IMPLANTAÇÃO METASTÁTICA EM ESTOMA DE … · cor pulmonar crónico, tendo ... ionograma,...
Transcript of IMPLANTAÇÃO METASTÁTICA EM ESTOMA DE … · cor pulmonar crónico, tendo ... ionograma,...
Setembro/Outubro2006 IMPLANTAÇÃOMETASTÁTICA 237
CasoClínico/ClinicalCase
IMPLANTAÇÃO METASTÁTICA EM ESTOMA DE GASTROSTOMIAENDOSCÓPICA PERCUTÂNEA
S.BARRIAS1,P.LAGO1,C.CAETANO1,C.NOGUEIRA2,J.AREIAS1
Resumo
A colocação de sonda por gastrostomia endoscópicapercutâneaéaceitecomoviaalternativaparaalimentaçãoentérica em doentes com neoplasias obstrutivaslaringofaríngeasouesofágicas.Aimplantaçãometastáticano estoma éuma complicação raramas crescentementereferenciada na literatura, sendo importante a suadivulgação.Osautoresapresentam,comiconografia,umcasodemetastizaçãodecancroesofágicoparaoestomadegastrostomiaendoscópicapercutâneaefazemumarevisãodaliteratura.
Summary
Percutaneousendoscopicgastrostomytubeplacementisawidely accepted alternative route for providing enteralnutrition in patients with laryngeal, pharyngeal oroesophageal cancer causing obstruction. Metastaticimplantation to thestoma isanuncommoncomplicationbutonethatisbeingrecognizedwithincreasingfrequency;and it is important that it be reported. The authorsdescribeacaseofmetastasisofanoesophagealcanceratapercutaneousendoscopicgastrostomystomawithiconog-raphyandpresentaliteraturereview.
1 ServiçodeGastrenterologia2 ServiçodeCirurgia1HospitalGeraldeSantoAntónio,Porto,Portugal.
GE-JPortGastrenterol2006,13:237-242
INTRODUÇÃO
Agastrostomia endoscópicapercutânea,vulgarmentedesignada por PEG, foi introduzida em 1980 porGaudereretal(1).Desdeentãotemvindoasercadavezmais utilizada como via alternativa de alimentaçãoentérica,quandoaviaoraléimpossível.Algumasdassuasindicaçõessãoasneoplasiasobstrutivascompontodepartidanalaringe,faringeouesófago(2-3).Aimplantaçãometastáticanoestomaéumacomplica-çãorara,comescassasreferênciasna literatura.Efec-tuamosumarevisãocuidadautilizandoaPubMed,fa-zendoo levantamentodos casosdocumentados até àdata,nenhumdelesdescritoemPortugal(4-14).
CASOCLÍNICO
Umdoentede68anoscomcarcinomaespinocelulardoesófagofoireferenciadoaoServiçodeGastrenterologiadonossoHospitalpara realizaçãodePEG.Tinhaan-tecedentespesadosdetabagismopormaisde50anosedoençapulmonarobstrutivacrónica (DPOC)comcorpulmonarcrónico, tendonecessidadede fazeroxige-
nioterapiadomiciliária (2 l/m,16h/dia)e terapêuticacomdiurético(furosemida,40mg/dia)ebroncodilata-dores (10microgramasdebrometode tiotrópio/dia esalbutamolemSOS).Nainvestigaçãodedisfagiacom3mesesdeevoluçãoefectuouendoscopiadigestivaaltaqueevidenciou2lesões:umamassaexofíticacomcercade4cmnoesófagomédio,cujabiópsiamostroutratar--sedecarcinomaespinocelular,eumabaulamentosig-nificativodaparedenoesófagoterminalecárdia,commucosanormal.RealizouecoendoscopiaqueclassificoualesãodoesófagomédiocomoT2N1,evidencioume-tastizaçãodotroncocelíaco(M1)masnãofoiconclusivaparaoabaulamentodoesófagodistalpordificuldadetécnicaemconseguiradistânciafocaladequada.Ato-mografiaaxialcomputorizada (TAC)es-clareceuesteaspecto,mostrandoumamassaganglionarcomcercade8cmaníveldajunçãogastro-esofágicaqueenvolviaotroncocelíaco,semplanodeclivagemcomospilaresdiafragmáticosepâncreas,nãodetectandooutrosfocosevidentesdemetastização.Procedeu-seacitologiaaspi-rativadoconglomeradoganglionardotroncocelíacoob-tendo-secélulasdecarcinomaespinocelular.Asprovasfuncionaisrespiratóriasmostraramalteraçãoventilatóriaobstrutivagrave,marcadadiminuiçãodaca-
Recebidoparapublicação:05/12/2005Aceiteparapublicação:17/05/2006
238 S.BARRIAS ETAL GEVol.13
pacidadededifusãoalvéolo-capilarehipoxemia.Ohe-mograma,ionograma,glicemia,ureia,creatinina,glico-seetransaminasestinhamvaloresnormais.EmconsultadegrupofoidecididoefectuarPEGcomointuitodeaportenutricionalnofuturo,vindoestaaserrealizadaa13-05-2004,utilizando-seométodoPullesondade24fr.Cercade7mesesapósesteprocedimento,odoentefoi--nosnovamenteenviadodevidoaoaparecimentodeumaexuberantemassatumoralperi-estomática.Consistianu-matumefaçãocomcercade11cmdediâmetro,muitofriável,comáreasnecróticaselibertandoumexsudadodeodorfétido(Figura1).Curiosamente,odoenteconti-nuavaa tolerardietamole,nãoutilizandoasondadaPEG. Durante a manipulação, esta acabou por seexteriorizar, tendo-seprocedidoadesinfeçãoepensocompressivo.Três semanas depois foi necessário reintervir pois ahigiene localeraextremamentedifícildevidoàfrancaexsudaçãoesaídadealimentospeloestoma,quenãofechara.Foipossívelefectuarendoscopiadigestivaalta:alesãodoesófagomédionãotinhaaumentadosignifi-
cativamente;a tumefaçaoaníveldoesófago terminalmostravaagorainfiltraçãoneoplásicadamucosaeesteaspecto neo-plásico estendia-se ao longo do corpoproximal(Figura2).Contudo,amucosadocorpodistalapresentavaumaspectonormal(Figura2)confirmadona biópsia.Apenas à volta do orifício estomático seobservava novamente tecido de aspecto neoplásico(Figura2),mostrandoabiópsiatratar-sedecarcinomaespinocelular.Optou-seporcolocarumasondadePEGcombalãoparaocluir internamente o estoma e aplicar externamenteumabolsaparaferidasdrenantes.Estasmedidasmelho-raramsignificativamenteahigiene local.Odoentefa-leceucercade3mesesmais tarde,com insuficiênciarespiratória.
DISCUSSÃO
EstecasoclínicoilustraumacomplicaçãoiatrogénicadaPEG, que tem vindo a ser referida na literatura.OprimeirorelatodemetastizaçãoemestomadePEGdata
Figura1-MetastizaçãodecarcinomaepidermoidedoesófagoparaestomadePEG,anteseapósremoçãodasonda.
Figura2-Aspectoendoscópicosequencialdaesquerdaparaadireita:corpoproximalcominfiltraçãoneoplásica,corpodistaldeaspectonormaleáreaperi-estomáticacominfiltraçãoneoplásica.
Setembro/Outubro2006 IMPLANTAÇÃOMETASTÁTICA 239
Quadro1-CasosdemetastizaçãoemestomadePEGdescritosnaliteratura
240 S.BARRIAS ETAL GEVol.13
de1989(4),noveanospósaintroduçãodestatécnicaporGaudereretal(1).Em2003Maccabeereviu30artigossobreesteproblema (4), tendoanossapesquisadeta-lhada,utilizandoaPubMed,permitido identificarumtotalde39casos,nãosendonenhumportuguês(4,14).Apesardisso,aPEGcontinuaasercorrentementeuti-lizadacomoviaalternativaparaalimentaçãoentéricaemdoentescomneoplasiasda“cabeça,pescoço”edoesó-fagoquecondicionemobstruçãoaotrânsitoalimentar.Osmétodosdeintroduçãooraldasondadegastrostomiasãoosmaisutilizados,porseremde fácilexecuçãoepoucoinvasivos.Alternativamente,agastrostomiapodeserrealizadapelométododointrodutor,porradiologiadeintervenção,ouporcirurgia,laparoscópicaouaberta(2).Exceptonumcasodescritoemgastrostomiacirúr-gicaporAlagaratnametal.em1977(4),todososcasospublicadosdemetastizaçãoemestomadegastrostomiaenvolverama introduçãodesondapormétodosorais,nomeadamentepelosistemadePull (4,14).Alémdisso,no caso atrás referido, o próprio autor não exclui ahipótesedeterhavidoconspurcaçãodomaterialcirúr-gicocomcélulastumorais,dificultandoaapreciaçãodomecanismoetiológico.Sãoapontadas trêshipótesesparaodesenvolvimentodestetipodemetastização.Aprimeira,maisvezesevo-cada,éatranslocaçãodecélulastumoraisparaoestoma,arrastadaspelapassagemdasondaatravésdaneoplasia(4).Asegundaéadisseminaçãoviahemato-géneaoulinfáticaatéaoestoma,queseriaumlocalmaissuscep-tívelpelotraumacirúrgicoprévioecondiçõeslocaisdevascularização(4).Porúltimoaventa-seapossibilidadedecélulastumoraisquedescamemparaotubodigestivoseiremimplantarnostecidostraumatizadosdoestoma.Estaúltimahipóteseéconsideradamenosplausívelpelanecessidadequeascélulastumoraiste-riamdeperma-necerviáveis,nomeadamentenaacidezgástrica(14).Similarmente,estãodescritoscasosde recorrênciadecarcinomaepidermoideaníveldetraqueostomias,sendotambémcolocadasashipótesesdecontaminaçãodirectaouviahematogénea/linfática(15).Anãoocorrênciadestefenómenonasgastrostomiasci-rúrgicas(excepçãofeitaaocasoatrásreferido)nãoapoiaateoriahematogénea.Dequalquermodo,poderácoe-xistirmaisqueummecanismo.Douglasanalisouaci-néticadocrescimentotumoralsugerindoquequandoametastizaçãoocorresseapósumlongoperíododetem-po,nomeadamenteumano,estariaenvolvidaaviahe-matogéneaequandoelasedesenvolvessemaisrapida-mente,acausaseriaainoculaçãodirectadeumelevado
númerodecélulastumorais(4).Oaparecimentodesteti-podemetastizaçãofoidescritoemprazosquevariaramentreos2e16meses(Quadro1)eestámuitasvezesas-sociadoametastizaçãoemoutroslocais,particularmen-tenopulmãoemediastino(7).Estima-sequeaincidênciaglobaldestacomplicaçãosejadepelomenos1%(4).Assim,muitoemboraateoriadacontaminaçãodirectanãoestejaclaramenteprovadaeodesenvolvimentodes-ta complicação ser relativamente raro, as evidênciasaconselham perspectivarpara estegrupodedoentesmétodosdegastrostomiaemquenãohajacontactoentreasondaeotecidotumoral.
Correspondência:
SílviaBarriasServiçodeGastrenterologiaHospitalGeraldeSantoAntónioLargodoProf.AbelSalazar4099-001PortoTel.:222077500ext1372Fax:222088109
BIBLIOGRAFIA
1. GaudererMWL, Ponsky JL, IzantRT.Gastrostomywithout
laparotomy:apercutaneousendoscopictechnique.JPediatrSurg
1980;15:872-75.
2. American Society For Gastrointestal Endoscopy. Role of
endoscopyinenteralfeeding.GastrointestEndosc2002;55:794-
7.
3. Mathus-VliegenL.M.H.,KoningH.Percutaneous endoscopic
gastrostomy and gastrojejunostomy: a critical reappraisal of
patientselection,tubefunctionandfeasibilityofnutritionalsup-
portduringextendedfollow-up.GastrointestEndosc.1999;50:
746-54.
4. MaccabeeD,SheppardBC.Preventionofpercutaneousendo-
scopic gastrostomy stomametastases in patientswith active
oropharyngealmalignancy.SurgEndosc2003;17:1678.
5. PotochnyJD,SataloffDM,SpiegelJR,LieberCP,SiskindB,
SataloffRT.Headandneckcancerimplantationatthepercuta-
neousendoscopicgastrostomyexitsite.SurgEndosc1998;12:
1361-5.
6. CossentinoMJ,FukudaMM,Butler JA,Sanders JW.Cancer
metastasistoapercutaneousgastrostomysite.HeadNeck2001;
23:1080-3.
7. Ananth.S,AminM.Implantationoforalsquamouscellcarcino-
Setembro/Outubro2006 IMPLANTAÇÃOMETASTÁTICA 241
maatthesiteofapercutaneousendoscopicgastrostomy:acase
report.BrJOralMaxillofacSurg2002;40:125-30.
8. ThermannF,MarcyT,DralleH.Primaryoperativegastrostomy
orpercutaneousendoscopicgastrostomyinprogressiveoesopha-
gealcarcinomas?Acasereportonabdominalwallmetastasesfol-
lowingPEG.Chirug2002;73:1132-5.
9. SavoyeG,LeBlanc-LouvryI,LePessotF,FoulatierO,Lecleire
S,HerveS,et.al.Metastasis to thesiteofpercutaneousendo-
scopicgastrostomy tract inapatient treatedforsquamouscell
carcinomaof thepiriformsinus.GastroenterolClinBiol2002;
26:795-7.
10. KurdowR, SchniewindB,DelereY,BoehleAS,Luttges J,
DoniecJM.Implantationmetastasisofahypopharyngealcarci-
noma at the site of a percutaneous endoscopic gastrostomy.
Endoscopy2003;35:462.
11. ThakoreJN,MustafaM,SuryaprasadS,AgrawalS.Percutaneous
endoscopic gastrostomy associated gastricmetastasis. JClin
Gastroenterol2003;37:307-11.
12. WackeW,HeckerU,WoenckhausC,LerchMM.Percutaneous
endoscopicgastrostomysitemetastasisinapatientwithesopha-
gealcancer.Endocopy2004;36:472.
13. RamanS,SiddiqTO,JosephA,JonesAH,HarayPN,Masoud
AG.Vaccinationmetastasisfollowingpercutaneousendoscopic
gastrostomy.HospMed2004;65:246-7.
14. AdelsonRT,DucicY.Metastaticheadandneckcarcinomatoa
percutaneousendoscopicgastrostomysite.HeadNeck2005;27:
339-43.
15. HalfpennyW,McGurk,M.Stomalrecurrencefollowingtempo-
rarytracheostomy.JLaryngolOtol2001;115:202-4.