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III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares 1
VARIAÇÃO DE PROPAROXÍTONAS: traços da identidade popular
no falar maranhense1
Arthur Pereira Santana2
José de Ribamar Mendes Bezerra3
Resumo: Análise da variação das proparoxítonas no Português popular maranhense.
Utilizando os dados do Atlas Linguístico do Maranhão (Projeto ALiMA), este estudo,
recorte de uma pesquisa mais ampla, apresenta uma análise dos fatores extralinguísticos
e estruturais que motivam a variação de proparoxítonas no falar de 40 informantes do
Estado. Analisa-se processos envolvidos na variação de proparoxítonas por meio dos
resultados gerados pelo Programa computacional Varbrul, com o intuito de enriquecer o
conhecimento a respeito da linguagem popular falada no Estado e, dessa forma, ajudar a
traçar um perfil identitário do maranhense.
Palavras-chave: Proparoxítonas. Português popular. Identidade.
Abstract: Analyze of the phenomenon regarding to proparoxytones words on popular
Portuguese from Maranhão. Using the database of Atlas Linguístico do Maranhão
(Projeto ALiMA), this paper, delimitation of a wider research, presents an analyze of
factors, extra linguistics and structural, that stimulates proparoxytones’ variation in 40
informers spoken language. It Analyzes processes related to proparoxytones variation
based on Varbrul Software results, intending to enrich the knowledge of the popular
language spoken in the State and, doing so, assist on developing an identity profile of
Portuguese speakers in Maranhão.
Keywords: Proparoxytones. Popular Portuguese. Identity.
1 Introdução
Labov (1972), ao desenvolver a teoria da variação e da mudança,entende a
língua como um fenômeno intrinsecamente heterogêneo, uma vez que as estruturas
linguísticas não são autônomas; isto é, a teoria postula a existência de uma correlação
entre usos e estruturas. Nessa perspectiva, as estruturas linguísticas são flexíveis e
1 Este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre as proparoxítonas no falar maranhense,
fomentada pelo Fundo de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do
Maranhão – FAPEMA, por meio de bolsa de iniciação científica. 2Aluno do Curso de Letras da Universidade Federal do Maranhão, auxiliar de pesquisa do Projeto Atlas
Linguístico do Maranhão – ALiMA e bolsista de iniciação científica da FAPEMA. 3 Professor do Departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão e pesquisador do Projeto
ALiMA.
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dinâmicas porque os falantes agem e interagem em espaços/contextos –
geográficos, sociais e temáticos – concretos que têm reflexos em sua
produção (cf. CASTILHO, 2010).
Considerando, então, a questão das relações entre língua e sociedade, cabe à
Sociolinguística, área interdisciplinar da Linguística, investigar a variação, buscando
detectar seu grau de estabilidade ou de mutabilidade, além de distinguir as variáveis que
atuam positiva ou negativamente sobre as variantes em competição, a fim de prever o
comportamento regular e sistemático destas (cf. MOLLICA; BRAGA, 2003).
Assim, a Sociolinguística parte do pressuposto de que os usos linguísticos
alternativos – as variantes que configuram um fenômeno variável – não são aleatórios
nem caóticos, uma vez que a diversidade, materializada na variação, é constitutiva do
fenômeno linguístico e, portanto, condicionada por fatores de natureza interna
(estrutural) ou externa (social) à língua.
Com relação à realização de proparoxítonas – classe de palavras pouco
numerosa no léxico do português – como paroxítonas, itens mais comuns, devido ao
maior número de representantes na língua, Câmara Jr. (1976) observa que mesmo na
variante padrão há uma constante tendência a modificá-las, graças, entre outros
motivadores, às características estruturais da língua portuguesa.
Os fatores de cunho social, juntamente com os linguísticos, que influenciam a
síncope de proparoxítonas (relâmpago >relâmpo), fenômeno facilmente perceptível na
linguagem popular e alvo de diversos estudos (cf. AGUILERA, 1994; ARAGÃO, 2000,
dentre outros), também motivam outros fenômenos que ocorrem com esse tipo de
vocábulo, mas não afetam a posição da sílaba tônica, como em relâmpago >relâmpado.
Este trabalho, portanto, pretende descrever e analisar o comportamento dos
vocábulos proparoxítonos na linguagem popular maranhense, com base nos dados
coletados para a elaboração do Atlas Linguístico do Maranhão – Projeto ALiMA.
Buscamos, pois, com este estudo contribuir para o delineamento do perfil do
maranhense, no que concerne à sua identidade, identidade essa construída com a língua
e nela refletida.
2 Proparoxítonas: do latim ao português
Segundo Quednau (2002), a síncope de proparoxítonas, apesar de
extremamente estigmatizada, é um fenômeno notado desde o latim clássico e que é
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intensificado quando, na passagem para o latim vulgar, a língua latina se
torna uma língua que se caracteriza por apresentar pés de duração irregular,
fator que contribui para o aparecimento desse fenômeno. Ou seja, a síncope de
proparoxítonas é um fenômeno herdado do latim e perceptível em outras línguas, como
o grego clássico e o italiano.
Para a autora, em latim, existem três tipos de síncope: (i) síncope da vogal
postônica (apicula>apicla); (ii) síncope da consoante sonora entre vogais (mala >maa) e
(iii) síncope de oclusiva como primeiro membro de grupo consonântico (excepção>
exceção).
Por ser um fenômeno extremamente recorrente na linguagem popular, a
variação e a redução de proparoxítonas foram descritas em alguns dos primeiros estudos
brasileiros, no âmbito da linguística, sobre o português rural.
MARROQUIM (1996, p. 73) destaca que a síncope é um fenômeno comum
devido à “dificuldade de pronunciar o proparoxítono”. Para ilustrar, o autor destaca
vocábulos como porva, prinspee poliça(pólvora, príncipe e polícia, respectivamente).
Em 1986, Head publica um estudo que, além de apresentar algumas análises
sobre o fenômeno, abordando questões de natureza linguística e extralinguística, faz um
apanhado geral da literatura especializada até aquele momento. Entretanto, aponta a
necessidade de outros estudos sobre o fenômeno:
Faltam, porém, vários elementos necessários para uma compreensão
mais aprofundada dessa propriedade da linguagem popular: dados
mais extensos sobre diversas realizações dos mesmos vocábulos;
descrições das diferenças estruturais entre as formas populares (...)
descrição da distribuição geográfica das variantes; análise da
influência de fatores extralingüísticos; e o estudo da relação entre as
propriedades observadas em linguagem contemporânea e os processos
de evolução que caracterizam a história da língua. (HEAD, 1986, p.
39)
Com o objetivo de suprir as carências apontadas por Head, diversos estudos
atuais a respeito do fenômeno se debruçam sobre as características regionais da língua e
a influência desta na variação dos vocábulos.
Voltando-se para o português do Paraná, Aguilera (1994) e Castro (2001)
analisam a realidade das proparoxítonas no português falado na região Sul do País.
Após discussão dos dados, Castro (2001) responde ao anseio de Head (1986) e conclui
que o fator geográfico não se mostra definitivo na síncope de proparoxítonas. Aguilera
(1994), por sua vez, dialoga com os dados coletados pelo autor na década de 80,
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listando as conclusões semelhantes e díspares, descartando, por exemplo, a
influência das variáveis sexo e faixa etária no fenômeno de fuga das
proparoxítonas.
Acompanhando a tendência dos estudos atuais, Amaral (2002) faz um
levantamento dos vocábulos proparoxítonos no português e observa que das 120.000
entradas/lemas presentes no dicionário Aurélio, apenas 8.520 possuem tonicidade na
antepenúltima sílaba, evidenciando o porquê de Câmara Jr., na década de 70, afirmar
que os “esdrúxulos” são, no português, “um tanto marginais” (1976, p. 35).
Além disso, a autora ainda afirma que “a síncope em proparoxítonas é
previsível, ou seja, o falante tem consciência das regras fonotáticas da língua ao reduzir
sílabas, apagar segmentos ou inserir outros” (p. 102).
Diferentemente do que defende Amaral, Araujo (2007) defende que os processos
de redução obedecem a regras restritas, ou seja, os apagamentos são sensíveis ao
contexto, e não gerais como tem defendido a literatura especializada. Como veremos
adiante, nossos dados corroboram tal interpretação do fenômeno.
3 Metodologia
O corpus utilizado neste estudo compõe o banco de dados criado para a
elaboração do Atlas Linguístico do Maranhão, colhido por meio de inquéritos realizados
pelos pesquisadores do Projeto ALiMA.
Foi analisada a fala de 40 informantes, distribuídos igualmente pelos dois sexos
e com escolaridade até a 4ª série, provenientes igualitariamente de 10 municípios
maranhenses – São Luís, Pinheiro, Turiaçu, Imperatriz, Brejo, São João dos Patos,
Bacabal, Tuntum, Balsas e Alto Parnaíba – que fazem parte da rede de pontos do
ALiMA e que estão indicados na figura a seguir4.
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Figura 1 - Localidades Investigadas
Além disso, analisamos a fala de mais 4 informantes de São Luís com nível
superior completo, para que seja possível investigar a influência da variável
escolaridade na variação de proparoxítonas no Estado.
A análise estatística dos dados e a verificação de percentuais de ocorrência da
variação das proparoxítonas foram realizadas por meio da codificação dos dados e do
uso do pacote de programas VARBRUL.
Esse programa analisa as ocorrências descritas e, por meio da codificação de
dados anteriormente mencionada, cruza as variáveis, listando-as em ordem de
relevância para o aparecimento do fenômeno, valendo-se de pesos relativos.
Dessa forma, acreditamos ser possível alcançar conclusões seguras a respeito
dos aspectos linguísticos e extralinguísticos que influenciam o aparecimento ou não do
fenômeno em questão e que nos possibilitam conhecer melhor traços identitários do
maranhense.
4. A variação de proparoxítonas no português popular maranhense
A variação dos vocábulos proparoxítonos pode ser sensível ou não ao acento. Ou seja,
em nossas análises podemos classificar tais vocábulos de três formas distintas, levando em
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consideração a questão acentual: proparoxítonas, sem variação da norma culta;
variante proparoxítona, vocábulos que, apesar da variação, mantêm a sílaba
tônica; e variante paroxítona, resultado de um processo de redução.
Como atesta Amaral (2004), alguns contextos fonético-fonológicos favorecem
o processo de redução de proparoxítonas. Em seu estudo, ao analisar o contexto
fonológico seguinte dos vocábulos de sua amostragem, a autora constatou que as
líquidas são as principais responsáveis pelo apagamento da vogal postônica não-final, já
que favorecem, no português, o surgimento de ataque complexo, como é o caso de
e .
A síncope, apesar de mais frequente, não é o único fenômeno que leva à
redução de proparoxítonas. Em nossa amostragem, a apócope pode ser observada nas
realizações listadas a seguir:
- apócope da oclusiva /d/ e da vogal seguinte;
- apócope da oclusiva /d/ e da vogal seguinte;
- apócope da tepe e da vogal seguinte.
Percebemos, ainda, em nossos dados, outras formas de fuga de itens
proparoxítonos por meio da utilização de outros vocábulos que apresentam a mesma
carga semântica que o proparoxítono, mas sem que a acentuação recaia sobre a
antepenúltima sílaba (relâmpago ~ corisco) ou, ainda, o deslocamento do acento para a
sílaba seguinte (vômito > vomito5).
Nossa amostra, entretanto, não possibilita que percebamos casos, como os
descritos por Aragão (2000), de queda da vogal tônica (espírito >espríto), o que nos leva
a crer que esse seja um fenômeno restrito a ambientes estruturais muitos particulares e,
portanto, pouco recorrente na linguagem popular.
Focaremos,portanto,nossa análise de maneira mais específica, como
mencionado anteriormente, na síncope de proparoxítonas.
Sendo a síncope nossa regra de aplicação, codificamos, ainda, nossa regra
variável da seguinte forma: síncope (Y) e não-síncope (Z). Reiteramos, portanto, que,
apesar de em nossa amostra haver 21 casos de redução de proparoxítona por meio de
apócope, não analisaremos tal fenômeno, tendo em vista que o classificamos como não
síncope.
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Dessa forma, depois de codificadas, todas as realizações foram
submetidas às análises do VARBRUL.Assim, de um total de 559 realizações,
120 apresentaram o fenômeno da síncope em proparoxítonas. O programa, por sua vez,
classificou como relevante os fatores listados a seguir, em ordem de importância.
Traço de articulação da vogal;
Contexto fonológico precedente;
Contexto fonológico seguinte;
Extensão da palavra;
Localidade.
O fator escolaridade, como mencionado anteriormente, foi analisado
separadamente dos demais e também se mostrou relevante.
Como não-relevantes foram listados:
Peso da sílaba;
Faixa etária;
Sexo.
4.1 Traço de articulação da vogal
O programa selecionou como fator de maior relevância para o aparecimento de
síncope em proparoxítonas o traço de articulação da vogal. Sabemos, pois, que os sons
vocálicos são aqueles cuja passagem de ar pelo trato vocálico não sofre qualquer fricção
ou interrupção (cf. SILVA, 2009). Dessa forma, o que os difere são, no momento da
articulação do som, a posição da língua e o arredondamento maior ou menor dos lábios.
Vogais labiais são as vogais que, para serem articuladas, necessitam de maior
arredondamento dos lábios. Sendo assim, classificamos dessa forma /u/ e /o/. Sons
dorsais, por sua vez, “são os sons articulados com a parte de trás do dorso da língua”
(SILVA, 2011, p. 96). Com relação às vogais, classificamos como dorsal o /a/.
Finalmente, sons coronais são aqueles articulados com o elevamento do dorso
ou da ponta da língua, acima do “ponto neutro”. Entre os segmentos vogais,
classificamos dessa forma /e/ e /i/.
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Nossos resultados demonstram que as vogais labiais são as que mais
favorecem a síncope. Dentre os vocábulos cuja vogal a sofrer síncope é a
labial, temos: fósforo, árvore, abóbora, pólvora, clavícula, elétrico e rótula. Os
resultados propostos pelo programa e a análise de nosso universo de realizações nos
possibilitam observar que, a exceção de elétrico, todos os outros vocábulos, após
apagamento da vogal pós-tônica não final, possibilitam o surgimento de um ataque
complexo, ou seja, possuem um ambiente propício para a supressão de um segmento em
seu interior.
Além disso, o próprio fato de as vogais em questão possuírem articulação mais
alta que as demais favorece o processo de assimilação, pelo qual a vogal é sincopada
propiciando o onset.
Embora menos relevante que as labiais, as coronais também foram
selecionadas como relevantes pelo VARBRUL. É interessante observar, entretanto, que
as características articulatórias das coronais muitos se assemelham com as das labiais,
possibilitando, assim, um ambiente que favorece o apagamento destas.
A vogal dorsal, por sua vez, não se mostra relevante. Pelo contrário,
acreditamos que chega a inibir, em alguns casos, a síncope. Fígado ilustra tal afirmação,
já que o apagamento da vogal pós-tônica /a/ impossibilitará, para os padrões do
português, a realização do vocábulo. A estratégia usada pelo falante que busca a
redução de proparoxítona é, nesse caso, o apagamento da sílaba final – /figa/ –ou o
apagamento, concomitante, da vogal pós-tônica não-final e da consoante seguinte:
/figo/.
4.2 Contexto fonológico precedente
O segundo fator escolhido pelo programa em ordem de relevância foi o
contexto fonológico precedente, ou seja, o ambiente que é ocupado pelos fonemas que
ocorrem antes da vogal a ser apagada.
Dessa forma, as análises estatísticas mostraram que são as alveolares as que
mais favorecem o apagamento da vogal pós-tônica não-final.
FRANÇA (2009, p. 176) ressalta a importância dessa variável, ao afirmar que:
(...) após a queda da vogal, o fonema que sobrará (quanto consoante)
formará uma nova sílaba com o fonema da sílaba seguinte: chácara >
chacra, árvore >arvre, abóbora >abóbra, ou seja, ao apagar a vogal
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postônica não-final, o falante forma uma sílaba obedecendo aos padrões silábicos de
sua língua.
Dessa forma, percebemos que são as alveolares que melhor favorecem a
formação de nova sílaba após o apagamento da vogal sincopada. Nosso universo de
realizações ratifica a ideia de França (2009), tendo em vista o alto número de
realizações de observados.
Nesse caso, a sibilante anterior à vogal pós-tônica, após ser apagada, passa a
forma uma coda bem formada, ligando-se à sílaba anterior.
ARAÚJO (2007, p. 46) descreve realizações como essas da seguinte forma:
A sílaba postônica não final é formada por uma consoante e uma
vogal [i], sendo que a consoante é uma realização das consoantes
contínuas coronais /s, z/. Nesse caso, a vogal pode ser apagada,
ocorrendo espalhamento do traço [voz] para o onset da sílaba
seguinte.
É válido ressaltar, entretanto, que, apesar de nossos dados não corroborarem tal
afirmação, todas as vezes que uma oclusiva ou fricativa labial precedem uma soante não
nasal, há formação de onset e, dessa forma, há ambiente propício para o apagamento da
vogal presente entre tais vocábulos.
4.3 Contexto fonológico seguinte
Nossos dados levaram a análise estatística feita pelo programa a selecionar a
variável contexto fonológico seguinte como a terceira mais relevante, diferentemente do
que ocorre com as pesquisas de Amaral (1999) e Lima (2008), que tiveram a mesma
variável como a primeira a ser escolhida.
Por conta dos vocábulos proparoxítonos encontrados no banco de dados do
Projeto ALiMA, dividimos este fator em oclusiva, líquida lateral e líquida vibrante.
Fósforo, árvore, úbere, abóbora, pólvora, útero, número e elétrico, alvos de
nosso estudo, são alguns dos vocábulos obtidos nas respostas dadas aos questionários
aplicados pelo ALiMA. A listagem desses vocábulos nos permite evidenciar, mais uma
vez, o que afirma LIMA (2008, p. 92) em seu estudo:
(...) no português brasileiro, uma estrutura silábica formada por ataque
complexo terá na segunda posição do ataque uma líquida lateral /l/ ou
uma líquida vibrante / /. Dessa forma, as palavras, que apresentam
uma líquida na sílaba que segue a postônica, possibilitam o
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apagamento da vogal, favorecendo a síncope. (...) Esse resultado comprova que o
apagamento da vogal postônica em palavras proparoxítonas só é permitido se, no
processo de ressilabação, a consoante flutuante for incorporada à sílaba seguinte,
formando uma nova estrutura silábica permitida na língua.
Tal fato, portanto, esclarece a razão pela qual /fosfro/, /arvri/ e /abobra/ são tão
recorrentes em nossa amostra, já que conseguem acumular diversos fatores selecionados
pelo programa como condicionantes para a síncope em proparoxítonas, relevando o
quão propício são esses contextos para o aparecimento do fenômeno.
4.4 Extensão da palavra
A análise estatística feita levou o Programa a selecionar a extensão da palavra
como condicionante para a síncope. Entretanto, não acreditamos que tal fator seja um
dos maiores condicionadores do fenômeno.
Assim como a recorrência, o peso relativo do fator trissílabos apresentou-se
muito próximo ao ponto neutro (0,563). Além disso, o fato de possuirmos relativamente
poucos casos de vocábulos polissílabos em nossa amostragem que sejam
proparoxítonas, não nos permite afirmar com segurança que tal fator seja,
verdadeiramente, relevante.
Além disso, estudos como o de Amaral (1999), Lima (2008) e França (2009)
não apontam esse fator como relevante para o fenômeno da síncope. FRANÇA (2009,
p. 180) chega a afirmar que “isso demonstra que a síncope não é fruto decorrente
diretamente do fato de as palavras estudadas terem três ou mais sílabas, ou em outras
palavras, que o fator extensão não é fundamental para que o apagamento ocorra”.
4.5 Localidade
A variável diatópica (e suas implicações de ordem social, econômica e cultural)
influencia a variação linguística e pode ser considerada como um dos diversos fatores
que atua na mudança de uma língua.
Para Bortoni-Ricardo (2004), o contínuo da urbanização é responsável por
severas transformações não somente na língua, mas, principalmente, na relação que os
indivíduos inseridos em uma comunidade têm com ela e com as variações nela
presentes. Sobre essa relação, a autora observa que
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Enquanto os falantes rurais ficavam muito isolados pelas dificuldades geográficas
de acesso, como rios e montanhas, e pela falta de meios de comunicação, as
comunidades urbanas sofriam a influência de agências padronizadoras da língua,
como a imprensa, as obras literárias e, principalmente, a escola.
(BORTONI-RICARDO, 2004, p. 52).
Dessa forma, nossos dados levaram o VARBRUL a selecionar a variável
localidade como relevante para o surgimento da síncope, destacando-se nesse contexto o
município de Tuntum como a localidade que apresentou o maior número de realizações
do fenômeno.
Como todos os informantes analisados para o estudo da influência do fator
geográfico possuem o mesmo nível de escolaridade, ensino fundamental incompleto
variando somente a localidade, percebemos que em São Luís o contato com as variantes
de maior prestígio, além de influenciar no falar dos indivíduos, torna as formas não-
padrão ainda mais estigmatizadas, forçando os falantes não somente a se policiarem,
mas também a almejarem a capacidade de ser usuários da variante culta.
Sobre o fato de o processo de redução de proparoxítonas no português ser
característico apenas do falar rural, Aguilera (1994, p. 812) aponta que:
(...) todas as demais variantes dos outros vocábulos não apresentam
uma correlação entre uma forma específica e sua distribuição
diatópica. Este fato corrobora a hipótese de que o fator geográfico não
é determinante da frequência de uso de proparoxítonas ou paroxítonas.
Tal hipótese ainda é reforçada com o fato de este processo ser percebido no
Brasil em sua totalidade, tanto em áreas rurais e urbanas. O Programa, por exemplo,
apontou a segunda maior cidade do Estado – Imperatriz – como relevante para o
aparecimento de síncope.
Esta realidade nos levou a investigar mais a fundo o caso do município, já que os
traços de urbanidade, aparentemente, ainda não produziram efeitos na língua.
Percebemos, assim, que os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica – IDEB evidenciam que o município não avançou no que diz respeito ao
desenvolvimento educacional: em 2005, 2007 e 2009, o município obteve o índice de
3,6, inferior, por exemplo, ao do município de Balsas, que ocupa a terceira posição no
ranking dos municípios maranhenses, tendo como parâmetro o PIB7.
Tal fato nos possibilita observar de maneira mais clara como as variáveis
linguísticas e extralinguísticas não operam de modo autônomo, e sim exercem
influência umas sobre as outras constantemente, já que é impossível analisar a questão
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da localidade, por exemplo, sem levar em consideração a variável
escolaridade, enfocada no tópico seguinte.
4.6 Escolaridade
Como já apontamos anteriormente, para que pudéssemos analisar a influência
da escolaridade na realização do fenômeno, foi necessário utilizar inquéritos realizados
com informantes que possuem curso superior completo.
Dessa forma, as rodadas feitas pelo VARBRUL com os dados codificados de
informantes do município de São Luís, dos dois níveis de escolaridade de que dispomos,
e que foram previamente descritos, apresentou com resultado um nocaute8. Em outras
palavras, o programa observou que, entre os informantes de São Luís com nível superior
completo, não houve qualquer caso de síncope da vogal pós-tônica não-final em
proparoxítonas, ou seja, não houve variação, daí o nocaute.
Isso nos leva a concluir, portanto, que a variável escolaridade é relevante para
o aparecimento do fenômeno, já que indivíduos com maior escolaridade, como mostram
nossos dados, tendem a não reduzir as proparoxítonas. Os informantes de São Luís com
nível de escolaridade fundamental incompleto, por sua vez, apresentaram casos de
síncope, ainda que em número reduzido, por conta das pressões de agências
padronizadoras e da influência do fluxo de urbanização presente na capital.
Fica claro, portanto, a influência da escolaridade nos processos de variação de
proparoxítonas. O mesmo resultado é encontrado por Aguilera (1994) e Castro (2001),
em suas respectivas pesquisas sobre o falar paranaense, e por Aragão (2000), em seu
estudo sobre o falar de Fortaleza. Aguilera (1995, p. 818) ainda afirma que
Dos fatores extralinguísticos testados, o grau de escolaridade tem uma
ampla influência na escolha entre realizações proparoxítonas e
paroxítonas, comprovado pela preferência de 62% dos escolarizados
por formas proparoxítonas e 64% dos não escolarizados pelas
paroxítonas.
É interessante observar ainda que, além da clara influência da escolaridade dos
indivíduos na redução ou variação de proparoxítonas, este fator exerce forte influência
sobre outros motivadores sociolinguísticos.
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5 Considerações Finais
Dentre os diversos fatores que colaboram para o aparecimento da síncope, além
do caráter erudito, da maioria, das proparoxítonas e da herança recebida do latim pelo
português, podemos destacar a própria estrutura da língua portuguesa como propicia
para a redução. Após a análise estatística e a revisão da literatura especializada, listamos
como fatores linguísticos relevantes o traço de articulação da vogal, o contexto
fonológico precedente o contexto fonológico seguinte.
Em relação aos fatores extralinguísticos, nossos dados ratificam os resultados
de estudos realizados em diferentes localidades do País: a grande influência da variável
escolaridade na variação das proparoxítonas.
Ainda com relação aos fatores extralinguísticos, sociais e geográficos,
observamos que estes não exercem influência sobre a língua, separadamente. Ao
contrário, influenciam-se mutuamente e, para que os estudos que levem em
consideração esses fatores possam alcançar conclusões coerentes com a realidade, é
necessário que as análises considerem sempre essa característica.
Já que a língua – no uso e pelo uso que dela faz o indivíduo – se constitui como
um fator de identidade cultural, ao contribuir para que o indivíduo se reconheça a si
próprio e seja reconhecido pelo outro (cf. Mateus, 2006), um estudo como o ora
proposto, que cruza o linguístico com o social, concorre decisivamente para o
conhecimento da identidade do sujeito falante de uma determinada língua.
6 Referências
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Notas
4. A realização da pesquisa em Tuntum foi financiada pelo CNPq, processo no 401119/2009-2, bem
como a de Imperatriz e Balsas, processo no 402408/2006-3.
5. Vomito () foi dado como resposta por vários informantes para a pergunta: “O que
alguém põe para fora, pela boca, quando está passando mal?” (QFF, pergunta 127).
6. A disposição dos municípios na tabela é ordenada pela numeração dada durante a codificação das
localidades.
7. Segundo informações do Governo do Estado do Maranhão, divulgadas no site
http://www.gabmilitar.ma.gov.br/pagina.php?IdPagina=2055
8. Nome dado pelo programa quando o fenômeno analisado não apresenta variação e por isso não pode
ser analisado estatisticamente, necessitando ser eliminado.