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IX Seminário Nacional Sociologia & Política
Maio, 2018, Curitiba
GT04 - Ruralidades e meio ambiente
UMA HORTA NASCEU NO CONCRETO –
Agricultura urbana entre sustentabilidade e emancipação
UMA HORTA NASCEU NO CONCRETO - agricultura urbana entre sustentabilidade
e emancipação
Katya Regina Isaguirre Torres1
Matheus Mafra2
Resumo:
Hortas urbanas são uma grande aposta de políticas públicas para grandes cidades, em sua
maioria tendo o objetivo de garantir uma soberania alimentar da população, bem como uma
possível participação dos cidadãos na sua cidade. Seguindo tal tendência, a Prefeitura Municipal
de Curitiba, através de um convênio com a EletroSul S.A e as associações de moradores locais,
criou o Programa Hortas Solidárias, visando a produção de hortaliças logo abaixo das linhas de
transmissão de energia elétrica pertencentes à empresa citada, situadas nos bairros CIC e
Tatuquara (conhecidos por suas desigualdades sociais). Ainda que uma tendência mundial
muito aclamada, políticas públicas dessa índole devem ser refletidas, de modo que possamos
reconhecer os avanços que oferecem, mas também suas limitações. A pesquisa realizada teve
por objetivo verificar qual a percepção dos moradores da região que realizam as hortas e
contrastá-las com as perspectivas do atores públicos e privados. A perspectiva é a de fazer uma
análise crítica do direito à cidade, admitindo a necessidade de repensar os espaços rural e urbano
e entendendo que as práticas populares de horta são estratégias relevantes para a reciprocidade
e podem favorecer a associação em torno da luta por direitos que, na cidade, não se restringem
unicamente à moradia e que se encontram inter-relacionados com outros direitos fundamentais,
especialmente àqueles que não separam as "gentes" da natureza. A percepção da ruralidade no
urbano encontra na busca por uma alimentação saudável uma perspectiva subjetiva de
realização individual que permite aos envolvidos o resgate de sua condição de sujeito detentor
de direitos e, em consequência, também permite entender a inter-relação com o ambiente e o
outro. A metodologia utilizada se valeu de pesquisa de campo e entrevistas semiestruturadas,
além da revisão bibliográfica relacionada ao tema. Essa reflexão acerca de como se dão os
espaços urbanos atualmente tende a passar por dois itens: o da sustentabilidade e o da
emancipação das desigualdades sociais. Ocorre que tais questões muitas vezes são abordadas
de uma maneira isolada, quando é imprescindível que sejam postas de maneira conjunta:
espaços que respeitem o ambiente e que reconheçam seus habitantes como participantes do
todo, que também precisam de garantias básicas. Assim, dentro desse contexto, se nota a
necessidade da discussão acerca da realização das hortas realizadas em meio urbano, atividade
comum em grandes metrópoles e que podem vir a ser um caminho para a intersecção de tais
problemáticas. De tal modo, a pesquisa buscou propor reflexões sobre como as hortas urbanas
podem ser encaradas como uma ferramenta para a concretização de direitos relacionados à
qualidade de vida, ao ambiente ecologicamente equilibrado e um espaço urbano devidamente
participativo e popular. As hortas urbanas populares são uma estratégia importante de religação
do urbano com o rural e detém potencial relevante para estratégias de reciprocidade que
1 Advogada. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná. Professora de
direito agrário e ambiental junto ao setor de Ciências Jurídicas, professora dos Programas de Pós-Graduação em
Direito e Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]. 2 Advogado. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. E-mail:
fomentem outras iniciativas coletivas para que os sujeitos sociais demandem por seus direitos.
Um possível meio de se garantir a continuidade das hortas urbanas comunitárias e/ou populares
é através da apropriação da legislação que orienta a urbanização da cidade, como o Plano
Diretor e a Lei de Zoneamento, ficando claro o quanto uma participação efetiva de todos os
interessados no processo pode acarretar em mudanças na maneira de se fazer uma cidade, de
modo que se insiram novos conceitos e práticas que se contrapõem ao planejamento tradicional.
Incentivar as hortas urbanas populares é manter um espaço contra hegemônico e de participação
que não alterará a forma que a cidade de Curitiba vem se desenvolvendo, mas sim, qualifica o
planejamento. Assim, é relevante que as hortas urbanas sejam expandidas, no que é necessário
repensar os conceitos de “vazio” urbano e da função social da terra. Só assim poderemos
começar a pensar uma política pública que aponte para uma nova forma de se relacionar com o
espaço urbano, dessa vez humano, não como apenas mais uma mercadoria a ser consumida
apenas por aqueles que possuem condições financeiras para tal.
Palavras-Chave: desenvolvimento local, hortas urbanas, direito à cidade
1. INTRODUÇÃO
A criação de hortas urbanas (pequenas produções de hortaliças ou animais em meio a
grandes cidades) vem se tornando cada vez mais comum na conjuntura das cidades3, seja para
o consumo próprio de seus produtores, trocas entre vizinhos ou venda para terceiros. Tais
criações se justificam a partir de várias questões, que variam de acordo com a realidade em que
se estuda: a necessidade de um retorno ao meio rural, um possível poder terapêutico de tal
prática ou demais questões relacionadas à soberania alimentar local.
No estudo ora apresentado, foram analisados os bairros Cidade Industrial e Tatuquara,
em Curitiba. Nestes locais vem se notando um crescente aumento da prática da agricultura
urbana, com a produção de alimentos utilizados para o sustento local e, em casos excepcionais,
pequenas vendas. É de se destacar que os bairros em questão, onde se concentram as principais
hortas urbanas de Curitiba, são bairros historicamente periféricos, onde grande parte de sua
população possui baixa renda e onde se nota uma defasagem em termos de garantia de direitos,
tendo em vista a distância de muitos serviços básicos.
As hortas visitadas para esse trabalho advêm de um convênio que teve início em 2003
entre a Prefeitura Municipal de Curitiba, as associações de moradores locais e a EletroSul S/A,
3 ANDREONI, Manuela. Hortas Urbanas se Multiplicam Pelas Grandes Metrópoles. O Globo, 2013. Disponível
em <http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/hortas-urbanas-se-multiplicam-pelas-grandes-
metropoles-9801458>. Acesso em 05.abr.2018.
empresa pública de geração e transmissão de energia. O projeto hortas comunitárias é realizado
na cidade de Curitiba nos bairros que possuem as linhas de transmissão de energia e tem o
objetivo de “promover a inclusão social e gerar renda para as comunidades que vivem próximas
às linhas de transmissão”4. É também a ocupação pelas hortas uma forma de conter a ocupação
irregular das áreas de servidão e, segundo os moradores, a realização das hortas aumenta a
segurança na região. A parceria, segundo informações da empresa, atende diretamente 306
famílias de Curitiba. De acordo com a prefeitura de Curitiba 132 famílias cultivam
hortifrutigranjeiros nas quatro hortas comunitárias que têm apoio da Secretaria Municipal de
Agricultura e Abastecimento (Smab) na Regional CIC. No bairro Tatuquara, a prefeitura
contabiliza 14 hortas comunitárias e que fazem parte do programa de Agricultura Urbana da
Smab.
Para a pesquisa foi utilizada a revisão bibliográfica e entrevistas semi estruturadas com
os sujeitos responsáveis pela organização das hortas situadas nos bairros CIC (Cidade
Industrial) e Tatuquara, ambos da região sul de Curitiba. Foi realizada a visita de campo como
meio de se conhecer as hortas e qual a visão dos moradores locais, com perguntas sobre qual
seria a importância das hortas, como é a organização das atividades e qual a participação das
associações de moradores. Também foram entrevistados os responsáveis da Prefeitura
Municipal e da Eletrosul, totalizando um número de dez entrevistas. Complementa a pesquisa
o levantamento de notícias e reportagens relacionadas ao tema.
Por fim, foram consultadas as legislações que de algum modo interferem na criação e
na gestão das hortas urbanas, tais como: a Constituição Federal, a Lei 10.257 (que institui o
Estatuto da Cidade), Lei Municipal 9.800/2000, Lei Municipal Ordinária de Curitiba nº 14.742
(responsável por criar o Programa Hortas Urbanas Solidárias), além do acompanhamento do
processo de revisão do Plano Diretor de Curitiba, a fim de se refletir sobre a inserção da
agricultura urbana no planejamento da cidade de Curitiba nos anos seguintes.
Uma reflexão sobre tal política se vê necessária quando a criação de hortas urbanas se
insere em momento do direito brasileiro onde podemos pensar o meio urbano e rural como
inseridos em meio a uma série de direitos e deveres coletivos referentes a tais espaços, bem
4 ELETROBRAS; ELETROSUL. Projeto Hortas Comunitárias promove a inclusão social. 24 de novembro de
2005. Disponível em: <http://www.eletrosul.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/projeto-hortas-comunitarias-
promove-a-inclusao-social>. Acesso em 12 abr.18.
como a possibilidade de tal política pública ser um possível caminho para a efetivação de
direitos fundamentais relacionados à justiça socioambiental, muitas vezes negados às
populações periféricas e de baixa renda, bem como um caminho para a busca da articulação das
comunidades em questão. Tal importância também se justifica tendo em vista que pouco foi
refletido acerca dos aspectos legais de tal modo de agricultura, quando grande parte das
pesquisas realizadas sobre o tema se debruçaram sob aspectos políticos, sociais e ambientais
dos locais onde as hortas se inseriam.
Assim, este estudo buscou analisar quais são as lições que a horta urbana pode oferecer
para analisar as alternativas de desenvolvimento local e de qual modo as normas de
planejamento urbano e as políticas públicas instauradas pelo estado abarcam novos conceitos e
práticas acerca da utilização do espaço urbano.
2. AS POTENCIALIDADES DE PRÁTICAS RURAIS EM UMA METRÓPOLE DE
DESIGUALDADES
Historicamente o Brasil se insere em um perfil tradicional no que se refere aos seu
desenvolvimento urbano e rural, condição encontrada em muitos outros países classificados
como subdesenvolvidos. O século XIX marca o período em que se consagra no Brasil o modelo
tradicional de desenvolvimento agrário no Brasil, onde as terras passam a se concentrar nas
mãos de poucos proprietários, oriundos da elite cafeeira, grandes importadores de manufaturas
e traficantes de escravos, mediante uma ‘santa aliança’ com o Estado, impedindo a produção
oriunda de pequenas e médias propriedades5.
Tal estrutura irá se perpetuar pelos anos seguintes e intensificada com o avanço
tecnológico e empresarial, mediante o apoio do estado ditatorial, já durante o século XX. São
essas condições que irão impulsionar uma grande massa de migração para os centros urbanos
que se consolidavam, quando não se tornavam trabalhadores dependentes dos períodos de safras
das grandes plantações. Serão esses grandes contingentes humanos que muitas vezes irão
ocupar as periferias das grandes cidades, dependentes de situações precárias, enquanto as
5 VEIGA, José Eli. O Que é Reforma Agrária? São Paulo: Editora Brasiliense, 1983, p. .30.
metrópoles onde passam a habitar também se desenvolvem de uma maneira desigual, não
oferecendo as estruturas básicas para novos habitantes.
Só com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, podemos apontar que uma
diferente perspectiva acerca da limitação ao exercício da propriedade, tanto para o campo,
quanto para a cidade, se inserem em nosso sistema jurídico, de modo que ambas propriedades,
adotando critérios diferentes, deverão atender ao que se denomina como função social.
Desse modo, tanto a propriedade urbana, quanto a propriedade rural, passam a ser
inseridos em contextos coletivos, como o direito a uma cidade devidamente planejada e o direito
ao ambiente adequado e saudável. Ocorre que tais garantias e previsões, devidamente presentes
no texto constitucional, não são suficientes para que no plano fático essas garantias sejam
totalmente obtidas, revelando que há dificuldades para a concretização da função social da
propriedade.
Visando solucionar tais disparidades de direitos, são criadas inúmeras políticas públicas
buscando resolver problemas históricos presentes em tais espaços (centrados principalmente na
desigualdade social e no acesso a direitos). Ocorre que tais políticas se aplicam em sua maioria
através de uma conceituação dicotômica entre urbano e rural – divisão que pode acarretar em
consequências práticas.
Não é à toa que há muito se vem questionando, no âmbito das ciências sociais, até onde
as atuais conceituações de rural e urbano são válidas, sendo reconhecida a necessidade de ir
além da noção dicotômica desses espaços e buscar uma abordagem que dê conta da
complexidade que existe nas práticas urbanas e rurais. Vale lembrar que a discussão jurídica
ainda mantém a divisão e os países adotam critérios de utilização do solo para classificar um
município enquanto urbano ou rural. No Brasil (assim como Equador, Guatemala, República
Dominicana e El Salvador) a denominação de um município como urbano ou rural não adota
critérios sociais e econômicos, tendo um cunho meramente administrativo, ou seja, seguindo
critérios discricionários por parte do Estado, conforme estabelecido através do Decreto-Lei 311,
de 1938.
Tal conceituação, ainda que justificada por pragmatismo, pode impor uma série de
arbitrariedades e limitações aos espaços, também desconsiderando que muitas vezes tal
dicotomia se apresenta de uma maneira mais tênue, que apresenta a necessidade da
consideração das relações entre urbano e rural (no sentido de dinâmicas sociais), essenciais para
a compreensão do papel existente entre as cidades e o meio rural (no sentido de território) 6 para
o desenvolvimento local.
Nesse mesmo sentido, refletindo-se sobre as práticas rurais em meio urbano, é
importante apontar o fato de que, ainda que se constate o processo já citado da crescente
urbanização, a lógica rural dos sujeitos inseridos nesse processo não parece se extinguir tão
fácil, apontando a necessidade da reflexão sobre a necessidade de políticas públicas que pensem
essa totalidade, de modo a evitar possíveis dificuldades de compreensão acerca dos fenômenos
inseridos nesses ambientes, bem como erros metodológicos que podem advir dessa visão
dicotômica.7·
Assim, considerando ainda o constante processo de urbanização constatado em nosso
país nos últimos anos, processo por vezes violento, não é capaz de eliminar a ruralidade contida
em seus habitantes, tendo em vista que ainda que inseridos em um espaço urbano, muitos
cidadãos permanecem com hábitos considerados rurais, sendo comum o encontro de atividades
agropecuárias em tais espaços (atividades muitas vezes de proporções expressivas).
É no meio de tal discussão teórica e prática, que se inserem as políticas públicas que
criam as hortas urbanas. É considerada como horta urbana toda produção agrícola e, em alguns
casos excepcionais, pecuárias, no perímetro urbano e periurbano. Em Curitiba, especificamente
as hortas urbanas analisadas neste estudo, vem sendo criadas por um convênio realizado entre
a Prefeitura de Curitiba, a empresa de eletricidade Eletrosul S/A e as seis associações de
moradores dos bairros CIC (Cidade Industrial) e Tatuquara. Além de tal convenio estabelecer
os espaços possíveis de utilização, a Prefeitura também oferece acompanhamento técnico e
distribuição de insumos para a produção. O programa já implantou aproximadamente 1.225
hortas, com um total de 95,8 hectares de produção, sendo que do convênio com a Eletrosul,
abordado neste estudo, totalizam 18,8 hectares, atendendo 507 famílias (aproximadamente
1.777 pessoas) .
É importante destacar que os referidos bairros são os mais carentes da capital
paranaense. Em pesquisa realizada em 2015 se nota que ambos os bairros possuem grandes
divergências com a porcentagem média da cidade, seja em relação ao déficit habitacional (CIC
6 SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (org). Cidade e Campo: relações e
contradições entre urbano e rural. São Paulo: Outras Expressões, 2013, p.101. 7 BERNARDELLI, Maria Lucia Falconi da Hora. Contribuição ao Debate sobre o Urbano e o Rural. In:
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (org.). Cidade e Campo: relações e
contradições entre urbano e rural. 3ªEd. São Paulo: Outras Expressões, 2013, p.49.
possuí um déficit habitacional de 6,50%; enquanto o Tatuquara possuí um déficit habitacional
de 7,43%, se contrapondo ao índice de 5,34% da cidade de Curitiba)8, seja em relação aos
índices de homicídio (CIC possuí um índice de homicídios de 70,59%, enquanto o Tatuquara
possuí um índice de 106,10%, em comparação com a taxa de 42,81% de Curitiba)9. Na mesma
pesquisa constata-se que ambos possuem uma população de classe baixa, tendo em vista que a
maior parte da moradores de ambos os bairros possuem renda mensal que não ultrapassa 2
salários mínimos.
As hortas em questão são criadas logo abaixo das linhas de transmissão de energia
elétrica, onde são cultivados hortaliças de pequeno porte. Tal produção foi devidamente
legalizada através da Lei Municipal Ordinária nº 14.742 de 2015, que cria o Programa Horta
Solidária Urbana, carregando consigo um conceito de horta urbana voltada para o
desenvolvimento social, com a plantação de hortaliças, legumes e plantas medicinais, bem
contribuir para a floricultura e paisagismo do município. O enunciado também expõem quais
são os objetivos de tal programa:
Art.1º- Fica instituído a permissão de Horta Solidária Urbana no município de
Curitiba, com os seguintes objetivos:
I – incentivar a geração de renda complementar;
II – incentivar a agricultura social e a economia solidária;
III – incentivar a produção para o autoconsumo;
IV- reduzir o custo do acesso ao alimento para consumidores finais;
V – aproveitar mão de obra-desempregada;
VI – aproveitar áreas públicas;
VII – manter terrenos públicos limpos e utilizados;
A lei também estabelece que as hortas urbanas só poderão ser criadas em espaços
públicos não edificáveis, mediante critérios do poder executivo, só sendo possível a sua criação
por associações de moradores e demais entidades de utilidade pública. Tendo em vista o tempo
em vigor da lei em questão, pouco pode ser debatido sobre seus impactos fáticos. Porém, algo
que merece ser destacado é o fato da lei possibilitar uma releitura da utilização dos “vazios”
urbanos tão presentes em nossa cidade.
Para além das críticas posteriormente apresentadas, a criação de hortas urbanas no solo
curitibano é uma inovação para o município, principalmente levando-se em consideração que
8 INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO (IPPUC). Nosso Bairro: CIC. Curitiba: IPPUC,
2015. 9 INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO (IPPUC). Nosso Bairro: Tatuquara. Curitiba:
IPPUC, 2015.
o mesmo é considerado legalmente como totalmente urbano, tendo a previsão de áreas rurais
revogada desde o Plano Diretor de 2004 (Lei nº 11266/2004).
Destaca-se que, após a revisão do Plano Diretor (culminando na promulgação da Lei
14.771/2015), seguindo o art.40 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257) vem sendo realizados
vários apontamentos sobre a ideia de criação dos terraços verdes, que também podem se
relacionar com a ideia da agricultura urbana. Porém, vale ressaltar que, assim como a ideia das
hortas urbanas serem criadas apenas em espaços públicos não edificáveis, a criação de hortas
urbanas em terraços de edifícios10, dotadas de forte apelo estético, pode pouco contribuir como
instrumento para uma mudança na lógica imperante em nossa cidade, ou seja, a constante
redução de espaços de uso coletivo em prol do crescimento de espaços totalmente privados.
Ainda, é necessário que se busque efetivar uma agricultura urbana que gere alimentos
saudáveis que contribuam para a soberania alimentar da população da região onde estão
inseridas. De tal forma, resta clara a necessidade de uma reflexão de como as hortas e a
agricultura nas cidades de um modo geral podem ser utilizadas como ferramenta para a criação
de espaços mais democráticos em nossos territórios.
Considerando que o processo de migração pelo qual passaram grande parte dos
beneficiados pela política pública das hortas urbanas pode ser caracterizado como de grande
violência à individualidade dos sujeitos que migram11, a utilização das hortas urbanas também
pode ter o potencial de recuperar espaços de socialização anteriormente perdidos.
Analisando-se a produção científica já produzida acerca da política pública das hortas
urbanas, é possível apontar que as mesmas contribuem para a organização política e geração de
sentimentos coletivos nos moradores participantes, como apontam estudos feitos a partir de
oficinas realizadas nas hortas urbanas do bairro Tatuquara12
Na visita de campo realizada no ano de 2016, em conversas informais com os moradores
obtivemos informações acerca da disponibilidade dos espaços. A associação de moradores
10 BASSO, Murilo. Arquitetos apresentam proposta de agricultura urbana para Curitiba. G1, 2015. Disponível em:
< http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/05/arquitetos-apresentam-proposta-de-agricultura-urbana-para-
curitiba.html>, Acesso em 21.abr.2018. 11 SANTOS, Milton. O Espaço Cidadão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014. 12 HANKE, Daniel; BIESEK, Maurício Fabiano; WINCK, Bruna Raquel; SILVA, Rodrigo Weiss da. Hortas
Urbanas Agroecológicas Sob Linhas de Transmissão de Energia e o Fortalecimento de Organizações Sociais
na Região Sul do Município de Curitiba – PR. Curitiba, 2011. Disponível em:
<http://www.esocite.org.br/eventos/tecsoc2011/cd-anais/arquivos/pdfs/artigos/gt013-hortasurbanas.pdf>. Acesso
em: 06 Mar.2016, p.05.
organiza uma lista dos interessados em participar do projeto, sendo que aqueles que possuírem
uma parcela do terreno (aproximadamente 30 metros) passam a ser responsáveis pela adequada
manutenção da horta. Casos onde tal manutenção não seja realizada (como na ausência de
realização de novos plantios ou abandono do espaço anteriormente cedido), a associação
definirá novo responsável pelos cultivos, sendo uma das únicas normas de rotatividade aplicada
no local.
Os cultivos nas hortas são essencialmente de hortaliças, já que a área de servidão não
permite cultivos que impliquem em plantios de porte elevado. Há regras na utilização do espaço,
tais como a de não trabalhar em épocas de chuvas e trovoadas e a irrigação só pode ser rasteira
e individual. Para além dos critérios de uso da horta, chama a atenção os relatos no sentido de
resgate de sua subjetividade. A presidente da Associação de Moradores da Comunidade Paraná
IV, situada no bairro CIC, disse que o ato de mexer com a terra, de produzir alimento é para ela
um resgate importante de sua autoestima. Essa condição de autoestima, recuperação de um
estado depressivo ou de apenas sentir-se melhor com a prática da agricultura foram argumentos
recorrentes nos relatos das pessoas que estavam na horta da comunidade naquela dia. A
qualidade da alimentação também foi um aspecto relevante, já que a produção das hortas se
volta para o autoconsumo das famílias. A presidente da associação igualmente afirmou que as
hortas trazem segurança, já que, antes disso, o matagal ali existente facilitava o depósito
irregular de resíduos e aumentava o risco de assaltos.
Por meio da visita e das conversas com os moradores, foi notável que, ainda quando
inseridos em um meio urbano, grande parte dos participantes das hortas possuem um passado
baseado no trabalho rural e enxergavam nas referidas hortas um meio de retorno a tais origens.
Assim, através da pesquisa realizada restou claro a importância de reflexões sobre a eficácia
das políticas que considerem esse aspecto como forma de integrar o morador à cidade.
Nesse sentido, é possível fazer uma comparação com os discursos oficiais emitidos pela
Prefeitura Municipal de Curitiba acerca de tal política pública: em certos pontos o discurso
oficial e dos moradores se encontram, como quando ambos alegam o benefício das hortas
urbanas em propiciar maior qualidade na alimentação e economia para os moradores; porém, o
Estado ignora o aspecto coletivo das hortas e seu caráter terapêutico, fatores muito presentes
nas falas dos moradores, se centrando, por sua vez, na sustentabilidade e utilização de espaços
ociosos.
Ainda, se observou nas visitas de campo que os grupos que utilizam os espaços de horta
demonstram um sentimento de realização individual e também parecem estar mais aptos à
recuperar o sentimento de reciprocidade que resulta da coletivização das atividades rurais, uma
vez que a produção das hortas estimula a doação e a troca de materiais e excedentes. Tais
observações iniciais fazem concluir que com as práticas das hortas há uma abertura para
entender a cidade para além da individualidade e da terra como mercadoria, abrindo espaços
para o resgate da socialidade. Obviamente seriam necessárias outras intervenções quanti-
qualitativas para apontar com mais densidade eventuais tensões e conflitos entre os atores
sociais, o que se recomenda em pesquisas futuras.
3. ENTRE O GLOBAL E O LOCAL, UMA QUESTÃO DE CONCEITOS
Através das hortas comunitárias e da relação de seus utilizadores, é possível
compreender a relação urbano-rural em uma posição não dicotômica. As análises das
aproximações e das contradições entre as leituras do urbano e do rural envolvem um profundo
debate teórico13.
Na abordagem clássica estariam agrupados autores como Henri Lefebvre, Milton
Santos e Otávio Ianni, que trabalham a ideia de “urbanização do rural”, segundo a
qual, o rural tenderia a desaparecer, tornando-se urbano. A segunda vertente enfoca a
“urbanização no rural”, segundo a qual existem “especificidades no espaço rural,
mesmo quando impactado pela força do urbano” (RUA, 2005, p. 91). Nesta segunda
vertente, agrupam-se autores como José Eli da Veiga, Ricardo Abramovay, Sérgio
Schneider e José Graziano da Silva. Estes, apesar de apresentarem imensa
diversidade, defendem um necessário destaque no rural, priorizando seus estudos na
ideia de “novas ruralidades”14.
Wanderley, ao analisar a proposta do continuum rural-urbano adverte que esse conceito
admite a complexidade dessas relações espaciais e não requer a assimilação do urbano pelo
rural ou do esvaziamento do rural em suas especificidades. Para Wanderley, é o espaço local
que aproxima o rural do urbano (e vice-versa). Assim, “se a vida local é o resultado do encontro
entre o rural e o urbano, o desenvolvimento local, entendido como o processo de valorização
13 A análise das propostas dos espaços urbanos e rurais não será densificada no presente artigo, tendo em vista a
limitação de páginas. 14 JACINTO, Janério Manoel; MENDES, César Miranda; PEREHOUSKEI, Nestor Alexandre. O rural e o
urbano: contribuições para a compreensão do espaço rural e do espaço urbano. Revista Percurso – NEMO,
volume 4, número 2. Maringá: UEM, 2012, p. 173-191. Disponível em:
<http://ojs.uem.br/ojs/index.php/Percurso/article/viewFile/18767/10220>. Acesso em 12 de abr. 18, p. 175.
do potencial econômico, social e cultural da sociedade local, não pode supor o fim do rural”15.
Dessa forma, as atividades de agricultura no urbano não afastam a essencialidade do debate da
reforma agrária, condição estruturante para repensar os rumos do desenvolvimento e para
buscar alternativas. As práticas de agricultura popular, tais como as hortas comunitárias
visitadas nos bairros CIC e Tatuquara, em nosso entendimento, reafirmam a reforma agrária,
pois essas práticas resgatam uma essência de coletividade, ainda que estejam mantidas as
especificidades da vida nas cidades.
No debate do direito à cidade, o trabalho em hortas comunitárias populares pode ser
estratégico. Isso por que uma das maiores dificuldades a serem vencidas na organização da
população para a defesa dos seus direitos é a ausência de espaços de convivência social. A
apropriação seletiva dos espaços públicos, a ausência de espaços de convívio nos projetos de
moradia popular são apenas alguns exemplos de que a proposta de vida nas cidades ainda é
centrada no modelo individualista que pensa a terra urbana como mercadoria. A ocupação dos
“vazios” urbanos com hortas populares, como se observou da experiência dos bairros visitados,
facilita as relações de socialidade entre os moradores. Obviamente que se faz necessário
aprofundar as pesquisas, para o fim de identificar como e de que forma são praticadas relações
de reciprocidade e de que maneiras essas aproximações podem criar condições para que os
grupos se articulem em torno da satisfação das suas necessidades e na defesa dos seus direitos.
A nosso ver as hortas se assemelham a “embriões” de fundo emancipatório, que poderão
ser desenvolvidos a depender do grupo encarregado de sua produção. Obviamente, a
articulação em torno das hortas para promover estratégias de emancipação depende também de
fatores externos, do momento político e da vontade popular, não dependendo exclusivamente
do local onde as hortas urbanas são implantadas. Ainda, torna-se imprescindível questionar
quais os principais objetivos da política implantada pela prefeitura, respondendo se tal
implantação possui cunho assistencialista ou se é entendida enquanto uma prática social que
objetiva maior autonomia ou se tem potencial para formação de uma maior consciência do
cidadão acerca da cidade que se quer viver.
15 Wanderley, Maria de Nazareth Baudel. A ruralidade no Brasil moderno. Por um pacto social pelo
desenvolvimento rural. In: GIARACCA, Norma. Uma nova ruralidade na América Latina?
Buenos Aires: CLACSO, 2001. Disponível em:
<http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/rural/wanderley.pdf>. Acesso em 12 abr. 18, p.34.
Mas, é possível afirmar, ainda que de modo inicial, que as hortas populares se situam
entre sustentabilidade e emancipação, pois quando do uso e apropriação do espaço (os
chamados “vazios” urbanos) elas tem potencial para a incorporação de uma noção de existência
coletiva que, por sua vez, pode ser uma estratégia para avançar em termos de discutir para quem
e para que serve a cidade.
Assim, o clássico direito urbanístico poderia fazer uma releitura do próprio sentido das
expressões “vazios urbanos” e “função social da propriedade urbana”. O que se entende por
“vazios urbanos” não compreendem os espaços de conservação da biodiversidade local, que
teriam seu uso definido pela participação popular e de acordo com a legislação socioambiental.
Seriam vazios urbanos as áreas ociosas que não possuem função social, ambiental ou cultural
pré-determinada. São os espaços não utilizados ou subutilizados, que não seguem as
determinações do plano diretor ou que tenham seu uso restrito porém permissivo para outras
atividades, como é o caso das áreas de servidão para passagem da energia elétrica. É preciso
compreender que esses espaços não são caracterizados só por ausência de edificações, mas sim,
como áreas com potencial aproveitamento para a função social da propriedade urbana e que,
por essa razão, poderiam ter finalidades definidas pelo poder público em conjunto com a
população e integrar o Plano diretor.
Nessa releitura, a compreensão do local como um espaço de múltiplas realidades e de
heterogeneidade complexa poderia contribuir para que os espaços “vazios” da urbanização
clássica pudessem ser entendidos em sua essencialidade para a conservação do ecossistema
local e da qualidade hídrica (como seria o caso das matas ciliares urbanas, espaços esses que
não permitem ocupação), ou ainda, como no caso das hortas populares, como espaços de
produção alimentar e de promoção de reciprocidade/socialidade.
Posteriormente, também se vê a necessidade de avaliação de como a Lei de Zoneamento
incide sob tal questão. A Lei de Zoneamento é a legislação responsável pela previsão e limitação
de como se dará a edificação e expansão de uma cidade. Indo contra a visão tradicional sob tal
legislação, onde as leis de zoneamento são extremamente restritivas e técnicas, é possível
adotar-se uma concepção inovadora com a implementação de mecanismos que garantam uma
adequada preservação de direitos coletivos – podendo tanto ser um ônus a determinado
empreendedor elaborar hortas urbanas em regiões onde seu empreendimento tenha algum
impacto, podendo ocorrer a previsão da implantação de tais espaços através do instrumento
denominado RAP (Relatório Ambiental Prévio) ou em outros documentos emitidos pelos
órgãos estatais (como alvarás de construção, por exemplo). As hortas também podem ser um
importante mecanismo de implantação de mudanças por parte do Estado, sendo caracterizadas
como políticas urbanas de cunho emancipatório.
Porém, para que tal questão se consolide, é necessário que a todos os agentes sociais
interessados na lei em questão tomem parte de sua elaboração e revisão. Tal prática de criação
legislativa deve ser realizada de modo que não se torne um mecanismo cosmético e legitimador
para a implantação de uma norma contrária aos interesses de uma determinada população, de
modo que é imprescindível que leve-se em conta a complexidade do ambiente por ela tratado,
sendo considerado as assimetrias de lugar de fala dos sujeitos participantes dos debates (não
devendo, assim, ocorrer uma horizontalidade de posições inexistente na realidade social)16.
Ocorre que a participação popular na elaboração de qualquer legislação ou planejamento
urbanos raramente ocorrem, ou, se realizada, acontece de uma maneira precária que em nada
interfere na maneira tradicional de se fazer o espaço urbano. Essa problemática foi claramente
notada durante os recentes processos de revisão da Lei de Zoneamento do município de
Curitiba, que ocorreu de uma maneira em que as opiniões públicas pouco foram consideradas,
sob as prerrogativas de que se trata de uma lei de caráter essencialmente técnico, não existindo
motivos para a consideração de aspectos políticos da norma17.
Porém é necessário reconhecer que a mera consolidação legislativa não acarreta em
automático reflexo de suas previsões no âmbito fático. Isso advém tanto de normas que carecem
de proximidade com a realidade por elas abordada18, seja porque os poderes estatais
responsáveis pela aplicação das normativas (tanto poder executivo, quanto poder judiciário)
insistem em ignorar o diploma legal consolidado, muitas vezes se pautando em normativas de
cunho essencialmente patrimonialista19.
16 FRANZONI, Julia Ávila; HOSHINO, Thiago de Azevedo Pinheiro. Da Audiência Pública à Sala de
Audiências: a judicialização da política urbana. In: KASSMAYER, Karin; TORRES, Katya Isaguirre;
GORSDORF, Leandro Franklin; HOSHINO, Thiago; COSTALDELLO, Ângela Cássia. Curitiba: Editora CRV,
2017, p.111. 17 COELHO, Luana Xavier Pinto. O Mito do Planejamento Urbano Democrático: reflexões a partir de
Curitiba. Curitiba: Terra de Direitos, 2015, p.34. 18 MARICATO, Ermínia. As Idéias Fora do Lugar e o Lugar Fora das Idéias. In: ARANTES, Otilia; VAINER,
Carlos; MARICATO, Ermínia. A Cidade do Pensamento Único. 8ª Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2013, p.121-
191. 19 CARDOSO, Patrícia de Menezes; GUIMARÃES, Irene Maestro dos Santos; FROTA, Henrique Botelho;
LIBÓRIO, Daniela Campos, Direito Urbanístico em Juízo: estudo de acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo. São Paulo: IBDU, 2016, p. 89.
Situação interessante foi vivida por um grupo de moradores do bairro Cristo Rei. Em
junho de 2017 moradores que organizaram uma horta comunitária na calçada da Rua Roberto
Chichon receberam uma notificação da prefeitura alegando que a horta gerida pela comunidade
atrapalhava a passagem de pedestres no local, sendo necessária a sua limpeza em um prazo de
10 (dez) dias, sob pena de determinação de multa20. De acordo com o decreto municipal n°
1066 de 2006 a única vegetação permitida para as calçadas seria grama. Após receber os
organizadores da experiência a prefeitura aceitou rever os padrões normativos para o fim de
admitir a agricultura urbana de pequena escala. Em outubro de 2017 a experiência foi indicada
como uma das sete experiências a concorrerem ao prêmio Feed Your City, organizado pela
Food Gardens Initiative, em parceria com a ONU-Habitat, projeto que destaca casos de
agricultura urbana em pequena escala21.
A criação de hortas em meio urbano é inclusive uma tendência mundial para grandes
cidades, sendo uma proposta do Brasil para a Conferência da Habitat III, da ONU, que ocorreu
em Quito, no Equador, em outubro de 201622. Tal conferencia visou debater questões
pertinentes para o desenvolvimento de uma nova agenda pertinente as questões urbanas. Após
sua realização o evento emitiu o que se chamou de Nova Agenda Urbana, documento que tem
como objetivo a implantação de orientações para as cidades de todo o mundo para as próximos
vinte anos23. No referido documento a implantação de hortas urbanas foi uma grande aposta,
apontando-se como estratégia para a garantia da alimentação adequada e sustentável dos
moradores dos grandes centros urbanos24.
20 RPC CURITIBA. Horta comunitária gera impasse entre prefeitura e moradores de bairro de Curitiba. G1, 2017.
Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/horta-comunitaria-gera-impasse-entre-prefeitura-e-
moradores-de-bairro-de-curitiba.ghtml>. Acesso em 05.abr.2018. 21 DEREVECKI, Raquel. Horta comunitária de Curitiba é reconhecida pela ONU após ser multada pela prefeitura.
Gazeta do Povo, 2017. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/curitiba/horta-comunitaria-de-
curitiba-e-reconhecida-pela-onu-apos-ser-multada-pela-prefeitura-8zu5rafubzrkm0jbea4tisv7e>. Acesso em
20.abr.2018. 22 IPEA. Relatório Brasileiro para a Habitat III. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=27266>. Acesso em
20.abr,2018, p. 49. 23 ONU. Nova Agenda Urbana, Disponível em: <http://habitat3.org/wp-content/uploads/NUA-Portuguese.pdf>,
Acesso em 18.abr,2018. 24 É importante destacar que a posição de implementação de hortas urbanas em grandes cidades durante as
discussões que antecedem a Habitat III foram duramente criticadas, tendo em vista que pouco contribuiriam para
um novo modelo de cidade, quando muitas vezes os referidos projetos de agricultura urbana são implementados
em regiões que já ostentam uma infraestrutura adequada aos seus moradores, pouco servindo para uma mudança
estrutural da região.
Assim, é evidente, tanto no plano global, quanto no plano local, que novos conceitos e
práticas relacionadas com a utilização do espaço urbano se distanciam do pragmatismo técnico
econômico e assumem outras dimensões essenciais para o desenvolvimento local – sendo as
hortas urbanas uma dessas práticas. Ocorre que essas novidades acabam se vendo em conflito
com normativas e planejamentos pautados em conceitos de um urbanismo clássico, ainda muito
baseado na utilização do espaço privado. Consolidar esse novo léxico em um âmbito normativo
pode ser o primeiro passo para que outras concepções de cidade se insiram em nossas
sociedades.
4. CONCLUSÕES:
Como já citado, hortas urbanas vêm se mostrando como uma grande tendência no
âmbito mundial. Elas podem ser políticas que promovam uma maior organização coletiva dos
moradores que nelas trabalham, bem como podem impactar em uma melhor alimentação dos
habitantes e modificar suas relações de reciprocidade. Assim, é relevante que as hortas urbanas
populares sejam expandidas, podendo inclusive serem cultivadas em terrenos privados que não
cumpram sua função social, os grandes “vazios” urbanos, os quais devem ser relidos de acordo
com a função socioambiental que esses espaços podem exercer.
A partir da pesquisa realizada foi possível elaborar apontamentos sobre a contribuição
das hortas urbanas na discussão das alternativas ao desenvolvimento local. O primeiro deles é
a importância das hortas urbanas em um contexto social em que o progresso desigual acaba por
limitar ou até mesmo extinguir direitos básicos de alguns setores da sociedade – como a situação
vivenciada pelos moradores dos bairros onde se localizam as hortas tratadas nesse artigo, onde
os índices de mortalidade e falta de habitação são contrastantes com o restante da cidade. A
política das hortas urbanas, além de garantir direitos como a alimentação adequada, também
mostram um possível caminho de fomentar a organização dos moradores afim de reivindicação
de muitos direitos ainda não garantidos a estes.
Infelizmente, o poder público de Curitiba ainda insiste em seguir um modelo
razoavelmente tradicional de urbanização, uma vez que o tema das hortas urbanas ganha
destaque quando se localiza em bairros de classes mais representativas nos processos de tomada
de decisões locais. O desenvolvimento de projetos para criação de hortas urbanas para bairros
de população de baixa renda é um caminho para consolidação de um debate popular acerca de
para quê e à quem interessam os espaços urbanos.
A análise das hortas urbanas também gera um questionamento acerca da dicotomia
urbano/rural, sendo um caminho a fim de se refletir acerca da possibilidade da criação de
políticas públicas que pensem nas relações entre o meio urbano e o meio rural, bem como a
existência de locais com hábitos rurais em meio aos centros urbanos. As experiências não
afastam a necessidade de se realizar a reforma agrária, uma vez que as características dos
espaços urbanos e rural são mantidas. A agricultura urbana, nessa ordem de ideias, não possui
o condão de esvaziar as questões rurais, mas sim, de entender que a ruralidade contém
dimensões complexas e heterogêneas, o que é importante para a discussão das alternativas aos
projetos de desenvolvimento local.
Ainda, as hortas se demonstram como um caminho de recuperação da subjetividade de
antigos trabalhadores que se viram obrigados a deixar o meio rural pelos efeitos da
modernização agrícola. Nesse sentido, os espaços urbanos de hortas populares se situam na
discussão da sustentabilidade, no entanto, é necessário problematizar qual o sentido dessa
expressão no contexto das políticas públicas socioambientais para entender que toda sociedade
ocupa um determinado espaço de natureza e que, portanto, não existe separação entre o humano
e o natural. As dimensões social, cultural, econômica e ambiental da sustentabilidade na
discussão crítica do mito do desenvolvimento não podem ser analisadas de forma separada e,
como tal, pensar em sustentabilidade socioambiental deve igualmente ultrapassar as barreiras
epistêmicas que dividem em campos isolados o rural e o urbano.
As observações de campo auxiliaram na compreensão da multifuncionalidade da terra
urbana e de que as hortas podem ser uma estratégia importante para fomentar as trocas entre
indivíduos, estimular a reciprocidade e, portanto, teriam elas potencial emancipatório
especialmente quando realizadas em bairros populares. O estímulo para criação desses espaços
em bairros populares se dá por que os grupos de moradores podem resgatar uma noção de
coletividade que, por sua vez, detém potencial para que, com o aumento da socialidade, seja
possível estimular a reunião em torno de interesses e demandas comuns que se voltem à garantia
da moradia com dignidade e outros direitos relacionados à cidade. Nesse sentido as experiências
das hortas urbanas podem estimular que o direito à cidade seja entendido enquanto também um
instrumento para produção de espaços de equidade social e ambiental e fazem concluir que as
práticas das hortas são, ao lado de outras experiências coletivas urbanas, uma forma de entender
a cidade para além da individualidade e da terra como mercadoria.
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