Instruções sociais de processos, sentenças e decisões

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    Instrues sociais de processos, sentenas e decises

    Eunice Teresinha Fvero1

    Introduo

    Instrues sociais de processos, sentenas e decises so aqui pensadasenquanto instrues da rea de Servio Social em processos judiciais processos nosquais decises e sentenas, na maioria das vezes, determinam mudanas de histriasde vida. Esse o foco do contedo aqui apresentado. Conhecer essa temtica implicaestabelecer um dilogo com o referencial terico-metodolgico e tico do ServioSocial. Qual o conhecimento pertinente a essa rea de trabalho e os fundamentosticos que o direcionam? Como esse conhecimento e essa postura tica tm-secolocado na interveno cotidiana no mbito das aes judiciais? Qual a dinmicade uma ao processual e com que base de conhecimentos o magistrado toma umadeciso e profere uma sentena na Justia da Infncia e Juventude, Justia da

    Famlia, Justia Criminal enquanto reas nas quais mais comumente a atuao doassistente social solicitada? Em sntese, quais so as instrues da rea do ServioSocial que fundamentam a ao e a deciso processuais?

    A realidade socioeconmica e cultural dos sujeitos que se tornam personagens ou partes das aes processuais a base sobre a qual a instruo social seapresenta. Assim, desvelar a realidade social em suas conexes e determinaesmais amplas e em suas expresses particularizadas no dia a dia de crianas,adolescentes, adultos, mes, pais, famlias envolvidos nessas aes, interpret-la como apoio de conhecimentos cientficos pertinentes rea e tomar uma posio do pontovista do Servio Social portanto, de um ponto de vista fundamentado terica eeticamente apresenta-se como contedo central da instruo. Isso significa

    considerar que a instruo social se d com base na construo do conhecimento dasituao que se apresenta como objeto de uma ao judicial, articulada aoconhecimento acumulado pela cincia, que vai balizar e referendar uma ao e umaanlise competente do ponto de vista profissional. Nesse processo de trabalho, oestudo social e/ou sua traduo, em alguns espaos do campo sociojurdico, comopercia social tornam-se procedimento essencial.

    Instruo processual e instruo social particularidades do tema

    A instruo social faz parte da instruo processual, ou seja, conhecimentos

    da rea de Servio Social, registrados em um informe, um relatrio, um laudo ou umparecer, servem de referncia ou prova documental que vai contribuir para formar oprocesso, para informar a ao sobre a qual o magistrado decide.

    Segundo Ferreira (1986), instruo traduz-se por transmisso deconhecimentos, informao ou explicao que se d com vistas em uma finalidade. Nombito jurdico, sua definio relaciona-se a pr (um processo, uma causa etc.) emestado de ser julgado ou anexar a (uma petio apresentada em juzo) documentoscomprobatrios das alegaes nela feitas.

    O processo refere-se ao conjunto de peas que documentam o exerccio daatividade jurisdicional em um caso concreto, isto , o conjunto dos documentos,denominados usualmente de provas, que constituem os autos processuais. Essas

    provas so obtidas de diversas maneiras e geralmente so constitudas por1Assistente Social do TJSP; doutora em Servio Social; professora da UNICSUL SP.

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    documentos que as pessoas envolvidas juntam ao processo (prova documental),diretamente ou por meio de advogado a depender da instncia onde tramita a ao;testemunhos recolhidos, via de regra, por determinao judicial, podendo acontecerem audincia ou em outros locais, se necessrio (prova testemunhal), ou por meio depercia (prova pericial), que produzida por profissional detentor de conhecimentosespecializados de uma determinada rea do saber, os quais possibilitam elementos deinformao e de explicao da situao, de maneira a subsidiar o magistrado natomada de uma deciso e/ou no proferimento de uma sentena. Essas possibilidadesde provas e seus trmites so previstos no Cdigo de Processo Civil2.

    A deciso em relao a uma situao processual e/ou sentena, que decompetncia do magistrado, relaciona-se ao julgamento e ao veredicto, comousualmente se diz no meio jurdico.

    O ato de julgar, de decidir, no mbito jurisdicional, deve basear-se emfundamentao (dada pelas provas) que possibilite a aplicao da justia. As esferasjudiciais que mais comumente recorrem aos conhecimentos acumulados pelo ServioSocial so a Infncia e Juventude, a Famlia e a Criminal. Embora os julgamentos,

    decises e sentenas devam manter relao com uma base legal que propicie aaplicao da justia, a ao profissional especializada em uma rea do conhecimentoe a ao judicial deparam-se com particularidades, nem sempre possveis de seremenquadradas nos limites da positividade da legislao, em virtude da complexidade darealidade social. Considerar que a realidade contempla vrias e amplas possibilidadesde explicao dentre as quais aquelas relacionadas aos direitos fundamentais esociais atitude necessria a uma instruo processual.

    A construo do conhecimento na rea do Servio Social acerca de umasituao processual acontece geralmente por meio do estudo social. No meioJudicirio, o estudo social, com a finalidade de oferecer elementos para a decisojudicial, pode ser denominado percia social, isto , o juiz solicita e nomeia um perito,que um profissional com conhecimento especializado na rea nesse caso,graduado em Servio Social para a realizao da percia social, de maneira acontribuir como suporte deciso que ir tomar. O profissional poder registrar esseconhecimento por meio de alguns documentos, entre eles, a informao tcnica, orelatrio, o laudo e o parecer, documentao essa objeto de detalhamento mais frente.

    Realidade social fundamentos para a instruo social

    O que particulariza a instruo em Servio Social em cada situao ou aoprocessual?

    Para essa reflexo, fundamental ter clareza de qual o objeto deconhecimento do Servio Social em uma determinada demanda que chega para oassistente social trata-se de um objeto delimitado por ele, ainda que relacionado speculiaridades socioinstitucionais, tal como as demais especificidades eparticularidades do trabalho profissional.

    delimitao do objeto vinculam-se as etapas relacionadas aos objetivos efinalidades do conhecimento que se busca, ou seja, por qu e para qu esseconhecimento necessrio. Tais objetivos e finalidades devem observar o ponto devista profissional, relacionados ao projeto tico-poltico e terico-metodolgico daprofisso.

    2Conferir, a respeito, Dal Pizzol (2005, p. 21-23), quanto aos aspectos legais e doutrinrios do estudosocial e percia social no mbito do Judicirio.

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    Em conjunto com esses componentes da ao, define-se a metodologiaoperativa: como conhecer, como agir, como informar, como documentar, para o que solicitado o domnio dos instrumentais tcnico-operativos. Essa operacionalizao searticula com o instrumento essencial da ao, que o domnio do conhecimentoterico e tico que direciona a profisso.

    imprescindvel considerar que o caso em estudo no um caso, ou seja,ele tem sua condio singular, todavia a sua construo social, histrica, cultural. Asinfluncias familiares, os condicionantes culturais, as determinaes sociaisrelacionadas ao mundo do trabalho, s polticas sociais, ao territrio onde vive,particularizam-se em sua histria e explicam sua condio presente.

    Quando se fala em aspectos sociais de uma instruo processual, fala-se doconhecimento relacionado rea de Servio Social acerca de uma situao concreta,envolvendo um indivduo social, uma famlia, um grupo, uma organizao. Osfundamentos da rea de Servio Social que podem dar suporte deciso judicialesto postos na realidade social. Esto nos acontecimentos e nas relaes sociais,econmicas, polticas, familiares, culturais, construdas historicamente pelo movimento

    das foras sociais que provocam avanos ou recuos no caminho emancipatrio dahumanidade.

    Assim, ao acolher um indivduo ou uma famlia para uma entrevista quecompe os procedimentos tcnicos para a construo do estudo social , o assistentesocial se depara com uma situao que lhe revelada, no primeiro momento, em suaexpresso imediata. Ele vai saber, por exemplo, que aconteceu um ato de violncia(fsica, sexual, psicolgica etc.) de um adulto (pai, me ou outros) contra uma crianaou um adolescente ou um ato expresso como violncia de gnero; vai saber que umame e/ou um pai abandonou uma criana ou, ento, vai se deparar com a entrega deuma criana para abrigamento ou para adoo, mediante alegao de impossibilidadematerial para cuidar dela ou tambm em razo da ausncia de afetividade e de desejode cuidar dela; vai encontrar um indivduo ou um casal que pretende inscrever-se paraadoo ou que j est cuidando de uma criana ou adolescente e pretende efetivar aadoo; vai se deparar com um adolescente que praticou um furto, um roubo, umhomicdio; vai se defrontar com uma me cumprindo pena de privao de liberdade eque necessita entregar o filho nascido na priso para outra pessoa cuidar, haja vista alimitao do tempo de permanncia da criana em sua companhia no presdio(geralmente vinculado ao perodo mnimo de amamentao).

    Tambm vai encontrar um adulto que praticou furto, sequestro, homicdio aqueles que participaram de crimes considerados leves e/ou primrios at aquelesenvolvidos no crime organizado, com alto grau de violncia; vai se deparar com umidoso que depende de auxlio previdencirio para sobreviver ou que est em estado deabandono familiar; vai encontrar uma me e um pai ou outros familiares que disputam

    a guarda de uma criana ou adolescente (inclusive a disputa com base emargumentos relacionados proteo e a cuidados (in)adequados at aquela que serelaciona possibilidade de recebimento de benefcios de programa de transfernciade renda ou auxlio previdencirio, cada qual com sua aparente dose de razo). Enfim,essas e tantas outras situaes expressas em um primeiro momento, em suaimediaticidade, requerem do assistente social a capacidade de conhec-las comprofundidade, ou seja, a capacidade de recuperao de sua construo histrica emuma perspectiva crtica, a capacidade de identificao da complexidade da realidadesocioeconmica-cultural na qual se inserem no presente, a fim de analis-las einterpret-las.

    Quando o Judicirio solicita ao assistente social um estudo a respeito de

    sujeitos envolvidos em situaes dessa natureza, est implcito o objetivo institucionalde recolher elementos que possam contribuir para que o magistrado forme um juzo

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    sobre o caso e tome uma deciso justa a respeito. Esses elementos esperados darea de Servio Social se relacionam, portanto, a um saber acumulado pela cincia eque deve ser de domnio do assistente social. Um saber que remonta ao referencialterico que ilumina a ao, ao saber acumulado pela experincia em articulao comesse referencial, ao domnio do conhecimento legal e das particularidadesinstitucionais necessrias ao encaminhamento da ao.

    Assim, ao se falar da realidade social na qual situaes ou acontecimentoscomo os que foram mencionados se expressam, torna-se necessrio conhecer osdeterminantes socioeconmicos-culturais que a compem e que necessariamente secolocam e se articulam em mbito mais amplo e na localidade onde os sujeitos viveme interagem. Esses determinantes so, na maioria das situaes, constitutivos daquesto social formulada pelas relaes estabelecidas por uma sociedade de classes,extremamente desigual.

    Como se configura essa realidade social, se pensada em termos nacionais, emtermos do territrio onde os sujeitos vivem, em termos de suas famlias?

    Na sociedade em que vivemos, o trabalho e os rendimentos por ele propiciados

    esto na base da garantia de relativa autonomia dos sujeitos, isto , por meio da rendaauferida pelo trabalho, os sujeitos e/ou a sua famlia deveriam ter a possibilidade de semanter com dignidade. Manter-se com dignidade significa alimentar-se, vestir-se,abrigar-se em habitao adequada, ter acesso ao lazer, ao transporte, sade, educao, previdncia3.

    Para dizer da situao de trabalho do(s) sujeito(s), no basta dizer se algumest ou no trabalhando. Necessrias so a contextualizao e a interpretao de suarealidade, bem como do significado do trabalho para aquele sujeito particular, noterritrio onde se insere, no Estado e no pas onde vive e suas conexes com apoltica e a economia mundiais. Isso no significa afirmar que cada estudo social oupercia social deva resultar em uma tese; tal operacionalizao, com essa base de

    fundamentos, torna-se impraticvel em um cotidiano de trabalho tenso que, muitasvezes, exige intervenes emergenciais, em condies de trabalho por vezesinadequadas e, no raro, com salrios insuficientes para dar conta de uma formaocontinuada. O que se quer ressaltar com a afirmao precedente que importantemanter vivo o exerccio da criatividade e realizar uma permanente atualizao emtermos do movimento da realidade social, o que hoje pode ocorrer, por exemplo, viaacesso a muitos endereos eletrnicos disponveis na Internet ou por meio de gruposde estudos entre colegas reunidos para estudo e debates em torno de temticascomuns a partir de textos, filmes, estudos de casos, estudos de resolues ouplanos pertinentes ao cotidiano de trabalho etc.

    Significa, por exemplo, levar em conta que so inerentes ao exerccio daprofisso o conhecimento e a interpretao da realidade do mundo do trabalho. Essarealidade vem passando por grandes transformaes nos ltimos anos, em termos detecnologias, de relaes e de regulamentaes trabalhistas, atingindo todos ostrabalhadores e mais diretamente aqueles que no tiveram ou no tm acesso a umaeducao formal de qualidade, a uma qualificao profissional conectada aos avanos

    3De acordo com o Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Socioeconmicos (Dieese), paraque o trabalhador brasileiro pudesse manter a famlia com dignidade, dependeria hoje de um salriomnimo necessrio no valor de R$ 1.994,82, considerando uma famlia composta por dois adultos e duascrianas. Conforme o Dieese, o salrio mnimo necessrio o salrio mnimo de acordo com o preceitoconstitucional: salrio mnimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender s suasnecessidades vitais bsicas e s de sua famlia, como moradia, alimentao, educao, sade, lazer,vesturio, higiene, transporte e previdncia social, reajustado periodicamente, de modo a preservar opoder aquisitivo, vedada sua vinculao para qualquer fim (Constituio da Repblica Federativa do

    Brasil, captulo II, Dos Direitos Sociais, artigo 7, inciso IV). O salrio mnimo nominal ou vigente deR$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais). Fonte consultada disponvel em:http://www.dieese.org.br. Acesso em: 31 set.. 2009.

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    A clareza terica e o bom senso para discernir qual a finalidade da instruo que pode diferir de processo para processo so essenciais para a base defundamentao. Assim, para um estudo relacionado a abrigamento de criana e/ouadolescente em razo de precariedade material ou reviso do Benefcio da PrestaoContinuada (BPC) para uma pessoa idosa, informaes como as indicadas sofundamentais. Ao se trabalhar com uma demanda de disputa e regulamentao deguarda de filho por parte de uma famlia de classe mdia ou mesmo de mdia-alta, oconhecimento das condies econmicas importante e de competncia doassistente social, mas a relao com o mnimo necessrio para a vida com dignidadeno obrigatoriamente item fundamental exceto no que se refere a possveisindicativos para a fixao de penso alimentcia, por exemplo.

    Quando se fala em fundamentos e base terica, no se est falando de algoabstrato, fora da realidade e da possibilidade de efetivao. Fala-se de informaes descritas e interpretadas com base na dinmica da realidade social, poltica,econmica e cultural, de maneira a provocar aes cotidianas que garantam eefetivem direitos.

    Assim, ao desenvolver um estudo social e registr-lo em documento pertinente,informaes como as descritas do suporte sua fundamentao. essafundamentao que pode fornecer elementos para que o magistrado forme seu juzo,de maneira a poder tomar uma deciso justa. Se a deciso judicial for consideradapelos envolvidos como injusta, ao no levar em conta, por exemplo, informaesrelevantes contidas no registro do estudo social, ela poder ser questionada por meiode recurso a instncia superior, com suporte, entre outros, nesse estudo.

    A fundamentao se reporta a direitos sociais constitucionalmente previstos,muitos deles consolidados ou em vias de consolidao em legislao especfica.Assim, conhecer o Estatuto da Criana e do Adolescente, a Lei Orgnica daAssistncia Social, o Estatuto do Idoso, a Poltica de Seguridade Social, o Cdigo Civil especialmente os artigos relativos famlia , a Lei de Execuo Penal, porexemplo, insere-se nos fundamentos necessrios que o assistente social devedominar para o exerccio de suas competncias. No para informar ao defensor, aoMinistrio Pblico ou ao magistrado o que diz a lei cujo domnio uma de suascompetncias, mas para oferecer elementos que possibilitem a transmisso adequadada mensagem, demonstrando que os dados da realidade se conectam ou secontradizem no tocante lei. Isso no significa que o profissional deve ater-se aoestrito legalismo o qual, se tomado em sua positividade, pode at, dependendo dainterpretao, dificultar a garantia e/ou efetivao de direitos. Mas, sim, que ele devefazer uso do que a legislao brasileira avanou em termos de possibilidades(explcitas e implcitas), no que se refere aos direitos humanos e sociais, de maneira agarantir a dignidade humana. Conforme Comparato5,

    a finalidade ltima do ato de julgar consiste em fazer justia, no em aplicarcegamente as normas do direito positivo. Ora, a justia, como advertiu asabedoria clssica, consiste em dar a cada um o que seu. O que pertenceessencialmente a cada indivduo, pela sua prpria natureza, a dignidadede pessoa humana, supremo valor tico. Uma deciso judicial que negue,no caso concreto, a dignidade humana imoral e, portanto, juridicamenteinsustentvel.

    Nesse sentido, acompanhar e estar informado de resolues e planosaprovados pelos Conselhos de Direitos, nas trs esferas de governo, manter-se

    5Disponvel em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato. Acesso em: 20 fev. 2007.

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    atualizado sobre contedos de planos, projetos de lei e leis, relacionados ao trabalhocotidiano, fundamental para a instruo social processual. Por exemplo, emdezembro de 2006, foi aprovado pelo CONANDA e pelo CNAS o Plano Nacional dePromoo, Proteo e Defesa do Direito de Crianas e Adolescentes ConvivnciaFamiliar e Comunitria6, cujas aes previstas envolvem o trabalho do assistentesocial na Justia da Infncia e Juventude, nos abrigos, no trabalho de adoo etc. Foiaprovada em 2008 a Lei 11.698 que estabelece a guarda compartilhada de filhos7, oque significa que o seu compartilhamento tornou-se um direito do filho e dos pais8, eno uma opo ou resultado de um processo de mediao familiar ou de conciliao9.Em 2006 foi aprovada a Lei Maria da Penha10, por meio da qual todo caso de violnciadomstica contra a mulher passa a ser considerado crime. Os registros de agressoiro gerar inquritos policiais e os julgamentos dar-se-o nos Juizados Especializadosde Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher ou nas Varas Criminais at quesejam criados os juizados especficos. Para a instruo dos processos, o juiz podervaler-se de avaliaes realizadas por profissional especializado. Em 2006 tambm foiinstitudo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), por meio doqual se pretende priorizar as medidas socioeducativas em meio aberto (prestao de

    servio comunidade e liberdade assistida) no atendimento a adolescente em conflitocom a lei, em detrimento das restritivas da liberdade (semiliberdade e internao emestabelecimento educacional, a serem usadas em carter de excepcionalidade ebrevidade).

    Em termos de polticas sociais, no Brasil, h uma poltica de educao e desade de carter universal, mas com condies de acesso precrio em muitos locaisdo pas, existindo tanto cidades com compromisso poltico e econmico deatendimento digno no que se refere a essas polticas como aquelas a maioria, narealidade brasileira cujo acesso a servios pblicos de sade e educao extremamente deficitrio. A Poltica Nacional de Assistncia Social, que tem comoprincipal funo a proteo social, a ser operacionalizada pelo Sistema nico deAssistncia Social (SUAS), prev nveis de proteo bsica e especial, inserindo-senesta ltima as situaes de mdia complexidade e de alta complexidade 11, com as

    6 Plano que enumera uma srie de objetivos relacionados efetivao da convivncia familiar ecomunitria, sendo o primeiro deles: Ampliar, articular e integrar as diversas polticas, programas,projetos, servios e aes de apoio scio-familiar para a promoo, proteo e defesa do direito decrianas e adolescentes convivncia familiar e comunitria.7Segundo Brito (2004, p. 356), a guarda compartilhada ou conjunta no significa uma diviso estrita dashoras que a criana passa com cada genitor dispositivo denominado como guarda alternada. No modelode guarda conjunta, apesar de a criana residir com um dos pais, deve-se garantir uma convivnciaampliada com ambos os genitores, responsveis pela educao das crianas. Se durante a vigncia daunio conjugal os filhos representam cuidados e responsabilidades que devem ser compartilhados, aps

    a separao, o que se reconfigura o estado referente conjugalidade, e no parentalidade.

    8 Exceto, evidentemente, para casos de comprovada incapacidade ou inadequao de pai ou mepermanecer com o filho.9O que no significa que com a aprovao da lei esses procedimentos foram excludos, ao contrrio,podero facilitar o processo de dilogo, de compreenso e de estabelecimento de bases para ocompartilhamento da guarda.10Lei Federal n 11.340/2006, que, de acordo com seu artigo 1, cria mecanismos para coibir e prevenir aviolncia domstica e familiar contra a mulher, nos termos do 8odo art. 226 da Constituio Federal, daConveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Violncia contra a Mulher, da ConvenoInteramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher e de outros tratadosinternacionais ratificados pela Repblica Federativa do Brasil; dispe sobre a criao dos Juizados deViolncia Domstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistncia e proteo smulheres em situao de violncia domstica e familiar.11 Nas de mdia complexidade, encontram-se os cidados e famlias com vivncia de negligncia,abandono, ameaa, maus-tratos, violaes, discriminaes sociais e medidas socioeducativas. Nas de

    alta complexidade encontram-se as famlias e os indivduos que esto sem referncia e/ou em situaode ameaa, necessitando de aes protetivas especiais temporrias, fora de seu ncleo familiar ecomunitrio. NOB SUAS/2005.

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    quais o assistente social se depara no cotidiano de trabalho, em variadas reas deatuao, entre elas, as situadas no campo sociojurdico.

    necessrio refletir sobre o fato de que o estudo realizado envolve sereshumanos que vivem em condies objetivas, as quais afetam sua subjetividade e sopor ela afetadas. O assistente social tambm tem sua subjetividade afetada nessas

    relaes de trabalho. Nesse sentido, o conhecimento cientfico e a reflexo tica sofundamentais para a posio que o profissional assume nas relaes com os sujeitose nos registros e pareceres que emite. Assim, no cotidiano de trabalho, lida comsujeitos que mantm ou mantiveram relaes familiares com diversas realidades econfiguraes. Falar de famlia e de relaes familiares faz parte da maioria dasinstrues sociais processuais realizadas pelo assistente social. Como realizar umestudo social a partir da situao de um adolescente em conflito com a lei sem saberde sua histria de vida12, de seu processo de socializao13, de suas relaesfamiliares ao longo de sua existncia e naquele momento da interveno?

    Elaborar instrues processuais sobre a realidade familiar exige capacitao einformao a respeito da realidade e da diversidade das famlias na

    contemporaneidade: das tantas famlias chefiadas por mulheres, muitas delas avs; docrescente mesmo que ainda no to expressivo nmero de homens chefiandofamlias sozinhos; das unies consensuais sem vnculo legal, das unieshomoafetivas, das famlias extensas, das famlias unidas por laos consanguneos edas famlias unidas por laos de afetividade etc. Da circulao de crianas, decorrentede elementos culturais ou enquanto estratgia de sobrevivncia14; do desenraizamentofamiliar provocado por separaes, distncias geogrficas, migraes etc.

    Esse trabalho implica a busca de condies para estabelecer distanciamentoou para rever concepes com as quais nos colocamos individualmente em relao nossa prpria famlia ou s relaes familiares em geral, a fim de conhecerefetivamente essa outra famlia, que pode ter uma constituio e uma concepo poropo ou por contingncia opostas concepo pessoal do profissional.

    Vale aqui registrar a fala de Sarti (2003, p. 34-35) a respeito de famlias epolticas sociais, para fazer um paralelo em relao ao trabalho com famlias no mbitoda instruo social processual. Essa autora diz que refletir sobre famlias e pensar aspolticas sociais a elas direcionadas implica pensar a relao entre si e o outro.Nesse caso, afirma que entram em jogo duas ordens de questes:

    ...de um lado, a idealizao da famlia, projetada num dever ser (e daprpria afetividade como um mundo que exclui o conflito); de outro, est aidealizao de si, por parte dos profissionais, expressa na tendncia aatribuir-se exclusivamente um saber, com base em sua formao tcnica, enegar que a famlia assistida tenha um saber sobre si prpria.

    Ouve-se o discurso das famlias como ignorncia, negando que este possaser levado em conta como um dilogo entre pontos de vista. Essa tendncia desqualificao do outro ser tanto mais forte quanto mais a famliaassistida pertencer aos estratos mais baixos da hierarquia, reproduzindo osmecanismos que instituem a desigualdade social.

    12Histria de vida no enquanto uma histria linear e cronolgica, mas, sim, uma histria forjada em umarealidade mediada por fatores objetivos e subjetivos que condicionaram sua realidade e/ou sua condiohoje.13 Sobre processo de socializao, conferir BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construo social darealidade.Trad. F. A. Fernandes. Petrpolis: Vozes, 1985.14 Fonseca (1995) trata do tema circulao de crianas como parte da realidade cultural, no livroCaminhos da adoo. No estudo Questo social e perda do poder familiar (Fvero, 2007), versoatualizada do livro Rompimento dos vnculos do ptrio poder, Fvero (2001) fala da entrega de filhos aoutros enquanto estratgia de sobrevivncia.

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    dificuldade que o tema da famlia apresenta, por sua forte identificaocomo nossas prprias referncias e pelo esforo de estranhamento que aaproximao ao outro exige, soma-se o problema do estatuto queatribumos ao nosso prprio discurso e, consequentemente, ao discurso dooutro.

    Considerar o ponto de vista alheio envolve o confronto com o nosso pontode vista pessoal, o que significa romper com o estatuto de verdade que osprofissionais, tcnicos e pesquisadores, tendem a atribuir a seu saber. Esseestranhamento permite relativizar seu lugar e pens-lo como um entreoutros discursos legtimos, ainda que enunciados de lugares socialmentedesiguais.

    Nesse sentido, a reflexo tica se apresenta como essencial no exerccioprofissional que projeta uma direo social comprometida com a liberdade, ademocracia, a efetivao de direitos humanos e sociais, a emancipao humana.

    tica: apontamentos para pensar a instruo social

    Como pensar a tica que envolve valores em relao ao conhecimento defatos objetivos que a lei e o sistema Judicirio tm como objeto de julgamento, dedecises, de anlises?

    Conforme Lyons (1990, p.6),os fatos podem ser observados, ou ao menoseles podem ser verificados por tcnicas empricas. Mas os valores (diz-se) nodescrevem o mundo; eles expressam nossos desejos, esperanas, vontades, atitudese preferncias.

    O dilogo com o(s) sujeito(s) envolvido(s) na ao judicial, isento de conceitos

    estabelecidos a priori, essencial no trabalho do assistente social. A conscincia deque o saber que acumula enquanto especialista, se cristalizado, aumenta o risco deno considerar o saber do outro, os significados atribudos pelo outro a partir de suarealidade, exige um exerccio tico inerente ao esforo e ao dever de isolamento dopreconceito, da banalizao da vida humana, do risco da imerso total nas atividadese exigncias postas no cotidiano sem levar em conta o necessrio distanciamentopara a reflexo terica, para a reflexo tica, para a efetiva ao em conexo com acompetncia tcnica, tica e poltica.

    Konder (2002, p. 66), em estudos sobre o pensamento de Lukcs, aponta que,para esse autor, a imerso na cotidianidade inevitvel aos indivduos: em razo dasnecessrias simplificaes e generalizaes s quais eles recorrem no dia a dia; a

    dimenso tericada conscincia deles obrigada a autolimitar-se, em funo de umaentrega inevitvel do esprito s mltiplas demandas de constantes adaptaes eaes prticas imediatas.

    O mesmo autor observa que essa conscincia cotidiana complexa econtraditria: ela necessita, de um lado, simplificar seus critrios e suas motivaes,sob o signo do imediato e, de outro, ela se serve da linguagem, isto , de umsistema cheio de mediaescomplicadas. O conhecimento cientfico (e tambm ofilosfico e o artstico, conforme Lukcs) enriquece a compreenso do mundo e de siprprio por parte do ser humano, possibilitando, assim, a superao dos limites daconscincia cotidiana e, por consequncia, a efetivao de transformaeshistricas (KONDER, op. cit., p. 66).

    Assim, ainda que o profissional esteja necessariamente inserido nacotidianidade, o grande desafio que tem pela frente relaciona-se possibilidade de

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    estabelecer algum distanciamento e desenvolver a reflexo crtica sobre ela, ainvestigao cientfica a respeito das situaes com as quais ele se depara no dia adia da interveno. A criatividade e a curiosidade em busca de novas respostas enovas maneiras de agir so elementos que podem impulsionar transformaes, o queexige ultrapassar o imediato, ou a aparncia dos dados empricos.

    Fazer o exerccio da aproximao necessria e inevitvel ao cotidiano, aoimediato colocado no dia a dia da interveno profissional, e do distanciamento, parapensar os dados empricos a partir de referenciais tericos e valorativos contidos noprojeto da profisso, o que pode possibilitar o conhecimento dessa realidade, orespeito aos saberes e diversidade revelados nessas situaes, e a anliseconectada com a competncia profissional.

    A interveno do Poder Judicirio junto aos indivduos, famlias e grupossociais, requer uma anlise enquanto interveno do Estado na famlia. Umainterveno que apresenta riscos e dificuldades, especialmente no que se refere aoestabelecimento de limites entre o direito proteo e o direito privacidade, porexemplo. Que ao realizar e como empreend-la, de maneira a contribuir com a

    proteo como direito, e no como insero na vida privada do sujeito ou da famlia,enquanto detentor de um saber-poder direcionado pelo autoritarismo, pelopreconceito, pelo controle de comportamentos e atitudes?

    Mioto (2004, p. 50) estabelece relao com a idia de proteo subjacente interveno junto populao em outros espaos de trabalho no mbito do PoderPblico, ou que executam programas a ele vinculados, e afirma que o direito privacidade e o direito proteo pelo Estado so colocados em choque nocotidiano da interveno com famlias, pois esse ltimo, ao mesmo tempo que fornecerecursos e sustentao s famlias, movimenta estratgias de controle. Umasituao que se torna mais complicada quando se observa que a permeabilidade doslimites da privacidade familiar diretamente proporcional vulnerabilidade social, namedida em que a famlia pobre est mais sujeita a visitas domiciliares em situaesque envolvem suspeitas de violncia, por exemplo, do que famlias que, em razo desua condio social diferenciada, conseguem manter sua privacidade, solucionandosuas violncias sem torn-las pblicas.

    Considerando que, especialmente na Justia da Infncia e Juventude e cadavez de maneira mais frequente na Justia da Famlia e das Sucesses, a famliaatendida se coloca, da tica do Estado e dos demais prestadores de servios, entreaquelas que historicamente tm sido incapazes de suprir suas necessidades e cuidarde seus membros, como instruir processos do ponto de vista social, considerando-asenquanto sujeitos sociais e polticos, deixando de focalizar suas demandas tosomente enquanto demandas decorrentes de problemas individuais? Como faz-lo,deixando de centrar a ateno do trabalho em indivduos-problema, como a criana,

    o adolescente, a mulher, o idoso, a partir de situaes especficas, tais como adoena, a delinquncia, o abandono, os maus-tratos, a explorao, de maneira alevar em conta os processos relacionais como um todo? (MIOTO, 2004, p. 55).

    Quando realiza um estudo social, o profissional estabelece relaes comsujeitos histricos, que vivem situaes concretas, construdas socialmente. Se eleparte do pressuposto de que nesse estudo deve considerar a dimenso do trabalho,da famlia, das polticas sociais, da cultura etc., necessria a reflexo sobre osignificado dessas dimenses e as relaes que as determinam, inseridas natotalidade do mundo social.

    Falar, portanto, de trabalho, de famlia, de polticas sociais, de territrio, decultura, localizar nas relaes que os sujeitos mantm com essas dimenses da

    realidade o objeto de sua ao, exige o conhecimento e a crtica permanente dessarealidade. Se, por exemplo, aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e

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    educao dos filhos menores...15, quais so as condies sociais internas eexternas vida familiar para que os pais cumpram esses deveres? E se no o estocumprindo, quais as explicaes a serem dadas? possvel levantar informaes queindiquem que tal descumprimento resultado de negligncia? Ou constatar que ascondies materiais de existncia para uma vida com dignidade esto aqum de suaspossibilidades concretas de acesso, pelas determinaes conjunturais e estruturaisdadas pela sociedade desigual onde vivem? E como o Poder Pblico est aparelhadoem termos de polticas e programas sociais para o cumprimento desse dever?16

    Esse exerccio permanente de investigao da realidade um deverprofissional, em direo superao de preconceitos, superao de um saber apriori, para a valorizao e no a desqualificao ou autodesqualificao dotrabalho profissional.

    Instrumentos tcnico-operativos: fundamentos para a instruo social

    O Servio Social constitui-se pelas dimenses tico-poltica (poder), terico-

    metodolgica (saber) e tcnico-operativa (fazer), as quais interagem enquantomediaes da prtica profissional, em diferentes espaos sociocupacionais(MARTINELLI, 2005). As trs dimenses caracterizam e fundamentam a intervenonesses espaos e a elas se somam os conhecimentos relativos s particularidades es especificidades de cada rea de interveno.

    Os documentos que integram um processo judicial, como relatrios, laudos epareceres sociais, so registros reveladores dessas dimenses, as quais sodocumentadas em sua objetividade, mas tambm revelam traos da subjetividade dossujeitos.

    A partir de demandas objetivadas em aes de separao litigiosae disputa daguarda de filhos inclusive para acesso a benefcios assistenciais, destituio do

    poder familiar, adoo, abrigamento de crianas e adolescentes, aplicao de medidassocioeducativas a adolescentes em conflito com a lei, crime de violncia domsticacontra criana, adolescente, mulher, violncia urbana, aplicao da lei de execuopenal, concesso e/ou reviso de BPC etc. , o assistente social desenvolve trabalhosque podem incluir orientao, articulaes e encaminhamentos rede social, contatose entrevistas com membros da rede familiar, articulaes com organizaes de defesade direitos e de controle social, programas de mediao familiar, entre outros.Contudo, a solicitao institucional mais comum rea de Servio Social17diz respeitoaos subsdios para a deciso judicial, os quais, via de regra, so colhidos, organizadose analisados por meio do estudo social, que pode ser efetivado ora de maneira maisaprofundada, ora mais brevemente, dependendo da demanda e da necessidadeapresentadas.

    15Artigo 22, Lei n 8.069/1990, ECA.16O artigo 23 do ECA (Lei n 8.069/1990) dispe que A falta ou a carncia de recursos materiais noconstitui motivo suficiente para a perda ou a suspenso do ptrio poder [leia-se poder familiar atualCdigo Civil]. E completa, em pargrafo nico: No existindo outro motivo que por si s autorize adecretao da medida, a criana ou o adolescente ser mantido em sua famlia de origem, a qual dever

    obrigatoriamente ser includa em programas oficiais de auxlio.17 Bem como rea da Psicologia, com a qual o Servio Social atua interdisciplinarmente em muitosdesses espaos de trabalho.

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    Estudo social e percia social

    O estudo social um processo de trabalho de competncia do assistentesocial18. Tem como finalidade conhecer e interpretar a realidade social na qual estinserido o objeto da ao profissional, ou seja, a expresso da questo social ou oacontecimento ou situao que d motivo interveno.

    Como no sistema de justia o estudo social realizado com a finalidade deinstruir o processo com conhecimentos da rea de Servio Social, recebe tambm adenominao de percia social, isto , um perito especialista em determinada reade conhecimento, no caso, em Servio Social nomeado para realizar um estudo eemitir um parecer a respeito. O registro desse estudo ou percia, com suas conclusese seu parecer, d-se, geralmente, por meio de um relatrio social ou de um laudosocial, trabalho esse regulamentado na legislao que dispe sobre a profisso comoatribuio privativa do assistente social19. O que significa que, qualquer profissional deoutra rea, servidor pblico ou no, que aceite eventual designao para realizaode trabalho dessa natureza deve ser denunciado aos rgos de segurana pblica oude justia20.

    No meio judicirio, o estudo e/ou percia social pode ser realizado porassistente social servidor da instituio, por servidor de outro rgo da AdministraoPblica estadual ou municipal, eventualmente solicitado para prestar servios, e porperito ou assistente tcnico, evidentemente, com formao na rea21.

    prerrogativa do assistente social designado para a realizao do estudosocial e/ou percia social definir os meios necessrios para atingir a finalidade de suaao. esse profissional que, por uma ao refletida e planejada, define quaisconhecimentos deve acessar e em que nvel vai aprofund-los; se necessita realizarentrevistas, com quem e quantas pessoas (por exemplo, com a criana22, oadolescente, o pai, a me, outro adulto, responsveis por escola ou outro equipamentosocial que frequentam etc.), se deve realizar visitas domiciliares e/ou institucionais, se

    precisa estabelecer contatos variados com a rede familiar e a rede social, se deveconsultar material documental e bibliogrfico e quais; etc.

    Em muitos casos, o assistente social poder ser solicitado a responderquesitos23, que so questes relativas a esclarecimentos que as partes envolvidas naao, representadas por seus defensores, formulam, para as quais avaliam que oprofissional deveria trazer respostas. Nesse caso, o assistente social respondequelas que dizem respeito a prerrogativas, princpios e especificidades da profisso

    18 Em O estudo social em percias, laudos e pareceres tcnicos, organizado pelo CFESS (2003), essametodologia de trabalho apresentada de maneira mais detalhada. Parte das informaes aqui expostasa respeito do estudo social baseia-se em texto que compe esse livro, a saber, O estudo social:fundamentos e particularidades de sua construo na rea judiciria (Fvero, Eunice T.).19

    Lei n 8.662, de 7 de junho de 1993, que dispe sobre a profisso de Assistente Social. Conforme essalei, atribuio privativa do assistente social a realizao de vistorias, percias tcnicas, laudos periciais,informaes e pareceres sobre a matria de Servio Social.20 importante que o responsvel por tal designao seja informado a respeito das prerrogativas doassistente social.21O assistente tcnico tem atuado principalmente na Justia da Famlia, sendo nomeado, e remunerado,por indicao do defensor de uma das partes envolvidas no conflito. Sua ao tem respaldo legal e devedar-se em consonncia com as prerrogativas profissionais e os princpios ticos que norteiam a profisso,o que significa que, embora contratado por uma das partes, sua ao no deve se dar enquanto defesadaquela parte, mas enquanto mais uma possibilidade de conhecimento tcnico-cientfico da situaoobjeto da ao judicial.22 importante que o profissional sempre mantenha contato com a criana, independentemente de suafaixa etria. A observao de seu dia a dia, suas reaes, suas relaes, sua fala, sempre que possvel, fundamental para se colher elementos possibilitadores de aes que lhe garantam o direito proteointegral.23O que mais comum em processos que tramitam na Justia da Famlia. Nesse caso, geralmente odefensor de uma ou de ambas as partes em litgio indica questes (por ele elaboradas diretamente ouindicadas a ele por assistente social contratado pelas partes, como assistente tcnico).

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    em itens especficos ou no corpo do registro24, seja relatrio ou laudo, apontandotambm, se for o caso, que no de sua competncia oferecer respostas a eventuaisquesitos que fogem sua rea de formao.

    Embora a ao do Servio Social relacionada a instrues processuais vincule-se essencialmente ao oferecimento de conhecimentos para suporte a uma deciso

    judicial, o assistente social atua em diferentes instncias do sistema Judicirio, egeralmente cada um delas tem caractersticas, normas, rotinas e demandasdiferenciadas. Assim, geralmente, o trabalho na Justia da Infncia e Juventude diferedaquele realizado na Justia da Famlia, na Justia Criminal, nos Juizados Cveis etc.Cada uma dessas organizaes e/ou instncias tem suas particularidades e seguetrmites, muitas vezes, norteados por diferentes legislaes. Na Justia da Infncia eJuventude trabalha-se basicamente a partir das normas ditadas pelo Estatuto daCriana e do Adolescente e suas aes visam proteo integral da criana e doadolescente. Na Justia da Famlia, o Cdigo Civil que norteia as aes, ainda que,por razes bvias, o Estatuto da Criana e do Adolescente, em muitas aes,necessita ser observado. A Justia Criminal tem como base o Cdigo Penal e a Lei deExecues Penais. O Servio Social na Justia Federal trabalha com muitos estudos

    relacionados a revises de benefcios previstos na legislao relacionada seguridadesocial.

    Se nessas ltimas instncias o assistente social requisitado, muitas vezes, nacondio de perito, com objetivos de realizar o estudo/percia social, na Justia daInfncia e Juventude ele tambm oferece subsdios deciso judicial, mas sua aopode diluir-se em vrios momentos e etapas, implicando como se adota em algunslocais o trabalho de acompanhamento do caso, o que exige informes e relatriosdiversos, parciais (no sentido de que se registra determinado momento ou ao),sequenciais. Nessa situao, nem sempre o registro do estudo/percia social apresentado em um nico documento.

    Cada rea dessas merece um enfoque particular, que foge proposta e spossibilidades deste texto. Em razo disso, abordam-se aqui apenas alguns dosprincipais instrumentos, tcnicas e procedimentos de interveno comuns a elas.

    Em seguida, apresentam-se alguns aspectos importantes do cotidiano detrabalho, relativos a procedimentos operativos. Conforme indicado, no se pretendedar conta da complexidade e diversidade de elementos que constituem essesinstrumentais e que podem se fazer presentes no seu uso. Tratar-se- apenas dealguns indicativos de aes e possveis respostas relativas ao dia a dia de trabalho,cujo conhecimento poder ser aprofundado em bibliografia especfica.

    Entrevista

    Ao se realizar uma entrevista, parte-se de um objetivo profissional e se almejauma finalidade. Sempre que possvel, o primeiro passo para desenvolv-la munir-sedas informaes referentes a antecedentes da situao a ser estudada, para obterelementos que possibilitem o avano do dilogo, evitando que o usurio seja obrigadoa repetir informaes que j constam de um pronturio ou auto processual.

    Apresentar-se e informar ao sujeito entrevistado os objetivos do trabalho fazparte dos deveres e da conduta tica profissional. Ao realizar uma entrevista em razode uma ao processual, o assistente social, independentemente de sua postura e deseu desejo, est em uma posio de poder: ele representa, para o sujeito, o PoderJudicirio ou outra instituio de poder que integra o sistema de justia, que tomaruma deciso a respeito de sua vida, de sua famlia, de sua comunidade. O limite entre

    24Nesse caso, informando que os quesitos esto respondidos no corpo do documento apresentado.

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    a busca do conhecimento para a garantia e efetivao de direitos e a invaso deprivacidade de maneira arbitrria tnue. Nesse espao de poder, institucional evinculado ao saber profissional, necessrio us-lo, sim, mas sempre de acordo comas diretrizes ticas e metodolgicas da profisso. O profissional necessita estarconstantemente alerta para no fazer, por exemplo, do desejo de colocar uma crianaaos cuidados de uma famlia que rena aparentes condies subjetivas e condiesobjetivas para dar-lhe cuidados e formao dignas, um ato de desqualificao dafamlia de origem, sem a necessria contextualizao da situao sociocultural queengendrou um suposto abandono ou entrega de uma criana a outros.

    O objeto da ao processual (como regulamentao de guarda de filho;destituio do poder familiar; interdio de pessoa idosa; aplicao de medidasocioeducativa; reviso de BPC etc.) e os objetivos da entrevista definiro oscontedos a serem abordados. Em uma entrevista com um pai e/ou me que disputamjudicialmente a guarda de um filho, por exemplo, existem particularidades da cultura,do processo de socializao, da histria de vida que necessitam ser desvelados, semque se enverede por outras reas do conhecimento que no so de competncia doassistente social, as quais, sempre que possvel, podem ser somadas por meio do

    trabalho interdisciplinar ou com a indicao de indcios de situaes e/ou atitudes paraas quais seria recomendvel a avaliao por profissional de outra rea do saber. Emuma entrevista com um jovem que praticou um ato infracional e com seus familiares,tambm existem particularidades de seu processo de socializao, de sua histria devida, de seus projetos, seus desejos, suas perspectivas. Em ambas as situaes,ainda que tenham natureza distinta e diferentes objetivos, h informaessocioeconmicas e familiares que cabe ao assistente social conhecer, a fim deinformar acerca da realidade social de cada sujeito, de suas condies sociais; de seuacesso ou no educao, sade, ao trabalho, ao lazer, alimentao; sobre oterritrio em que vive, o acesso a bens e servios sociais e culturais; suas relaesfamiliares, seus valores, enfim, um conjunto de informaes que, registradas no que fundamental ao processo, e analisadas do ponto de vista do Servio Social, irocompor a instruo processual.

    Visita domiciliar

    A definio da necessidade de visita moradia dos sujeitos envolvidos na aoprocessual para a complementao do estudo social de competncia do assistentesocial. Ela comumente usada em vrias instncias de trabalho no Judicirio comomais uma possibilidade de dialogar e conhecer a realidade sociocultural e familiar dossujeitos, a partir de seu espao de vivncia em condio diferente da entrevistarealizada no espao fsico de um forum.

    Essa visita se apresenta como mais uma possibilidade de entrevista, deconhecimento do territrio onde os sujeitos vivem, das possibilidades ouimpossibilidades de acesso a bens e servios que efetivem direitos sociais, de outrosespaos relacionais. Enfim, trata-se de um procedimento com o objetivo decomplementar o estudo, e no de fiscalizar ou de invadir a privacidade da vidacotidiana dos sujeitos. Por mais que uma visita tenha como objetivo, por exemplo, agarantia de proteo de uma criana denunciada por maus-tratos sofridos na famlia e ela, por ser indefesa e no ter autonomia para se proteger, necessita, muitas vezes,da interveno do Estado , o contato estabelecido pelo profissional com a famliadeve pautar-se por regras ticas e tambm pelo bom senso, de maneira que oassistente social possa discernir a real informao que contribuir para a proteo e a

    que pode assemelhar-se a um inqurito policial, o que foge, obviamente, de qualquerpossibilidade de um trabalho competente no sentido tico-poltico.

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    Encaminhamentos/articulao com rede familiar e social

    O assistente social, ao realizar um estudo para subsidiar a ao judicial,

    tambm se depara com situaes que exigem e que possibilitam articulaes e aescom vistas a atender a uma necessidade e/ou direito dos sujeitos com os quaisinterage nesse trabalho, dependente ou independentemente dos objetivos do estudoque realiza. O que significa que, do ponto de vista profissional, ele tem a prerrogativa eo dever de intervir na situao para alm do estudo ou a interveno pode vir a trazerdados importantes ao estudo. Por exemplo, se em uma avaliao de reviso de BPCele encontra uma pessoa idosa ou uma pessoa com deficincia que poderia ter acessoa outros direitos ou poderia contar com algum recurso da rede familiar e da rede socialpara melhor qualidade de vida, papel do assistente social realizar esseencaminhamento ou, dependendo do caso, apontar essa possibilidade no relatrio oulaudo, de maneira a que o Ministrio Pblico e/ou o magistrado, por meio da aplicaoda lei, garanta o acesso a tal direito. Se, em uma outra situao, um jovem est com

    algum problema de sade no identificado ou identificado mas sem oencaminhamento necessrio para os devidos cuidados, e os familiares desconhecemos recursos necessrios para os devidos cuidados ou a eles no tm acesso, competeao profissional assistente social atitude similar indicada anteriormente.

    Esses exemplos tm o intuito de esclarecer que, mesmo que solicitado parauma percia, o assistente social pode - e, em muitas situaes, deve - ir alm doprocedimento da constatao, descrio e interpretao da situao. A ao em prolda possibilidade de efetivao de direitos pode ser parte integrante de informaesimportantes a serem registradas em relatrios e laudos que instruiro o processojudicial.

    Registros na instruo social processual

    Os registros mais comumente elaborados pelo assistente social, que integraroos autos processuais, so o informe, o relatrio, o laudo e o parecer.

    Denomina-se informe ou informao tcnica, o documento que relata,geralmente de maneira breve, alguma informao inicial ou complementar relacionada ao processual, o que pode variar dependendo da dinmica de cada espao detrabalho e/ou instncia judiciria25.

    O relatrio social, por sua vez, apresenta de maneira descritiva e interpretativa

    o registro de uma ou mais entrevistas, iniciais ou de acompanhamento. Essedocumento tambm pode ser mais detalhado, dando conta de uma entrevistaaprofundada, de maneira a registrar os aspectos do caso pertinentes rea deatuao do Servio Social. Em algumas situaes, sobretudo relativas Justia daInfncia e da Juventude, pode ser o nico documento da rea a compor os autos, porexemplo, em alguma medida de guarda de criana a terceiros, em que h consensoentre todos os envolvidos (partes e tcnicos) quanto sua adequao. Podeacontecer ainda que os autos sejam compostos por vrios relatrios, realizados emmomentos diferentes, os quais, no seu conjunto, apresentam a dinmica de um estudo

    25Existem Varas da Infncia e Juventude em que, na maioria das vezes, o assistente social, ou ele emconjunto com o psiclogo, que faz o primeiro atendimento aos sujeitos e, por meio de uma informao

    geralmente mais breve a depender da gravidade ou no da situao , d incio ao processo. Emoutras, ele recebe o processo j autuado pelo cartrio e com determinao judicial para a realizao deestudo social.

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    social e/ou a realizao do acompanhamento. Em aes que envolvem a medidaprotetiva de abrigamento, por exemplo, os registros podem acontecer dessa maneira.

    O relatrio social o documento no qual constam o registro do objeto deestudo, a identificao dos sujeitos envolvidos e um breve histrico da situao, afinalidade qual se destina, os procedimentos utilizados, os aspectos significativos

    levantados na entrevista e a anlise da situao. O profissional deve valer-se de suascompetncias tericas, ticas e tcnicas para avaliar os aspectos importantes a seremregistrados,considerando aqueles que, de fato, podem contribuir para o acesso, agarantia e a efetivao de direitos. Assim, desnecessrio o registro excessivamentedetalhado de informaes que no serviro para os objetivos do trabalho. Pode-se,inclusive, dotar o setor de trabalho de pronturios prprios do Servio Social, mantidossob sigilo em respeito aos princpios ticos, documentando-se no relatrio anexo aosautos to somente as informaes e anlises importantes ao andamento do processo.

    O laudo social outro tipo de documento, utilizado como uma das provas queinstruir o processo e que poder dar suporte deciso, sentena judicial.

    O laudo o registro que documenta as informaes significativas, recolhidas

    por meio do estudo social, permeado ou finalizado com interpretao e anlise. Emsua parte final, via de regra, registra-se o parecer conclusivo, do ponto de vista doServio Social. Conclusivo no sentido de que deve esclarecer que, naquele momentoe com base no estudo cientfico realizado, chegou-se determinada concluso. Para aefetivao desse registro, o profissional vai ter como referncia contedos obtidos portantas entrevistas, visitas, contatos, estudos documental e bibliogrfico que considerarnecessrios26para a finalidade do trabalho.

    Sua apresentao geralmente segue uma estrutura constituda por: introduo,indicando a demanda judicial e objetivos do trabalho; identificao das pessoasenvolvidas na ao e que direta e indiretamente esto includas no estudo; ametodologia utilizada para a efetivao do trabalho (entrevistas, visitas, contatos,

    estudos documental e bibliogrfico etc.) e a definio breve de alguns conceitosutilizados, na medida em que o receptor da mensagem contida nesse documento nonecessariamente tem familiaridade com os conhecimentos da rea do Servio Social.Assim, seu carter cientfico e as especificidades da rea so clareados; emsequncia, registram-se os aspectos socioeconmicos e culturais que podem serpermeados pela anlise ou finalizados com a anlise interpretativa e conclusiva,tambm denominada de parecer social. O parecer social sintetiza a situao,apresenta uma breve anlise e aponta concluses ou indicativos de alternativas, queiro expressar o posicionamento profissional frente ao objeto de estudo.

    Assim como o relatrio, o laudo no necessariamente precisa detalhar todos oscontedos do estudo realizado. So importantes, sim, a documentao dessescontedos e o seu arquivamento, de maneira que o profissional a eles tenha acesso,se necessrio, obedecendo ao sigilo profissional. Em consonncia com as diretrizes eos princpios ticos da profisso, o assistente social que vai poder dizer, em cadasituao, o que deve ser objeto de maior detalhamento.

    O parecer social pode ser parte final de um laudo ou pode ser realizado emrazo de determinao judicial, com base em contedos j documentados nos autose/ou informaes complementares. Como exemplo, pode ser citado o parecer emitido

    26Nas vrias instncias da justia em que pode ser requisitado o estudo social com a apresentao dolaudo, geralmente o profissional obedece a um prazo para a realizao/concluso do trabalho. Assim, osinstrumentos e procedimentos necessrios para efetiv-lo tambm esto condicionados a esse prazo.Dependendo da situao e da impossibilidade de o profissional dar conta da realizao do estudo no

    prazo determinado, ele pode solicitar dilao de prazo. Entretanto, necessrio observar a importnciade, sempre que as condies possibilitem, contribuir para a agilizao do trabalho da justia, enquantorespeito aos direitos do(s) cidado(s) envolvido(s) na ao judicial.

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    com base na anlise dos autos processuais referentes a uma criana e/ou adolescenteque cumprem medida protetiva de abrigamento; ou parecer emitido por assistentetcnico a respeito de estudo social realizado por outro profissional da rea.

    Conforme Dhamer Pereira (et al., 2003, p. 93), em estudo sobre examescriminolgicos, o que deve ser dito e a maneira de interpretao dos dados empricos

    obtidos em uma entrevista devem ser objeto de preocupao constante por parte doprofissional. Nesse trabalho, necessrio ter o suporte no apenas das disciplinasfundamentais rea profissional, mas o conhecimento possibilitado por outrasdisciplinas da rea das cincias humanas e sociais, que iro permitir a anlise dascontradies sociais numa perspectiva de totalidade. Tal conhecimento evita que secaia na rotinizao de exames meramente descritivos, sem uma elaborao mentalsobre os dados coletados nas entrevistas ou em qualquer outro instrumentonecessrio ao conhecimento da situao em relao qual o profissional sepronuncia..

    Todos os registros que o assistente social junta aos autos sero, a partir da,meios de comunicao de mensagens. Comunica-se, ento, uma mensagem de uma

    rea especfica do conhecimento a profissionais de outras reas do conhecimento, osquais, ao realizar a leitura, o faro com determinados objetivos e a partir dedeterminadas perspectivas, nem sempre coincidentes com as do profissional queemitiu a mensagem. Para que o receptor da rea do Direito, por exemplo, compreendao teor da mensagem do profissional da rea do Servio Social, fundamental que esteconhea as normas da lngua formal, que faa uso da coerncia, objetividade eclareza de linguagem, que estabelea critrios para destacar os dados maissignificativos, que emita uma linguagem tcnica, evidentemente, contudo evitandoreferncias literais a terminologias ou conceitos27muito especficos que, em vez de darclareza informao, podero deixar pontos obscuros ou levar o magistrado a noconsider-la por no compreend-la integralmente.28

    A comunicao escrita passiva, isto , inexiste possibilidade de que sejaclarificada se forem percebidos equvocos, contradies, falta de clareza(MAGALHES, 2003). No Judicirio, dependendo de particularidades do espao detrabalho, at poder haver solicitao de esclarecimentos, verbal ou por escrito, mas oque comumente se verifica que, em grande parte das aes, no h essapossibilidade; muitas vezes, o profissional desconhece a deciso ou a sentenaproferida pelo magistrado.

    Na comunicao via laudos, relatrios e pareceres estabelecida no contextosociojurdico, a interveno tem continuidade de forma indireta, ou seja, a mensagemenunciada nesses documentos subsidiar decises a respeito da vida de um indivduoou grupo social; tais documentos iro intermediar o dilogo entre a realidade dousurio e a dos demais profissionais que tero acesso a eles, como juiz, promotor,

    psiclogo, defensor etc.; a interpretao dessa comunicao dar-se- com base nosobjetivos profissionais especficos dessas reas29.

    Ao registrar um relatrio, um laudo, um parecer, o assistente social estexercendo um papel intermedirio entre o indivduo e/ou famlia envolvidos na aojudicial, o promotor e o magistrado. O profissional ouve a mensagem originalmente,

    27A explicitao de determinados conceitos importante no registro de alguns estudos, para fundamentaro posicionamento do profissional. O que se deve evitar a referncia a determinadas categorias tericasou possveis medidas consideradas pertinentes, sem sua explicao.28O magistrado tem a prerrogativa de considerar ou no o laudo social (ou outro documento do gnero),vlido como prova convincente para a formao de seu juzo a respeito de determinada situao.29 Magalhes (2003), no livro Avaliao e linguagem: relatrios, laudos e pareceres, apresenta estudo

    sobre o uso do instrumental tcnico, com enfoque na linguagem verbal e escrita como instrumentoprivilegiado dos profissionais que atuam na rea dos cuidados e da interveno, e no carter avaliativoque perpassa esse trabalho, em especial na rea judiciria.

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    esta sofre interferncias por parte do prprio emissor que, no se pode esquecer,em uma entrevista fala de si a algum que estranho ao seu convvio, o qual sobreele exerce ou pode exercer alguma forma de autoridade (o que implcito, sobretudono Judicirio, pela natureza institucional) , e interpreta e registra essa mensagem.Por sua vez, esse registro dever ser estudado e analisado por quem vai interferir(defensor, promotor etc.) ou proferir a deciso e/ou sentena (magistrado) a respeitodo emissor inicial. Se, nesse processo de efetivao do estudo social, registro esentena, no houver possibilidade de dilogo entre todos os envolvidos nacomunicao (o que possibilitado quando acontecem audincias multiprofissionais),maior risco de interpretao equivocada da situao poder ocorrer. Da anecessidade da constante ateno e do compromisso tcnico, poltico e tico doassistente social, para dar conta de uma ao que, de fato, tenha como direo aefetivao de direitos e no venha a se estabelecer como uma inquisio em busca depunio, disciplinamento ou enquadramento moralizante.

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  • 7/25/2019 Instrues sociais de processos, sentenas e decises

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