Iniciação Ao Teatro
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7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
1/64
ISBN 85-08-0128 1
9 78850801 28 31
I II. I III II I
rt CO
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J
I II
Sociolo
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-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
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Dlreo
Samira Voussef Campedelli
Benjamin Abdala Junior
Preparao de texto
Renato Nicolai
Arte
Coordenao e
projeto
grfi o miolo
Antnio do Amaral Rocha
Arteflnal
Ren Etiene Ardanuy
Joseval Souza Fernandes
Capa
Ary Almeida Normanha
Edio revis ta e atual izada de Iniciao ao teatro
volume inicialmente inclu ido na Coleo Buri t l
publicada na DESA por Thomaz Aquino de Oueiroz.
Sbato Magaldi
Impresso:
Grfica Palas
Athena
ISBN85 08 01283 7
1994
Todos
os
direitos reservados
Editora tiea S
Rua Baro de
Iguape, 110 - P
01507900
Tel.: PABX 27B9322
- Caixa Postal
8656
End.
Telegrfico Bomlivro
-
Fax: 011) 2774146
So Paulo
ISP)
f
.
.
.
Sumrio
Apresentao 5
1. Conceito de teatro
7
Origem etimolgica, 7; A trade essencial, 8; Sntese, 9;
Coordenao, 11; Soma de elementos ,
Espetculo, 13.
2. O texto
----, 15
Teatro literrio, 16; Matria, 16; Gneros, 18; Situao e
caracteres, 21; Objetivo, 22.
3. O
ater 24
Polmicas, 25; A
Commedia dell Arte
26; O
Paradoxo
de
Diderot, 27; O mtodo de Stanislvski, 29; O estranha-
menta brechtiano, 31; Significado, 32.
4. Os elementos visuais 34
Arqui tetura X pintura, 35; Conveno X realismo, 36;
Evoluo da cenografia, 37; Indumentria, 40; Comple
mento audit ivo, 41; Lugar certo, 42.
5. A arqui tetura
43
O achado grego, 45; A soluo romana, 45; Na Idade
Mdia, 46; O palco elisabetano, 46; A cena italiana, 47;
O projeto de Gropius, 49; A arena, 50; Como cons-
truir, 50.
6. O encenador
52
Em busca da autenticidade, 54; A reteatra lizao, 56;
Entrechoque de tendncias, 59; Abertura para o mundo, 60.
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Ei ll l l l l l l l t
7 A empresa 62
A antiga organizao, 65; Teatro de equipe, 67 ; A produ-
o isolada, 69.
8 O pblico
71
o
mvel, 72; Religio, 74; Classes, 76 ; Participao, 77 ;
Prazer esttico, 78.
9 Participao do Estado
80
A censura , 82; Patrocnio, 84; Descentralizao, 86; Fi
nanciamentos, 87; Companhias subvencionadas , 88.
1 Nacionalismo 89
Os postulados, 90; A lei de 2 X 1, 91; Diretores, 93 ;
Patrimnio universal, 94; Falsa questo, 95; Autentici
dade
9 6
11 Qualificativos em voga 99
o boulevard
100 ; Vanguarda, 100 ; Teatro poltico, 103 ;
Teatro pico, 104; Teatro social, 105 ; Teatro popular, 106 ;
Teatro pobre, 108; Criao coletiva, 109 ; O happening
110; Teatro do oprimido, 112 .
12 Destino do teatro 114
Cinema e televiso, 115; Os erros da nostalgia, 117 ; O
exemplo de Copeau, 118 ; Vocao, 120.
Bibliografia 123
Apresentao
niciao ao Teatro um livro escrito pa ra leigos mas que os
especialistas lero com enorme interesse e proveito. Em linguagem
simples e acessvel, aborda todos os problemas bsicos do teat ro,
desde os artsticos at os econmicos.
Aps definir o seu objeto conceito de teatro), analisa sucessi
vamente a pea o tex to ), o espetculo o ato r, os elementos visuais, .
a arquitetura, o encenador) , a sociologia do teatro a empresa, o
pblico, a part icipao do Estado), para encarar finalmente as ques
tes ligadas ao atual momento brasileiro nacionalismo, teat ro comer
cial, teatro social, teatro popular) . A concluso discute o destino
do teatro , definindo em poucas palavras a sua posio dentro da
sociedade modema, em face da concorrncia de outras artes do espe
tculo, como a televiso e o cinema.
Os dados referentes ao passado aparecem sempre que necess
rios para esclarecer o presente, visando-se com isso fornecer ao leitor
uma certa massa de informaes concretas que lhe possibilite obter
uma boa perspectiva histrica . O Autor nunca se nega a dar a sua
. opinio pessoal, fundamentada em uma longa experincia prtica e
terica do teatro , mas, antes de faz-lo, procura situar de forma
objetiva os diferentes pontos de vista sobre o assunto, fugindo assim
tanto do pensamento acadmico e no-par ticipante quanto da pol
mica apaixonada.
niciao ao Teatro
ao mesmo tempo obra de erudio e de
vulgarizao, tendo da primeira o rigor do mtodo, inclusive quanto
bibliografia, e da segunda o fato de dirigir-se indistintamente a
todos os leitores.
DCIO DE
ALMEID
A PRADO
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onceito de te tro
A palavra teatro abrange ao menos duas acepes fundamentais:
o imvel em que se realizam espetculos e uma arte especfica
transmitida ao pblico por intermdio do ator.
O significado primeiro na linguagem corrente liga-se idia
de edifcio um edifcio de caractersticas especiais dotado basica
mente de platia e palco. Quando se diz: Vamos ao teatro
pensa-se de imediato na sada de casa para assistir num recinto
prprio a uma representao feita por atores bailarinos ou mimos.
Teatro implica a presena fsica de um artista que se exibepara uma
audincia. O cinema j subentende a imagem substituindo a figura
humana real. No teatro pblico e ator esto um em face do outro
durante o desenrolar do espetculo
rigem
etimolgic A etimologia grega de te tro d ao voc-
bulo o sentido de miradouro lugar de
onde se v. O edifcio autnomo de fins idnticos quele que se
chama hoje teatro se denominava odeion auditrio. Na termino
logia dos logradouros cnicos da Grcia
te tron
correspondia pla
tia anteposta orquestr e envolvendo-a como trs lados de um
trapzio ou um semicrculo. No se dissocia da palavra teatro a
idia de viso. Ler teatro ou melhor literatura dramtica no
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8 INI I O AO
TE TRO
abarca todo o fenmeno compreendido por essa arte.
nele indis
pensvel que o pblico veja algo, no caso o ator, que define a espe
cificidade do teatro. A contemplao do bailarino caracteriza o
espetculo do bailado e a do cantor ou msicos, aspectos da arte
musical. A lembrana da etimologia de t tro tem por fim no ape
nas a busca de seu conceito, mas tambm o esclarecimento de um
dado inicial, cuja omisso vem originando diversos equvocos, entre
os quais, sobretudo, o da precedncia da arte literria, com prejuzo
do conjunto do espetculo.
trade essencial
No teatro dramtico ou declamado, objeto
deste ensaio h os gneros da comdia
musical e da revista, por exemplo , so essenciais trs elementos:
o ato r, o texto e o pblico. O fenmeno teatral no se processa,
sem a conjugao dessa trade.
preciso que um ator interprete
um texto para o pblico, ou, se se quiser a lterar a ordem, em funo
da raiz etimolgica, o teatro existe quando o pblico v e ouve o
ator interpretar um texto. Reduzindo-se o teatro sua elementari
dade, no so necessrios mais que esses fatores. As reformas dos
puristas, preocupados em suprimir o gigantismo espetacular ou as
contrafaes de qualquer natureza, visam sempre a devolver o teatro
aos seus dados essenciais. Sem a interpretao de um texto, o ator
se encaminhar para a mmica. A ausncia do ator costuma ser
suprida, na leitura, pela imaginao, que visualiza as rubricas e ins
creve os movimentos num cenrio ideal. Esse pluralismo na com
posio do teatro acarreta mesmo as idiossincrasias part iculares.
Muitas pessoas preferem ler as peas, para que o prazer esttico no
fique sujeito deformao de um mau desempenho ou ao condicio
namento inartstico dos intervalos. Acham esses cultores do solipsis
mo que nenhuma realizao material corresponde liberdade cria
dora da prpria mente. Os espectadores natos, porm, atrapalham-se
com as indicaes do dilogo escrito, e no so capazes de armar
a contento uma montagem imaginria. Eles esto mais prximos
do teatro, definem-se em verdade como parte dele. Sem dvida, os
amantes de teatro no podem prescindir da lei tura: as representa
es, at nos centros artsticos mais desenvolvidos, cobrem apenas
uma parcela da dramaturgia, e aqueles que se contentarem com elas
deixaro de usufruir um imenso acervo literrio. A leitura traz um
J
ON EITO
DE
TE TRO l
enriquecimento artstico e cultural, mas no chega a constituir o
fenmeno do teatro. Muitas vezes se obrigado a permanecer nela
porque a curta durao da vida exige que se substituam experincias
completas por resumos ou simulacros.
Conceber um quadro abstrato em que o ator represente para a
sala vazia, realizando-se no prazer solitrio, talvez seja a maior
contrafao da idia de teatro.
ntese
A presena fsica do ator, alm de definir a especifici-
dade do teatro, importa na colaborao de vrias outras
artes. Antes de mais nada, cabe observar que ela supe um espao
concreto, no qual se processam os deslocamentos .do intrprete.
Sobre o palco, a arena ou um simples estrado ergue-se o cenrio,
que sugere o ambiente propcio ao. O cenrio vale-se de ele
mentos oriundos de duas outras artes: a arqui tetura e a pintura. A
criao de espao para os movimentos do ator requer o concurso
de dispositivos arquitetnicos, distribudos segundo uma unidade est
tica prpria e os requisitos funcionais. A pintura, que, antes da
corrente construtivista, continha o princpio da decorao do palco,
fornece tambm elementos importantes cenografia. A descoberta
da luz eltrica, aplicada ao teatro a par tir de fins do sculo passado,
alterou fundamentalmente o conceito de cenrio. Pode-se afirmar
hoje em dia que existe uma arte da iluminao, apoio valioso para
o melhor rendimento do espetculo. O palco recorre arte do
mobilirio, eventualmente escultura, etc. E a necessidade de que
as personagens se completem com figurinos adequados, modernos
ou histricos, impe o concurso da arte da indumentria.
O ator comunica-se com o pblico por meio da palavra, instru
mento da arte literria. Embora alguns tericos desejem menosprezar
a importncia da palavra na realizao do fenmeno teatral autn
tico, sua presena no se separa do conceito do gnero declamado.
Para o ator, entretanto, a palavra um veculo que lhe permite
atingir o pblico, mas no se reduz a ela a interpretao. Sabe-se
que o silncio, s vezes, muito mais eloqente do que frases intei
ras. A mmica ou um gesto substitui com vantagem determinada
palavra, de acordo com a situao. Postura , olhar, movimentos
tudo compe a expresso corporal, que participa da eficcia do
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INICIAO AO TEATRO
desempenho. Por isso se convencionou chamar de interpretao
arte do ator, que reclama tantos recursos expressivos.
O teatro no sente pejo de recorrer a elementos musicais, para
que uma . cena alcance pleni tude. Num exemplo corriqueiro, pode o
ator, sozinho no palco, ligar uma vitrola,
para
que a msica povoe
a. solido. Ou um dilogo tem a sublinh-lo um fundo sonoro, que
filtra o derramamento amoroso. A msica, se bem aproveitada, no
se reduz ao papel de acompanhamento, mas pode integrar-se na
expresso dramtica.
O cinema e a TV, desde a sua inveno rotulados como con
corren tes e inimigos do teatro , prestam-se tambm a figurar entre
os elementos do espetculo. No se pe em dvida a adaptabilidade
da arte dramtica
para
a tela e para o vdeo . Exige-se apenas que
a transposio observe as regras da nova linguagem. Peas inteiras
so tambm filmadas ou televisionadas, sem o abandono dos mtodos
teatrais, no obstante o veculo diferente estivesse a reclamar uma
recriao completa nos seus meios. Quanto ao teatro, discute-se a
legitimidade da projeo de cenas e do funcionamento de um apa
relho de TV no quad ro do espetculo. Piscator 1893-1966 no
hesitou em aprove ita r pelculas nas montagens do tea tro poltico,
sobretudo na dcada de vinte, para trazer maior soma de argumentos
panfletrios convico do espectador. Jean-Louis Barrault. l910
visualizou, atravs da cmara, o sonho do protagonista de Le livre
de hristophe olomb
de Paul Claudel 1868-1955 . Seria essa
uma incorporao espria de out ra arte ao te rreno do tea tro?
Desde que justificada e propiciando efeito esttico, inatingvel
de outra forma com a mesma economia, a projeo cinemato
grfica ou a TV no tm por que serem banidas do teatro. Ambas,
como tantas outras artes, esto capacitadas a fornecer elementos ao
espetculo. Cumpre ao tea tro absorver o que lhe seja til.
A multiplicidade de fatores art st icos conduz sntese teatral .
Arte impura,
por
certo, captando aqui e ali todos os instrumentos
capazes de produz ir o maior impacto no espectador. A riqueza em
sua composio torna o teatro uma das artes mais sedutoras, que
alcana o pblico pela sntese ou pelo agrado superior de um ou
outro elemento. Certos espetculos obtm xito pela harmonia total
da realizao. Outros, apenas pelo interesse do texto, ou ainda pelo
mrito do desempenho. Cenrios ou figurinos excepcionais consti
tuem, s vezes, o principal atrativo. H muitas maneiras, assim,
C ONCE ITO DE TEATRO 11
par a que o teatro cumpra o seu papel. Ele ser tanto mais vlido,
artisticamente, quanto da melhor categoria for cada um dos ele
lIlentos que o compem e mais feliz a unidade final.
Como coordenar, porm, elementos dispersos,
oorden o
tomados de diferentes artes? O autor, escrita a
pea, pode considerar encerrada a sua tarefa, desobrigando-se de.
acompanhar o seu destino cnico. E os mortos esto impedidos
mesmo de zelar pelo respeito sua palavra original
O ator
cuida, eventualmente, de reunir os vrios aspectos da montagem,
mas no estranhvel se essa preocupao entra em conflito com
o trabalho in terpretativo que lhe cabe. Afinal, ele no se v repre
sentar e, para ver os colegas, precisa omitir as prprias marcaes
no palco.
Ser natural ponderar tambm que, deixado o espetculo ao
arbt rio de cada ator e dos responsveis pela cenografia e pela indu
mentria, a desconexo pode comprometer o equilbrio artstico. Em
abono dessa tese, lembre-se a disparidade das exegeses de um texto
e dos resultados a perseguir. Como a obra de Moli re 1622-1673
se classificava, t radicionalmente, no gnero cmico, todas as suas
montagens procur avam o riso. Os estudos modernos passaram a
ressaltar o vigor dramtico subjacente aos dilogos de aparncia
ligeira, e as novas encenaes refletiram essa maneira de ver. Muitos
espectadores provavelmente se recordam da austeridade dramtica
de Le misanthrope
na verso de Jean-Louis Barraul t, apresentada
no Brasil em 1954. Outros intrpretes assinalaro no texto, futura
mente, aspectos nos quais no se demoram hoje os estudiosos.
Para
fundamentar-se a exigncia de um espr ito coordenador
dos vrios elementos do espetculo, no necessrio abandonar o
terri trio do teatro. Recorra-se anlise pirandell iana, segundo a
qual h uma verdade par a cada criatura. Os objetos so passveis
desse ou daquele entendimento, segundo a viso particular do con
templador. Os indivduos prestam-se aos mais contraditrios juzos,
de acordo com a formao e o ngulo de quem os examina. No
campo da exegese de textos, que, apesar dos esforos de objetividade,
conserva napelavelmentetantos resduos subjetivos, os analistas po
dem chegar, por caminhos lgicos, a concluses opostas. Da o
reclamo de uma viso unificadora, que amolde todos os ingredientes
para o mesmo fim.
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12 INICIAO AO TEATRO
o
reconhec imento dessa necess idade legi timou, no tea tro , a
figura do encenador. A ele i ncumbe
pr
em c ena uma isto ,
real iza r o espetculo. Sua impor tnc ia cresce, se se conside ra r que,
assim como o d ramaturgo o
autor
do texto, o encenador o autor
do espetculo.
No
se lhe pode recusar tal eminncia , no fenmeno
cnico.
Uma
pea re su ltar nesse ou naquel e espetculo, mu itas
vezes de remoto parentesco entre si , em funo da
arte
d encenador.
Pr incipa lmente agora , com a complex idade dos recursos aliciados
pelo tea tro , compe te ao encenador const ru ir a harmonia ar t st ica do
espetculo.
Aceitando-se que o teatro tome de em
Soma de elementos
prstimo a outras artes os elementos
que o compem, a fim de proceder sntese, cabe
perguntar
se ele
no se caracter iza pela simples soma das conquistas real izadas for a
de seu mbito. A resposta a fi rmat iva si tuar ia o teatro como a rt e
secundr ia , dependente das experincias levadas a cabo em out ros
campos.
Num primeiro exame, pa rec e razovel que a l it erat ura faa as
suas pesquisas na poesia ou no romance, comunicando os resultados
estticos ao dramaturgo. O arqui te to e o pin tor t raba lhar iam no seu
terreno especfico,
para
oferecer ao cengrafo as solues a que
chegaram. Arranjo a posteriori das parcelas fornecidas por outras
artes o teatro se consideraria
mera
vulgarizao / delas, permane-
cendo em atraso e nunca almejando uma arrancada vanguardista,
certo que as artes puras se prestam com maior facilidade
experimentao. Art e coletiva, o t eat ro tende a evoluir com mais
cautela, e
no
se deve esquecer que fala a numeroso pblico, eviden
temente alhe io aos requintes do aprec iador indiv idual . As implica
es co le tivas da a rte dramtica fazem-na mais t mida que a poesia
ou as art es plsticas.
Ela
no
se l imita, c on tudo , a aprovei ta r as
formas que lhe so transmitidas nos vr ios setores.
Por
isso se afirma que o teatro uma sntese de elementos
artsticos e
no
de artes. O cenrio utiliza da arquitetura e da
p int ura alguns dados, mas
no
se contm
numa
ou
noutra
arte :
fo rja a sua prpr ia especifi cidade, e den tro dela se movimenta livre
mente, chegando a solues inditas.
Nada
impede que a cenografia
seja mais avanada que as out ras a rtes p lst icas.
CONCEITO DE TEATRO 13
A literatura dramtica, atuando em territrio prprio, traz a sua
mensagem, que pode no ter sido cogitada ainda nas outras artes
literrias. Eurpides 484-407/6 a.Ci),
Molire
ou Ibsen 1828-1906)
est o na vanguarda de seu t empo, em relao a quaisquer sondagens
art s ticas. Um grande dramaturgo patrimnio tanto do teatro
quanto
da literatura.
Da no
se just ificar um ce rt o complexo de i nferi oridade do
teatro, em face de outras artes, aparentemente mais desenvolvidas
neste sculo. Qua lquer fo rma de expresso estagna, em certo mo
mento, at receber um impulso inaudito,
por
meio do gnio. A sim
ples circunstncia de que a dramaturgia
modema
conta com a figura
de um Brecht
1898-1956
prova que o teatro est muito vivo,
atent o s mais sens veis preocupaes do tempo.
A sntese de elementos a rt sti cos faz o espetculo,
spetculo
e em funo dele que se deve pensar o teatro.
Espetculo tea tra l e tea tro podem ser conside rados
sinnimos,
e se
confundem como expresso artstica especfica.
Se a l ite rat ura dramt ic a fica documen tada em livro e os cen
rios e figurinos subsistem em fotografias e desenhos, o espetculo
uma arte e fmera, que se rea li za integra lmente na sua durao. O
preconcei to da e te rn idade da arte,
to
difundido, relega
por
isso o
espetculo a p lano inferior, valorizando em contr apar tida o texto,
p erenizado na histria literria. Mas a sit uao especial do t ea tro
j leva Ari stteles
384-322
a.C.) a considerar a duplicidade de
pea e espetculo. Apenas, o terico da otica no considera a
primei ra e lemento do segundo , mas o espetcu lo par te da t ragd ia.
Para
ele, c omo a t ragd ia imi tao de aes e a imi tao se execu ta
por
atores, o espet culo cnico h de ser neces sariamente uma das
partes da tragdia, e depois a msica e a elocuo, pois estes so os
meios pelos quai s os a tores e fe tuam a imi tao ver
RISTT L S
,
otica trad. Eudoro de Sousa, Lisboa, Guimares, p. 76 . A que
rela reduz-se a problema de terminologia, porque, ao definir a
tragdia, o filsofo grego concei tu a insensivelmente o teat ro ou o
espetcul o trgico. Fosse o espetculo part e da tragd ia e
no
ela
elemento dele, no se jus ti fi ca ria que a mesma t ragd ia resu ltas se,
de acordo com as encenaes, em espetculos to diferentes.
O efmero confere ao espetculo categoria esttica especial, que
pode ser
uma
razo a mais
para
o seu fascnio. Imaginar que , em
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INICIAO
AO
TEATRO
poucas horas, se frustra uma comunicao artstica ou se cumpre o
destino do teatro, cria para esse tempo um privilgio.
A repetio ao longo da vida est na base dos prazeres essen
ciais. Termina um espetculo, e o sorti lgio s ocorrer, para o seu
criador, em novo espetculo. Finda uma temporada , restar dele
apenas a memria. A concentrao de esforos artsticos, em torno
do efmero, atribui ao teatro misria e grandeza in confundveis.
o
texto
Costuma-se conceder prioridade ao texto, na anlise do fen
meno teatral. At os encenadores e intrpretes mais bem-sucedidos ,
como Baty (1885-1952) e Jouvet (1887-1951) , reverenciam o dra
maturgo, fonte de sua atividade. Baty encontrou uma bela frmula
para exprimir a precedncia do elemento literrio :
O
texto a
par te essencial do drama. Ele para o drama o que o caroo
pa ra o fruto, o centro slido em torno do qual vm ordenar-se os
outros elementos. E do mesmo modo que, saboreado o fruto, o
caroo fica para assegurar o crescimento de outros frutos semelhan
tes, o texto, quando desapareceram os prestgios da representao,
espera numa biblioteca ressuscit-los algum dia (ver Gaston B TY
Le metteur en scne, in ideau
baiss
Paris, Bordas, 1949, p. 218
Citando que no comeo era o verbo, Jouvet reconheceu que o
escri tor o elemento principal e ativo e o verdadeiro diretor (ver
Louis
JOUVET
ilexions du comdienRio de Janeiro, Americ, 1941,
p. 218 Sem obra dramtica, no h teatro. A existncia de uma
pea marca o incio da preparao do espetculo .
A arqueologia, porm, no autoriza a exegese do ator francs.
No comeo no era o verbo, como no era o bailarino ou outro
elemento da representao. Desde o princpio, as partes do teatro
teriam aparecido indissociadas. De nada adianta afirmar que no
se faz espetculo sem pea.
texto, alinhado na biblioteca, sem
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16 INICIAO AO TEATRO
algum
que
o encene,
tamb
m
no teatro
. Ser sempre mai s
fecundo pensar a arte dramtica na tot al id ade dos seus e lemento s.
Ao escrever a pea, o
dramaturgo
autntico j supe a ence
nao, da qual par ticipa obr igator iamente o pblico . Se ele quisesse
prescindir da representao, preferiria
outro
gnero literrio.
Pode
o
autor no
se importar com a acolhida do pblico, mas nunca deve
esquecer
que
as suas
palavras
precisam ser
encontradas
em funo
de
uma
audincia.
Aqueles que no
tm a
vocao
leg t ima do
eatro literrio teatro
hipertrofiam o significado do texto
como
l it er atura. O espet culo ser ia a boa ou a m execuo de uma
obra
completa
em si mesma , d et ermi nant e nico da cat egor ia a rt s ti ca do
te at ro. Romanc is ta s e poetas que no dominam o dilogo cnico
escudam-se na crena de que,
embora no
tenham
escrito
uma pea
t ea tr al (e h no qual if icat ivo
uma
velada
ironia),
fizeram
boa
litera
tura.
Essa
posio ope-se
dos fabricantes de peas, artesos
hbeis,
que
normalmente
esto fora da
literatura
, e se distinguem
pelo que se con vencionou
chamar
carpintaria
teatral.
Os dois pon to s de v is ta acham-se eq id is tant es do
teatro
autn
tico , e talvez o primeiro
tenha
menos
contato
com ele do
que
o
segundo.
No
se recordam exemp lo s de peas que sejam
boa
litera
tura e
mau
teatro.
Embora
o juzo possa
parecer
, demasiado severo,
os textos de t ea tro que
no
se def inem como teatrais acabam tam
bm po r enr iquece r o rol da m li te ra tura.
atria
Lide
o poeta
com
o verso ou a
palavra
e o
romanc
ista
com a
narrativa
, o veculo do
dramaturgo
o dilogo.
O
romance pode tambm
va le r-s e do dilogo, mas subsidiariamente,
sem
que
aba rque toda
a
narrao
.
Grande
parte
da
dramaturgi
a
clssica foi vazada em verso,
no
cabendo
,
apenas por
isso, tax-la
de potica. Ali s , a s imples exi st nc ia do verso, como se sabe ,
no
s ignifi ca poesia . No
teatro
, alega-se que muitos dilogos de I bs en,
feitos em pros a, encer ram ma is poesia do que peas intei ras escri tas
em versos.
O dilogo teatral requer um encadeamento prprio,
porque
deve
ser tr an
smitido pelo ator. Sua
matria
, na
boca
de um
ser
humano
que
o
pronuncia
, visa c ria o da per sonagem.
No trans-
U TEXTO 17
cur so do espet culo, i ns taura- se o un iver so t ea tr al po r intermdio
da
ao
de per sonagens em cena .
Drama
etimologicamente, significa a o. A simples conver sa ,
entabolada como
dilogo,
no
constitui
ao,
e
po r
isso care ce de
teatralidade.
Para
se facil itarem a
tarefa
de fixar personagens agindo,
os autores antepem-lhes obstculos,
cuja
transposio
conduz
ao
desfecho. Os obstculos colocam-se no ntimo ou no exte rior das
per sonagens , e carac te ri zam o conf li to, que a maioria dos tericos
julga essenc ia l ao conce ito de drama.
Ao
con funde- se na l inguagem leiga com enredo ou int riga.
Henri Gouhier (1898- ) distingue-os com objetividade, propondo
uma
definio tcnica, de proveito
para
dramaturgos
e estudiosos. Mui tas
vezes,
po r
inadvertncia, se escreve
ao
, quando a pal av ra
adequa
da ser ia enredo. P ie rr e-Aim
Touchard 1903-
) j hav ia denomi
nado o enredo o esqueleto da ao
ver
Pierre-Aim TOUCH RD
Dionysos apologie pour le thtre
Par is , Seuil, 1949, p.
119). Es
tabelecendo paralelo com o esquema d inmico de Bergson , Gouhier
ensina :
A
ao , pois , um esquema dinmico com personagens
que
pedem vida e situaes que tendem a ser encenadas, vida e repre
sentao
estando dirigidas
num
certo sentido
ver
Henri GOUHIER
L oeuvre thtrale
Paris,
Flammarion
,
1958,
p.
73).
O
enredo,
igualmente essencial
obra, opera
a
encarnao,
para
oferecer
ao
a possibilidade de desenrolar-se
num tempo
datado, de exter io
rizar-se num espao habitvel (p.
80).
Exempli fic a o ens as ta a
distino com Brnice e L tourdi. A tragdia de Racine
1639
-1699)
o
tipo da pea em que a ao
atualiza
sua fora dramtica
ao
mximo
com um
mnimo
de intriga
p. 80-1)
. J a
comdia
de
Moli re se
mostra o
tipo da
pea
em
que tudo
int ri ga, e at
in tr igas: a
ao,
se nos atemos mais
palav ra que
ao objeto,
reduzida a
uma indicao
(p.
85).
Acaba
o e ste ta
po r
referir-se
funo
fabuladora
do
enredo
e
emoo
criadora da
ao
. O
enredo
cumpre
o objet ivo de divertir e a
ao
faz as personagens exist irem
como
-pessoas.
Apr es ent a o, de senvolvimento e solu o de um conflito - eis
o e sq uema habi tu al da
chamada
pea
bem
feita, alimento rotineiro
dos espetculos.
Esse
p rocesso const ru ti vo sugere a id ia de unida
des de ao, tempo e lugar . As per sonagens ,
dado
o tempo mnimo
em
que
se
desnudam para
o pblico, surgem no palco j
beira
da cri se aguda
que
lhes def in ir o destino .
Para
que
no
se disperse
a a teno do
espectador
e
no
se
prejudique
a organicidade do texto ,
-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
10/64
18 INICIAO AO TEATRO
concentram-se os conflitos num tempo e num lugar. Os conceitos
mais ou menos restritivos dessas unidades fazem que a pea se passe
num dia ou em meses e num s recinto ou na mesma cidade. Tudo
so convenes e o texto , obra de fico , observa-as ou se l iberta
delas, impondo-se pela prpria capacidade de convencer.
No se pode tratar do texto sem uma referncia aos
n ros gneros aos quais ele se filia. Louvando-se em Arist
teles, tratadistas apresentam como gneros bsicos, na tradio oci
dental iniciada na Grcia, a tragdia e a comdia. Ambas ligam-se
ao culto dionisaco, por tador no seu bojo do elemento sombr io da
primeira e da expanso alegre da segunda. Desconhecem-se, porm ,
as fases intermedirias dessa passagem, e o prprio Aris tteles des
mente a pureza dos gneros, ao afirmar que a epopia traz em
germe a tragdia e Homero sc. IX a.C. ) foi o primeiro que
traou as linhas fundamentais da comdia ver RISTTELES Po-
tica p.
73
. Na estrutura da comdia aristofanesca, a nica subsis
tente do sculo V a.c. e a sua mais genuna expresso, encontram-se
o comos tico sobrevivncia do culto ao deus Dionsio, no cortejo
de camponeses brios e indisciplinados entoando os cantos flicos),
a farsa do Peloponeso e a comdia siciliana contribuindo com a
idia de entrecho) e a prpria tragdia que lhe levou as suas con
quistas formais, pela tcnica do verso e ordenao das partes) . Cada
gnero , no seu apogeu, aparece, assim, contaminado e impuro, e a
pluralidade de elementos que o compem recusa o rigor em sua
caracterizao. A lt ima pea da tetra logia trgica chamada drama
sat rico, gnero hbrido, que toma o prprio Dionsio e seu squito
como personagens e se .destina provavelmente a engastar o espetculo
no culto religioso.
O teatro erudito de Roma nacionalizou o legado grego, e a
dramaturgia medieval, despontando nas novas lnguas em ormao.,
estabeleceu seus prprios gneros. As peas religiosas da
Idade
M
dia francesa dividem-se em dramas litrgicos, dramas semilitrgicos,
milagres e mistrios, correspondendo em parte s laudas dramticas
da Itlia ou aos miracles e moralities ingleses. O Sculo de Ouro
espanhol valoriza na plenitude o auto sacramental. As vrias denomi
naes referem-se terminologia crist que lhes deu origem, e seriam
abandonadas pelos teatros que, no Renascimento, voltaram ao modelo
greco-lat ino. A revivescncia clssica atingiu sobretudo a It lia e a
o TEXTO 19
Frana, ao passo que a Espanha e a Inglaterra mostraram-se mais
sensveis ao esprito medieval. Procuram-se aqui, naturalmente, os
amplos painis didticos, porque no ser difcil discernir na tragdia
de Corneille 1606-1684) a continuidade dos gneros medievais, em
lugar da estrita observncia dos padres aristotlicos.
Nesse quadro, Shakespeare 1564-1616 , que tantos estudiosos
no hesitaram em qualificar de brbaro, aps seu selo pessoal, visan
do a uma nova sntese de elementos trgicos e cmicos. As tragdias
puras do autor de
Hamlet
so assim designadas no porque estejam
isentas de cenas cmicas, mas porque a cats trofe do desfecho acar
reta a morte dos protagonistas. Shakespeare foi o grande mestre do
romantismo e Victor Hugo 1802-1885 , no prefcio de Cromwell
manifesto esttico do movimento, preceitua a adoo de um texto
que passa natura lmente da comdia tragdia, do sublime ao gro
tesco. Preferiu-se denominar drama esse novo gnero compsi to, e
da por diante o teatro desrespeitou sem pejo as classificaes tradi
cionais. A chamada dramaturgia de vanguarda, sobretudo, fez ques
to de abolir os gneros rotineiros, e, para citar um s exemplo ,
veja-se a obra de Ionesco 1909-
:
cantora careca antipea;
lio drama cmico; Jacques ou a submisso comdia naturalista;
cadeiras farsa trgica; e Vtimas do dever pseudodrama. O teatro
de hoje procurou refletir, at nos gneros, a dissociao do homem
contemporneo.
O predomnio da ao ou da intriga enquadra uma pea. A
fronteira ent re os gneros no pode ser determinada com preciso,
vendo-se, a cada instante, comdia com elementos dramticos e drama
com elementos cmicos. A tragdia estaria codificada com maior
rigor,
por
causa do exemplo de
tsquilo
525-456 a.C
. ,
Sfocles
496-406 a .C.) e Eurpides, e dos preceitos da Potica aristotlica,
da qual se perderam os captulos relativos comdia. A mimese
trgica fixaria os homens melhores do que eles ordinariamente so,
e a cmica, piores. Ao definir a tragdia, Aristteles refere-se
imitao de aes de car ter elevado. Todos esses conceitos so
demasiado vagos, e no correspondem obra dos trs trgicos. Que
significaro homens melhores? Ent ra ri a a ponto de vista tico ou
classe social, j que a tragdia se nutre da saga herica, a cargo de
reis e aristocratas? Sob o aspecto moral, discutem-se aes de vrios
heris trgicos, como Xerxes, Cli temnestra ou Creonte . O que pro
voca a tragdia de muitos protagonistas a transgresso de leis
religiosas ou de suposto direi to natural , acarretando a sua perda. E
-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
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20 INICIAO AO TEATRO
paira sobre a tragdia a presena da fatal idade, a dependncia
humana
do arbtrio divino, a noo fundamental da vida como efmero e
sof rimento - circunstncias ausentes da teorizao aristotl ica. Inte
res sado mais em explorar o efe ito patt ico, Eur p ides timbrou em
trazer para a cena reis aleijados ou em andrajos.
H quem negue a possibi lidade da tragdia, no mundo moderno,
porque a par ti r do c ri st ian ismo se desenvolveu a id ia do l iv re -a rb
trio, incompatvel com os postulados da rel igio grega. Como acre
ditar hoje em vontade super ior dos deuses, regendo o destino humano?
Os dramaturgos atrados pelo gnero trgico procuraram deslocar a
fatalidade para o conflito com o meio sufocante ou a prpria falha
interior. Dentro dessa acepo ampla
que
se podem considerar
tragdias, po r exemplo, Mourning becomes Electra Electra e os fan
tasmas), de O NeiII
1888-1953),
e Dea th of a salesman morte
de um caixeiro-viajante), de
Arthur
Miller 1915- ).
O drama, liberto da fatalidade e mais condizente com os con
flitos do cr isto , que podem ser resolvidos sempre pelo arrependi
mento e pela penitncia,
medrou
na l it er atur a tea tr al e compreende
as peas norma lmen te denominadas srias. Se nele predomina a
int riga, s endo mnima a ao , assenta-lhe a palavra melodrama ,
to
em voga no
teatro
de efeitos fceis e lacrimejantes .
A comdia, nas incurses mais ambiciosas, recusou sempre con
f ronto desf avorve l com a t ragdia, embora o preconcei to contr a
ela j se mani festasse no a tr aso
com
que foi admi tida nos concursos
atenienses. Uma das grandes lutas de Aristfanes 446?-385?
a.C,)
foi
para limpar
a comd ia da po rnogra fia e da lascvia de
sua dana
(o crdax), conferindo- lhe dignidade semelhante da tragdia. Na
parbase de Os
cavaleiros,
chega o
autor
a proclamar que a arte
de fazer comdias a mais difcil de todas. Nessa senda, acompa
nhou-o Molire, reivindicando para o gnero uma inequvoca supe
r ioridade. Afirma o comedigrafo, na Critique de I cole des femmes
Crtica da escola de mulheres): se , pela dif iculdade, se colocasse
o mais no caso da comdia, t alvez no fosse engano. Porque, enfim,
acho que bem mais fcil guindar-se aos grandes sentimentos, desa
fiar em versos a Fortuna, acusar os Destinos e dizer injrias aos
Deuses, do que penetrar devidamente no ridculo dos homens, e
exprimir agradavelmente no teatro os defeitos de t odo mundo . Quan
do se pintam her is , faz-se o que apraz ; so retratos de
pura
inven
o, nos qua is no se procura de modo a lgum a semelhana, e
onde
se tem a seguir a trilha de
uma
imag inao que se d livre curso,
o TEXTO 21
e que f reqentemente deixa o verdade iro para
agarrar
o fantstico.
Mas
quando
se p in tam os homens , preci so
pintar
ao vivo; deseja-se
que esses retratos sejam fiis, e nada se obteve se neles no se
conseguiu fazer reconhecer as pessoas do seu tempo. Numa palavra,
nas peas s rias, bas ta ,
para
no ser cen surado , dizer coisas que
sejam de bom senso e bem escri tas; mas isso no suficiente nas
outras, preciso brincar; e
uma
est ranha empresa a que consi ste
em fazer rir as pessoas de bem .
Essa
reivindicao,
fundada
na qua lidade das peas ,
no
deixa
dvida quanto mesma hi erar qu ia da comd ia e da tragdia. Anal i
s ando o problema, Gouhier no chega a outra concluso e afirma:
no
h maus gneros: h somente ms peas
obra
citada, p. 203).
A ao define tambm a comdia e, quando ela d lugar intriga,
surge o vaudeville, que est
para
a comdia
como
o melodrama
para
o drama . Gouhier admite
uma
hierarquia, porm, em termos exclu
sivamente teatrais, que no
apelam para conceitos ticos, filosficos
ou religiosos. Cada gnero fornece as suas obras-primas.
Mas
ser
jus to dis tinguir entre
Tartuffe,
de Molire, e
Occupe-toi d Amlie
de
Feydeau 1862-1921).
A
pea
de ao alcana um grau mais
elevado do que a pea cuja intriga se basta.
Com
a primeira, o
teatro atinge seu duplo fim: diver ti r criando personagens que existem
como pessoas p. 2 12 ). Numa dramaturgia maior , o poeta insuf la
a v ida a personagens dot adas de
uma
existncia histrica e miste
riosa como a das c riatur as p. 216). O simples enr edo no bas ta
para que as personagens apaream em sua completa dimenso humana.
Outra
divi so habitua l na dramatur
itu o e c r cteres
gia a de pea de situao e pea
de caracteres.
Ela
conduziria, na aparncia , aos conceitos de intriga
e de ao: a primeira, dominada pela int riga , e a segunda, a limen
tando-se da ao. Sartre
1905-1980)
definiu o t eatro
moderno
como de situao, oposto ao antigo, que seria de caracteres. Esse
conceito j no se ajustaria s idias de intriga e de ao,
porque
ser ia inconcebvel reduzir o
teatro
moderno in triga . A dis tino
vem da prpria p robl emt ica sartriana, em que o homem escolhe
sempre numa situao dada. Se verdade que o homem livre em
uma situao dada e que se escolhe livre numa situao dada e que
se escolhe
nesta
e
por
esta s ituao, ento preciso mostrar no teatro
si tuaes simples e humanas e l iberdades que se escolhem nestas e
-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
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INICIAO AO TEATRO
por
estas situaes (apud Francis JEANSON,
Sartre par lui-
me
Paris, Seuil, 1955, p. 11) . Est claro, porm, que a situao procura
a ressaltar a ao do homem se escolhendo. O talento na inveno
de situaes acaba por traar a trajetria de um carter. No outro,
de resto, o processo de CorneilIe em
Le Cid
em que o protagonista
escolhe permanentemente entre duas possibilidades que as situaes
lhe oferecem. Por certo toda grande pea se assinala pela justeza e
inteligncia das situaes e pela profundidade dos caracteres que se
forjam dentro delas.
jetivo O texto deve ser escri to para a eficcia do espetculo.
No admite apenas uma reao a posteriori que o es
pectador sentiria ao voltar para casa. Meditam-se certos aspectos,
sem dvida, numa reflexo que sucede ao cair da cortina. O prazer
esttico sente-se, globalmente, no decorrer da representao, e no
se consegue reviv-lo, mais tarde, se no se manifestou na presena
do ator.
O imediatismo do efeito teatral reclama da pea uma srie de
caractersticas. Os dilogos precisam sugerir que so os nicos que
poderiam ser pronunciados, naquela situao. A fala harmoniza-se
com o conjunto do desempenho, no sufocando o ator, pela demasia,
at amarrar-lhe os gestos e os movimentos. As sutilezas da frase,
cuja percepo no se coaduna com a rapidez das rplicas, vivem
mal no palco. A sntese poderosa capta o pblico pelo choque.
Escreveu-se com abundncia que uma pea deve ser verossmil.
Esse pressuposto contribuiu muito para, na dramaturgia de propsitos
realistas, se abolirem os monlogos, que no natural que as
pessoas falem sozinhas. A converso do monlogo em dilogo passou
a expandir-se, tambm, no teatro renascentista, com o objetivo de se
alcanar maior dramaticidade. Ao invs de monologarem, os prota
gonistas da tragdia de Racine dialogam com seus confidentes.
Colocar a verossimilhana como padro de valor excluiria do
. teatro os enredos fantsticos ou fantasiosos, que muitas vezes conven
cem mais a platia. Toda a comdia aristofanesca no poderia ser
aferida pelo cnone do verossmil, porque ningum acredita que um
mortal funde , acima das nuvens, uma cidade imaginria, como sucede
em Os pssaros. Os entrechos inventados por Aristfanes, contudo,
servem muito bem s teses que ele advoga. curioso observar,
por outro lado, que acontecimentos verdadeiros, sados da realidade,
o
TEXTO 13
tornam-se inverossmeis, ao serem transpostos para uma pea. O
autor no conseguiu insuflar-lhes credibilidade. O texto deve, por
tanto , chegar convico artstica, diversa da simples realidade, e
cujo aproveitamento literal define apenas a reportagem.
Quando uma obra tem garra, no se pergunta se os seus ante
cedentes ou o seu entrecho so ou no verossmeis. S mais tarde,
numa anlise fria do espetculo, cabem certas indagaes, e entre
elas, por exemplo, se os pressupostos da histria de dipo seriam
possveis. As dvidas sobre a veracidade real da situao tratada por
Sfocles no so absurdas, e obedecem antes a lgica irrepreensvel.
Sem contar a fatalidade que j o marcou, no nascimento, como
dipo poderia desconhecer o modo pelo qual morreu o antigo rei de
Tebas, seu antecessor, e deixar de concluir que foi
seu
assassino?
Essa objeo, levantada num esmiuamento posterior, no invalida
o alcance da tragdia. Gouhier explica muito bem o motivo da
eficcia de
dlpo Rel
independentemente desse problema: o que
produz a arte do dramaturgo no uma impresso de verossimi
lhana, mas esse sentimento de presena que, justamente, dispensa
de situar a questo da verossimilhana (obra citada, p. 47) . Desa
grada nas peas fracas a falta de credibilidade (no de
verossimlhan
a , que anula o efeito da presena em cena. E, desde que tenha
vida no palco, o texto preenche o seu objetivo primordial .
-
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3
o t r
A presena do ator caracteriza o fenmeno do teatro. Parasi
tr io ou
no
da arte do dramaturgo, essa ar te s adqui re v ida cnica
ao ser an imada por ele. Os debates sobre a maior importncia do
texto ou da interpretao guardam indisfarvel rano acadmico:
no tem sentido discutir o primado de funes que part ici pam de
um s organismo - o espetculo. O ato r nutre-se da pea, mas
ele quem empresta p leni tude fsica e espi ri tual ao mero l ibr eto con
cebido pelo dramaturgo.
Considera-se o
ator
um instrumentista que
usa
como instrumento
o prprio corpo. Voz , expresso, autoridade
cnica -
tudo ele
conjuga,
para
alimentar o pblico. Uma vocao ina ta para o pa lco
lhe indispensvel, sob pena de no convencer a respeito da auten
t ic idade daquilo que transmite. Seu ponto de part id a, sem dvida,
o texto, a personagem que lhe cabe encarnar na pea. Essa relao
fundamenta os estudos que
tm
sido feitos sobre o desempenho.
Dois outros vocbulos so uti lizados como sinnimos de ator:
comediante e intrprete.
Intrprete
sugere que ele v, sua manei ra,
uma matria dada, e a corporifica de acordo com a exegese. O
mundo de pal av ras e de ma rc ae s de uma personagem escrita supe
uma plurivalncia de sentidos, captada e expressa pelo intrpre te .
Sua arte seria a de um executante, equivalendo, na msica, de
qualquer instrumentista.
J
o
ATOR 2S
Jouvet estabeleceu, na nciclopdia Francesa uma distino pro
fissional entre
ator
e comediante, que a juda a compreender sua arte.
Para ele, o ato r s pode representar certos papis, os outros ele
deforma, na medida de sua personalidade. O comediante pode repre
sen ta r todos os papis. O ato r habi ta uma personagem, o comediante
habitado
por
ela . Assim , um trgico sempre um ator. A p ri n
c ipal d ife rena ent re o comedian te e o ator se
encontra
no mimetismo
do qual o ator no capaz no mesmo grau que o comediante . O
ator
impe e exibe a prpr ia personal idade,
enquanto
o comediante
se esconde por detrs do papel, apagando a
sua
natureza em benefcio
da t ransmisso objet iva da imagem sugerida pela pea.
Chamar-se-ia criao atividade do ator? Ele parte, com efeito,
de um texto pronto, e sua tarefa primordial a de dar o melhor
desempenho
ma t ri a do dramatu rgo. A pa lav ra criao, em arte,
no
est na ordem do dia, e ela poderia ser
posta
em xeque tambm
a propsito do poeta ou do pintor. Para facilidade de raciocnio,
seria lcito admitir que a arte do
ator
uma
criao
sui generis
porque feita com bas e em
outra
criao. Mas se criao subentende
criador, e criador aquele que faz
uma
criatura, o ator pertence a
essa categoria, porque a criatura qual ele d vida , no pal co, tem
individualidade prpria, e nunca ser idnt ica
criatura animada por
outro
ator, embora com o mesmo texto. Se o dramaturgo concorre
com o registro civil de pessoas naturais, o ato r tambm sempre
povoa
o
mundo
com um novo ser , cuja exi stncia tem a
durao
do
espetculo ou da memr ia daqueles que o contempla ram.
olmic s O terreno movedio em que se aplica o ato r suscita
as numerosas pol micas sob re o desempenho. A cir-
cunstncia de que essa arte se funda apenas no corpo humano, na
p leni tude express iva que capaz de at ingi r, impede a fixidez , tpica
da palavra, da tinta, ou das linhas arquitetnicas. Discute-se, por
exemplo, a relao do comedi an te com o texto -
no
s a dosagem
de um e ou tro, mas t ambm em que med ida o intrpret e se subord ina
ao d rama turgo e o serve ou se utiliza dele. O modo de sentir o ator
a personagem, a fim de t ransmi ti -l a ao pbl ico, abre out ros deba tes,
que se acham ent re os mais vivos da atual idade: o entendimento
do Paradoxo de Diderot
1713 1784
, o m todo de Stanislvski
-
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16 INI I O AO TE TRO
1863-1938) e as teorias de Brecht so algumas das formulaes
felizes sobre o problema, surpreendendo-o na origem.
Outras
pol micas
menores cercam a profisso do ator. At que
ponto a tcnica imprescindvel ao seu trabalho, e assim necessita
ele de uma escola especializada? Qual a sua posio na sociedade:
maldito, simples veculo de entretenimento, ou dolo? A mimese, que
est na base da convico de um comediante, considerada
por
muitos como inferior, e a esse ttulo chegam a bani-lo da sociedade
perfeita. Moralistas, apoiados em princpios religiosos, temem o
cunho demonaco da virtual despersonalizao e vivncia de uma
personalidade imaginria, e condenam liminarmente a arte interpre
tativa.
A tenso psicolgica a que se submete o ator lhe confere uma
individualidade distinta, e com freqncia assalta-o a neurose. O
esforo de penetrao de uma personagem leva-o, no cotidiano, a
tomar de emprstimo as reaes dela, e essa empatia traz amide
desequilbrios emocionais. Os atares e as atrizes transferem para a
vida privada os sentimentos das personagens, e da alguns matrim
nios nascidos das situaes idlicas dos textos ou a mudana do alvo
amoroso, coincidente com a troca do cartaz. Ser vibrtil por exce
lncia, atento a todos os estmulos que possam enriquecer-lhe a natu
reza, o comediante necessita de grande conteno para estabelecer
um satisfatrio equilbrio entre a plenitude artstica e a realizao
como ser humano.
Commediadell rte
o ator um dos elementos do espe-
tculo, harmonizado com os demais.
A harmonia rompe-se, pelo excesso ou pela deficincia de qualquer
dos elementos. A omisso do intrprete conduz em geral ao chamado
teatro literrio, do encenador ou dos acessrios. O reinado absoluto
do ator confundiu-se com a
Commedia dell Arte
que se afirmou do
sculo
XV
ao XVII, na Itlia, expandindo-se por toda a Europa e
exercendo decisiva influncia na posteridade.
O fundamento da
Commedia delI rt a improvisao, isto ,
o ator torna-se o autor do espetculo que vai oferecendo. Mesmo
a existncia de lazzi achados cmicos, e a preservao de canovacci
roteiros seguidos pelos intrpretes , no invalidam a idia de que os
dilogos se conjugavam de acordo com a fantasia do momento .
o TOR
17
Essa liberdade criadora, paradoxalmente, confinava-se por outra limi
tao: os intrpretes fixavam-se sempre. numa mscara , especiali
zando-se em determinado papel, pelo qual ficavam famosos, at a
morte. Com base num esquema, os cmicos davam largas imagi
nao . Mas, na realidade, eles acabaram por ser os autores de um
s tipo, o que equivale a repetio e pobreza . A
Commedia dell Arte
morreu da indigncia do texto, motivo do desequilbrio do espetculo.
A reforma de Goldoni 1707-1793) no representou, como se
costuma pensar, o restabelecimento do primado literrio. Pode-se
ainda admitir que o dramaturgo italiano tivesse feito valer a supre
macia da boa pea sobre a m pea improvisada pelos cmicos
dell Arte.
O valor maior de Goldoni residiu no gnio em criar timas
personagens, que favoreceram a plena expanso do comediante.
O chamado teatro literrio esmaga o intrprete. Os dilogos
abundantes constrangem o ator, que se sente mal em cena. Se o
dramaturgo no previu a necessidade da interpretao, por que no
escreveu ensaio ou romance? O teatro literrio menos teatral que
todos os abusos cometidos pela
Commedia dell Arte.
Imaginar, tam
bm, o intrprete coibido pelo dirigismo excessivo do encenador ou
pelo acmulo de acessrios apequen-lo no palco, exatamente onde
ele deve ser o centro da ateno. A Commedia dellArte entre
outras virtudes, teve a de marcar em definitivo que o ator a base
do teatro.
Paradoxo e i erot Muitos atores recusam e ter.icos dis-
cutem, mas o ponto de par tida para
quaisquer conjeturas sobre a interpretao o Paradoxo sobre o
comediante de Diderot. Argumenta-se que o filsofo tinha um conhe
cimento exterior dessa arte, porque nunca pisou num palco. O ttulo
do ensaio deixa bem claro que se trata de paradoxo sobre o come
diante, e no do comediante. As consideraes racionais no roubam
a fora do postulado de Diderot , que soube pr o dedo na ferida.
Uma afirmao categrica resume a tese:
f
a extrema sensibi
lidade que faz os atores medocres; a sensibilidade medocre que
faz a multido dos maus atores; e a falta absoluta de sensibilidade
que prepara os atares sublimes. As lgrimas do comediante descem
de seu crebro; as do homem sensvel sobem. do seu corao ver
Denis
I EROT Paradoxe sur le comdien
Paris, Bditions Nord-Sud,
-
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28
INICIAO
AO
TEATRO
1949, p.
22).
No
cabe
dv
ida: o
grande
desempenho estriba-se,
para
o enciclopedista, na ausncia total de sensibilidade.
Se o int rpre te faz a la rde da
gama
variadssima de emoes que
capaz de sentir, do
corao maior
que o
mundo ,
f in car sua
a rt e apena s na a ridez do crebro haver ia de ir ri t -l o. A edio c it ada
do
Paradoxo
recolhe
uma
v in tena de depoimentos,
unnime
s em
recusar a tese de Diderot . As opinies melhor fundamentadas,
porm,
r es sa lt am o papel da inte li gnc ia no
trabalho criador
do intrprete,
atenuando
o radical ismo dessa falta absoluta de sensibi lidade .
Jouve t r eformu la o p roblema,
para
concluir
que
a
lucidez do
comediante no seno sua sensibilidade controlada po r ela prpria
p. 125).
Dullin
1885-1949)
admite que a sensibi lidade seja neces
sria, mas deve ser controlada pel a in te ligncia do comediante
p. 138). Afirma Barraul t que o problema efe ti vo cons is te em
adquirir o controle de uma sinceridade
p
. 146). Dos testemunhos
diversos infere-se,
po r
certo,
uma
reabili tao da sensibilidade
como
base para o trabalho i nt erpret at ivo . O con trol e e a in te lig nc ia no
poderiam
tamb
m ausentar-se de um mecanismo que se repete s
vezes meses a fio, r ec lamando uma coerncia racional.
Tudo
depende, em grande
parte
, do
temperamento
de
cada
ator.
O
problema
do
comediante no
o de se r sincero, mas o de
apa
rentar sinceridade.
Para
muitos intrpretes, no se d is soc ia a aparn
cia do sen timento:
como
exprimir uma
verdade para
o pblico, se
ela no nasceu de
uma
experincia sensvel? Mounet-Sully
1841
1916)
debatia-se numa faina diria em busca da inspirao, para
comentar,
quando
ela o socorria:
Deus baixou
. J Sarah
Bernhardt
( 1845
-1923),
i ncapaz, na velhi ce , de
representar
de p, d evaneava
sentada
nos intervalos das rp licas, afagando
uma
cri ana , que no
era
vis ta pe lo e spectador . O r el axamento emoci ona l val ia-lhe mais
que a concentrao.
A exper incia mostra
que
o ato r extremamente sensvel e
no
favorecido pela inteligncia se perde no emaranhado emocional, sem
atingir o pblico. Seu problema o de
t r n s m i t i ~
emo o,
no se contentando em senti-Ia. Por outro lado, o int rprete muito
cerebral corre o risco de se estiola r em frieza, sem envolver o
espectador.
A permanncia excessiva de uma pea em cartaz costuma trazer,
pelo cansao, a mecanizao do desempenho. E. assim , um
p r ~ d x o
do comediante se ria o de re adqui ri r, a
cada
noite, a pureza original
d iante da personagem.
o
TOl a
O
debate entre
sensibilidade e ln
mtodo de tanislvski teligncia
tende
a incidir no ac a-
demismo. O
ato
r deve
conhecer
os meios
para falar
ao pblico. As
conjeturas tericas, no
experimentadas
na prtic?, ,sempre ~ e s u l t m
estreis.
Por
isso o
grande encenador
russo Stanislvski
sahentou
a
importncia
da
tcnica, mais neces sr ia noss a a rt e que a
outra
qualquer
ve r
ST N SLVSK
,
Minha vida na arte
trad.
Esther
'1es
quita,
So
Paulo, Anhembi,
1956,
p.
202)
. Afastou-se ele , l?da
gaes filosficas
sobre
o teatro, que no tm alcance p ra t co Ime
diato, para dedicar-se questo do como? . Os l ivros A preparao
do atar A construo da personagem e A criao de um papel trad.
Pontes
de
Paula Lima, R io
de Janei ro , Civ il izao Brasi leira, 1964,
1970 e 1972 respectivamente), alm de Minha vida na arte aos
qua is se segu ir iam out ro s, se a
morte
no interrompesse to fecunda
atividade, estabeleceram as bases do sistema ou
mtodo
de Stanis
lvski, ainda no superado como compndio
para
o comediante.
Qualquer ator
que dese je
penetrar
os segredos de sua profisso
ganhar
em
ler
Stanislvski e exercitar-se a
partir
de seus ensina
mentos.
O objetivo fundamental
das
pesquisas stanislavskianas
e s t ~ -
l ecer a tot al i nt im idade
entre
o
ator
e a
per
sonagem,
para
que
haja
a ident if icao de ambos. Narra o terico, em Minha vida na arte
que
os seus
atores
,
para
se impregnarem
p p i ~ para
'.'entrarem
na pele das per sonagens , escolhiam um dia
para
viver ,vIda delas,
de acordo com as indicae s do texto
p
. 44 ) .
Cada
dilogo, cada
observao
cada comportamento
visava a
reproduzir
a psico logia da
person gem se o autor a surpreendesse
naquela
circunstncia.
No
pode
haver mais proveitoso exerccio
para animao
de um papel,
no qual o ato r elabora, em todos os pormenores, o inteiro
carter
r et ra tado . Nesse empenho , servem ao comed iant e
tanto
a apl icao
lcida como um feliz acaso. Conta Stanislvski que , ao
preparar
George Dandin no saa dos clichs habituais . Todos os esforos
de
penetrao
do papel no
logravam
atingir mais que os efeitos
exteriores.
At
que um
trao
da maquilagem, feito involuntariamente,
mudou
a expresso de
sua
fisionomia, t razendo-lhe a int imidade
necessria
com
a c ri atu ra de Mol ire.
Robert
Lewis, em
Mtodo ou loucura trad
.
Brbara Heliodora
,
Rio
de
Janeiro
,
Letras
e Art es,
1962
) , faz
uma
sinopse do sis tema ,
constituda de quarenta itens, os qua is enfeixam os vr io s requ is it os
para
chegar-se a
uma boa
a tuao. Uma fras e de
Pushkine
estende-se
-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
16/64
38
INICIAO
AO
TEATRO
sem inconvenincia ao ator: A autenticidade da paixao, a verossi
milhana da emoo, colocadas nas circunstncias dadas, o que
nossa razo exige do escritor ou do poeta dramtico (p. 95 . Para
satisfazer essa exigncia, o intrprete trabalha-se a si mesmo , isto
, se auto-analisa, faz um esforo de introspeco, e o resultado ser
tanto mais expressivo quanto mais rica for a personalidade, no perma
nente intercmbio com o mundo exterior. A ao, requerida do ator,
identifica-se ao conceito de inteno, norma ntima de atingir deter
minado fim. Verdade do sentimento ou paixo assemelha-se a ver
dade em certa circunstncia. Deve-se criar vida, sentimento verda
deiro, com a ajuda da tcnica, a qual, atravs da conscincia, desperta
o subconsciente. O objetivo final do trabalho interpretativo a
criao, no palco, da vida de nossa Alma - no a vida fsica, e o
corpo apenas o instrumento . Passa-se, no diagrama, em chaves
menores, ao processo de sentir (internamente) e ao processo de
expressar a emoo. Exploram-se, adiante, os trs motores da vida
psquica: a inteligncia, a vontade e o sentimento (emoo). Defi
ne-se a reao a certo estmulo, como se ele se passasse na realidade,
e valorizam-se a imaginao, a memria emocional e outros compo
nentes do perfeito universo interpretativo. Os sentimentos verdadeiros
de nada valem se o ator no domina os meios expressivos, a fim
de chegar ao pblico. Surgem, pois, os exerccios de relaxamento, a
noo de tempo e ritmo, a colocao da voz, a dico, a dana, a
acrobacia e tudo mais que ampara o intrprete, aparelhando-o para
que no falhe na tarefa de passar da fase criadora interna expresso
artstica, do contedo imaginrio forma acabada - fim da obra
de arte.
Ningum foi mais longe do que Stanislvski na pesquisa da ver
dade ntima, no trabalho de interiorizao, nessa procura de um
colquio alucinadamente sincero, cujo ideal a inteira entrega do
ator personagem. Pensa-se, com esse procedimento, alcanar a
fuso do intrprete com o papel, fornecendo ao espectador a ilusria
possibilidade de escutar e ver agir a prpria personagem e no quem
a representa. Esse pressuposto condicionaria o ator a embriagar-se
no propsito de abdicar do prprio eu em funo do eu absoluto da
personagem. Stanislvski guarda-nos do erro, afirmando que o ator
no pode experimentar seno seus prprios sentimentos, no pode
agir seno em seu prprio nome. Ele no saberia tomar de emprs
timo outra personalidade. No palco, o ator continuar ele mesmo,
sentir o que representa, medindo-se sua arte pela faculdade de
o
ATOR 31
reviver a vida da personagem . Essa conscincia probe os delquios
irracionais, levando a concluir que, na base da interpretao, segundo
Stanislvski, se encontra o mesmo duplo que inspirou o
Paradoxo
de
Diderot. .
str nh m nto rechti no
Ao ideal da fuso do ator com
a personagem ope-se a teoria
de Brecht, que preconiza, ao contrrio, um afastamento, no seu fa
moso
Organon O conceito do dramaturgo alemo no se separa da
tese geral sobre os objetivos do teatro, e se nutre tanto da idia a
respeito dos propsitos da pea como da presena do pblico no
espetculo. O conjunto de princpios leva formulao da teoria
do teatro pico, de claro papel desmistificador dentro da sociedade
de classes. A preocupao de racionalidade, que abole o transe, leva
ao preceito: Em nenhum momento (o ator) deve entregar-se a
uma completa metamorfose. Uma crtica do gnero: Ele no repre
sentava o papel de Lear, ele era Lear , seria para ele a pior das
acusaes. Ele deve contentar-se em mostrar sua personagem, ou,
mais exatamerrte, no contentar-se em viv-la; o que no implica que
permanea frio enquanto interpreta personagens apaixonadas. Apenas,
seus prprios sentimentos nunca devero confundir-se automatica
mente com os de sua personagem, de forma que o pblico, por seu
turno, no os adote automaticamente. O pblico deve desfrutar nesse
ponto a mais completa liberdade (ver Bertolt
RECHT
Petit organon
pour le thtre, in crits sur le thtre Paris, L Arche, 1963, p. 192 .
Mostrar a personagem e no encarn-la , eis o lema brechtiano
para o ator. Esto contidas a as premissas didticas do terico: o
teatro um dos instrumentos da revoluo. Importa, em cada situa
o, isolar o
gestus
social, aquele ensinamento preciso que d a
medida dialtica da histria. Se o ator se confundisse mediunicamente
com a personagem, manteria a atmosfera ilusria do espetculo,
prejudicando a instaurao da conscincia revolucionria. Da a van
tagem de piscar o comediante para o pblico, lembrando-lhe sempre
que o espetculo fico.
Brecht no probe que seu ato r, nos ensaios, se ponha na pele
da personagem, como um mtodo de observao, entre outros. Ele
v na observao, alis, parte essencial da arte do comediante. Esse
raciocnio admitiria que se considerasse a utilizao do mtodo de
Stanislvski um estdio anterior ao da procura do efeito de distancia
mento (ou estranhamento).
evidente que, para afastar-se, neces-
-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
17/64
32
INICIAO
AO
TEATRO
srio
estar
prximo an te s de mais nada e a t cnica da
aproximao
se aprende no sistema stanislavskiano. A primeira teoria tem sobre
tudo fundo psicol gico enquanto a segunda sub linha os e lementos
sociais e polticos. O
estranhamento brechtiano
visa a
no
permitir
que o
ator
se confunda com os pos tu lados de uma ordem perempta.
Embora admirando sem reservas as encenaes do erliner
Ensemble
conjunto dirigido
por
Brecht e depois pela atriz
Helene
Weigel
1900-1971 ,
sua viva a lguns cr ticos e a tores
no
distin
guem o estilo prprio que deveria carac te rizar- lhe o desempenho.
Tratar-se-ia apenas de excel en te int erpret ao equipa rve l dos
grandes elencos na forma t radi ciona l. Seja
qual
for a validade da
teoria brechtiana do
estranhamento,
de
qualquer maneira
ela aguou
o
empenho
lc ido do
ator
em est imular o juzo crtico do pblico.
O ator passou por diferentes avaliaes
na
histria
ignific do
do tea tro.
Na
Grcia
verdadeiro
oficiante do cul to
de Dionsio ele recebia
honras
pblicas. Em
Roma
onde o teatro
no gozava do mesmo favor o comediante era escravo e sabe-se que
cer tas mmicas lascivas gnero que se cul tivava ao lado da drama
turgia erudita de origem grega eram desempenhadas po r prostitutas.
A
Idade Mdia
r eformu lou a quest o do ato r ao ext rai r um esboo
de
drama
da l iturgia cr is t. Sacerdotes religiosos de toda espcie
e o squito do clero
concorreram para
o espetculo medieval seme
lhante
para
eles a
uma ato
de f. O
amadorismo
que se
nutria
de
elementos sados das vrias classes irmanados pelo espr ito de devo
o cedeu lugar s confrar ias profissiona is exibindo-se de burgo
em burgo. No sculo XVII,
no
obstante recebesse subsdios de
Lus
XIV
e fosse uma das glrias reconhecidas de
Frana,
Molire
no
teve sepul tura crist
porque
se ded icava infaman te
prof
isso
de ator.
Ao
ser vencido o p reconcei to soci al com o rel axamen to
da f rel ig iosa o
ator
al ou -se ao posto de do lo no qua l possvel
admir -lo agora. As vedetas des frut am de um pres tg io incomum e
sobretudo
atravs do mecanismo cinematogrfico
passaram
a mitos
coletivos.
At
cerca de cinqenta anos a trs as car te ir as p rof is siona is do
Brasil assemelhavam a condio de atriz de prosti tuta.
H
menos
de quatro dcadas o ator ascendeu socialmente e correu o risco de
transformar-se em enfe ite de festas el egan te s. A mul tipl ic ao das
escolas especializadas inscr itas nos currculos universitrios vem
completando
a tarefa de valorizar o int
rprete
.
Denuncia
ainda o
o ATOR
33
lugar secundrio que ocupa na organizao da sociedade o baixo
salrio que lhe atribudo. Salvo raras excees o
ator
percebe
vencimentos de fome e
no
aufere as mesmas garantias reconhecidas
aos
outros
profissionais. Desdobra-se ele
para
assegurar a sobrevi
vncia em trabalhos
na
televiso ou no cinema colidentes com a
aparncia de conforto e bem-es tar que o apr eo social s upe em seu
cotidiano.
Alm
da
tenso
psicolgica
natural
no
desdobramento
em
outra
criatura o precrio ganho financeiro do
ator
fustiga-lhe a
neurose.
Alvo dos
dramaturgos
que
no
o consideram adequado
para
as
suas personagens ou dos encenadores que
no
o julgam satisfatrio
para
as suas concepes o ator em tea tros pouco desenvolvidos
sempre vtima de crticas.
Como
a profisso
no
seduz sob o pr isma
econ mico s os talentos dotados de vocao irresis tvel
permanecem
no palco. Muitos valores inequvocos desestimulados pela ridcula
retribuio adaptam-se a outros t raba lhos sufocando seu legt imo
anseio de afirmar-se com plenitude. As perspectivas
no
so de molde
a
pensar
de imediato em melhores dias.
A esses p roblemas po r assim dizer prosa icos junta-se outro
t alvez mais srio l igado a toda a maldio de incomunicabilidade do
homem moderno . A f ico contempornea particularmente a teatral
esmerou-se em assinalar que a confidncia
humana
ressoa no
vcuo
e as rplicas de
uma
pea mais parecem dilogos de surdos. Piran
delIo 1867-1936 , antes de outro dramaturgo surpreendeu a ques
to dentro
do
prprio
teatro a
ponto
de desesperar da viabi lidade
de uma autntica arte interpretat iva. Em Seis personagens
procura
de um autor toda vez que o Primeiro Ator c omea a representar
o Pai este o interrompe po r no se reconhecer naquela inexpressiva
ca rica tu ra de seus sen timentos . A pea patenteia melancolicamente a
impraticabilidade do desempenho sob o ngulo do autor.
Diversos
dramaturgos
por
m
testemunham
que suas plidas
criaes ganharam vida insuspeitada na pele de grandes comediantes.
A indicao
sumria
do papel
desabrochou
numa existncia completa
cuja ampli tude mal se reconhecia na palavra escrita.
No
so poucos
os autores que admitem certos intrpretes
como
co-au to re s de sua
ob ra . O prp ri o Pi randell o ao
ganhar
i ntimidade com o teatr o
compreendeu-o
melhor e em Os
gigantes da montanha
sua ltima
pea a fiana que os a tores
do
corpo aos fantasmas para que vivam
e eles vivem. O difcil
dramaturgo
rendeu-se a grandeza da
pro
fisso de comediante.
-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
18/64
s elementos visu is
or comodidade, preferiu-se englobar sob a rubrica de elemen
tos visuais o exame da cenografia e da indumentr ia. Ainda hoje,
tambm por facilidade de expresso, tem-se o hbito de cons idera r
acessrias essas duas artes, ao lado da msica ou do uso incidental
do cinema ou da TV . Mas o acessrio, por definio , o que no
fundamental junto a uma coisa, sem fazer par te integran te dela .
Ora, no espetculo, o cenrio e a vestimenta situam o ator no espao,
e so essenciais caracter izao da personagem tanto quan to a
palavra. A mais simplificada decorao ainda no o deixa de ser,
ou o pblico precisa comple tar pela imaginao aquilo que a mon
tagem no lhe oferece. Algum lembrar que Hamlet,
por
exemplo,
tem sado de uma indeterminada Dinamarca rriedieval, para usar trajes
modernos. Essa opo do encenador modifica a tragdia shakes
peariana, para conferir-lhe marcadamente o cunho de atua lidade.
Desde os tempos gregos, as convenes cenogrf icas e do vestur io,
incluindo as mscaras, j serviam para definir em princpio o gnero
e as personagens. Como cons iderar acessrias as artes que so fun
damentais na materializao do espetculo?
Elementos visuais,
por outro lado, tm o defeito de supor uma
excessiva amplitude para caracterizar a cenografia e a indumentria,
porque o intrprete Ce conseqentemente o desempenho) o primeiro
elemento visual do teatro. A visualizao extravasa tanto das artes
os
ELEMENTOS VISUAIS 35
plsticas do teatro que se diz, com intuitiva espontaneidade, que se
vai ver uma pea . No espetculo, atravs da expresso do come
diante, as palavras tornam-se visveis, e elas s adquirem plena resso
nncia auditiva quando acompanham os gestos e o movimento dos
lbios. Consentneo com a sua origem, o teatro fende a tornar
plstico tudo que participa de sua formao. A dificuldade pa ra
separar os vrios elementos do espetculo tem a vantagem, ao menos ,
de contribuir subsidiariamente para a definio do teatro como sntese
artstica.
rquitetura pintura
A cenografia oscilou, desde os primei-
ros tempos , entre a arquitetura e a
pintura. Dependendo da inclinao maior do artista plstico aplicado
no teatro e das tendncias de uma escola, o cenrio se aparen ta mais
a um espao construdo ou a um quadro. Entretanto, ainda a o
ideal do teatro a sntese das duas artes.
A presena do ator , intrprete de determinada personagem,
obriga a um enquadramento espacial que leva o palco
arquitetura.
Stanislvsk i reproduz, em inha vida na arteum dilogo com Gordon
Craig 1872-1966) , no qual lhe repetida uma incontestvel ver
dade: o corpo do ato r, abaulado como , no fica bem ao lado da
tela pin tada, cha ta e sem relevo: o palco exige a escu ltura, a arqui
tetura, o volume p. 183 ). Pensando-se na situao do homem no
espao que o envolve , inimaginvel que no se concebesse sempre
o cenrio em termos arquitetnicos. Ser justo ponderar, porm , que
mesmo os pinto res que fazem o cenrio como tela procuram sugerir
uma construo , no se bas tando com uma unidade pictrica inde
pendente do intrprete. O pblico reconhece com facilidade, alis,
quando um cenrio foi desenhado por um pintor que no en tende de
. teatro: ele se vale de sugestes de equilbrio plstico avessas figura
do comediante, como uma lua situada na parte inferior do telo de
fundo Ccobe rt a a cada ins tante nos deslocamentos no palco) ou um
animal fixado em pose, contrar iando a mobi lidade permanente do
desenrolar do dilogo no tempo.
A pintura , no teatro, completa a const ruo arqui te tnica. s
vezes, havendo muitas mudanas de ambiente ou desejando-se um
efeito de leveza, que difcil de obter com o cenrio construdo,
apela-se para uma soluo pictr ica , amoldada ao esprito da arqui
tetura. Uma tela com mveis e objetos pintados no deixa por isso
de sugerir um espao construdo, que aquele em que se move o
t o ~
-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
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-
36 INICIAO AO
TEATRO
Outra
luta que se vem
travando
a
onveno X realismo do rea lismo contra a c on v en o
no
especfica alis da cenografia e da indumentria mas comum a toda
arte. Num primeiro exame pode-se argumentar que se cabe ao
cenrio
enquadrar
a ao e
roupa
ves ti r o
ator num
c e rto p ap el
uma
b as e r ea li st a de ve ri a p res id ir s em pr e aos e le me nt os vis uais do
e sp etc ulo. Lembre-se c on tud o q ue o p r p rio
teatro
e m p rin cpio
conveno e a
partir
desse
dado
tudo o mais tem direito de liber
tar-s e do realismo.
No
b as tas se essa v l vu la t er ica a p r pr ia
h is t ri a do t ea tr o d es me nt e a o be di n ci a e st ri ta aos
padres
realistas.
Grande
parte da d ra ma turgia a comear p el a an ti ga si tua a
ao no meio da rua o que facilita o uso de um cenrio nico e
convencional
para
di fer ent es peas . Os ce n ri os de i nt er io res tam
bm
sobretudo
os sales ou as salas de visitas
que no
reclamam
particularidades evidentes
podem
ser c om un s a m ui to s t extos .
Ainda
assim h um ponto de partida realista dentro de u ma a mpl a con
veno.
D ep oi s das c ol un as e das p er sp ec ti va s b a rro c as do c la ssic ismo
a c en og ra fia ro m n tic a v olto u-se
para
a p aisa ge m
independentemente
das exigncias da obra.
Est
a um exemplo tpico de conveno
d as e sc olas fugindo
-
7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
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38 INICIAAO AO
TEATRO
passagem dos demnios e a ida par a o inferno dos pecadores irre
missveis. Na parte direita, acima do cho, situava-se o paraso lugar
de felicidade eterna. Esse enquadramento permanente
encontrvel
nos mais diversos mistrios, revelava o profundo vnculo da ceno
grafia com o esprito do texto: a vida humana como t ransitoriedade
para um desses dois destinos inapelveis.
A maquinaria medieval esmerou-se em efeitos cnicos. As
execues passavam-se em face do pblico. Os canhes, util izados
nas bata lhas, chegaram a provocar mortes ou queimaduras graves.
Narra Gustave Cohen (1879-1958) que o pintor flamengo Karl
Van
Maender
p r e p ~ o ~
.um. dilvio com tanta perfeio que os especta
dores de mI.steno ficaram tambm inundados. A admirao pelo
e?genho fOI
maior
do que o possvel desagrado com o banho impre
VIstO
(ver Gustave OHEN
Histoire de la mise en scne dans le thtre
religieux franais du Moyen
ge nova edio, Paris, Honor Cham
pion, 1951, p. 156).
A dramaturgia clssica retornou aos princpios greco-lat inos,
adotando as unidades aristotlicas. Um s cenrio prestava-se a
t o ~ s
os dilogos: Os divertimentos de Corte, que se tornaram
par ticularmente bnlhantes em Versalhes, apelaram de novo para a
suntuosidade.
No livro
Drama - its costume and decor
A Studio Publication,
1951),
James Laver afirma que cenrio sempre Barroco, e Bar
o teatro em flor, isto , em sua maior teatralidade, quando
ele Invade cada departamento da vida (p. 18). Adiante, o ensasta
acrescenta que o teat ro moderno, ou talvez seria mais verdadeiro
dizer o teatro cujo ciclo se est finando, o descendente direto do
t ~ t r o
de Corte do perodo Barroco (p. 74). As perspectivas suces
srvas tiveram o objetivo de alargar i lusoriamente a dependncia do
palcio escolhida como cenrio. Serlio 1475-1554), Torelli (1608
-1678) e a famlia Galli de Bibiena [Ferdinando (1657-1743) inven
tou os cenrios em perspectiva diagonal] foram alguns dos mestres
i t ~ l i n o s que fizeram o bar roco triunfar em toda a Europa. A gran
diosa construo arquitetnica desses cenrios, porm, presta-se me
nos ao teatro declamado que pera. Dentro de tantas colunas
1
cupu as, arcos e perspectivas, a presena humana se reduz e s se
faz sentir pelo canto vigoroso.
O
r o ~ n t i s m o
deps o arquiteto em favor do pintor de paisagem,
observa ainda James Laver (p. 198). O duque de Meiningen (1826-
os ELEMENTOS VISUAIS 39
-1914) principiou a reforma realista, e Anto ine 1858-1943), no
Thtre Libre
chegou a utilizar pedaos de carne verdadeira no
cenrio de um aougue. A propsi to dessa alterao, escreve Pierre
Sonrel 1903-1983): A fotografia representa na segunda metade do
sculo XIX o mesmo papel do diorama no fim do sculo XVIII e
da perspectiva no sculo XVII. Admira-se a o
trompe oeil
e a
imitao servil, objetiva, da natureza (ver Pierre
SONREL
Trait de
scnographie
Paris, Libr. Thtrale , 1956, p.
89).
A mera reprodu
o da realidade
volta, certamente, no poderia continuar por muito
tempo um ideal artstico.
Na Grcia, em
Roma
e na Idade Mdia, os espetculos realiza
vam-se durante o dia, aceitando-se a luz do sol para i luminao em
todas as circunstncias. A passagem do teatro para as salas fechadas
e os horrios no turnos levou a iluminar-se o palco, primeiro com
leo e depois com gs. A descoberta da eletricidade teve profunda
repercusso na cenografia, modificando completamente os recursos
luminosos, a partir de fins do sculo passado. Appia elege fator
bsico de uma
boa
decorao a luz, que salienta a plasticidade do
corpo humano. A luz, seccionando espaos, no palco, e crescendo
ou diminuindo de intensidade, pode funcionar sozinha como cenrio,
e mais de uma vez tem resolvido admiravelmente os problemas
inacessveis aos elementos construdos. A ins talao de numerosos
refletores, rotina dos teatros bem aparelhados, facilita os jogos lumi
nosos, e ressalta um ator ou um pormenor. Se a pintura, por si,
ganha em ser contemplada numa luz uniforme, a incorporao da
eletr ic idade confirmou o lugar da cenografia na rea arquitetnica.
A enorme tradio recolhida do passado d l iberdade ao art ista
atual
para
mover-se em qua lquer campo, de acordo com o seu tem
peramento. Alguns cengrafos continuam na linha pictrica, tratada
pelas pesquisas plsticas de hoje. Outros reformulam o constru ti
vismo. Ainda uns terceiros fundem as duas tendncias, e utilizam
em quant idade as projees , faci li tadas pelos recursos tcnicos mo
demos . Um novo desejo de reconstitu ir uma sntese teatral, a par ti r
da decorao, ameaa de formalismo certos espetculos. Outros
cengrafos, acreditando que o importante sublinhar o vigor inter
pretativo, reduzem conscientemente sua obra a elementos cnicos, o
que
no
deixa de ser um desvio.
Entre
essas vrias tendncias oscila o palco de hoje, aberto ao
mais amplo experimentalismo.
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7/24/2019 Iniciao Ao Teatro
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4 INICIAO AO TEATRO
ndumentria A fico permi tiu sempre que a indumentria tea-
tral gozasse de grande liberdade, afastando-se deli
beradamente dos modelos realis tas. A esti lizao das mscaras, das
tnicas e dos co turnos da tragdia grega transfo rmava o ator numa
figura escultr ica, e a comdia, embora mais simples, recorria tam
bm ao fantstico. A drama tu rg ia lati na usou como caracter izao
as roupas vestidas pelas personagens: a comdia palliata tinha perso
nagens gregas, que trajavam o plio; na comdia
togata
os atores
utilizavam a toga romana; a
trabeata
referia-se aos cavaleiros, com
trabea;
a
tabernaria
fixava os humildes; e a tr agdia
praetexta
mos
trava os atores com a toga romana ou
praetexta.
Sobre as vestimentas medievais , escreveu Pierre Sonre l: Mais
que a preocupao com a verdade histrica, era o gosto
damagnifi
cncia que presidia escolha dos costumes. Os anjos eram vestidos
com roupas de meninos do coro; Deus Pai t razia hbitos episcopais,
a mitra ou a tiara; Pilatos usava o traje de um rico senhor ou de
um poderoso magistrado obra citada, p. 19 .
A inobservncia dos ensinamentos da Histria chegou ao auge
no sculo XVI I, em que as gravuras mos tram guerreiros pseudo
-romanos com plumas na cabea. Na reforma geral empreendida
pelos encic lopedistas franceses, um dos pontos bsicos era a maior
verossimilhana da indumentr ia . Lembra James Laver que Mlle.
Favar t, ao aparecer no palco, em 1761, como princesa turca , vestida
com um traje turco autntico, provocou tremendo espanto do pblico
obra
citada, p. 155 .
Os atores da
ommedi
dell Arte i taliana usavam figurinos de
conveno. Os primitivos Arlequins, por exemplo, vestiam malhas
colantes, com manchas coloridas, aplicadas ao longo do t ronco e dos
membros. Essas manchas estilizaram-se depois em formas geom
tricas, passando de tringulos a losangos . Observaes paralelas
poderiam ser feitas a propsi to das out ras mscaras . As mulheres,
entretanto, l imitavam-se a seguir a moda.
O realismo inoculou tambm na indumentr ia o gosto da vera
c idade histrica e da perfe ita adequao do tra je personagem. Mas
ele, por sua vez, nos excessos , incorre em riscos prejudic ia is . Um
perigo a reconst ituio arqueolgica, out ro a fotografia. Os figu
rinos teatrais no podem deixar de servir ao ato r e ao propsito
geral de fico.
OS ELEMENTOS VISUAIS 4
omplemento auditivo Tra tando-se de teatro como sntese
de elementos artsticos, em que a parte
visual se conjuga com a l iterr ia, cabe lembrar que a msica par ticipa
tambm do espetculo. A tragdia grega atribua a ela grande im
portncia , porque as evolues do coro eram marcadas pelo can to.
A msica era assim orgnica na representao. Em O
misantropo
comdia de Menandro
342/41-291/90
a.Ci , descoberta recente
mente, as separaes entre os atos se faziam com nmeros de can to
e dana. O t eatr o esmerava-se no propsito de englobar as vrias
artes . A coreograf ia dos diversos gneros supunha elevado cunho
esttico.
O desejo de explorar separadamente todas as