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José Guilherme de Araújo Jorge Cantiga de Menino Grande 1962

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José Guilherme de Araújo Jorge

Cantiga de Menino Grande

1962

Índice

01 – A trova02 – Trovas de Saudades I03 - Trovas de Saudades II04 – Trovas de Amor I05 - Trovas de Amor II06 - Trovas de Amor III07 – Trovas “Mãe”08 – Trovas “ Mãos”09 – Trovas de esperança10 – Trovas sensuais11 – Trovas sobre a Bahia12 – Trovas sobra a vida13 – Trovas de Natal14 – Trovas “Maria”15 – Trovas temas variados

A Trova

Tão simples, as trovas sãocantigas com que a alma expandetudo que há no coraçãodo poeta - um menino grande.

01Tudo é trova: a flor, a onda,a nuvem, que passa ao léo...E a lua... trova redondaque a noite canta no céu!

02Cartilhas do coração,onde o povo se inicia,os livros de trovas sãoum ABC de poesia!

03A trova, conta de um canto,poça d'água sobre o chão- tão pequenina, e entretanto,reflete toda a amplidão!

04A trova é como uma contade um rosário multicor,é a cantiga que despontado peito de um trovador.

05Pequeninas e redondasas trovas são contas, sãocomo as cantigas das ondasque se espraiam no coração.

06Uma quadrinha é uma cova,onde a poesia é uma flor,por isso é que numa trovavou sepultar este amor.

07Quis tornar-me um trovadorpara dizer que ela é minha,mas tudo em vão, meu amornão coube numa quadrinha.

Bahia

01Ladeiras, praias, coqueiros,igrejas, lendas, poesia,“Cais do Mercado”: saveiros...- Natal da Pátria: - Bahia!

02Tem tal encanto a Bahia,tais magias ela temque quem a conhece um diafica “baiano” também.

03Bahia de mil petiscos,caruru e mungunzá,caju, cachaça, marisco,acarajé, vatapá.

Esperança

01- "Crê na vida!" - eis o conselhoda Esperança, ante a desgraça...A face fria do espelho,de calor ainda se embaça...

02A vida - uma onda que avançae volta - vai-vem do mar...Quando vai, quanta esperança!Quanta amargura, ao voltar!

03No meu carro vou tranqüilo,tenha a estrada sombra ou luz,pois bem sei que, ao dirigi-lo,eu dirijo... Deus conduz...

04Na vida, de vez em quando,em meio aos meus desatinos,percebo Deus me falandonas brônzeas bocas dos sinos.

05Poesia, velha poesiaque o tempo não esmaece:- um sino de Ave-Maria...

um por de sol... uma prece...

06Os sinos, em badaladas,são, na hora da Ave-Maria,taças de bronze emborcadasque entornam melodia...

Mãe

01Ó minha mãe! Em meus cantos,num grato e eterno estribilho,bendigo a Deus, que entre tantos,me escolheu para teu filho!

02É um Dom... Plebéia ou rainhatoda mãe o tem... Pareceque o amor de mãe adivinhao que aos filhos acontece...

03Se a tens, tens tudo, se a perdes,nada tens, infelizmente...Mulheres, no mundo, há muitas,mãe, no entanto, uma somente.

Mãos

01Ternura de cinco pontas,viva, estranha, inquieta flor,- tuas mãos são duas contasdo meu rosário de amor.

02Para ler a minha sortee saber se é má ou bela,com as minhas mãos não se importe:vai ler, cigana, as mãos dela.

03Delicados diademas,trabalhadas obras primas,tuas mãos são dois poemasrimando em vermelhas rimas.

Trovas de Amor I

01Tu tão moça, eu tão vivido.Tantos anos de permeio.Bem poderias ter sidoo grande amor que não veio...

02Como o quadro na moldura,como a rosa no botão,como Deus na criatura,- estas no meu coração.

03No teu olhar há dois sóis,na tua alma, um mal-me-quer,e há duas luas redondasno teu corpo de mulher...

04Antes verdade isto fosse:dizer que não penso em ti...Mas basta ver-te, e acabou-se!Me esqueço que te esqueci.

05Por ironia maior,sorriste do meu desgosto,e sepultaste este amor

nas covinhas de teu rosto...

06Dosado, o ciúme é temperoque à afeição da mais sabor...Mas se chega ao exageroé o pior veneno do amor...

07Deslumbrada, com certeza,a tua própria camisa,ao descobrir-te a beleza,para um momento indecisa...

08A camisa, - quem diria? -parece que também sente,e ao descer, te acariciaem dobras, bem lentamente...

09Rosas tolas, tão vaidosas,que em belas hastes vicejam...Vem, amor, olha estas rosas,quero que as rosas te vejam...

10Moeda de estranho valor,que o coração faz cunhar,quanto mais se gasta o amor,mais se tem para gastar...

Trovas de Amor II

11Às vezes não acredito:- como há de findar assimo nosso amor infinito ,se o infinito não tem fim?

12Quanta prodigalidade!Em poucos meses, querida,gastamos felicidadeque dava pra toda a vida!

13Este amor nunca se apaga:é chama que me incendeia,é espuma a florir na vaga,é vaga a brincar na areia.

14Louco de amor, te busquei,e ao te encontrar, percebique não fui eu que te achei;eu, sim, é que te perdi.

15Na despedida - com pressa -escrever me prometeste.Esqueceste da promessa,

ou apenas me esqueces-te?

16Mentiste. A felicidadesó mentida, assim se expande...Nem podia ser verdadefelicidade tão grande.

17Mentiste? Foste mesquinha?Que importa se já não cremos?Importa é que foste minhaque eu fui teu, e que vivemos!

18Foram horas bem vividasque os dois souberam colher;se foram ou não fingidas,que importa agora saber?

19Assim mesmo te agradeçodepois que tudo passou,os momentos verdadeirosque o falso amor deixou...

20Assim tão só, como eu fico,tão sem ti, neste amargor,quem dirá que eu já fui rico,milionário de amor?!

Trovas de Amor III

21Amor que tudo promete,falso amor das Colombinas:- juras e beijos: confeti!Abraços - de serpentinas!

22Fui tudo para esse amorbelo, puro, cruel, devasso...Fui pirata, fui pierrot,fui arlequim, fui palhaço...

23Fantasia eu próprio soue há um contraste dentro de mim:- carrego um velho Pierrotnum atrevido Arlequim!

24Foi Carnaval, riso e cor,- menos sonho que alegria...E o que restou desse amor?Nada mais que fantasia.

25Nos teus lábios, há dois beijos,Nas tuas mãos, há dois ninhos...Nos teu olhos: dois desejos,

no teu destino: caminhos...

26Podes ter outro Senhor,até mais rico que um Rei,mas nunca mais outro amorhá de te dar quando dei.

27Resta um consolo: pensarno amor que juntos colhemos...Nem Deus pode tiraros instantes que vivemos!

28Amor de carne e de beijo,em que, bem sei, já não crês.Mesmo em sonho, ainda vejo,Tu, nem na lembrança o vês.

29Amor que sofro, que almejo,mata-me logo de vez!Longe que estejas, te vejo,Ao teu lado, nem me vês...

Trovas de Maria

01Mar adoçado com mel,dia de luz, claro dia,misto de mar, terra e céu,eis o teu nome: Maria.

02A essa Maria que passaminha oração já compus:- Maria, cheia de graça!- Maria, cheia de luz!

03Maria Clara, MariaMaria das Dores, da Conceição,E aquela que eu chamariaMaria do Coração.

04Deus pôs no céu três Mariasna mesma constelação,e na noite de meus diasmais três, no meu coração...

05Por duas Marias errameu viver de déo em déo:- a que me perde na terra,

- a que me salva, no céu.

06Ó Marias, que eu agorajunto na mesma quadrinha:- Do céu, a Nossa Senhora,- da terra, a senhora minha...

Trovas de Natal

01Neste dia belo e docede festas, sentimental,- quem dera que você fossemeu presente de natal!

02Nasceu Jesus, é o Natal!Nasceu apenas Jesus...- Quando no mundo, afinal,há de nascer sua luz?

03Quem dera Papai Noel,descendo pelos espaçosme desse um pouco do céu,pondo você... em meus braços...

04Deus na terra! Eis o Natal!Repicam sinos...Festanças...Feriado Nacionalno coração das crianças!

Trovas de Saudades I

01- “Quem espera desespera....”- “Quem espera, sempre alcança...”Ah, meu amor, quem me deraesperar tendo esperança!

02Definir a eternidadeé fácil, já a defini:é o instante de saudadee eu vivo longe de ti.

03“Matar saudades”, queridaé uma expressão, simplesmente,pois, em verdade, na vida,saudade é que mata a gente

04Vi teu retrato, - revivoum velho amor que foi meu...A saudade é um negativode foto que se perdeu...

05Saudade, - estranha ilusão,que a solidão recompensa,presença no coração

maior que a própria presença...

06Quando estas longe, querida,na minha angústia sem fim,saudade é o nome da vidaque morre dentro de mim...

07A saudade, intimamente,devagarzinho nos rói;é uma emoção diferente,como uma dor que não dói.

08Nesse jardim de surpresas,que foi o amor que me deste,as violetas são tristezas,minha saudade, um cipreste.

09No peito dos marinheirosnasceu , cresceu, emigrou...Mas nos porões dos “negreiros”foi que a saudade... chorou!

Trovas de Saudades II

10A vida passa e a saudadepassa a ser a vida ausente,- é uma vaga claridadede um clarão de antigamente...

11Partiu com sonhos de glória!Ficou com a dor e a tristeza!Eis afinal toda a históriada saudade portuguesa!

12A saudade é este vazioque a vida, ao partir, deixou;rio seco, que foi rio,porque a água já secou...

13Sempre fiel, e verdadeiravigia da nossa dor,ó saudade, companheirados solitários do amor...

14Misto de pranto e alegria,sol e chuva, sonho e dor,a saudade é o sol num dia

de chuva, no nosso amor...

15Longe o amor, quem pode amar?Tudo é inquietude, aflição...A saudade é falta de arasfixiando o coração...

16A saudade me atormentae pesa como uma cruz,- é como a sombra que aumentaquanto mais se afasta da luz...

17Persistente e fina dor,sombra da felicidade,ânsia e gemido de amor,lembrança e espera... Saudade.

18Saudade é fidelidade,e eis como a imagem se explica:partem o amor, a amizade,todos partem... ela fica.

Trovas de temas variados

01Velhos mastros, a oscilar,- nos céus, há estranhos violinosque vossos arcos divinosvão tocando sobre o mar!

02Velhos mastros, verticaiscomo certos pensamentos,vossas bandeiras de pazsão almas soltas aos ventos.

03Quem tais acordes te pôsnas rodas desengonçadas,ó velho carro de bois,sanfoneiro das estradas?

04Obra prima. Adolescência,como um sopro de alvorada.Formas que nascem da essênciada beleza irrevelada.

05Poesia: flor de mistérioque brota do coração,e abre as pétalas de etéreo

no céu da imaginação.

06Matemática esquisitaque das suas sempre faz,somando dois, multiplica!e são três, são quatro, ou mais!

07Se a coisa dada, algum dia,de nós não fosse tirada,ainda assim, gente haveriaque nunca daria nada.

08Ó vento, que em ti resumestudo quanto a vida tem:- tu, que trazes perfumes,levantas poeira também...

Trovas Sensuais

01Belos e cheios marcadospor teu decote, adivinhoteus seios aconchegadoscomo dois pombos no ninho...

02Teus seios são luas cheias,são ondas de um doce mar,parecem feitas de areiasnas noites brancas de luar...

Vida

01“Quem canta os males espanta”Disto, afinal, tenho prova,pois meu sofrer hoje cantae se desfaz numa trova.

02O tal ditado é um conselho,não te mostres desolado:- “há sempre um chinelo velhopara um pé doente e cansado...”

03Na sua inquieta beleza,sob o mistério de um véu,sua vida é uma asa presaque há de soltar-se no céu.

04Gota d'água transparenteque brilha, cresce... e que cai!Assim a vida da genteque num momento se vai...

05Vida amarga! E na amargurada vida, eu pensei, querida:- quem dera a tua doçura

para adoçar minha vida!

06Pobre alma triste e cativa!E há quanta gente como eua pensar que ainda está viva,sem saber que já morreu!

07No carnaval de verdade,da vida não tive nada...- Quem dera a felicidade,nem que fosse mascarada!

08A vida - mistério vão -sombra agora, depois luz.Estranho traço de uniãoligando um berço a uma cruz.