INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NO SETOR AUTOMOBILÍSTICO IMPACTOS E TENDÊNCIAS

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1 INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NO SETOR AUTOMOBILÍSTICO: IMPACTOS E TENDÊNCIAS. Lidia Micaela Segre COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Sistemas e Computação Cx. Postal 68511 - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - segre cos.ufrj.br Fernando Marmolejo R. COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Sistemas e Computação Cx. Postal 68511 - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - marmolej urbi.com.br Guilber Dumans COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Produção Cx. Postal 68507- Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - guilber openlink.com.br Abstract This paper analyzes the impacts of the Information and Communication Technologies (ICT) on productive restructuring in the globalization context, at the Brazilian automobile industry. After identifying the dynamics of this industry, it was studied how ICT help deep transformations on competitive strategies, organization functions and on the choice of administration and production models. For the coordination of the different actors of the productive chain the use of peripherical and corporative webs is very important. The emphases of this work was the study of the changes on the relationship between companies, on the company structure, on the production system, and on the work organization. Key words: Technological Innovation, Information Technology, Automobile Industry 1. Introdução. O presente estudo foi motivado pela importância estratégica conferida ao complexo automotriz em função de sua repercussão na economia do Brasil (13,8% no PIB industrial em 1996), do número de empregos diretos gerados nas montadoras (104 mil em 1997) 1 , do processo de modernização técnico-organizacional adotado por essa indústria, do interesse em instalar doze novas fábricas investindo 9 bilhões de dólares sendo que cinco projetos já estão em fase de implantação experimentando novos modelos organizacionais, e finalmente pelo fato desse setor ser pioneiro na introdução de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Este estudo tem como objetivo principal analisar os impactos da adoção das TICs dentro de um contexto de reestruturação produtiva e organizacional do setor automobilístico no Brasil. Será estudado como a adoção destas tecnologias têm reconfigurado a produção, a organização do trabalho, a gestão e a distribuição na cadeia produtiva, interligando computadores de diferentes empresas e de fornecedores de matérias- primas aos usuários finais.

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INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NO SETOR AUTOMOBILÍSTICO: IMPACTOS E TENDÊNCIAS.

Lidia Micaela Segre COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Sistemas e Computação

Cx. Postal 68511 - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - segre�

cos.ufrj.br

Fernando Marmolejo R.

COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Sistemas e Computação Cx. Postal 68511 - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - marmolej � urbi.com.br

Guilber Dumans

COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Produção Cx. Postal 68507- Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - guilber � openlink.com.br

Abstract This paper analyzes the impacts of the Information and Communication

Technologies (ICT) on productive restructuring in the globalization context, at the Brazilian automobile industry. After identifying the dynamics of this industry, it was studied how ICT help deep transformations on competitive strategies, organization functions and on the choice of administration and production models. For the coordination of the different actors of the productive chain the use of peripherical and corporative webs is very important. The emphases of this work was the study of the changes on the relationship between companies, on the company structure, on the production system, and on the work organization. Key words: Technological Innovation, Information Technology, Automobile Industry 1. Introdução.

O presente estudo foi motivado pela importância estratégica conferida ao complexo automotriz em função de sua repercussão na economia do Brasil (13,8% no PIB industrial em 1996), do número de empregos diretos gerados nas montadoras (104 mil em 1997)1, do processo de modernização técnico-organizacional adotado por essa indústria, do interesse em instalar doze novas fábricas investindo 9 bilhões de dólares sendo que cinco projetos já estão em fase de implantação experimentando novos modelos organizacionais, e finalmente pelo fato desse setor ser pioneiro na introdução de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).

Este estudo tem como objetivo principal analisar os impactos da adoção das TICs dentro de um contexto de reestruturação produtiva e organizacional do setor automobilístico no Brasil. Será estudado como a adoção destas tecnologias têm reconfigurado a produção, a organização do trabalho, a gestão e a distribuição na cadeia produtiva, interligando computadores de diferentes empresas e de fornecedores de matérias-primas aos usuários finais.

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A integração das montadoras internamente e externamente com fornecedores, concessionárias e clientes é caracterizada por uma nova trajetória organizacional, que incorpora inovações tecnológicas e procura adequar a inserção internacional da indústria automobilística brasileira ao novo padrão competitivo em gestão nos mercados crescentemente globalizados. 2. Características e Dinâmica da Indústria Automobilística no Brasil.

Entre 1992 e 1997, a produção da indústria automobilística brasileira passou de pouco mais de 1,1 milhão veículos para 2,05 milhões e as vendas no mercado interno saltaram de 756 mil unidades para 1,9 milhões (Anfavea, 1997). Os principais fatores para explicar esse crescimento foram por um lado, os acordos no âmbito da Câmara Setorial em 1992, que criaram condições para a recuperação e a expansão do mercado doméstico de automóveis e por outro lado, os incentivos para a produção dos chamados “carros populares” . Miranda e Corrêa (1997) identificam três tendências explicativas deste crescimento. A primeira tendência é a intenção de investimentos de U$16 bilhões das montadoras no Brasil (antigas e novas) entre 1996 e 1999, valor que dobraria se computados os investimentos das autopeças. O resultado seria, segundo a Anfavea (1997), uma capacidade de produção de 2,5 milhões de veículos no ano 2.000, que conduziria o Brasil ao posto de quinto maior produtor mundial, atrás apenas dos Estados Unidos, Alemanha, França e Japão. A segunda tendência é o crescente grau de internacionalização da produção e o papel reservado ao Brasil, especializando sua produção em modelos de pequeno porte (mudança do mix de produção). Na década de 90, foram já lançados quatorze novos modelos, contra apenas sete na década passada. A partir de 1992, quase todos os lançamentos foram de carros "mundiais". Modelos como o Corsa, o Palio e o Fiesta são exemplos desta tendência, que deverá se intensificar (Miranda e Correia, 1997). A terceira tendência é a reestruturação das relações das montadoras com as empresas de autopeças e outros insumos, implicando na redução do número de fornecedores diretos e na promoção de uma maior interação dos membros da cadeia produtiva. A relação mais intensa entre esses parceiros, se dá tanto no processo de gerenciamento de uma produção mais rápida, enxuta e flexível (just-in-time), como no desenvolvimento conjunto de novos produtos, incluindo as próprias atividades de P&D, que passaram a ser objeto de esforços cooperativos. Materiais e peças passaram a ser desenvolvidos de forma simultânea e coordenada, reduzindo o tempo necessário e os custos para o desenvolvimento dos novos modelos (Ferro, 1996). Dentro do contexto de reestruturação produtiva acima analisado, as novas formas de articulação entre montadoras e fornecedores, tendem a intensificar os fluxos de informação entre as empresas, permitindo a reconfiguração espacial, organizacional e de gestão da produção e do trabalho. Paralelamente, a produção compacta e flexível exige formas ágeis de comunicação e de informação com os distribuidores para detectar mudanças nas condições de mercado, facilitar a produção orientada para o cliente e reduzir custos de estocagem e prazos de entrega de veículos. Desse modo o uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) passam a constituir um suporte necessário e fundamental para a competitividade na indústria automobilística brasileira. 3. O Setor Automobilístico e a Adoção das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). a) Fluxo de informações gerado nas relações entre as montadoras e outros agentes: fornecedores, concessionárias, prestadores de serviços e clientes (redes periféricas)

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O intercâmbio eletrônico de dados (EDI) é definido segundo Tigre e Sarti (1997) como “uma técnica de formatação transacional de computador a computador". Caracteriza-se por integrar sistemas aplicados a transações entre diferentes organizações, mantendo a independência e o sigilo. Consequentemente, a utilização das TICs envolve diferentes recursos tais como: redes de telecomunicações, softwares, padronização das práticas comerciais e dos dados a serem transmitidos.

No Brasil, o setor da indústria automobilística foi um dos precursores na utilização das tecnologias de informação e comunicação (TICs), dentro do processo de reestruturação produtiva. A nível das redes locais, como a nível da interconecção com outros parceiros da cadeia produtiva (fornecedores, concessionárias e clientes), a troca eletrônica de informações vem sendo realizada utilizando o sistema público de telecomunicações, Embratel. No relacionamento entre as montadoras e os fornecedores, as transações utilizando EDI tratam fundamentalmente das seguintes informações: necessidade diária de produção, programação de entregas, peças ou material crítico em atraso, cotação de ofertas, pedido de compras, alteração no pedido de mercadorias, aviso de modificações técnicas nos desenhos e projetos, aviso de recebimento, resultado de inspeção, aviso de entregas e/ou embarques, transmissão de textos pelo correio eletrônico, entre outros.

Nas relações entre as montadoras, as concessionárias e os clientes, o fluxo de informações abarca fundamentalmente dados comerciais relacionados à encomendas e distribuição de veículos, ao controle de estoques de peças, à determinação das necessidades do consumidor, aos serviços de venda e pós-venda, à customização do veículo que será produzido, etc. Um exemplo do relacionamento acima mencionado é a Fiat no Brasil que foi a precursora da informatização do sistema de vendas chamado “UNO-ON-LINE”, para combater o ágio e reduzir o prazo de entrega dos veículos. Este sistema permite registrar , no ato da compra, as características do veículo encomendado e estabelecer o prazo de entrega. As vendas on-line respondem hoje por uma expressiva parcela do faturamento da empresa (Gazeta Mercantil 18/07/97) e são produto do modelo de produção just-in-time. Igualmente a Fiat via EDI, possibilita o acesso das concessionárias a um banco de dados, que permite obter informações sobre o estágio de fabricação dos veículos encomendados. Para reduzir custos de distribuição, a empresa utiliza um programa que otimiza o trajeto dos caminhões “cegonheiros” que ligam a fábrica e o porto às concessionárias, permitindo o planejamento estratégico na entrega de veículos (Laplane e Sarti, 1995).

Desde maio de 1997, a Fiat utiliza no Brasil os sistemas MultiFiat e Examiner. O primeiro é um sistema multimídia desenvolvido no Brasil com o objetivo principal de agilizar o fluxo e a atualização das informações técnicas dos automóveis da fábrica. Sua versatilidade está na rápida atualização de seu banco de dados feita pelos engenheiros na fábrica de Betim em Minas Gerais. As informações atualizadas chegam às concessionárias pelo sistema de correio eletrônico Polypus, da própria Fiat, e na concessionária são copiadas e transferidas para o MultiFiat (Ortunho, 1997).

Já o Examiner foi importado da matriz da Fiat, na Itália, e permite realizar um diagnóstico completo do funcionamento do motor do carro on-line. Ambos os programas estão sendo utilizados nas oficinas das concessionárias e tem demonstrado capacidade para tornar mais rápido, fácil e eficiente o trabalho de mecânicos, eletricistas e tapeceiros (Ortunho, 1997). As outras empresas montadoras de automóveis no Brasil também têm desenvolvido estratégias de integração com as concessionárias utilizando sistemas de informação e comunicação. A Volkswagem, por exemplo, está na fase de teste final do sistema Vsat, rede privada de comunicação via satélite, que permitirá ao cliente, eletronicamente, comprar um

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veículo ou encontrar uma peça numa das 820 concessionárias espalhadas pelo país. Essa Montadora instalou, em março de 1997, um sistema eletrônico de compra de peças, permitindo hoje fazer 10 mil cotações de preços em cerca de 500 fornecedores do Brasil, 90 do Mercosul, e centenas de outros mundiais. Segundo o Engº Boschetti, "uma cotação que demorava 80 dias, é feita hoje em 15 dias" (Boschetti, 1997). A Scania conectou suas 110 concessionárias via EDI. O acesso on-line à informações ajuda tanto nas vendas, oferecendo produtos customizados, como também na gestão, através da melhoria do planejamento e controle da produção. O intenso fluxo de informações comerciais impôs a necessidade de padronização do layout dos documentos utilizados por fornecedores de autopeças e montadoras, tendo sido criado um padrão Anfavea e a Rede Nacional de Dados, que passou a utilizar, ainda que não exclusivamente, o STM-400 da Embratel como meio de comunicação. Atualmente, aproximadamente 1.500 fornecedores comunicam-se com as montadoras por intermédio desse sistema (Anfavea, 1996). Segundo Tigre e Sarti (1997), no futuro próximo a Internet será o sistema que se perfilará como modelo padrão de transmissão de dados eletrônicos via EDI, já que este sistema permitirá a um maior número de pequenas empresas o acesso a esta tecnologia. Durante o ano 1996 foram realizadas, com certo êxito, as primeiras experiências. Ainda falta solucionar detalhes a nível de segurança de dados para garantir seu uso a um maior número de usuários.

As autopeças que possuem sistemas CAD (Computer Aided Design) de pequeno porte se comunicam com as montadoras no envio e recebimento de desenhos, através da Internet. Por causa das diferenças na infra-estrutura computacional a comunicação é realizada através da intermediação de empresas especializadas na tradução dos desenhos desenvolvidos em sistemas de pequeno porte nas autopeças, para grande porte nas montadoras. A terceirização desse serviço ampliou o acesso de pequenas empresas à comunicação de dados pela Internet.

b) Fluxo de informações gerado dentro da própria corporação (redes corporativas). Segundo Laplane e Sarti (1994) redes corporativas são definidas como redes internas à empresa ou ao grupo econômico, podendo ser tanto nacionais quanto internacionais, como geralmente ocorre com as montadoras, interligando unidades produtivas e administrativas, matrizes e outras filiais. Essas redes têm se ampliado sobretudo em virtude do processo de globalização, que resulta em maior intercâmbio comercial, expresso no aumento das exportações/importações de partes e de veículos acabados e crescente intercâmbio produtivo e tecnológico. Um exemplo de crescimento da rede corporativa e da demanda por serviços de telecomunicações pode ser observado na Fiat, que informatizou seu processo de desenvolvimento e distribuição eletrônica de desenhos industriais utilizando CAD na rede. A rede permite a integração das áreas de engenharia de produto e processo (engenharia simultânea ou cooperativa) e destas com outros setores: material, linha de produção, peças de reposição, garantia e assistência técnica (Ferné e Hawkings, 1996). A Volkswagen é um exemplo relevante da utilização destas redes, sendo um dos maiores usuários de CAD, CAM( Computer Aided Manufacturing) e CAPP(Computer Aided Process Planing) da América Latina, com 200 workstations CATIA-V4. Com a ajuda de CAD-CAM-CAPP, projetou-se o novo Gol em 36 meses (o antigo Gol foi desenvolvido em 68 meses). Atualmente, a troca de desenhos em duas dimensões entre a Volkswagen do Brasil e a matriz na Alemanha, visando a produção de veículos globais com plataformas comuns (como Gol, p. ex.), é feita entre cinco e 15 segundos. Em três dimensões, em cinco minutos. O desenvolvimento das peças da carroceira, do chassi, da

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parte elétrica, do motor e do acabamento é feito com o software CATIA, disponível via rede em todas as unidades do grupo mundial (Boschetti, 1997). A Volkswagen utiliza igualmente o sistema TOUCH SCREEN que permite o acompanhamento da montagem de veículos. Este sistema implantado no “chão” da fábrica em São Bernardo e Anchieta e operado pelos montadores. Permite sinalar em tempo real a toda a cadeia produtiva, onde há falhas na montagem e possibilita sanar o problema antes de o veículo sair da linha de produção. Na fábrica da Volkswagen, em Resende, foi adotado um ambiente CAPP no chão de fábrica que permitiu montar uma base de dados única, facilitando a integração dos processos desenvolvidos por cada parceiro em cada módulo. Esse sistema agiliza o cálculo do tempo de operação e do custo de mão-de-obra na montagem dos veículos, permitindo reduzir o lead-time do processo. Além disso facilita a elaboração da documentação, a padronização do processo, o treinamento dos trabalhadores, e a geração das folhas de operação através da utilização de desenhos e fotografias, disponibilizando a atualização constante das listas de ferramentas e de peças.

A Scania do Brasil também implantou uma rede interligando as diretorias com as áreas de engenharia industrial, de exportação e a de sistemas de informações. Mas a maior importância da rede é que, por intermédio do aluguel de um canal de satélite da Embratel, foi possível conectar a matriz da Suécia e a filial brasileira. Por essa rede são transmitidas imagens utilizadas na criação e adoção de projetos para a confecção de cabines, motores e pequenas peças dos veículos fabricados pela empresa ( Revista Informática Exame, 1995). O fluxo de informações dentro da própria organização também ocorre nas áreas onde são implantados Sistemas Flexíveis de Manufatura e automação industrial, como máquinas automáticas, máquinas ferramentas CNC (Comando Numérico Computadorizado) e robôs. A seqüência de produção é enviada diretamente pela rede local de dados, iniciando a operação das máquinas automáticas e o processo de fabricação no qual pode ocorrer fluxo de informação entre as máquinas. A informação sobre a produção retorna automaticamente pela rede alimentando bancos de dados que posteriormente são tratados e analisados. 4. A Utilização das TICs e os Impactos sobre a Organização e os Processos de Trabalho. Em geral o uso das TICs no setor automobilístico, otimiza a operacionalização das inovações organizacionais e de gestão decorrentes da produção enxuta e do just-in-time, do controle de qualidade total e da engenharia simultânea. Também, a nível da engenharia de processos, o uso das TICs dá maior agilidade e qualidade na geração das informações permitindo desta maneira produzir dados que podem ser aproveitados por vários setores da empresa.

As mudanças organizacionais veiculadas pelo uso das TICs podem ser agrupadas em quatro níveis que estão intimamente inter-relacionados : a) mudanças na relação entre as empresas. As montadoras vêm desenvolvendo novas formas de relacionamento com distribuidores e clientes para a identificação mais seletiva de informações sobre mercados e sobre os consumidores como instrumento importante para a estruturação de uma estratégia competitiva. As informações externas são avaliadas por sistemas de base de dados e ferramentas relacionais (Database Marketing) para melhorar e direcionar os esforços de marketing dos clientes, e por sua vez ampliar mercados e o potencial de novos produtos. As novas formas de relacionamento com fornecedores, distribuidores e clientes permite a padronização da produção (automação), mas com customização (informatização). As montadoras e as empresas de autopeças passaram a buscar padrões de relação mais estáveis, com compromissos recíprocos. Segundo Posthuma, (1994) os principais elementos

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dessa relação incluem: crescente terceirização de partes e serviços; redução do número de fornecedores diretos e crescente demanda por submontagens, ao invés de partes isoladas. A crescente complexidade nas relações entre as montadoras e um grupo selecionado de fornecedores torna fundamental a utilização de EDI tanto na área comercial quanto na engenharia para a introdução de novas formas de gerenciamento, produção, planejamento e desenvolvimento de produtos e processos. No caso do modelo “consórcio modular” por exemplo, a utilização do ambiente CAPP, tem permitido padronizar a documentação da fábrica obtendo uma maior velocidade de geração de planos de processos. Neste contexto os parceiros trabalham com um modelo único de plano, permitindo reduzir o lead-time do processo, assim como, agilizar as revisões de cada operação do processo ao tornar possível a correção de eventuais informações contraditórias durante a execução do mesmo. Isto é viável devido ao histórico das revisões que ficam armazenadas na base de dados do sistema, facilitando um rastreamento de todas as modificações de processo. b) mudanças na organização geral da empresa.

O uso das TICs nos novos modelos produtivos têm levado a uma maior interligação com a gerência como conseqüência da redução de níveis hierárquicos da estrutura organizacional (enxugamento de chefias intermediárias), e a uma alteração no perfil da supervisão existente. Hoje os executivos precisam estar mais próximos da operação; isto possibilita que o processo inteiro se torne um trabalho de uma equipe e que a gestão do processo passe a formar parte do mesmo. Por exemplo, na Volkswagen , em Resende, o uso do ambiente CAPP permitiu delegar a responsabilidade do controle de qualidade sobre o executor da tarefa de forma a diminuir a responsabilidade da inspeção final e aumentar a importância do controle da qualidade como prevenção à falha. Igualmente está contribuindo para modificar o processo de trabalho, especificamente na conexão entre desenvolvimento de projeto e chão-de-fábrica, visando ganhos de flexibilidade, redução no lead-time do processo e, integrando as diversas tarefas em um fluxo lógico de processo. Outro fator importante do uso das TICs é possibilitar que as firmas integrem suas diferentes áreas, particularmente no projeto conjunto de produto e processo e engenharia simultânea , assim como, possam definir melhor suas “unidades de negócios” , com o objetivo de buscar novas áreas de atividades que permitam a manutenção de uma sólida posição na indústria automobilística e de achar oportunidades de mercado mais dinâmicas. Estas novas áreas tendem a ser marketing, design, distribuição, atendimento ao cliente e serviços de pós-venda. c) mudanças na organização da produção. O uso das TICs facilita a coordenação e a colaboração das pessoas envolvidas no projeto, no desenvolvimento e na manufatura integrando essas áreas, com um conjunto de ferramentas computacionais que permitem a aplicação da Engenharia Simultânea. As atividades relacionadas ao projeto, ao desenvolvimento e à manufatura de novos produtos passam a ser realizadas em paralelo ao invés de seqüencialmente. A possibilidade de atender as preferências do cliente customizando o produto, e a redução do tempo entre o pedido e entrega do veiculo, proporcionado pela tecnologia, alteram o planejamento e a organização da produção que passa a ser mais flexível. As linhas de montagem podem produzir hoje um conjunto variado de modelos, não precisando mais ser linhas dedicadas. As TICs facilitam a participação dos fornecedores na linha de montagem dos veículos (por exemplo no Consórcio Modular) através do controle e da coordenação dos parceiros mudando a organização da produção e a simplificação da montagem. O fornecimento de sistemas previamente montados ao invés de peças, resultado de uma maior

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aproximação entre as montadoras e os fornecedores proporcionado pelas TICs, permite maior flexibilidade e uma redução no tamanho da linha de produção. As TICs permitem prestar um serviço mais eficiente e de melhor qualidade ao cliente, assim como, possibilitam a redução de estoques, o aumento da produtividade através de uma maior taxa de ocupação do equipamento, eliminando qualquer função desnecessária no sistema de produção que traga custos indiretos (Santos e Costas, 1996) d) mudanças na organização do trabalho. Tem se desenvolvido a partir do uso intensivo das TICs um maior conteúdo informacional do trabalho e uma crescente integração das diversas tarefas, exigindo desta maneira, por parte dos trabalhadores, uma maior capacidade de coordenação, execução e tomada de decisões. Suas decorrências são as várias formas de polivalência e a junção de atividades de operação, inspeção de qualidade e primeira manutenção. A utilização de TICs, em particular do CAPP no “consórcio modular” possibilitou que o operador de chão-de-fábrica receba um certo nível de informação que facilita a comunicação interpessoal com a área de projeto, pois o sistema de redes de computadores e a alocação de um terminal inteligente no seu posto de trabalho permite-lhe o acesso direto à base de dados do projeto, facilitando assim, uma atuação mais ativa do operário durante o processo de montagem das diferentes partes do veículo. O uso das TICs exige a nível das chefias intermédias e do staff , profissionais capazes de combinar três tipos de conhecimentos: os específicos à atividade desenvolvida num determinado posto de trabalho, os relativos ao funcionamento geral da empresa e as competências e saberes em informática. Esse perfil segundo Tigre e Sarti (1997), não é comum no staff das empresas, onde costuma haver uma dualidade entre os profissionais orientados para tecnologia (especialistas em TI) e os orientados para o mercado (usuários de TI). 5. Conclusão. As TICs são fundamentais na dinâmica do próprio processo de globalização produtiva das empresas do setor automobilístico facilitando profundas modificações nas estratégias competitivas, na arquitetura das funções organizacionais e na escolha de sistemas de gestão e produção dos diferentes atores da cadeia produtiva se apoiando no uso de redes periféricas e corporativas. A tendência futura é a incorporação das TICs no produto através da eletrônica embarcada determinada por pesquisas conjuntas das montadoras Volvo, Renault, Peugeot, BMW, com a empresa France Telecom. Por exemplo, através da instalação de sensores que controlam a velocidade do carro e o fluxo de veículos nas estradas indicando a urgência de freiar em caso de necessidade. Outra aplicação é a utilização de sistemas multimídia para consultar páginas na Web para obter informações sobre o transito ou a meteorologia através de um terminal de computador instalado no carro (programa de pesquisa europeu “Promise”) (Revista Le Point, 1998). As TICs têm aumentado o acesso ao mercado , seja pelo aumento das oportunidades de negócios ofertando produtos customizados, seja pela melhoria dos serviços de venda e pós-venda aos clientes (ex. sistemas de ajuda ao diagnostico), e ainda pelo monitoramento do mercado. Através do acompanhamento on-line, as empresas podem revisar as previsões das vendas e ajustar o processo produtivo à demanda. No modelo tradicional fordista, o papel do sistema de distribuição era simplesmente comercializar produtos padronizados. Em um regime de demanda instável e com tendência pela diversidade, o papel da rede de distribuição é de pesquisar as preferencias do consumidor e as tendências do mercado, constituindo assim, um ponto de referencia das atividades de produção. Sendo as TICs uma tecnologia para facilitar a troca intensiva de dados, seus

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benefícios atingem mais diretamente as grandes organizações envolvidas com o comércio fortemente baseado em informações. As pequenas empresas segundo Brousseau (1995), com baixa intensidade informacional nas transações comerciais são menos beneficiadas devido ao alto custo de operacionalização dessas tecnologias. Além disso a estrutura do setor de autopeças no Brasil é muito verticalizada e heterogênea, cabe indagar se será possível generalizar a utilização das TICs entre todos os segmentos da cadeia produtiva do setor de autopeças, sobretudo para aquelas empresas que não se beneficiam de suporte técnico das montadoras ou de seus fornecedores diretos. Outras dificuldades que têm levado a uma adoção limitada das TICs no Brasil tem a ver com a falta de padronização das tecnologias provocando dificuldades na interface, a mão-de-obra pouco qualificada para operar esse tipo de tecnologia, a falta de segurança e confiabilidade das informações, a necessidade de treinar os parceiros comerciais, a resistência de gerentes e funcionários ao uso das novas tecnologias e uma infra-estrutura de telecomunicações precária e cara. Finalmente é necessário destacar que a introdução das TICs deve estar precedida e acompanhada de novas formas de organizar e gerir a produção, novas rotinas organizacionais e novos padrões de relacionamento com fornecedores e clientes, caso contrário, pode-se apenas cristalizar soluções organizacionais obsoletas ou simplesmente gerar novas formas de realizar os mesmos erros. 6. Bibliografia. 1. ALMEIDA, M. W. , Serviços de infra - estrutura de telecomunicação e

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