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Jurisprudência da Terceira Turma

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Jurisprudência da Terceira Turma

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA

RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 12.604 - SP (Registro n. 2002.0036194-6)

Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro

Recorrente: Antônio Pedro Cobianchi

Advogado: Carlos Alberto Pedrotti de Andrade

Recorrido: 1.Q. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo

Paciente: Antônio Pedro Cobianchi

301

EMENTA: Recurso em habeas corpus - Depositário fiel - Prisão civil.

I - O depositário judicial é o responsável pela guarda e conser­vação dos bens a ele confiados, e tem o dever de restituí-los sem­pre que assim foi determinado pelo JUÍzo da execução.

11 - Não há ilegalidade na decisão do magistrado que, verifican­do não estar o juízo garantido, suspende os embargos e determina, no processo de execução, que o depositário apresente o bem ou o equivalente em dinheiro, sob pena de prisão.

IH - Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília-DF, 30 de abril de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Relator.

Publicado no DJ de 3.6.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Carlos Alberto Pedrotti de

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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302 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Andrade impetrou ordem de habeas corpus preventivo em favor de Antô­nio Pedro Cobianchi, "ante a provável decretação de sua prisão civil, por ser considerado depositário infiel" (fi. 2).

Alegou que o Paciente e demais sócios da Fábrica de Aguardente e Tijolos Santa Luzia Ltda, firmaram contratos de crédito rotativo com pe­nhor de safra, com a Cooperativa Agrícola Mista de Adamantina, figuran­do como garantia contratual a quantia de 1.200.000 (hum milhão e duzen­tos mil) litros de aguardente.

Não cumprido o contrato, a credora ajuizou ação de execução. Cita­dos, os devedores não ofereceram bens à penhora, por não haver bens livres para esse fim, como certificado pelo Oficial de Justiça.

Requereu, então, o Exeqüente, a penhora sobre os bens oferecidos em penhor rural, o que foi deferido pelo Juízo a quo, ficando o ora paciente como depositário fiel.

Foram oferecidos embargos à execução.

Realizada a perícia, foi constatada a alienação dos bens, que não mais foram encontrados na posse do depositário.

Ordenou, então, o juiz monocrático, que o Paciente apresentasse o bem ou depositasse o equivalente em dinheiro, sob pena de prisão.

Entendeu ser ilegal a suspensão dos embargos à execução ante o in­cidente na execução.

Afirmou, ainda, o Impetrante, que foi requerida a suspensão do pro­cesso ante o óbito do embargante Narciso Cobianchi Neto.

O 15l. Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, por sua Déci­ma Segunda Câmara, denegou a ordem em acórdão assim ementado (fi. 133):

"Habeas corpus preventivo. Depositário judicial que é intima­do a apresentar os bens sob sua guarda, ou a depositar o equivalente em dinheiro, pena de prisão. Constrangimento ilegal não configurado, pois a decisão guerreada exprime o poder de direção do processo, que a lei confere ao magistrado, não havendo nenhuma ilegalidade na de­terminação. Ordem denegada."

Daí a razão do presente recurso ordinário no qual insiste o Recorrente na falta de previsão legal para suspensão dos embargos à execução "para aguardar o desfecho do suposto incidente levantado na execução" (fi. 142).

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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Afirma que, ante a inexistência do bem penhorado, não há como de­

cretar a prisão civil do Paciente sem o devido processo legal, com o direi­

to de ampla defesa.

Entende que, em decorrência da morte do outro executado, a suspen­

são do processo se impõe.

Nesta Instância, manifesta-se a douta Subprocuradoria Geral da Repú­blica pelo improvimento do recurso em decisão assim ementada (fi. 156):

"Constitucional e Processual Civil. Recurso em habeas corpus.

Depositário de coisa fungível. Decreto de prisão. Possibilidade reco­

nhecida em julgamento do colendo STF. Inexistência de imunidade

irrestrita com arrimo no Pacto de São José da Costa Rica. Pelo impro­

vimento do recurso.

o devedor, depositário de coisa fungível, é passível de sofrer a

prisão civil, sem ofensa à Constituição Federal (HC n. 72.366-SP,

STF, reI. Min. Néri da Silveira, julgo em 13.9.1995).

O Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana so­

bre Direitos Humanos, ao tratar da liberdade do réu, remete ao pla­no de direito positivo interno a previsão das hipóteses de privação da

liberdade (art. 7SJ., n. 2).

Pelo improvimento do recurso."

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Relator): Ao denegar a or­

dem, assim afirmou, com acerto, o prolator do acórdão recorrido (fls. 135/

136):

"O Paciente é depositário judicial. Há notícias de que os bens foram alienados, o que significa que o juízo não está garantido. Nessa hipótese, é perfeitamente possível e até recomendável que o magistrado

cuide de zelar pela efetividade da prestação jurisdicional de cunho

satisfativo, mesmo que isso implique abertura de incidente na exe­cução até então suspensa por força de apresentação de embargos de de­

vedor. Não importa a anterior suspensão do andamento da execução,

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decorrente do recebimento dos embargos. Isso é irrelevante em tais circunstâncias. É que se o magistrado percebe que, malgrado recebi­dos os embargos, o juízo não está ainda garantido, deve suspender a suspensão, até mesmo de oficio. Os embargos ficarão então sobrestados. Essa perda transitória do efeito suspensivo dos embargos (sf., a pro­

pósito, Araken de Assis, Manual do Processo de Execução, Ed. RT,

6lL ed., 2000, p. 1.098) é perfeitamente admissível e deve ocorrer toda vez que haja o risco de o juízo não estar efetivamente garantido, até

que seja regularizada a situação. É o caso dos autos. Assim aliás, já se decidiu nesta Câmara (Ag n. 953.537-1, de São Paulo) em hipótese análoga."

A decretação da prisão civil nos autos de execução é possível, como decidiu o aresto atacado. Veja-se o enunciado da Súmula n. 619 do Supre­

mo Tribunal Federal:

"A prisão de depositário judicial pode ser decretada no próprio

processo em que se constituiu o encargo, independente da propositura

da ação de depósito."

Não há, portanto, qualquer constrangimento ilegal na decisão do juiz a quo que, para o bom andamento da execução, intimou o depositário para

que este apresentasse o bem sob a sua guarda.

O depositário judicial é o responsável pela guarda e conservação dos bens a ele confiados, e tem o dever de restituí-los sempre que assim for de­

terminado pelo juízo da execução.

Além disso, como salientado pela douta Subprocuradoria Geral da

República, citando o Parquet Estadual (fls. 158/159):

"Inexiste, doutra parte, ameaça concreta de risco iminente a pe­sar sobre o paciente. Afinal, o processo suspender-se-á até a habilita­

ção dos sucessores de um dos executados, recentemente falecido. E,

mais do que isso, o decreto de prisão só sobreviverá se os bens

porventura não forem encontrados e o Paciente, depositário, não os

substituir pelo equivalente em dinheiro."

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA

RECURSO ESPECIAL N. 139.012 - SP (Registro n. 97.0046603-5)

Relator: Ministro Ari Pargendler

Recorrentes: Sérgio Miguel Scarso e cônjuge

Advogado: Agamennon de Luiz Carlos Isique

Recorridos: Dílson Bottino e cônjuge

Advogados: Carlos Simão Nimer e outros

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EMENTA: Civil - Bem de família - Ação de reparação de da­nos proposta contra réu solteiro.

Matrimônio superveniente, antes da execução da sentença de procedência, cuja penhora recaiu sobre imóvel em que o casal resi­dia. Bem de família que se reconhece, porque à época do gravame, o imóvel era impenhorável por força de lei.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe pro­vimento. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília-DF, 11 de junho de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 5.8.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Sérgio Miguel Scarso opôs embargos à execução de título judicial ajuizada por Dílson Bottino e cônjuge, julga­dos procedentes pelo MM. Juiz de Direito Dr. Bruno José Berti Filho à base dos seguintes fundamentos:

"Trata-se de execução provisória, fundada em sentença que con­denou o Embargante à reparação dos danos causados aos Embargados.

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Houve a penhora de um imóvel que pertence aos Embargantes (fl. 14).

Está demonstrado que esse é o único bem imóvel do casal (fl. 15), que é usado como residência deste (fls. 16/18).

Assim, há provas de que o bem penhorado se enquadra nos requi­sitos da lei competente.

Por isso, é aplicável ao caso a regra do artigo 1l~ da Lei n. 8.009/ 1990, sendo impenhorável o imóvel que serve como residência do ca­sal." (fl. 41).

A egrégia Quinta Câmara do 1ll. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, relator o eminente Juiz Nivaldo Balzano, reformou a sentença, nos termos do acórdão assim ementado:

"Penhora. Bem de família. Lei n. 8.009/1990. Imóvel que, no momento da conduta culposa e antijurídica perpetrada pelo devedor, assim como naquele do protesto acautelatório, não era destinado à en­tidade familiar, por ser o co-embargante solteiro. Hipótese em que nem antes nem depois do casamento o imóvel foi instituído bem de família, continuando a garantir a obrigação indenizatória, além de não comunicar à consorte do devedor. Co-embargante considerada legiti­mada no pólo ativo da oposição incidental. Existência de peculiarida­des factuais e jurídicas que impedem seja albergada a pretensão dos recorridos pela norma invocada. Recurso provido, v.u." (fl. 66).

Daí o presente recurso especial, interposto por Sérgio Miguel Scarso e cônjuge, com base no artigo 105, inciso UI, letras a e c, da Constituição Federal, por violação ao artigo 1ll. da Lei n. 8.009, de 1990 (fls. 74/83).

VOTO

o Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): Os autos dão conta de que a responsabilidade de Sérgio Miguel Scarso resulta de ilícito praticado em 25 de julho de 1993, quando era solteiro.

Este ainda era seu estado civil quando da propositura da ação de re­paração de danos, registrando-se que fora antecedida de medida cautelar de protesto contra a alienação de bens.

A 22 de janeiro de 1994, ele casou sob o regime de comunhão parcial. Reconhecendo, embora, que o casal reside no imóvel, que antes era ocupado

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somente pelo varão, o Tribunal a quo validou a penhora realizada em 15 de fevereiro de 1995, à base da seguinte motivação:

" ... no momento da conduta culposa e antijurídica perpetrada pelo devedor, assim como naquele do protesto acautelatório, o imóvel não era destinado à entidade familiar, portanto, responderia como bem patrimonial pela reparação dos danos causados, estando sujeito à even­tual excussão e expropriação forçada.

Nem antes, nem depois do casamento dito imóvel foi instituído bem de família, portanto, permaneceu garantindo a obrigação indenizatória, além de não se comunicar à consorte do devedor. Se posteriormente passou a abrigar a nova família recém-formada, tal cir­cunstância não descaracteriza a circunstância de garantidor patrimonial da dívida; primeiro, porque meação não há, e, segundo, porque perma­neceu acautelado o crédito desde a formação dele, por ocasião do ato ilícito" (fi. 69).

Em suma, afastou-se a aplicação da Lei n. 8.009, de 1990, porque, à

data do evento danoso, o imóvel não seria "próprio da entidade familiar", já que solteiro o devedor.

Sem razão.

o aludido diploma legal dispõe sobre a impenhorabilidade e, à épo­ca do gravame, o imóvel já se destinava à residência da entidade familiar.

Conforme ensina Álvaro Vilaça de Azevedo:

"A norma, de natureza processual, impede que os bens constituí­dos, como de família, por força da lei sob exame, fiquem sujeitos à

penhora.

( ... )

... no regime da Lei n. 8.009/1990, aqui analisada, a impenhora­bilidade, e tão-só ela, passa a incidir na aludida residência e nos men­cionados bens móveis, a partir de quando estejam nas situações previs­tas, nessa lei de emergência, independentemente de quaisquer forma­lidades. Nesse caso, a impenhorabilidade nasce ex lege, por norma de

ordem pública ...

Pelo caput do artigo ora cogitado (artigo 32), portanto, a impe­

nhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, a

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que implica entender que o direito a qualquer crédito de natureza pri­vada, civil ou comercial, fixa inexeqüível, em face do bem de família." (Bem de Família, 4J.l. ed., Editora Revista dos Tribunais, pp. 175/176).

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe provimento para restabelecer a autoridade da sentença de 1 Q grau.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 205.172-SC (Registro n. 99.0017121-7)

Ministro Ari Pargendler

Relator pl acórdão: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Recorrente:

Advogados:

Recorrido:

Advogados:

Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda

Wolfram Ehrenhard Echelmeier e outros

Edson dos Santos

Mário César dos Santos e outro

EMENTA: Ação cominatória com imissão de posse - Compro­misso de compra e venda de imóvel - Plano econômico - Correção monetária - Teoria da imprevisão.

1. Os artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial não fo­ram prequestionados e o art. 85 do Código Civil é impertinente.

2. A correção monetária, no cenário brasileiro, não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão, mesmo diante da euforia decor­rente do Plano Cruzado, que não alcançou estabilidade suficiente. Assim, no caso dos autos, celebrado o contrato a preço fixo e pagas todas as parcelas contratadas, restando saldo quando da entrega das chaves, também em valor fixo, tudo em prazo inferior a dois anos, não há razão alguma para que fosse determinada a imposição da correção monetária.

3. Recurso especial conhecido pela alínea c), mas desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima in­dicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal

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de Justiça, por maioria, vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler, conhecer do recurso especial, mas lhe negar provimento. Votou vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler. Votaram com o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito os Srs. Ministros Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro. Não participou do julgamento a Sra. Ministra Nancy Andrighi (§ 22., art. 162, RISTJ).

Brasília-DF, 20 de novembro de 2001 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.

Publicado no DJ de 25.3.2002.

RELATÓRIO

Edson dos Santos propôs "ação cominatória c.c. imissão na posse e perdas e danos" contra Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda (fls. 2/7).

Seguiu-se reconvenção, "para o efeito de ser decretada a rescisão dos contratos objeto da demanda, condenado-se o Autor-reconvindo, além da perda das quantias pagas à conta do preço, ao pagamento de indenização pelo tempo em que tiver ocupado as unidades transacionadas, como se apu­rar em liquidação ... " (fls. 50/53).

Mais tarde, Edson dos Santos propôs "ação cautelar incidental" con­tra Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda, obtendo medida liminar de imissão de posse nas unidades imobiliárias comprometidas (fls. 77 e 98, autos em apenso), confirmada pelo Tribunal a quo (fls. 126/130).

O MM. Juiz de Direito Dr. Ernesto Z. Morestoni julgou improcedentes a ação ordinária, a reconvenção e a ação cautelar incidental, "tornando em conseqüência ineficaz a liminar de imissão de posse concedida" (fls. 390/ 399).

A egrégia Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, relator o eminente Desembargador Vanderlei Romer, deu provimento à apelação interposta por Edson Santos e negou provimento ao recurso adesivo interposto por Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda, em acórdão assim ementado:

"Contrato particular de compromisso de compra e venda. Preço fixo. Inexistência de cláusula de atualização monetária. Impossibilida­de de sua incidência. Fixando o contrato de promessa de compra e

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venda de unidade habitacional o preço, pagamento e condições, sem cláusula de indenização monetária, incabível é o credor exigi-la. Em tal hipótese há m.ora accipiendi, justificando o depósito do quantum. debeatur e a sua extinção declarada por sentença (Ap. Civ. n. 29.305, relator Des. Francisco Oliveira)." - fl. 475.

Daí o presente recurso especial, interposto por Lote Empreendimen­tos Imobiliários Ltda, com base no artigo 105, inciso UI, letras a e c, da Constituição Federal, por violação aos artigos 85 e 1.090 do Código Ci­vil e aos artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial, bem assim por divergência jurisprudencial (fls. 482/496).

VOTO

Os votos dão conta de que as partes, em 30 de abril de 1986, ajusta­ram a promessa de compra e venda do apartamento n. 406 do Edifício Carlos Gomes, com frente para a rua Uruguai, na cidade de Itajaí-SC (fls. 14/18), bem assim o "box" n. 16, destinado a estacionamento de veículo (fls. 19/23).

À época, vivia-se a euforia do Plano Cruzado, e a cláusula do preço do apartamento foi assim redigida:

"Cláusula quinta - Do preço, do pagamento e das condições - a Incorporadora e o(s) adquirente (s) comprometem-se a efetuar a tran­sação objeto deste contrato pelo preço ajustado de Cz$ 230.310,00 (duzentos e trinta mil, trezentos e dez cruzados). O preço ajustado será pago à Incorporadora da seguinte forma: a) no ato da assinatura do presente contrato a quantia de Cz$ 32.000,00 (trinta e dois mil cru­zados); b) e o saldo de Cz$ 198.310,00 (cento e noventa e oito mil, trezentos e dez cruzados) correspondentes nesta data a ... nihil ... será pago pelo(s) adquirente(s) na entrega das chaves.

Observação: o valor de Cz$ 32.000,00 (trinta e dois mil cruza­dos) referente à entrada serão pagos da seguinte forma.

O presente contrato refere-se a cruzados, sendo que o saldo será convertido pela moeda ou qualquer outra denominação oficial, que porventura seja instituído pelo SFH." (fl. 15).

A cláusula do preço do "box" tem redação idêntica, salvo quanto aos valores (fl. 20).

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 311

As razões do recurso especial sustentam, pela letra a, que, não reco­

nhecendo a indexação contratual, o Tribunal a quo contrariou os artigos 85 e 1.090 do Código Civil, bem assim os artigos 130, 131, 132 e 133 do Có­digo Comercial (fls. 482/496).

O artigo 1.090, e também os artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial não foram prequestionados.

O artigo 85 do Código Civil, a cujo teor "Nas declarações de vonta­de se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem", só teria sido contrariado se o contrato revelasse, limpidamente, o propósito das

partes.

O trecho, a seguir transcrito, no qual a promitente-vendedora se apóia, é obscuro:

"O presente contrato refere-se a cruzados, sendo que o saldo será

convertido pela moeda ou qualquer outra denominação oficial, que porventura seja instituído pelo SFH." (fl. 15).

Além disso, não fecha com a estipulação nominal do saldo devedor,

assim expressa na letra b da cláusula quinta:

"b) E o saldo de Cz$ 198.310,00 (cento e noventa e oito mil, tre­zentos e dez cruzados), correspondente nesta data a ... nihil ... " (fl. 15).

Os valores nominais constituíam a regra do Plano Cruzado, incompa­tível com a indexação. Por isso que, aproveitando, contratos padronizados

para períodos inflacionários, a indexação foi afastada pelo vocábulo latino nihil.

Se pela letra a, o recurso especial não pode prosperar, pela letra c, ele deve ser conhecido e provido.

A divergência jurisprudencial está demonstrada à vista do REsp n. 8.473-RJ, relator o eminente Ministro Athos Gusmão Carneiro, cujo acórdão tem a seguinte ementa:

"Cláusula rebus sic stantibus. Ação revisional de contrato de construção e venda de unidade habitacional em prédio em condomí­nio. Pretensão da construtora e vendedora à correção monetária das parcelas devidas com e após a entrega das chaves. Contrato avençado durante o 'Plano Cruzado 1'.

RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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A correção monetária, como um aspecto diferenciado da teoria da imprevisão no contexto peculiar da economia brasileira, pode incidir mesmo nos contratos avençados sem a sua previsão. Contrato firmado durante o Plano Cruzado I, sob custos congelados e geral expectati­va, em todas as classes sociais e com raras exceções, de que a infla­ção estivesse debelada ou reduzida a razoáveis proporções, permitin­do, assim, a contratação de construções por preços acrescidos apenas de juros. Retomada da inflação, autorizadora da atualização da moe­da desvalorizada a ponto de afetar a comutatividade contratual: recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 8.473, RJ, Lex 34, p. 147).

o precedente citado está conforme a melhor doutrina e atende às exi­gências do caso concreto, sob pena de alterar as bases econômicas do ne­gócio, com graves prejuízos a uma das partes.

Nessa linha, a ação ordinária improcede e a reconvenção procede, em parte.

As circunstâncias do caso não autorizam a perda das quantias pagas pelo promitente-comprador, que devem ser devolvidas, com correção mo­netária, pela promitente-vendedora, à base de 90% (noventa por cento) do que foi pago, a despeito de que isso não tenha sido objeto de reconvenção, tal como decidido no REsp n. 49.396-0, relator o Ministro Eduardo Ribeiro:

"Promessa de compra e venda. Rescisão. Devolução do que foi pago. Reconhecido que o promitente-comprador te direito à devolução do que foi pago, posto que negado o pleito do autor, no sentido da perda das importâncias correspondentes, as partes haverão de ser re­postas no estado anterior. Possibilidade de determinar-se a devolução, sem necessidade de reconvenção." (RSTJ n. 74, p. 350).

Lê-se no julgado:

"Não se ignora que nosso Direito Processual conhece ações a que se reconhece caráter dúplice. De seu julgamento poderá resultar tute­la a direito do réu, em relação ao autor, que sofrerá condenação, em­bora não ofertada reconvenção. Exemplo clássico encontra-se nas possessórias, expresso o Código de Processo Civil em seu artigo 922. Também a renovatória de locação julgada improcedente, em virtude de oposição do locador, que deseja retomar o imóvel, poderá conduzir ao desejo do autor, sem que para isso seja mister deduzir reconvenção.

RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 313

Creio que o mesmo entendimento se haverá de ter quando se trate

de casos em que, pelo conteúdo da prestação pedida e acolhida, as par­

tes devam ser repostas no estado anterior. Assim, por exemplo, proce­dente o pedido de anulação de contrato, de que decorreram prestações

recíprocas, não se exigirá do réu, que resiste àquele pedido, deva for­

mular reconvenção para receber de volta o que pagou, caso rejeitada

sua defesa. Esse resultado será a conseqüência natural do acolhimen­to do pedido do autor. O mesmo haverá de suceder, quando se cuide de rescisão, e fique estabelecido que a conseqüência será a recomposi­

ção do status quo ante. Não se faz necessária reconvenção que, aliás, não se coaduna com a posição do réu que se opõe à rescisão." (ibid., p. 350).

A promitente-vendedora, todavia, faz jus à indenização pela ocupação

do imóvel, equivalente aos aluguéis que este lhe proporcionaria se tivesse

sido locado, tudo com juros a partir da intimação da reconvenção, mais cor­

reção monetária.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe

provimento, em parte, para julgar

• improcedente a ação ordinária, condenado Edson dos Santos a pa­gar à Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda as custas e os honorários de

advogado à base de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, bem as­sim condenando esta a devolver àquele, com correção monetária, 90% (no­venta por cento) da parte, paga, do preço;

• procedente a reconvenção para o só efeito de condenar Edson dos Santos a indenizar Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda pela ocupação

do imóvel, equivalentes aos aluguéis que este lhe proporcionaria se tivesse

sido locado, tudo com juros a partir da intimação da reconvenção, mais cor­reção monetária, e honorários de advogado arbitrados em 10% (dez por

cento) da condenação, e

• improcedente a ação cautelar, condenando Edson dos Santos a pa­gar à Lote Empreendimentos Imobiliários Ltda as custas e os honorários de advogado à base de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

VOTO-VENCEDOR

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: O Recorrido ajuizou ação cominatória com imissão de posse, alegando que adquiriu por contrato

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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314 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

particular de compromisso de compra e venda de um apartamento e box, com pagamento do que lhe cabia; mas, a entrega da construção, prevista para 30.4.1987, não foi cumprida, tendo sido obtido o habite-se em 19.11.2000; pede que seja a Empresa-ré compelida a providenciar os documentos junto ao agente financeiro para que possa o Autor obter o financiamento do sal­do devedor, a entregar as chaves e a lavrar a escritura definitiva, desemba­raçada de qualquer ônus. O magistrado determinou a imissão na posse, desde logo, compelindo a Ré a entregar as chaves do prédio (fi. 42). Em reconvenção, pediu a Ré a rescisão dos contratos, com a perda das quantias pagas, com indenização pelo tempo em que tiver ocupado o imóvel. A sen­tença julgou improcedente a ação cominatória c.c. imissão de posse e per­das e danos, a reconvenção e a cautelar, tornando ineficaz a imissão de posse (fls. 390 a 399). O Tribunal de Justiça de Santa Catarina deu provimento ao recurso do Autor e negou provimento ao recurso do Réu. Para o acórdão recorrido, o "contrato firmado entre os litigantes rezava que o pagamento do saldo devedor seria efetuado por ocasião da entrega das chaves, em 30.4.1987", o que não ocorreu. Mas, para o Tribunal, o que importa é sa­ber se incide ou não a correção monetária diante do contrato que estipu­lou preço fixo, com o que, fixado o valor em cruzados, sem menção a qual­quer tipo de atualização, é "inadmissível a exigência feita pela Construto­ra, no sentido de ver convertido o saldo em OTNs, porque não houve a menor estipulação contratual neste sentido, ressaltando que o princípio do pacta sunt servanda não é absoluto, mas, no caso, não há possibilidade de se rever o ato negociaI". Por outro lado, o Tribunal local afastou o art. 85 do Código Civil, porque "não há o menor indício de que havia inten­ção da ora apelada de corrigir a importância remanescente". E, ainda, asseriu que "ao fixar o valor do saldo devedor, mesma considerou o fator risco, a ele conferindo um acréscimo, a fim de evitar eventual prejuízo", não podendo, portanto, "exigir o pagamento do montante corrigido para outorgar a escritura ao adquirente dos imóveis", improcedentes os argumentos ex­postos na reconvenção.

O Sr. Ministro-Relator, Ari Pargendler, conheceu e proveu, em parte, o especial para julgar improcedente a ação ordinária, condenando o Autor a pagar à Ré as custas e honorários de advogado de 10% sobre o valor da cau­

sa, bem assim condenando esta a devolver àquele, com correção monetária, 90% da parte paga do preço. Procedente a reconvenção para o só efeito de condenar o Autor a indenizar a Ré pela ocupação do imóvel no valor equi­valente aos alugueres que este lhe proporcionaria se tivesse sido locado, tudo com juros da intimação da reconvenção, correção monetária e honorários de

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 315

advogado de 10% sobre a condenação e, finalmente, improcedente a caute­lar, condenando o Autor às custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.

Pela alínea a) o especial não tem êxito, seja porque não prequestio­nados os artigos 130, 131, 132 e 133 do Código Comercial, seja porque o art. 85 do Código Civil não se enquadra no caso dos autos.

Pela alínea c), de fato, o precedente de que foi relator o Sr. Ministro Athos Gusmão Carneiro é pertinente ao que se põe nestes autos. Lá está a possibilidade de computar-se a correção monetária, na ausência de previ­são contratual, diante da peculiar situação da economia brasileira, firman­do o contrato em momento de euforia que fazia prever estivesse debelada a inflação, permitindo fossem os contratos firmados, apenas, com a previ­são dos juros.

Reconhecendo, embora, a força do precedente e as bem fundadas razões apresentadas pelo voto do ilustre Relator, não creio que a correção mone­tária, no cenário brasileiro, autorize a aplicação da teoria da imprevisão, mesmo considerando o trânsito eufórico do Plano Cruzado. O certo é que o plano econômico de 1986, que institui o cruzado, perdurando o padrão monetário até janeiro de 1989, quando nasce o cruzado novo, não alcançou estabilidade suficiente para justificar a invocação da teoria da imprevisão relativamente aos efeitos do controle inflacionário. Basta que se verifique a evolução da tabela de correção monetária que se tornou crescente a partir do mês de abril, não mais parando de crescer até a consolidação do real de julho de 1994 em diante. O empresário da construção que contrata a venda de imóvel diante desse cenário sabe dos riscos que assume; do mesmo modo, a parte-adquirente, se admitida a teoria da imprevisão nesse quadro monetá­rio, estaria sendo inviabilizada financeiramente, perdendo não somente o bem, como, ainda, sendo obrigada a pagar a indenização imposta pela ocupação em decorrência de determinação judicial, como acontece neste feito.

Neste caso, a Empresa contratou a preço fixo, sendo que todas as par­celas contratadas foram pagas, restando o saldo quando da entrega das cha­ves, também em valor fixo, tudo em prazo inferior a dois anos, não haven­do razão alguma para que fosse determinada a imposição da correção mo­netária, expressamente dispensada na modalidade assumida pelo contrato, isto é, preço fixo. A meu sentir, na economia brasileira, até o advento do Plano Real, não havia espaço suficiente para justificar a correção monetá­

ria para a aplicação da teoria da imprevisão.

Rogando vênia ao eminente Ministro Ari Pargendler, eu conheço do especial pela alínea c), mas negou-lhe provimento.

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316 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Waldemar Zveiter: Solicitei vista dos autos em face da divergência surgida no julgamento no tocante à possibilidade de incidên­cia de correção monetária, em contrato que expressamente não a previu.

O eminente Ministro Ari Pargendler, relator, conheceu do recurso es­pecial pela alínea c, admitindo-a, forte no precedente citado pelo Recorren­te, da relatoria do Ministro Athos Gusmão Carneiro, assim ementado:

"Cláusula rebus sic stantibus. Ação revisional de contrato de construção e venda de unidade habitacional em prédio em condomí­nio. Pretensão da construtora e vendedora à correção monetária das parcelas devidas com e após a entrega das chaves. Contrato avençado durante o 'Plano Cruzado 1'. A correção monetária, como um aspecto diferenciado da teoria da imprevisão no contexto peculiar da econo­mia brasileira, pode incidir mesmo nos contratos avençados sem a sua previsão. Contrato firmado durante o Plano Cruzado I, sob custos con­gelados e geral expectativa, em todas as classes sociais e com raras exceções, de que a inflação estivesse debelada ou reduzida a razoáveis proporções, permitindo assim a contratação de construções por preços acrescidos apenas de juros. Retomada da inflação, autorizadora da atua­lização da moeda desvalorizada a ponto de afetar a comutatividade contratual. Recurso especial conhecido e provido." (REsp n. 8.473-RJ).

O eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito divergiu, susten­tando, assim:

"Pela alínea c), de fato, o precedente de que foi relator o Sr. Ministro Athos Gusmão Carneiro é pertinente ao que se põe nestes autos. Lá está a possibilidade de computar-se a correção monetária, na ausência de previsão contratual, diante da peculiar situação da econo­mia brasileira, assinado o contrato em momento de euforia que fazia prever estivesse debelada a inflação, permitindo fossem os contratos firmados, apenas, com a previsão dos juros.

Reconhecendo, embora, a força do precedente e as bem fundadas razões apresentadas pelo voto do ilustre Relator, não creio que se deva considerar que a correção monetária, no cenário brasileiro, autorize a aplicação da teoria da imprevisão, mesmo considerando o trânsito eu­fórico do Plano Cruzado. O certo é que o plano econômico de 1986,

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 317

que instituiu o cruzado, perdurando o padrão monetário até janeiro de

1989, quando nasce o cruzado novo, não alcançou estabilidade suficien­te para justificar a invocação da teoria da imprevisão relativamente aos efeitos do controle inflacionário. Basta que se verifique a evolução da tabela de correção monetária que se tornou crescente a partir do mês de abril, não mais parando de crescer até a consolidação do real de julho de 1994 em diante. O empresário da construção que contrata a venda de imóvel diante desse cenário sabe dos riscos que assume; do mesmo modo, a parte-adquirente, se admitida a teoria da imprevisão nesse quadro monetário, estaria sendo inviabilizada financeiramente, perdendo não somente o bem, como, ainda, sendo obrigada a pagar a indenização imposta por ter ocupado o bem por determinação judicial,

como acontece neste feito.

Neste caso, a Empresa contratou a preço fixo, sendo que todas as parcelas contratadas foram pagas, restando o saldo da entrega das cha­ves, também em valor fixo, tudo em prazo inferior a dois anos, não havendo razão alguma para que fosse determinada a imposição da cor­reção monetária, expressamente dispensada na modalidade assumida pelo contrato, isto é, preço fixo. A meu sentir, na economia brasileira, até o advento do Plano Real, não havia espaço suficiente para justificar a aplicação da teoria da imprevisão em casos como o deste feito.

Rogando vênia ao eminente Ministro Ari Pargendler, eu conhe­ço do especial pela alínea c), mas nego-lhe provimento."

Apreciando os autos e considerando as ponderações feitas por ambas

as partes e pelos votos acima, estou em acompanhar o eminente Ministro Menezes Direito.

O fato é que, entre a data da assinatura do contrato e aquela prome­tida para a conclusão da obra, quando deveria ser quitada a última parce­la, decorreu apenas um ano. Pagas as parcelas iniciais conforme estipulado na avença, o restante seria dado por ocasião da entrega das chaves, que não ocorreu na data prevista, não se podendo imputar ao Recorrido a culpa por tal atraso.

O certo é que o contrato não previa qualquer tipo de atualização mo­netária, até pelo tempo exíguo pactuado para o seu total cumprimento e a

circunstância da instauração do Plano Cruzado.

A empresa, como bem acentuou o Ministro Menezes Direito, está ciente dos riscos do negócio. Não seria justo que a penalização recaísse sobre a

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318 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

parte-contratante menos favorecida, que aderiu ao contrato sabendo-o sem

correção monetária, na esperança de quitá-lo em apenas um ano, impondo,

inclusive, indenização pelo tempo que ocupou o imóvel, quando tal se deu em estrita obediência à determinação judicial.

Forte em tais lineamentos, rogando respeitosa vênia ao eminente Mi­

nistro Ari Pargendler, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.

"Ementa: Contrato particular de compromisso de compra e ven­

da. Preço fixo. Inexistência de cláusula de atualização monetária.

I - Embora não se afaste, em tese, a possibilidade de incidência da correção monetária em hipóteses como a presente, em que não pre­vista no contrato, é de concluir-se pela sua não-incidência no caso con­creto, à vista das peculiaridades descritas nos autos.

II - Voto-vista pelo conhecimento e não-provimento do recurso especial."

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Pedi vista destes autos para

melhor exame após o voto do Relator, conhecendo do recurso e dando-lhe provimento, em parte, e dos votos dos Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Waldemar Zveiter no sentido de conhecer do recurso, mas negar­-lhe provimento.

O dissenso entre os votos discordantes refere-se à possibilidade, ou não,

de reconhecer a correção monetária em favor da Recorrida, embora não

contratualmente prevista.

O dissenso acha-se configurado e, quanto a isso, não há discordância.

Por isso, conheço do recurso.

E, no mérito, acompanho a dissidência, embora não afaste, em prin­

cípio, em casos como o presente, a possibilidade de incidência da correção

monetária, não obstante sem previsão contratual.

É que a espécie apresenta peculiaridade, bem ressaltada no voto do

Ministro Waldemar Zveiter:

"O fato é que entre a data da assinatura do contrato e aquela pro­

metida para a conclusão da obra, quando deveria ser quitada a última

parcela, decorreu apenas um ano. Pagas as parcelas iniciais conforme

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 319

estipulado na avença, o restante seria dado por ocasião da entrega das chaves, que não ocorreu na data prevista, não se podendo imputar ao Recorrido a culpa por tal atraso."

A propósito, analisando o caso concreto, argumentou o acórdão re­corrido:

"Por certo que, ao fixar o valor do saldo devedor, a mesma con­siderou o fator risco, a ele conferindo um acréscimo a fim de evitar eventual prejuízo.

Não poderia, pois, exigir o pagamento do montante corrigido para outorgar a escritura ao adquirente dos imóveis.

Por conseguinte, obviamente que os argumentos expostos na re­convenção são totalmente improcedentes. Não houve a mora do autor, porque incabível a atualização do saldo devedor, uma vez que a Cons­trutora condicionava o pagamento daquele para a concessão da escri­tura." (fl. 479).

Em conclusão, pois, acompanho a dissidência: conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.

RECURSO ESPECIAL N. 263.718 - MA (Registro n. 2000.0060501-8)

Relator:

Recorrente:

Advogado:

Recorrida:

Advogados:

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro

Banco do Estado do Maranhão S/A - BEM

Alberto Pavie Ribeiro

Escavações e Transportes Ltda - Estral

Carlos Luiz Kutianski e outros

Sustentação oral: Pedro Gordilho (pelo recorrente) e Bruno Bittar (pelo recorrido)

EMENTA: Processual Civil - Ação de execução - Quitação da dívida - Comprovação - Desistência - Possibilidade - Honorários advocatícios - CPC, art. 569 - Aplicação.

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320 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDE]USTIÇA

I - A quitação de dívida não se presullle, devendo ser COlllpro­

vada.

11 - O legislador assegurou a livre disponibilidade da execução. Assilll, pode o exeqüente desistir da ação de execução (CPC, art. 569), selll que isso illlporte elll renúncia ao seu direito de crédito.

111 - Se a desistência ocorre antes do oferecilllento dos elllbar­

gos, desnecessária é a anuência do devedor. Precedentes.

IV - Recurso especial conhecido e provido, vencido, elll parte,

o Relator quanto aos honorários.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­

nal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Minis­

tro Castro Filho, acompanhando a divergência, por unanimidade, conhecer

do recurso especial e dar-lhe provimento para reformar o acórdão recorri­do a fim de homologar a desistência sem que isso importe a renúncia do exeqüente ao seu crédito, vencido, em parte, o Sr. Ministro-Relator quan­to aos honorários. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy

Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não partici­pou do julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler. Presidiu o julgamento o

Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.

Brasília-DF, 16 de abril de 2002 (data do julgamento).

Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 20.5.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Trata-se de recurso especial

interposto pelo Banco do Estado do Maranhão, com base no art. 105, a e c, da Constituição Federal.

Para se entender melhor a controvérsia, faço um breve resumo dos au-

tos:

O Banco do Estado do Maranhão S/A propôs ação de execução contra a Estral - Escavações e Transportes Ltda, alegando ser credor de importância

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 321

de R$ 1.976.078,77 (hum milhão, novecentos e setenta e seis mil, setenta

e oito reais e setenta e sete centavos), crédito originado de cédula de cré­

dito comercial no valor de R$ 1.500.000,00 (hum milhão e quinhentos mil reais) .

Antes de qualquer apreciação do juízo, a Executada deu-se por citada e requereu que o Exeqüente não bloqueasse "qualquer recurso a ser credi­

tado na conta da Executada" (fi. 24).

O MM. Juiz determinou a penhora dos bens que se achavam hipote­cados e aceitou o pedido da Estral, entendendo que o bloqueio dos recur­sos era indevido, uma vez que a matéria já estava sob a tutela judicial.

Dessa decisão agravou o Banco, sendo seu agravo desprovido liminarmente por falta de peças obrigatórias.

Determinou, então, o Juízo a quo, a liberação dos recursos existen­

tes na conta do Executado (fi. 74).

Peticionou o Banco, afirmando que os valores creditados na conta-cor­rente estavam disponíveis e que "os valores que transitaram indevidamente

na conta-corrente da Executada em data de 7.5.1997, se processou por fa­

lha operacional" (fi. 80).

Também peticionou a Estral, requerendo mandado de seqüestro para

que a importância de R$ 575.598,86 (quinhentos e setenta e cinco mil, qui­nhentos e noventa e oito reais e oitenta e seis centavos) fosse arrecadada de qualquer das agências do Banco, uma vez que tal importância havia sido

debitada, em sua conta, pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Maranhão, em 6.5.1997. O pedido foi deferido à fi. 96.

Às fis. 100/102, o Banco afirma que a soma reclamada é, na realida­

de, de crédito a ele pertencente, recebido por cessão através de contrato de direito de cessão de crédito firmado entre ele - instituição financeira, e a

empresa Estral - Escavações e Transportes Ltda, aduzindo (fi. 10 1):

"As ordens bancárias coletivas, emitidas ao Banco do Estado do

Maranhão S/A, pela Secretaria de Estado da Fazenda do Maranhão, via

agência do BEM na Praia Grande, para pagamento aos vendedores ou

prestadoras de serviços aos órgãos ou autarquias estaduais, são, rigo­rosamente, processadas via computador. Na emissão, aquela Secreta­

ria faz constar todos os dados dos favorecidos e, em especial, o número

da conta-corrente onde os recursos devem ser creditados, conforme

modelo anexo, OBC n. 163. (doc. 1).

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322 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ora, MM. Juiz, no caso em tela, tratando-se de um direito pre­viamente transferido ao Banco do Estado do Maranhão, via contrato particular de cessão de direito de crédito, aquela Secretaria deixou de consignar o número da conta-corrente da prestadora de serviços, objeto da ordem/fatura, no caso, a empresa Estral, registrada na nota descri­tiva (doc. 2), deixando a critério do Banco a utilização dos recursos que de fato e de direito lhe pertencem, como melhor lhe aprouvesse.

Porém, digníssimo Juiz, funcionário subalterno do Banco, desavisado do destino dos recursos ou submetido a, sabe-se lá que pressões por prepostos da empresa Estral, datilografou, em máquina de escrever manual, o número da conta-corrente da referida empresa, adul­terando claramente a OBC. Ou seja, preencheu com instrumento me­cânico campos do formulário usual e exclusivamente preenchidos por computadores eletrônicos. Em seguida, efetuou lançamento no Caixa, sensibilizando, incorretamente, a conta-corrente em questão. (doc. 3).

Dando seguimento à maquinação, representante da empresa, pre­parando-se para questionar direitos que já havia transferido desde o ano de 1995, acessou a conta-corrente enxertada e obteve extrato da mes­ma com o registro do crédito indevido.

Ocorreu que, quando administrador da Estral - executada -, apre­sentou-se à administração da agência para tentar transferir, através de DOC (documento de compensação interbancária), a importância irre­gularmente creditada para conta sua em outra instituição de crédito, que, como visto, não lhe pertencia, o gerente da referida agência não acatou tal pretensão, por haver, antes, constatado a fraude e a repara­do com o imediato e conseqüente estorno dos recursos pertencentes ao BEM, comunicando o procedimento à Secretaria de Estado da Fazen­da, incontinenti (doc. 4)."

Expedido o mandado de seqüestro (fi. 112), o Banco impetrou man­dado de segurança, julgado prejudicado (fi. 213).

À fi. 206 o Banco-exeqüente requereu desistência da execução, afir­mando: "Esclarece o Exeqüente, por não ter sido paga a dívida executada, que a presente desistência não implica em renúncia ao direito de crédito, devendo ser simplesmente homologada, sem prejuízo de posterior ajuiza­mento de nova execução, .... " (fi. 206).

Em razão do pedido de desistência ter sido formulado nos termos acima, entendeu o MM Juízo de Direito que a extinção não poderia ser autorizada,

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 323

sem a manifestação da parte contrária e por estar pendente o julgamento do

mandado de segurança (fi. 208). Dessa decisão agravou o Exeqüente.

Em razão do writ ter sido julgado prejudicado, foi determinada a li­

beração do valor R$ 601.713,31 (seiscentos e um mil, setecentos e treze

reais e trinta e um centavos).

Ao agravo de instrumento interposto foi negado seguimento por enten­

der o ilustre Relator que na decisão agravada não havia "conteúdo decisório"

(fi. 316).

Manifestando-se sobre o pedido de desistência, a Estral afirmou que

a dívida com a Exeqüente já havia sido liquidada. Conclui afirmando que "aceita a desistência do Exeqüente e a extinção deste processo, desde que

seja devolvido o crédito depositado pelo DER, quantia que foi apropriada indevidamente pelo Exeqüente, devidamente reajustada, e que se dê a extin­

ção da execução com base no art. 794, inciso IH, do Código de Processo

Civil brasileiro, caso contrário, a Executada não aceita a desistência do

Exeqüente e que se dê continuidade ao feito" (fi. 310).

Apreciando o pedido de desistência, entendeu o MM. Juiz de Direito

(fi. 338):

"Vê-se, pois, que o Banco do Estado do Maranhão S/A, ao ajui­

zar a presente ação de execução, o fez para acobertar o bloqueio da

importância creditada em contas-correntes da Executada, no importe

de R$ 575.598,86 (quinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos e no­

venta e oito reais e oitenta e seis centavos).

Assim, sem qualquer demonstrativo do débito atualizado e a de­

volução da importância retida indevidamente da conta-corrente da

Executada - matérias revistas por via de agravo de instrumento e man­

dado de segurança -, tenho que o pedido de desistência opera a

inexistência de dívida a ser cobrada pelo Banco-autor."

Concluindo, o MM. Juiz a quo extinguiu a ação de execução e con­

denou o Exeqüente ao pagamento de indenização por danos sofridos no va­

lor de R$ 575.598,86 (quinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos e no­

venta e oito reais e oitenta e seis centavos), além de honorários advocatícios

arbitrados em 20% sobre aquele valor corrigido monetariamente, além de

custas e despesas processuais.

O seqüestro foi efetivado à fi. 343.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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324 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em grau de apelação, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justi­ça do Estado do Maranhão, por unanimidade e em desacordo com o pare­cer da Procuradoria Geral de Justiça, conheceu do recurso e deu-lhe par­cial provimento, apenas para afastar o pagamento da indenização no valor de R$ 575.598,86 (quinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos noventa e oito reais e oitenta e seis centavos), nos termos do voto do Relator (fi. 408).

A ementa do acórdão ficou assim redigida:

"Processual Civil. Apelação cível. Execução. Desistência. Neces­sidade de manifestação da parte-executada. Dívida com garantia hipotecária. Bloqueio de crédito em conta-corrente. Impossibilidade. Devolução em sede de seqüestro. Confirmação da medida. Indenização. Incabimento.

1. O juiz não pode homologar desistência de execução sem pré­via concordância do executado, já citado para a ação e reagido em de­fesa dos seus direitos.

2. Encontrando-se a dívida sob garantia hipotecária, é injustifi­cável e arbitrário o bloqueio de crédito do devedor em conta-corren­te, sendo correta a decisão de que determina sua devolução em sede de seqüestro.

3. Incomprovada a ocorrência de dano resultante do bloqueio indevido, incabível qualquer indenização nesse sentido.

4. Apelo parcialmente provido. Unanimidade."

O vencido opôs embargos de declaração alegando omissão do julga­do "quanto ao exame da totalidade da manifestação de fIs. 100/102" (fi. 430), afirmando que aquela Corte não poderia ter desconsiderado os fatos ali narrados, e que o estorno de valores lançados irregularmente em contas bancárias por erro, é operação resguardada por lei e chancelada pela juris­prudência desta Corte.

Entende que, sem examinar a totalidade dos fatos narrados às fIs. 100/ 102, fazendo-o como fez o acórdão apenas em parte e atribuindo-lhe o va­lor que entendeu, é negar a existência dos demais fatos.

Sustentou que a alegação, no acórdão, de que o ora embargante não rebateu a afirmação da Empresa-executada de que a dívida estava liquida­da não procede, uma vez que há várias petições posteriores à manifestação da Executada e anteriores à sentença, opondo-se à pretensão de declaração de liquidação do débito. Assim, afirma, há omissão no exame das provas carreadas aos autos.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 325

Afirmou que há "contradição no acórdão ora embargado, na medida em que essa egrégia Corte reconhece que o BEM está pleiteando a reforma da sentença, para que seja homologada a desistência da execução nos termos do art. 569 do CPC, porque não liquidada a dívida, e, ao mesmo tempo, afirma que o BEM não teria se oposto à afirmação da Executada, de que a dívida fora liquidada" (fl. 434).

Esses embargos foram rejeitados (fls. 4411446), e novos embargos fo­ram outra vez opostos para aclaramento dos primeiros, mas também rejei­tados (fls. 458/462).

Daí o recurso especial, interposto pelas letras a e c do permissivo cons­titucional, no qual o Recorrente alega ofensa aos seguintes preceitos (fi. 468):

"a) aos arts. 128 e 460 do CPC, porque ao se manter a parte da sentença que conhecera do pedido de 'desistência da execução' como pedido de 'extinção da execução', com 'declaração de liquidação da dívida', proferiu-se decisão diversa da que foi pedida;

b) ao artigo 569 do CPC, porque rejeitado o provimento da ape­lação para homologar a desistência da execução;

c) ao artigo 794, III, do CPC, porque aplicado em hipótese com ele não identificada (extinção da execução em face de desistência da execução);

d) aos artigos 939 a 949 do Código Civil, porque mantida a sen­tença na parte em que declarou extinta a execução sem prova da qui­tação;

e) aos artigos 458, I e II, e 515, do CPC, porque não foi exami­nada toda a matéria devolvida ao Tribunal a quo no julgamento da apelação."

Sustenta, ainda, violação aos arts. 458, I e II; 515 e 535, II, do CPC, e cita jurisprudência desta Corte.

Oferecidas as contra-razões, foi o recurso admitido nos seguintes ter­mos (fl. 511):

"Em relação à alegada violação aos artigos supramencionados, constato ser a questão passível de apreciação pelo Superior Tribunal Justiça, uma vez que a matéria discutida em sede ordinária recomen­da uma profícua decisão superior, tendo o acórdão recorrido envere­dado por tema que transcende aos limites desta Corte.

RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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326 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Cuidando-se do fundamento contido na alínea c do permissivo constitucional, evidenciado está o dissídio jurisprudencial, encontran­do-se atendidas as exigências legais do parágrafo único do artigo 541 do Código de Processo Civil, com a descrição dos decisórios, mencio­nando os pontos controvertidos."

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (Relator): A Súmula n. 5 des­ta Corte veda a simples interpretação de cláusula contratual no âmbito do recurso especial. Contudo, para melhor deslinde da controvérsia, é neces­sário que vejamos a cláusula primeira do contrato de cessão de direito de crédito firmado entre o Banco-recorrente e a Empresa-recorrida:

"Cláusula primeira. A Cedente, na qualidade de prestadora de ser­viço de construção de estrada MA 402, trecho Morros-Humberto de Campos, e da duplicação da estrada MA 201, trecho Cohab-Maiobão, contratados pelo DER - Departamento de Estradas de Rodagem, cede e transfere ao cessionário, em caráter irrevogável e irretratável, todos os direitos creditórios, seus acessórios, vantagens e garantias assegu­rados nos Contratos de n. 41/1992 e 44/1993, respectivamente, alusi­vos a essas obras.

Parágrafo único. Transfere ainda a Cedente ao Cessionário, quais­

quer importâncias que venham a ser creditadas em sua conta de depósi­tos mantida na agência do Banco-cessionário, oriundas de outros órgãos do Governo Estadual (Administração Direta ou Indireta), ou da Prefei­tura Municipal de São Luís." (grifos nossos). (fi. 32).

Assim, estava o Banco-exeqüente autorizado a transferir a importân­cia creditada pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Maranhão na conta do Executado.

Mesmo afirmando a Executada que a dívida com a Exeqüente já ha­via sido liquidada, não trouxe aos autos qualquer comprovação, embora sus­tentasse que "como pode ser comprovado pela avaliação de operações finan­

ceiras feita pelo escritório Gustavo B. Pualinelli - Assessoria e Consultoria Financeira (anexo doc. 1), declara não dever mais nada à Exeqüente, e, sim, é esta que a deve, pois é facilmente comprovado pelos critérios adotados na

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 327

avaliação supra-referida" (fi. 310). Não há, contudo, qualquer documento que comprove a liquidação da dívida.

O art. 794 do Código de Processo Civil determina:

"Extingue-se a execução quando:

I - o devedor satisfaz a obrigação;

II - o devedor obtém, por transação ou por qualquer outro meio, a remissão total da dívida;

III - o credor renunciar ao crédito."

Nenhuma dessas hipóteses se verifica dos autos.

A afirmação do MM. Juiz de Il1. grau de que "o pedido de desistência opera a inexistência de dívida a ser cobrada pelo Banco-autor" (fi. 338) não está prevista em lei, mas em mera presunção.

Ao requerer a desistência da execução, o Banco salientou que não es­tava renunciando ao seu direito de crédito e que a dívida não havia sido paga (fi. 206). Em outra petição posterior, insistiu na homologação da de­sistência.

Alcides de Mendonça Lim.a afirma:

"A 'desistência', como ocorre no processo de conhecimento, diz respeito com o 'processo de execução', em si mesmo, sem prejudicar a pretensão a executar. Assim sendo, a 'desistência' torna extinto o pro­cesso de execução sem julgamento do mérito (art. 329). Mas, aplica­do subsidiariamente (art. 598), o art. 268, 'a extinção não obsta a que o autor intente de novo a ação', mormente quando o Código aderiu à corrente que considera a 'execução' como ação, em plano de igualda­de, portanto, com a ação de conhecimento ou de cognição, e não como fase dessa (n. 23 e segs., supra). Não há renúncia ao direito em si mes­mo, isso é, o credor renuncia aos atos do processo, mas não renuncia à ação." (Comentários ao Código de Processo Civil, voI. IV, Tomo I, p. 171).

Já Pontes de Miranda, com seu magistral entendimento, leciona:

"O art. 569 apenas fala de 'credor', mas havemos de entender qualquer legitimado ativo, no plano do processo. Não se trata aí de renúncia à ação de direito material. Apenas se cogita da desistência da

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328 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

propositura da ação executiva, que pode voltar a ser proposta, ou de algum ou alguns atos processuais que foram praticados (ou pedidos)

para o procedimento da execução." (Comentários ao Código de Pro­cesso Civil, Tomo IX, 211. ed., revista e atualizada, atualização

legislativa de Sérgio Bermudes, Editora Forense, 2001). (p. 80).

Humberto Theodoro Júnior assim entende:

"Com a renúncia ao crédito, não se confunde a desistência do

processo. Enquanto a primeira é de direito material, fazendo extinguir o próprio direito à prestação obrigacional, a segunda é um ato mera­

mente formal, que apenas põe fim à relação processual pendente, sem

atingir o direito substancial da parte. Quem renuncia não pode mais

voltar a demandar a obrigação, que definitivamente se extinguiu. Mas,

quem desiste pode voltar a disputar a mesma prestação em nova rela­ção processual." (Processo de Execução, 10ll. ed., pp. 438/439).

o art. 569 do CPC dispõe:

"O credor tem a faculdade de desistir de toda a execução ou de

apenas algumas medidas executivas."

O legislador editou, pois, norma expressa assegurando a livre dispo­

nibilidade da execução.

Nesse sentido, acórdão proferido pela Quarta Turma deste Tribunal,

assim ementado:

"Processo Civil. Execução. Embargos oferecidos. Desistência.

Audiência da embargante. Necessidade. Recurso provido.

I - Constitui princípio, albergado na legislação vigente (CPC, art.

569), que o exeqüente tem a livre disponibilidade da execução, poden­

do desistir a qualquer momento, em relação a um, a alguns ou a to­

dos os executados, mesmo porque a execução existe em proveito do

credor, para a satisfação do seu crédito.

II - Se a desistência ocorre após o oferecimento dos embargos,

imprescindível se faz a audiência da parte-executada para aferir-se do seu interesse no prosseguimento dos embargos." (REsp n. 7.370-PR,

reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 4.11.1991).

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 329

No caso dos autos, não houve embargos à execução, assim, desneces­sária a anuência do devedor.

O acórdão recorrido acolheu a alegação do Executado de que a dívi­da, objeto da execução, estava liquidada. Contudo, o próprio julgado reco­nhece que não houve comprovação, in verbis:

"A Apelada, por sua vez, não aceitou a desistência, alegando que, para tal, o Apelante deveria devolver a quantia já apropriada indevida­mente por ele e depositada no valor de R$ 601.713,31 (seiscentos e um mil, setecentos e treze reais e trinta e um centavos) já atualizada, a fim de que se procedesse à extinção da execução com base no art. 794, IH, do CPC, vez que a dívida já foi liquidada, afirmação feita à fl. 309, pela Empresa-executada, sem comprovação." (os grifos não são do ori­ginal). (fls. 411/412).

Como, então, presumir-se o adimplemento da obrigação? A quitação ou a renúncia não se presumem, como afirmado pelo eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, no REsp n. 21.662-SP, nos seguintes termos:

"O processo de execução tem como escopo a satisfação do cre­dor e só deve terminar com o adimplemento integral da obrigação ou renúncia ao crédito (CPC, art. 794).

Tal adimplemento se prova mediante quitação - que não se pre­sume, a não ser em hipóteses legalmente previstas (Código Civil, arts. 939 a 949).

Também a renúncia deve ser expressa, não presumida.

O silêncio do exeqüente não induz quitação, nem renúncia.

No julgamento do REsp n. 8.775, esta Turma, conduzida pelo eminente Ministro Garcia Vieira, proclamou em admirável síntese:

'Não cumprido o julgado, é inadmissível a extinção da exe­cução.'

Extinguir o processo de execução, sem prova cabal do adimple­mento, é denegar justiça."

O acórdão desse julgado traz a seguinte ementa:

"Processual. Processo de execução. Presunção de pagamento. Si­lêncio do exeqüente. CPC, art. 794. CC, arts. 939 a 949.

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330 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Sentença que, após intimação do exeqüente, pela imprensa, face ao silêncio deste, que o crédito foi satisfeito e põe termo ao processo de execução.

Tal sentença merece reforma.

O processo de execução só deve terminar com o adimplemento integral de obrigação ou renúncia ao crédito (CPC, art. 794).

O adimplemento prova-se mediante quitação ou renúncia, que não se presumem (CC, arts. 939 a 949).

O silêncio do exeqüente não induz quitação, nem renúncia.

Extinguir a execução, sem prova cabal do adimplemento, é denegar justiça.

Recurso desprovido."

O acórdão recorrido, ao entender que "a Apelada, ao manifestar-se so­bre o pedido de desistência do Apelante alegou que a dívida, objeto da exe­cução, estava liquidada, e sobre esse ponto o Apelante não se manifestou, colocando em confronto com a lógica e as regras de experiência, excluin­do o que for inverossímil ou improvável do relato, para acolher o que se evidenciar racional, coerente e compatível com as circunstâncias" (fi. 419), realmente estabeleceu divergência com decisão desta Corte, acima transcrita.

O pedido de desistência da ação de execução foi feito com base no art. 569 do CPC, por ter o credor livre disponibilidade da execução.

Como já salientado, não foram opostos embargos à execução, assim, não era necessária a audiência do devedor para aferir-se do seu interesse no prosseguimento da execução.

Pontes de Miranda, na obra acima citada, afirma:

"Quanto à desistência, pode o autor desistir da ação se o proces­so é cognoscitivo, sem consentimento do réu, até a resposta (art. 267, § 4.2.), ou com o consentimento do réu, a qualquer tempo, até se pro­ferir a sentença. Se a ação é executiva, não há limite temporal, quer para toda a execução, quer apenas para alguma ou algumas medidas executivas."

Podia, assim, o Exeqüente requerer a desistência da ação executiva, cabendo ao juiz declarar por sentença a extinção, sem julgamento do mé­rito, uma vez que, repita-se, não foram opostos embargos.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 331

A propósito, mais um ensinamento de Alcides de Mendonça Lima na obra anteriormente citada:

"Ora, se for fundada em título extrajudicial (art. 585), a situação é muito semelhante à do processo de conhecimento, tanto que a defe­sa é ampla (art. 745). Equipara-se à antiga ação executiva do Código de 1939 (arts. 298-301). A desistência, portanto, somente poderá ocor­rer, sem o consentimento do devedor (posição similar à do réu), an­tes da 'resposta dele' (art. 267, § 412), isso é, antes dos embargos (art. 736 c.c. o art. 745);" (fl. 172).

Quanto aos honorários advocatícios, tem entendido esta Corte que são eles devidos no caso de desistência da execução, ainda que não tenham sido opostos embargos.

Contudo, no caso dos autos, a ora recorrida resistiu ao pedido de de­sistência, levando o Banco-recorrente a interpor vários recursos até chegar a esta egrégia Corte. Saliente-se que a sentença de 112 grau chegou a con­denar o Recorrente ao pagamento de uma indenização, não pedida, de R$ 575.598,86 (qúinhentos e setenta e cinco mil, quinhentos e noventa e oito reais e oitenta e seis centavos), além de honorários advocatícios fixados em

20% sobre esse valor corrigido monetariamente.

O acórdão atacado manteve essa decisão, retirando apenas a referida indenização, ocasião em que o Banco interpôs dois embargos de declaração, rejeítados, além do recurso especial.

O artigo 26 do CPC dispõe que, no caso de o processo terminar por desistência, as despesas processuais e os honorários serão pagos pela parte que desistir.

No caso dos autos, o processo não teve fim, nas instâncias ordinárias, com a desistência; ao contrário, tendo a Executada resistido ao pedido, a questão pertinente prosseguiu até chegar a este Tribunal.

Assim, nos termos do artigo citado, deve o Recorrente arcar com as custas processuais, mas somente até a data do pedido de desistência. A partir daí, a Recorrida arcará com as verbas da sucumbência, inclusive honorários advocatícios, uma vez que o seu pleito não foi acolhido por esta Corte.

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para refor­mar o acórdão recorrido, a fim de homologar a desistência sem que isso im­porte em renúncia do Exeqüente ao seu crédito. Condeno o Banco-recorrente, contudo, ao pagamento das custas processuais até a data da desistência. A

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332 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

partir daí, as demais verbas de sucumbência serão suportadas pela Recor­rida, inclusive honorários advocatícios, que fixo em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), em razão do trabalho desenvolvido pelo patrono do Recorrente.

VOTO-VENCEDOR

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: O Banco-recorrente ajuizou execução alegando ser credor da importância de R$ 1.976.078,77, originada de cédula de crédito comercial; que não tendo havido pagamen­to, foi feita escritura de composição e renegociação de dívida, também não cumprida. A Ré, dando-se por citada, nos termos do § 29., art. 655 do Có­digo de Processo Civil, requereu a penhora dos "bens que se acham hipo­tecados ao título", requerendo, ainda, que o Exeqüente "se abstenha do blo­queio de qualquer recurso a ser creditado na conta da Executada, posto que ato administrativo desta ordem estaria em confronto com o princípio do juízo natural e com a gradação da ordem de penhora estabelecida no dis­positivo suso". Em seguida, o Banco pediu o prosseguimento do feito, com a citação da Exeqüente, e, ainda, que fosse indeferido o pedido feito pela Executada, juntando um contrato de cessão firmado entre as partes pelo qual a Executada "cede e transfere ao cessionário, em caráter irrevogável e irretratável, todos os direitos creditórios, seus acessórios, vantagens e ga­rantias assegurados nos Contratos de n. 41/1992 e 44/1993, respectivamente, alusivos a essas obras" e, também, "quaisquer importâncias que venham a ser creditadas em sua conta de depósitos mantida na agência do Banco­-cessionário, oriundas de outros órgãos do Governo Estadual (Administra­ção Direta ou Indireta), ou da Prefeitura Municipal de São Luís", autori­zando o cessionário a "utilizar qualquer valor que seja transferido/deposi­tado para crédito da conta de depósito da Cedente, resultante do estatuído na cláusula primeira e seu parágrafo único, seja na amortização de parce­las vincendas ou vencidas, ou na liquidação, mesmo que antecipada, de dí­vidas contraídas com o Banco-cessionário". O magistrado admitiu a cita­ção da Executada como por ela requerido e determinou a penhora dos bens que se acham hipotecados, impedindo o bloqueio de recursos creditados na conta da Executada. Da decisão, o Banco interpôs agravo de instrumento, que foi indeferido por ausência de peça obrigatória. O magistrado, diante de informação da Executada, ordenou o imediato seqüestro da importância de R$ 575.598,86, com depósito imediato na conta desta, "eis que não se trata de penhora, posto que a execução encontra-se com garantia real". Houve, então, o ingresso de ordem de .. , segurança pelo Banco, com obtenção de liminar para impedir o seqüestro em 13.5.1997, que, afinal, foi julgado

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 333

prejudicado em sessão de 10.3.1998. Em seguida, requereu o Banco-exe­qüente a desistência da execução, determinando o juiz que fosse ouvida a Executada. Diante do julgamento do mandado de segurança, ordenou o juiz o depósito do valor que estava com o Banco, tendo havido novo agravo de instrumento, desta feita combatendo a decisão que não homologou a desis­tência, com base no art. 559 do Código de Processo Civil. A Executada, fi­nalmente, manifestou-se favoravelmente ao pedido de desistência "desde que seja devolvido o crédito depositado pelo DER, quantia que foi apropriada indevidamente pelo Exeqüente, devidamente reajustada, e que se dê a extinção da execução com base no art. 794, inc. lU, do Código de Proces­so Civil brasileiro, caso contrário, a Executada não aceita a desistência do Exeqüente e que se dê continuidade ao feito". O Relator negou seguimen­to ao último agravo de instrumento interposto pelo Exeqüente. O seqües­tro do valor de R$ 601.713,31 foi efetuado. Finalmente, a sentença (fls. 344/ 345) julgou extinta a execução, condenado o Banco a pagar a importância de R$ 575.598,86, retida indevidamente, tudo corrigido. O Tribunal de Jus­tiça do Maranhão proveu, em parte, a apelação do Banco, para afastar o pagamento da indenização no valor de R$ 575.598,86.

O eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator, conheceu e proveu o especial "para reformar o acórdão recorrido, a fim de homologar a desistência sem que isso importe em renúncia do Exeqüente ao seu cré­dito. Condeno o Banco-recorrente, contudo, ao pagamento das custas pro­cessuais até a data do pedido de desistência. A partir daí, as demais verbas de sucumbência serão suportadas pela Recorrida, inclusive honorários advocatícios, que fixo em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), em razão do trabalho desenvolvido pelo patrono do Recorrente".

O que se verifica dos autos é que, realmente, instalou-se um tumulto processual, resistindo o Banco a cumprir a ordem judicial de seqüestro, embora pedindo a desistência da execução sem a renúncia do direito a re­ceber o seu crédito.

Não me parecem presentes as alegadas violações aos artigos 128, 458, 460,515 e 535 do Código de Processo Civil. O Tribunal manteve o julga­do apresentando fundamentos suficientes para sua conclusão, não extrapolando dos limites da apelação. Os artigos 939 a 949 do Código Ci­vil estão apenas mencionados, não trazendo o especial fundamentação es­pecífica sobre o tema. O que se deve examinar, portanto, é a alegada vio­lação aos artigos 569 e 794, lU, do mesmo Código.

A meu sentir, o ponto nuclear é, exatamente, a possibilidade do pedi­do de desistência e suas conseqüências. E, de fato, a desistência é possível,

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334 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

a teor do art. 569 do Código de Processo Civil, ainda mais neste feito, em que não houve, efetivamente, a interposição dos embargos. A Executada per­maneceu nos autos o tempo inteiro, após dar-se por citada, e requerer a pe­nhora dos bens que se acham hipotecados ao título, sem, contudo, apresentar embargos. Ora, se não houve a apresentação dos embargos, possível é o pe­dido de desistência da execução, formulado pelo Exeqüente, com a ressal­va de que tal pedido não inclui renúncia ao seu direito de cobrar a dívida. É certo que o processo desenvolveu-se, com variado cenário protelatório, tudo em torno de valor que havia sido retirado da conta da Executada e que, finalmente, a esta retornou. Esse quadro jurídico não autoriza mesmo a pura e simples extinção da execução, que somente pode ocorrer nos termos do art. 794 do Código de Processo Civil, sendo certo que se não pode presu­mir a renúncia com o pedido de desistência, diante da expressa ressalva, nem, tampouco, é admissível presumir a quitação do débito (REsp n. 21.662-SP, relator o Sr. Ministro Gomes de Barros, DJ de 14.12.1992).

Razão, portanto, tem o eminente Relator ao conhecer e prover o espe­cial para afastar a extinção e homologar a desistência.

Todavia, peço vênia ao eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro para ponderar quanto aos honorários advocatícios. A nossa Corte tem con­sagrado que os honorários são devidos pelo credor quando desiste da exe­cução "após o Executado constituir advogado e indicar bens à penhora, in­dependentemente da não-oposição de embargos" (REsp n. 285.347-SP, relator o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 5.3.2001; no mesmo sentido: REsp n. 257.002-ES, relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, DJ de 18.12.2000). Neste caso, com mais razão deve ser acolhido esse enten­dimento. A resistência prolongada do Banco-exeqüente no cumprimento da ordem judicial, com a interposição de dois agravos de instrumento e mais um mandado de segurança justifica, plenamente, que lhe seja imposta a to­talidade dos ônus da sucumbência, com o pagamento das custas e dos ho­norários de advogado de R$ 50.000,00.

Em conclusão, conheço do especial e dou-lhe provimento para homo­logar a desistência, respondendo o Banco-exeqüente pelas custas e honorá­rios de R$ 50.000,00.

VOTO-VISTA

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial em pro­cesso de execução, interposto por Banco do Estado do Maranhão, com fun­damento nas alíneas a e c do permissivo constitucional.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 335

Perante o Juízo a quo, o ora recorrente deduziu pedido de desistên­cia do processo de execução. Após a manifestação do Recorrido, opondo-se ao pleito nos termos em que foi formulado, afastou o MM. Juiz a quo o pedido de desistência e julgou extinto o processo de execução ao fundamen­to de restar provado que o débito fora liquidado pelo Recorrido.

Em conseqüência, condenou o ora recorrente ao pagamento de inde­nização por pleitear valor indevido, acrescidos de custas processuais e ho­norários advocatícios.

o egrégio Tribunal a quo acolheu em parte o recurso de apelação do

ora recorrente, tão-somente para afastar a condenação do Recorrente ao pagamento de indenização por pleitear valor indevido.

Os primeiros e os segundos embargos de declaração opostos foram rejeitados.

Em suas razões de recurso especial, alegou o Recorrente ofensa aos arts. 20, 21, 128, 458, incs. I e II; 460, 515, 535, inc. II; 569, 794, inc. III, do CPC, e 939 a 949 do CC, e divergência jurisprudencial.

O Ministro-Relator conferiu provimento ao recurso especial, reconhe­cendo a existência de violação aos arts. 20 e 569 do CC, para reformar o v. acórdão recorrido e homologar o pedido de desistência formulado, sem que isto implicasse em renúncia do Exeqüente ao seu direito de crédito.

Quanto à sucumbência, condenou o Recorrente ao pagamento das custas processuais até a data do pedido de desistência; as custas devidas após

este pedido, bem como os honorários advocatícios, arbitrados em R$ 50.000,00, concluiu o Ministro-Relator, deverão ser suportados pelo Recorrido.

Em voto-vista, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito dissentiu do Ministro-Relator quanto à questão da sucumbência, sob o fundamento de que a jurisprudência deste colendo STJ tem consagrado que os honorários e as custas são devidos pelo credor quando este desiste do processo de execução "após o Executado constituir advogado e indicar bens à penhora, indepen­dentemente da não-oposição de embargos". Arbitrou os honorários, devidos pelo Recorrente, em R$ 50.000,00.

Reprisados os fatos, decide-se.

Acompanho o Ministro-Relator no que respeita às questões relativas à

ofensa aos arts. 128, 458, ines. I e II; 460, 515, 535, inc. II; 569, 794, inc. III, do CPC, e 939 a 949 do CC.

Passo à análise do recurso especial quanto à questão da condenação ao

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336 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

pagamento de custas e honorários advocatícios (negativa de vigência aos arts. 20 e 21do CPC).

De acordo com o entendimento moderno da ciência processual, a obri­gação ao pagamento de custas e honorários advocatícios deriva do fato ob­jetivo da sucumbência: victus victori. Paga quem foi vencido, indepen­dentemente da existência de culpa ou de outro motivo a ensejar a obriga­ção de pagar.

Ocorre que o princípio da sucumbência não oferece regra operadora na hipótese de extinção do processo sem exame de mérito, ou seja, quando não houver nem vencedor nem vencido.

Com o fito de solucionar a questão, apresentou-se outro fundamento, mais abrangente e adequado, consistente no princípio da causalidade. No julgamento do AgRg na MC n. 1.243-SP, de minha relatoria, restou o re­ferido princípio assim explicitado, in verbis:

"Contudo, é assente na jurisprudência que aquele que deu causa à propositura da ação frustrada responde pelos consectários da sucumbência. É a conjugação do art. 20 do Código de Processo Civil com a teoria da causalidade, uma vez que a legislação ordinária mos­trou-se insuficiente para atender ao critério de distribuição dos ônus sucumbenciais quando notado o insucesso em causas que não tenham, a princípio, vencedor ou vencido."

Na hipótese dos autos, foi o Recorrente quem propôs a execução.

O Recorrido, citado, teve de contratar advogado, indicou bens à penho­ra e arcou com despesas outras, a fim de defender os seus interesses em juízo. Está a justificativa da condenação em custas e honorários advocatícios, assim, na causalidade imputada ao ato recorrente.

Note-se, a respeito, a firme jurisprudência deste colendo STJ, que en­tende ser devida a condenação do Exeqüente ao pagamento de custas e ho­norários advocatícios, nas hipóteses em que houve pedido de desistência e o Executado, citado, tenha constituído advogado e indicado bens à penho­ra. Cite-se, a respeito, os seguintes precedentes: AgRg no Ag n. 44.000-MS, reI. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ de 12.12.1994; Recurso Espe­cial n. 75.057-MG, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de 5.8.1996; Recurso Especial n. 80.391-MG, reI. Min. Waldemar Zveiter, Ter­ceira Turma, DJ de 4.11.1996; Embargos de Divergência em Recurso Es­pecial n. 80.257-SP, reI. Min. Adhemar Maciel, Primeira Seção, DJ de 25.2.1998; Recurso Especial n. 134. 749-SC, reI. Min. Waldemar Zveiter,

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 337

Terceira Turma, DJ de 8.9.1998, DJ de 24.5.1999; Recurso Especial n. 149.292-MG, reI. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, DJ de 19.6.2000; Recurso Especial n. 257.002-ES, reI. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ de 18.12.2000, e Recurso Especial n. 285.347-SP, reI. Min. Aldir Pas­sarinho Junior, Quarta Turma, DJ de 5.3.200l.

Fundamenta o Ministro-Relator, ao votar pela condenação do Recor­rido ao pagamento de honorários advocatícios, no fato de ter este resistido ao pedido de desistência, o que levou o Recorrente "a interpor vários re­cursos até chegar a esta egrégia Corte".

Peço aqui a devida vênia ao eminente Relator, pois entendo que o Re­corrido, ao ser intimado para manifestar-se sobre o pedido de desistência formulado pelo Recorrente, exerceu de forma regular direito seu, opondo­-se ao pedido de desistência com os argumentos que elencou.

A demora em se reconhecer, ao Recorrente, o direito à desistência do processo de execução deveu-se não aos atos de resistência praticados pelo Recorrido, mas ao fato de não ter sido tal pedido acolhido pela r. senten­ça, a qual restou confirmada neste aspecto pelo v. acórdão ora atacado.

Com a reforma do v. aresto em sede de recurso especial, nos moldes do voto do Ministro-Relator, operando-se a homologação do pedido de de­sistência formulado, impõe-se in casu, em conseqüência, a aplicação do disposto no art. 26 do CPC, com a conseqüente condenação do Recorrente ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

Forte em tais razões, no que respeita à questão da sucumbência, acom­panho o voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito para condenar o Recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados estes em R$ 50.000,00.

É o voto.

VOTO-VISTA

o Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se, na origem, de execução promo­vida pelo Banco do Estado do Maranhão contra Estral - Escavações e Trans­portes Ltda da importância de R$ 1.976.078,77.

À falta de pagamento, fez-se, por escritura, renegociação da dívida, também não cumprida.

Depois de procedimento um tanto tumultuado, foi julgada extinta a execução e condenado o Banco a pagar a importância de R$ 575.598,86, que, indevidamente, havia sido retida. A sentença, entretanto, foi reformada pelo

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338 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Tribunal de origem, mas, apenas, para afastar o pagamento da quantia su­pra-referida. Daí, o presente recurso especial interposto pelo Banco, com base nas alíneas a e b do permissivo constitucional.

S. Ex.', o ilustre Ministro-Relator, Pádua Ribeiro, após pormenorizada exposição, concluiu por dar provimento ao recurso, "a fim de homologar a desistência, sem que isso importe em renúncia do Exeqüente ao seu crédi­to", condenou o Banco ao pagamento das custas processuais até a data do pedido de desistência, passando, a partir de então, a Recorrida, a suportar as demais verbas da sucumbência, inclusive honorários advocatícios, que arbitrou em R$ 50.000,00.

O douto Ministro Menezes Direito - e com e ele a ilustre Ministra Nancy Andrighi - acompanhou o Relator, no que concerne ao provimento do recurso, para afastar a extinção, no que diz respeito à quitação do dé­bito, mas homologando a desistência da ação. Entretanto, inspirando-se em precedentes da Corte, dele dissentiu quanto às custas e honorários, atribuin­do-os ao Banco-recorrente.

Com efeito, a pura e simples desistência da ação (o que, em verdade, trata-se de desistência, não da ação, mas do processo), contemplada no § 42

do artigo 267 do Código de Processo Civil, não se confunde com a renún­cia ao direito sobre que se funda a ação, de que cuida o inciso V do artigo 269 do mesmo diploma legal. Por isso, exigir a lei, para os casos de desis­tência da ação, a anuência da parte contrária, se formulado o pedido após decorrido o prazo para resposta. Aliás, no particular, defendo que, feita a citação, já é de se exigir o pronunciamento do Réu, mesmo que não esgo­tado o prazo para resposta, considerando que, em conseqüência da causa, já poderá ter sido obrigado a assumir compromissos e fazer despesas.

É, exatamente, o que ocorreu na hipótese em apreciação, razão pela qual, com a devida vênia do emérito Relator, acompanho, no ponto, a di­vergência, para atribuir ao Recorrente a totalidade das despesas processuais, inclusive os honorários de advogado, já fixados em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

É o voto.

Relator:

RECURSO ESPECIAL N. 303.546 - MT (Registro n. 2001.0015910-9)

Ministro Castro Filho

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 339

Recorrente: Shell Brasil S/A

Advogados: Antônio Vilas Boas Teixeira de Carvalho e outros

Recorrido: Bertin e Carlos Galvan Ltda

Advogados: Sérgio Palomares e outros

Sustentação oral: Antônio Vilas Boas Teixeira (pela recorrente) e Sérgio Palomares (pelo recorrido)

EMENTA: Processual Civil - Requerimento de provas por ambas as partes - Julgamento antecipado da lide - Cerceamento de defesa.

Conquanto a avaliação da necessidade da produção de prova deva ficar, em princípio, ao prudente critério do juiz que aprecia os fatos, esta Corte entende ser possível apreciar o tema na via do es­pecial, para afastar o cerceamento de defesa que decorre da falta de oportunidade para demonstração da veracidade dos fatos alega­dos em contestação, quando nítida a violação à regra de igualdade entre as partes e de garantia de defesa.

Primeiro recurso especial provido e prejudicado o segundo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do primei­ro recurso especial e dar-lhe provimento e julgar prejudicado o segundo recurso especial. Os Srs. Ministros. Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília-DF, 19 de março de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministro Castro Filho, Relator.

Publicado no DJ de 13.5.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se de dois recursos espeCIaIS interpostos por Shell Brasil S/A, em face de acórdãos da colenda Terceira

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340 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que negou provimento à sua apelação e aos seus embargos de declaração, e acórdão das Câmaras Cíveis Reunidas do mesmo tribunal, que deu par­cial provimento a seus embargos infringentes.

Cuida-se, originalmente, de "ação de rescisão contratual c.c. lucros cessantes, multas, indenizações e danos à imagem" proposta por Bertin e Carlos Galvan Ltda em desfavor da Recorrente, julgada procedente no 1 Q

grau de jurisdição, para "declarar rescindido o contrato de locação do auto­posto (Posto Luma), de fls. 23 usque 31, firmado entre as partes em ques­tão em 21 de dezembro de 1994, condenando-se a Ré ao pagamento das in­denizações pleiteadas na inicial", calculadas pelo juízo em R$ 3.076.290,00 (três milhões, setenta e seis mil, duzentos e noventa reais), bem como ho­norários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

Opostos embargos de declaração alegando a existência de exceções de suspeição e impedimento, a suspensão do processo em razão de exceção de incompetência, a necessidade de produção de provas, o cerceamento de de­fesa, a omissão quanto à natureza jurídica do contrato entre as partes, obs­curidade e omissão quanto à técnica para apuração dos valores da conde­nação, e excessividade extrema na fixação dos honorários advocatícios, fo­ram eles rejeitados.

Foi interposta apelação pela Recorrente, inquinando a sentença de "ab­surda, teratológica, ilegal, desfundamentada e nula", afirmando que, por sua complexidade, as causas de pedir e os pedidos cautelar e indenizatório, exi­giam ampla e obrigatória produção de provas, uma vez que, mesmo desprovi­da "de qualquer base legal-contratual-fática", a Autora-apelada alegara que:

a) o contrato de locação entre as partes tinha natureza de pacto de com-pra e venda mercantil;

b) o contrato era de adesão;

c) as partes celebraram "adendo verbal" ao contrato de locação;

d) seu prazo era de 15 (quinze) dias para pagar pelos combustíveis e a Shell não poderia suspender tal prazo;

e) tinha direito à indenização por fundo de comércio, com contrato de locação celebrado por prazo indeterminado, sem regência pela Lei de Luvas;

f) tinha direito à indenização por danos à imagem e por lucros cessantes;

g) tinha direito à multa no valor de três aluguéis.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 341

Sustentou a Recorrente que a hipótese dos autos não comportava jul­gamento antecipado da lide, eis que, em vista da complexidade dos fatos, somente poderia haver decisão após regular produção de prova pericial, cuja

oportunidade denegou o juiz, incorrendo em manifesto abuso de autorida­de e cerceamento de defesa.

Argüiu a nulidade da sentença, proferida por juiz suspeito e impedi­do, em relação a quem ainda tramitavam recursos especial e extraordiná­

rio do acórdão relativo à exceção de suspeição. Da mesma forma, ainda em

trâmite junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso exceção de impedimento quanto ao mesmo magistrado, o processo deveria ter ficado suspenso (arts. 265, IH, e 306 do CPC) até sua decisão definitiva.

Asseverou ser imprescindível a realização de prova técnica e contra­ditória à sentença, na medida em que, proferida em julgamento antecipado, implicando o reconhecimento da não-necessidade de provas, afirmou serem elas necessárias e declarou que era a falta de provas que levava à condena­ção da Shell.

Indispensável a prova técnica, a sentença teria violado os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da legalidade. Ademais, absolutamente desfundamentada, sem elencar as razões de convencimento do magistrado, a decisão teria afrontado o disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Disse existir conexão/continência entre 7 (sete) demandas em curso na

Comarca de Belo Horizonte e a ação de rescisão contratual em trâmite pe­rante a 8ll. Vara Cível do Mato Grosso, questão não examinada pelo Juízo a quo.

Alegou serem ineptas as iniciais, tanto da ação cautelar quanto da ação principal, por falta de causa de pedir, além da ausência de qualquer das con­dições da ação.

Aduziu ter sido a ação principal proposta fora do prazo legal, mais de trinta dias após a concessão da liminar na cautelar preparatória. Ademais,

concedida liminar satisfativa e sem nem mesmo caução idônea, nenhum pre­juízo sofreu a Autora, o que inviabilizaria o manejo do pedido de indeni­zação.

Argúi a nulidade também da sentença, por decidir, de uma só vez, os incidentes processuais autônomos de impugnação ao valor da causa, na ação principal e impugnação ao valor da causa na cautelar, e as ações cautelar e principal, que desafiam recursos distintos, insultando o princípio da unirrecorribilidade recursal.

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342 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Impugnou os valores atribuídos à causa, em desrespeito aos critérios legais, e reputou nula a decisão que rejeitou os embargos declaratórios, eis que omissa e contraditória a sentença.

Acusou, igualmente, de nulidade, a decisão concessiva da liminar plei­teada, já que deferida antes mesmo da regular distribuição do feito, sem ar­gumento hábil a justificá-lo.

Lembrou o conteúdo do parecer de Hum.berto Theodoro Júnior, que concluiu não ser de adesão o contrato de locação do posto de serviço fir­mado entre as partes, ser legal a cláusula eletiva do foro prevista no con­trato, e ser o Juízo da 811. Vara Cível de Cuiabá incompetente para conhe­cer e julgar as demandas cautelar e indenizatória, inexistir abuso de direi­to ou prática de ato ilícito na supressão ou redução de prazos concedidos eventualmente ao locatário, e não ter a Autora-apelada direito a qualquer indenização, a título de perdas e danos, com base no contrato de locação e no relacionamento comercial entre as partes.

Requereu o provimento do recurso para ver reformada ou cassada a sentença-recorrida, com inversão dos ônus da sucumbência e condenação da Apelada por litigância de má-fé. Requereu, ainda, a manifestação expressa do Tribunal a respeito de todas as violações legais indicadas, de modo a se obter o prequestionamento, sob pena de omissão atacável por meio de em­bargos declaratórios.

A colenda Terceira Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça mato­grossense, por maioria, negou provimento ao apelo da Empresa, em acórdão assim ementado, verbis:

"Ação de rescisão contratual cumulada com lucros cessantes. Multa, indenizações e danos à imagem. Preliminares rejeitadas. Agravo retido, conhecido e improvido. Comprovação de adendo contratual ver­bal entre as partes. Existência de concessão de prazos dilatados para pagamento de produtos. Inadimplemento pelo corte unilateral dos pra­zos pela Apelante. Recurso improvido. Mantença da decisão atacada.

As preliminares, ora confundindo-se com o mérito, ora não se mostrando eficazes, afastam a hipótese de serem julgadas procedentes.

Agravo retido conhecido e apreciado em preliminares.

Negado provimento em razão, principalmente, da regra contida no inciso 11 do art. 259 do CPC.

Na questão de fundo, o conjunto probatório dos autos revela a

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 343

existência de adendo contratual verbal em relação à concessão de pra­zos dilatados para pagamento dos produtos adquiridos pela ora apelada

junto à Apelante, restando demonstrado o seu descumprimento em ra­

zão do corte unilateral de tais prazos, causando desestabilização eco­

nômico-financeira à Apelada. Nexo causal demonstrado.

Acertada a decisão de IlL instância que houve por bem rescindir

contrato entre as partes e condenar a Apelante ao pagamento de mul­

ta, lucros cessantes, indenizações e danos à imagem."

Shell Brasil SI A opôs embargos de declaração, afirmando ter o v.

aresto embargado violado o art. 330, l, do Código de Processo Civil, e o

art. 511., LV, da Constituição Federal, já que vedado o julgamento antecipa­

do da lide sempre que a produção da prova for essencial à exata composi­

ção de controvérsia. Defendeu que a decisão impugnada deixou de reconhe­

cer o desrespeito da sentença aos dispositivos legais indicados, não proce­dendo à indispensável indagação sobre os fatos reputados verdadeiros com

base em documentos insuficientes à prova, e deixou de conceder a neces­

sária produção probatória, requerida em tempo hábil, além de não apreciar a questão do cerceamento de defesa, mormente quando o julgamento ante­

cipado da lide.

Negado provimento aos embargos de declaração, foram opostos embar­

gos infringentes e recursos especial e extraordinário.

N os embargos infringentes, a Shell Brasil SI A defendeu a posição do

voto-vencido, que afastara, de início, o ressarcimento por danos à imagem,

não demonstrado e, ainda assim, restara calculado em quantias que reputou

estratosféricas. Afastara a quantificação dos lucros cessantes, calculados com

base em conjecturas inadmissíveis para tão longo espaço de tempo. Ressal­

tara a falta de amparo legal os cálculos para a indenização, destacando ain­

da o exacerbamento da indenização pelo fundo de comércio, que, a rigor,

diz a ela pertencer o equívoco nos números considerados na sentença, e no

entendimento de que o aumento da litragem de combustível vendida impli­

cara em valorização diretamente proporcional do fundo de comércio.

As Câmaras Cíveis Reunidas, por maioria de votos, deram parcial pro­

vimento aos embargos infringentes, apenas para reduzir a verba fixada a tí­

tulo de danos à imagem.

N ovos embargos de declaração foram opostos, ressaltando não terem

os ilustres julgadores levado em consideração o fato de que a indenização

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344 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

pleiteada seria paga à vista, enquanto o cálculo apresentado levava em con­

sideração um lucro a ser auferido ao longo de 10 (dez) anos de vigência do

contrato. Os embargos foram rejeitados.

Foram interpostos dois recursos especiais pela Shell Brasil S/A, o pri­

meiro relativamente à parte unânime do acórdão que julgou a apelação e

fundado nas alíneas a e c do art. 105, lU, da Constituição Federal (fls. 685

a 707), e o segundo relativo ao acórdão que julgou os embargos infringentes,

com fundamento da alínea a do permissivo constitucional (fls. 806 a 817).

No primeiro especial, a Recorrente re-historia a causa, afirmando

consubstanciar-se em "mais uma daquelas tentativas de se converter o pro­

cesso judicial em instrumento de assalto aos cofres de uma empresa com

recursos", inclusive já tendo um outro posto, após a condenação, ajuizado

"contra ela, também em Cuiabá, ação de semelhante jaez, distribuída à 911

Vara Cível, mas processada pelo mesmo juiz da 811, por causa de enigmáti­

ca declaração de suspeição do titular da 911", pedindo ressarcimento no va­

lor de R$ 51.000.000,00 (cinqüenta e um milhões de reais).

Ressalta não incidir a vedação da Súmula n. 7 deste Superior Tribu­

nal de Justiça, uma vez que "não se pretende alterar a moldura fática deste

processo, mas, sim, demonstrar que, nesta ação, a prova simplesmente não

existe, eis que se cerceou o direito de defesa da Shell de maneira ignomi­

niosa, ao se julgar antecipadamente a lide numa causa em que a atividade

instrutória deveria ser a mais ampla possível".

Salienta incontestável o prequestionamento da matéria em exame.

Afirma a nulidade do acórdão dos embargos declaratórios, por

irrecusável ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil e ratifica ser

evidente o cerceamento de defesa, diante do julgamento antecipado da lide.

Colaciona julgados deste Superior Tribunal de Justiça e do Excelso

Pretório, reconhecendo como cerceamento de defesa o julgamento anteci­

pado da lide sem a produção de prova essencial à devida composição da

controvérsia, em como aquele que se vale, precisamente, da falta de prova

das afirmações de uma das partes para julgar contra ela.

Enfatiza a violação ao art. 330, I, do CPC, que somente incide quan­

do a questão de mérito, sendo de direito e de fato, não demandar a produ­

ção de qualquer prova além daquelas apresentadas com a inicial e a con­

testação.

Lembra que a própria Autora, ciente de que a determinação exata de

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 345

uma eventual responsabilidade da Shell por um suposto inadimplemento

contratual dependia de provas, pleiteara a sua produção, com o depoimen­to pessoal do representante legal da Ré, a oitiva de testemunhas, a juntada de documentos e a realização de perícias.

Ainda que, por absurdo, se considere que as notas fiscais juntadas pela

Autora-recorrida tinham o condão de comprovar uma alegada alteração de prazos para pagamento de mercadorias adquiridas pela Recorrida, jamais

teriam o condão de comprovar o ocasionamento do alegado prejuízo e, mui­to menos, sua quantificação, sendo relevantíssima a produção da prova ir­

regularmente dispensada.

Diz encontrar-se a decisão em confronto com acórdão deste Superior Tribunal de Justiça, que "peremptoriamente declara nula a decisão que, vio­lando o art. 330, I, do CPC, julgou antecipadamente a lide quando havia questões dependentes de prova, requeridas pelo Réu na contestação".

N o segundo especial, a Recorrente volta a manifestar sua irresignação com o exacerbado simplismo com que foi tratada a causa de valores vulto­sos e a requerer a pronta intervenção desta colenda Casa "para esmagar as tentativas de profanação do processo judicial, que o aviltam como instituto e desacreditam os que têm por mister operá-lo, já que permitir a consuma­ção de tamanha ilegalidade consistirá em ato de manifesta cumplicidade".

Destaca a negativa de vigência ao art. 535, II, do Código de Proces­

so Civil, eis que persistente omissão sobre questão relevante no tocante à

forma de pagamento da indenização, apontada nos embargos de declaração da Recorrente, e que não fora suprida sob a assertiva de que só seria neces­

sário justificar o entendimento do órgão julgador, se houvesse adotado o

voto-vencido.

Acusa a negativa de vigência, pelo decisum impugnado, aos arts.

1.059 do Código Civil, e 330, I, do Código de Processo, na medida em que a indenização foi calculada a partir de parâmetros nitidamente hipotéticos,

sem qualquer base técnica e sem aplicar-se um deflator, e não se permitiu a produção das provas indispensáveis.

Contra-arrazoados os recursos (fls. 827 a 831 e 837 a 842), foram

inadmitidos por decisões do Desembargador Munir Feguri, ilustre Vice-Pre­sidente do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, às fls. 858 a 865

e 866 a 871.

Interpostos agravos de instrumento para este egrégio Superior Tribu­nal de Justiça, foram providos pelo eminente Ministro Waldemar Zveiter,

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346 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

que determinou o encaminhamento dos autos a esta egrégia Corte, para me­lhor exame.

É o relatório.

VOTO

o Sr. Ministro Castro Filho (Relator): Trata-se, em breve suma, de recursos especiais que impugnam decisões do Tribunal de Justiça do Esta­do do Mato Grosso, em ação objetivando rescisão contratual e indenização por danos morais e materiais (indenização do fundo de comércio, lucros cessantes e multas), em virtude de contratos de locação de um autoposto e serviços afins, julgada procedente em julgamento antecipado da lide, con­denando a Shell Brasil S/A ao pagamento de indenização em montante que supera R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), além de honorários advocatícios fixados em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o va­lor da condenação.

O Recorrente aponta violação aos arts. 330, I, e 535 do Código de Processo Civil, e 1.059 do Código Civil, além de divergência jurispru­dencial.

As ações cautelar e ordinária foram ajuizadas alegando-se que, firma­dos contratos diversos envolvendo a locação de um autoposto, e reconhe­cida a ampliação dos negócios pela locatária, a locadora passou a conceder prazos mais amplos para pagamento dos combustíveis, prazos que, depois, passou a reduzir unilateralmente, inviabilizando o negócio, o que justificou o pedido de rescisão contratual cumulado com indenização pelo fundo de comércio, lucros cessantes, multa e danos à imagem.

A própria Autora, ora recorrida, a fim de demonstrar o suposto inadimplemento contratual da Ré, bem como a causalidade entre este e seus alegados prejuízos, requereu a produção de todas as provas em direito ad­mitidas, em especial o depoimento pessoal do representante legal da Ré, a oitiva de testemunhas, cujo rol juntaria oportunamente, a juntada de do­cumentos e a realização de perícias eventualmente necessárias (fl. 16).

Em extensa contestação (fls. 129 a 170), a Ré aduziu uma série de preliminares, pleiteando a extinção do feito sem julgamento do mérito, ne­gou todas as afirmações da Autora, e requereu o uso de todos os meios de prova previstos no ordenamento jurídico pátrio, hábeis a demonstrar a ab­soluta inviabilidade das pretensões autorais, especialmente pelo depoimento pessoal dos representantes legais da Autora, e pelas provas testemunhal, documental e pericial.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 347

Foram, no entanto, com fundamento no art. 330, I, do Código de Pro­cesso Civil, e sob a consideração de que "as provas carreadas ao bôjo (sic) destes processos, por ambas as partes, já são suficientes para a prolação da sentença, com a necessária segurança" (fi. 391) e "quanto ao mérito da pre­sente ação, esta circunscinge-se (sic), evidentemente, ao campo probatório", julgados antecipadamente procedentes os pedidos, tendo em vista que "os argumentos da Ré são contraditórios e carentes de elementos probatórios" (fi. 414), que "a Ré não trouxe ao bôjo (sic) dos presentes autos qualquer prova que ilidisse a pretensão da Autora, embora coubesse a ela comprovar os fatos modificativos ou extintivos do direito do autor" (fi. 415), que "as argumentações da Ré, para que merecessem guarida, teriam de restar induvidosamente comprovada nos autos, documentalmente, inclusive" (fi. 415), e que "as provas apresentada (sic) pela parte-autora não foi abalada (sic) pelos fracos elementos colacionados pela Ré, insuficiente para de­monstrar suas alegações" (fi. 416).

A sentença fixou, desde logo, o quantum. indenizatório, consideran­do que, tendo sido pago pelo fundo de comércio o valor de R$ 158.063,00, acrescido da assunção de dívida assumida (10 x 7.019,95 = 70.199,50), e de despesas de manutenção no valor de R$ 23.683,14, tais valores deveriam ser somados e elevados proporcionalmente ao aumento da litragem de com­bustíveis vendida pelo posto nos poucos meses de funcionamento (ainda que tendo sido essa litragem combatida pela Ré), perfazendo indenização pelo fundo de comércio no valor de R$ 773.997,00.

Fixou indenização por danos à imagem da empresa locatária no mes­mo valor da indenização pelo fundo de comércio, R$ 773.997,00, e deter­minou fossem pagos lucros cessantes pelo prazo de 10 (dez) anos, conside­rada a quantidade de litros de combustível vendida por mês e sua margem de lucro, estimado o lucro líquido mensal em R$ 12.578,30 e, assim, in­denização por lucros cessantes no valor de R$ 1.509.396,00 (120 meses).

Ordenou, ainda, o pagamento de multa rescisória, no valor de R$ 18.900,00 (três meses de aluguel), totalizando a condenação em R$ 3.076.290,00, além de honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor referido.

Salvo quanto a uma pequena mudança no tocante à forma de cálculo da indenização por danos morais, fixando-os em 10% (dez por cento) so­bre o valor dos lucros cessantes, eis que o posto só funcionou por menos de um ano, o Tribunal local manteve a sentença.

Questiona o Recorrente, a meu ver com razão, como pode ter sido julgada antecipadamente procedente uma ação sob o fundamento de que a

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348 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

parte-ré não apresentou provas suficientemente fortes, se não lhe foi dada oportunidade de produzir as provas que bem entendesse necessárias, opor­tunamente requeridas.

Não adentrando o exame dos fatos e provas, o que, em sede de recur­so especial, é vedado pelo Enunciado Sumular n. 7 desta egrégia Corte, questiona-se: poderia um magistrado, baseado, tão-somente, em um contrato e notas fiscais, julgar ter havido causa suficiente à sua rescisão, inclusive com prejuízo daí decorrente e, ainda mais, quantificar tal prejuízo sem fa­zer uso das provas técnicas requeridas?

A mim, me parece que não.

O juiz só pode julgar antecipadamente a lide quando a questão de mé­rito for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de provas em audiência.

No caso, ambas as partes manifestaram-se pela realização de provas.

No entanto, o pleito da Ré não foi sequer apreciado pelo MM. julgador singular, que preferiu afirmar a fraqueza de suas provas já anexadas aos au­tos e julgar antecipadamente o feito em seu desfavor, condenando-a ao pa­gamento de indenização em valor que supera mais de treze vezes tudo o que o Autor despendeu para adquirir e exercer o direito de colocar em fun­cionamento o posto locado.

Assim, a meu sentir, o julgamento antecipado da lide, sem a produção de prova essencial, no mínimo à comprovação e delimitação dos prejuízos, configurou inequívoco cerceamento de defesa.

Conquanto esta Corte tenha posição firmada no sentido de que a ava­liação da necessidade da produção de prova deve ficar, em princípio, ao pru­dente critério do juiz que aprecia os fatos, igualmente entende ser possível apreciar o tema, na via do especial, para afastar o cerceamento de defesa, que decorre da falta de oportunidade para demonstração da veracidade dos fatos alegados, quando nítida a violação à regra de igualdade entre as par­tes e de garantia de defesa.

Neste sentido, inúmeros os precedentes deste Tribunal:

"Julgamento antecipado. Cerceamento de defesa.

Hipótese em que a causa exigia a produção de provas.

Recurso conhecido e provido." - grifou-se. (REsp n. 220.002-BA, Quarta Turma, reI. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 31.8.1999, DJ de 25.10.1999, p. 93).

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 349

"Processual Civil. Julgamento antecipado. Indeferimento de prova.

Cerceio de defesa. Nulidade.

1. O indeferimento de prova especial requerida pela parte, julgando­-se antecipadamente a lide, caracteriza cerceamento de defesa. Preceden­

tes deste Tribunal.

2. Recurso conhecido e provido para anular o processo, desde quando denegada a produção da prova requerida pelo autor." - grifou­

-se. (REsp n. 69.393-SE, Segunda Turma, reI. Min. Peçanha Martins, j. em 12.12.1996, DJ de 23.6.1997, p. 93).

"Processual Civil. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de

defesa. Produção de provas. Devido processo legal. Ato de demissão. Rein­tegração em cargo público. Solicitação do processo administrativo.

Cabimento.

- O princípio do livre convencimento do juiz não pode atropelar o

princípio do devido processo legal, de dignidade constitucional, sendo des­cabido o desprezo da pretensão de se produzir prova requerida, tida como

necessária para a demonstração do fato constitutivo do direito postulado.

- Para a demonstração da ilegalidade do ato demissório, pressu­posto para a reintegração funcional, é adequada e pertinente a requi­

sição e exame do processo administrativo-disciplinar.

- Recurso especial conhecido e provido." - grifou-se. (REsp n. 201.794-RJ, Sexta Turma, reI. Min. Vicente Leal, j. em 25.5.1999, DJ de 14.6.1999, p. 236; JSTJ 9/456; RSTJ 122/474).

No mesmo sentido: REsp n. 232.443-MG, Primeira Turma, reI. Min.

Garcia Vieira, j. em 18.11.1999, DJ de 7.2.2000, p. 139, RJADACOAS 4/

137; REsp n. 230.308-RS, Quinta Turma, reI. Min. Felix Fischer, j. em

19.6.2001, DJ de 20.8.2001, p. 513; REsp n. 315.935-SP, Quinta Turma, reI.

Min. Felix Fischer, j. em 19.6.2001, DJ de 20.8.2001, p. 524: REsp n.

230.308-RS, Quinta Turma, reI. Min. Felix Fischer, j. em 19.6.2001, DJ de

20.8.2001, p. 513; REsp n. 13.407-ES, Quarta Turma, reI. Min. Sálvio de

Figueiredo Teixeira, j. em 31.10.1991, DJ de 2.12.1991, p. 17.544; REsp

n. 7.45 6-ES, Quarta Turma, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em

17.9.1991, DJ de 16.10.1991, p. 14.481.

Diante do exposto, conheço do primeiro recurso e dou-lhe provimento pa­

ra, reconhecido o cerceamento do direito de defesa da Ré, anular o processo

desde a sentença, a fim de que se abra às partes oportunidade à produção

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350 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

das provas por elas requeridas, ficando prejudicado o segundo, por falta de objeto.

É como voto.

VOTO

o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Sr. Presidente, meu conven­cimento é análogo ao do eminente Ministro-Relator.

Na verdade, ao julgar antecipadamente a lide, sem assegurar à parte a produção de provas oportunamente requeridas, necessárias ao julgamento da causa, o acórdão recorrido violou às claras o art. 330 do Código de Pro­cesso Civil.

Conheço do primeiro recurso especial e dou-lhe provimento, julgan­do prejudicado o segundo.

Relator:

Recorrente:

Advogado:

Recorrido:

Advogados:

RECURSO ESPECIAL N. 308.744 - ES (Registro n. 2001.0027338-6)

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Pisa Engenharia, Transportes e Montagem Ltda

Rodrigo Loureiro Martins

Condomínio do Edifício Ilha de Creta

Fernando Eisenwiener Tonon e outros

EMENTA: Responsabilidade civil - Responsabilidade da cons­trutora por danos ocorridos em unidades e áreas comuns - Art. 128 do Código de Processo Civil - Artigos 159 e 1.245 do Código Civil -Procedimento sumário - Súmula n. 194 da Corte.

1. Correto é o procedimento sumário tratando-se de dano em prédio urbano, a teor do art. 275, 11, c), do Código de Processo Civil.

2. Não viola o art. 128 do Código de Processo Civil o julgado que considera o pedido de reparação de danos ocasionados pela cons­trução, comprovada a responsabilidade do construtor, de acordo com a prova dos autos.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 351

3. A Súmula n. 194 da Corte ("Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra") está corretamente aplicada pelo acórdão recorrido. No caso, o acórdão recorrido, objetivamente, não contestou a afirmação da inicial de que houve reclamação logo após a entrega do prédio, fazendo o cons­trutor reparos paliativos, não valendo como tal a assertiva de que poderia haver a responsabilidade mesmo em caso de aparecer de­feito após o prazo de cinco anos, sendo certo que a prova produzida indica a culpa do construtor pelos danos sofridos.

4. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­nal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler vo­taram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Minis­tro Castro Filho.

Brasília-DF, 6 de dezembro de 2001 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.

Publicado no DI de 18.3.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Pisa Engenharia, Transportes e Montagem Ltda interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a) e c) do permissivo constitucional, contra acórdão da Quar­ta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, assim ementado:

"Processual Civil e Civil. Ação de ressarcimento por dano em prédio urbano. Procedimento sumaríssimo. Rito adequado. Agravo reti­do rejeitado. Sentença. Fundamentação congruente ao dispositivo. Dis­positivo genérico. Pedido também genérico. Nulidades do ato senten­cial. Inexistentes. Vícios estruturais como causa petendi. Prescrição

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352 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

e decadência. Inocorrência. Infiltrações decorrentes da construção. Dano e nexo causal demonstrados. Responsabilidade do construtor.

1. Sendo a demanda proveniente de dano em prédio urbano, corre­ta foi a utilização do então procedimento sumaríssimo. Agravo retido rejeitado.

2. Não padece de nulidade a sentença que possui fundamentação baseada na prova dos autos e é congruente com a parte dispositiva, que por seu turno pode ser genérica, quando genérico for o pedido.

3. Inocorre prescrição ou decadência quando o pedido de inde­nização por vício estrutural foi formulado no prazo vintenário.

4. Restando comprovado que os danos estruturais do edifício de­correram da sua construção, o construtor é responsável pela indeniza­ção." (fl. 271).

Opostos embargos de declaração (fls. 285/286), negou-se provimento ao recurso (fls. 291 a 295).

Alega violação aos artigos 128 e 535, inciso 11, do Código de Processo Civil, ante a omissão do acórdão recorrido em apreciar todas as matérias postas pela Recorrente, mesmo com a oposição dos embargos de declara­ção. Afirma, também, que "se o pedido autoral tem fundamento no dever de 'garantia' do construtor, não é possível julgar a causa com fundamento em responsabilidade por violação contratual (v.g., culpa)" (fl. 303).

Sustenta ofensa ao artigo 275, inciso 11, alínea d), do Código de Pro­cesso Civil, na medida em que não subsiste a fundamentação do acórdão atacado de que o dano ao imóvel tenha sido causado por uma conduta culposa ou dolosa da ora recorrente.

Destaca que "o conceito de 'dano' (conseqüência de conduta ilícita) não se coaduna com o dever do fabricante ou construtor de garantir, pelo prazo previsto em lei, o funcionamento ou solidez do produto ou obra" ((fl. 302).

Aduz negativa de vigência ao artigo 1.245 do Código Civil, argumen­tando que a construtora responde pela segurança e solidez do imóvel pelo prazo de cinco anos após a entrega da obra, sendo que os defeitos que não forem apresentados ao construtor neste período não mais podem ser recla­mados.

Diz, ainda, que somente foi notificada da existência dos alegados ví­cios construtivos nove anos após a entrega da referida obra e que a natu­reza das deteriorações no prédio não pode ser caracterizada como vícios estruturais.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 353

Contra-arrazoado (fls. 315/316), o recurso especial (fls. 298 a 313) foi admitido (fl. 323).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (Relator): O Condo­mínio-recorrido ingressa com ação de ressarcimento de danos alegando que diversas unidades e áreas comuns do prédio construído pela Empresa-ré apresentavam irregularidades de ordem estrutural, defeitos de construção; que solicitou vistoria da Caixa Econômica Federal, feita, concluindo que havia, de fato, vícios de construção; que o Condomínio, diante do silêncio da Ré, contratou a impermeabilização das floreiras, a recuperação da rede elétrica; pede a condenação da Ré, após a realização de prova pericial, ao pagamento dos prejuízos sofridos. A sentença julgou procedente o pedido, condenando a Ré a reparar os prejuízos apontados no especial, incluídos os reparados antecipadamente. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo afas­tou as preliminares e manteve a sentença. Entendeu correto o procedimen­to pelo art. 275, II, d), vigente à época, tratando-se de prédio urbano, rechaçou a decadência com apoio na Súmula n. 194 da Corte, afastou a ale­gação de nulidade da sentença, asserindo que não houve aplicação ao caso da confissão ficta, valendo-se o magistrado do conjunto probatório, e, ain­da, que "no que atina à ausência de 'grau de certeza' da parte dispositiva, não há muito que se falar, porquanto, se o pedido foi genérico (fl. 9), não é dado ao julgador a possibilidade de realizar uma condenação específica. A certeza da sentença, quando o pedido é genérico, se adstringe ao campo da determinabilidade e não da determinação, que ficará relegada a momento próprio (liquidação)". No mérito, com base na prova pericial, afirmou que "os danos já existiam pela má construção, mas foram agravados pelas águas que escoam do prédio vizinho. Isto corrobora a denotação de que os vícios estruturais já existiam". Os embargos de declaração foram rejeitados.

Não entendo presente a violação ao art. 275, II, do Código de Processo Civil. Como destacou o acórdão recorrido, trata-se de indenizatória em pré­dio urbano, não havendo fundamento para a distinção entre o dever do fa­bricante ou construtor de garantir a solidez e a ação de reparação de da­nos. Na verdade, a ação é de responsabilidade civil com fundamento nos

danos causados pelos defeitos de construção, que afetaram a solidez e se­

gurança do trabalho, nos precisos termos do art. 1.245 do Código Civil. No caso, tratando-se de prédio urbano, correta a aplicação do art. 275.

RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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354 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Também não enxergo violação aos artigos 128 e 535 do Código de Processo Civil. Primeiro, pretende a Empresa-ré que se o pedido tem fun­damento no dever de garantia do construtor, não é possível julgar a causa com fundamento em responsabilidade por violação de contrato. Ora, na ver­dade, o pedido foi feito para o ressarcimento de danos ocasionados por ir­regularidades decorrentes da construção do edificio, devidamente apontados. A sentença salientou que a Ré alegou, apenas, que os problemas decorriam da falta de manutenção e conservação do prédio após a entrega, contribuin­do ainda a construção de prédio vizinho, concluindo por afirmar, expres­samente, que a "responsabilidade da Ré sobre os vícios de construção no Edifício Ilha de Creta, exsurge de forma cristalina, e, portanto, à luz do que estatui o art. 159 c.c. o art. 1.245 do CC, deve ser condenada". E, também, considerou que "todos os documentos trazidos à colação pela Autora, e não impugnados pela Ré conduzem neste sentido". E o acórdão recorrido subli­nhou que a "prova produzida no processo, especialmente a pericial", não guarda as justificativas da Ré. Ora, o conteúdo da sentença e do acórdão não oferece cobertura para a alegada violação ao art. 128 do Código de Proces­so Civil. Merece lembrado precedente da Quarta Turma no sentido de que não existe julgamento extra petita "quando a parte procura imputar ao réu uma modalidade de culpa e o julgador, diante da prova dos autos, entende caracterizada outra" (REsp n. 233.446-RJ, relator o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 7.5.2001). Ou, ainda, um outro, do mesmo ilus­tre Relator, no sentido de que "o pedido é aquilo que se pretende com a instauração da demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógico-sis­temática do afirmado na petição inicial, recolhendo todos os requerimen­tos feitos em seu corpo, e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica 'dos pedidos'" (REsp n. 120.299-ES, DJ de 21.9.1998). O mesmo deve alcançar a apontada violação ao art. 535 do Código de Proces­so Civil. Na petição de embargos insiste a Ré em afirmar que o acórdão embargado não indica como poderia ter sido desafiada a pretensão sob o ângulo da culpa se não houve alegação para isso. Mas, o acórdão não foi omisso, enfrentando a questão posta demonstrando que o tema foi efetiva­mente desafiado no acórdão embargado.

Quanto ao art. 1.245 do Código Civil, afirma o especial que o constru­tor ou empreiteiro é responsável pela solidez e segurança do trabalho, du­rante cinco anos após a sua entrega, invocando lição de Caio Mário, ter­minando a garantia se a reclamação não é feita dentro do prazo. Tal maté­ria já está assentada na Corte com a Súmula n. 194: "Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra". Com a relatoria do Sr. Ministro Waldemar Zveiter, decidiu a Terceira Turma

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 355

que o "prazo qüinqüenal previsto no art. 1.245 do CC refere-se apenas à garantia de solidez da obra e à responsabilidade do empreiteiro pelo tra­balho que tenha executado, não se reportando ao exercício da ação que essa garantia venha a se fundamentar. Este, a seu turno, é estabelecida pelo prazo prescricional comum de 20 anos" (REsp n. 161.351-SC, DJ de 3.11.1998; no mesmo sentido: REsp n. 47.476-SP, relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, DJ de 24.5.1999; REsp n. 210.237-SP, da minha relatoria, DJ de 17.12.1999). No caso, o exemplo oferecido pelo acórdão recorrido sobre o aparecimento de defeito posterior ao prazo de cinco anos, mas decorrente da construção, ou a afirmação de que a responsabilidade do construtor não está excluída após o decurso do prazo de cinco anos, podendo advir pro­blemas após esse lapso temporal, "ainda em virtude da má construção da obra", não significa que não tenha havido a constatação dos defeitos no pra­zo de cinco anos, como pretende a Recorrente. O acórdão recorrido apli­cou a Súmula n. 194 da Corte e concluiu, com a prova dos autos, pela res­ponsabilidade do construtor porque os defeitos decorreram da construção. Anote-se, por outro lado, que o acórdão recorrido procurou acentuar ser irrelevante a referência ao art. 1.245 do Código Civil, entendendo prova­da a responsabilidade da construtora pelos danos ocorridos nas unidades e nas áreas comuns; no caso, teve por comprovada a culpa da construtora, daí a condenação.

Com essas razões, eu não conheço do especial.

RECURSO ESPECIAL N. 331.232 - PB (Registro n. 2001.0079694-0)

Relator:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

Advogados:

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

BB Leasing SI A Arrendamento Mercantil

Luiz Antônio Borges Teixeira e outros

José Ricardo Porto e outros

José Ricardo Porto (em causa própria) e outros

Sustentação oral: José Ricardo Porto (pelo recorrido)

EMENTA: Ação rescisória - Agravo de instrumento - Alegação de decisão extra petita - Embargos de declaração: possibilidade de renovação - Honorários.

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356 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. Não viola literal disposição de lei, ausente a configuração de

julgamento extra petita, a decisão que em agravo de instrumento

sobre o deferimento da medida liminar entende cabível a extinção

do processo, seja porque ausente a indicação da ação principal, seja

porque a ação escolhida foi imprópria, tendo havido recurso especial

contra tal decisão, não admitido, negado provimento ao agravo de

instrumento, confirmada a decisão em agravo regimental.

2. A renovação dos embargos, acolhidos com efeitos infringentes, tendo sido ouvida a embargada, é possível quando o tema foi indi­

cado nos primeiros embargos, que provocaram a determinação da

Corte para que fosse juntado o voto-vencido, que detalhou a circuns­

tância omitida no julgamento dos primeiros embargos.

3. Julgada improcedente a ação rescisória, não malfere qualquer

dispositivo de lei federal a condenação da vencida em percentual sobre o valor da causa.

4. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima

indicadas, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribu­

nal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs.

Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler vota­

ram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, a Sra. Ministra N ancy Andrighi.

Brasília-DF, 5 de março de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.

Publicado no DI de 22.4.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: BB Leasing S/A Ar­

rendamento Mercantil interpõe recurso especial com fundamento nas alíneas

a) e c) do permissivo constitucional, contra acórdão do Pleno do Tribunal

de Justiça do Estado da Paraíba, assim ementado:

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 357

"Ação rescisória. Pretensão de ver rescindido acórdão que extin­guiu ação de busca e apreensão, por inidoneidade da lide para reaver

veículos em contrato de arrendamento mercantil. Preliminar de ilegi­

timidade do litisconsorte passivo refutada. Procedência parcial, tão-so­

mente, para reduzir os honorários fixados, quando da extinção do pro­cesso, à base de 1 % (um por cento) sobre o valor da causa.

- 'O litisconsórcio necessário tem lugar se a decisão da causa propende a acarretar obrigação direta para o terceiro, a prejudicá-lo ou a afetar seu direito subjetivo' (STF-RT 594/248). Assim, uma vez fixados honorários advocatícios - os quais pertencem ao advogado -, tem este direito autônomo para executar a sentença nesta parte.

- Cabível é a redução dos honorários advocatícios, em se tratando

de ação rescisória, quando em recurso de agravo os seus membros ex­tinguem o processo, sem julgamento de mérito nas hipóteses relaciona­

dos no art. 267 do Código, particularmente em casos de indeferimento da petição inicial, admitindo-se a fixação dos honorários em

percentual sobre o valor da causa, à força de apreciação eqüitativa, ain­da que aquém do limite de 10%." (fl. 164).

Opostos embargos de declaração pelo Recorrente (fls. 173/174), foram rejeitados por não conter matéria elencada nos arts. 535 e seguintes do Có­

digo de Processo Civil (fls. 209/210), e recebidos como simples petição, determinando "a remessa dos autos ao Ex. mo Des. Antônio Elias de

Queiroga, a fim de ser lavrado o voto-vencido, na forma do art. 197, § 3'\

do RI, observando-se, em seguida, a Coordenadoria Judiciária, a republi­cação do acórdão de fls. 164/168" (fl. 210).

Opostos embargos de declaração pelo Recorrido (fls. 217 a 222), fo­ram acolhidos (fls. 234 a 241) "para excluir do acórdão embargado de fls.

164/168 a decisão que reduziu os honorários fixados quando da extinção do processo de busca e apreensão, no julgamento do agravo de instrumento pela Segunda Câmara Cível deste colendo Tribunal, à base de 1 % (um por cen­

to) do valor da causa, por ser juridicamente impossível (art. 267, VI, CPC), permanecendo em 20% (vinte por cento), já que referida matéria fora ob­jeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, em que foi relator o Ministro Sálvio de Figueiredo, afrontando, pois, o art. 512 do CPC, fato

omitido no acórdão embargado, restando improcedente a rescisória" (fl. 241).

Novos embargos de declaração foram opostos pelo Recorrente (fls. 244 a 249), tendo sido rejeitados (fls. 265 a 268).

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358 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Sustenta o Recorrente que o acórdão recorrido, ao extinguir o processo de busca e apreensão, negou vigência aos artigos 131, 162, 166, 296, 460, 485, inciso V; 504, 513 e 522 do Código de Processo Civil, uma vez que alterou a causa de pedir, além de tornar juridicamente impossível a revisão por meio de recurso de apelação.

Aduz contrariedade ao artigo 295, inciso V, do Código de Processo Civil, haja vista que era possível a adequação ao procedimento legal, não podendo a petição inicial ser indeferida.

Alega violação ao art. 535, incisos I e 11, do Código de Processo Ci­vil, porque o Tribunal a quo não "supriu as omissões suscitadas em embar­

gos declaratórios, tocantes às violações aos artigos 20, § 4Q, e 131 do CPC;

93, IX, CF/1988, bem como não eliminou as contradições existentes no jul­

gado atinente à incompetência do Tribunal a quo que reconheceu a sua in­competência absoluta e, no entanto, julgou o mérito da ação rescisória (fl. 279).

Argúi ofensa ao art. 20, § 4Q, do Código de Processo Civil, por ser o

dispositivo aplicável para o cálculo dos honorários advocatícios quando a ação é julgada improcedente.

Sustenta, ainda, afronta ao art. 21 do Código de Processo Civil, uma vez que está configurada nos autos a sucumbência recíproca, sendo indevida a condenação do Recorrente às custas e honorários advocatícios de 10% so­bre o valor da causa.

Aponta dissídio jurisprudencial com julgados desta Corte.

Contra-arrazoado (fls. 333 a 345), o recurso especial foi admitido (fls. 380/381).

Houve recurso extraordinário (fls. 318 a 326), inadmitido (fls. 382/ 383), tendo sido interposto agravo de instrumento contra esta decisão (fl. 390).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (Relator): A Empre­sa-recorrente ajuizou ação rescisória alegando o que se segue: a) em

4.9.1995 ajuizou ação cautelar preparatória de busca e apreensão, tendo ob­tido medida liminar; b) desta decisão houve agravo de instrumento, sendo o processo de busca e apreensão extinto, com a decisão embargada pelos

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 359

Agravantes, acolhida, então, a pretensão de haver honorários de 20% sobre o valor da causa, quantia equivalente a R$ 72.878,54, ora em fase de exe­cução com o juízo já garantido; c) a decisão, porém, não pode prevalecer porque extra petita; d) pede a decretação da nulidade do acórdão profe­rido no agravo de instrumento e o novo julgamento do recurso "por ordem do art. 488, inc. I, do CPC".

O Tribunal de Justiça da Paraíba julgou a ação rescisória procedente, em parte, "para reduzir os honorários advocatícios a 1 % sobre o valor da

causa", por maioria, rejeitando, por unanimidade, a preliminar suscitada pelo litisconsorte, alcançando o direito autônomo de execução da parte re­lativa aos honorários. O Tribunal local entendeu "ser cabível em sede de agravo a extinção do processo, quando a ação escolhida for imprópria para a elucidação da demanda". Em embargos de declaração, o Recorrido ale­gou que em nenhum momento houve pedido de redução da verba honorá­ria, requerendo, ainda, que fosse lavrado o voto divergente. Os embargos de declaração foram rejeitados, remetendo-se, porém, os autos para a lavratura do voto-vencido. Novos embargos de declaração foram oferecidos, desta fei­ta para que fosse aclarada a questão, tendo em vista que os honorários fi­xados foram decididos e transitaram em julgado, até mesmo com decisão do

Superior Tribunal de Justiça, negando provimento ao agravo regimental in­terposto contra o despacho que negou provimento ao agravo de instrumento

interposto contra decisão que não admitiu o especial. O Tribunal local aco­lheu os embargos e julgou totalmente improcedente a ação rescisória, im­pondo os ônus da sucumbência ao Autor. Desta feita, a Empresa-recorren­te ingressou com embargos de declaração, rejeitados.

Vejamos o especial pela letra a), de acordo com a ordem apresentada.

Alega violação ao art. 162 e seus parágrafos, do Código de Processo Civil "porque o acórdão profligado manteve a decisão extra petita,

prolatada em flagrante desacerto nos autos do agravo de instrumento men­cionado". Não há suporte para tal alegação. O que o acórdão recorrido de­cidiu foi ser cabível em sede de agravo de instrumento a extinção do feito "quando a ação escolhida for imprópria para a elucidação da demanda". Veja-se o teor do acórdão rescindendo que considerou a ausência de indi­cação da ação principal a ser ajuizada, que pode levar, até mesmo, ao inde­ferimento da inicial, declarando, ainda, ser inidônea a ação para reaver os

veículos arrendados. Tal decisão foi embargada pelo Agravante e os embar­gos foram admitidos para a imposição de honorários e foi, ainda, atacado

por especial interposto pelo Banco, não admitido, sendo negado provimento

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360 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ao agravo de instrumento e ao agravo regimental, com a relatoria do Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. A Quarta Turma decidiu que o "acórdão recorrido, ao prover o agravo e cassar a liminar concedida se ar­rimou em dois fundamentos distintos e suficientes, a saber: a) por não ter a Autora (ora agravante) indicado na ação preparatória qual a ação princi­pal que seria ajuizada; b) por inexistir segurança ou plausibilidade de fu­turo deferimento da ação principal. A Recorrente, a seu turno, ainda que su­perficialmente, atacou apenas o primeiro, deixando incólume o segundo". Decidiu, ainda, o acórdão, sobre a questão dos honorários, que "possuindo o processo cautelar autonomia jurídica em relação ao principal, as partes, uma vez instaurada litigiosidade em torno da providência assecuratória requerida, ficam sujeitas às regras gerais de sucumbência (arts. 20 e 21, CPC), incumbindo ao juiz, ao decidir demanda preparatória ou incidente, dispor, relativamente a essa demanda, acerca da responsabilidade pelo pa­gamento das despesas processuais respectivas e dos honorários advocatícios" (REsp n. 11.956-MG, DJ de 28.3.1994, de minha relatoria). Anote-se, ade­mais, que a Empresa-recorrente alega que ao declarar a extinção do pro­cesso, o Tribunal impediu que fosse interposto recurso de apelação para a revisão do julgado. Ora, a parte fez o que lhe competia, ou seja, diante de tal julgado interpôs o recurso especial para esta Corte, que, contudo, não foi admitido, barrado no patamar do agravo de instrumento com reforço colegiado em agravo regimental. Não há falar, portanto, em ter sido inviabilizado o duplo grau obrigatório de jurisdição, como pretendido, no ponto, pelo especial. Vê-se, portanto, que o fundamento para alegar viola­ção ao art. 162 e seus parágrafos, está deficiente, não merecendo trânsito.

Alega violação ao art. 295, V, parte final, que se articula com o art. 250 do mesmo Código, porque "sendo possível a adaptação ao procedimento adequado, não poderia a petição inicial ser indeferida, como de fato o foi, determinando a extinção do processo, sem que se fizesse a adequação ao procedimento legal". Também aqui, a Empresa não pode colher favor legal. O Tribunal de origem não indeferiu a petição inicial, mas, sim, extinguiu o processo considerando que houve procedimento inadequado e porque não foi indicada a ação principal. E o acórdão da rescisória limitou-se a enten­der possível a extinção do processo em sede de agravo de instrumento, "quando a ação escolhida for imprópria para a elucidação da demanda". Ora, sob todas as luzes, tal julgado não guarda pertinência alguma com a alegada violação ao art. 295, V, do Código de Processo Civil.

Alega, ainda, violação ao art. 296 do Código de Processo Civil porque "tendo ocorrido a supressão da instância, o egrégio Tribunal a quo negou

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 361

a oportunidade de apelar da decisão, ferindo os princípios da ampla defesa e do contraditório, insculpidos na Constituição Federal (art. 5Q., LIV e LV)". Ora, nada tem a ver o acórdão rescindendo com o princípio da am­

pla defesa, que não guarda compatibilidade nesta quadra recursal. A Empre­sa-recorrida exerceu o seu direito ao recurso especial para atacar o acórdão

rescindendo, sem, contudo, obter êxito. Qual a violação configurada ao art. 296? Nenhuma. Baldia, portanto, a alegação.

Em seguida, alega violação aos artigos 504 e 513 do Código de Pro­cesso Civil porque "pela dicção dos dispositivos aos despachos de mero ex­pediente não cabem recurso e da sentença caberá apelação. Logo, o v. acórdão recorrido mantendo a decisão interlocutória proferida no agravo de

instrumento, decidiu extra petita porque extinguiu o processo, alterando a causa de pedir. De modo que referida decisão contrariou os dispositivos em comento porque cerceou o direito de defesa do Recorrente e tornou ju­

ridicamente impossível reconsiderar a decisão interlocutória, através de ape­lação, quando o recurso cabível seria o agravo". É fácil constatar que a impugnação não tem amparo algum. É uma repetição inútil da impossibi­

lidade da apelação para combater a decisão. Ora, tal já se demonstrou, não é correto. E não é porque da decisão que extinguiu o processo no agravo

interposto de decisão interlocutória a parte teria assegurado o seu direito a recorrer na via própria, como fez, de resto, sem, contudo, alcançar o su­

cesso desejado. Os artigos apontados neste tópico não têm força para guardar o ataque feito com o objetivo de obter a rescisão do julgado. Não há cer­ceamento de defesa nenhum, nem, tampouco, o acórdão recorrido cuidou de atravessar a natureza do despacho que ensejou o recurso de agravo. É, por­

tanto, absolutamente, despropositado o fundamento apresentado em torno dos artigos 504 e 513 do Código de Processo Civil.

Depois, a Empresa-recorrente visualiza ofensa ao art. 522 do Código de Processo Civil "porque o acórdão prolatado no agravo de instrumento

referido jamais poderia ter declarado a extinção do processo, principalmente

porque estava adstrito aos lindes da decisão interlocutória", isto é, em ou­tras palavras, "restou malferido porque foram extrapolados os limites da

decisão interlocutória, na medida em que se alterou a causa de pedir, de­cidindo pela extinção do processo em sede de agravo, quando, no máximo,

o que poderia ocorrer seria a cassação da liminar". Ora, não é crível o ata­

que feito. O art. 522 do Código de Processo Civil não veda o julgado que foi proferido, limitando-se a prescrever o recurso cabível das decisões inter­

locutórias, como é o caso dos autos.

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362 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

o ataque seguinte atinge o art. 460 do Código de Processo Civil, vio­

lado "porque ao julgar extra petita, extinguindo o processo sem exame do

mérito, sem réstia de dúvida, laborou o douto julgador em supressão de ins­

tância, cerceando o direito de defesa, eliminando o contraditório e a am­

pla defesa, na instância a quo, princípios constitucionais assegurados ao

Recorrente para satisfação da tutela jurisdicional". Ora, com todo respeito,

não houve cerceamento de defesa algum, como já visto, simplesmente por­

que o Tribunal julgou de acordo com o seu convencimento, fundamentan­

do a decisão e ensejando o recurso cabível, que foi utilizado, embora sem

sucesso. Evidentemente, o art. 460 não foi violado pela decisão rescindenda

que apreciou a matéria relativa ao recurso sobre a liminar na ação de bus­

ca e apreensão e considerou imprópria a ação cassando a liminar e extin­

guindo, desde logo, o feito. A decisão pode estar até equivocada, mas, sem

dúvida, a meu sentir, ela não ofendeu a disciplina do art. 460 do Código de

Processo Civil. Anote-se que o acórdão rescindendo extinguiu o processo

porque entendeu que a ação de busca e apreensão é medida preparatória e

preventiva a exigir indicação da ação principal a ser ajuizada, invocando

diversos precedentes da Corte. Tal julgado poderia ser atacado, como foi,

pelo recurso especial. Mas, não se pode dizer que malfere o art. 460 men­

cionado neste tópico.

Chega o especial, agora, ao art. 485 do Código de Processo Civil.

Depois de repetir a questão da nulidade do acórdão rescindendo pelo jul­

gamento extra petita, o especial, quanto ao art. 485 raciocina como se se­

gue: "Uma vez que o v. acórdão recorrido julgou improcedente a ação

rescisória, emprestando efeito infringente aos segundos embargos

declaratórios dos Recorridos, quando a matéria se encontrava preclusa, por­

que não foi versada nos primeiros embargos, restaram violados a literalidade dos artigos 166, §§ p., 2.9., 3.9. e 4.9.; 460, 522, 504, 513, 295, V; 535, I e lI,

todos do CPC, impondo-se o provimento do presente recurso especial para

julgar procedente a ação rescisória, decretando-se a nulidade do acórdão

rescindendo proferido no Agravo de Instrumento n. 961.176-2, restauran­

do-se o direito violado e a mais lídima Justiça".

Ora, uma coisa é a rescisão pedida, que impõe saber se o acórdão

rescindendo violou literal disposição de lei; outra coisa é saber se o acórdão

recorrido violou algum dispositivo de lei federal. Até aqui está demonstra­

do que o acórdão rescindendo não violou literal disposição de lei. Vamos

examinar, então, se o acórdão recorrido violou as disposições apontadas pelo

especial.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 363

A decisão do Tribunal Pleno, por maioria, como já destacado supra, admitiu a extinção do processo em agravo de instrumento diante da ausência

de indicação da ação principal e da impropriedade da ação e considerou possível alterar a fixação da verba honorária, reduzindo-a a 1 % do valor da causa. Os embargos de declaração interpostos pelo Réu da rescisória foram rejeitados, embora tenha sido determinada a remessa dos autos para a lavratura do voto-vencido. Neste, o Desembargador Antônio Elias de Queiroga assinalou a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que impediu a passagem do especial, seja porque um dos fundamentos do acórdão rescindendo não foi atacado seja porque enfrentou a natureza autônoma do processo cautelar, admitindo que fica ele sujeito aos ditames da sucumbência. Anote-se, ainda, que o acórdão desta Corte esclareceu bem "que a questão de ter sido ou não proferido julgamento extra petita pelo colegiado de origem, quando do julgamento do agravo, não foi objeto de

irresignação, sabido ser vedado inovar no agravo do art. 544, CPC". No seu

voto-vencido, o Desembargador paraibano adiantou a questão da competên­cia para o julgamento da ação rescisória, afirmando que a nossa Corte "vem reconhecendo a sua competência para julgar ação rescisória quando, 'negan­do provimento ao agravo, tenha o relator apreciado a questão federal con­trovertida. Princípio da Súmula n. 249 do STF (AR n. 311-0-MA, reI. Min. Nilson Naves, Segunda Seção, publicado em 18.9.1995)'. No caso em tela, o STJ, através da Quarta Turma (não foi um simples despacho) considerou legal a verba honorária questionada em sede de agravo regimental, diga-se de novo". Novos embargos de declaração foram interpostos pelo Réu e, des­ta feita, acolhidos por aplicação do art. 512 do Código de Processo Civil, julgando a rescisória totalmente improcedente. Os embargos de declaração da Empresa-recorrente foram rejeitados.

Ocorre que, de fato, na ação rescisória, como posto no voto-vencido,

que acabou sendo acatado em embargos de declaração, não se postulou a redução da verba honorária de 20% para 1 %, com o que não poderia neste campo ingressar a Corte, como afinal veio a ser reconhecido. E, ainda mais, esta Corte reconheceu a legitimidade da verba honorária fixada no acórdão rescindendo, sepultando a questão com o esgotamento da via recursal pró­

pria. Daí, primeiro, não ser possível enfrentar a alegada violação ao art. 166, §§ I))., 2))., 3)). e 4))., porque o referido artigo não contém parágrafos e

refere-se, apenas, aos atos do escrivão ou do chefe de secretaria; segundo,

os artigos 460 e 522, no caso, não foram violados exatamente porque o Tri­

bunal cuidou de espancar a decisão que extrapolava, de acordo com o pró­prio voto-vencido, o pedido contido na ação rescisória, e, ainda, porque

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364 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

cuidou de desafiar o agravo de instrumento interposto, sem macular a dis­ciplina própria; terceiro, o art. 504 do Código de Processo Civil não foi sequer desafiado pelo acórdão recorrido, sendo induvidoso que o despacho deferindo liminar não pode ser configurado como de mero expediente; quarto, o acórdão recorrido, sob todas as luzes, passou ao largo da contra­riedade ao art. 295, V, do Código de Processo Civil, presente que o julga­mento considerou que a ação escolhida foi imprópria, mantendo o acórdão rescindendo que considerou, também, a ausência de indicação da ação prin­cipal; finalmente, resta examinar se o acórdão recorrido violou o art. 535, I e lI, do Código de Processo Civil. Nos embargos de declaração, e foram três, o Tribunal local rejeitou o primeiro do réu na rescisória, mas mandou juntar a declaração de voto-vencido; acolheu o segundo recurso do mesmo réu, já capitulando diante do voto-vencido sobre a verba honorária, diante da omissão em considerar a decisão desta Corte que não conheceu do es­pecial interposto contra o acórdão rescindendo, mantendo a condenação da verba honorária. Em tal situação, presente a omissão, e omissão flagrante, tendo havido chance para a intervenção da outra parte antes do julgamen­to dos embargos de declaração, é possível a concessão de efeitos infringen­tes, tal e qual fez o Tribunal local.

Finalmente, os embargos de declaração interpostos pela Empresa-re­corrente, de fato, foram respondidos com claridade, não deixando marca de omissão ou contradição. A alegada violação ao art. 20, § 4>1., do Código de Processo Civil, igualmente, não colhe êxito. A menção à verba honorária, se referente ao acórdão rescindendo, não tem cabimento aqui, porque nada impede que seja feita a fixação, diante da extinção do processo, consideran­do o valor da causa, não havendo, no caso, violação ao dispositivo aponta­do; se referente ao acórdão recorrido, no campo do art. 21 do Código de Processo Civil, sem razão a Empresa-recorrente porque o julgamento do Tribunal de origem foi de improcedência da rescisória, não havendo espa­ço para a incidência do mencionado art. 21, nem, tampouco, aplicável o re­clamo relativo ao § 4>1. do art. 20 do mesmo Código porque não há qual­quer vedação legal para que seja imposta a verba honorária sobre o valor da causa em tal situação.

Em conclusão, pela letra a), não houve violação a literal disposição de lei, a justificar a procedência da ação rescisória, nem, muito menos, o acórdão recorrido padece das violações indicadas no especial.

Vejamos agora o especial pelo dissídio.

O primeiro paradigma que se encontra à fi. 283, tem a ementa e um tre­cho do voto do Relator, afastada, portanto, a referência ao Superior Tribunal

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 365

de Justiça, porque é de apelação cível com transcrição do voto do

Desembargador, que se vê da cópia de fls. 300/301 ser do Mato Grosso, e

cuida de decisão tomada em desconformidade com a petição inicial, o que,

sem dúvida, não é o caso dos autos.

O segundo paradigma, que se aponta como relator o Sr. Ministro

Cláudio Santos, e da ementa transcrita consta como relator o Sr. Ministro

Eduardo Ribeiro (fls. 284/285), mas, que, de fato, foi relatado pelo primeiro,

como está na cópia de fl. 294, desafia o princípio jura novit cuda, tratando

de benefício legal diverso do direito pleiteado.

O terceiro paradigma é da relatoria do Sr. Ministro Milton Pereira, e

o quarto, da relatoria do Sr. Ministro Demócrito Reinaldo, podem ser exa­

minados em conjunto porque servem para o caso do art. 535 do Código de

Processo Civil. Nos paradigmas o que está indicado é que os segundos em­

bargos de declaração somente podem versar omissões existentes nos primei­

ros embargos, ou seja, se a alegada omissão não foi apresentada nos primei­

ros, não há como ultrapassar a etapa para a renovação dos embargos. Mas,

neste caso, duas peculiaridades impedem a utilização dos paradigmas des­

ta Corte. A primeira, é que a parte interessada teve a cautela de mencionar

a circunstância de já ter o Superior Tribunal de Justiça deliberado sobre a

legalidade dos honorários fixados; a segunda, é que somente com a

interposição dos primeiros embargos é que veio a juntada do voto-vencido

do Desembargador Antônio Elias de Queiroga, o qual, expressamente, cui­dou da decisão desta Corte sobre os honorários de advogado.

Foi juntada, ainda, uma cópia de paradigma desta Corte, mas que não

se encontra no tópico do especial sobre a divergência. De todas as manei­

ras, trata da incidência do § 4Q e não do § 3Q do art. 20 do Código de Pro­

cesso Civil, em casos de extinção do processo sem julgamento do mérito,

que, como já vimos, não pode atingir este feito, diante do julgamento de

improcedência, valendo o antes demonstrado com relação ao especial no

tópico da letra a) do permissivo constitucional.

Em conclusão, eu não conheço do especial.

VOTO

O Sr. Ministro Castro Filho: Sr. Presidente, com ressalva à termino­

logia, acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator, não conhecendo do re­curso especial.

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366

Relatora:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RECURSO ESPECIAL N. 356.821 - RJ (Registro n. 2001.0132110-4)

Ministra Nancy Andrighi

Condomínio do Edifício Palacete São Gabriel

Alberto Moreira de Vasconcellos e outros

Luiz Gonzaga do Nascimento Filho (espólio) e outro

Representado por: Regina Maria Porto Carreiro Proença Pereira (inven­tariante)

Advogados:

Recorridos:

Advogado:

Ana Maria M. da Rocha e outro

Roberto Batalha Menescal e outros

Jorge Antônio Culuchi

EMENTA: Processual Civil - Civil - Recurso especial -Prequestionamento - Condomínio - Área comum - Utilização - Ex­clusividade - Circunstâncias concretas - Uso prolongado - Autori­zação dos condôminos - Condições físicas de acesso - Expectativa dos proprietários - Princípio da boa-fé objetiva.

O recurso especial carece de prequestionamento quando a questão federal suscitada não foi debatida no acórdão recorrido.

Diante das circunstâncias concretas dos autos, nos quais os pro­prietários de duas unidades condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade comum, que há mais de 30 anos só eram utili­zadas pelos moradores das referidas unidades, pois eram os únicos com acesso ao local, e estavam autorizados por assembléia condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do prin­cípio da boa-fé objetiva.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Relatora. Sustentou oralmente, o Dr. Alberto Vasconcellos, pelo recorrente.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA

Brasília-DF, 23 de abril de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministra Nancy Andrighi, Relatora.

Publicado no DJ de 5.8.2002.

RELATÓRIO

367

Cuida-se de recurso especial interposto por Condomínio do Edifício Palacete São Gabriel, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo cons­titucional, em ação rescisória.

Em 31.10.1983, o Recorrente propôs ação reintegratória de posse em face dos proprietários das unidades condominiais n. 101 e 102, do Edifício Palacete São Gabriel. Narrou-se que o prédio de apartamentos, original­mente de exclusiva propriedade do INPS, hoje INSS, foi dividido idealmente em unidades, as quais foram paulatinamente vendidas, em 1968, formando­-se um condomínio. Desde então, os proprietários dos apartamentos n. 101 e 102, utilizavam-se de uma área de 660m2

, localizada aos fundos das uni­dades, como se fizesse exclusivamente parte dessas. Em outubro de 1969, a primeira assembléia condominial decidiu que os proprietários das unida­des 101 e 102 poderiam continuar utilizando o referido espaço, com exclu­sividade. Construíram-se, assim, benfeitorias na área de 660m2

, registradas em cartório. Todavia, em 1982 os demais condôminos realizaram convenção, na qual decidiram retomar a posse do bem. Porém, ao tentarem registrar a convenção, foram impedidos por conta do anterior registro das benfeitorias, feitas pelos Réus. Assim, requeriam a reintegração na posse da citada área de 660m2

O rito foi convertido em ordinário, e julgado procedente o pedido. Contra a sentença, apelaram os Réus, tendo sido provido o apelo, para jul­gar improcedente o pedido, sob o fundamento de que, desde a construção do edifício, a área controvertida servia exclusivamente aos apartamentos 101 e 102, para ventilação e iluminação, pela própria arquitetura do pré­dio. Assim, ainda que fosse área comum, o direito de uso cabia exclusiva­mente aos Réus e não podia ter sido retirado, depois de longos anos em que constituído, por simples decisão de assembléia condominial. O acórdão transitou em julgado em 27.8.1997.

Em abril de 1998, o Condomínio, ora recorrente, ajuizou ação rescisó­ria, objetivando desconstituir o mencionado aresto, com base em violação de disposição legal (arts. 3.20 da Lei n. 4.591/1964, 530, I; 676 e 856, I, do CC)

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368 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

e erro de fato, pois as provas indicavam, em suma, que: a) a área de 660m2,

situada aos fundos dos apartamentos 101 e 102, sempre fora de uso comum, e servia como iluminação e ventilação de várias unidades, sendo utilizadas de má-fé, pelos condôminos dos citados apartamentos, como se fosse área exclusiva; b) a assembléia realizada em 1969 nada mais fez que atribuir a utilização, a título precário, do espaço controvertido, aos moradores das unidades 101 e 102.

O pedido foi julgado improcedente pelo Tribunal de Justiça do Esta­do do Rio de Janeiro, porque corretamente aplicado o art. 311. da Lei n. 4.591/1964.

Daí o presente recurso especial, no qual se alega:

I - ofensa ao art. 311. da Lei n. 4.591/1964 e dissídio jurisprudencial, ao se entender que tal norma permite a utilização exclusiva, por um dos condôminos, de área de propriedade comum;

11 - violação aos arts. 530, I; 676 e 856, I, do CC, porque considerou­-se válido o registro em cartório das benfeitorias feitas pelos proprietários das unidades 101 e 102;

111 - afronta ao art. 485, IX, do CPC, porque houve erro de fato no acórdão rescindendo.

As contra-razões foram juntadas às fls. 331/332 e 334/339.

É o relatório.

VOTO

I - Do prequestionamento

As matérias versadas nos arts. 485, IX, do CPC (erro de fato), e 530, I; 676 e 856, I, do CC (registro das benfeitorias) não foram debatidas no acórdão recorrido, restando ausente o prequestionamento.

Aplicam-se, assim, as Súmulas n. 282 e 356-STF.

11 - Da ofensa ao art. 311. da Lei n. 4.591/1964, e dissídio jurispru­dencial

A questão relativa à violação ao art. 3.Q. da Lei n. 4.591 está prequestio­nada e o alegado dissídio jurisprudencial restou demonstrado.

O ponto controvertido resume-se a saber se apenas um ou alguns dos condôminos podem utilizar área comum, de forma exclusiva.

A situação fática está delineada no acórdão recorrido, e deve ser a pre­missa para a análise do recurso especial (Súmula n. 7-STJ), in verbis:

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 369

"O laudo pericial de fl. 122, em resposta aos quesitos 4ll. e 5ll. do Juízo, informa que a área está fisicamente ligada aos apartamentos 101 e 102, dos Réus, não tendo qualquer entrada independente.

Trata-se, assim, de uma parte remanescente do terreno que ficou encravada e cujo acesso é hoje exclusivo dos moradores dos apartamen­tos dos Réus.

Verifica-se, ainda, que a posse direta foi exercida pelos Réus e seus sucessores desde a promessa de venda feita então pelo INSS por contrato particular datado de 4.10.1986 e re-ratificado em 20.3.1969.

O próprio Condomínio-autor, em 1969, através de assembléia geral reconheceu essa situação fática e concedeu autorização provisó­ria aos moradores das unidades 101 e 102, como constou da respecti­va ata (fls. 3 e 103).

Durante os trinta anos de posse exclusiva, os Réus lograram averbar no RGI as benfeitorias que realizaram, isso em 1977, como admitido à fl. 5 e comprovado pelas certidões de fls. 53, 74 e 123.

Em se tratando de ação originária de caráter possessório, seria condição sine qua non para se obter a proteção, que o Autor tivesse efetivamente exercido a posse, circunstância inexistente no caso pre­sente, além de absolutamente incomprovada nos autos. Na realidade, o Condomínio nunca teve a posse da referida área e até por impossi­bilidade material não teve condições de exercê-la. Essa situação foi reconhecida pelo próprio laudo pericial, à fl. 123.

Diante da situação plenamente consolidada, não poderia a assem­bléia geral de condôminos prejudicar os direitos dos proprietários das unidades 101 e 102 ao gerar direitos retroativos sobre situações fáticas estabelecidas ao longo de décadas.

( ... )" (fls. 296/297).

O Tribunal de origem concluiu, ainda, com base em ensinamentos dou­trinários, que o art. 3ll. da Lei n. 4.591, não impede que determinada área, de propriedade comum, seja utilizada com exclusividade por um ou alguns condôminos, não só porque há impossibilidade física de uso pelos demais, como por autorização em assembléia, que é o presente caso.

De fato, esta Corte já decidiu que, em determinados casos, nos quais os proprietários de apartamentos façam uso exclusivo de área considerada co­mum, a situação deve ser mantida, pelo princípio da boa-fé objetiva, segundo

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370 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

explica o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em voto proferido no REsp n. 214.680-SP:

"Essa situação excepcional e característica daquele prédio é que levou os Réus a usarem a área com exclusividade, com a plena con­

cordância dos demais condôminos, os quais ratificaram tal estado de coisas em assembléia, assim permanecendo por trinta anos. As condi­ções do prédio eram tais que nunca houve qualquer reclamação; antes, o expresso consentimento. A situação poderia ser modificada se de­monstrada a alteração das circunstâncias, surgindo razão ponderável de

interesse comum a justificar a retomada da área para a sua destinação inicial, que desaparecera desde a unificação das unidades habitacionais.

A única solução justa recomendada para o caso é a manutenção do statu quo.

Para isso pode ser invocada a figura da suppressio, fundada na

boa-fé objetiva, a inibir providências que já poderiam ter sido adotadas há anos e não o foram, criando a expectativa, justificada pelas circuns­tâncias, de que o direito que lhes correspondia não mais seria exigi­do. A suppressio tem sido considerada com predominância como hi­pótese de exercício inadmissível do direito (Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, 11, 810) e pode bem ser aplicada neste caso, pois houve o prolongado comportamento dos titulares, como se não tivessem o direito ou não mais quisessem exercê-lo; os condôminos ora réus confiaram na permanência desta situação pelas fundamentadas razões já explicadas; a vantagem da Autora ou do Condomínio, que ela

diz defender, seria nenhuma, e o prejuízo dos Réus, considerável. Penso que, no caso, se pode fazer boa aplicação do princípio."

Transpondo-se a lição para o presente recurso, tem-se que os proprie­tários dos apartamentos 101 e 102 utilizam, com exclusividade, a área de 660m2, localizada ao fundo, e somente eles têm acesso ao referido espaço, situação que advém desde a constituição do Condomínio, há mais de 30 anos. Os próprios condôminos concordaram em permitir o uso exclusivo da área de 660m2, "temporariamente", através de assembléia realizada em 1969.

Porém, a utilização se perpetuou até 1982, quando por nova assembléia re­

solveu-se retomar o uso da área.

É possível, assim, concluir que os condôminos das unidades 101 e 102 licitamente esperavam a permanência da situação de uso da área situada aos

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 371

fundos, tanto que até realizaram ali benfeitorias, e que tal expectativa es­tava alimentada pela decisão da assembléia condominial, perdurando por mais de dez anos, sem qualquer problema.

Por outro lado, nenhum motivo foi alegado, na reintegratória de pos­se ou na ação rescisória, para que o Condomínio desejasse retomar o uso da área controvertida. Apenas o acórdão rescindendo, à fi. 171, assinalou que se pretendia utilizar o referido local para construção de um estacionamen­to, fato que não se caracteriza como "razão ponderável" para se alterar uma situação há longos anos consolidada.

Ademais, como assinalou o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no REsp n. 254.095-RJ, em que se analisou situação análoga, a par da regra do art. 3ll. da Lei n. 4.591/1964 "que, na sua parte final, comanda que serão 'inacessíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino as dependências de uso comum dos proprietários', ( ... )", o mesmo diploma

legal determina "que a convenção de condomínio estabelecesse 'o modo de usar as coisas a serviços comuns' ( ... )".

Portanto, os condôminos podiam decidir, como decidiram em assem­bléia, que parte do total da área comum ficasse sob utilização exclusiva de um ou alguns condôminos, conferindo legitimidade às expectativas dos pro­prietários das unidades 1 O 1 e 102, as quais se fortaleceram pelo decurso do tempo.

Por fim, é oportuno mencionar a consideração feita pelo eminente Mi­nistro Carlos Alberto Menezes Direito, no apontado precedente, in verbis:

"O especial não pode vencer o plano dos fatos, nem o direito pode ultrapassar a realidade da vida. Se a própria lei prescreve que os condôminos podem estabelecer o modo de utilização da coisa comum, se, no caso, a situação física da área em litígio confina o acesso pelos apartamentos dos 1ll. e 2ll. réus, sendo contígua às varandas, ademais de envolver perigo de acidente outra forma de utilização, não há como enxergar a pretendida violação ao art. 3ll. da Lei n. 4.591/1964."

Portanto, está correto o aresto vergastado, uma vez que o princípio da boa-fé objetiva tempera a regra do art. 3ll. da Lei n. 4.591/1964 e recomenda que não se permita a retomada da área utilizada pelos ora recorridos.

Forte em tais razões, conheço parcialmente do recurso especial, e, nes­sa parte, nego-lhe provimento.

É o voto.

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372 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

VOTO

o Sr. Ministro Castro Filho: Sr. Presidente, após os elucidativos re­

latório e voto da ilustre Ministra-Relatora, não há como deixar de acom­

panhar o voto de S. Ex.". Estou convencido acerca de seu entendimento.

Conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe pro­

vimento.

VOTO

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Sr. Presidente, não obstante

a brilhante sustentação produzida pelo ilustre advogado, não vejo, realmente,

como alterar a decisão do Tribunal a quo, bastando, a meu ver, com rela­

ção à substância da questão, que se trata de ação de reintegração de posse

e que as instâncias ordinárias decidiram que o Condomínio nunca teve a

posse. Por aí já se deduz que jamais poderia ser acolhida esta ação. Afora

isso, no que diz respeito às questões jurídicas propriamente ditas que, aqui,

foram deduzidas, a ilustre Ministra-Relatora bem as examinou, à vista da

orientação traçada pelos precedentes deste Tribunal.

Com essas breves observações, acompanho a ilustre Ministra-Relatora,

conhecendo parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negando-lhe

provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Srs. Ministros, acompanho o voto da

eminente Ministra-Relatora apenas pelo aspecto enfatizado pelo Sr. Ministro

Antônio de Pádua Ribeiro. Na primeira assembléia condominial - anterior­

mente, não havia condomínio, e o prédio era do INSS -, atribuiu-se a es­

ses dois condôminos a posse exclusiva do terreno adjacente de 610m2; quer

dizer, como o Condomínio nunca teve posse, não poderia pleiteá-la. Quanto

ao mais, meu ponto de vista é o seguinte: uma autorização precária da as­

sembléia geral não é meio hábil para transferir a propriedade. Em

usucapião, não se pode falar, porque eles estão ali em nome do Condomí­

nio. De modo que, se a ação fosse diversa, o resultado poderia ser outro.

Conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe pro­

vimento.

RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA

RECURSO ESPECIAL N. 363.939 - MG (Registro n. 2001.0117474-5)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Roberto Soares de Souza Lima

Advogados: Danilo Fernandes Rocha e outro

Recorrida: Fiat Automóveis SI A

Advogados: Daniel Ribeiro Pettersen e outros

373

EMENTA: Consumidor - Recurso especial - Publicidade - Ofer­ta - Princípio da vinculação - Obrigação do fornecedor.

- O CDC dispõe que toda informação ou publicidade, veicula­da por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a pro­

dutos e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficiente­

mente precisa e efetivamente conhecida pelos consumidores a que

é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se uti­lizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado.

- Constatado pelo egrégio Tribunal a quo que o fornecedor, atra­vés de publicidade amplamente divulgada, garantiu a entrega de veí­

culo objeto de contrato de compra e venda firmado entre o consu­midor e uma de suas concessionárias, submete-se ao cumprimento da obrigação nos termos da oferta apresentada.

- Diante da declaração de falência da concessionária, a respon­sabilidade pela informação ou publicidade divulgada recai integral­mente sobre a empresa fornecedora.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhe­cer, em parte, do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Minis­

tra-Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ri­beiro. Sustentou, oralmente, a Dra. Sara de Sousa Coutinho, pelo recorrido.

Brasília-DF, 4 de junho de 2002 (data do julgamento).

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374 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministra Nancy Andrighi, Relatora.

Publicado no DI de 1.7.2002.

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial, interposto por Roberto Soares de Sou­za Lima, contra acórdão exarado pelo egrégio Tribunal de Alçada de Mi­nas Gerais.

O ora recorrente propôs ação de conhecimento sob o rito ordinário em face de Fiat Automóveis S/A. Sustentou que firmou contrato de compra e venda de veículo pelo sistema denominado "Palio On Line" com a Concessionária Scala Veículos S/A, representante da Recorrida em Bom Des­pacho-MG.

Comprometeu-se ao pagamento de 20% do valor do bem a título de reserva, ao mesmo tempo que a Concessionária-contratante se obrigou a en­tregar o veículo em dois meses da data de assinatura do contrato, ocasião em que os 80% restantes do preço, inclusive despesas e acréscimos relati­vos ao negócio, deveriam ser pagos pelo Recorrente.

Ocorreu que, na data aprazada, o veículo não fora entregue pela Con­cessionária, embora o Requerente, segundo afirmou, houvesse quitado a to­

talidade do saldo devedor, mediante o pagamento de parcelas mensais, das quais juntou os respectivos comprovantes (fls. 16/21). A sua situação res­tou ainda mais agravada com a declaração de falência da concessionária com a qual havia celebrado o contrato.

Nos termos da oferta publicitária amplamente divulgada (fls. 58/60), a fornecedora Fiat S/A, ora recorrida, garantira a entrega do bem. Assim sendo, com lastro nos arts. 30, 34 e 35 do CDC, pugnou pela sua conde­nação ao cumprimento da obrigação, ainda que na condição de solidária à

Concessionária, e nos termos da peça informativa a que teve acesso, e em razão da qual firmara o contrato. Alternativamente, pugnou pela rescisão do

contrato e restituição da quantia antecipada com a devida atualização mo­netária.

O douto Juízo a quo julgou o pedido procedente para condenar a Re­corrida ao cumprimento da obrigação concretizada no contrato de reserva

de veículo firmado entre as partes, determinando que fosse entregue ao

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 375

Recorrente o veículo, devendo ele, contudo, arcar com o pagamento dos va­

lores previstos na avença, ainda não pagos, a título de quitação integral do contrato.

Inconformadas, as partes recorreram ao egrégio Tribunal a quo. Ao

recurso interposto pela Recorrida foi dado provimento, por maioria, para

julgar improcedentes os pedidos contidos na inicial, e prejudicado o recurso interposto pelo Recorrente, nos termos da ementa infra:

"Contrato de reserva on line de veículo. Falência da concessio­nária. Inadimplemento do contrato. Inexistência de obrigação solidá­ria por parte do fabricante.

Não logrando a parte fazer prova de ser a concessionária preposta

ou representante da fábrica de veículos, não há que se falar em respon­sabilidade desta por contrato com aquela firmado.

A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes (art. 896 do CC)."

Aproveitando-se da não-unanimidade de julgamento, o Recorrente in­

terpôs embargos infringentes, que foram rejeitados por maioria, nos termos da ementa abaixo:

"Embargos infringentes. Contrato com reserva de veículo. Con­

cessionária e fábrica. Solidariedade. Ausência.

Ausente a prova de que seja a concessionária preposta ou repre­

sentante da fábrica respectiva, não se há que falar na solidariedade desta

pelo contrato firmado entre aquela e o autor, diante da falta de pre­

sunção a respeito.

Recurso rejeitado."

Irresignado, o Recorrente interpôs recurso especial, com fulcro no art. 105, inc. 111, alínea a, da Constituição Federal, sob a alegação de ofensa aos

arts. 6Q, VIII; 30, 34 e 35 do CDC.

Afirmou que a conclusão do acórdão contém manifesto erro de direi­

to ao deixar de reconhecer a solidariedade existente entre a fornecedora,

então recorrida, e a Concessionária, bem como que não seria dele o ônus

de provar qual seria a relação jurídica estabelecida entre ambas para veri­ficação da solidariedade. Tal incumbência seria da Recorrida.

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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376 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Sustenta que, independentemente da forma característica da relação co­

mercial entre as duas empresas, a Recorrida se obrigou à entrega do veículo

objeto do contrato, por meio da publicidade que divulgara.

É o relatório.

VOTO

O presente recurso especial merece conhecimento, porquanto presen­

tes todos os requisitos indispensáveis a sua admissibilidade.

A questão posta a desate pelo Recorrente consiste em aferir a respon­

sabilidade da Fiat Automóveis S/A pelo inadimplemento do contrato de

compra e venda de veículo firmado entre o Recorrente e uma de suas con­

cessionárias.

A Recorrida, mediante ampla divulgação publicitária (fls. 58/60), le­

vou ao conhecimento de todos os consumidores informações acerca da venda

de veículos Palio pelo sistema on line.

De acordo com a peça publicitária veiculada, garantiu a entrega do

automóvel que viesse a ser adquirido, por tal sistema, nos termos da cláu­

sula V.I.I. do contrato de reserva de veículo firmado com a concessionária

(fls. 10/14), do qual faz parte integrante, segundo a cláusula IX.l, o Regu­

lamento do Programa "Palio On Line" às fls. 39/43, que na cláusula quin­

ta, § 1 Q, possui estipulação no mesmo sentido.

No caso, despicienda se faz qualquer discussão acerca da solidarieda­

de existente entre o fornecedor e seus prepostos ou representantes para o

fim de responsabilização, nos termos do art. 34 do CDC.

A responsabilidade da Recorrida há de ser constatada diante das prá­

ticas comerciais que utilizara para promover a venda de seu produto. Acres­

cente-se que, no caso dos autos, tal responsabilidade deve se dar de forma integral, diante da declaração de falência da concessionária com a qual o

Recorrente assinou o contrato.

As práticas comerciais abrangem as técnicas e métodos utilizados pe­

los fornecedores para fomentar a comercialização dos produtos e serviços

destinados ao consumidor. Acabam, pois, por alimentar a sociedade de con­

sumo. Entre essas encontra-se o marketing, que além dos mecanismos de

incentivo às vendas (liquidações, promoções, descontos, cupons, ofertas com­

binadas, etc.), compreende também a publicidade.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 377

Na medida em que, na sociedade de consumo, as relações jurídicas tra­vadas ascendem do nível pessoal ao social, inserindo em seu contexto in­teresses comuns, se tornou imperiosa a intervenção do Estado nessas rela­ções, de modo a compatibilizar o exercício do marketing pelo fornecedor com a defesa do consumidor.

A publicidade realizada pelo fornecedor tem o objetivo de divulgar seus produtos e/ou serviços e ofertá-los aos consumidores. A oferta, nesse caso, difere da oferta a que faz alusão o art. 1.080 do CC. Porquanto destinada à sociedade de consumo, fez-se necessário atribuir à publicidade certo va­lor contratual, ainda que não fosse instrumento do contrato e tivesse mero conteúdo indicativo.

Atento à possibilidade de que a veiculação desvirtuada da publicida­de viesse a prejudicar os consumidores, o legislador assegurou a tutela da sociedade de consumo através do preceito legal insculpido no art. 30 do CDC, verbis:

"Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veicula­da por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produ­tos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

Trata-se do princípio da vinculação, um dos princípios informadores do marketing, que se aplica não somente à oferta, mas, também, à publici­dade. Segundo o escólio de Antônio Herman de Vasconcellos e Benja­min (Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do An­teprojeto, Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 1995, pp. 176/177).

"dois requisitos básicos devem estar presentes para que o prin­cípio atue. Em primeiro lugar, inexistirá vinculação se não houver 'ex­posição'. Uma simples proposta que, mesmo colocada no papel, não chegue ao conhecimento do consumidor, não obriga o fornecedor. Em segundo lugar, a oferta (informação ou publicidade) deve ser suficien­temente precisa, isto é, o simples exagero (puffing) não obriga o for­necedor.

( ... )

A vinculação age de duas maneiras: obrigando o fornecedor mes­mo quando ele se nega a contratar ou, diferentemente, introduzindo­-se em contrato eventualmente assinado."

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378 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No caso sub examine, o egrégio Tribunal a quo reconhecera a decla­ração da Recorrida no sentido de garantir a entrega do veículo, independen­temente de qualquer fato atinente às relações jurídicas operadas entre os consumidores e suas concessionárias, o que se infere pela análise dos se­guintes excertos do v. acórdão recorrido:

"De fato, incontroverso é o fato de que a propaganda veiculada pela Ré afirmava que a entrega do veículo era garantida pela fábrica, sob pena de multa moratória, o que, aliás, é previsto pela cláusula sé­tima do Regulamento do Programa Palio 'On Line', pela qual a Fiat Automóveis S/A 'declara que o veículo será entregue pelo concessio­nário contra o pagamento do saldo do preço'." CP. 122).

"Pelo que se depreende dos autos, pretendeu o Recorrente atri­buir a responsabilidade solidária à Fiat Automóveis S/A, ora recorri­da, pelo contrato que firmou com a empresa Scala Veículos Ltda, para entrega do veículo identificado na inicial, mediante o pagamento de um sinal, que teria resultado da publicidade veiculada pela mesma no sistema de vendas on tine, em que garante a entrega dos veículos, ven­didos pelas suas concessionárias, nesta modalidade de negócio juridi­

co." CP. 162).

Verifica-se, pois, que a oferta foi suficientemente precisa, sem qualquer exagero ou absurdidade, e chegou ao conhecimento do Recorrente que, se­guro da garantia de entrega do veículo pela própria Recorrida, firmou con­trato de compra e venda com uma de suas concessionárias.

Dada a força vinculativa da oferta divulgada pela Recorrida, aplica-se ao caso em análise o art. 35, I ou UI, do CDC, nos termos dos pedidos su­cessivos formulados pelo Recorrente na petição inicial Cfls. 617).

Contudo, também restou decidido pelo egrégio Tribunal a quo que o Recorrido não procedera à completa quitação do valor do contrato para que tivesse direito ao recebimento do veículo. Confira-se:

"Por outro lado, ao contrário do que quer fazer crer o Autor, não há, também, prova de que tenha ele quitado o preço avençado entre as partes contratantes.

Os documentos de fls. 16/21-TA não têm o condão de dar a qui­tação do preço por ele pretendida. Vários são os defeitos desses do­

cumentos.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 379

Primeiramente, verifica-se que, não obstante o contrato sub exa­mine ter sido firmado aos 11.7.1997, vários recibos têm data de ven­cimento anterior, começando em 25.3.1996. Portanto, nenhum recibo anterior ao negócio jurídico sub judice tem a eficácia que lhe pretende imprimir o autor.

Mesmo que todos os recibos fossem posteriores ao contrato ana­lisado, ainda assim não poderiam surtir efeito em relação a ele, pois, da forma como trazidos aos autos, não guardam qualquer prova de re­lação com o negócio jurídico, o que deveria ser explícito, haja vista que a forma de pagamento pactuado não fora aquela alegada pelo Autor.

Ademais, muitos desses recibos sequer apresentam autenticação mecânica comprobatória do pagamento do valor nele contido, o que invalida totalmente a sua eficácia. (sic).

Por fim, até mesmo o cheque de fi. 21-TA não serve para demons­trar o pagamento alegado, pois não há prova de que ele tenha-se re­vertido em favor da concessionária (observe-se que apenas o verso foi apresentado, não existindo qualquer prova de sua apresentação ou com­pensação).

Portanto, em relação ao preço há, tão-somente, quitação em re­lação aos 20% do sinal, dada no próprio instrumento contratual."

De fato, o contrato firmado entre as partes previu que o restante do preço, inclusive os custos decorrentes de transporte, seguro e eventuais acréscimos, seria pago até o dia seguinte ao da confirmação da chegada do veículo no estabelecimento da concessionária, o que seria comunicado ao cliente por telegrama (cláusula IV.2 do contrato às fls. 10/14 e cláusula quarta do Regulamento do Programa Palio "On Line" às fls. 39/43). Não há notícia nos autos que tal comunicação tenha se efetivado.

Posta a situação nesses termos, ainda que a Recorrida deva submeter­-se ao cumprimento forçado da obrigação, em virtude de publicidade pela qual garantiu a entrega do veículo, o Recorrente deve efetuar o pagamento do saldo devedor do contrato para que tenha direito ao recebimento do bem objeto da avença.

Na petição inicial, o Recorrente formulou pedido de cumprimento for­çado da obrigação, nos termos da publicidade de oferta e, sucessivamente e de forma subsidiária, pedido de rescisão do contrato, com direito à res­tituição do preço pago e perdas e danos. Constatada a vinculação da Recor­rida à entrega do veículo, impõe-se a procedência do primeiro.

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380 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Forte em tais razões, conheço do presente recurso especial pela alínea a do permissivo constitucional, e dou-lhe provimento, para julgar parcial­mente procedente o pedido de cumprimento forçado da obrigação formu­lado pelo Recorrente, devendo ele, contudo, cumprir a sua obrigação de pa­gar, dentro do prazo convencionado, o saldo devedor previsto na cláusula IV.2 do contrato, a título de quitação integral, condicionando-se a entrega do veículo pela Recorrida ao pagamento do preço na forma avençada.

Em virtude da sucumbência recíproca, cada parte arcará com os ho­norários advocatícios de seus patronos. Custas processuais pro rata.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 400.789 - RJ (Registro n. 2001.0198259-4)

Relator: Ministro Castro Filho

Recorrente: Fundação dos Economiários Federais - Funcef

Advogados: Sérgio dos Santos de Barros e outros

Recorrente: José Maria da Costa Ferreira

Advogados: Juliana Meira Coelho Melhado e outros

Recorrido: Os mesmos

EMENTA: Direito Processual Civil - Embargos de declaração -Hipóteses do art. 535 do CPC - Negativa de prestação jurisdicional - Inocorrência - Recurso especial - Prequestionamento - Inocorrên­cia - Súmulas n. 282-STF e 211-STJ - Divergência jurisprudencial -Confronto a demonstrar a similitude fática - Necessidade - Previ­dência privada - Proventos - Incorporação de parcela que não fez parte do salário-de-contribuição - Inocorrência.

I - Segundo a moldura do cânon inscrito no art. 535 do CPC, são os embargos de declaração instrumento processual destinado a expungir do julgamento obscuridade ou contradições, ou ainda a su­prir omissão sobre terna cujo pronunciamento se impunha, não sen­do de sua índole, em regra, a reapreciação do julgado.

II - O prequestionamento, entendido corno a necessidade de o terna objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada,

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 381

constitui exigência inafastável da própria previsão constitucional do recurso especial, figurando entre os requisitos de seu conhecilllento.

Não exalllinada a lllatéria objeto do especial pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição e julgalllento dos elllbargos declaratórios, incidelll os enunciados das SÚlllulas n. 282 do Suprelllo Tribunal Fe­deral, e 211 deste Superior Tribunal de Justiça.

In - SOlllente as parcelas da rellluneração paga pela CEF que integralll o salário-de-contribuição podelll servir de base ao cálculo de cOlllplelllentação do benefício previdenciário pago pela Funcef.

IV - Não se conhece de recurso especial pela alínea c do per­lllissivo constitucional se não houve suficiente confronto entre as decisões, de forllla a delllonstrar a silllilitude fática capaz de asse­lllelhar as hipóteses a que supostalllente se deu tratalllento jurídi­co distinto.

Recurso especial conhecido e provido. Recurso adesivo a que se nega conhecilllento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento e, não conhecer do recurso adesivo. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Minis­

tro Antônio de Pádua Ribeiro.

Brasília-DF, 2 de abril de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministro Castro Filho, Relator.

Publicado no DJ de 6.5.2002.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Filho: Trata-se de dois recursos especiais inter­postos por Fundação dos Economiários Federais - Funcef e José Maria da Costa Ferreira, em face de acórdãos da colenda Primeira Turma do egrégio

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382 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Tribunal Regional Federal da 2lJ. Região, que deu parcial provimento a seus recursos de apelação e negou provimento a seus embargos de declaração.

Cuida-se, originalmente, de ação ordinária ajuizada por José Maria da Costa Ferreira em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e da Fundação dos Economiários Federais - Funcef, objetivando a revisão dos cálculos da aposentadoria, para incluir, a partir da data da respectiva concessão, os valores das gratificações de produtividade, apuradas em liqui­dação de sentença, correspondente ao montante dos atrasados, com incor­poração dos valores apurados nos proventos da inatividade, no quantitati­vo de 1/ 12 avos, acrescidos de juros de mora e correção monetária, a par­tir da data da aposentadoria concedida.

O pedido foi julgado procedente, em parte, reconhecida a prescrição qüinqüenal das parcelas vencidas. Opostos embargos de declaração por ambas as partes, foram acolhidos, em parte, os do Autor, para acrescentar ao dispositivo final da sentença o item referente à correção monetária, cal­culada segundo o critério da Lei n. 6.899/1981.

Interpostos recursos de apelação por ambas as partes, a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 2lJ. Região deu-lhes parcial provimento, em acórdão assim ementado, verbis:

"Previdenciário. Proventos. Suplementação da Funcef. Adicional de produtividade.

- A suplementação dos proventos pela Previdência privada não afasta a legitimidade de postular o seu reajuste.

- Gratificação de produtividade que se incorpora em face à habitualidade de seu pagamento."

No voto-condutor do aresto unânime, restou consignado:

"Por certo que o adicional de produtividade foi deferido dentro dos parâmetros em que foi requerido, e coerente com precedentes que dizem do direito da parte quanto às verbas que se incorporam aos ven­cimentos, seja em razão do contrato laboral, seja em razão da habitua­lidade de seus pagamentos.

No que diz respeito à inclusão de expurgos inflacionários ou mesmo da incidência da TRD como fator de correção monetária, há de ser afastada tal pretensão, posto não serem tais fatores praticados pela política de correção dos padrões dos salários e vencimentos.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 383

No que pertine aos juros, devem ser computados a partir do trân­sito e a correção aquela mesma que se aplica aos beneficiários da Pre­vidência Social, a teor da Súmula n. 17 deste egrégio Tribunal Regional Federal, com observância do afastamento das parcelas vencidas nos últimos cinco anos que antecederam o requerimento inicial, vez que prescritas."

Opostos embargos declaratórios, por ambas as partes, tiveram provi­mento negado, em acórdão cuja ementa se transcreve:

"Processo Civil. Embargos de declaração. Inexistência de omis­são. Efeito infringente que se afasta.

A matéria veiculada nos autos foi apreciada no seu mérito em ní­vel monocrático e recebeu em sede de apelação o trato legal e dogmático que se coaduna com o seu deslinde."

Inconformada, interpõe a Funcef, além de recurso extraordinário, re­curso especial com fundamento nas alíneas a e c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, sustentando ter o acórdão recorrido negado vigên­cia ao artigo 535, inciso lI, do Código de Processo Civil, recusando a de­vida prestação jurisdicional, eis que deixou de consignar o malferimento aos artigos 5.Q., XXXVI, e 195, § 5.Q., da Constituição Federal, e ao artigo 6.Q., § 1.Q., da Lei de Introdução ao Código Civil, além de violar o preceito le­gal ora referido e divergir da jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos.

Afirma que, inacolhendo os embargos de declaração, o Tribunal "in­correu em fidedigno error in judicando", fazendo tábula rasa do artigo 535, lI, do Código de Processo Civil.

Acresce que "não esgota a atividade jurisferante a postura adotada pelo v. acórdão objurgado, de julgar o feito neste ou naquele sentido, (mas) ao revés, impende que o exercício nobre da função jurisdicional seja perpetrado de forma cumpridamente (sic) fundamentada, dissecando todos os argumen­tos (de) que as partes tenham lançado mão no iter do debate processual".

Sustenta a nulidade de pleno direito do acórdão, "tendo em vista que os maus tratos perpetrados ao art. 535, I, do pergaminho ritual, ao deixar de fazer constar em seu bojo os artigos 5.Q., XXXVI, da CF; 6.Q., § 1.Q., da

LICC; 195, § 5.Q., da CF, dando azo, per si, ao acolhimento e ulterior pro­vimento do apelo heróico".

Afirma que, deferindo a integração da parcela requerida aos proventos

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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384 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

do Recorrido, o acórdão impugnado desconsiderou o conteúdo de ato jurídico perfeito entre os litigantes, eis que o contrato de previdência com­plementar firmado entre as partes, cujas cláusulas estão delineadas no Re­gulamento dos Planos de Benefício da Funcef, não previa a inclusão da re­ferida gratificação anual no cálculo dos proventos, nem o referido regula­mento previa a contribuição, seja por parte dos servidores, seja por parte da Caixa Econômica Federal, de qualquer parcela sobre tal gratificação, para fins de formação de reserva para custeio.

Traz à colação diversos julgados do extinto Tribunal Federal de Re­cursos, em defesa de sua tese.

Requer a anulação do acórdão que julgou os embargos de declaração ou a reforma do acórdão para julgar procedente o pedido inicial ou, pelo menos, acaso esta Corte entenda por manter a integração deferida, a com­pensação dos valores atinentes à indispensável fonte de custeio na forma do contratado.

Oferecidas contra-razões (fls. 609 a 626), o Autor interpõe recurso especial adesivo, com fundamento no artigo 500 do Código de Processo Civil e nas alíneas a e c do permissivo constitucional, afirmando ter o acórdão guerreado violado o disposto no artigo 535, II, do Código de Pro­cesso Civil, e divergido da jurisprudência de outros tribunais.

Afirma que a decisão recorrida foi omissa quanto à forma de aplica­ção da correção monetária, merecendo anulação o acórdão que julgou os embargos declaratórios.

Sustenta que a correção monetária deve ser integral, incluídos sempre os expurgos inflacionários, como decidido em julgados que colaciona des­te Superior Tribunal de Justiça e do egrégio Tribunal Regional Federal da IJ.l. Região.

Contra-arrazoado o adesivo (fls. 698 a 703), foram ambos os recursos admitidos por decisão do Dr. Chalu Barbosa, ilustre Vice-Presidente do egrégio Tribunal Regional Federal da 2J.l. Região.

José Maria da Costa Ferreira requereu preferência no julgamento do recurso, eis que conta com mais de 65 anos de idade.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Castro Filho (Relator): O recurso especial não com­porta acolhimento pela alínea a do permissivo constitucional.

RST], Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 385

Rejeitados os embargos declaratórios com propósito de prequestio­

namento, a Recorrente sustenta a nulidade do acórdão por infringência ao

artigo 535 do Código de Processo Civil, afirmando ter ocorrido negativa de prestação jurisdicional.

No entanto, ao contrário do que defende a Recorrente, a jurisprudên­

cia desta Casa é uníssona ao proclamar que, desde que os fundamentos adotados bastem para justificar o concluído na decisão, o julgador não está

obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte.

Não se prestam, pois, os embargos de declaração a submeter o julgador ao exame da matéria exatamente nos termos que a parte gostaria de ver ana­lisada. Tampouco a responder questionários do Embargante, o que, se ad­mitido, teria por conseqüência desnaturar o recurso. O fim dos embargos é de esclarecimento, apenas. Não havendo esclarecimentos a serem feitos,

não há como serem acolhidos, não havendo nisto qualquer negativa de pres­tação da jurisdição.

Por sua vez, a apreciação da suposta infringência ao artigo 6.Q., § 1.Q., da

Lei de Introdução ao Código Civil, encontra óbice nas Súmulas n. 282 do

Supremo Tribunal Federal, e 211 deste Superior Tribunal de Justiça, não preenchido o requisito básico do prequestionamento, exigência inafastável

da própria previsão constitucional do recurso especial, uma vez que sobre ele o Tribunal local não se manifestou expressamente.

Conheço, porém, do recurso, pela alínea c do permissivo constitucio­nal, diante da inegável divergência jurisprudencial. Enquanto o aresto im­pugnado afirma que, habitualmente, efetuado o pagamento da gratificação

de pontualidade, ela se incorpora aos proventos, os arestos paradigmas as­

severam que a remuneração paga habitualmente pela Caixa Econômica Fe­deral, nela incluída a gratificação de incentivo à produtividade, não com­

punha o salário-de-contribuição, de maneira que a Funcef não pode ser

compelida a complementar os proventos, incluindo parcela que nunca in­

tegrou a contribuição social.

Entendo como o Ministro Anselmo Santiago (REsp n. 57.815-DF, Sexta Turma, j. em 16.5.1995, DJ de 4.9.1995, p. 27.867), que somente as parcelas que integram o salário-de-contribuição podem servir de base ao cál­

culo de complementação do benefício previdenciário.

À vista do exposto, dou provimento ao recurso especial.

Quanto ao recurso adesivo, não pode ser conhecido pela alínea a do per­missivo constitucional, no tocante à alegada violação ao disposto no artigo

RSTJ, Brasília, a. 14, (159): 299-395, novembro 2002.

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386 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

535, II, do Código de Processo Civil, eis que rejeitados os embargos de de­claração tão-somente por inocorrente a omissão apontada.

Também pela suposta divergência jurisprudencial, o recurso especial adesivo não merece conhecimento. Não houve suficiente confronto entre as decisões, de forma a demonstrar a similitude fática capaz de assemelhar as hipóteses a que supostamente se deu tratamento jurídico distinto.

Assim, em conclusão, dou provimento ao recurso especial e não conheço do recurso especial adesivo.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 407.006 - MG (Registro n. 2002.0007841-1)

Relatora:

Recorrente:

Advogados:

Recorridos:

Advogado:

Ministra N ancy Andrighi

Zeni da Cunha N ery

Lincoln de Oliveira e outros

Pedro Saturnino Nery e outros

Pedro Otacílio Loures Martins

EMENTA: Processo Civil - Embargos infringentes - Cabimento - Preliminar de cerceamento de defesa na apelação que reprisa os argumentos do agravo retido - Impossibilidade do mesmo pedido recursal em vias distintas - Unicidade recursal - Ação declaratória de nulidade de testamento por falta de capacidade de testar - De­cisão que designa audiência sem determinar prévia colheita de pro­va pericial - Ausência de indeferimento expresso da diligência - In­teligência da Súmula n. 255 da Corte Especial do STJ.

- Os embargos infringentes são cabíveis, em agravo retido, quando resolver questão de mérito, como prescrição e decadência, que resultem a extinção do próprio processo.

- O acolhimento ou rejeição de preliminar de cerceamento de defesa pelo indeferimento de perícia, quando decidido por maioria de votos, em sede de agravo, não decide o fundo do direito e nem implica na extinção do processo, sendo incabível a interposição de embargos infringentes.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 387

Peculiaridades do processo no julgamento da apelação, que

apreciou o agravo retido sem pedido expresso para seu exame pelo

Tribunal, e que foi interposto contra despacho sem conteúdo

decisório que designa audiência de conciliação, instrução e julga­

mento (e que nada decidiu sobre a realização de prova pericial), le­

vam à conclusão de que o tema de direito só poderia ter sido exa­

minado como preliminar de cerceamento de defesa na apelação. Er­

rônea referência do acórdão da apelação que dispôs sobre julgamen­

to de agravo retido, quando o tema recursal integrava as razões de

apelação. Conseqüente cabimento dos embargos infringentes porque

abrangeu disciplina própria da preliminar de cerceamento de defe­sa veiculada na petição de apelação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos vo­

tos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não

conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Castro Filho, Ari Pargen­

dler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra-Rela­

tora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.

Brasília-DF, 6 de junho de 2002 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente.

Ministra Nancy Andrighi, Relatora.

Publicado no DJ de 1.7.2002.

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto com fulcro na alínea a do per­

missivo constitucional, contra v. acórdão que deu provimento ao recurso de

embargos infringentes e manteve o indeferimento de perícia mental post

mor tem, tendo em vista o amplo contexto probatório.

Insurge-se a Autora de ação de nulidade de testamento contra o

indeferimento da perícia, porque não poderia ser cassada a determinação de

sua realização em sede de embargos infringentes, porque a insurgência foi

originada de agravo retido, contra o qual não cabem embargos infringentes.

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388 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A ação de conhecimento para declarar a nulidade do testamento do falecido que não deixou herdeiros necessários foi ajuizada pela viúva, e teve como causa de pedir a falta de capacidade de testar do falecido, que era portador de esquizofrenia paranóide. Foram citados os sobrinhos, a cunhada e o irmão do falecido.

O ilustre juízo monocrático havia determinado a realização de audiên­cia de conciliação, instrução e julgamento sem prévia determinação de pe­rícia requerida pela Autora, tendo sido interposto agravo retido contra a ausência de determinação da colheita pericial.

Adveio a sentença de improcedência do pedido porque a patologia de esquizofrenia paranóide foi verificada em seu grau brando, sem comprome­timento da vontade do falecido para praticar atos de disposição patrimonial, conforme aferiu de depoimentos das testemunhas, relatórios médicos e ma­nuais de medicina legal.

Foi interposta apelação, com preliminar de nulidade do processo por cerceamento de defesa.

Processada a apelação, em preliminar e por maioria de votos, foi pro­vido o agravo retido para cassar a sentença e determinar a realização da prova pericial, tida como relevante pelo egrégio TJMG, nos termos do art. 332 do CPC.

Os Réus, ora recorridos, interpuseram embargos infringentes contra o v. acórdão que determinou a cassação da sentença e a realização de prova pericial. O recurso foi admitido e processado, sendo, ao final, provido, para restabelecer a sentença de improcedência do pedido e pela desnecessidade da prova pericial.

Constou na ementa:

"Embargos infringentes. Agravo retido. Preliminar do apelo. Ma­téria idêntica. Viabilidade. Perícia psiquiátrica post mortem. Alcan­ce duvidoso. Amplo arcabouço probatório contido no feito. Cerceamen­to de defesa inexistente. Entrelaçando-se a matéria vertida na prelimi­nar da apelação com a do agravo retido, dada a sua efetiva identida­de, infere-se que a dissensão ocorrida no seu julgamento poderá ser dirimida na via dos embargos infringentes. Em face da inequívoca di­ficuldade de se realizar perícia psiquiátrica post mortem, duvidosos serão os seus resultados, além do que, a sua elaboração subjetiva, com base na prova dos autos, representa verdadeira usurpação das funções do magistrado, na consoante diretriz preconizada no art. 131 do CPC.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 389

Havendo amplo arcabouço probatório no feito, capaz de esclarecer os fatos envolventes do direito perseguido pelas partes, inexistente se configura o alegado cerceamento de defesa. Embargos infringentes aco­lhidos."

Daí a interposição do presente recurso especial, veiculando ofensa aos arts. 130, 131, 162,471, 513, 522, 530 e 535, todos do CPC.

A alegada violação ao art. 530 do CPC teria ocorrido porque só cabem embargos infringentes quando o julgamento da apelação e da ação rescisória não for unânime e, no caso, a divergência resultou da apreciação de recur­so de agravo retido.

Quanto aos arts. 162,513,522 e 471 do CPC:

" ... a questão relativa à prova pericial não poderia ser examina­da pela sentença - já havia pronunciamento anterior na fase de instru­ção, muito menos suscitada na apelação - existia um agravo retido que, se não interposto, produziria o fenômeno da preclusão, impedindo a sua veiculação na apelação. Isto é, o cerceamento de defesa não era matéria a ser solucionada como preliminar de apelação, sem se avil­tar o art. 471 (preclusão) e os arts. 162,513 e 522 (sistema recursal).

1) sendo a questão relativa à pertinência da prova pericial deci­dida em decisão interlocutória, jamais poderia ser objeto de apelação, pois esta se dirige contra sentença. Admiti-la como tema da apelação ofende o art. 162 (a decisão foi interlocutória); os arts. 513 e 522 (por­que o recurso adequado era o agravo, in casu, na sua modalidade retida; não a apelação). Desde modo, integrando a questão o conteú­do do agravo retido, impossível é admitir-se os embargos infringentes sem que também se viole o art. 530;

2) também alvitado (si c) estaria o art. 471 do CPC. É que a ques­tão, porque objeto de anterior decisão interlocutória, não poderia ser examinada senão em sede de agravo retido. Entendê-la como aprecia­da na apelação é olvidar o fenômeno da preclusão."

Quanto aos arts. 130 e 131 do CPC, entende a Recorrente que "ao afas­tar o cerceamento de defesa e considerar procrastinatória a prova pericial aviltou o art. 131 do CPC, já que, dada a natureza da incapacidade, apenas um expert poderia definir a extensão e gravidade da enfermidade de que era o testador portador" .

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390 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Pontua que, caso se entenda que a matéria de direito não está prequestionada, deverá ser acolhida violação ao art. 535 do CPC.

Contra-razões de recurso especial, às fls. 530/533, sustentando que, apesar do acórdão recorrido ter origem em questão a ser resolvida em agra­vo retido, o tema de direito se confunde com o próprio mérito, daí a auto­rização para sua solução em embargos infringentes, de acordo com o deci­dido nos REsps n. 26.899 e 7.850.

Parecer da douta Subprocuradoria Geral da República, pelo seu douto Subprocurador-Geral Francisco Adalberto Nóbrega, às fls. 544/558, pelo não-provimento do recurso especial, seguido da seguinte ementa:

"Recurso especial com suporte no artigo 105, UI, alínea a, da Constituição Federal. Alegação de violação aos artigos 130, 131, 162, 471,513,522, 530 e 535 do CPC. Anulação de testamento. Suposta incapacidade mental. Agravo retido contra decisão de indeferimento de produção de prova pericial. Recurso de apelação. Preliminar de ape­lação idêntica à matéria suscitada por ocasião da interposição do agra­vo retido, julgado procedente por maioria. Possibilidade de interpo­sição de embargos infringentes. Súmula n. 255 do STJ. Recurso conhe­cido e não provido.

1. Conquanto a Recorrente tenha interposto agravo retido com o escopo de impugnar o indeferimento do incidente processual da pro­dução de provas periciais e, em decorrência de evitar a ocorrência da preclusão consumativa, posteriormente, por força da sentença impro­cedente, a Autora argüiu - novamente -, em preliminar de apelação (fls. 352/356), a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, de­corrente do indeferimento da prova pericial.

2. A hipótese dos autos conduz ao entendimento de que a Auto­ra, incauta, deu causa à possibilidade de se interpor embargos infringentes - quando suscitou a referida matéria em preliminar de apelação -, caso o acórdão fosse provido por maioria.

3. A conduta da Recorrente em debater a mesma matéria do agra­vo retido em preliminar de apelação, em verdade, concedeu ampla pos­sibilidade ao Tribunal a quo para apreciar a matéria, de sorte que aque­le órgão jurisdicional optou por fazê-lo, em razão de economia pro­cessual, nas razões do agravo retido. Dessa forma, por força do prin­cípio da razoabilidade e ampla defesa, bem asseverou o Tribunal a quo, ao conhecer dos embargos infringentes e provê-los.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 391

4. Ora, a premissa adotada pela Recorrente não conduz à neces­

sária conclusão, de sorte que o silogismo elaborado resta prejudicado.

Em verdade, a premissa a ser considerada decorre da argüição, em efe­

tiva preliminar de apelação, de tema debatido por ocasião da

interposição do agravo retido, o que implica regular possibilidade de

interposição de embargos infringentes - acórdão da apelação julgado

por maioria.

5. O acórdão que concedeu provimento ao agravo retido por maio­

ria, por estar estritamente conexo ao mérito da lide - ressalve-se que

a prova pericial, caso fosse pertinente, poderia determinar com preci­

são o estado psíquico do testador -, efetivamente cassou a sentença de mérito - error in procedendo - e determinou a realização da prova

pericial.

6. Ad argum.entandum. tantum., caso a prova pericial deferida

em razão do julgamento por maioria do agravo retido comprovasse o

estado de esquizofrenia do testador - hipótese que não se admite, uma

vez que a realização da prova pericial seria infrutífera após o óbito -,

seria necessária a prolação de nova sentença de mérito que, fatalmen­

te, extinguiria o processo. Assim, configurada, pois, a hipótese

normativa da nova redação concedida ao artigo 530 do CPC pela Lei

n. 10.352/2001.

7. Não admitida a tese de que cabíveis os embargos infringentes

em decorrência da alegação, por preliminar de apelação, da mesma

matéria constante das razões de agravo, cumpre asseverar que -

malgrado este entendimento jurisprudencial afronte a melhor doutri­

na - tal recurso é cabível pelo simples fato de envolver o mérito da

lide, nos termos da Súmula n. 255 do STJ.

8. Recurso especial conhecido e não provido."

É o relatório.

VOTO

O cerne da controvérsia recursal é determinar se o julgamento por maio­

ria de votos do agravo retido pelo Tribunal de Justiça, cuja matéria se con­

funde com preliminar da apelação cível referente à nulidade da sentença por

cerceamento de defesa, autorizaria a interposição de embargos infringentes.

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392 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Acresça-se à controvérsia dois elementos: não houve pedido expresso de reiteração do julgamento do agravo retido (art. 523, § 1 Q, do CPC) e o ato judicial impugnado, por agravo retido, foi a simples designação de audiência de conciliação, instrução e julgamento.

O egrégio TJMG entendeu ser cabível o recurso de embargos infringentes nesta hipótese, e rejeitou a preliminar de seu não-conhecimento com transcrição de nota de Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery em seu Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, 4 lL ed., nos seguintes termos:

"5. Agravo retido. O agravo retido se configura como preliminar do recurso de apelação, donde é forçoso concluir que, se for julgado por maioria de votos, ocorre julgamento não-unânime na apelação, ensejando embargos infringentes."

Em 1.8.2001, a Corte Especial do colendo Superior Tribunal de Jus­tiça editou a Súmula n. 255, publicada no DJ de 22.8.2001, in verbis:

"Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de matéria de mérito."

A exata compreensão do entendimento sumular é a de que os embar­gos infringentes são cabíveis, em agravo retido, quando seja resolvida ques­tão prejudicial, como prescrição e decadência, que resultem a extinção do próprio processo.

O acolhimento ou rejeição de preliminar de cerceamento de defesa pelo indeferimento de perícia - quando decidido por maioria de votos, em sede de agravo - não adentra no fundo de direito nem implica na extinção do processo, e assim, a princípio, não poderia ser objeto de embargos infrin­

gentes.

É por isso que no REsp n. 34.122, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 28.6.1993, mencionado no REsp n. 36.005, reI. Min. Fran­cisco Peçanha Martins, que é um dos precedentes que instruem o novel en­tendimento sumular, foi anotado que:

"Processo Civil. Agravo retido. Decisão não-unânime, sem cono­tação com o mérito. Embargos infringentes. Descabimento. Hermenêu­tica. Recurso desprovido.

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 393

I - Tendo a decisão proferida em agravo retido, por maioria, tão­-somente rejeitado a preliminar de cerceamento, inadmissível o manejo

dos embargos infringentes.

11 - Mesmo para a corrente que, no Superior Tribunal de Justi­ça, admite aviar-se embargos infringentes contra decisão majoritária proferida em sede de agravo retido, tal possibilidade se restringe às

hipóteses em que neste decidida questão de mérito.

111 - Os recursos processuais obedecem a um sistema, não sen­do lícito ao intérprete tomar liberdades com ele inadmissíveis."

Neste sentido também foi decidido no REsp n. 23.514, reI. Min. Dias Trindade, DJ de 21.9.1992:

"Processual Civil. Embargos infringentes. Voto-vencido em agra­

vo retido.

Situando-se o conteúdo do voto-vencido apenas em examinar questão processual objeto de agravo, apreciada como preliminar, não

contraria o art. 530 do Código de Processo Civil o acórdão que não conhece de embargos infringentes, para que prevalecesse o dito voto

divergente."

Porém, há peculiaridades do caso concreto que devem ser sopesadas.

Anotou o acórdão recorrido de embargos infringentes que:

"Da análise da petição de apelo de fls. 352/373-TJ infere-se que,

em realidade, não houve pedido expresso de apreciação do agravo re­tido, na forma consubstanciada no art. 523 do CPC, preferindo a ora embargada, com a matéria a ele relativa, tecer uma preliminar de nu­

lidade da sentença, em face do cerceio de sua defesa."

É verdade que, sem pedido expresso de apreciação do agravo retido,

nos termos do art. 523, § 111., do CPC, não poderia o egrégio TJMG, em apelação cível, afirmar que dava provimento ao "agravo retido" por maio­

ria de votos.

Contudo, ao fazê-lo, o acórdão estadual não cometeu nenhuma ilega­

lidade, pois a falta de observância da melhor técnica processual não gerou prejuízo para as partes e não passou de mera irregularidade.

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394 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Pelas peculiaridades do caso concreto, no qual a Autora suscitou a pre­liminar de cerceamento de defesa nas razões de apelação cível, há que se entender que a votação majoritária ocorreu em sede de apelação e não de agravo retido, por simples exercício de raciocínio lógico-dedutivo. Isto por­que o agravo retido foi aviado contra despacho sem conteúdo decisório (de­signação de audiência) e sem reiteração de pedido de seu julgamento nas razões de apelação; logo, sequer poderia ser objeto de julgamento, mas, por veicular aspecto processual próprio de apelação, na qual houve extensa ex­posição do tema, tem-se como suprida a errônea referência ao agravo reti­do, quando, indubitavelmente, foram examinadas as razões de apelação.

Desta forma, cabível o recurso de embargos infringentes quando é julgada preliminar de cerceamento de defesa por maioria de votos, em sede de apelação cível, ainda que haja referência a julgamento de agravo retido que não reunia os pressupostos processuais específicos para seu processa­mento. Ausente, pois, as apontadas violações aos arts. 162, 513, 522 e 530 do CPC.

Note-se que a preliminar de cerceamento de defesa, aventada na ape­lação cível, repisa idênticos argumentos do agravo retido e, assim, trata-se de ato incompatível com a vontade recursal externada em agravo retido, porque não se pode manejar dois recursos com idêntico propósito, em obe­diência ao princípio da unicidade recursal.

Frise-se que não houve indeferimento explícito de prova pericial. Con­tra o ato judicial da designação de audiência de conciliação, instrução e jul­gamento - despacho sem conteúdo decisório -, é que foi interposto agravo retido, pressupondo o indeferimento implícito da diligência requerida.

Na atual sistemática do Código Buzaid, inexiste a obrigatoriedade de

prolação do despacho saneador, por ser inerente à atividade judicial o de­ver de sempre zelar pelo transcurso sem percalços do processo, velando por esse desde a propositura da ação.

Daí a inexistência de violação ao art. 471 do CPC, uma vez que é no­tória a falta de pronunciamento judicial sobre a realização de prova peri­

cial, ainda que interposto agravo retido contra a inércia judicial. Se nada

foi decidido, não há preclusão para as partes.

Só estão alcançadas pela preclusão as questões decididas expressamen­te no saneador, exigindo a lei que as decisões sejam fundamentadas.

Em relação aos arts. 130 e 131 do CPC também não se vislumbra vio­lação de Direito Federal. É despiciendo facultar às partes a dilação probatória,

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JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 395

ou sanear o processo, porque haveria desarrazoada procrastinação do feito, em prejuízo da efetivação da justiça, sem um fim útil a ser atingido.

O acórdão estadual fundamentou o indeferimento de prova pericial sob o duplo aspecto da imprestabilidade da prova médica post mortem para

discussão dos contornos da patologia de esquizofrenia paranóide e do "amplo arcabouço probatório contido no feito", que não pode ser reexaminado em

sede de recurso especial por óbice da Súmula n. 7-STl

A alegada violação ao art. 535 do CPC, além de despropositada, não comporta maiores divagações, já que suscitada através de fórmula genéri­ca, por requerimento-padrão de seu acolhimento em caso de se reconhecer a falta de prequestionamento de algum tema de direito.

Forte nestas razões, não conheço do recurso.

É o voto.

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