Homogeneização da Biodiversidade Global: o caso das...
-
Upload
vuongkhanh -
Category
Documents
-
view
212 -
download
0
Transcript of Homogeneização da Biodiversidade Global: o caso das...
Homogeneização da Biodiversidade Global: o caso das espécies
invasoras.
Frederico Monteiro Neves*
(MADE/UFPR)
Luciano Celso Brandão Guerreiro Barbosa**
(MADE/UFPR e Campus do Sertão/UFAL)
Resumo
Historicamente, no processo de globalização, a inserção de espécies exóticas em distintos ecossistemas tornou-se importante para a sobrevivência humana (alimentação, vestuário, etc.) e para a expansão do sistema econômico. Entretanto, a globalização atual, devido ao seu ritmo e a existência de ecossistemas desestruturados pela própria ação do ser humano, fez emergir a seguinte indagação: é provável que a já conhecida perda de biodiversidade e a introdução de espécies exóticas conduzam a homogeneização da biosfera do planeta? Com esta questão problema, este ensaio tem o objetivo de trabalhar a hipótese de que com a crescente intensificação dos processos oriundos da globalização a partir de meados do século XX, que propiciou incremento nos fluxos de mercadorias e pessoas, e da degradação cada vez mais crescente dos ambientes naturais, está em curso um processo de homogeneização da biosfera sem precedentes na história da humanidade. Para tanto, foram utilizados dados publicados na literatura sobre: (i) os diferentes ritmos de evolução no processo de globalização, (ii) espécies exóticas, e (iii) espécies invasoras. Pela proposta metodológica adotada, e usando os elementos delineadores (globalização e bioinvasão), chegamos à constatação de que, atualmente, diferente dos contextos migratórios e comerciais de séculos passados e com o atual cenário de degradação ambiental, existe uma tendência a uma diminuição da diversidade biológica, que poderá culminar com uma homogeneização da biosfera, tendo como mecanismo para este cenário a inserção freqüente e intensiva de espécies exóticas em distintos ecossistemas.
Palavras-Chaves: globalização, homogeneização da biodiversidade e bioinvasão
Introdução
Estamos vivenciando um fenômeno crescente e conspícuo de homogeneização da diversidade
biológica em escala global, fruto de um processo cada vez mais intenso de mobilidade de
mercadorias e pessoas, principalmente na última metade do século XX (REDFORD; BROSIUS,
2006). A globalização econômica e cultural está no centro deste processo, pois conduz a
homogeneização dos costumes e modos de viver, tendo efeitos, em última instância, sobre a
diversidade ambiental.
Muitos estudos têm mostrado que a troca de componentes da biodiversidade entre regiões do
planeta tem causado modificações nos ambientes de chegada (SIMBERLOFF et al., 2005;
* Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Mestre em Oceanografia Biológic a
pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento (MADE/UFPR) e Biólogo da
ELETROBRAS. ** Graduado em Ciências Econômicas (UFAL), Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UFAL), Doutorando em Meio
Ambiente e Desenvolvimento (MADE/UFPR), Professor Assistente do Pólo de Santana do Ipanema - Campus do Sertão/UFAL.
STRAYER et al., 2006,), além dos fenômenos de destruição de ecossistemas, fragmentação e
degradação de habitats (incluindo a poluição), superexploração de espécies para uso humano e
aumento da ocorrência de doenças (PRIMACK; RODRIGUES, 2002), os quais intensificam este
processo. A soma destas modificações em nível planetário tem gerado uma perda líquida global
de diversidade biológica (SIMBERLOFF, 2005; REDFORD; BROSIUS, 2006). Concomitantemente
a isto, a chegada cada vez mais intensa de espécies exóticas em regiões cada vez mais
degradadas tem propiciado o estabelecimento destas espécies, levando em última instância a um
processo de empobrecimento da biosfera, sendo este período denominado por muitos
pesquisadores de “Homogoceno” (REDFORD; BROSIUS, 2006).
Uma peça chave para se entender este processo de homogeneização da biodiversidade é a
compreensão de como espécies adaptadas a uma determinada região do planeta são
transportadas e se adaptam a outras regiões muito distantes. Este processo é chamado
bioinvasão e tem causado muitos problemas econômicos e ecológicos a vastas regiões do planeta
(FACON et al., 2006).
O próprio homem é o maior vetor de disseminação desta homogeneização em tempos de
globalização, indo desde a introdução de espécies domésticas para a agricultura, pecuária,
silvicultura, passando pelo transporte de espécies exóticas em águas de lastro, o comércio de
espécies da fauna e flora, até a disseminação de doenças causadas por microorganismos
(CROSBY, 1993). Principalmente, num cenário de fluxo de pessoas e mercadorias cada vez mais
rápidos e contínuos.
Hoje, diferente dos contextos migratórios e comerciais de séculos passados e com o atual cenário
de degradação ambiental que detém nosso Planeta, existe uma convergência em se afirmar que
está em marcha uma diminuição da diversidade biológica e uma concomitante homogeneização
da biosfera, onde espécies exóticas estão tendo êxito em outros ecossistemas, que não os seus
de origens, devido à alteração de vários atributos biológicos e físicos locais e a freqüência mais
intensa de introdução das mesmas em várias regiões do globo (REDFORD; BROSIUS, 2006).
Diante deste cenário, nosso objetivo neste trabalho é construir a hipótese de que com a crescente
intensificação dos processos oriundos da globalização a partir de meados do século XX1, que
propicia uma rápida evolução nos fluxos de mercadorias e pessoas, e da degradação cada vez
mais crescente dos ambientes naturais, está em curso um processo de homogeneização da
biosfera sem precedentes na história da humanidade. Utilizaremos dados publicados na literatura
para ilustrar e embasar nossa hipótese. Para tanto, este artigo se divide em três partes: uma
breve recapitulação do processo de globalização para contextualizar a tendência de
homogeneização econômica, que incide diretamente nos padrões culturais e biológicos; em
1 Poderíamos denominar como uma globalização moderna, haja vista que o processo de globalização é um aspecto intrínseco a história da evolução humana, como pode ser observado em Crosby (1993) e Frieden (2008), por exemplo.
seguida, focalizaremos o processo de bioinvasão, descrevendo alguns casos documentados de
espécies invasoras e seus mecanismos; e por último, faremos uma síntese da discussão.
Contextualização do Processo de Globalização
A partir de meados do século XX, a sociedade – independente de seu país de origem – observa a
ocorrência de um processo de crescente e rápida integração entre os Estados nacionais, fato este
que constituiu a chamada sociedade global, por meio da internacionalização dos países. Esta
nova forma de globalização está propiciando um ambiente favorável à superação das barreiras
espaciais, fato este que gerou uma diminuição das distâncias e possibilitou a ocorrência de um
novo reordenamento do espaço mundial, que por sua vez permite que haja: novos interesses de
multipolaridade produtiva, novas geoestratégias regionais e a internacionalização dos mercados
nacionais (VIEIRA, 2003).
Falar em globalização como algo recente é uma postura errônea, uma vez que os hominídeos,
mesmo de maneira ainda muito incipiente, já estavam se deslocando e povoando outras
localidades, afastando-se de seus locais de origem. “[...] Esses macacos de cérebro dilatado
fizeram uso da nova capacidade de adaptação emigrando, deixando o lar ancestral
(provavelmente a África) e atravessando as suturas secas da Pangeia, rumo a Eurásia”
(CROSBY, 1993, p. 24), migrando posteriormente para os trópicos do Velho Mundo e para as
zonas temperadas do norte – ao evoluírem para Homo sapiens.
Após alguns milênios – já com o nosso Planeta povoado em todos os quadrantes, no entanto, em
pequena quantidade – houve novas migrações espaciais, realizadas pelos asiáticos, africanos
negros, ameríndios, aborígines australianos, esquimós, melanésios, polinésios e micronésios, mas
tal expansão geográfica ocorreu para áreas adjacentes ou próximas aquelas onde já viviam
(CROSBY, 1993).
O processo de globalização só ficaria mais intenso com duas inovações: a domesticação do
cavalo e as navegações. Estes dois meios de transporte fizeram com que houvesse um aumento
no fluxo de pessoas e mercadorias entre os povos e entre os diversos povos, uma vez que
propiciou uma redução no tempo de viagem e no esforço para transportar as mercadorias. Além
de servir como instrumentos de guerra.
Com as navegações a globalização se intensificou ainda mais. Entretanto, existia um problema.
Até o século XVIII, os navios eram pequenos, os navegadores dispunham de bússolas e
instrumentos rudimentares que se mostraram pouco eficientes para estimar a velocidade e a
latitude, não podendo precisar com exatidão onde estavam. Aliado a isto, os navegadores ficavam
a mercê do vento, uma vez que a forma de propulsão dos barcos era realizada por esta força
motriz, e como não havia uma maneira de controlá-lo, não havia domínio sobre a velocidade e/ou
a direção do navio. Mesmo com estes problemas, que seriam minimizados no século XVIII com a
invenção de um cronômetro de certa precisão, houve um considerável incremento no fluxo de
mercadorias e pessoas pelo mundo (CROSBY, 1993).
Com o navio a vapor os problemas de velocidade e direção foram superados definitivamente.
Além disso, o fluxo de pessoas e mercadorias teve um expressivo crescimento, principalmente no
que concerne ao transporte transoceânico, praticamente inviável antes do século XIX. Frieden
(2008, p. 21) explica que com os navios a vapor, houve uma redução no tempo de “[...] travessia
do Atlântico de mais de um mês, em 1816, para menos de uma semana em 1896. Além disso, os
navios a vapor podiam viajar mais rápido, carregar mais carga e operar com menos custos que os
barcos a vela”.
Antes do navio a vapor já se via uma crescente interferência do homem sobre o meio natural, seja
por meio do fluxo de mercadorias que trazia consigo espécies exóticas aos ambientes naturais
locais, ou pelo processo de colonização, onde as novas populações procuravam adaptar o espaço
geográfico ao que o individuo estava adaptado anteriormente. Por exemplo, os europeus quando
da colonização das Américas, trouxeram as plantas das quais “[...] sempre dependeram para obter
alimento e fibras, e os animais provedores também de alimento e fibras, e ainda de energia,
couro, ossos e adubo [...]” (CROSBY, 1993, p. 17). Todavia, após o navio a vapor esta
interferência foi se intensificando cada vez mais.
Entretanto, foi pós-1945 que o processo de globalização se acelerou de uma maneira nunca vista,
constituindo de fato uma sociedade global. Isso foi possível após o fim da bipolaridade ideológica
(capitalismo versus socialismo) e com a revolução – e evolução cada vez mais rápida – da
microeletrônica, fatos esses que propiciaram uma rápida expansão da economia e com ela uma
crescente padronização cultural, que está ocorrendo numa velocidade impressionante, contraindo
cada dia mais o espaço e o tempo (VIEIRA, 2003; FURTADO, 1998).
Não é errôneo afirmar que são as novas tecnologias que alavancaram o processo de
globalização, uma vez que reduziram o tempo e espaço a distâncias virtuais (os ciberespaços).
Desta forma, comunicações que levariam horas (e talvez até dias), gerando custos excessivos,
são realizadas em segundos, por meio da internet (VIEIRA, 2003; Còro, 2003). Por exemplo, a
notícia sobre a vitória de Wellington, em 1815, que demorou dois dias e meio para chegar à
reunião de cúpula do governo britânico em Londres, atualmente, levaria alguns segundos com o
celular ou por meio de tecnologias de comunicação via ciberespaço.
Esta é a principal diferença entre a globalização atual e os processos anteriores, a velocidade de
expansão que suprime as barreiras espaciais, contraindo o tempo e o espaço. Diante desse
contexto, Vieira (2003, p. 47) afirma que as novas tecnologias geraram “[...] novos espaços de
fluxos que condicionam as transformações estruturais nas relações de produção, circulação e
consumo”.
Com a queda das barreiras espaciais, houve um favorecimento no avanço da globalização, ou
seja, o mundo passa a não ter mais barreiras, não possui mais fronteiras. O espaço agora é visto
como um “espaço mundial” (VIEIRA, 2003). A Figura 1 abaixo demonstra justamente isto, onde as
rotas marítimas de contêiner detêm como trajetória rotas transoceânicas, ligando diversos
continentes de um hemisfério a outro, num curto espaço de tempo.
Figura 1 – Principais Rotas de Serviços Liner para Contêineres
FONTE: Planave citado por Paiva (2006, p. 35)
Este é um mundo em transformação, onde o espaço global constitui-se como uma arena de
atuação para as novas estratégias: de produção, de circulação (tanto de mercadoria como de
pessoas) e de consumo (VIEIRA, 2003). Nesse cenário, competitividade se traduz por eficiência
em transportar no menor tempo possível, uma determinada mercadoria a um determinado ponto,
seja ele próximo ou extremamente distante.
O processo de globalização esta gerando um crescimento expressivo no comércio mundial
(Gráfico 1), que só foi possível por meio de novas tecnologias e pela rápida e constante troca de
informações entre os diversos agentes (indivíduos, empresas, governos, etc.) (UNCTAD, 2008).
Por exemplo, no Gráfico 1 observa-se a intensa evolução no transporte de contêiner realizado via
marítima, demonstrando que está havendo um rápido crescimento no comércio mundial.
Aliado ao transporte marítimo o transporte aéreo também encurta as distâncias, num tempo
muitas vezes menor que o marítimo. O transporte aéreo é importante tanto para o fluxo de
mercadorias, mas principalmente para o fluxo de pessoas. Este meio de locomoção é o grande
responsável pelo deslocamento de uma grande contingente de pessoas pelas diversas regiões do
globo terrestre, pois, além de interligar todos os continentes, realiza esta ação num pequeno
espaço de tempo. Por exemplo, aquela travessia do Atlântico que em 1816 levaria mais de um
mês ou que em 1896 levaria menos de uma semana, agora leva apenas horas.
Gráfico 1 – International containerized trade growth, 1985-2006.
FONTE: Spring citado por UNCTAD (2007, p. 20).
Na Figura 2 pode-se observar um considerável crescimento no aumento do tráfego aéreo
brasileiro, no que concerne à quilometragem voada de 1981 a 2007. Neste período observa-se
que o tráfego aéreo, em quilometragem voada, aumentou: (a) 66,7% em vôos domésticos, (b)
54,5% em vôos internacionais e (c) 63,7% no somatório entre os vôos domésticos mais
internacionais.
Com as inovações tecnológicas os aviões cada vez mais vêm percorrendo maiores distâncias
num período de tempo mais curto e estão transportando cada vez mais passageiros. O Gráfico 2
demonstra a evolução no movimento de passageiros nos aeroportos que compõe a Rede
INFRAERO, no Brasil, no período de 2003 a 2007, evidenciando que realmente esta havendo um
aumento de fluxo de passageiros no transporte aéreo. Neste período observa-se que o movimento
de passageiros aumentou: (a) 34,7% em vôos domésticos, (b) 21,2% em vôos internacionais e (c)
35,6% no somatório entre os vôos domésticos mais internacionais.
Figura 2 – Evolução do tráfego aéreo, em quilometragem voada, do período de 1981 a 2007.
FONTE: Anuário do Transporte Aéreo/ANAC.
Gráfico 2 – Movimento operacional de passageiros na Rede INFRAERO de 2003 a 2007.
FONTE: Superintendência de Planejamento e Gestão/INFRAERO.
Balanco (2003, p. 21) explica que “[...] o movimento de circulação da mercadoria entre a etapa da
produção e a da realização deve ser acelerado. [...] E assim, a preocupação com a compressão
da relação do espaço-tempo, relacionada à redução do tempo de rotação [...]”, é o objetivo a ser
alcançado, caso se pretenda ser competitivo no interior da economia global.
Então, observa-se que o atual processo de globalização, por ser de intensa rotatividade de
pessoas e mercadorias, e devido à degradação dos ambientes naturais, poderá constituir-se num
mecanismo de interferência no funcionamento ecossistêmico dos ambientes naturais, através da
introdução de espécies invasoras, decorrentes do aumento dos fluxos de transportes e pessoas,
que expande as áreas de distribuição de determinadas espécies biológicas além das suas áreas
de distribuição nativas.
A HOMOGENEIZAÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA
Desde o surgimento das primeiras formas de vida no planeta Terra, um processo comum e de
longa escala na biosfera é o aumento da diversidade das formas de vida nas mais diversas
regiões do planeta de forma assíncrona como é ilustrado pelo registro fóssil (Ridley, 2004). Este
processo de aumento da diversidade biológica em momentos de estabilidade do planeta foi
interrompido inúmeras vezes por fenômenos climáticos, geológicos e cósmicos de grande
proporção, causando as extinções em massa (SCHULTZ, 2004).
Ao longo dos últimos 3,8 bilhões de anos, apesar das grandes extinções e das extinções de fundo,
o ressurgimento de novas formas de vida sempre ocorreu de maneira acoplada aos ambientes
locais, como uma resposta adaptativa e geradora de diversidade em nível local e regional
(RIDLEY, 2004). Quanto maior complexidade estrutural e de habitats do ambiente, maior tende a
ser a diversidade de espécies. Isto não quer dizer que as espécies ficam presas aos seus locais
de origem, podendo, muitas vezes, se espalhar por amplos espaços geográficos com limites, às
vezes, continentais e até globais. Este padrão de distribuição pode, muitas vezes, ser mapeado, e
se estabelece, então, regiões biogeográficas.
Como se pode observar, o paradigma científico estabelecido sugere que o padrão global da
biosfera sempre foi o aumento da diversidade biológica. Porém, atualmente, muitos estudos
sugerem que este padrão tem se tornado menos conspícuo e em algumas regiões a marcha de
homogeneização da biosfera tem se configurado mais evidente que a da diversificação. A este
período, muitos pesquisadores denominam “Homogoceno” (REDFORD; BROSIUS, 2006;
ROSENZWEIG, 2001; DEDHAN et al., 2005).
Muitas são as causas e os efeitos desta homogeneização da biosfera, algumas das quais foram
discutidas na seção anterior deste trabalho, quando se fala da integração global das diversas
regiões do mundo durante os diversos processos de globalização que já ocorreram no transcorrer
do processo de formação da humanidade. Independentemente dos táxons analisados, os
condutores deste processo são sempre os mesmos e apresentam um rótulo: a globalização. O
efeito mais notório deste fenômeno de homogeneização em cascata da biodiversidade é o
surgimento de um mundo demasiadamente simplificado (REDFORD; BROSIUS, 2006).
Mais recentemente, em diversos domínios do conhecimento observa-se uma crescente
proliferação de publicações relacionadas à perda de diversidade biológica e cultural e a ameaça
de homogeneização do mundo (REDFORD; BROSIUS, 2006). Seguindo desde eventos
puramente culturais, até eventos majoritariamente biológicos, o contexto da homogeneização é
percebido ora de forma mais claramente humano ora mais biológico, sendo que existem
imbricados e complexos fenômenos que conduzem à homogeneização e, em vários momentos,
são de difícil apreensão (REDFORD; BROSIUS, 2006).
Estima-se que o planeta tenha hoje cerca de 1,4 milhões de espécies descritas pelo homem, e
que pelo menos o dobro deste número ainda não foi descrito (MAY, 1992). Este fato mostra a
dificuldade de se conhecer e mapear a diversidade biológica do planeta e coloca em xeque muitas
tentativas de se entender o funcionamento de ecossistemas naturais e perturbados.
O período geológico atual mostra uma diversidade de espécies global sem precedentes na história
do planeta. Os grupos de insetos, vertebrados e espermatófitas chegaram a sua maior diversidade
cerca de 30 mil anos atrás. No entanto, desde essa época, a riqueza de espécies tem diminuído à
medida que a população humana aumenta. Ilustra o fato de que cerca de 25% do total da
produtividade primária terrestre do planeta é usada ou desperdiçada de alguma maneira pelas
atividades realizadas pela população humana (PRIMACK; RODRIGUES, 2002).
O fenômeno recente da homogeneização da biosfera, discutido por muitos pesquisadores, é
resultado de várias alterações antrópicas nos ecossistemas, levando a perda de diversidade local.
Neste processo, as espécies exóticas têm participação preponderante, pois mesmo se houvessem
extinções locais e espécies exóticas nunca chegassem naquele ambiente, não haveria a
possibilidade de naturalização ou mesmo invasão destas espécies exóticas. Assim, haveria mais
um fenômeno de perda de diversidade global sem a concomitante homogeneização da
biodiversidade. É exatamente este ponto que queremos discutir no próximo tópico do nosso
trabalho: o papel das bioinvasões na homogeneização da biodiversidade. Nesta parte do trabalho,
traremos a discussão dados publicados de espécies invasoras para embasar nossa hipótese.
BIOINVASÃO
Um tema de crescente interesse na biologia da conservação e que vem se configurando como
uma vertente de interface global é o estudo das espécies invasoras ou bioinvasão. O
estabelecimento e a disseminação com sucesso de uma espécie numa região fora de sua área de
distribuição natural podem causar mudanças de diversas magnitudes tanto no funcionamento de
um ecossistema como pode influenciar nas atividades humanas realizadas na nova área de
distribuição da espécie invasora (FACON et al., 2006; SIMBERLOFF, 2005).
O ser humano sempre transportou espécies exóticas para as regiões onde migrava e colonizava,
sendo estas usadas, principalmente, na agricultura (i.e. cultivo de milho, trigo, algodão, etc.),
criação de gado, silvicultura, piscicultura, controle biológico de pragas, espécies exóticas que
fornecem recursos para espécies nativas, entre outros (SAX et al., 2007). Em contrapartida, os
custos percebidos a posteriori pela introdução sem controle de muitas destas espécies exóticas
são grandes para a sociedade humana. Na medida em que estas espécies se tornam
naturalizadas, elas podem causar extinção de espécies nativas (i.e. introdução de ratos e gatos
em ilhas), podem alterar processos em ecossistemas (i.e. mudança da freqüência de ocorrência
de incêndios e regimes de distúrbio), e podem causar a perda de milhões de divisas anualmente
(SIMBERLOFF, 2005) (i.e. introdução de ervas daninhas em plantações, bivalves como o
mexilhão dourado Limnoperna fortunei no sul do Brasil).
Simberloff (2005) expõe que as espécies exóticas podem causar impactos em nível populacional e
ecossistêmico, levando a redução do tamanho de populações nativas (às vezes extinções locais
ou até globais) e a extensão de ecossistemas. Em nível populacional, os impactos podem ocorrer
através de interações como predação, herbivoria, parasitismo, doenças, competição e
hibridização; já em nível ecossistêmico, estes ocorrem através da mudança da ciclagem de
nutrientes, regimes hidrológicos e de fogo, ou mesmo a estrutura do habitat.
As pesquisas sobre as duas principais causas do declínio de espécies - perda de habitats e
espécies invasoras – lidam com estas causas como se fossem fatores independentes, ao invés de
fatores que interagem adicionalmente ou sinergicamente (DIDHAN et al., 2005). Diversos estudos
têm se dedicado a entender como determinada espécie invasora se comporta ao chegar a um
ecossistema, no entanto, grande parte dos estudos tem focado somente na espécie invasora ou
no ambiente invadido, criando uma fragmentação da informação concernente ao processo de
invasão. Não existe até o momento um corpo de informação robusto que consiga explicar este
processo ou que mostre de forma mais abrangente os fenômenos que podem conduzir as
invasões biológicas, sendo nossa habilidade de prevê-las ainda muito limitada (FACON et al.,
2006).
Apesar disto, atualmente, alguns padrões gerais de invasão estão estabelecidos com base em
estudos de alguns grupos taxonômicos, apesar da existência de uma variedade de mecanismos
que diferem entre grupos e que ainda são desconhecidos (PYSEK, 2008). Mesmo assim, a
informação acumulada permitiu aos pesquisadores formularem princípios gerais de invasão, tais
como: a hipótese da liberação do inimigo, hipótese da resistência biológica, o processo de
evolução da invasão, entre outros (PYSEK, 2008).
O efeito de muitas espécies invasoras pode mudar com o tempo, sendo que Strayer et al. (2006)
sugerem que estas espécies parecem ter uma fase aguda, quando da chegada ao novo ambiente,
e uma fase crônica, quando processos ecológicos e evolutivos entram em cena. Ao longo desse
tempo, podem ocorrer alterações na genética e no tamanho populacional de espécies nativas,
mudanças na estrutura e diversidade das comunidades invadidas, além de distúrbios em regimes
e nos ciclos biogeoquímicos.
Esse período desde a chegada da espécie invasora pode causar (i) mudanças na espécie que
invade, (ii) mudanças na comunidade que é invadida, (iii) mudanças cumulativas no ambiente
abiótico que é invadido e (iv) interação entre a espécie invasora e outras variáveis que controlam
o ecossistema (STRAYER et al., 2006). Todas estas variáveis dificultam muito a previsão de
invasão por uma espécie em determinado ambiente e as possíveis conseqüências se esta espécie
se torna invasora.
Um fator importante quando uma espécie chega a um ambiente novo é a aclimatação, sendo
comum entre as espécies invasoras, durante um único ciclo de vida, mudar sua expressão gênica,
a alocação de recursos, ou mesmo sua morfologia e fisiologia. A plasticidade fenotípica pode
ocorrer de forma rápida e estudos de curto prazo conseguem captar tal fenômeno (STRAYER et
al., 2006). Em função de não encontrar inimigos especializados no ambiente invadido, as espécies
invasoras podem alocar mais recursos em crescimento e reprodução e menos em defesa,
resultando em genótipos invasores vigorosos ao longo do tempo – “hipótese da liberação do
inimigo” (BLOSSEY; NOTZOLD, 1995; DIAS-FILHO, 2004). Além disto, estas espécies podem
evoluir para utilizar espécies locais como alimento, evitar inimigos locais e adequar suas
características de história de vida as condições ambientais locais (ALLEN; MEYER, 2002).
Como resultado da variação geográfica das condições bióticas e abióticas da nova distribuição da
espécie invasora pode haver a diversificação geográfica desta espécie e mesmo o surgimento de
espécies novas (COX apud STRAYER et al., 2006). Indo além, em alguns casos, a espécie
invasora pode hibridizar com espécies nativas e produzir genótipos altamente invasores,
ocorrendo geralmente entre plantas (i.e. Spartina anglia na Europa e Spartina foliosa x Spartina
alterniflora na costa oeste dos EUA) (STRAYER et al., 2006).
Apesar da maior parte dos estudos com espécies invasoras serem realizados em períodos de no
máximo poucos anos, o intervalo entre a chegada da espécie invasora e a explosão populacional
ou ampliação de sua distribuição geográfica pode levar de décadas a milênios, em função da
necessidade de adaptação evolutiva a esse novo ambiente. Este fato é mais notório em espécies
de longo ciclo de vida (STRAYER et al., 2006).
Mesmo existindo muitos exemplos na literatura de comunidades invadidas, ainda não se sabe
com que freqüência as espécies nativas respondem eficazmente para mitigar o efeito da invasão.
Algumas evidências sugerem que a composição de espécies de uma comunidade invadida pode
mudar ao longo do tempo, favorecendo espécies que são resistentes aos efeitos do invasor
(STRAYER et al., 2006). Como exemplo, a introdução de herbívoros em alguns ambientes pode
causar grande impacto sobre a biomassa de vegetais e a produção primária, sendo que com o
tempo espécies resistentes a herbivoria começam a dominar estes ambientes como resposta a
espécie invasora (i.e. introdução do gado Bos taurus na Austrália; e mexilhão zebra em lagos dos
EUA) (SHARP; WHITTAKER, 2003; VANDERPLOEG et al., 2001).
As espécies nativas também podem evoluir para melhor usar as espécies invasoras como
recursos, tais como alimento e habitat (HARE et al.., 1990; PHILLIPS; SHINE, 2004). Neste
sentido, podem ocorrer mudanças nessas espécies para formas resistentes ao invasor dentro e
entre populações através da evolução de genótipos resistentes (STRAYER et al.., 2006), sendo
também possível a plasticidade fisiológica, morfológica ou comportamental nas espécies nativas.
As espécies invasoras geralmente mudam as características abióticas do ambiente invadido
através da alimentação e de sua atividade, podendo ter efeitos na concentração de elementos
químicos, na mudança dos fluxos de matéria e na estrutura física do ambiente (STRAYER et al.,
2006). Estas alterações geralmente são cumulativas e lentas e mostram como é difícil perceber
estas sutilezas em períodos de tempo curtos (CROOKS, 2005).
Existem alguns exemplos na literatura de plantas e animais invasores que alteram a ciclagem de
carbono e nitrogênio, os fluxos de água e as propriedades do solo: a gramínea Spartina
alterniflora converte planos lamosos em marismas através do aprisionamento de sedimentos, na
costa oeste dos EUA (DAEHLER; STRONG, 1996). E em lagos da Argentina, o poliqueto invasor
construtor de coral Ficopotamus enigmaticus aumenta significativamente as taxas de
sedimentação, além de alterar os fluxos de água e as comunidades biológicas da região
(SCHWINDT et al., 2001).
A visão tradicional da ecologia enuncia que as comunidades biológicas se encontram saturadas
de espécies, sendo que a entrada de uma nova espécie só é possível com a saída de uma
espécie existente (ELTON apud SAX et al., 2007). No entanto, Sax et al. (2007) trazem a
discussão alguns estudos recentes que contrariam esta visão e mostram que a saturação de
espécies, quando presente, só deve ser esperada em pequenas escalas (menores que 1m2) e
mesmo assim, alguns experimentos mostram que é possível um aumento da riqueza total de
espécies nestas dimensões, quando da entrada de espécies exóticas (TILMAN, 1997).
Estudos quantitativos sobre invasões em escala regional sugerem que a maioria das regiões do
planeta pode absorver mais espécies por invasão do que perde por extinção, resultando em um
aumento líquido da riqueza em muitos casos (SAX, 2002). Neste ponto, Simberloff (2005) é
enfático e diz que apesar de poder ocorrer um aumento local na riqueza de espécies com a
chegada de uma espécie exótica, em nível global a riqueza está decrescendo.
Outro fato notório em se tratando do efeito do fundador em populações de espécies introduzidas
de tamanho pequeno é que, ao contrário do que se pensava, alguns exemplos mostram que
gargalos populacionais severos não impedem a rápida adaptação (SAX et al., 2007), podendo até
impulsioná-la. Além disto, em alguns casos, a introdução repetida de uma espécie numa mesma
região pode aumentar a variabilidade genética na nova área de distribuição, ao invés de causar
um gargalo populacional, em função da mistura causada por indivíduos vindos de várias regiões
fonte (KOLBE et al., 2004). Estes exemplos mostram que em muitos casos a adaptação de uma
espécie exótica pode ser mais rápida do que se pensava a um novo ambiente.
A distribuição geográfica natural de uma espécie resulta da interação de fatores abióticos,
interação biológica e limitações de dispersão (SAX et al., 2007). Muitos estudos utilizam modelos
climáticos (“envelopes climáticos”) para simplificar e aproximar dados de distribuição de espécies
e verificar suas potencialidades de invasão. No entanto, vários resultados mostram que outros
fatores, além dos abióticos, são preponderantes para a distribuição de uma espécie. Por exemplo,
o pinheiro Pinus radiata e o pardal Padda oryzivora apresentam áreas naturais de distribuição
restritas, no entanto, suas áreas naturalizadas de distribuição são mais abrangentes. Isto mostra
que estas espécies toleram condições climáticas diferentes das quais elas experimentam nas
áreas naturais (SAX et al., 2007).
Estamos muito longe de ter conhecimento e legislação que propiciem a previsão e mitigação dos
efeitos da introdução de espécies exóticas (SIMBERLOFF et al., 2005), principalmente em
algumas regiões do planeta. Para se ter uma idéia, a maior parte dos estudos com espécies
invasoras se concentra nas Américas e na Europa. Mesmo assim, quase metade das invasões e
dos estudos sobre elas ocorrem na América do Norte (PYSEK, 2008). Pysek et al. (2008) sugerem
que está diferença desproporcional na pesquisa das espécies invasoras entre continentes é
explicada pelas diferenças nos aportes financeiros para pesquisa nestas regiões.
Somente espécies que se tornam naturalizadas são alvo de estudos, sendo que o impacto destas
espécies é que determinará se elas serão estudadas ou não. Ademais, poucas espécies
naturalizadas se tornam pestes, causando impactos econômicos. Por isso, alguns grupos como
mamíferos são muito estudados por causarem grandes impactos e a maior parte das plantas que
se tornam naturalizadas passam despercebidas (PYSEK, 2008). Estes aspectos são fundamentais
quando se pensa nas introduções acidentais, as quais passam totalmente despercebidas e podem
causar danos somente anos ou décadas após a introdução.
Alguns estudos realizados em cidades da Europa e Estados Unidos mostram que o número de
espécies exóticas tende a aumentar ao longo de um gradiente das áreas mais rurais em direção
as áreas urbanas (MCKINNEY, 2002). Em Curitiba (Paraná, Brasil) resultados semelhantes foram
encontrados para espécies vegetais (BIONDI; PREDROSA-MACEDO, 2008).
De acordo com Mckinney (2002), estes resultados observados são causados pela maior pressão
de importação de espécies exóticas em regiões com grandes densidades populacionais humanas
(“pressão de propágulos”- FACON et al., 2006), um exemplo é o cultivo de plantas exóticas em
regiões urbanas. Uma outra causa é a maior quantidade de habitats alterados em regiões
urbanos, se transformando em áreas mais suscetíveis a invasão por espécies exóticas
(MCKINNEY, 2002).
Uma fonte de preocupação em relação a bioinvasão em ambientes aquáticos foi colocada de
forma enfática em editorial do periódico Marine Pollution Bulletin por Callado e Chapman (2006),
onde eles mostram que o comércio de peixes ornamentais há algum tempo tem se configurado
como um dos maiores vetores de invasão biológica. Os autores enfatizam a necessidade da
elaboração de mecanismos de verificação de riscos ambientais em relação ao comércio de muitas
espécies de peixes de aquário.
Atualmente, há muitos exemplos de espécies invasoras, as quais já apresentam uma ampla
documentação na literatura, evidenciando um processo cada vez mais intenso de troca de
componentes da biodiversidade entre regiões do planeta (MCKINNEY, 2002). Se pensarmos que
há centenas de anos atrás as barreiras naturais formadas por oceanos, cordilheiras e florestas
impediam a dispersão rápida desses organismos, nos dias de hoje, o aumento da velocidade dos
meios de transporte, do comércio de bens de consumo e do trânsito de pessoas vem facilitando
cada vez mais o estabelecimento e domínio de espécies exóticas em ambientes agrícolas,
urbanos e naturais.
Podem ser citados como exemplos do exposto acima, a entrada do besouro chinês Anoplophora
glabripennis nos Estados Unidos ocasiondo perdas econômicas sem precedentes. Outras pragas
como a gripe asiática do frango, a febre aftosa, o besouro asiático, a doença do carvalho, a
dispersão do cancro cítrico e da mosca-branca, além de causarem perdas e danos na
agropecuária, causam danos as populações de animais e plantas nativas.
Como na literatura a informação sobre as espécies invasoras é pulverizada e trata de casos
isolados e, além disto, não existem trabalhos de revisão que tratam dos números de espécies
exóticas conhecidas e já estudadas, elaboramos uma tabela (Quadro 1) com uma pequena
amostra da extensa lista de espécies invasoras catalogadas pelo Programa Global para Espécies
Invasoras (GISP). O GISP foi estabelecido para lidar com o problema das espécies invasoras e
dar suporte à implantação do Artigo 8(h) da Convenção da Diversidade Biológica. Ele é operado
por um consórcio entre o Comitê Científico em Problemas Ambientais (SCOPE), CAB
Internacional (CABI), União Mundial de Conservação (IUCN), em parceria com o Programa
Ambiental das Nações Unidas (UNEP).
Selecionamos ao acaso 13 exemplos documentados de espécies invasoras entre árvores, fungos,
animais e vírus para ilustrar que com o aumento das atividades associadas à globalização está
ocorrendo um aumento dos casos de espécies invasoras e concomitantemente, a tendência de
homogeneização da biosfera.
Em um primeiro momento, observa-se que os casos listados no Quadro 1 apresentam
abrangência continental e alguns deles abrangência global, como espécies que cruzaram oceanos
para serem introduzidas em vários continentes (Acacia mearnsii, Achatina fulica, Acridotheres
tristis). Dos casos listados, três espécies foram introduzidas intencionalmente para uso na
agricultura, silvicultura, ornamentação e controle de pragas. Outras três espécies foram
introduzidas tanto intencionalmente quanto acidentalmente (Achatina fulica, Acridotheres tristis,
Corvus splendens). As restantes sete espécies foram introduzidas acidentalmente, sem nenhum
controle ou legislação pertinente.
O fato importante nestes poucos casos de espécies invasoras é que todos eles têm relação com o
mercado, o transporte de mercadorias e o fluxo de pessoas.
Quadro 1 – Lista de espécies invasoras catalogadas pelo Programa Global para Espécies Invasoras (GISP)
Nome
CientíficoNome Popular Área Nativa Área Invadida Ocorrência
Tipo de
IntroduçãoMeio de Introdução
Acacia mearnsii Acácia-negra
(árvore)Austrália Américas, Europa, Ásia, África
Pastagens, zona ripária, áreas
urbanas e cursos d'águaIntencional Agricultura, ornamentação, silvicultura
Achatina fulica Caramujo africano
(Molusco)África oriental Maior parte dos trópicos úmidos
Áreas urbanas, agrícolas,
florestas nativas e plantadas,
alagados
Acidental/
intencional
Ovos em produtos agrícolas, pertences de
passageiros (via aérea e terrestre),
contabando como comida e remédio.
Acridotheres
tristis Mainato (ave) Sul da Ásia
África do Sul, leste e sudeste da
Austrália, Nova Zelândia, Havaí e
Reunião, norte da França
Áreas urbanas e agrícolasIntencional/
acidentalEscape de zoológicos
Aedes
albopictus
Mosquito da dengue
(Inseto)
Região oriental tropical do sudeste da
Ásia, ilhas oceânicas do Pacífico e
Índico, China e no oeste Madagascar
Américas, África, Europa e Austália
Áreas agrícolas, urbanas,
costeiras, florestas, pastagens,
alagados e cursos d'água
AcidentalMercado de pneus, mercado de lucky
bamboo
Anoplolepis
gracilipes Formiga (Inseto) África e talvez Ásia
África do Sul, América do Sul, Ásia e
Austália.
Áreas agrícolas, urbanas,
costeiras, florestas, pastagens,
alagados e cursos d'água
AcidentalAgricultura, veículos, trasnporte de
passageiros
Passer
domesticusPardal (ave) Eurásia e Norte da África
América do Sul e Norte, Sul da África,
Austrália e Nova Zelândia
Áreas agrícolas, urbanas,
alagadosIntencional Controle de insetos
Columba liviaPombo doméstico
(ave)Europa
Ásia, Américas do Norte e Sul e
Austrália
Áreas agrícolas, urbanas e
ambientes perturbadosIntencional Fonte de alimentação/ caça
Corvus
splendensCorvo (ave) Sul da Ásia
Costa leste da África, ilhas do Oceano
Índico, Egito e Oriente Médio
Áreas urbanas, agrícolas,
estuarinas, desertos, florestas,
alagados
Intencional/
acidental
Para auxiliar na eliminação de lixo/ controle
de pragas agrícolas
Anoplophora
grabripennis
Besouro chinês
(inseto)China e Coréia EUA, Canadá e Áustria
Áreas agrícolas, urbanas,
florestas, pastagens e ambientes
perturbados
AcidentalMercado de mudas, transporte de cargas em
navios (containers, lenha)
Aphanomyces
astaci
praga do pitú
(fungo)América do Norte Europa Hospedeiro, lagos e cursos d'água Acidental Mercado de camarão de água doce
Asterias
amurensis
Estrela-do-mar
(equinoderma)
Japão, Norte da China, Coréia, Rússia e
águas do Pacífico Norte
Sudeste da Austrália, incluindo
Tasmânia e VictoriaHabitats marinhos e estuarinos Acidental
Mercado de peixe, água de lastro, casco de
navios e barcos recreativos
Banana bunchy
top virus (BBTV)
Vírus da banana
(vírus)Não identificada
África, Ásia, região do pacífico
australiano e asiático
Áreas agrícolas, hospedeiro
(banana) e vetor (pulgão)Acidental
Transporte de mudas banana infectadas e
do pulgão
Carcinus
maenas
Caranquejo
(crustáceo)Norte da África e Europa EUA, Austrália e África do Sul Habitats marinhos e estuarinos Acidental
Aquacultura, mercado de alimento,
aquariofilia, água de lastro e casco de navios
FONTE: Global Invasive Species Database. Disponível em: <http://www.issg.org/database>.
Casos intencionais como o do pardal saíram do controle e hoje esta espécie se transformou
numa praga em várias regiões do mundo. A acácia-negra, típica da Austrália, hoje é
encontrada nas Américas, Europa, Ásia e África, sendo utilizada como fonte de tanino e
como lenha em muitas regiões onde foi introduzida. Outras espécies, como as aves maniato
escaparam de zoológicos e se instalaram em vários ambientes fora de sua área nativa de
distribuição.
Entre as espécies utilizadas na alimentação e ornamentação, encontram-se muitas espécies
de peixes comerciais (tilápia do Nilo Oreochromis niloticus, carpa Cyprinus carpio) e
utilizadas no controle de mosquitos e aquariofilia (barrigudinho Poecilia reticulata), os quais
foram introduzidos intencionalmente e escaparam do controle.
Os exemplos mais preocupantes são aquelas espécies introduzidas de forma acidental, as
quais fogem do controle dos agentes públicos. Um caso ilustrativo desta situação foi à
introdução do mosquito da dengue Aedes albopictus em regiões das Américas, África,
Europa e Ásia. Os ovos e larvas destes animais foram, e ainda são transportados em pneus
e mudas de plantas de jardim através do mercado internacional, disseminando este vetor de
algumas doenças humanas em várias regiões do planeta. O caramujo africano Achatina
fulica, apesar de ter sido introduzido em muitas regiões de forma intencional, está sendo
disseminado de forma acidental em várias regiões dos trópicos úmidos através da adesão
de seus ovos em pertences de passageiros e produtos agrícolas. A formiga Anoplolepis
gracilipes conquistou várias regiões do globo pegando carona em carros, através do fluxo de
produtos agrícolas e passageiros.
De forma semelhante a estes casos, o fungo parasita do pitu Aphanomyces astaci, a estrela-
do-mar Asterias amurensis, o vírus da banana (BBTV) e o caranguejo Carcinus maenas
estão sendo disseminados pelo mundo através do mercado de alimento, de mudas, do
transporte de cargas em navios, água de lastro, incrustados em cascos de navios,
aquariofilia, aquacultura, entre tantos outros meios de disseminação destas e outras
espécies pelo planeta.
Estes poucos casos relatados neste trabalho ilustram uma tendência que se inicia de forma
mais clara após a segunda guerra mundial, com o estreitamento das relações comerciais em
várias partes do mundo, fruto de um processo de globalização mais avassalador e que está
homogeneizando os costumes, alimentação e consumo. Pelo simples fato de propiciar maior
fluxo de mercadorias e pessoas pelo mundo, o processo de globalização atual está
conduzindo o planeta a uma homogeneização biológica sem precedentes na história do
planeta. O resultado deste processo ainda não está dado, mas os estudos mais recentes
apontam para uma biosfera menos complexa e mais uniforme em termos de diversidade
(REDFORD; BROSIUS, 2006).
É relevante observar que a destruição de ambientes naturais está ocorrendo de forma cada
vez mais rápida, exterminando habitats e a diversidade local em várias partes do mundo,
além disto, a chegada de espécies exóticas a estes ambientes já degradados permite que a
naturalização e invasão ocorram de forma mais fácil, levando a troca de componentes da
biodiversidade entre regiões do planeta. É neste ponto que observamos a necessidade de
discussões mais amplas dos organismos internacionais na medida em que o processo de
homogeneização da biosfera já está em curso e pode trazer transtornos para a
sobrevivência da espécie humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela proposta metodológica aqui adotada, este trabalho não chegou a uma conclusão, mas
buscou construir uma hipótese, fundamentando-se em elementos delineadores
(globalização e bioinvasão). Constatamos, assim, que, atualmente, diferente dos contextos
migratórios e comerciais de séculos passados e com o atual cenário de degradação
ambiental que detém nosso planeta, existe uma tendência a uma diminuição da diversidade
biológica, que poderá culminar com uma homogeneização da biosfera, tendo como
mecanismo para este cenário a inserção freqüente e intensiva de espécies exóticas em
ecossistemas, que não os seus de origens.
Esta tendência a uma homogeneização da diversidade biológica seria oriunda de uma
intensiva inserção de espécies exóticas (bioinvasão) decorrente dos fluxos de mercadorias e
pessoas pelas diversas regiões do mundo, onde tais espécies seriam transportadas em
contêiner, cascos de navios, água de lastro ou na bagagem dos passageiros, para outras
localidades.
Observa-se na literatura que apesar da bioinvasão intencional ser o mecanismo de inserção
de espécies exóticas que possui uma visibilidade maior e, por isso, a que detém mais
discussões, é a bioinvasão não intencional que poderá gerar sérios problemas a diversidade
biológica. Isso ocorre porque ao ser inserida uma espécie exótica em uma localidade, ela
poderá expandir-se para outros espaços geográficos por meio de vetores (animais, vento,
água, etc.) que disseminariam tais espécies para diversos ecossistemas, que caso estejam
desequilibrados poderão perder sua heterogeneidade e tornar-se simplificados.
É importante mencionar que as bioinvasões sempre existiram no transcorrer histórico da
espécie humana – podendo até ela mesma ser considerada uma espécie invasora – em seu
processo de expansão e consolidação nas mais diversas regiões do globo terrestre. Falar
em globalização sem mencionar a inserção de espécies exóticas não parece haver sentido,
por isso, pode haver o seguinte questionamento: por que agora haveria uma
homogeneização da diversidade biológica se a bioinvasão já vem ocorrendo há milênios,
mas as espécies exóticas conseguiram pequeno êxito em outros ecossistemas, além do seu
de origem?
O problema é que hoje existem dois fatores que são considerados primordiais para que as
espécies exóticas possam obter êxito em outros ecossistemas: (1) o atual estágio de
degradação ambiental da maior parte dos ecossistemas e (2) a velocidade em que está
ocorrendo o atual processo de globalização (fluxo de mercadorias e pessoas pelo globo
terrestre).
Estes dois fatores poderão gerar de fato uma homogeneização da diversidade biológica
caso não se criem mecanismos regulatórios para minimizar os casos de introdução de
espécies exóticas que estão ocorrendo e que foram trazidos a baila neste ensaio.
REFERÊNCIA
ALLEN, P. S.; MEYER, S. E. Ecology and ecological genetics of seed dormancy in downy
brome. In: Weed Sci. 2002, 50, p. 241-247.
BALANCO, P. A globalização e a produção: das configurações espaciais do capitalismo. In:
MENEZES, W. F. (org.). Economia global: leituras sobre questões regionais e ambientais.
Salvador: UFBA/FCE/CME, 2003, p. 11-28.
BIONDI, D.; PREDOSA-MACEDO, J. H. Plantas invasoras encontradas na área urbana de
Curitiba (PR). In: Floresta, 2008, 18, p. 129-144.
BLOSSEY, B; NOTZOLD, R. Evolution of competitive ability in invasive non-indigenous
plants: a hypothesis. In: Journal of Ecology, 1995, 83, p. 887-889.
ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil. Anuário do Transporte Aéreo. Disponível
em:<http://www.anac.gov.br/estatistica/estatisticas1.asp>. Acessado em: 10 jul. 2008.
CALLADO, R.; CHAPMAN, P. M. Aquarium species: Deadly invaders. In: Marine Pollution
Bulletin, 2006, 52, p. 599–601
CÒRO, G. Logística, economia global e desafios para o Made in Italy. In: MONIÉ, F.; SILVA,
G. (orgs.). A mobilização produtiva dos territórios: instituição e logística do desenvolvimento
local. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 99-142.
CROOKS, J. A. Lag times and exotic species: the ecology and management of biological
invasions in slow motion. In: Ecoscience, 2005, 12, p. 316-329.
CROSY, Alfred W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. São
Paulo: Companhia das Letras, 1993.
DAEHLER, C.C; STRONG, D. R. Status, prediction and prevention of introduced cordgrass
In: Spartina spp. Invasions in Pacific estuaries. Biol. Conserv., 1996, 78, p. 51-58.
DIDHAN, R. K. et al. Are invasive species the drivers of ecological change? In: Trends in
Ecology and Evolution, 2005, 20, p. 470-474.
DIAS-FILHO, M. B. Competição e sucessão vegetal em pastagens. In: PEREIRA, O. G. et al
(Ed.). 2º Simpósio sobre manejo estratégico da pastagem. Viçosa: UFV; DZO, 2004, p. 251-
287.
FRIEDEN, J. A. Capitalismo global: história econômica e política do século XX. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
FURTADO, C. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
FANCON, B. et al. A general eco-evolutionary framework for understanding bioinvasions. In:
Trends in Ecology and Evolution, 2006, 21, p. 130-135.
GLOBAL INVASIVE SPECIES DATABASE. Disponível em <http://www.issg.org/database>.
Acessado em 05 de Ago. 2008.
INFRAERO – Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária. Movimento operacional
da Rede INFRAERO. Disponível em:
<http://www.infraero.gov.br/movi.php?gi=movi&PHPSESSID=1bu93d19igkpe62taktk7p0qm1
>. Acessado em: 10 jul. 2008.
KOLBE, J. J. et al. Genetic variation increases during biological invasion by a Cuban lizard.
In: Nature, 2004, 431, p. 177-181.
MAY, R.M. How many species inhabit the Earth? In: Scientific American, 1992, 267, p. 42-
48.
MCKINNEY, M. L. Urbanization, biodiversity, and conservation. In: BioScience, 2002, 52, p.
883-890.
PAIVA, R. T. Zonas de influência portuárias (hinterlands) e um estudo de caso em um
terminal de contêineres com a utilização de sistemas de informação geográfica. 2006.
Dissertação (Mestrado em Engenharia Industrial) – Departamento de Engenharia Industrial.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ.
PRIMACK, R. B.; RODRIGUES, E. Biologia da conservação. Maringá: Vozes Editora, 2002.
PYSEK, P. et al. Geographical and taxonomic biases in invasion ecology. In: Trends in
Ecology and Evolution, 2008, 23, p. 237-244.
REDFORD, K. H.; BROSIUS, J. P. Diversity and homogenization in the endgame. In: Global
Environmental Change, 2006, 16, p. 317–319
RIDLEY, M. Evolution. 3a ed. Oxford: Blackwell Publishing, 2004.
ROSENZWEIG, M. L. The four questions: what does the introduction of exotic species do to
diversity? In: Evol. Ecol. Res., 2001, 3, p. 361-367.
SAX, D. F. Equal diversity in disparate species assemblages: a comparison of native and
exotic woodlands of California. In: Global Ecology & Biogeography, 2002, 11, p. 49-58.
SAX, D. F. et al. Ecological and evolutionary insights from species invasions. In: Trends in
Ecology and Evolution, 2007, 22, p. 465-471.
SCHULTZ, C. L. Extinções. In: CARVALHO, I. S. (ed.) Paleontologia. vol 1, 2ª ed. Rio de
Janeiro: Editora Interciência, 2004, p. 115-128.
SCHWINDT, E. et al. Invasion of a reef-builder polychaete: direct and indirect impacts on
the native benthic community structure. In: Biological invasions, 2001, 3, p. 137-149.
SHARP, B. R.; WHITTAKER, R.J. The irreversible cattle-driven transformation of a
seasonally flooded Australian savanna. In: Journal of Biogeography, 2003, 30, p. 783-802.
SIMBERLOFF, D. et al. Introduced species policy, management, and future research needs.
In: Front Ecol Environ, 2005, 3, p.12–20
SIMBERLOFF, D. Non-native species do threaten the natural environment. In: Journal of
Agricultural and Environmental Ethics, 2005, 18, p. 595–607.
STRAYER, D. L. et al. Understanding the long-term effects of species invasions. In: Trends
in Ecology and Evolution, 2006, 21, p. 645–651.
TILMAN, D. Community invasibility, recruitment limitation, and grassland biodiversity. In:
Ecology, 1997, 8, p. 81-92.
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development. Review of Maritime
Transport 2007. New York;Geneva: United Nations, 2007.
_______. Globalization for development: the international trade perspective. New
York;Geneva: United Nations, 2008.
VANDERPLOEG, H. A. et al. Zebra mussel (Dreissena polymorpha) selective filtration
promoted toxic Microcystis blooms in Saginaw Bay (Lake Huron) and Lake Erie. In: Can. J.
Fish. Aquat. Sci., 2001, 58, p. 1208–1221
VIEIRA, E. F. Espaços Econômicos: geoestratégia, poder e gestão do território. Porto
Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2003.