Identi Dade Territorio Brasil

download Identi Dade Territorio Brasil

of 147

Transcript of Identi Dade Territorio Brasil

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    1/147

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    2/147

    IDENTIDADE E TERRITRIO NO BRASILRafael Echeverri Perico

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    3/147

    Esta publicao constitui resultado de trabalho de pesquisa sobre tipologias territoriais,realizado pelo Instituto Interamericano de Agricultura, IICA, Brasil, por solicitao daSecretaria de Desenvolvimento Territorial, do Ministrio de Desenvolvimento Agrrio, doBrasil. Participaram desta pesquisa - Doris Sayazo, Ivn Tartaruga, Edviges Ioris, MauroMrcio Oliveira, Ana Mara Echeverri y Rafael Echeverri.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    4/147

    Contedo

    Identidade e Territrio . 1Prefcio ........ 4Introduo ..5 Avanos para uma nova gerao de polticas.....................................................................

    A natureza do enfoque territorial ....De objetos a sujeitos da poltica .....................................................................................................O desafio territorial da economia ..................................................................................................Do crescimento ao desenvolvimento sustentvel Da diversidade cultural interculturalidade .A dimenso institucional ..A aplicao de um novo enfoque centrado no territrio ..............................................................Casos de evoluo da poltica de desenvolvimento rural ..............................................................

    Enfoques e fundamentos conceituais da estratgia dos territrios de identidadeConceito de espao ..........................................................................................................................

    Conceito de territrio ....................................................................................................................Conceito de culturaConceito da identidadeOperacionalizao de conceitos subjacentes aos territrios de Identidade

    Marco institucional para a gesto territorialEspao e Territrio nas Polticas FederaisO Enfoque territorial do MDAEstrutura Institucional para a Gesto Regional e Territorial

    Ministrio da Integrao NacionalMinistrio do Meio Ambiente (MMA)Ministrio das CidadesMinistrio do Desenvolvimento AgrrioOutros Ministrios e rgos vinculados

    Estratgia de Gesto Social dos Territrios de IdentidadeEnfoque da Poltica de Desenvolvimento TerritorialProcessos de formulao e de execuo da poltica

    Planejamento da polticaGesto de processos territoriaisOs processos de articulao territorial de polticasGesto de atores territoriaisGesto setorial estratgica

    Mudanas geradas por intervenes da poltica no territrioO ciclo de gesto social do territrioGesto de organizaes sociaisGesto da articulao da demanda de polticas pblicasGesto da economia territorial

    Os impactos da poltica no desenvolvimento territorial sustentvelProcesso de conformao dos territrios de identidade

    Definio e delimitao dos territrios de identidadeObservao do processo nos territrios

    Manifestao do territrioManifestao da identidade

    Territrios rurais e outras formas de configurao espacial-regional

    Variaes na conformao dos territrios, na rea ruralGrupos e identidades sociais: histria territorialAlcance e cobertura dos territrios de identidadeSntese das caractersticas de identidade e territorialidade

    Diversidade, diferenciao e tipologia territorialAnlise da heterogeneidade territorialEvoluo: da seleo de microrregies, delimitao de territrios de identidadeCaracterizao dos territrios de identidadeTipologias territoriais

    Modelo de Tipologias territoriais

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    5/147

    Indicadores para o modelo de Tipologias TerritoriaisModelos de estimao de categorias, estratos ou tipos

    Desafios da poltica para os territrios de IdentidadeBibliografia

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    6/147

    INTRODUO

    A aplicao de estratgias do enfoque territorial para o desenvolvimento rural vemresultando na gerao de polticas pblicas, que trazem transformaes significativas aoesgotado modelo do desenvolvimento rural, aps mostrar suas grandes limitaes paraenfrentar e solucionar as condies de desigualdade, deteriorao ambiental e a baixagovernabilidade no meio rural latino-americano.

    Constata-se um crescente nmero de pases que vem adotando processos de transformaoinstitucional que conduzem ao reexame profundo das aes orientadas ao mundo rural,abrangendo desde a redefinio do significado da coisa rural at a criao de novasinstituies a exemplo de Mxico, Guatemala e Brasil, que adotam essas mudanas apartir de modelos inovadores de gesto pblica.

    Esta publicao contm a anlise do modelo de desenvolvimento rural

    br asileiro, em pr eendida com o apo io d a Secretaria de Desenvolvim ent o

    Territ or ial do Minist rio d e Desenvolvim ent o Agrrio qu e t em a m isso d e

    operar as polticas orientadas ao reconhecimento e gesto dos Territrios de Identidadeenquanto unidades-objeto das polticas pblicas de desenvolvimento rural.

    O modelo territorial no novo no Brasil, um pas de ampla tradio de

    gesto regional e territorial que atende aos enormes e espaciais desafios

    iner ent es sua dim enso e diversidade t err it or ial. Essa exper incia br asileira

    constit ui parm et ro para a adoo d os pr ocessos em execuo no s t erm os

    da nova estratgia (dos Terr i t r ios de Ident idade) e favorece a execuo e

    impacto, ao mesmo tempo em que permite aprender com as experincias

    acum uladas pelo s t err it r ios rurais do pas.

    Para apreender a diversidade territorial do Brasil, foi feito um estudo com o objetivo deelaborar uma metodologia que definisse critrios para caracterizar, classificar e diferenciaros Territrios de Identidade; e construda uma ferramenta para identificar tipologiasterritoriais e possibilitar a execuo diferenciada e focalizada das aes oriundas da polticade desenvolvimento rural. Este documento parte dos resultados desse exerccio paraanalisar o marco geral do desenvolvimento territorial a partir da anlise dos fenmenossocioeconmicos que tm dado forma ao arranjo e justificativa para a adoo dos modeloscentrados no territrio, com nfase nas mudanas acumuladas sobre as condies dodesenvolvimento de nossos pases, que pressionam e exigem instituies e polticas novas.

    A poltica do desenvolvimento rural do Brasil sob o enfoque territorial pauta-se nacoerncia poltica, ideolgica, terica, metodolgica e na prtica de gesto, a partir daadoo de base conceitual que orienta e reflete as decises previstas. O Modelo inovadorproposto pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial requer exerccio terico-conceitualcontinuo e reflexo permanente, para consolidar as aes empreendidas e permitir melhorcompreenso das potencialidades e dificuldades referidas ao modelo.

    Neste trabalho, procura-se esclarecer os conceitos subjacentes poltica formuladaconforme as bases dos Territrios de Identidade. O estudo apresenta anlises sobre as

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    7/147

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    8/147

    Deve ser feito um inventrio dos instrumentos de poltica que foram construdos nasdiversas etapas e dos complexos processos de desenvolvimento que vm sendo implantadosno Brasil e nos pases da regio onde se constata elementos, condies e resultadoscomuns, mas diferenciados, de forma a atender as demandas e os desafios das sociedades

    rurais e nacionais. Ao mesmo tempo, torna-se imprescindvel estabelecer os campos deaplicao das dimenses em estudo, considerando que o resultado desse exerccio, emtermos utilitrios, influenciar nas decises concretas relativas agenda das polticas dedesenvolvimento rural e de desenvolvimento da agricultura familiar o que fora aateno, durante todo o estudo, sobre os momentos reais; as decises tomadas; e asferramentas que devem ser ajustadas luz dos resultados e das potencialidades encontradasaps a adoo dos referidos conceitos ao territrio.

    Supondo que h clara tendncia para a reformulao das estratgias de desenvolvimento aoincorpor-las nesse marco do espao-territorial, torna-se imprescindvel esclarecer anatureza do desafio do desenvolvimento rural; seus velhos questionamentos no resolvidos,assim como os novos desafios e suas reais potencialidades socioeconmica, ambiental,cultural e poltica.

    Este captulo trata da reviso dos aspectos que mostram a relevncia, a pertinncia e ajustificativa para o exerccio que possibilita compreender melhor como conceituar, paraalcanar maior pragmatismo, na perspectiva de encontrar instrumentos aplicveis aosprocessos de reorientao da poltica do desenvolvimento rural.

    A natureza do enfoque territorial

    Hoje, empreende-se diversos caminhos em busca de melhorar a qualidade do gasto pblico,um deles associa-se a estratgias da poltica para o desenvolvimento rural, em meio transio para nova gerao de polticas, programas e de estruturas institucionais a seremimplantados. Mas esse processo depende de tentativas em longa caminhada e deexperimentos em mltiplas opes e adaptaes das decises polticas, conformetendncias de mudanas em termos econmicos e polticos. No mbito do desenvolvimentorural e da agricultura familiar vm acumulando-se inmeras experincias e diferentestentativas, muitas com resultados decepcionantes que no refletem os esforos dispensadoss expectativas e aos investimentos realizados.

    Hoje, a Amrica Latina vivencia uma crise de resultados expressa nas estratgias dedesenvolvimento ruralface ao quadro que mantm as reivindicaes do enorme segmentopopulacional rural, submetido contradio de viver em condies de pobreza, em meio aum dos mais ricos universos rurais do planeta.

    No constitui rompimento. A reconstruo permanente do processo de ajustes dasestratgias de desenvolvimento , em si, complexa, e abrange os marcos ideolgicos,conceituais e metodolgicos nos quais se baseia. Essa tentativa constitui necessidade para aidentificao e a compreenso dos componentes que alimentam a nova estratgia dedesenvolvimento rural e territorial que vem emergindo como parte da institucionalidade do

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    9/147

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    10/147

    Nesse sentido, estamos restringindo o tema da identidade sua natureza espacialsabendoque no possvel desconhecer que a identidade abrange, e aplicada, a outras dimenses eexpresses no espaciais, a exemplo das caractersticas diferenciadas nas prefernciasreligiosas, polticas, estticas e sexuais que compem tambm as caractersticas de

    identidade, que nem sempre se manifestam restritas a um espao.Entendemos, por territrio, a dimenso poltica do espao quando este referidoreconhecido e identificadoenquanto unidade da gesto poltica que o distingue e o atribuiexistncia, de certa forma institucionalizada. Nem sempre o territrio constitui-se numaentidade territorial, a exemplo de municpio, provncia, departamento ou estado. suficiente ser reconhecido como unidade que pode controlar ou interagir enquanto ainstitucionalidade que expressa pode ser a bacia de um rio, a unio de organizaesterritoriais, um espao com ntidas caractersticas tnicas ou um espao definido por redeseconmicas bem caracterizadas.

    Dessa forma, o territrio pode, inclusive, chegar a constituir-se num espao descontnuo. Oelemento central da reflexo que nos ocupa o fato de a identidade como expresso detraos diferenciadores e distintivos da populao pertencente a um espao converter-se noesprito essencial, bsico e estruturante do territrio. Alm de descrever e caracterizar oterritrio, o mais importante que a identidade orienta e ordena as estratgias dedesenvolvimento ao definir e dar suporte ao carter das foras motoras que possibilitamavanar na conquista do bem estar.

    A identidade, quando associada ao territrio no contexto poltico institucional, expressa-secomo territorialidade que denota o sentimento poltico, a energia social e a vontadecoletiva, que resultam em sentimentos nacionalista, patritico, regionalista, amor pelaterra e diversas manifestaes da fora social objetiva. E o reconhecimento e compreensodesses sentimentos promovem a afirmao de muitas estratgias de desenvolvimento.

    De objetos a sujeitos da poltica

    A democracia territorial. Observa-se na Amrica Latina um contnuo processo deconstruo de uma democracia incipiente, que constitui uma das mais importantesconquistas nas trs ltimas dcadas (aps a presena generalizada de ditaduras militares nocontinente). A democracia tem sido difcil, dolorosa e cheia de entusiasmos, que logo seconvertem em frustraes.

    Esse processo de construo de modernas instituies polticas aponta para umacaracterstica distinta, que vem se tornando comum em todos os pases: a nova forma deenfrentar a antiga e mal resolvida disputa entre os modelos do poder centralizado com asregies, os locais e espaos rurais, que lutam por maior autonomia, maior participao eautogesto de seus prprios destinos. No se trata de uma nova luta, mas de novoselementos no cenrio atual.

    Outra sociedade rural.O primeiro elemento est expresso em novas sociedades locais,regionais e ruraiscom maior capacidade de discernir, participar, pressionar e reivindicar.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    11/147

    Evidencia-se que essas tenses no so exclusivas, como antes, do interesses de poucos (osgrandes proprietrios rurais caracterizados por vises e propostas polticas retrgradas edefensoras de privilgios). Emergem e ganham espao os interesses das comunidades, dospequenos proprietrios e das sociedades locais e rurais com discursos progressistas edemocratizantes.

    As profundas transformaes que vm sendo obtidas nos ltimos cinqenta anos expressamuma sociedade rural em processo de superao das estruturas concentradas e determinadaspelo poder poltico. Isso radicalmente diferente da sociedade anterior, caracterizada porbuclicas paisagens com populaes analfabetas, isoladas, incomunicveis, desarticuladasde vnculos importantes com o mercado, com grande deficincia de acesso aos serviospblicos e sem possibilidades de participar nos processos polticos.

    Embora o panorama esteja muito distante do idealizado, so evidentes os importantesavanos em todo continente em termos de integrao, informao, educao e acesso comunicao. Isso vem se refletindo em toda regio, na reduo dos indicadores sobrenecessidades bsicas insatisfeitas.

    O desafio territorial da economia

    Outra economia rural. Ao acompanhar o universo rural, observa-se que vm ocorrendooutras mudanas na economia dos territrios. A integrao dos espaos, na maior parte dosterritrios da regio, vem resultando num processo de desprimarizao da economia rural,de forma que mais da metade da atual renda das populaes rurais depende de atividadesno agropecurias. Essas economias refletem maior diversificao da atividade econmica,do investimento e do consumo, que so resultantes de diferentes formas de integraoeconmica e de articulao de cadeias produtivas que favorecem a agregao de valor.

    A terra, enquanto fator determinante dos modelos de desenvolvimento local e rural, vemcedendo espao a outras demandas por recursos produtivos, por parte de sistemasprodutivos rurais que esboam novo patamar de eficincia socioeconmica, como ocorrenas sociedades mais desenvolvidas. Mas, na maioria de nossos pases, os sistemas maiseficientes convivem com outros em condies adversas, inerentes aos problemas noresolvidos de concentrao, de ineficincia e de terra improdutiva, alm de outras restriesquanto ao acesso de outros recursos produtivos. Isso envolve profundas conseqnciaspolticas.

    Mudanas nos mercados agroalimentares. Em paralelo, tm ocorrido significativasmudanas nos desafios para as economias agrcolas e primrias em conseqncia de novasdinmicas dos mercados, abrangendo os sistemas de produo e, em especial, a distribuioe o consumo.

    A revoluo tecnolgica de biotecnologia, informtica e telecomunicao esboa umnovo parmetro para a produo, parmetro em que o conhecimento entra como fator cadavez mais determinante das possibilidades e diferenciais de produtividade e competitividade,

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    12/147

    implicando a necessidade de modernizao da produo e de reconverso tecnolgica dosnovos modelos de inovao e gesto do conhecimento.

    Quanto distribuio, observa-se drsticas mudanas nas ltimas dcadas, em especial nosprocessos de comercializao de alimentos via esquemas de contratos para integrar a

    agricultura (adotados pelas redes de hipermercados), que resultam em forte impacto para osetor em termos de adoo de sistemas de abastecimento e de mudanas referidas inovao tecnolgica de significativas repercusses.

    Na dimenso do consumo ocorreram tambm rpidas e profundas mudanas, com destaquepara novas preferncias, aumento da demanda por bens diferenciados e valorizao dosatributos como inocuidade e da qualidade elementos que definem nichos e novos perfisdo mercado e representam impacto para as estruturas precedentes, baseadas naespecializao da produo e em vantagens comparativas. Os desafios mudaram, mas asestratgias para enfrent-los deixam a desejar.

    Diferenciao de produtos. As condies de desenvolvimento dos mercados mencionadasacima abriram novos espaos para nichos de mercados bastante diferenciados em virtudedas condies intrnsecas aos bensentre eles qualidade, condies sanitrias, inocuidade,apresentao, embalagem, oportunidade, benefcio e ajuste s condies de hbitosespecficos dos consumidores.

    Ao mesmo tempo, foi aberta uma ampla e estimulante discusso sobre as oportunidades dosmercados dos produtos que so diferenciados por circunstncias externas ao prprioproduto (mas intimamente relacionadas a ele), como caractersticas de origem territorial,procedncia de processos produtivos associados aos aspectos de interesses especficos doconsumidor, razes ambientais, reconhecimento de valores culturais e de gnero, equidadesocial e outras formas de reconhecimento de princpios ou valores, como a paz, aconvivncia e o combate s economias informais (ilcitas).

    Todas essas formas de atribuio de valores intangveis aos produtos resultam numa novapercepo sobre as tradicionais vantagens comparativas. Entram em pauta produtos comoutros valores, no replicveis, no estandardizados e no transformveis em commodities. por isso que se convertem em especificidades refletidas em melhores preos. Mas osprodutos diferenciados por circunstncias externas guardam ntima relao com aspotencialidades capitalizveis nos diversos territrios que gozam dessas condies. nessesentido que podem diferenciar suas produes em relao a outras nos mercados locais,nacionais e internacionais.

    certo que este tipo de estratgia tem sido irregular em termos de favorecer os produtores.Isso se deve, de forma geral s grandes exigncias referidas, s condies de insero nosmercados, certificao, ao reconhecimento dos fatores de diferenciao, aos mecanismosque propiciam sustentabilidade e segurana (difceis de assegurar, pois demandamimportantes estruturas de comercializao) e promoo e representao comercial, comono caso das flores da Colmbia e do caf da Amrica Central.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    13/147

    Acerca do capitalismo transnacional. O marco do desenvolvimento econmico atualafirma uma estrutura pautada na internacionalizao dos mercados de bens, servios ecapitais. A marca distintiva a abertura s oportunidades de acesso aos amplos mercadosmundiais que, ao mesmo tempo, expe os mercados locais e regionais de produo ruralestratgica competio em muitos casos desiguais. Mercados em que persistem enormes

    distores e se destaca o sistema de subsdios dos pases desenvolvidos.Outra caracterstica que merece realce o surgimento de novas instituies supranacionais,que determinam cenrios de gesto poltica e comercial, com destaque para os blocoseconmicos, a preeminente Organizao Mundial do Comrcio (OMC), os acordos outratados de livre comrcio e os instrumentos da gesto do comrcio internacional.

    Um dos mais inquietantes captulos do debate sobre os processos de integrao econmicasurge com a dualidade das polticas e das concepes tratadas acima, quando se aborda otema sob a tica inconveniente da dualidade: de um lado, impactos dinmicos e modernospara as grandes economias, do outro, escassez de espaos e de prioridade para a economiados pequenos e marginalizados.

    Viabilidade de uma economia sem economia da escala. Apesar das significativastransformaes nas condies da economia agroalimentar, ainda hoje subsiste o tradicionalquestionamento mal resolvido. Os mercados modernos determinam que a eficinciasocioeconmica dependa de estruturas produtivas de grande porte como nica possibilidadereal de enfrentar os desafios da competitividade internacional. Onde as economias deescala, a integrao das cadeias de agregao de valor e a gesto centralizada fazem adiferena entre a insero bem sucedida ou a marginalizao econmica?

    Os conceitos inventados e contidos nos radicais modelos neoliberais, vulnerveis einviveis tm dado conta de assumir respostas positivas mais implcitas que explcitas sobre as polticas dominantes na regio. Atores importantes e polticos influentes tm comocerto que os modelos neoliberais constituem as nicas oportunidades possveis para grandesoperaes comerciais, e que outras economias no tm possibilidades reais de insero. Porisso, entendem que o desenvolvimento dessas economias se assemelha mais a umaestratgia compensatria de grande valor poltico, pois garante a governabilidade e aestabilidade, mas no constitui potencial real ao desenvolvimento econmico.

    Dessa forma, as economias dos pequenos produtores camponeses nos Andes, da agriculturafamiliar no Brasil, dos produtores coletivos dos ejidos (assentamentos territoriais) noMxico ou das comunidades indgenas do Peru interessam enquanto problema social, masno como tema de interesse central ao modelo do desenvolvimento nacional. Mesmo assim,a realidade revela grande rapidez na forma como esta questo tem se esgotado.

    Alm dos vlidos discursos reivindicativos dos desqualificados, a concepo da economiaespacial acumula argumentos, experincias e exemplos de estruturas baseadas em pequenosprodutores organizados via cadeias produtivas, aglomeraes, diferenciao produtiva ediversificao quando o fator local cria dinmicas econmicas com evidentespossibilidades de insero em mercados dinmicos e competitivos.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    14/147

    Das experincias dos distritos industriais do Norte de Itlia ao desenvolvimento da pequenacafeicultura da Colmbia, passando por sistemas de cluster produtivos especializados emdiversas reas da regio, possvel apreciar evidncias que pem em dvida a categricaresposta assumida pela maioria de nossos formuladores de polticas. Em sntese, esta umaquesto aberta com implicaes enormes na forma como assumida nas polticas pblicas

    uma resposta para os economicamente viveis, outra para os inviveis.Sistemas agroalimentares localizados. O tema da localizao enquanto varivel chave compreenso da dinmica do desenvolvimento vem ganhando lugar preponderante nosesquemas de interpretao e anlise da economia espacial e territorial. Em termoseconmicos, a lgica da localizao das diversas atividades produtivas corresponde a umconjunto de atributos e valorizaes que possibilitam e viabilizam o desenvolvimento dedeterminados tipos de atividades.

    O potencial de um territrio est associado forma como as lgicas de localizao soestabelecidas, aos incentivos que as empresas conseguem e aos investimentos feitos emtermos das vantagens da localizao. Estes podem ser determinados pela proximidade dosmercados finais, pelos fatores de produo e matrias primas, pela oferta de mo-de-obra,pela existncia de clusterprodutivos, pela institucionalidade e a fluidez dos encadeamentosou devido ao aproveitamento de outras externalidades menos identificveis, ainda quereconhecveis no espao territorial.

    No caso dos sistemas agroalimentares com modelo de gesto econmica produtiva, soprivilegiados os encadeamentos com grande nfase na construo de modelos institucionaisque suportam os fluxos e as sinergias entre eles. Esses modelos, utilizados no Brasil e noPeru, vm demonstrando eficincia em termos de desenvolvimento endgeno a partir doreconhecimento das potencialidades que a localizao e a aglomerao possibilitam.Sistemas de inovao. O desenvolvimento tecnolgico, considerado hoje como eixocentral das estratgias de modernizao e de reconverso produtiva, indica evoluoparticular e contraditria nas polticas pblicas. As redues generalizadas de investimentospblicos em toda Amrica Latina vm acompanhadas de redefinio da institucionalidade,cabendo ao Estado, por tradio, responsabilidade mxima.

    Ao contrrio do que acontece nos pases mais desenvolvidos, onde aumentaminvestimentos em pesquisa e desenvolvimento para ambiciosos programas pblicos com acontribuio de alto investimento privado , na Amrica Latina, h a tendncia deconsiderar isso como mais um dos campos que o mercado pode ordenar adequadamente.Conclui-se, de um lado, que o estado deve se retirar da pesquisa estratgica e dareorientao de prioridades, ou seja, das reas onde o setor privado se interessa por assumirprocessos de apropriao e adaptao tecnolgica. Por outro lado, aposta-se nos mercadosmundiais de tecnologia onde se adquirem as inovaes requeridas.

    Nesse cenrio, despontam os modelos de difuso e transferncia tecnolgica, que so degrande interesse s concepes integradoras e territoriais do desenvolvimento. As primeirasexperincias inovadoras dos modelos territoriais e localizados mostram que as enormesvantagens devidas difuso tecnolgica e adaptao e apropriao, quando orientadas a

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    15/147

    partir de estrutura prxima s unidades produtivas, so das contribuies mais importantesdas concepes de clusterseconmicas e das economias aglomeradas.

    Os sistemas territoriais inovadores, baseados em demandas localizadas e na oferta deservios especializados em atendimento s exigncias locais, vm substituindo de forma

    generalizada os velhos modelos de extenso pblica. Emergem os esquemas de empresasde servios tcnicos que ofertam seus servios demanda local, muitas vezes subsidiadospor programas de desenvolvimento tecnolgico.

    Do crescimento ao desenvolvimento sustentvel

    Desenvolvimento SustentvelAps mais de dez anos de formulao da Declarao do Rio, que estabeleceu um novoparadigma para o desenvolvimento, as mudanas feitas nas orientaes gerais para odesenvolvimento so bastante pobres. A superioridade economicista das concepesdominantes contrasta com os elementos bsicos de sustentabilidade, promulgados naDeclarao e Convenes Ambientais celebradas na ocasio a exemplo doscompromissos assumidos nos campos da biodiversidade, mudana climtica edesertificao.

    O desafio consiste na adoo de um desenvolvimento que considere o direito soportunidades das geraes futuras ou, ainda mais dramtico, implica a adoo de ummodelo que supere a atual idia do desenvolvimento (possvel apenas para poucos, e que,por isso, leva excluso da maioria) enquanto componente inerente e estrutural.

    A Agenda 21 incisiva quanto ao desenvolvimento sustentvel, que remete nova culturade produo e consumo e tem em vista superar o modelo que continua alheio aos requisitosdo desenvolvimento sustentvel. A restrita concepo da pobreza enquanto baixo consumomostra a dimenso do desafio da sustentabilidade num contexto em que se considera que70% da populao mundial vivenciam nveis de subconsumo. Isso enquanto os indicadoresambientais advertem que o mundo entrou em uma era de consumo excessivo e irracional daenergia e dos recursos naturais. Nesse sentido, o desenvolvimento sustentvel umaproposta bastante subversiva ordem atual, e, por isso, gera profundos questionamentossobre o modelo que continua em marcha. Ao rever as estratgias construdas para asustentabilidade, fica clara a tendncia de rejeio fragmentada vida social imposta pelaeconomia, o que fora uma redefinio da relao natureza-sociedade, tendo em vista aconstruo da civilizao futura.

    Apesar do explicitado em muitos dos discursos desenvolvimentistas, seguimos apegados fragmentao da realidade, onde a natureza continua sendo a fonte dos recursos para odesenvolvimento antropocntrico. Baseamo-nos em estratgias que separam a economiadas outras dimenses da vida, chegando a extremos alucinantes e dominantes, tendo emvista o que vem sendo apregoado quem contamina paga. As propostas de integraomultidimensional caracterstica do enfoque territorial se alimenta da necessidade de suportedas concepes que adotam interdependncia entre as dimenses ambiental, econmica epoltica.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    16/147

    Modelos alternativos de desenvolvimento.A conseqncia bvia dessa esperanosa concepo de desenvolvimento sustentvel oquestionamento da idia equivocada sobre a concepo universal e nica dodesenvolvimento ou do progresso enquanto efeito natural da globalizao. O pensamentonico, o fim da histria e outros temas conflitivos esboados como verdades tornam-se

    pequenos frente contundncia da realidade. O desenvolvimento um tema com profundasrazes culturais, que se expressam em termos de bem-estar conforme cada sociedade.

    Esta reflexo resulta de um debate aberto em diversas vertentes. Isso possibilita entenderque, por mais que a meta do desenvolvimento seja relativa ou diferente, sua concepo cultural, e que os padres do desenvolvimento decorrem dos padres culturais. possvelfalar em requisitos mnimos (com alguma diferenciao) que atendem aos direitosfundamentais (ou metas), como crescimento, distribuio, governabilidade, convivncia oua sustentabilidade. No qualquer crescimento, sentido de equidade, governabilidade, nemqualquer estabilidade. O desenvolvimento deve ser determinado pela nica e universalcultura poltica dominante.

    O desafio do atual desenvolvimento e, em decorrncia, da paz mundial, consiste emencontrar uma harmonia entre essas concepes ou, pelo menos, a coexistncia deconcepes diferentes, para que se torne possvel um desenvolvimento que cumpra ospressupostos do desenvolvimento sustentvel. No h nenhuma frmula para conceberalternativas dessa natureza, mas possvel vislumbr-las a partir da compreenso datotalidade estrita da cultura de cada territrio.

    Da diversidade cultural interculturalidade

    Diferenciao cultural.O territrio, por ser uma construo histrica que incorpora as dimenses ambiental,econmica, social, institucional e poltica, expressa identidade e carter. Por isso, tambm,ele abrange valores, significados, vises compartilhadas, cdigos, cones, tradies e ofolclore (aspectos constituintes da cultura. O tema ser tratado adiante com profundidade).

    Sem dvida, h outros elementos-chave associados ao desenvolvimento e que tambmdiferenciam os territrios. So as estruturas econmicas, as redes sociais e as instituies,que refletem, delineiam ou descrevem com maior nitidez o carter do territrio. Diferentesconcepes visualizam sistemas produtivos caractersticos de determinado territrio diferenciados de outros, mesmo quando dispem de iguais condies quanto ao aporte derecursos, acesso aos mercados e nvel tecnolgico.

    Em sua totalidade, a cultura envolve a complexidade que compe o espao. Por isso,constitui-se numa dimenso que prepondera na determinao do tipo de desenvolvimentode cada territrio. A cultura, alm de determinar em grande proporo os processos dedesenvolvimento, determina os mecanismos da organizao social, os incentivos parainsero poltica, as motivaes e as possveis explicaes para que as condies subjetivasdo desenvolvimento convertam-se em fundamentos de determinada estratgia poltica.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    17/147

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    18/147

    sempre so formuladas a partir desses parmetros, para fazer mudanas na cultura,ajustando-a aos propsitos da poltica.

    Como contraponto surgem enfoques sugerindo que a heterogeneidade e a diversidade nopodem ser trabalhadas a partir de estratgias de diferenciao e focalizao. Sugere-se a

    necessidade de dar passos definitivos na construo de processos autnomos, onde os grausde liberdade para a integrao e o dilogo entre a cultura e a poltica sejam amplos, abertos,realistas e propositivos

    A dimenso institucional

    Transio poltica e institucionalA evoluo das democracias liberais do mundo tem conduzido a profundas mudanas nasrelaes entre o estado e a sociedade. Mudanas marcadas por processos de reordenamentodo poder, caracterizados pela redefinio do papel dos atores pblicos, que nas ltimasdcadas vm sofrendo perda progressiva do protagonismo para as organizaes dasociedade civil e os agentes econmicos privados.

    As reformas neoliberais marcaram as dcadas de 1980 e 1990 com forte processo dedesregulao da economia, a retirada do estado de funes diretas na economia, oenfraquecimento das instituies de apoio agricultura e ao mundo rural e a introduo dosmodelos de transferncia de funes da gesto do desenvolvimento para organizaes no-governamentais, organizaes de associaes e de comunidades organizadas.

    As privatizaes marcaram a retirada do estado de setores estratgicos da economia, comdestaque para os setores de telecomunicaes, de energia e de agricultura alimentar, eapontaram clara tendncia para novas formas de participao da economia privada emtermos de suprimento de bens pblicos. Ao mesmo tempo, generalizou-se a aplicao demodelos de insero comunitria e de produtores via modelos de participao, quetransferem decises tradicionalmente pblicas para o mbito da autonomia social.

    Parte desse processo consiste numa lenta transferncia de responsabilidades (quase sempre)desarticulada e manipulada para os nveis mais baixos da organizao social ao mesmotempo em que so gerados os processos de empoderamento, cada vez mais importantes einfluentes enquanto aes coletivas, e mecanismos de canalizao do interesse comum. Emmuitos casos, chega-se at a modelos de estados comunitrios, com novas formas de gestopoltica.

    O territrio emergenteOutra implicao das mudanas mundiais nas estruturas institucionais o reordenamentodas competncias e responsabilidades pblicas e dos resultados em relao s escalasterritoriais onde atua. A caracterstica preponderante do nvel nacional em nossa histria,desde os processos de independncia com exceo de algumas tentativas federalistas elocalistas que nunca chegaram a prevalecer , se faz presente enquanto responsvelonipresente nas estratgias pblicas mais importantes. E de repente passamos ao cenrio

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    19/147

    onde se relega o nacional, que perde capacidade de resposta, cede responsabilidades erearranja sua agenda.

    Despontam novos nveis territoriais que adquirem ou recebem essas responsabilidades(cedidas ou buscadas) em meio a um processo de direo dupla (para o local e para o

    global). A direo do local passa pelos nveis regionais, mostrando um novo cenriocaracterizado pela universalizao do modelo de eleio e representao das autoridadesterritoriais, com eleies dos prefeitos e governadores. Autoridades que deixam de serrepresentantes do estado nacional nos territrios para se converter em representantes dosterritrios perante a nao. A federalizao, a municipalizao e a regionalizao so a facedo processo de descentralizao em expanso, que tem redirecionado competncias,funes, responsabilidades e recursos para processos cheios de conflitos, tenses,debilidades e tarefas inconclusas, mas irreversveis.

    Aconteceu o mesmo em nvel internacional, e isso ficou evidenciado em dois clarosprocessos: a integrao regional e a globalizao. Esses processos so caracterizados porignorar a discricionariedade nacional e pela independncia nas decises sobre temas-chave,que so transferidos s instncias territoriais supranacionais. Embora essa tendncia sejamarcada, em especial, por aspectos dos mercados, onde a poltica comercial nacional diluda na poltica comercial regional (em nvel de blocos como o Mercosul ou em nvelglobal, como a OMC, entre outros), h outros assuntos cruciais includos, como o meioambiente e a justia.

    Democracia mistaUm dos atributos polticos dessas mudanas e tendncias a significativa transformaodos modelos tradicionais da democracia representativa, caracterstica da democracia liberal.Em muitos pases, vm surgindo espaos reais democracia participativa. As organizaesda sociedade civil e outros atores que trabalham organizados adquirem funes ecapacidade de deciso, antes reservados s organizaes do estado.

    Em quase todos os marcos normativos da regio, a democracia participativa vem sendoconsiderada via concesso de espaos na gesto, na regulao de suas aes, na emisso demandatos para sua promoo e no estabelecimento de mecanismos do seu exerccio.Inclusive, h modelos que incorporam ou reforam mecanismos da democracia direta aopermitir e promover a expresso dos cidados, de forma direta, sobre assuntos pblicos.Mecanismos como o controle social so adotados e generalizados. So concedidas novasformas de relacionamentos relativos s decises pblicas e s organizaes participativas.Dessa forma, a institucionalidade tem possibilitado que uma participao usada at entocomo mecanismo para facilitar a execuo de polticas adquira um status poltico poderosoe decisrio.

    Demanda de novas instituiesEssas mudanas definiram caractersticas resultantes de processos polticos com razes nastransformaes vivenciadas na regio. Mostram debilidades importantes, deficincias,riscos e contratempos. A construo de uma institucionalidade de acordo com essesprocessos uma tarefa de longo prazo e pede ajustes significativos na forma de

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    20/147

    compreender os entornos institucionais e no trabalho consciente que atribui direo a amploconjunto de estratgias e de polticas.

    Observa-se grande fragilidade nos diferentes processos de mudana institucional. Bastamencionar os evidentes riscos inerentes concesso de competncias estratgicascomo a

    poltica comercial ou macroeconmica e sensveis s instncias supranacionais e institucionalidade regional ou global, que esto longe de ser democrticas e dispor de foraspara garantir um cenrio de equidade mesmo quando so mantidos a magnitude dasdiferenas de poder econmico e poltico nesses espaos internacionais. Tudo isso fora aconstruo de instituies pblicas regionais, como o Mercosul, da mesma forma como aEuropa trabalha na construo de uma institucionalidade para todos em Bruxelas.

    Mas a necessidade de construo das instituies referidas descentralizao ou participao desperta maior atenoesse o caso que nos ocupa. Apesar das destacveismudanas, as dbeis institucionalidades local e regional na maioria dos territrios da regioainda carecem de muitas capacidades tcnicas, fiscais e/ou polticas face sresponsabilidades que as novas competncias envolvem.

    No caso das organizaes da sociedade civil, acontece o mesmo. O corporativismo, arepresentatividade, a confiana, a legitimidade e a qualificao da participao constituemaspectos quase sempre de uma agenda inconclusa. O desafio se reflete nos tortuososcaminhos referidos ao processo de territorializao e s estratgias de desenvolvimentoadotados na maioria de nossos pases. Esse desafio est contido nas preocupaes da atualreflexo e presente no corao da nova gerao de polticas pblicas.

    Da engenharia institucional ao ordenamento territorial.So muitas as experincias na regio que vm usando de estratgias integrais para odesenvolvimento rural. Elas do nfase aos processos que reconhecem a participao e agesto, com a incluso de atores locais, beneficirios e empresrios rurais. No so novosos modelos de participao e gesto descentralizados que se referem s aes dosprogramas pblicos. Mas necessrio avaliar natureza e sentido desses processos.

    Trata-se, em essncia, de promover a melhoria das condies de execuo dos programas eprojetos onde os receptores apresentam um grande rol de passividade. Isso compromete aqualidade operacional e controle desses mesmos processos, resultando em empecilhos eficincia de programas de desenvolvimento.

    A partir dessa percepo, surge um franco processo desconcentrador da gesto e daoperacionalizao dos programas e projetos que conduz a novos ajustes institucionais. quando as fases-chave da gesto dos projetos passam s mos de operadores comunitrioslocais, sociedade civil ou s organizaes profissionais. Esses processos tm claro sentidoda engenharia institucional, em que a motivao e a direo dos novos ajustescorrespondem a razes de ordem tcnica e de eficincia logstica e administrativa. pertinente enfatizar que esses processos ajudaram bastante na melhoria da qualidade dosprogramas e abriram portas para reais processos de participao.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    21/147

    O sentido de melhoria na gesto est distante de atender s profundas mudanas polticasimplcitas nas foras mencionadas acima. No se trata de uma real transformao nasestruturas polticas e na distribuio do poder, isto , na redefinio dos centros da tomadade decises em meio aos processos do desenvolvimento rural. H uma diferenasubstantiva entre o modelo de desconcentrao da gesto, de reengenharia institucional, de

    lgica administrativa e de estrutura de planejamento e o modelo pautado em processospolticos de descentralizao e redefinio de competncias, responsabilidades e estratgiade manejo fiscal.

    A condio territorial requisita uma rea que esteja aberta e disponha de grandescapacidades transformadoras, para revolucionar a estrutura poltica do estado. Oordenamento implica a redefinio das funes, papis, competncias, responsabilidades,enfim, a reconstruo do estado a partir do reconhecimento do territrio como instnciapoltica que possibilita reordenar o estado de forma integral.

    Parte-se do princpio da autonomia nos diferentes nveis da escala territorial estados,municpios e nao nas reas onde suas competncias alcanam maior eficincia emtermos da capacidade de diagnstico, planejamento, gesto e controle social, conforme oprincpio que visualiza a soluo mais prxima possvel do problema. uma lgica polticaque implica tomar decises ali, onde os atores reais do desenvolvimento encontram seusespaos reais e eficientes, alm de condies polticas para decidir sobre a natureza dasaes a serem empreendidas tendo em vista enfrentar os desafios demandados pelodesenvolvimento.

    O reordenamento territorial nutre-se das transformaes ou da transio institucionalmencionada e gera processos de empoderamento local, regional, estadual, nacional einternacional. O empoderamento no marco do ordenamento territorial no exclusivo dosgrupos locais, um processo que procura fortalecer cada nvel ou escala do territrio.

    A aplicao de um novo enfoque centrado no territrio

    O desenvolvimento territorial. O produto de mudanas com nfase nas polticas pblicaspressionadas pelos mencionados condicionantes estruturais se abre viso integradora quereconhece o territrio como elemento estruturante e objeto de poltica, alm de orientadordos instrumentos e enfoques. Na maioria de nossos pases, a aplicao desse enfoqueencontra-se em estado incipiente, mas so feitos esforos e definidas estratgias para darcorpo e lugar s estratgias de desenvolvimento. A construo dessas polticas tem suasfontes bsicas nas teorias de desenvolvimento regional, que assumem com clareza o espaoenquanto objeto de trabalho, com seus componentes, dinmicas e processos.

    Em busca da integrao territorial. A perspectiva da poltica pblica remete aosantecedentes das estratgias de desenvolvimento que priorizaram a integrao regional e aintercomunicao. Elementos propositivos destacveis no final da primeira metade dosculo passado, quando se considerava a urgente necessidade de superar a fragmentao doterritrio, o isolamento, a inexistncia de mercados regionais e a precria integraonacional.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    22/147

    Os modelos modernizantes inerentes substituio de importaes das dcadas de 1950 a1970 pressionaram com propostas de estruturao regional, sob a tica dos centros urbanosregionais e de modelos territorial secundrios, onde o rural entrava como parte de modelosregionais centrados na lgica do modelo de desenvolvimento para dentro base da

    construo das sociedades industrializadas.A partir de ento, vieram os ntidos modelos de desenvolvimento regional, que se tornaramcomuns em quase todos os pases da regio e influenciaram bastante as estratgias para oespao rural, conforme os modelos do Desenvolvimento Rural Integrado (DRI). Ocontedo modernizante e integrador desses modelos tem uma caracterstica notvelenquanto prioridade para incorporao dos territrios sociedade maior, aodesenvolvimento, aos mercados, rede urbana e industrializao. Espaos antes isoladospassam a se integrar via fornecimento de matrias-prima e mo-de-obra ao se abrir aosmercados da indstria crescente. necessrio reconhecer que esses modelos obtiveram aincorporao de extensas reas e, em muitos pases, consolidaram a fronteira agrcola eredes urbanas hierarquizadas e integradas, que estruturam o mapa regional, servindo dearcabouo aos espaos rurais.

    Integrao e brechas regionais. Os processos de integrao territorial, por diferentesrazes,ocorreram em meio a enormes desigualdades regionais, devido aos desequilbrios eprivilgios ancestrais.

    As diferenas em termos de desenvolvimento relativo deram forma a um mapa de extremosentre regies muito ricas e outras com profunda pobreza. As distncias entre odesenvolvimento do Sul do Brasil e o Nordeste; ou entre o Norte e Sul do Mxico sosimilares s disparidades que h entre os pases mais desenvolvidos da Europa e os pasesmais pobres da Amrica. Essas diferenas tm norteado diversas polticas com objetivosdiferenciados em relao integrao, abrindo-se incorporao de objetivos sobre coesoterritorial e incluso.

    A especializao e a diferenciao territorial tm mostrado resultados por diversas razes as condies naturais bsicas, em termos de potencial produtivo, como nos ecossistemasrido e semi-rido do Nordeste; os processos de apropriao de terras, a partir de modelosde fazenda e plantao excludentes e espoliadores, como no caso do Norte da Colmbia devido excluso e padres culturais que nunca so reconhecidos nos modelos dedesenvolvimento dominantes, como nos casos dos quilombolas no Brasil, dos indgenasMaias na Guatemala e dos Quechuas e Aymaras na Bolvia.

    Produzem-se tambm as mesmas estratgias de desenvolvimento com duplas vises parareas econmicas desiguais, o que gera efeitos polarizados. Mesmo assim,so apreciveisdevido clara localizao no territrio. Um exemplo a poltica destinada aodesenvolvimento de setores prsperos e de encadeamentos agrcolas, orientados aosprsperos mercados de exportao. Em contraste, observam-se as precrias polticas dedesenvolvimento para produtores em situao precria com vistas aos precrios mercadosdo territrio. E as polticas pautadas em subsdios e executadas na agricultura vm

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    23/147

    determinando uma estrutura regional e territorial com grande impacto nos mercados deterra, devido a presso sobre os preos e as preferncias produtivas.

    A realidade que a Amrica Latina, hoje, continua sendo uma regio de profundaheterogeneidade territorial. Bem maior do que a heterogeneidade sempre reconhecida

    pelas polticas de desenvolvimento rural referida aos tipos de produtores ou de sistemasprodutivos.

    Esse um grande desafio para as mais ricas sociedades latino-americanas onde aseconomias tendem a buscar integrao fora da regio, junto a seus pares, nas regies maisdesenvolvidas do mundo, nos mercados mais robustos, convertendo a integraointernacional em potencial pecado ao aprofundar as rupturas internas da regio. A lgicadessa busca de mercadosem que j foram estruturadas as mudanas para dinamiz-los, apartir do aumento da prpria demanda agregada e da renda e do desenvolvimento dasregies e dos territrios menos desenvolvidos, na prpria regio potencializa a fora domercado em favor do aumento das brechas regionais, como fora centrfuga inerente aomercado.

    Desenvolvimento Endgeno. Em contraponto idia dos modelos centrados em plos dedesenvolvimento que marcaram a estratgia de integrao nacional na maior parte dospases da regio possvel observar a abertura de estratgia centrada no reconhecimentodas potencialidades internas nos espaos locais. Isso o que contribui com os propsitos daintegrao do territrio. A base desse enfoque reside na estratgia de aproveitar ao mximoos recursos disponveis no universo local, alm de conceder prioridade capitalizao dasvantagens de cada espao (o capital natural, humano, financeiro, social e poltico), tendoem vista estruturar projeto nico, tipo territorial.

    Esta concepo privilegia os componentes, fluxos, dinmicas e redes locais em reasdefinidas pelo propsito de formular um projeto integrado de desenvolvimento que permitaabordar as possibilidades de integrao com outros espaos e mercados a partir de suasprprias potencialidades. O desenvolvimento endgeno vem sendo aplicado de diversasformas, em especial no sentido de integrao com menores rupturas. O exemplo daVenezuela bastante interessante ao ser definido como esquema, tendo por eixoestruturante uma estratgia de desenvolvimento econmico e social na perspectiva daequidade e coeso territorial.

    H ainda exemplos de modelos da cooperao local e de gerao de grupos de ao localem estratgias, como as aplicadas pelo programaLeader de desenvolvimento rural europeu.Sem dvida, existem muitas inquietaes ligadas s debilidades que o modelo pode revelarnas situaes de espaos onde as capacidades so insuficientes com dficit de capitais eintegrao regional precria. Esses limites impossibilitam obter as verdadeiras dinmicasque uma integrao bem sucedida proporciona.

    Acontece o mesmo com as preocupaes territoriais de ordem superior, como os processosnacionais e regionais que no se satisfazem com a mera adio de espaos locais. Elesdemandam dimenses, componentes e processos que respondam s dinmicas que superamo local. Em geral, o desenvolvimento endgeno contm nexos e papis importantes dentro

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    24/147

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    25/147

    Por outro lado, observa-se, nas ltimas dcadas, a instaurao e o reforo de uma famlia deestratgias denominadas de desenvolvimento rural, constituindo-se num eufemismo paraestratgias compensatrias que tm implcita a suposta extenso de benefcios, que, apesarde no existirem, no so questionados nem ningum tenta resolv-los.

    Essas estratgias de desenvolvimento rural partem da focalizao de populaes eprodutores marginalizados e sub-dotados do universo rural. Eles vivenciam elevados nveisde pobreza e so sub-equipados em termos de recursos produtivos. So desintegrados dosfluxos econmicos e vivem em condies de evidente falncia face ao ingresso na dinmicados setores modernos. Isso tem conduzido a uma espcie da esquizofrenia nas polticas, queno dialogam, nem se complementam e se bifurcam em umas polticas para ricos e outraspara pobres. Mas existe uma viso alternativa ao desenvolvimento econmico queimpera. Graas a essa dualidade, surgem notveis contrapontos de acordo com osdestinatrios das estratgias. Isso evidente nos instrumentos da poltica pblica e nasestratgias diferenciadas de desenvolvimento dos territrios, caso pertena a um ou aooutro grupo.

    Desigualdade, causa e efeito. Os novos cenrios rurais e locais da Amrica Latina tmcarter distintivo, em especial no Brasil. Reflete-se em enorme desigualdade no interior dassociedades e economias locais, regionais, nacionais ou continental, em meio qual ocorre odesenvolvimento. A regio mais injusta do planeta caracteriza-se por modelos duais epolarizados inerentes aos privilgios histricos dos latifundirios, que se estendem econvertem-se na dicotomia das economias modernas, integradas, competitivas e eficientes,mas pautadas em modelos de produo arcaicos e, por isso, geradores de foras quereproduzem a pobreza, a marginalizao e a excluso. Esse , sem dvida, o corao dodesafio do desenvolvimento da regio. Cabe questionar como obter os benefcios deeconomias dinmicas e eficientes de forma a abranger o grosso da populaomarginalizada, contribuir com a expanso dos mercados internos, a demanda agregada e oaumento da renda e do bem-estar da populao rural.

    Assume-se como predestinao o crescimento incapaz de gerar o desenvolvimento. Ascondies estruturais desse desequilbrio esto na base de mercados imperfeitos, emespecial nos modelos polticos excludentes e que favorecem os privilgios questionadospelas foras polticas emergentes que acionam as foras sociais locais e rurais. Esse otema que evoluiu menos na histria latino-americana. Desde os modelos concentradoresnascidos com a conquista, reforados na colnia e aprofundados na era republicana,prevalecem as bases de estruturas desiguais, ineficientes e limitantes ao potencial dodesenvolvimento.

    A desigualdade tem sido abordada de forma tradicional, sob a perspectiva individual efamiliar, com nfase na distribuio de renda. Agora,surgem vozes firmes que mostram adesigualdade no apenas como problema de renda e individual, mas como problema dedireito, de reconhecimento, de oportunidades e de acesso aos mecanismos democrticos deformao de capacidades e que resulta em problema social, coletivo e dos espaos dosterritrios.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    26/147

    Dicotomia Urbano-rural: outra aparente dualidade. Verifica-se nos conceitos de urbanoe rural outra forma de expresso da viso dual do desenvolvimento. Assume-se, no geral, aaplicao do conceito que separa dois mundos que requerem tratamentos diferenciados,dois mundos em batalha, em contraposio e em luta permanente pela supremacia epreeminncia. Na prtica, isto tem levado a estratgias diferenciadas para os universos rural

    e urbano. As definies que separam esses dois universos-espaos acabam por determinartratamentos polticos, institucionais, recursos e discursos polticos pautados numa idia deprofunda separao.

    necessrio reconhecer que o processo histrico d suporte a essa diviso a partir dascondies de absoluto isolamento do mundo rural, que resultou na criao de mundosseparados e independentes os centros urbanos e o campo isolado. Para evidenciar essasituao que se pretende trabalhar.

    Na verdade, os centros urbanos e o campo nunca foram independentes, ainda menos naAmrica, que construiu uma enorme rede urbana j durante a conquista, dando inciotambm construo do mundo rural. A oposio desses dois mundos limitada por linhasfrgeis. A insuficiente clareza das definies sobre a separao desses mundos mostra naprtica que no h dois pases com estratgias e critrios de classificao coincidentes.

    Tem-se priorizado dois critrios muito pobres em termos de contribuio estratgica para adefinio de polticas. De um lado, a demografia e a densidade populacional, e, de outro, adimenso econmica, quando referida importncia do setor agrcola na conformao daestrutura econmica. Esses critrios no so to fortes para endossar uma diviso conceituale poltica quanto a diviso que existe nas estratgias de poltica pblica.

    Os modelos baseados nos enfoques territoriais contradizem de forma contundente essaviso segmentada do espao. E tambm criticam as interpretaes que visualizam o centropovoado de uma regio agrcola, o local onde se concentram os servios de apoio a essaproduo, quando, muitas vezes, a mesma populao de produtores agrcolas deve serconsiderada urbana e excluda das estratgias rurais ou, mais inexplicvel ainda, quandoconsideram-na com sua competncia no espao rural.

    A viso territorial tem percepo diferente. Os espaos e territrios so integrais e tmestruturas de densidade demogrfica, setorialidade econmica e conformao de paisagemque se complementam, formando uma unidade indissolvel em operao e funes, emsuas redes, fluxos e em suas polticas. H vrias formas de rebater a dicotomia urbano-rural, como os mitos da urbanizao enquanto padres do desenvolvimento, da cultura e doordenamento social, que no tm suporte dos fatos. Alm da concentrao fsica espacial dapopulao, a condio urbana no consegue determinar o esprito e, menos ainda, odesenvolvimento de uma sociedade.

    Polticas de bens privados versos polticas de bens pblicos. Uma das caractersticas deambas polticas pblicas consiste nas transferncias de recursos pblicos, que tm recorridoao discutvel rentismo, enquanto demanda poltica de setores da economia moderna. Naspolticas que atendem ao desenvolvimento rural, supe-se favorecer a criao de riqueza e oassistencialismo, partindo-se da justificativa de promover a paz social. Esses modelos so

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    27/147

    questionveis, pois mostram grandes ineficincias do gasto pblico, fortes pressespolticas e permanente bandeira de reivindicao social. Esse fenmeno no exclusivo denossos pasesocorre da mesma forma na Europa , nem exclusivo do setor agrcola erural possvel constatar-se em setores industriais e financeiros.

    Isto um fato significativo, mas nem sempre lhe atribuda a real importncia nasdiscusses sobre polticas pblicas, levando em conta sua profunda influncia na evoluodas estratgias de que ora nos ocupamos , pois questiona diretamente os modelos dealocao de recursos e de orientao s polticas. Isso resulta duma estratgia de carterprodutivista que atribui grande importncia empresa rural, ao empresrio e ao ator socialvia mecanismos de alocao de recursos individualizados, reduzindo a proporo derecursos destinados aos coletivos e seus territrios.

    necessrio enfatizar que esse modelo tem profundas implicaes polticas que se refletemnos interesses e demandas sociais, pois leva os instrumentos a privilegiar alocaesindividuais e privadas em relao s alocaes de recursos ao coletivo e pblico, o quenorteia a necessidade de revisar as estratgias de definio dos beneficirios e de evidenciaro confronto entre os objetos da poltica entre indivduos, empresas e produtores, de umlado, e, de outro, os coletivos territoriais.

    Polticas de oferta versus polticas de demanda. A busca de modelos mais integrados depoltica pblica vem abrindo espaos, via mecanismos de alocao de recursos oriundos doinvestimento pblico, e influindo nas decises de alocao para atender os esquemas demaior descentralizao. A concentrao das decises do gasto nos nveis centrais criou acultura da poltica de oferta, caracterizada pela pr-definio, endereo e direo dosrecursos atravs da gesto direta de entidades, programas e projetos elaborados com poucaparticipao dos atores afetados por essa poltica.

    So muitos os exemplos de estratgias definidas nos escritrios tecnocratas, que definem osmarcos lgicos a partir de sua prpria lgica. Esta estabelece as prioridades dentro de suaprpria hierarquia de prioridades, que define as metas, critrios de alocao e mecanismosoperacionais na maioria das vezes considerados participativos, embora as comunidades e osprodutores beneficirios, disponham apenas de pequena liberdade para fazer para valer sualgica, suas prioridades, suas metas e critrios.

    Os enfoques integrais e territoriais pressionam para uma profunda mudana nessesmecanismos de planejamento e de alocao, para atender prioridades pblicas,convertendo-se assim em mecanismos de demanda, quando a mesma base de organizaosocial e econmica elaboram suas demandas e tambm formulam suas prioridades.

    As apreciveis mudanas nos diversos cenrios podem ser exemplificadas a partir dasdiferenas referidas aos planos indicativos de produo, com pautas de metas econmicas eprodutivas determinadas em nvel pblico, de forma centralizada, com apoio de serviosvia conjunto de instrumentos de poltica desde o crdito at a extenso, cabendo aosagentes econmicos a condio de executores de programas. Isso uma tpica poltica deoferta.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    28/147

    Em oposio, iniciam-se esquemas que definem as prioridades e as orientaes de alocaodo gasto pblico nos mesmos nveis em que os beneficirios operam. Um exemplo so osfundos competitivos de recursos destinados s estratgias gerais, que criam mecanismosdescentralizados de deciso e de lgica das prioridades e dos critrios , a exemplo doPrograma de Transferncia de Tecnologia para Pequenos Produtores, que o Governo

    Colombiano desenvolveu com o suporte do Banco Mundial. Para isso, foi criado um fundocom o objetivo de financiar projetos de desenvolvimento tecnolgico. E o programa contoucom o acompanhamento de uma rede de atores regionais que definiu de forma autnoma asprioridades e os critrios de focalizao e elegibilidade de projetos locais especficos,rompendo, dessa forma, com o centralismo na deciso do investimento.

    Justificativa da abordagem territorial. A adoo da abordagem territorial comoreferncia para estratgia de apoio ao desenvolvimento rural se apia pelo menos em quatroaspectos: a) o rural mais do que o agrcola, mais que um setor econmico, e as reasrurais so definidas por suas caractersticas espaciais, apresentam menor densidade e maiorpeso dos fatores naturais quando comparadas s reas urbanas; b) a escala municipal restrita para o planejamento e a organizao dos esforos de promoo dodesenvolvimento; c) a escala estadual bastante ampla para conseguir cuidar daheterogeneidade e das especificidades locais, que devem ser mobilizadas em prol deiniciativas de desenvolvimento (por isso, a descentralizao necessria, face s polticaspblicas, enquanto articulao de competncias e atribuio de espaos e de atores nosdiferentes nveis territoriais); e d) o territrio a unidade que melhor dimensiona os laosde proximidade entre as pessoas, grupos sociais e instituies que podem ser mobilizados econvertidos em eixo central para a definio de iniciativas orientadas ao desenvolvimento.

    Significado metodolgico do enfoque territorial. A abordagem territorial abrange asescalas dos processos de desenvolvimento e implica um mtodo para favorec-lo reconhecendo no ser resultado de uma ao verticalizada do poder pblico a partir decondies criadas para mobilizar os agentes locais para atuarem em termos de viso futura,elaborar diagnstico de suas potencialidades e limitaes (que contemple os prprios meiospara se obter o desenvolvimento sustentvel). Assim, a perspectiva territorial permiteformular uma proposta centrada nas pessoas que consideram a interao dos sistemassocioculturais e ambientais e que contemplam a integrao produtiva e o aproveitamentocompetitivo de seus recursos como meios que possibilitam a cooperao e a co-responsabilidade dos atores sociais pertencentes ao territrio. Trata-se de uma visointegradora de espaos, atores sociais, mercados e polticas de interveno pblica com aperspectiva de se obter gerao de riquezas com rendas sociais e equidade redistributiva,respeito diversidade, solidariedade, justia social e incluso socioeconmica e poltica.

    Casos de evoluo da poltica de desenvolvimento rural

    Guatemala Firmados os Acordos de Paz em 1996, abriram-se as portas ao processo dereconciliao, e a Guatemala, desde ento, vem implantando um processo dereordenamento institucional que afeta de forma significativa a estrutura de gesto dodesenvolvimento rural. Considerando a importncia estratgica que o mundo rural tem navida do pas, onde evidente o predomnio rural e indgena, destaca-se a nfase dada

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    29/147

    organizao da gesto relativa poltica orientada superao da pobreza rural,significando prioridade poltica que estrutura os acordos de paz e da poltica do estado.

    O ordenamento territorial tem feito da estratgia de organizao porta-bandeira da gestopblica. No ano 2002, foi expedida a normatizao que consagra a descentralizao como

    princpio estruturante de polticas que transferem as competncias do estado central aosmunicpios e instncias intermedirios do territrio. Uma das principais caractersticasdesse processo a enorme autonomia concedida s entidades territoriais, abrangendo aconcepo dos processos de descentralizao, a definio de prioridades de processos e decompromissos das autoridades locais e regionais.

    Esse esquema adequa-se s condies particulares dos territrios, especialmente quanto ssuas capacidades. Tambm foi emitida uma norma sobre a criao de um ambiciosoSistema de Conselhos de Desenvolvimento, com claro enfoque territorial, que abordasimultaneamente o desenvolvimento urbano e rural e determina cinco nveis deplanejamento e gesto nacional, regional, departamental, municipal e comunitria. Aestrutura dos Conselhos estabelece orientao gesto integral, multisetorial e territorial dodesenvolvimento e define processos de gesto com elevados graus de participao dascomunidades, da sociedade civil, de grupos de associaes e empresariais, e determinacerta condio de subordinao das entidades pblicas, que assumem a responsabilidade defacilitadoras do desenvolvimento.

    Com o propsito de impulsionar os compromissos polticos no meio rural (assegurados pelaestrutura institucional definida nas reformas) foi implantado o Gabinete deDesenvolvimento Rural, sob a liderana direta da Vice-Presidncia da Repblica e com aparticipao das instncias nacionais responsveis pela poltica setorial, sob a coordenaoda Segeplan, instncia mxima de planejamento do pas.

    Destaca-se o fato de a Coordenao Nacional no setorial ser colocada na condio deinstncia mxima no nvel hierrquico nacional e assumir a responsabilidade maior dodesenvolvimento rural, que caberia ao Ministrio da Agricultura. O Gabinete dessaCoordenao dispe de uma Secretaria Tcnica sob a gesto de uma Gerncia deDesenvolvimento Rural, que responsvel pelo Plano de Desenvolvimento Rural. E osprogramas e projetos avanados em execuo no setor rural esto submetidos a processosde coordenao em diferentes instncias.

    O enfoque territorial vem dando forte apoio s estratgias de desenvolvimento ao atribuirgrande importncia ao tema que define as unidades de gesto ou do planejamento, em quese consegue compatibilizar as definies de unidades territoriais de ordem poltica,institucional, ambiental ou econmica. O tema da identidade tnica e sua relao polticacom os territrios, tambm adquire grande importncia, tendo em vista que a Guatemala um pas onde cerca de 60% da populao indgena e mantm importantes bases detradio, usos e costumes implcitas nas suas formas de organizao e concepo dedesenvolvimento.

    Mxico Um dos marcos destacveis na poltica rural do Mxico a promulgao, em2001, da Lei de Desenvolvimento Rural Sustentvel (LDRS). Essa Lei constitui um marco

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    30/147

    geral e amplo para a concepo das estratgias de desenvolvimento para o mundo rural, eresponde a uma srie de mudanas significativas no entorno, destacando-se, de um lado, areforma das normas sobre a distribuio agrriaque ocorreu em 1992, com a reviso doArtigo 27 da Constituio, que transformou os fundamentos das polticas de terras. Deoutro, foi firmado o Tratado de Livre Comrcio da Amrica do Norte (TLCAN).

    Os fundamentos da LDRS sintetizam o contedo do enfoque territorial de desenvolvimento,que centra o objeto da poltica de forma integral sobre os territrios rurais. Com essa viso,foi estabelecido o conceito multidimensional, que extrapola o lado econmico-produtivo.Ele engloba diversas dimenses, e multisetorial (por incorporar outros setoreseconmicos, alm do agrcola), descentralizado (por iniciar o processo de atribuio deresponsabilidades do desenvolvimento rural desde o nvel federal com mecanismos defederalizao e municipalizao), concorrente (por definir mecanismos precisos eobrigatrios de convergncia dos investimentos pblicos de todos os setores federais emaes e programas territoriais) e participativo (por criar uma estrutura de rgos colegiadosatravs de Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentvel nos nveis federal, estadual,distrital e municipal com atribuies, funes e responsabilidades quanto determinaodos processos de planejamento do desenvolvimento territorial).

    A implementao da LDRS significou o incio da transformao poltico-institucional queacompanha e redefine os mecanismos de execuo das polticas de desenvolvimento rural edo desenvolvimento agropecurio. O sistema tem o desafio de coexistir e se ajustar aosoutros sistemas de mesma natureza, que foram projetados e postos em execuo nos setoreschaves do desenvolvimento rural, a exemplo do desenvolvimento social e do meioambiente. Alm disso, tem de vincular-se em termos funcionais estrutura geral doplanejamento territorial, que dispe de estrutura similar dos Conselhos de PlanejamentoMunicipal.

    Colmbia A descentralizao na Colmbia vem tomando forma institucional desdemeados da dcada de 1980, devido eleio popular das autoridades municipais, e emfuno da reforma fiscal sobre transferncias de recursos para reas estratgicas, comoeducao e sade.

    A nova Constituio de 1991 concebe uma estrutura descentralizada de amplo alcance,apesar de no se tratar de Estado Federal. As principais mudanas na estrutura institucionalque levaram Constituio determinam que o sistema de planejamento seja regido peloprincpio de escuta das bases, e que opere sob critrios da democracia participativa. OSistema Nacional de Planejamento formado pelos Conselhos Territoriais dePlanejamento, que participam ativamente na formulao dos planos de desenvolvimento nacionais, departamentais e municipais.

    A Constituio prev a necessidade de se estruturar uma nova institucionalidade e umanova lgica para o desenvolvimento territorial, e tem implcita a conscincia dasimplicaes dessas profundas transformaes ao incluir a obrigao de expedio da LeiOrgnica de Ordenamento Territorial para estabelecer o marco geral da gesto territorial dopas. Quinze anos aps a promulgao da Constituio, ainda no foi possvel emitir essanorma, o que significa um retrocesso no processo colombiano de descentralizao.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    31/147

    As razes que dificultam chegar a um consenso nacional sobre um novo pacto territorialso os profundos conflitos polticos no resolvidos. Por isso, a Colmbia conta com umaestrutura de desenvolvimento rural situada no mbito da competncia setorial do Ministrioda Agricultura, que vem assumindo a estratgia de ordem territorial, configurada pelas

    unidades territoriais flexveis. Estas operam com processos de planejamento e focalizaode programas de investimento pblico.

    Essa territorializao vem permitindo a execuo de uma poltica orientada especialmentepara atender reas prioritrias nas zonas que renem as principais regies e territriosafetados pelo conflito armado e pela presena de cultivos ilcitos.

    Enfoques e fundamentos conceituais da estratgia dos territrios deidentidade

    As tipologias territoriais construdas pelo Ministrio de Desenvolvimento Agrrio como

    instrumentos de implantao das polticas de desenvolvimento nos espaos ruraisestabelecem relaes entre cultura-identidade territorial enquanto conceitos de refernciaterica. Estes conceitos so relativamente recentes na histria ocidental. Por isso, estosujeitos a mltiplas definies e a processos de reformulao. Por essa razo que se falada criao de conceitos como atividade acadmica e, ao mesmo tempo, como parte de umprocesso poltico que tem por base um processo de reconhecimento legal. A territorialidade,por exemplo, entendida como esforo coletivo de um grupo social que ocupa, usa,controla e se identifica como parte especfica de seu espao biofsico, convertendo-o, dessaforma, em seu territrio ou homeland.

    Conceito de espao

    No marco referencial brasileiro, o conceito de espao ou espao geogrfico remete visode Milton Santos como formado por um conjunto indissocivel, solidrio e contraditriode sistemas de objetos e sistemas das aes que no devem ser considerados isoladamente,mas como marco nico, onde a histria evolui (1999, P. 51). Os objetos tcnicos(hidroeltricas, fbricas, estradas) tm importante papel na construo da historia dassociedades, assim como as aes de carter tcnico (relaes de produo), os aspectosformais (legal, econmico, cientfico) ou simblicos (afetivos, emotivos, rituais).Conforme Santos, os objetos no tm realidade filosfica, porque, quando os vemosseparados dos sistemas de aes, no permitem o conhecimento. E os sistemas de aestambm no so possveis sem os sistemas de objetos(1999, P. 51).

    Em termos analticos, o conceito de espao amplo e complexo,e quase sempre difcil deoperar. Neste trabalho, o conceito de espao assume duas conotaes:o espao enquantoconceito essencial para qualquer discusso de carter geogrfico, como fundamento de suarazo de ser como cincia, e, a segunda, ressaltada por Milton Santos (SANTOS, 1985),refere-se necessidade de se compreender o espao a partir de quatro categorias forma,funo, estrutura e processo. A forma constitui aspecto visvel de um conjunto de objetosque formam um padro espacial, como uma cidade ou um espao rural. A funo constitui

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    32/147

    tarefa ou ao desempenhada pela(s) forma(s). A estrutura compe-se dos aspectos sociaise econmicos de uma sociedade e reflete a natureza histrica do espao onde as formas e asestruturas so criadas e justificadas. E o processo uma ao que produz algum resultadode mudanas nessas categorias.

    Correa explicita que o processo consiste em uma estrutura em seu movimento detransformao. E ressalta que, quando se considera apenas a estrutura e o processo, chega-se a uma anlise ageogrfica (no geogrfica), incapaz de captar a organizao espacial decerta sociedade em determinado momentono capta nem a dinmica do espao. Por outrolado, se considerarmos apenas a estrutura e a forma, eliminam-se as mediaes (processo efuno) entre o que subjacente (estrutura) e o exteriorizado (forma) ( CORRA, 2003, P.29).

    Conceito de territrio

    O conceito do territrio, assim como o de identidade, tem origem no contexto daspreocupaes da unificao alem. A conceituao associa-se institucionalizao dageografia como disciplina nas universidades europias, na dcada de 1870,que objetivaramo campo de estudo dessa disciplina a partir das formulaes de F. Ratzel.

    Ratzel foi responsvel pela diviso da geografia em trs grandes campos de investigao geografia poltica, biogeografia e antropo-geografia. Dedicou ateno espacial geografiahumana para compreender as influncias das circunstncias naturais sobre a humanidade.Como resultado, elaborou os conceitos-chave de territrio e de espao vital. Nessaperspectiva, o territrio expressa a conjugao de um povo (vivo) e de uma terra (esttica),ou, como Moraes destacou, o territrio configurado em determinada parcela da superfcieterrestre apropriada por um grupo humano, visto que o espao vital mostra a necessidadeterritorial de uma sociedade que tem em vista seus equipamentos tecnolgicos, suademografia e seus recursos disponveis. Tendo o estado por referncia, com suassubdivises ou contradies internas, o territrio constitui sua expresso legal e moral, oque justifica sua defesa, assim como a conquista de novos territrios.

    As idias de Ratzel foram logo aceitas pelo estado alemo, pois surgiam comocaractersticas expansionistas evidentes, que o legitimava. E os conceitos ratzelianos deterritrio deram suporte constituio da Geopoltica. Schneider e Tartaruga mostram quea principal reao s idias ratzelianas vem da geografia francesa, em especial com ostrabalhos de P. V. do Blanche, que elaborou o conceito de regio, definida como uma reacom propriedades homogneas que a diferencia de reas adjacentes. O desenvolvimentodesse conceito consagrou a perspectiva da geografia regional com aporte de amplo alcance acadmico e poltico , dando sustentao s intervenes estatais. Para Schneider eTartaruga, o conceito da regio ganhou fora em relao ao conceito de territrio devido rpida apropriao das teorias ratzelianas pelos nazistas, o que contribuiu para seudesprestgio.

    A partir da dcada de 1970, o conceito de territrio volta a ser debatido, para incluir aabordagem dos conceitos sobre o controle espacial ou simblico de determinadas reas,atribuindo a ele um sentido mais amplo. Assim, supera-se o conceito clssico de territrio

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    33/147

    relacionado ao nvel nacional, limitado as fronteiras e tendo o estado como nica fonte depoder no controle espacial. Observa-se que os estudos mais recentes tendem a dar maiorpeso s relaes sociopolticas que se estabelecem na apropriao, configurao e controledo espao.

    A valorizao dos estudos sobre territrios pode ser atribuda ao fim da polarizao dospontos de vista econmicos e militares, com o fim da guerra fria e como resultado dapassagem do regime de acumulao fordista para o regime da acumulao flexvel sob atendncia de descentralizao do estado diante das economias transnacionais. Os estudossobre os movimentos urbanos tm dado importante aporte a esse tema.

    Nessa linha, o gegrafo francs C. Raffestin, em seu livro Por uma Geografia do Poder(1986), criticou a unidimensionalidade que a geografia atribuiu ao territrio quando olimitou a sua expresso estatal, sem considerar os conflitos e divises que ocorrem nointerior dos estados. Raffestin baseou-se nas formulaes de M. Foucault, que analisou opoder no como organizao separada, localizada em uma parte da estrutura social ouapropriada por algum em particular, mas como algo que est distribudo e exercido emdiversos nveis atravs da cadeia social e no apenas pelos que fazem parte do estado.Dessa forma, possvel identificar mltiplos poderes que se expressam de diferentesformas na ocupao dos espaos regionais e locais.

    Raffestin abordou o territrio a partir da projeo do trabalho humano sobre determinadoespao fsico e o definiu enquanto espao onde o trabalho projetado, desde energia ainformao, e em decorrncia revela relaes marcadas pelo poder. o territrio apia-seno espao, mas no o espao. Constitui produo a partir do espao. Produo causadapor todas as relaes que envolve e que se inserem no campo do poder. nessaperspectiva que o autor enfatizou a necessidade de compreender bem que o espaoantecede o territrio.

    A formao do territrio a partir do espao resulta da ao conduzida por um atorsintagmtico(ator que realiza um programa) em qualquer nvel. Ao apropriar-se do espao,de forma concreta ou abstrata, o ator o territorializa. Outros autores, como o gegrafonorte-americano R. Sack, tambm buscam examinar o territrio a partir da perspectiva dasmotivaes humanas. De acordo com Sack, o territrio constitui expresso de um espaodominado por um grupo de pessoas que, com esse domnio, controles e influncias sobre ocomportamento de outros, exerce relaes de poder.

    A territorialidade conforma-se nas estratgias espaciais para o exerccio desse controle, oque inclui trs aspectos fundamentais: a forma de classificao da rea, a forma de controlee a maneira de comunicao. Essa concepo determinante do carter dinmico e flexveldos territrios. Mesmo que a maioria seja fixo, alguns podem ser mveis, e movem-seconforme as convenincias, interesses ou conflitos.

    Esta nova perspectiva a respeito do territrio trouxe contribuies para o campo dageografia e para outras reas, como a histria e a antropologia, que o tomaram como baseanaltica de diferentes grupos sociais para entender diversas formas de territorialidade eseus processos da mudana.

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    34/147

    possvel observar que os territrios de identidade se movem gradualmente a partir dosfocos estritamente locais para incluir crculos maiores, associados s dimenses poltica eeconmica. Ocorre o inverso com as dinmicas de construo de identidade e deterritorialidade que partem dos nveis globais para o local.

    O exemplo da identidade rural, como qualquer outra identidade social ou tnica, opera-seem relao s necessidades externas e internas da populao. Constri-se em termos deideologias ou smbolos comuns e relacionados s dinmicas e lgicas dos nveis territoriaisonde vo sendo inseridos.

    H diversas vertentes sobre a compreenso do territrio, segundo sua natureza e enfoque deaproximao. Sob o ponto de vista jurdico-poltico, o territrio definido como espaodelimitado e controlado pelo exerccio do poder sob a concepo mais subjetivacultural esimblica , constitui produto da apropriao e valorizao simblica de um grupo emrelao ao espao sentido, vivido e compartilhado. Sob a concepo econmica, o territrioevoca a dimenso das restritas relaes econmicas, que concebe o territrio comosinnimo de recursos, de relaes capital-trabalho ou da diviso territorial do trabalho. Ea concepo naturista enfatiza as relaes homem-natureza-sociedade manifestada narelao ambiental.

    Isto demonstra a multidimensionalidade do territrio, o que implica expresses de poderreferidas s diversas dimenses da sociedade. A dimenso econmica abrange ascapacidades de inovar, diversificar, usar e articular recursos locais ou regionais para geraroportunidades de trabalho e renda, alm de fortalecer as cadeias produtivas e integrar redesde produtores. A dimenso sociocultural diz respeito equidade social obtida com aparticipao dos cidados nas estruturas de poder, tendo por referncia a histria, osvalores, a cultura do territrio e o respeito pela diversidade face possibilidade de melhorara qualidade de vida das populaes. A dimenso poltico-institucional envolve os aspectosde construo ou renovao de instituies que permitem chegar s estratgias negociadas,obtendo a governabilidade democrtica e a promoo do exerccio cidado. A dimensoambiental se refere ao meio ambiente enquanto ativo do desenvolvimento e se apia noprincpio da sustentabilidade, com nfase na idia da gesto sustentvel dos recursosnaturais, de forma a garantir a disponibilidade desses recursos s geraes futuras.

    Essa reflexo tem o propsito de chegar a uma definio operacional que possibiliteestabelecer parmetros para um instrumento de gesto das polticas de desenvolvimento dosespaos rurais enquanto responsabilidade do MDA. Como indicam Schneider e Tartaruga,necessrio distinguir o territrio em sentido heurstico e conceptual, e sob abordageminstrumental e prtica referida ao modo de tratar fenmenos, processos, situaes econtextos inerentes a determinado espao (demarcado ou delimitado por atributos fsicos,naturais, polticos ou outros) onde so produzidos e transformados. O territrio, nessecaso, usado na perspectiva de desenvolvimento, considerado como varivel nas polticasde interveno sobre o espao e populaes que buscam mudanas no marco das relaessociais e econmicas.

    Conceito de cultura

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    35/147

    O conceito de cultura foi originado nas discusses intelectuais do final do sculo XVIII, naEuropa. Na Frana e na Inglaterra, ele foi precedido pela palavra civilizao, imbuda dasqualidades do civismo, cortesia e sabedoria administrativa, e referia-se, em especial, srealizaes materiais de uma cidade. Nesse sentido, a civilizao se opunha ao que era

    considerado barbrie e selvageria. E, no curso das teorias evolucionistas predominantes doperodo, esse conceito foi sendo associado s idias de superioridade das naescivilizadas. Na Alemanha, ele foi, de incio, similar ao utilizado nos outros paseseuropeus. Mas foram introduzidas discusses que levaram a diferenciar o significado daspalavras civilizao para os alemes era algo externo, racional, universal e progressivo,enquanto que a cultura referia-se ao esprito, s tradies locais, ao territrio.

    A 1871, onde consta no seu amplo sentido primeira definio de cultura sob o ponto devista antropolgico foi formulada por Y. Taylor no livro Cultura Primitiva, publicado emetnogrfico, a cultura todo o complexo que inclui conhecimentos, crenas, arte, moral,leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hbito adquiridos pelo homem na condiode membro de uma sociedade. Com essa definio de cultura, Taylor inclui em uma spalavra todas as possibilidades de realizao humana, alm de destacar o carter deaprendizagem da cultura, contrria idia da aquisio inata, transmitida por mecanismosbiolgicos. Essa perspectiva evolucionista o levou a explicar a diversidade das culturasexistentes enquanto diferentes prticas de desenvolvimento ou evoluo (selvageria,barbrie e civilizao). Nesse sentido, concebeu a cultura como processo nico, expressoem diferentes nveis de evoluo.

    O antroplogo Frans Buenas, nascido na Alemanha e radicado nos Estados Unidos, inicioua principal reao perspectiva evolucionista linear da cultura, a partir dos estudosrealizados com os esquims ao final do sculo XIX. Buenas elaborou uma crtica aoevolucionismo e props antropologia as tarefas de fazer a reconstruo particular dahistria das cidades ou das regies e comparar a vida social de diferentes cidades compadres de desenvolvimento pautados nas mesmas leis.

    Ao desenvolver o particularismo histrico, Buenas rompeu com o evolucionismo linear,sob a afirmao de que cada cultura segue seus prprios caminhos, proporo quedesempenha funes nos diferentes eventos histricos. Ele argumentou que a explanaoevolucionista da cultura s teria sentido em termos da abordagem multilinear e; nessesentido, j no era possvel falar em cultura singular (como nica cultura que seguiaprticas de evoluo). Cabia falar de culturas mltiplas.

    Nessa perspectiva, Buenas estabeleceu as bases para o relativismo cultural, o que jnortearia conceber uma cultura superior s demais. Desde ento, os avanos dos estudosantropolgicos resultaram na produo de vrios conceitos de cultura, sendo que aantropologia americana, entre as dcadas de 1920 a 1950, chegou a criar cerca de 157definies de cultura. Para obter preciso conceitual sobre cultura, R. Keesing (1974)esforou-se para classificar essas tentativas modernas e, com isso, apresentou doisesquemas bsicos. O primeiro referido s teorias que considera as culturas como sistemasadaptativos conforme a difuso neo-evolucionista definidos enquanto sistemas compadres de comportamento transmitidos socialmente, que servem para adaptar as

  • 8/13/2019 Identi Dade Territorio Brasil

    36/147

    comunidades humanas aos seus embasamentos biolgicos, incluindo at tecnologias emodos de organizao econmica; padres de estabelecimento de agrupao social eorganizao poltica, crenas e prticas religiosas, dentre outros.

    O segundo refere-se s teorias idealistas da cultura, que foram subdivididas em trs

    abordagens: a) a desenvolvida por antroplogos como o W. Goodenough aborda a culturacomo sistema de conhecimento que abrange tudo o que algum tem que conhecer e crerpara operar e se portar de forma aceitvel dentro de sua sociedade; b) a desenvolvida peloantroplogo francs Claude Levi-Strauss, que considera a cultura enquanto sistemaestrutural e que a define como sistema simblico resultante da criao cumulativa da mentehumana, restando para o antroplogo a tarefa de descobrir na estrutura dos domnioscultural (mito, arte, parentesco, linguagem) os princpios da mente que geram estaselaboraes culturais, e c) a abordagem desenvolvida em especial, pelo antroplogoamericano Clifford Geertz, que considera a cultura no como complexos padresconcretos de comportamentos costumes, usos, tradies, hbitos , mas enquantoconjunto de mecanismos de controle planos, prescries, regras e instrues (que osengenheiros de computao chamam programas) para governar o comportamento. Comisso, afirmou que todas as pessoas nascem aptas para receber um programa cultural, porisso so dependentes desses.

    O objetivo aqui no discutir a amplitude dos conceitos de cultura alcanada pelas teoriasatuais, mas indicar a perspectiva adotada para o desenvolvimento deste estudo. Assumimosa definio elaborada por Geertz a cultura como sistemas simblicos divididos pelosmembros de uma sociedade para ordenar seus comportamentos, valores e manifestaesexpressando unidade e coeso social.

    De acordo com Geertz, a cultura promove vnculos entre os homens, no que so emessncia capazes de fazer um pelo outro e o que de fato fazem. Tornar-se humano tornar-se individual, mas fazer-nos individuais sob a direo dos padres culturais, dos sistemasde significados criados historicamente que norteiam a darmos forma, ordem, objetivo edireo a nossas vidas.

    Conceito da identidade

    O conceito de identidade recente, assim como o conceito de cultura, e apresenta muitasconceituaes. Sua origem remonta discusso sobre identidade e territrio. A primeirateoria sistemtica sobre identidade social foi elaborada pelo filsofo alemo G. F. W.Hegel, entre o final do sculo XVIII e o incio do sculo XIX, no contexto daspreocupaes, em meio a falta de unificao das cidades germnicas em termos de umaunidade poltica e territorial nacional que fosse nica e indivisvel, a exemplo do que tinhaacontecido na Frana revolucionria de 1789.

    Hegel usou a noo da identidade, como enfatizado por Ruben (1986), para discutir essadimenso considerada ausente na sociedade alem de ento, apesar de configurar relativahomogeneidade cultural, lingstica e religiosa. Ele centrou sua preocupao em formularuma identificao entre os diferen