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A l e x C r o s s : A C a ç a

PRÓLOGO

invAsãO de PROPRiedAde

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UM

Georgetown, Washington, DC.O apelido da família era Cox, o pai era um advogado crimi-

nal muito bem-sucedido, mas o alvo foi a mãe, Ellie Randall Cox. O momento era agora, esta noite, há uma questão de mi-nutos. O dia da paga era excelente, não poderia ser melhor.

O assassino de dois metros de altura e cento e treze quilos, conhecido como «o Tigre», tinha distribuído armas pela sua equipa, bem como um grama de cocaína para partilharem e a única instrução de que iriam precisar naquela noite: A mãe é

minha. Matem os outros.

A sua missão secundária consistia em assustar os metediços dos americanos. Sabia o que eles pensavam acerca das invasões de propriedade e das suas preciosas famílias, bem como de assas-sínios a sangue-frio. Tinham tantas regras sobre o modo como a vida deveria ser conduzida. O segredo para os vencer era que-brar todas essas regras disparatadas e sagradas.

Acomodou-se para observar a casa a partir da rua. As persianas de madeira nas janelas do rés do chão desenhavam linhas hori-zontais sobre os membros da família à medida que se deslocavam no interior, inconscientes das forças assassinas reunidas lá fora.

Os rapazes esperavam com impaciência ao lado do Tigre, que, por sua vez, aguardava que o instinto lhe indicasse que es-tava na hora de avançar para a casa.

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J a m e s P a t t e r s o n

— Agora — disse ele —, avançamos!Então, curvando e estalando apenas ligeiramente os joelhos,

começou a correr, libertando-se da sombra de uma árvore de fo-lha perene que o camuflava e dando passadas demasiado rápi-das para se conseguirem contar.

Com um único e poderoso salto, subiu para o alpendre da casa. Seguiram-se três pancadas dilacerantes na porta da fren-te. Esta abriu-se, como se explodisse, e eles entraram todos, a equipa de execução, os cinco.

Os rapazes, nenhum deles com mais de dezassete anos, de-ambularam à volta dele, disparando Berettas para o teto da sala de estar, brandindo facas de mato, gritando ordens difíceis de compreender, pois o inglês deles não estava ao nível do do Tigre.

As crianças da casa guinchavam como bacorinhos; o seu pai, advogado, pôs-se de pé com um salto e tentou escudá-las com o corpo flácido e barrigudo.

— Metes dó! — gritou-lhe o Tigre. — Nem sequer consegues proteger a tua família na tua própria casa.

Não tardou a que três membros da família fossem encurra-lados contra a cornija da lareira da sala, coberta de postais de aniversário endereçados à «Mamã», à «Minha Querida Ellie» e à «Doçura e Luz».

O líder empurrou o mais novo dos rapazes para a frente, aquele que escolhera o nome Nike e tinha um sentido de hu-mor contagiante.

— Trata lá disso! — ordenou o Tigre.O rapaz tinha onze anos e era intrépido como um crocodilo

num rio lamacento. Ergueu uma pistola muito maior do que a sua própria mão e disparou-a contra a testa do pai trémulo.

Os outros rapazes aprovaram com entusiasmo, descarregan-do em todas as direções, virando mobiliário antigo, partindo espelhos e janelas. As crianças Cox choravam e agarravam-se uma à outra.

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Vestido com uma camisola dos Houston Rockets, um rapaz inexpressivo e particularmente assustador esvaziou o carrega-dor no televisor de ecrã panorâmico e depois tornou a carregar a arma. — ‘Bora lá animar a casa! — gritou.

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dOis

A mãe, «Querida Ellie», «Doçura e Luz», desceu por fim as escadas a correr e aos gritos pelos seus bebés akata*.

— Deixe-os fora disto! — gritou ela ao líder alto e muito mus-culado. — Eu sei quem você é!

— Claro que sabe, Mãe — disse o Tigre, ao mesmo tempo que sorria à mulher alta e matronal. Na verdade, ele não tinha qualquer desejo de a magoar. Para ele, aquilo não passava de um trabalho. Um trabalho muito bem pago, importante para al-

guém aqui em Washington.As duas crianças gatinharam ao encontro da mãe e tudo se

tornou um jogo absurdo do gato e do rato. Os rapazes faziam buracos de balas no sofá enquanto os pequenitos americanos ofegantes se encolhiam na parte de trás.

Quando as crianças apareceram do outro lado, estava lá o Ti-gre, para, com uma mão, tirar do chão o filho estridente. A me-nina com o pijama dos Rugrats foi um bocadinho mais esperta e correu pelas escadas acima, revelando a cada degrau peque-ninos calcanhares rosados.

— Foge, bebé! — gritava-lhe a mãe. — Sai por uma janela! Corre! Não pares de correr!

* Expressão do povo Yoruba que significa «animal selvagem» e que é usada nos EUA por imigrantes africanos para descrever os afro-americanos e os seus descendentes. (N. da T.)

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— Isso não vai acontecer — disse o Tigre. — Hoje ninguém sai daqui, Mãe.

— Não faça isso! — implorou ela. — Deixe-os ir! São só crianças!

— Você sabe quem eu sou — disse-lhe ele. — Portanto, sabe como é que isto vai acabar. Sempre soube. Veja só o que causou a si e à sua família. A culpa disto é sua.

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PRiMeiRA PARTe

ATRAsAdO PARA A FesTA

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CAPÍTULO 1

Os mistérios mais difíceis de resolver são aqueles a que se chega perto do final, porque não há provas suficientes, nem muita coisa para desvendar, a menos que, de alguma maneira, se consiga recuar até ao início — retroceder e recapitular tudo.

Eu ia sentado ao colo do conforto e da civilidade no meu Mercedes com um ano. Pensava em como era estranho estar a dirigir-me para uma cena de crime. E depois lá estava eu, a sair do meu veículo e a sentir-me em conflito por passar de novo para o lado negro.

Estaria a ficar demasiado mole para isto? Refleti por um instan-te, depois esqueci este pensamento. Eu não era mole. Quando muito, era ainda demasiado duro, demasiado intolerante, de-masiado inflexível.

Então, pus-me a pensar que havia algo de particularmente aterrador no assassínio aleatório e irracional, que era o que este parecia ser, pelo menos toda a gente o encarava assim. Foi o que me disseram quando me ligaram para casa.

— Aquilo está complicado lá dentro, Dr. Cross. Cinco víti-mas. É uma família inteira.

— Sim, já sei. Foi o que me disseram.Um dos primeiros a chegar, um jovem agente que eu co-

nhecia chamado Michael Fescoe, foi ter comigo ao passeio na cena do crime em Georgetown, relativamente perto da uni-

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versidade onde eu tinha estudado e que recordava com cari-nho por todas as razões, mas sobretudo porque Georgetown apostara em mim.

O polícia estava visivelmente abalado. Não era de admirar. A polícia metropolitana não me contactava para o meu núme-ro especial às onze da noite de um domingo por causa de ho-micídios banais.

— O que é que sabemos até agora? — perguntei ao Fescoe, exibindo o meu crachá a um agente que aparentemente estava de guarda a um carvalho. Depois agachei-me para passar por baixo da fita amarelo-vivo colocada em frente da casa. Uma bela casa, uma vivenda de estilo colonial com três pisos em Cam-bridge Place, um quarteirão abastado a sul de Montrose Park.

Vizinhos e curiosos enchiam o passeio — mas permaneciam a uma distância segura, vestidos com os seus pijamas e robes, mantendo as reservas típicas de um colarinho branco.

— Família de cinco pessoas, todas mortas — repetiu o Fescoe. — O nome é Cox. Pai, Reeve. Mãe, Eleanor. Filho, James. Todos no rés do chão. As filhas, Nicole e Clara, no segundo andar. Há sangue por todo o lado. Parece que foram alvejados primeiro. De-pois retalhados com bastante violência e empilhados em grupos.

Empilhados. Não me agradava nada a expressão. Não no in-terior daquela casa adorável. Nem em lado nenhum.

— Há agentes superiores no local? Quem é que tomou con-ta do caso? — perguntei.

— A detetive Stone está lá em cima. Foi ela quem me pediu que lhe ligasse para o pager. O médico-legista ainda vem a cami-nho. Provavelmente, vêm dois. Que noite esta, valha-me Deus!

— Tem toda a razão.A Bree Stone era uma grande estrela na Divisão de Crimes

Violentos e um dos poucos detetives que me fizeram desviar do meu caminho para me tornar seu parceiro, um trocadilho literal, visto que estamos juntos como casal há mais de um ano.

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— Diga à detetive Stone que eu cheguei — indiquei. — Vou começar pelo piso de baixo e vou trabalhando à medida que subo até onde ela está.

— Assim farei, senhor doutor. Eu trato disso.O Fescoe não me largou enquanto subíamos os degraus do

alpendre e passávamos por um técnico de laboratório que tra-balhava na porta da frente demolida e respetiva soleira.

— Entrada forçada, não há dúvida — prosseguiu o Fescoe. Corou, provavelmente por ter constatado o óbvio. — Além do mais, no segundo andar está um alçapão aberto para o telhado. Aparentemente, eles terão fugido por lá.

— Eles?— Diria que sim tendo em conta a quantidade de estragos,

seja lá que diabo tenha acontecido aqui. Nunca vi nada assim, senhor doutor. Oiça, se precisar de mais alguma coisa…

— Eu digo-lhe. Obrigado. É melhor tratar disto sozinho. Con-centro-me melhor.

A minha reputação parece atrair polícias sedentos de casos importantes, o que pode ter as suas vantagens. Contudo, na-quele momento eu queria examinar o cenário sozinho. Dado o olhar austero e acerado no rosto de todos os técnicos que vi a sair da parte de trás da casa, percebi que aquilo não tardaria a tornar-se mais duro.

Mas afinal eu não sabia da missa a metade. O homicídio da-quela família era muito pior do que eu pensava.

Muito, muito pior.

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CAPÍTULO 2

Eles queriam assustar alguém, pensava eu, ao entrar numa al-cova bem iluminada e decorada de modo acolhedor. Mas quem?

Não estes mortos. Não esta pobre família chacinada sabe Deus por

que razão.

O rés do chão contava uma história sinistra e agoirenta que delineava o homicídio. Quase todas as peças de mobília da sala de estar e da sala de jantar tinham sido viradas do avesso ou des-truídas — ou as duas coisas. Havia buracos profundos abertos nas paredes, bem como dezenas de outros mais pequenos. Um antigo lustre de vidro jazia em farpas e estilhaços num tapete oriental de cores garridas.

A cena do crime não fazia sentido e, pior, não tinha prece-dente direto na minha experiência como detetive de homicídios.

Um divã e um canapé cravados de balas tinham sido empur-rados contra a parede para arranjar espaço à frente da lareira. Aí foram empilhados os três primeiros corpos.

Embora seja seguro afirmar que já vi merdas horrendas no cumprimento do dever, esta cena deteve-me instantaneamente pela sua monstruosidade.

Tal como me fora anunciado, as vítimas amontoadas eram o pai, a mãe e o filho, que estava no topo, todos deitados com a cara virada para cima. Havia riscas e manchas de sangue nas paredes mais próximas, na mobília e no teto, e formara-se uma

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poça em redor dos corpos. Aqueles desgraçados tinham sido ata-cados com algum tipo de instrumentos de corte afiados e não escaparam a amputações.

— Valha-me Deus, valha-me Deus — balbuciava eu entre dentes. Era uma prece ou uma praga contra os assassinos, ou, mais provavelmente, as duas coisas.

Um dos técnicos das impressões digitais respondeu baixi-nho: — Ámen.

Mas nenhum de nós olhava para o outro. Este era o tipo de cena de homicídio para a qual é preciso ter estômago, de modo a tentar sair da casa com uma ínfima parte da nossa sanidade intacta.

Os padrões de sangue em torno da sala sugeriam que os membros da família tinham sido atacados em separado e de-pois arrastados para o centro.

Algo desencadeara a raiva selvática que levara os assassinos a fazer aquilo, fosse lá o que fosse, e eu concordava com o Fes-coe em relação a terem sido vários criminosos. Mas o que é que tinha acontecido ao certo? Qual fora a causa do massacre? Dro-gas? Ritual? Psicose?

Psicose de grupo?

Guardei os pensamentos aleatórios para mais tarde. Primeiro

os métodos, depois o motivo.

Contornei lentamente os cadáveres e as partes de corpos, passando com cuidado pelas poças de sangue e pisando o soa-lho flutuante seco sempre que podia. Não parecia existir qual-quer coesão nos cortes, nem na matança, bem vistas as coisas.

A garganta do filho estava aberta; o pai tinha um ferimento de bala na testa; e a cabeça da mãe estava virada ao contrário num ângulo pouco natural, como se lhe tivessem partido o pescoço.

Dei a volta completa para ver a cara da mãe. O ângulo era tal que ela parecia estar a olhar diretamente para mim, de modo quase esperançoso, como se eu ainda pudesse salvá-la.

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Debrucei-me para a ver mais de perto e, de repente, senti--me tonto. As minhas pernas fraquejaram. Não podia acreditar no que estava a ver.

Oh não! Oh meu Deus, não!

Recuei sem prestar atenção ao que fazia, o meu pé pisou uma zona escorregadia e caí. Ao tombar, estiquei a mão para amparar a queda. A minha luva esborratou o chão de vermelho-escuro.

O sangue da Ellie Randall. Não era Cox — era Randall!

Eu conhecia-a. Ou conhecera-a, em tempos.Há muito, muito tempo, a Ellie tinha sido minha namora-

da, quando estudávamos em Georgetown. Provavelmente fora o meu primeiro amor.

E agora a Ellie tinha sido assassinada, juntamente com a sua família.

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CAPÍTULO 3

Um dos técnicos das impressões digitais veio ajudar-me, mas levantei-me sozinho rapidamente. Perguntei-me se estaria em estado de choque por causa da Ellie. — Não há problema. Eu estou bem. Diga-me lá outra vez o nome? — pedi ao técnico.

— Cox. Reeve, Eleanor e James são as vítimas da sala de estar.Eleanor Cox. Batia certo; já me lembrava. Fitei a Ellie, com o

coração a bater descontrolado, as lágrimas a acorrerem-me aos cantos dos olhos.

Chamava-se Ellie Randall quando a conheci, era uma estu-dante de História inteligente e atraente em busca de assinaturas contra o apartheid entre os estudantes da Universidade de Geor-getown. Decididamente, não se tratava de alguém cuja história devesse acabar assim.

— Precisa de alguma coisa? — O Fescoe estava de volta e an-dava de roda de mim.

— Apenas… arranje-me um saco do lixo ou coisa parecida — disse-lhe. — Por favor. Obrigado.

Despi o meu impermeável e tentei limpar-me com ele; de-pois enfiei o casaco no saco que o Fescoe me levara. Precisa-va de continuar a andar e de sair daquela sala, pelo menos de momento.

Encaminhei-me para as escadas e encontrei a Bree, que co-meçava a descer.

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— Alex? Credo, o que é que te aconteceu? — perguntou ela.Eu sabia que, se começasse a explicar, não iria conseguir

terminar. — Falamos disso mais logo, pode ser? — disse eu. — O que é que se passa lá em cima?

Ela olhou para mim com uma expressão de estranheza, mas não forçou. — Mais do mesmo. Cena feia. Segundo andar, Alex. Mais duas crianças. Acho que estavam a tentar esconder-se dos assassinos, mas não resultou.

Um flash de fotografia assombrou a escadaria enquanto su-bíamos. Tudo me parecia alucinante e irreal. Eu estava do lado de fora da cena, a ver-me a tropeçar para dentro dela. A Ellie ti-

nha sido assassinada. Tentei de novo, mas não conseguia dige-rir a ideia.

— Não há sangue nas escadas nem no corredor — comen-tei, tentando concentrar-me nas provas, tentando fazer o meu trabalho. Estava um frio de rachar, com uma porta de alçapão aberta por cima de nós. Três de novembro e a previsão era de temperaturas noturnas na ordem de um só dígito. Até o tempo enlouquecera um pouco.

— Alex?A Bree aguardava mais à frente, parada à entrada de um

quarto no segundo andar. Não se mexeu quando me aproximei. — Tens a certeza de que te sentes bem para estar aqui? — per-guntou ela, falando baixinho para os outros não ouvirem.

Assenti com a cabeça e espreitei para dentro do quarto.Atrás da Bree, os corpos das duas meninas formavam uma

cruz sobre um tapete de trapo oval. Uma cama branca de dossel estava partida aos bocados, despedaçada sobre si mesma, como se alguém lhe tivesse saltado em cima com demasiada força.

— Eu vou ficar bem — assegurei. — Preciso de ver o que isto tudo significa. Do tipo, quem é que teria andado aos saltos na-

quela cama, que diabo?

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CAPÍTULO 4

Mas eu nem sequer conseguia começar a compreender os horríveis assassínios dos cinco membros da família. Pelo me-nos, não nessa noite. Estava tão desconcertado como todos os outros em relação à possível motivação dos crimes.

O que tornava o mistério ainda mais profundo era o que ti-nha acontecido cerca de uma hora depois de eu chegar à cena do crime. Apareceram dois agentes da CIA. Deram uma vista de olhos e foram-se embora. O que é que a CIA andou ali a fazer?

Já passava um bocadinho das três e meia da manhã quando eu e a Bree regressámos a casa, na 5th Street. No sossego do meu lar, conseguia ouvir o ressonar de criança do Ali, que pai-rava no ar desde lá de cima. Sons tranquilizadores e reconfor-tantes, sem dúvida.

A Nana Mama deixara a luz do topo do fogão acesa e embru-lhara em película aderente um prato com as últimas quatro bo-lachas com passas e nozes que tinham sobrado da sobremesa. Levámo-las para cima, juntamente com copos e uma garrafa de vinho a meio.

Passadas duas horas, eu continuava acordado e com a cabeça feita em água. A Bree acabou por se sentar e acender a luz. Deu comigo sentado na beira da cama. Eu sentia o calor do corpo dela contra as minhas costas, a respiração dela no meu pescoço.

— Dormiste alguma coisa? — perguntou.

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Não era bem isso que ela queria saber.— Eu conhecia a mãe, Bree. Andámos juntos na George-

town. Isto não lhe podia ter acontecido. Não devia, pelo menos.Ela respirou fundo ao ouvir a minha revelação. — Lamento

imenso, Alex. Por que é que não me disseste?Encolhi os ombros, depois suspirei. — Nem sequer tenho a

certeza de conseguir falar sobre isso agora — confessei.Ela abraçou-me. — Não faz mal. Não precisas de falar. A me-

nos que queiras, Alex. Eu estou aqui.— Éramos os melhores amigos, Bree. Namorámos durante

um ano. Eu sei que já foi há muito tempo, mas… — detive-me. Mas o quê? Mas também não tinha sido só uma coisa de miú-dos. — Amei-a por algum tempo, Bree. Neste momento, estou em choque.

— Queres abandonar o caso?— Não. — Já fizera essa pergunta a mim próprio e a respos-

ta surgia com a mesma rapidez.— Posso pedir ao Sampson ou a outra pessoa qualquer dos

Crimes Violentos que assuma o teu lugar. Mantemos-te infor-mado ao segundo…

— Bree, desta vez não me posso desligar.— Desta vez? — Com a mão, ela percorreu suavemente o

meu braço de cima a baixo. — Relativamente... a quê, Alex?Respirei fundo. Sabia onde a Bree queria chegar com aquilo.

— Não tem que ver com a Maria, se é isso que estás a insinu-ar. — A minha mulher, Maria, tinha sido morta a tiro quando os nossos filhos eram pequenos. Só há pouco tempo é que eu conseguira dar o caso por encerrado. Antes disso, decorreram anos de tortura e culpa. Mas naquela altura a Maria era a minha mulher, o amor da minha vida. A Ellie era uma coisa diferente. Não estava a confundir as duas. Pelo menos, achava que não.

— Tudo bem — disse ela, afagando-me as costas, tranquili-zando-me. — Diz-me o que posso fazer.

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Aconcheguei-nos aos dois debaixo dos lençóis. — Deixa-te ficar aqui deitada comigo — disse-lhe. — Por agora é só disso que preciso.

— É para já.E, envolto nos braços da Bree, não tardei a adormecer — du-

rante umas boas duas horas.

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CAPÍTULO 5

— Pelo canto do olho, vejo um jornal cor-de-rosa — disse a Bree.

— Está ali! — O Ali foi rápido a encontrá-lo. — Estou a vê--lo! É mesmo cor-de-rosa. Que raio de jornal maluco é aquele?

Para surpresa e delícia da minha família, eu não tinha saí-do para trabalhar a uma hora obscena da manhã depois de ter encontrado a Ellie e os respetivos familiares mortos em casa. Nesse dia apetecia-me ir a pé levar os miúdos à escola. Na ver-dade, queria fazê-lo quase todos os dias, mas umas vezes não podia, outras não o fazia. Mas, naquele dia, precisava de car-radas de ar fresco na minha vida. E de sorrisos. E das risadi-nhas do Ali.

A Jannie frequentava o último ano na Sojourner Truth e pre-parava-se para entrar para o secundário, enquanto o Ali come-çava agora a iniciar-se no mundo escolar. Nessa manhã tudo me pareceu muito típico do ciclo da vida, com a família da Ellie desaparecida num abrir e fechar de olhos e os meus próprios filhos a imporem-se.

Pus a minha cara de pai mais alegre e tentei esquecer as ima-gens macabras da noite anterior. — Quem se segue?

— Eu tenho uma — disse a Jannie. Lançou-me um sorriso maroto a mim e à Bree. — Pelo canto do olho, vejo uma PSO-PUC.

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— O que é uma pessopuque? — quis saber o Ali. Ele já estava a olhar em volta, mexendo a cabeça como um boneco de mola para tentar encontrá-la, fosse lá o que fosse.

A Jannie praticamente cantou a resposta. — PSOPUC. Pessoa do sexo oposto a partilhar uma casa. — Sussurrou a palavra sexo na nossa direção, presumivelmente para salvaguardar a inocência do irmão mais novo. Ainda assim, senti-me a corar ligeiramente.

A Bree tocou no ombro da Jannie. — Onde é que foste bus-car essa?

— À Cherise J. Ela diz que a mãe dela comenta que vocês os dois estão… bem, já sabem… a viver em pecado.

Troquei um olhar com a Bree sobre o cocuruto da cabeça da Jannie. Acho que, mais cedo ou mais tarde, de uma maneira ou de outra, aquilo acabaria por vir à baila. Eu e a Bree já estávamos juntos há mais de um ano e ela passava uma boa porção de tem-po na casa da 5th Street. Em parte porque os miúdos adoravam tê-la por lá. Em parte porque eu também adorava.

— Acho que se calhar tu e a Cherise J. precisam de arranjar outro tema de conversa — disse-lhe eu. — Não te parece?

— Ah, não há problema, papá. Eu disse à Cherise que a mãe dela tem de ultrapassar esse preconceito. Quer dizer, até a Nana Mama concorda, e é a foto dela que vem no dicionário a ilustrar a palavra «antiquada», certo?

— Tu não fazes ideia do que vem no dicionário — disse eu.Mas eu e a Bree parámos de tentar ser politicamente corretos

com a Jannie e desatámos a rir. Ultimamente, a Jannie andava naquela fase da «encruzilhada»; encontrava-se exatamente na interseção entre rapariga e mulher.

— Qual é a graça? — perguntou o Ali. — Alguém que me diga. O que é?

Puxei-o do passeio para os meus ombros para percorrermos o último meio quarteirão de caminho até à escola. — Conto-te daqui a uns cinco anos.

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— Eu já sei — disse ele. — Tu e a Bree amam-se. Toda a gen-te sabe. Não é nada de especial. É uma coisa boa.

— Pois é — disse eu, beijando-lhe a face.Deixámo-lo na entrada oriental da escola, onde as restantes

miniaturas da turma dele faziam fila cá fora. A Jannie chamou--o pela vedação. — Até loguinho, fofinho! Gosto muito de ti.

— Lá pela tardinha, maninha. Também gosto muito de ti.Com o Damon, o irmão mais velho, a estudar fora no Mas-

sachusetts para se preparar para a universidade, nos últimos tempos estes dois tinham-se aproximado mais do que nunca. Nas noites de fim de semana, o Ali dormia muitas vezes num colchão de ar aos pés da cama da irmã, naquilo que chamava o seu «ninho».

Deixámos a Jannie no lado oposto do edifício da escola, para onde se dirigiam todos os miúdos mais velhos. Ela despediu--se de nós com um abraço e eu deixei-me ficar agarrado a ela um bocadinho mais tempo do que era costume. — Adoro-te, minha querida. Não há nada mais especial para mim do que tu e os teus irmãos.

A Jannie não pôde evitar olhar em volta para se assegurar de que ninguém tinha ouvido. — Eu também, papá — disse ela. Depois, quase no mesmo fôlego: — Cherise! Espera aí!

Assim que a Jannie desapareceu, a Bree deu-me o braço. — Então, o que foi aquilo? — perguntou ela. — Toda a gente sabe que tu e a Bree se amam?

Encolhi os ombros e sorri. — E eu é que sei? É o grande bo-ato que corre por aí, pelo menos.

Beijei-a.E, como resultou tão bem, beijei-a de novo.

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CAPÍTULO 6

Por volta das nove da manhã, eu já dera os beijos todos e preparava-me para entrar numa reunião desagradável no Edifí-cio Daly, onde seria feito o ponto da situação relativo ao múlti-plo homicídio. Estava a decorrer na grande sala de conferências mesmo em frente ao meu gabinete. Pelo menos, ficava a cami-nho. Todos os detetives de primeiro e segundo grau disponíveis, bem como um contingente da Segunda Região Administrativa, que cobria a maior parte de Georgetown, iriam marcar presença.

O gabinete do médico-legista enviara um representante na pessoa da Dra. Paula Cook, uma investigadora brilhante com a personalidade de um pudim de tapioca. Na verdade, os can-tos da boca da Dra. Cook até se curvaram quando apertámos a mão. Acho que foi uma tentativa de sorriso, por isso retribuí. — Obrigado por ter vindo, Paula. Precisamos de si neste caso.

— Em catorze anos, é o pior que já vi — comentou ela. — To-dos aqueles miúdos, os pais. Revolve-me o estômago. Não faz sentido.

À entrada, tínhamos agarrado numa pilha de fotografias da cena do crime e agora eu e a Paula afixávamos algumas na sala de crise. Assegurei-me de que eram todas do formato 28 x 36 cm. Queria que toda a gente, tal como ainda ainda acontecia comi-go, sentisse que fazia parte do que sucedera na noite anterior em Georgetown.

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— Pode tratar-se de um incidente isolado — disse eu, alguns minutos depois, ao grupo que ali estava reunido, colocando-me em frente das fotos. — Mas não vou partir do pressuposto de que assim é. Quanto mais compreendermos mais preparados estaremos, caso isto volte a acontecer. Pode não ser um inci-dente isolado. — Calculei que alguns dos detetives de homicí-dios mais batidos não fossem concordar; haveriam de pensar que eu trabalhei em demasiados casos de assassínios em sé-rie. Mas naquela altura não me interessava muito o que pu-dessem pensar.

Durante o primeiro quarto de hora, mais coisa menos coisa, recapitulei os principais factos do caso, para aqueles que não tinham lá estado na noite anterior. Depois, passei a palavra à Paula. Ela pôs-se de pé num salto e explicou-nos as fotografias na parede.

— Os estilos de corte indicam uma variedade de armas, for-ça e capacidade — explicou, utilizando um ponteiro de laser vermelho para sublinhar os lanhos, perfurações e amputações infligidos à família Cox.

— Pelo menos uma faca tinha uma lâmina serrada. Outra era invulgarmente grande; possivelmente uma catana. As am-putações, seja onde for que tenham ocorrido, nunca foram exe-cutadas de forma limpa. Em vez disso, foram o resultado de um trauma repetitivo.

Na fila da frente, um detetive chamado Monk Jeffries fez uma pergunta pertinente. — Acha que ainda estavam a treinar? Que nunca tinham feito isto antes?

— Não sei dizer — respondeu-lhe a Paula. — Não me sur-preenderia.

— Pois — acrescento eu. — É como se ainda estivessem a treinar, Monk. — Eu tinha a minha própria opinião acerca dos homicídios. — Há algo de muito jovem nesta cena do crime.

— Inexperiente? — perguntou o Jeffries.

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— Não. Apenas jovem. Estou a falar dos golpes, da cama par-tida, do vandalismo em geral. E também o facto de isto prova-velmente ter sido feito por um grupo de cinco ou mais pessoas. É um grande grupo de intrusos. Quando cruzo todos estes fa-tores, encontro algumas possibilidades: gangue, seita, crime or-ganizado. Por essa ordem.

— Gangue? — perguntou outro detetive de primeiro grau nas filas de trás. — Alguma vez viu violência de gangue como este massacre?

— Eu nunca vi violência como esta, ponto final — respondi.— Aposto vinte dólares no crime organizado. Alguém alinha?

— Era o Lou Copeland, um detetive de primeiro grau compe-tente, mas completamente execrável, da Brigada de Casos Prin-cipais. Alguns dos seus camaradas riram-se.

Eu não. Atirei com a prancheta com o bloco de notas pela sala. Bateu na parede e caiu sobre o mosaico. Nem parecia coi-sa minha, por isso produziu o efeito desejado.

A sala ficou em silêncio. Encaminhei-me para ir apanhar as minhas notas. Vi a Bree e o Sampson a trocarem um olhar que não me agradou. Não estavam certos de que eu conseguisse li-dar com isto.

A Bree assumiu o comando a partir dali e começou a dis-tribuir tarefas. Precisávamos de gente para tornar a passar a pente fino o bairro de Cambridge Place, pôr o laboratório a dar uma resposta rápida e convocar todos os pirralhos que andassem na rua para obtermos informações acerca da noi-te passada.

— Precisamos que deem o vosso melhor — disse a Bree ao grupo. — E queremos ter algumas respostas ao fim do dia.

— Então e…?— Estão dispensados!

Toda a gente se virou para trás. Era o Sampson quem tinha falado.

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— Se tiverem mais perguntas, podem ligar para os telemó-veis da Stone ou do Cross. Entretanto, temos uma carrada de trabalho de campo para fazer. Este é um caso importante. Por-tanto, mãos à obra! Vamos a eles, e com força!

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CAPÍTULO 7

O Tigre era o mais alto e o mais forte de dez homens negros musculados que corriam de um lado para o outro num desgas-tado campo de basquetebol de asfalto no Carter Park, em Petway. Sabia que não tinha grande jeito para lançar nem para driblar, mas aproveitava os ressaltos como um profissional e defendia ferozmente o cesto. Acima de tudo, detestava perder. No mun-do dele, quem perde, morre.

O jogador que ele estava a marcar autonomeava-se Buck-wheat e o Tigre ouvira dizer que a alcunha tinha algo que ver com uma antiga série televisiva americana que por vezes fazia troça dos miúdos negros.

Ou Buckwheat não se importava com o nome ou já se habi-tuara a ele. Era rápido no campo de básquete e lançava com con-fiança. Além disso, dizia imensos palavrões, tal como a maioria dos jogadores jovens em DC. O Tigre aprendera espontanea-mente o jogo em Londres, quando estava na universidade, mas em Inglaterra não se diziam muitos palavrões.

— Tens um bom paleio, mas vais perder — disse, por fim, o Tigre, enquanto ele e o seu adversário corriam ombro a ombro pelo campo. Buckwheat anulou um bloqueio e fez um passe de ressalto no canto esquerdo. De seguida, saltou para efetuar um lançamento em arco longo e perfeito, apesar de o Tigre ter cho-cado violentamente com ele depois de soltar a bola.

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— Macaco de merda! — gritou o outro homem, enquanto os dois corriam para o lado oposto.

— Achas?— Tenho a certeza, ora essa! Daqui a um minuto, vais ser o

grande macaco a observar da linha lateral!O Tigre riu-se, mas não disse mais nada. Conseguiu marcar

num ressalto e depois a equipa de Buckwheat correu com a bola pelo campo após um passe rápido.

Estava em pleno voo, gracioso e atlético, quando o Tigre o atingiu com toda a sua força e peso. Atirou ao chão o homem com mais de um metro e noventa e empurrou-o contra o poste de metal que sustentava o cesto. O homem jazia esparramado no asfalto, com sangue a escorrer-lhe da cara.

— Jogo! — gritou o Tigre, levantando os dois braços bem acima da cabeça. Adorava jogar basquetebol, que divertido era vencer estes afro-americanos desbocados que não sabiam nada do mundo real.

Todos os dias ele tomava decisões sobre a vida e a morte.

Ao sair do campo, um homem foi ter com ele. Este homem em particular não podia estar mais deslocado, uma vez que ves-tia um fato cinzento e era branco.

— Ghedi Ahmed — disse o demónio branco. — Sabe quem ele é?

O Tigre assentiu com a cabeça. — Sei quem era.— Faça dele um exemplo.— E da sua família.— Claro — disse o demónio branco. — Da família dele

também.

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CAPÍTULO 8

Telefonei a pedir ajuda ao meu amigo Avie Glazer, que geria o Projeto de Intervenção de Gangues na Terceira Região Adminis-trativa. Expliquei ao Avie porque é que era importante para mim.

— É claro que te ajudo. Já me conheces, Alex. Tenho mais ligações ao La Mara R, Vatos Locos, gangues da zona noroeste. Mas podes vir até cá e fazer umas perguntas pela 17th and R, se quiseres. Para veres se alguém sabe alguma coisa.

— Há alguma hipótese de vires ter connosco? — perguntei--lhe. — Fico a dever-te uma. Pago-te uma cerveja.

— O que perfaz quanto, no total? Entre favores e cervejas?Era a maneira de ele dizer que sim. Eu e a Bree encontrámo-

-nos com o Avie num salãozinho de bilhar manhoso chamado Quarenta e Quatro. O proprietário contou-nos que era a idade que tinha quando abriu a casa. O Avie já conhecia a história, mas nem por isso deixou de a ouvir educadamente.

— Pareceu-me um nome tão bom como outro qualquer — disse o dono. A sua atitude de tanto faz parecia-me a de um agarrado de longa duração. Certamente não ganhava a vida com bilhar e refrigerantes. Chamava-se Jaime Ramirez e o Avie Gla-zer aconselhara-me a conceder-lhe espaço e algum respeito.

— Sabe alguma coisa acerca dos homicídios de ontem à noi-te em Georgetown? — perguntei ao Ramirez, depois de termos estado um bocadinho à conversa. — Vários criminosos?

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— Foi uma merda horrível — disse ele, apoiando-se na me-tade de baixo de uma porta ao estilo holandês, com um cigarro castanho entre os dedos rechonchudos e inclinado no mesmo ângulo do corpo.

Apontou com o queixo para o televisor ao canto. — Aqui só se apanha o Canal 4, detetive.

— Então e jogos novos que estejam a começar? — perguntou a Bree. — Jogadores de quem possamos não ter ouvido falar? Alguém capaz de acabar com uma família inteira?

— É difícil manter-me atualizado — disse o Ramirez, enco-lhendo os ombros. Foi quando o Glazer lhe lançou um olhar. — Mas sim, por acaso tem havido algum falatório.

Os seus olhos tremeram de modo quase involuntário ao passarem por mim e pela Bree. — Africanos — contou ele ao Avie.

— Afro-americanos? — perguntei. — Ou…?— Afro-africanos. — Virou-se de novo para o Avie. — Iô, Toto,

vou receber alguma coisa por isto? Ou é uma borla?O Avie Glazer olhou primeiro para mim e depois para o Ra-

mirez. — Digamos que fico a dever-te uma.— Que tipo de africanos? — perguntei.Ele encolheu os ombros e bufou. — Como é que eu hei de

saber uma coisa dessas? Africanos do tipo pretos de África.— Falam inglês?— Sim — respondeu ele, assentindo com a cabeça. — Mas

eu nunca falei com eles. Parece que se metem num bocadinho de tudo. O clube AP, está a ver? Assassínios, prostituição, pó e pilhagem. Não é o tipo de gangue a que está habituado, que faz grafitis e depois baza.

Abriu uma arca refrigeradora com porta de vidro e tirou de lá uma lata de Coca-Cola. — Alguém tem sede? Dois dólares.

— Eu quero uma — disse o Glazer. Enfiou duas notas na mão do Ramirez, que não pareciam ser de um dólar.

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Depois o Glazer virou-se para mim. — E também te vou co-brar esta. Conta com isso.

— Africanos — repetiu o Ramirez, enquanto nos encami-nhávamos para a porta —, de África.

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