INTEGRAIS SOBRE CAMINHOS E SUPERFÍCIES Fundamentos de ... · linha do campo leva a uma soma...
Transcript of INTEGRAIS SOBRE CAMINHOS E SUPERFÍCIES Fundamentos de ... · linha do campo leva a uma soma...
Licenciatura em ciências · USP/ Univesp
11.1 Introdução11.2 Integrais de Caminho e Circulação de um Vetor11.3 Forças Conservativas11.4 Diferença de potencial e Força Eletromotriz 11.5 Fluxo de um Campo Vetorial11.6 Teorema de Gauss
11.6.1 Lei de Gauss11.6.2 A Equação da Continuidade
11.7 Teorema de Stokes11.8 Lei da Indução de Faraday
11Gil da Costa Marques
INTEGRAIS SOBRE CAMINHOS E SUPERFÍCIES
Fund
amen
tos
de M
atem
átic
a II
223
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
11.1 IntroduçãoConquanto seja possível expressar as leis fundamentais em termos de propriedades dos
campos quando definidos em cada ponto do espaço, é possível expressar as mesmas leis fazendo
uso de propriedades que envolvem o comportamento de campos vetoriais ao longo de uma
curva ou de uma superfície. É disso que tratam as duas grandezas a serem definidas em seguida:
a circulação e o fluxo de um vetor. Leis físicas podem ser expressas em termos de circulações ao
longo de uma curva e fluxos de grandezas vetoriais ao longo de superfícies.
A soma sobre componentes de taxas de variação ao longo de intervalos consecutivos são
importantes fontes de informação. Veremos que no caso de campos conservativos a integral de
linha do campo leva a uma soma parecida com a soma sobre derivadas de funções de uma variável.
Lembramos para tanto que a integral das diferenciais da função f ao longo de um intervalo
determina a diferença dos valores da função nos extremos daquele intervalo:
11.1
Em outras palavras, o limite da soma das taxas de variação da grandeza f determina a dife-
rença de valores aludida acima, ou seja:
11.2
Na Física lidamos com taxas de variação de campos vetoriais. Podemos melhorar nossa
compreensão a respeito do mundo físico quando consideramos o limite de somas sobre taxas
de variações (como integrais envolvendo divergentes de funções vetoriais) ou de projeções de
taxas de variações de campos ao longo de direções tangentes a curvas (integrais de caminho) ou
ao longo de direções normais a superfícies (fluxos de grandezas vetoriais).
Como no caso de funções de uma variável, muitas vezes, o conhecimento das taxas de variação
de funções de muitas variáveis leva à determinação, às vezes de forma simples, das próprias
grandezas físicas. No entanto, como fazê-lo nesse caso requer o uso de algumas identidades,
relações e, outras vezes, o uso de argumentos de simetria.
df x dx f b f aa
b
( ) = ( ) − ( )∫
df xdx
dx f b f aa
b ( )
= ( ) − ( )∫
224
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Na Física, estamos interessados em dois tipos de somas ou, o que é mais importante, integrais.
Primeiramente, integrais de volume do divergente de uma grandeza vetorial. Usualmente, tais
integrais são relacionadas a grandezas físicas (como massa e carga elétrica) contidas no volume.
Essa é a base da lei de Coulomb na eletrostática.
Outro tipo de integral envolvendo campos vetoriais é aquela em que integramos as pro-
jeções dos campos ao longo de direções tangentes ou perpendiculares a curvas e superfícies.
Finalmente, consideraremos integrais de projeções de taxas de variação de grandezas vetoriais
ao longo de curvas e superfícies. Como no caso de funções de uma variável, devemos efetuar
partições no intervalo de domínio de curvas e superfícies.
Os aspectos mencionados acima serão alvo de análise neste texto.
11.2 Integrais de Caminho e Circulação de um Vetor
Lembramos que um caminho, interligando dois pontos A e B, nada mais é do que uma curva
que pode ser descrita utilizando um parâmetro, designado por λ. Assim, define-se uma curva
como o lugar geométrico dos pontos do espaço descritos pelas funções a um parâmetro – o
parâmetro λ – dadas por:
11.3
A cada ponto do espaço corresponde um e apenas um valor do parâmetro λ e, ao variá-lo,
obtemos os diferentes pontos ao longo da curva. Em particular, aos pontos A e B correspondem
os valores λA e λB tais que suas coordenadas são dadas por:
11.4
Consideremos uma linha ou uma curva qualquer. Ela pode ser subdivida em n pedaços
infinitesimais.
x x
y y
z z
= ( )= ( )= ( )
λ
λ
λ
x x x xy y y yz z z z
A A B B
A A B B
A A B B
= ( ) = ( )= ( ) = ( )= ( ) = ( )
λ λλ λλ λ
225
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Um ponto ao longo da curva é caracterizado pelo vetor de posição:
11.5
Assim, dois pontos ao longo de uma curva definem um vetor deslocamento (veja Figura 11.1)
dado por:
11.6
Definimos a distância entre esses dois pontos (veja Figura 11.1) como se fosse igual ao
módulo do vetor acima, isto é:
11.7
O produto escalar de um vetor
B r( ) pelo vetor ∆r é dado, portanto, pela expressão:
11.8
onde θ é o ângulo entre os dois vetores
e Bt é a projeção do vetor
B r( ) na direção
estabelecida pelo vetor ∆r .
Consideremos uma curva arbitrária,
na qual introduzimos uma partição
contendo n pequenos segmentos de
comprimento ∆l (veja Figura 11.1).
Para qualquer elemento da linha, ou seja, um particular segmento da curva - digamos o
trecho associado ao i-ésimo ponto da partição considerada -, introduzimos o vetor ∆ri, que é o
vetor deslocamento associado aos extremos dessa divisão da curva. Ou seja, tal vetor é o vetor
deslocamento entre os extremos do segmento.
Considerando agora um campo vetorial
B r( ), podemos definir uma grandeza escalar a
partir do produto escalar:
11.9
Figura 11.1: a) O vetor deslocamento entre dois pontos ao longo de uma curva e b) sua partição em segmentos.
ba
r x i y j z kλ λ λ λ( ) = ( ) + ( ) + ( )
∆ ∆ r r rλ λ λ λ( ) = +( ) − ( )
∆ ∆l r= ( )
λ
B r r B r r B rt( ) ⋅ = ( ) =∆ ∆ ∆cosθ
∆ ∆τi i iB r r= ( ) ⋅
226
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Definimos a grandeza escalar τn como aquela que resulta da soma sobre todas as contribui-
ções associadas às n partições da curva:
11.10
No limite em que o número de elementos das
partições tende a infinito, tal soma define a integral
de caminho:
11.11
onde fica implícito que, no limite acima, o (máximo
|∆ri|) → 0 quando n → ∞.
Na expressão 11.11, o vetor d r é o vetor deslocamento infinitesimal
11.12
o qual é tangente à curva pelo ponto caracterizado pelo vetor posição r e seu módulo é dado por
11.13
onde dl é o elemento de comprimento infinitesimal da curva. A direção desse vetor é a mesma
direção da reta tangente à curva pelo ponto considerado e o seu sentido indica a direção
crescente do deslocamento (veja figura). Escrevemos assim:
11.14
onde
t é o versor tangente à curva pelo ponto caracterizado pelo
vetor posição r .
Quando a curva é fechada, a integral de caminho é conhecida
como circulação do vetor ao longo dela, e é representada assim:
11.15
Figura 11.2: a) O vetor deslocamento infinitesimal e b) a projeção do campo em cada ponto.
a b
τ τni
i
n
i ii
n
B r r= = ( ) ⋅= =∑ ∑∆ ∆
1 1
τB n i
n
iB r B r dr= ⋅ = ( ) ⋅→∞
=∑ ∫lim
1
∆Γ
dr dxi dyj dzk
= + +
dr dl
=
Figura 11.3: Circulação de uma grandeza vetorial.
dr dlt
=
τ = ( ) ⋅∫ B r dr
Γ
227
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Se definirmos a componente do vetor
B dl B dlt⋅ = ⋅ , então, a integral de linha entre os
pontos A e B pode ser escrita, formalmente, sob a forma:
11.16
ou seja, a circulação de um vetor, ou sua integral de linha acaba se reduzindo a uma integral de
uma função de uma variável.
A circulação de um vetor ou a integral de linha do vetor é uma grandeza escalar que
depende do caminho escolhido e do sentido em que se percorre esse caminho. Invertendo-se
o sentido no qual se percorre o caminho, inverte-se o seu sinal.
A circulação de um campo vetorial é uma medida de quão próximas (ou afastadas) estão as linhas
de força do campo de se fecharem sobre si mesmas. Na Figura 11.4, apresentamos um campo com
circulação. O campo magnético da Terra é um campo com circulação.
Exemplos
• ExEmplo 1Determine a integral de linha do campo vetorial:
11.17
ao longo dos caminhos 1 e 2, de acordo com a Figura 11.4.
→ REsolução:Ao longo do caminho 1, o valor da coordenada y se mantém constante (y = y2). Assim, temos:
11.18
Portanto,
11.19
τλ
λλ
λ
=
∫ B
dld
dt
1
2
Figura 11.4: Integral de linha entre dois caminhos.
B B e B xi yjx y
ρρ ϕ( ) = =
+
+( )0
0 2 2 3 2( )
/
dr dxi
=
τ1
10 2
22 3 2 0
22
2 1 2
1
2
1B
x
x
xB r dr B x dx
x yB x y= ( ) ⋅ =
+( )= − +( )∫ ∫
−
( )/
/ xx
B x y x y2
0 22
22 1 2
12
22 1 2
= − +( ) − +( )
− −/ /
228
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Ao longo do caminho 2, a situação se inverte, ou seja, o valor da coordenada x se mantém constante (x = x1). Escrevemos, nessas circunstâncias:
11.20
Donde inferimos que:
11.21
• ExEmplo 2Determine a integral de linha do campo vetorial:
11.22
ao longo dos caminhos 1, 2, 3 e 4. Determine também a circulação do campo vetorial no caminho fechado composto pela soma desses trechos.Ao longo dos caminhos 1 e 3, só a variável r se altera. As curvas são linhas retas partindo da origem. Suas direções e sentidos são determinados pelo vetor dl
, dado por:
11.23
Portanto, para os caminhos 1 e 3 podemos escrever:
11.24
Para os caminhos 2 e 4 os vetores dl
são dados por:
11.25
Tal vetor é ortogonal ao campo, obtendo daí um valor nulo para as integrais de caminho.
11.26
dr dyj
=
τ2
20
12 2 3 2 0 1
2 2 1 2
1
2
1B
y
y
yB r dr B y dy
x yB x y= ( ) ⋅ =
+( )= − +( )∫ ∫
−
( )/
/ yy
B x y x y2
0 12
22 1 2
12
12 1 2
= − +( ) − +( )
− −/ /
Figura 11.5: Circulação de um campo vetorial ao longo de 4 caminhos.
E k rr
krrr
krer= = =3 2 2
dl dr er
=
τ
τ
1 2 21 2
2
1
2
1
2
1
21 1 1= ⋅ = = − = −
=
∫ ∫kre dl k
rdr k
rkr r
kr
rr
r
r
r
r
r
22 21 22
1
2
1
2
11 1 1
e dl krdr k
rkr rr
r
r
r
r
r
r
⋅ = = − = −
∫ ∫
dl rd e
= ϕ ϕ
τ ϕ
τ
ϕ
ϕ
ϕ
ϕ
ϕ
ϕ
ϕ
3 2 2
4 2
1
2
1
2
2
1
0= ⋅ = ⋅ =
= ⋅
∫ ∫
∫
kre dl k
rrd e e
kre dl
r r
r
== ⋅ =∫krrd e er2
2
1
0ϕϕ
ϕ
ϕ
229
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Das expressões 11.24 e 11.26, resulta que a circulação do campo vetorial se anula ao longo do caminho fechado, ou seja:
11.27
• ExEmplo 3 Determine a circulação do campo vetorial:
11.28
ao longo do caminho fechado associado à circunferência de raio r (veja Figura 11.6).
→ REsolução:O versor tangente à circunferência é:
11.29
O elemento de comprimento ao longo da circunferência de raio r é dado por:
11.30
E, portanto:
11.31
Donde se infere que:
11.32
11.3 Forças ConservativasO exemplo de integral de caminho com o qual estamos mais
familiarizados é aquele que define a grandeza física denominada
trabalho. Nesse caso, o campo
B é substituído pela força
F .
τ τ τ τ τ= ⋅ = + + + =∫ E dlΓ
1 2 3 4 0
Figura 11.6: Circulação ao longo de uma circunferência.
B B eρ ρ ϕ( ) = ( )
e i jϕ ϕ ϕ= +sen cos
dl rd= ϕ
dl rdre
= ϕ
B dl B r rd rB r⋅ = ( ) = ( )∫∫
0
2
2π
ϕ πΓ
Figura 11.7: Dois pontos podem ser interligados por meio de vários caminhos.
230
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Assim, o trabalho realizado pela força
F enquanto a partícula, que experimenta a ação dessa
força, se desloca do ponto A até o ponto B, ao longo da curva Γ, é dado por:
11.33
O trabalho é uma grandeza física que dá a variação de energia cinética ao longo do deslo-
camento, isto é:
11.34
O trabalho pode depender do caminho, ou não. Forças para as quais a integral de linha entre
os pontos não depende do caminho são denominadas forças conservativas.
Tais forças - as conservativas - são derivadas de um campo escalar denominado energia
potencial, ou seja, para que tais forças não dependam do caminho, elas devem ser escritas da
seguinte forma:
11.35
onde U é a energia potencial da partícula. Portanto, para tais forças podemos escrever:
11.36
E, portanto, de 11.34 e 11.36, vemos que a grandeza física conhecida como energia se
conserva, ou seja, a energia E é constante, onde:
11.37
Para um campo conservativo, como o campo de forças, sua circulação é nula, isto é:
11.38
W F r drA
B
= ( ) ⋅∫
W F r dr m v m vA
B
B A= ( ) ⋅ = ( ) − ( )∫
2 22 2
F x y z U x y z, , , ,( ) = −∇ ( )
W F r dr U dr dU U A U BA
B
A
B
A
B
= ( ) ⋅ = − ∇ ⋅ = − = ( ) − ( )∫ ∫ ∫
E m v U= +2
2
F r dr( ) ⋅ =∫Γ
0
231
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
11.4 Diferença de potencial e Força Eletromotriz
Sabemos que no caso do campo elétrico associado a fenômenos onde as cargas elétricas se
distribuem de forma que não mudem com o tempo (a eletrostática), esse campo elétrico por
elas produzido é tal que:
11.39
E, portanto, o campo elétrico gera uma força conservativa. Escrevemos:
11.40
onde V(x, y, z) é o potencial eletrostático.
Na eletrostática, a integral de caminho entre dois pontos dá a diferencial de potencial entre eles:
11.41
E, portanto, na eletrostática, a circulação do campo elétrico é sempre nula.
11.42
No entanto, quando tratamos de fenômenos mais gerais, a circulação do campo elétrico
pode não ser nula. Isso nos leva ao conceito de força eletromotriz.
∇× ( ) =E x y z, , 0
E x y z V x y z, , , ,( ) = −∇ ( )
E r dr V dr dV V A V BA
B
A
B
A
B
( ) ⋅ = − ∇ ⋅ = − = ( ) − ( )∫ ∫ ∫
( ) 0E r drΓ
⋅ =∫
Definimos força eletromotriz (ε) como a grandeza física que resulta da circulação do vetor campo elétrico (tomado ao longo de um caminho fechado, por-tanto), ou seja:
11.43 ε = ( ) ⋅∫ E r dr
Γ
Figura 11.8: A circulação do campo elétrico pode, ou não, ser nula.
232
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
11.5 Fluxo de um Campo VetorialUm dos conceitos mais importantes no eletromagnetismo é o de fluxo de um vetor através
de uma superfície. Em particular, a lei de Gauss da eletrostática e a lei da Indução - leis funda-
mentais do eletromagnetismo - fazem uso desse conceito.
Nos muitos usos que fazemos dessa grandeza, o fluxo de uma grandeza vetorial através de
uma superfície representa a taxa com que alguma grandeza física flui através da superfície
considerada. Como a taxa com que algo flui depende da orientação relativa da superfície e
aquele algo que flui, o fluxo depende do produto escalar entre um vetor normal (ou seja, per-
pendicular à superfície) e o vetor que representa a grandeza que flui. Depende também da ex-
tensão da área da superfície.
No caso da orientação, isso pode ser ilustrado considerando a Figura 11.9,
na qual representamos o fluxo de um fluido (água) através de uma superfí-
cie. Dependendo da orientação da superfície, nenhuma quantidade de fluido
(medido pela sua massa) atravessará a superfície. A quantidade máxima de
fluido que passa ocorre quando a superfície é perpendicular ao jato de água.
Definiremos o fluxo de um vetor começando por um caso simples.
Consideremos o caso de uma superfície plana de área S. Tal superfície é
caracterizada pelo vetor n, o qual é normal a ela, ou seja:
11.44
onde o plano é o lugar geométrico dos pontos do espaço para os quais a função W(x, y, z) dada por:
11.45
é constante.
Para a superfície acima podemos introduzir um vetor,
S, associado a ela. Esse vetor é definido
como o produto da área pelo vetor normal a ela, isto é:
11.46
Figura 11.9: Fluxo de uma grandeza vetorial ao longo de uma superfície fechada.
nW x y zW x y z
ai bj cka b c
=∇ ( )∇ ( )
=+ +
+ +
, ,, , 2 2 2
W x y z ax by cz d, ,( ) = + + +
S Sn=
233
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Consideremos agora o caso de um campo vetorial
V constante.
Definimos o fluxo do vetor
V através da superfície plana dada por
11.46, e de área S, como uma grandeza escalar definida pelo produto
11.47
onde θ é o ângulo entre o vetor
V e o vetor normal ao plano. É uma
medida da orientação do vetor
V em relação à superfície.
No caso mais geral em que a superfície não é plana e/ou o vetor
V não é constante, devemos
recorrer a um artifício. A ideia é subdividir a superfície em pequenos elementos de superfície.
Esses elementos de uma dada superfície serão designados ∆Si. A partir deles podemos introduz
vetores ∆
Si associados a cada elemento, de tal forma que, por definição:
11.48
onde ni é o vetor normal ao i-ésimo elemento de superfície.
Agora, para cada elemento de superfície localizada na posição rj podemos definir uma
contribuição para o f luxo do vetor, a qual será dada por:
11.49
Poderíamos, a seguir, definir o fluxo do vetor
V como o fluxo dado pela soma de todos os
fluxos associados aos fluxos definidos em 11.49, ou seja:
11.50
Figura 11.10: Fluxo de uma grandeza vetorial através de uma superfície.
Φ = ⋅ =
V S VS cosθ
∆ ∆
S S ni i i= ( )
∆Φ ∆ ∆i i i i i iV r S V r S= ( ) ⋅ = ( )
cosθ
Figura 11.11: Fluxo do vetor através de diferentes elementos de superfície da esfera.
Φ ∆Φ ∆ni
i
n
i ii
n
V r S= = ( ) ⋅= =∑ ∑
1 1
234
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
No entanto, a rigor, o fluxo do vetor
V através da superfície S é definido por meio do
processo limite:
11.51
O processo limite acima define o fluxo do vetor, o qual se escreve sob a forma de uma
integral de superfície definida como:
11.52
onde, no limite acima, fica implícito que o valor máximo de ∆
Si → 0 no limite em que n → ∞.
Na expressão 11.52, o vetor d
S é um vetor de superfície infinitesimal que depende da
superfície e do ponto considerado. Ele é escrito como:
11.53
É, portanto, perpendicular à superfície pelo ponto caracterizado pelo vetor posição r , e o
seu módulo é dado por
11.54
onde dS é o elemento de superfície infinitesimal, e S representa a superfície. No caso de uma
superfície fechada utilizamos a notação
11.55
O fluxo de alguns vetores através de superfícies dá a taxa de vazão de uma determinada
grandeza física, isto é, dá a taxa, por unidade de tempo, pela qual uma determinada grandeza
passa (ou flui) por uma determinada superfície. Exemplos de tais grandezas são a massa (por
unidade de tempo) de fluido que passa por uma superfície, a carga, a energia etc. Assim, temos,
Φ Φ ∆= = ( ) ⋅→∞ →∞
=∑lim lim
n
n
n i ii
n
V r S
1
Φ ∆= ( ) ⋅ = ( ) ⋅→∞
=∑ ∫∫lim
n i ii
n
S
V r S V r dS
1
dS dS n
= ( )
dS dS
=
( )s
V r dSΦ = ⋅∫∫
235
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
no caso do eletromagnetismo que o fluxo do vetor de Poynting (S) através de uma superfície
dá a taxa pela qual a energia eletromagnética passa pela superfície considerada. Escrevemos
11.56
enquanto o fluxo do vetor densidade de corrente através de uma
superfície dá a taxa pela qual a carga flui através dessa superfície:
11.57
Alguns campos vetoriais de interesse na física são tais que o fluxo
desses vetores através de uma superfície dá a taxa (por unidade de
tempo) pela qual alguma grandeza física (como massa, carga, energia,
calor) passa por essa superfície.
• ExEmplo 4Determine o fluxo de campo magnético uniforme dado por:
11.58
através de uma espira plana retangular e pertencente ao plano xy (veja Figura 11.13). Os lados da espira têm comprimentos a e b.
→ REsolução:O elemento de área no plano xy é dS = dxdy. Define-se o vetor elemento de área d
S como um vetor perpendicular ao elemento de área. Seu módulo é dS, ou seja, dS dSen
= onde en é o vetor
unitário na direção perpendicular à superfície. No caso em tela, a direção normal à superfície considerada é o eixo 0z, o que implica que
en =
k . Então, podemos escrever:
11.59
Substituindo-se
B e ds na expressão 11.55, temos:
11.60
Figura 11.12: A corrente elétrica é o fluxo da densidade de corrente ao longo de uma secção transversal do condutor.
Φ sA
S r dA dEdt
= ( ) ⋅ =∫∫
Φ JA
J r dA dQdt
= ( ) ⋅ =∫∫
Figura 11.13: Fluxo do campo magnético num elemento de superfície plana.
B B k= 0
dS dSk dxdyk
= =
Φ = ⋅( ) = ⋅( ) = ( ) ⋅( ) = ( )∫∫ ∫∫∫∫∫∫
B ds Bk dsk Bds k k BdsS SSS
,
236
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Substituindo ds = dxdy, o fluxo é obtido resolvendo-se uma integral dupla, cujo domínio é 0 ≤ y ≤ b e 0 ≤ x ≤ a, conforme indica a figura. Logo:
11.61
• ExEmplo 5A Figura 11.14 ilustra um campo magnético constante (módulo, direção e sentido) atravessando uma espira circular de área S, totalmente contida no plano. Determine o fluxo do campo magnético na espira.
→ REsolução:Nesse caso, a direção normal ao plano da espira difere da direção do campo magnético de um ângulo θ. A definição de produto escalar entre dois vetores nos leva a escrever
B ds B ds⋅ = . .cosθ. Portanto, Φ = ( ) =∫∫ ∫∫B ds B dsS S
. .cos .cosθ θ . Uma
vez que ds SS∫∫ = , o fluxo na espira é:
11.62
Observe que: 1. Quando as linhas de fluxo forem perpendiculares ao plano da área S, o ângulo θ = 0° e cos0° = 1
e o fluxo φ = B.A.cosθ. = B.A atinge o valor máximo.2. Quando as linhas de fluxo passarem tangencialmente ao plano da área S, o ângulo θ = 90°;
cos 90° = 0 e o fluxo φ = B.A.cos90°= 0 é nulo nesse caso.
• ExEmplo 6Expresse o fluxo do campo vetorial
11.63
Ao longo de uma superfície qualquer, em termos do conceito de ângulo sólido, determine o fluxo no caso de um ângulo sólido delimitado pela superfície de um cone de abertura θ = θ0.
→ REsolução:Considere uma região do espaço delimitada por uma superfície fechada e que tem origem num ponto. O ângulo sólido se refere a uma medida da abertura da superfície. É, portanto, uma generali-zação do conceito de ângulo para duas dimensões.
Φ = = =∫∫ Bdydx B a b B Sba
00
. . .
Figura 11.14: Fluxo do campo magnético numa espira circular contida num plano.
Φ = B S. .cosθ
E x y z k rr
, ,( ) = 3
237
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
Para calculá-lo, consideramos uma super-fície esférica de raio R. A intersecção da superfície acima referida leva a uma outra curva. O ângulo sólido é definido como igual à área subentendida pela curva divi-dida por R2, ou seja:
11.64
A melhor definição de ângulo sólido é obtida por meio do conceito de fluxo, ou seja, definimos o ângulo sólido por meio do fluxo do campo vetorial:
11.65
Lembrando que:
11.66
Assim, o ângulo sólido se escreve como:
11.67
Portanto, de 11.65, resulta que o fluxo do campo vetorial é dado por:
11.68
No caso da superfície do cone, o fluxo do é dado por:
11.69
Figura 11.15: Ângulo sólido é uma extensão tridimensional do conceito de ângulo.
Ω =AR2
Ω = ⋅
= ⋅( )∫∫ ∫∫
1 12 2rrrdS
re dS
Ar
A
dS r d d rrr d d er
= =2 2sen senθ θ ϕ θ θ ϕ
Figura 11.16: Ângulo sólido compreendido por um cone.
Ω = ∫∫ senθ θ ϕd dA
Φ Ω= ⋅
=∫∫ k r
rrdS k
A
12
Φ Ω= = = −∫ ∫k d dsen ( cos )θ θ ϕ π θθ π
0 0
2
0
0
2 1
238
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
11.6 Teorema de GaussPodemos relacionar o fluxo de uma grandeza vetorial ao longo de uma superfície fechada
com a taxa de variação do campo denominada divergente do campo vetorial. E isso pode ser
feito por meio do uso do teorema de Gauss.
Esse teorema estabelece uma relação simples entre a integral de volume do divergente de
um campo vetorial, ∇⋅ ( )
J r , e o fluxo desse vetor,
J r( ), sobre a superfície fechada que delimita
esse volume, isto é:
11.70
Tal teorema não será aqui demonstrado. Faremos, no entanto, algumas aplicações.
11.6.1 Lei de Gauss
Desde o trabalho pioneiro de Coulomb, sabe-se que uma distribuição de cargas dá origem
a um campo elétrico. A primeira lei se preocupa em estabelecer uma relação entre o campo
elétrico gerado e a distribuição de cargas que lhe dá origem. Tal relação envolve taxas de variação
do campo elétrico e é escrita como:
11.71
Essa é uma das quatro equações de Maxwell. Integrando-se no volume V, membro a membro,
a equação 11.71, obtemos:
11.72
O primeiro termo pode ser escrito, usando o teorema de Gauss, como o fluxo do campo
elétrico sobre a superfície que delimita o volume. O segundo termo da equação acima é a
carga elétrica contida no volume dividido por ε0. Obtemos, assim, uma relação entre o fluxo do
campo elétrico e a carga contida no volume considerado.
( ) ( )V s
J r dV J r dS∇⋅ = ⋅∫∫∫ ∫∫
( ) ( )0
,,
r tE r t
ρ∇ =
ε
( ) ( )3 3
0
1, ,V V
E r t d r r t d r∇ = ρε∫∫∫ ∫∫∫
239
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
11.73
ou seja, o fluxo do campo elétrico através de uma superfície S é igual, com exceção de uma cons-
tante de proporcionalidade, à carga elétrica contida na região delimitada por essa mesma superfície.
Essa lei, expressa em 11.73, é conhecida como lei de Gauss.
11.6.2 A Equação da Continuidade
Ilustraremos o uso do teorema de Gauss fazendo uso da equação da continuidade. Essa equação
exprime, de forma precisa, o conceito da conservação da carga elétrica.
A equação da continuidade se escreve assim:
11.74
Integrando-se ambos os membros e utilizando o teorema de Gauss, obtemos:
11.75
Uma forma de caracterizar a corrente elétrica é fazê-lo através de um vetor conhecido
como densidade de corrente. Se temos partículas carregadas numa certa região do espaço,
distribuidas com uma certa densidade volumétrica ρ(r) e se a velocidade dos elétrons em cada
ponto for v, a densidade de corrente
J r( ) é dada por:
11.76
ΦES
E ds Q≡ ⋅ =∫∫
ε0
Figura 11.17: Lei de Gauss no eletromagnetismo relaciona a carga elétrica contida num volume do espaço e o fluxo do campo elétrico ao longo de uma superfície que contém esse volume.
∇⋅ ( ) + ∂ ( )∂
=
J rrt
ρ0
( ) ( ), , 0S V
J r t dS r tt∂
⋅ + ρ =∂∫∫ ∫∫∫
J r r v( ) = ( )ρ
240
11 Integrais sobre Caminhos e Superfícies
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
O fluxo da densidade de corrente dá o quanto de cargas por unidade de tempo atravessa
uma superfície de área A, ou seja, o fluxo é a corrente elétrica que atravessa essa superfície:
11.77
A intensidade da corrente, medida usualmente em Ampères, é uma medida da quantidade de
elétrons que passam por uma certa superfície por unidade de tempo. Resumidamente, escrevemos
11.78
E, portanto, podemos escrever:
11.79
Consequentemente, a soma das cargas que saem mais
as cargas que ficam é constante no tempo, que é, em
última análise, a lei de conservação da carga elétrica.
11.7 Teorema de StokesO teorema de Stokes estabelece uma relação entre o fluxo do rotacional de um vetor e a
circulação do vetor sobre um caminho fechado que delimita a superfície,isto é:
11.80
A seguir faremos algumas aplicações.
i J dSA
= ⋅∫∫
Figura 11.18: A carga que sai, por unidade de tempo, pela superfície fechada é igual à taxa pela qual as cargas desaparecem no interior dessa superfície.
i dQdt
=
dQdt
dQdt
sai dentro+ = 0
( ) ( )S
B r dS B r dlΓ
∇× ⋅ = ⋅∫∫ ∫
Figura 11.19: O teorema de Stokes estabelece uma relação entre a circulação de um campo ao longo de um caminho e o fluxo do campo vetorial derivado do mesmo, ou seja, com o fluxo do rotacional do campo ao longo de uma superfície delimitada pelo caminho.
241
Fundamentos de Matemática II
Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2
11.8 Lei da Indução de FaradaySe uma determinada grandeza física mudar com o tempo, ela pode dar origem a uma outra
grandeza física? Ou seja, a variação de uma grandeza física pode induzir o surgimento de uma
outra grandeza?
No eletromagnetismo isso ocorre. A esse fenômeno damos o nome de indução. No eletromag-
netismo, a mera variação do campo magnético com o tempo dá origem (ou induz) a um campo
elétrico. Esse é um enunciado um tanto quanto impreciso da lei de Faraday. Essa lei é formulada de
uma maneira precisa, em termos quantitativos, utilizando fluxos de campos e integrais de caminho.
A lei de Faraday afirma que, se o campo magnético variar com o tempo (o mesmo ocorrendo
com o fluxo), então, a taxa de variação, com respeito ao tempo, do fluxo do campo magnético
através de uma superfície S é igual (com um sinal menos) à integral de caminho do campo
elétrico ao longo da curva Γ (fechada) que delimita a superfície aberta. Dentro do contexto da
formulação de Maxwell, uma formulação local das leis do eletromagnetismo, escrevemos:
11.81
11.82
onde o fluxo do campo magnético é determinado considerando-se uma superfície aberta, isto é:
11.83
Tal superfície é indeterminada, pois, a rigor, o resultado vale para qualquer superfície que
esteja delimitada pelo caminho Γ.
Por outro lado, o sentido do caminho Γ é determinado pela normal à superfície, ou seja,
devemos utilizar a regra da mão direita. Assim, se os dedos apontarem na direção normal à
superfície, o caminho será orientado no sentido do polegar.
∇× ( ) = − ∂ ( )∂
E r tB r tt
,,
BdE dldtΓ
Φ⋅ = −∫
ΦBS
B ds≡ ⋅∫∫
Agora é a sua vez...Continue explorando os recursos de aprendizagem disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem e realize a(s) atividade(s) proposta(s).