela alínea c do permissivo constitucional, diante da inegável divergência jurisprudencial. Enquanto o aresto impugnado afirma que, habitualmente, efetuado o pagamento da gratificação
de pontualidade, ela se incorpora aos proventos, os arestos paradigmas as
severam que a remuneração paga habitualmente pela Caixa Econômica Federal, nela incluída a gratificação de incentivo à produtividade, não com
punha o salário-de-contribuição, de maneira que a Funcef não pode ser
compelida a complementar os proventos, incluindo parcela que nunca in
tegrou a contribuição social.
Entendo como o Ministro Anselmo Santiago (REsp n. 57.815-DF, Sexta Turma, j. em 16.5.1995, DJ de 4.9.1995, p. 27.867), que somente as parcelas que integram o salário-de-contribuição podem servir de base ao cál
culo de complementação do benefício previdenciário.
À vista do exposto, dou provimento ao recurso especial.
Quanto ao recurso adesivo, não pode ser conhecido pela alínea a do permissivo constitucional, no tocante à alegada violação ao disposto no artigo
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
386 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
535, II, do Código de Processo Civil, eis que rejeitados os embargos de declaração tão-somente por inocorrente a omissão apontada.
Também pela suposta divergência jurisprudencial, o recurso especial adesivo não merece conhecimento. Não houve suficiente confronto entre as decisões, de forma a demonstrar a similitude fática capaz de assemelhar as hipóteses a que supostamente se deu tratamento jurídico distinto.
Assim, em conclusão, dou provimento ao recurso especial e não conheço do recurso especial adesivo.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 407.006 - MG (Registro n. 2002.0007841-1)
Relatora:
Recorrente:
Advogados:
Recorridos:
Advogado:
Ministra N ancy Andrighi
Zeni da Cunha N ery
Lincoln de Oliveira e outros
Pedro Saturnino Nery e outros
Pedro Otacílio Loures Martins
EMENTA: Processo Civil - Embargos infringentes - Cabimento - Preliminar de cerceamento de defesa na apelação que reprisa os argumentos do agravo retido - Impossibilidade do mesmo pedido recursal em vias distintas - Unicidade recursal - Ação declaratória de nulidade de testamento por falta de capacidade de testar - Decisão que designa audiência sem determinar prévia colheita de prova pericial - Ausência de indeferimento expresso da diligência - Inteligência da Súmula n. 255 da Corte Especial do STJ.
- Os embargos infringentes são cabíveis, em agravo retido, quando resolver questão de mérito, como prescrição e decadência, que resultem a extinção do próprio processo.
- O acolhimento ou rejeição de preliminar de cerceamento de defesa pelo indeferimento de perícia, quando decidido por maioria de votos, em sede de agravo, não decide o fundo do direito e nem implica na extinção do processo, sendo incabível a interposição de embargos infringentes.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 387
Peculiaridades do processo no julgamento da apelação, que
apreciou o agravo retido sem pedido expresso para seu exame pelo
Tribunal, e que foi interposto contra despacho sem conteúdo
decisório que designa audiência de conciliação, instrução e julga
mento (e que nada decidiu sobre a realização de prova pericial), le
vam à conclusão de que o tema de direito só poderia ter sido exa
minado como preliminar de cerceamento de defesa na apelação. Er
rônea referência do acórdão da apelação que dispôs sobre julgamen
to de agravo retido, quando o tema recursal integrava as razões de
apelação. Conseqüente cabimento dos embargos infringentes porque
abrangeu disciplina própria da preliminar de cerceamento de defesa veiculada na petição de apelação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo
tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não
conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Castro Filho, Ari Pargen
dler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Rela
tora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília-DF, 6 de junho de 2002 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente.
Ministra Nancy Andrighi, Relatora.
Publicado no DJ de 1.7.2002.
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto com fulcro na alínea a do per
missivo constitucional, contra v. acórdão que deu provimento ao recurso de
embargos infringentes e manteve o indeferimento de perícia mental post
mor tem, tendo em vista o amplo contexto probatório.
Insurge-se a Autora de ação de nulidade de testamento contra o
indeferimento da perícia, porque não poderia ser cassada a determinação de
sua realização em sede de embargos infringentes, porque a insurgência foi
originada de agravo retido, contra o qual não cabem embargos infringentes.
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388 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A ação de conhecimento para declarar a nulidade do testamento do falecido que não deixou herdeiros necessários foi ajuizada pela viúva, e teve como causa de pedir a falta de capacidade de testar do falecido, que era portador de esquizofrenia paranóide. Foram citados os sobrinhos, a cunhada e o irmão do falecido.
O ilustre juízo monocrático havia determinado a realização de audiência de conciliação, instrução e julgamento sem prévia determinação de perícia requerida pela Autora, tendo sido interposto agravo retido contra a ausência de determinação da colheita pericial.
Adveio a sentença de improcedência do pedido porque a patologia de esquizofrenia paranóide foi verificada em seu grau brando, sem comprometimento da vontade do falecido para praticar atos de disposição patrimonial, conforme aferiu de depoimentos das testemunhas, relatórios médicos e manuais de medicina legal.
Foi interposta apelação, com preliminar de nulidade do processo por cerceamento de defesa.
Processada a apelação, em preliminar e por maioria de votos, foi provido o agravo retido para cassar a sentença e determinar a realização da prova pericial, tida como relevante pelo egrégio TJMG, nos termos do art. 332 do CPC.
Os Réus, ora recorridos, interpuseram embargos infringentes contra o v. acórdão que determinou a cassação da sentença e a realização de prova pericial. O recurso foi admitido e processado, sendo, ao final, provido, para restabelecer a sentença de improcedência do pedido e pela desnecessidade da prova pericial.
Constou na ementa:
"Embargos infringentes. Agravo retido. Preliminar do apelo. Matéria idêntica. Viabilidade. Perícia psiquiátrica post mortem. Alcance duvidoso. Amplo arcabouço probatório contido no feito. Cerceamento de defesa inexistente. Entrelaçando-se a matéria vertida na preliminar da apelação com a do agravo retido, dada a sua efetiva identidade, infere-se que a dissensão ocorrida no seu julgamento poderá ser dirimida na via dos embargos infringentes. Em face da inequívoca dificuldade de se realizar perícia psiquiátrica post mortem, duvidosos serão os seus resultados, além do que, a sua elaboração subjetiva, com base na prova dos autos, representa verdadeira usurpação das funções do magistrado, na consoante diretriz preconizada no art. 131 do CPC.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 389
Havendo amplo arcabouço probatório no feito, capaz de esclarecer os fatos envolventes do direito perseguido pelas partes, inexistente se configura o alegado cerceamento de defesa. Embargos infringentes acolhidos."
Daí a interposição do presente recurso especial, veiculando ofensa aos arts. 130, 131, 162,471, 513, 522, 530 e 535, todos do CPC.
A alegada violação ao art. 530 do CPC teria ocorrido porque só cabem embargos infringentes quando o julgamento da apelação e da ação rescisória não for unânime e, no caso, a divergência resultou da apreciação de recurso de agravo retido.
Quanto aos arts. 162,513,522 e 471 do CPC:
" ... a questão relativa à prova pericial não poderia ser examinada pela sentença - já havia pronunciamento anterior na fase de instrução, muito menos suscitada na apelação - existia um agravo retido que, se não interposto, produziria o fenômeno da preclusão, impedindo a sua veiculação na apelação. Isto é, o cerceamento de defesa não era matéria a ser solucionada como preliminar de apelação, sem se aviltar o art. 471 (preclusão) e os arts. 162,513 e 522 (sistema recursal).
1) sendo a questão relativa à pertinência da prova pericial decidida em decisão interlocutória, jamais poderia ser objeto de apelação, pois esta se dirige contra sentença. Admiti-la como tema da apelação ofende o art. 162 (a decisão foi interlocutória); os arts. 513 e 522 (porque o recurso adequado era o agravo, in casu, na sua modalidade retida; não a apelação). Desde modo, integrando a questão o conteúdo do agravo retido, impossível é admitir-se os embargos infringentes sem que também se viole o art. 530;
2) também alvitado (si c) estaria o art. 471 do CPC. É que a questão, porque objeto de anterior decisão interlocutória, não poderia ser examinada senão em sede de agravo retido. Entendê-la como apreciada na apelação é olvidar o fenômeno da preclusão."
Quanto aos arts. 130 e 131 do CPC, entende a Recorrente que "ao afastar o cerceamento de defesa e considerar procrastinatória a prova pericial aviltou o art. 131 do CPC, já que, dada a natureza da incapacidade, apenas um expert poderia definir a extensão e gravidade da enfermidade de que era o testador portador" .
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390 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Pontua que, caso se entenda que a matéria de direito não está prequestionada, deverá ser acolhida violação ao art. 535 do CPC.
Contra-razões de recurso especial, às fls. 530/533, sustentando que, apesar do acórdão recorrido ter origem em questão a ser resolvida em agravo retido, o tema de direito se confunde com o próprio mérito, daí a autorização para sua solução em embargos infringentes, de acordo com o decidido nos REsps n. 26.899 e 7.850.
Parecer da douta Subprocuradoria Geral da República, pelo seu douto Subprocurador-Geral Francisco Adalberto Nóbrega, às fls. 544/558, pelo não-provimento do recurso especial, seguido da seguinte ementa:
"Recurso especial com suporte no artigo 105, UI, alínea a, da Constituição Federal. Alegação de violação aos artigos 130, 131, 162, 471,513,522, 530 e 535 do CPC. Anulação de testamento. Suposta incapacidade mental. Agravo retido contra decisão de indeferimento de produção de prova pericial. Recurso de apelação. Preliminar de apelação idêntica à matéria suscitada por ocasião da interposição do agravo retido, julgado procedente por maioria. Possibilidade de interposição de embargos infringentes. Súmula n. 255 do STJ. Recurso conhecido e não provido.
1. Conquanto a Recorrente tenha interposto agravo retido com o escopo de impugnar o indeferimento do incidente processual da produção de provas periciais e, em decorrência de evitar a ocorrência da preclusão consumativa, posteriormente, por força da sentença improcedente, a Autora argüiu - novamente -, em preliminar de apelação (fls. 352/356), a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, decorrente do indeferimento da prova pericial.
2. A hipótese dos autos conduz ao entendimento de que a Autora, incauta, deu causa à possibilidade de se interpor embargos infringentes - quando suscitou a referida matéria em preliminar de apelação -, caso o acórdão fosse provido por maioria.
3. A conduta da Recorrente em debater a mesma matéria do agravo retido em preliminar de apelação, em verdade, concedeu ampla possibilidade ao Tribunal a quo para apreciar a matéria, de sorte que aquele órgão jurisdicional optou por fazê-lo, em razão de economia processual, nas razões do agravo retido. Dessa forma, por força do princípio da razoabilidade e ampla defesa, bem asseverou o Tribunal a quo, ao conhecer dos embargos infringentes e provê-los.
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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 391
4. Ora, a premissa adotada pela Recorrente não conduz à neces
sária conclusão, de sorte que o silogismo elaborado resta prejudicado.
Em verdade, a premissa a ser considerada decorre da argüição, em efe
tiva preliminar de apelação, de tema debatido por ocasião da
interposição do agravo retido, o que implica regular possibilidade de
interposição de embargos infringentes - acórdão da apelação julgado
por maioria.
5. O acórdão que concedeu provimento ao agravo retido por maio
ria, por estar estritamente conexo ao mérito da lide - ressalve-se que
a prova pericial, caso fosse pertinente, poderia determinar com preci
são o estado psíquico do testador -, efetivamente cassou a sentença de mérito - error in procedendo - e determinou a realização da prova
pericial.
6. Ad argum.entandum. tantum., caso a prova pericial deferida
em razão do julgamento por maioria do agravo retido comprovasse o
estado de esquizofrenia do testador - hipótese que não se admite, uma
vez que a realização da prova pericial seria infrutífera após o óbito -,
seria necessária a prolação de nova sentença de mérito que, fatalmen
te, extinguiria o processo. Assim, configurada, pois, a hipótese
normativa da nova redação concedida ao artigo 530 do CPC pela Lei
n. 10.352/2001.
7. Não admitida a tese de que cabíveis os embargos infringentes
em decorrência da alegação, por preliminar de apelação, da mesma
matéria constante das razões de agravo, cumpre asseverar que -
malgrado este entendimento jurisprudencial afronte a melhor doutri
na - tal recurso é cabível pelo simples fato de envolver o mérito da
lide, nos termos da Súmula n. 255 do STJ.
8. Recurso especial conhecido e não provido."
É o relatório.
VOTO
O cerne da controvérsia recursal é determinar se o julgamento por maio
ria de votos do agravo retido pelo Tribunal de Justiça, cuja matéria se con
funde com preliminar da apelação cível referente à nulidade da sentença por
cerceamento de defesa, autorizaria a interposição de embargos infringentes.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
392 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acresça-se à controvérsia dois elementos: não houve pedido expresso de reiteração do julgamento do agravo retido (art. 523, § 1 Q, do CPC) e o ato judicial impugnado, por agravo retido, foi a simples designação de audiência de conciliação, instrução e julgamento.
O egrégio TJMG entendeu ser cabível o recurso de embargos infringentes nesta hipótese, e rejeitou a preliminar de seu não-conhecimento com transcrição de nota de Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery em seu Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, 4 lL ed., nos seguintes termos:
"5. Agravo retido. O agravo retido se configura como preliminar do recurso de apelação, donde é forçoso concluir que, se for julgado por maioria de votos, ocorre julgamento não-unânime na apelação, ensejando embargos infringentes."
Em 1.8.2001, a Corte Especial do colendo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 255, publicada no DJ de 22.8.2001, in verbis:
"Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de matéria de mérito."
A exata compreensão do entendimento sumular é a de que os embargos infringentes são cabíveis, em agravo retido, quando seja resolvida questão prejudicial, como prescrição e decadência, que resultem a extinção do próprio processo.
O acolhimento ou rejeição de preliminar de cerceamento de defesa pelo indeferimento de perícia - quando decidido por maioria de votos, em sede de agravo - não adentra no fundo de direito nem implica na extinção do processo, e assim, a princípio, não poderia ser objeto de embargos infrin
gentes.
É por isso que no REsp n. 34.122, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 28.6.1993, mencionado no REsp n. 36.005, reI. Min. Francisco Peçanha Martins, que é um dos precedentes que instruem o novel entendimento sumular, foi anotado que:
"Processo Civil. Agravo retido. Decisão não-unânime, sem conotação com o mérito. Embargos infringentes. Descabimento. Hermenêutica. Recurso desprovido.
RST}, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 393
I - Tendo a decisão proferida em agravo retido, por maioria, tão-somente rejeitado a preliminar de cerceamento, inadmissível o manejo
dos embargos infringentes.
11 - Mesmo para a corrente que, no Superior Tribunal de Justiça, admite aviar-se embargos infringentes contra decisão majoritária proferida em sede de agravo retido, tal possibilidade se restringe às
hipóteses em que neste decidida questão de mérito.
111 - Os recursos processuais obedecem a um sistema, não sendo lícito ao intérprete tomar liberdades com ele inadmissíveis."
Neste sentido também foi decidido no REsp n. 23.514, reI. Min. Dias Trindade, DJ de 21.9.1992:
"Processual Civil. Embargos infringentes. Voto-vencido em agra
vo retido.
Situando-se o conteúdo do voto-vencido apenas em examinar questão processual objeto de agravo, apreciada como preliminar, não
contraria o art. 530 do Código de Processo Civil o acórdão que não conhece de embargos infringentes, para que prevalecesse o dito voto
divergente."
Porém, há peculiaridades do caso concreto que devem ser sopesadas.
Anotou o acórdão recorrido de embargos infringentes que:
"Da análise da petição de apelo de fls. 352/373-TJ infere-se que,
em realidade, não houve pedido expresso de apreciação do agravo retido, na forma consubstanciada no art. 523 do CPC, preferindo a ora embargada, com a matéria a ele relativa, tecer uma preliminar de nu
lidade da sentença, em face do cerceio de sua defesa."
É verdade que, sem pedido expresso de apreciação do agravo retido,
nos termos do art. 523, § 111., do CPC, não poderia o egrégio TJMG, em apelação cível, afirmar que dava provimento ao "agravo retido" por maio
ria de votos.
Contudo, ao fazê-lo, o acórdão estadual não cometeu nenhuma ilega
lidade, pois a falta de observância da melhor técnica processual não gerou prejuízo para as partes e não passou de mera irregularidade.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
394 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Pelas peculiaridades do caso concreto, no qual a Autora suscitou a preliminar de cerceamento de defesa nas razões de apelação cível, há que se entender que a votação majoritária ocorreu em sede de apelação e não de agravo retido, por simples exercício de raciocínio lógico-dedutivo. Isto porque o agravo retido foi aviado contra despacho sem conteúdo decisório (designação de audiência) e sem reiteração de pedido de seu julgamento nas razões de apelação; logo, sequer poderia ser objeto de julgamento, mas, por veicular aspecto processual próprio de apelação, na qual houve extensa exposição do tema, tem-se como suprida a errônea referência ao agravo retido, quando, indubitavelmente, foram examinadas as razões de apelação.
Desta forma, cabível o recurso de embargos infringentes quando é julgada preliminar de cerceamento de defesa por maioria de votos, em sede de apelação cível, ainda que haja referência a julgamento de agravo retido que não reunia os pressupostos processuais específicos para seu processamento. Ausente, pois, as apontadas violações aos arts. 162, 513, 522 e 530 do CPC.
Note-se que a preliminar de cerceamento de defesa, aventada na apelação cível, repisa idênticos argumentos do agravo retido e, assim, trata-se de ato incompatível com a vontade recursal externada em agravo retido, porque não se pode manejar dois recursos com idêntico propósito, em obediência ao princípio da unicidade recursal.
Frise-se que não houve indeferimento explícito de prova pericial. Contra o ato judicial da designação de audiência de conciliação, instrução e julgamento - despacho sem conteúdo decisório -, é que foi interposto agravo retido, pressupondo o indeferimento implícito da diligência requerida.
Na atual sistemática do Código Buzaid, inexiste a obrigatoriedade de
prolação do despacho saneador, por ser inerente à atividade judicial o dever de sempre zelar pelo transcurso sem percalços do processo, velando por esse desde a propositura da ação.
Daí a inexistência de violação ao art. 471 do CPC, uma vez que é notória a falta de pronunciamento judicial sobre a realização de prova peri
cial, ainda que interposto agravo retido contra a inércia judicial. Se nada
foi decidido, não há preclusão para as partes.
Só estão alcançadas pela preclusão as questões decididas expressamente no saneador, exigindo a lei que as decisões sejam fundamentadas.
Em relação aos arts. 130 e 131 do CPC também não se vislumbra violação de Direito Federal. É despiciendo facultar às partes a dilação probatória,
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 395
ou sanear o processo, porque haveria desarrazoada procrastinação do feito, em prejuízo da efetivação da justiça, sem um fim útil a ser atingido.
O acórdão estadual fundamentou o indeferimento de prova pericial sob o duplo aspecto da imprestabilidade da prova médica post mortem para
discussão dos contornos da patologia de esquizofrenia paranóide e do "amplo arcabouço probatório contido no feito", que não pode ser reexaminado em
sede de recurso especial por óbice da Súmula n. 7-STl
A alegada violação ao art. 535 do CPC, além de despropositada, não comporta maiores divagações, já que suscitada através de fórmula genérica, por requerimento-padrão de seu acolhimento em caso de se reconhecer a falta de prequestionamento de algum tema de direito.
Forte nestas razões, não conheço do recurso.
É o voto.
RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.