HISTÓRIAS SAGRADAS COMO PROCESSO CURATIVO NA … · Aos mestres da Clínica Pomar, pela...
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POMAR / SPEI
LEILA PERAZZINI BRANDÃO
HISTÓRIAS SAGRADAS COMO PROCESSO CURATIVO NA
ARTETERAPIA
Rio de Janeiro
2014
LEILA PERAZZINI BRANDÃO
HISTÓRIAS SAGRADAS COMO PROCESSO CURATIVO NA
ARTETERAPIA
Monografia de conclusão de curso apresentada ao POMAR/SPEI como requisito parcial à obtenção do título de
Especialista em Arteterapia.
Orientadora: Profª Ms. Márcia Santos Lima de Vasconcellos
Rio de Janeiro
2014
Com muito carinho, dedico esse trabalho à minha mãe Marly
(in memorian), que em vida me deu muita força e coragem para
seguir em frente, sempre. Obrigada! Saudades!
AGRADECIMENTOS
Aos mestres da Clínica Pomar, pela dedicação.
Ao meu pai, meu marido e aos meus filhos, obrigada pela paciência.
Aos meus amigos que participaram ativamente desse processo arteterapêutico.
E aos DEUSES, presença constante na minha vida.
Ao mergulhar nos contos, os ouvintes reveem seus
significados, “lêem com o coração” conselhos metafóricos
sobre a vida da alma.
Clarissa Pinkola Estés
RESUMO
Estudo monográfico que apresenta aspectos terapêuticos das histórias, gerando
transformações na vida particular, na sociedade, e sua importância no tratamento
das “dores da alma”.
Palavras-chave: arteterapia – histórias curativas – transformação.
ABSTRACT
This research presents the therapeutics aspects of storytelling that change lives and
societies, including their support in the “pain of soul” therapies.
Keywords: Art Therapy – Healing Stories– Therapeutic Storytelling.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 - Crescimento ..................................................................................... 14
Disponível em: http://marpsicologia.com/category/arte-terapia/
Acessado em: 07/05/2014.
Imagem 2 - Território das emoções..................................................................... 16
Disponível em: http://ea-solinas.tumblr.com/post/34970786951 /the-book
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 3 - O olhar.............................................................................................. 18
Disponível em: http://www.donatellazaccaria.it/arteterapia-gallery.php
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 4 - Arte Rupestre.................................................................................... 19
Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/parque-
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 5 - Liberdade de Expressão................................................................... 22
Disponível em: http://www.laquincena.es/noticias/cultura/ 2012031623875 Arteterapia-via-cruz-roja-inclusion-social-personas-drogodependientes
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 6 - Erupção............................................................................................. 23
Disponível em: http://www.camina-conmigo.com/salud/el-museo-del-hospital
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 7 - Ser criança........................................................................................ 24
Disponível em: http://www.13anosdepois.com/2010_05_01_ archive.html
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 8 - Eu sou............................................................................................... 25 Disponível em: http://conscienciaeusou.blogspot.com.br/2009 /10/da-argila
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 9 - No túnel do tempo............................................................................. 26 Disponível em: http://www.imaginarium.com.br/blog/2012/03
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 10 - Vida................................................................................................... 27
Disponível em: http://www.psicologiasandplay.com.br/sandplay/ Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 11 - Meu sol............................................................................................. 29 Disponível em: http://pierreamoudry.com/site/?p=328
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 12 - Bispo do Rosário – Tecendo para encontrar com Deus.................. 30
Disponível em: http://unconsciouskoine.tumblr.com/post/ 5908112812/arthur - bispo-do-rosario.
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 13 - Arte milenar....................................................................................... 31
Disponível em: http://colecaociranda.blogspot.com.br/2012 _01_01_archive.html
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 14 - Fábula – A cigarra e a formiga ......................................................... 32 Disponível em: http://paferreiraweb.blogspot.com.br /2012/04/formiga-
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 15 - Externar............................................................................................ 33 Disponível em: http://culturanea.com.br/545/
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 16 - Carl Gustav Jung (1875 -1961)........................................................ 35 Disponível em: http://www.jungparatodos.com.br/jung.php
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 17 - O dragão do inconsciente................................................................. 37 Disponível em: http://ninhodogaviao.zip.net/arch2010-07-01_2010-07-31.html
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 18 - Centro de ação................................................................................. 38 Disponível em: http://abaara.blogspot.com.br/2012/12/imagem-e-self
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 19 - Camada profunda do ser.................................................................. 39
Disponível em: http://aumagic.blogspot.com.br/2011/09/os-simbolos -e-arquetipos-de-jung.html
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 20 - O sonho............................................................................................ 40 Disponível em: http://robertaburlamaque.blogspot.com.br/
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 21 - Labirinto............................................................................................ 41
Disponível em: http://www.ijep.com.br/index.php?sec=artigos &id=188&ref=a-saude
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 22 - Quem eu sou?.................................................................................. 42 Disponível em: http://meditacioneskabalisticas.blogspot.com.br/
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 23 - O medo............................................................................................. 43
Disponível em: http://humanismoyconectividad.wordpress. com/2007/09/03/la-sombra-de-jung-en-las-organizaciones/
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 24 - Somos............................................................................................... 44 Disponível em: http://celestialspiral.blogspot.com.br/2012/05 /meditation-class-
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 25 - Ser único........................................................................................... 45 Disponível em: http://www.terapiaemdia.com.br/?p=1232
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 26 - Meu castelo...................................................................................... 46 Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid= S1516085820120002
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 27 - Histórias que aquecem a alma......................................................... 48 Disponível em: http://viola.bz/heart-shaped-books-of-the-xvth-century/
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 28 - Ritual de entrega............................................................................... 50
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/album/2012/11/12/ indianos-celebram-o-diwali-o-festival-das-luzes.htm
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 29 - O encontro........................................................................................ 51 Disponível em: http://compartilhandonoblog.blogspot.com.br /2013_03_01_
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 30 - Teia da vida...................................................................................... 53
Disponível em: http://estou-a-amar.blogspot.com.br/2014/06/na-teia-do-amor.html
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 31 - As mil e uma noites........................................................................... 55
Disponível em: http://labirintodominotauro.com/2010/02/09/ conto-o-mercador
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 32 - O Signo se faz imagem – fundamento da vida................................. 56 Disponível em: http://www.hottopos.com/mirand3/apalavra.htm
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 33 - Livro humano.................................................................................... 57 Disponível em: http://criapub.wordpress.com/2010/10/13/o-livro-de-cabeceira/
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 34 - Amplitude.......................................................................................... 58 Disponível em: http://www.samejspenser.com.br /2012_03_01_archive.h
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 35 - Contos da vovó................................................................................ 59
Disponível em: http://livrosusado.blogspot.com.br/2011/09/sou-apaixonado-por-historias-contadas.html
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 36 - Meu Livro de imagens...................................................................... 61
Disponível em: http://www.kawek.com.br/poly
Acessado em: 05/072014
Imagem 37 - A gestação (Grande Mãe)................................................................ 62 Disponível em: http://tarotantrico.com.br/tag/sabedoria-do-corpo
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 38 - Meu destino...................................................................................... 65
Disponível em: http://www.marinacolasanti.com/2013/03/para-todas-as-mocas-tecelas.html
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 39 - Iluminação........................................................................................ 66
Disponível em: http://bibliotecadafeaacs.wordpress.com /category/leitura-e-artes/
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 40 - Espaço Sagrado das transformações.............................................. 68 Disponível em: Acervo pessoal
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 41 - Uma história com carinho................................................................. 69
Disponível em: http://perfectlystupid.blogspot.com.br/2012/09/ ideias-fofas-para montar-sua-biblioteca.html
Acessado em: 30/06/2014.
Imagem 42 - Minha pérola..................................................................................... 70
Disponível em: http://patriciapinna.blogspot.com.br/p/pos-grad- mitologia.html
Acessado em: 30/06/2014.
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................................5
ABSTRACT ..............................................................................................................................6
LISTA DE IMAGENS ..............................................................................................................7
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 13
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
CAPÍTULO I: ARTETERAPIA – CAMINHO EXPRESSIVO DA ALMA..................... 17
1.1 HISTÓRICO E CONCEITO .......................................................................................... 18
1.2 MODALIDADES EXPRESSIVAS ................................................................................ 21
1.2.1 Pintura.......................................................................................................................... 22
1.2.2 Desenho ...................................................................................................................... 23
1.2.3 Modelagem ................................................................................................................. 24
1.2.4 Colagem ...................................................................................................................... 25
1.2.5 Caixa de areia (Sandplay) ....................................................................................... 26
1.2.6 Mosaico ....................................................................................................................... 28
1.2.7 Tecer, fiar e bordar ................................................................................................... 29
1.2.8 Contos - A velha arte de encantar ........................................................................ 30
1.2.9 Escrita Criativa .......................................................................................................... 32
CAPÍTULO II: PSICOLOGIA ANALÍTICA ....................................................................... 34
2.1 JUNG E A PSICOLOGIA ANALÍTICA......................................................................... 34
2.2 CONCEITOS BÁSICOS ................................................................................................ 37
2.2.1 Inconsciente pessoal ............................................................................................... 37
2.2.2 Inconsciente coletivo............................................................................................... 38
2.2.3 Arquétipos .................................................................................................................. 39
2.2.4 Símbolos ..................................................................................................................... 40
2.2.5 Persona........................................................................................................................ 41
2.2.6 Sombra ........................................................................................................................ 42
2.2.7 Anima e Animus ........................................................................................................ 43
2.2.8 Individuação ............................................................................................................... 44
2.3 ABORDAGEM JUNGUIANA NA ARTETERAPIA ..................................................... 45
CAPÍTULO III: HISTÓRIAS SAGRADAS ........................................................................ 47
3.1 NARRATIVAS ATRAVÉS DO TEMPO ....................................................................... 50
3.2 PALAVRAS SAGRADAS = ESCRITAS SAGRADAS .............................................. 52
3.3 HISTÓRIAS E O “SELF IMAGINATIVO” .................................................................... 57
CAPÍTULO IV: HISTÓRIAS SAGRADAS NO PROCESSO ARTETERAPÊUTICO 61
4.1 SETTING ARTETERAPÊUTICO ................................................................................. 63
4.2 FUNÇÃO TERAPÊUTICA DA LEITURA .................................................................... 65
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES........................................................................... 69
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 71
13
APRESENTAÇÃO
Imagem 1 - Crescimento
Disponível em: http://marpsicologia.com/category/arte-terapia/
Minha vida profissional iniciou com o curso de Bacharel em Biblioteconomia.
Uma bibliotecária sempre envolvida no trabalho técnico, em bibliotecas
especializadas. Até que um dia, minha caminhada profissional mudou: fui chamada
para trabalhar em uma escola particular com um grande acervo em Literatura
Infantojuvenil e Artes.
14
Duas excelentes contadoras de histórias dividiam o espaço mágico dos livros
com os contos de fadas e bruxas, aventuras, mitos, “causos” populares, fábulas,
poesias e expressões criativas. Percebi que, os livros e o espaço encantado que me
rodeavam queriam dizer-me algo. E, a cada registro de livros, passei a conhecê-los
melhor. Integrar a literatura no contexto do autoconhecimento, junto aos alunos, aos
professores e aos pais, uma vez que a mesma é “linguagem em movimento”
(OUAKNIN, 1996, p.143), tem sido para mim uma experiência fantástica.
Através de uma amiga, fui apresentada à Arteterapia e, imediatamente,
pensei na integração Biblioterapia – Arteterapia. A Biblioterapia busca na literatura a
fonte terapêutica e a Arteterapia utiliza técnicas e processos expressivos da arte
como recurso terapêutico. Delinear um paralelo entre Biblioterapia e Arteterapia, e
acreditar que ambas têm o mesmo objetivo, “processo expressivo como instrumento
terapêutico”, e fazer compreender o sentido do livro, da leitura e suas articulações
com a terapia, permitindo abrir as compotas internas da psique a desatar os nós da
alma, obstáculos poderosos à vida e à força criadora, com o objetivo de liberação
para o entendimento pessoal e do mundo, é muito gratificante.
Procurei a Clínica Pomar e a decisão foi imediata: fazer a Pós-Graduação em
Arteterapia. A sua proposta de conhecimento teórico e de vivências pessoais a
respeito de cada recurso utilizado e suas indicações é de extrema importância para
caminhada pessoal e profissional.
Busco nas histórias, poesias, mitologias e outros contos,uma representação
de nossas vivências, como exemplo: a contação de história pode ser utilizada como
processo expressivo para uma pessoa com deficiência visual, levando-a ao interesse
pela sua existência.
O conto As mil e uma noites, onde Sherazade contava histórias ao seu
marido o Rei Sahriyar para vencer a morte. Assim as mil histórias contadas durante
mil noites aproximou-a da vida. Vasconcellos diz que “muitas vezes, uma situação de
conflito pode ser resolvida pelo fio da narrativa.” (2009, p.113). Após vinte anos de
profissão como bibliotecária agora, pertenço, também, à Arteterapia que me
despertou para o grande entendimento do EU e do SER.
15
INTRODUÇÃO
Imagem 2 - Território das emoções
Disponível em: http://ea-solinas.tumblr.com/post/34970786951/the-book
Agora ela sabia: um livro é uma canoa. Esse era o barco que lhe faltava
em antigamente. Tivesse livros e ela faria a travessia para o outro lado do
mundo para o outro lado de si mesma.
Mia Couto
Desde tempos imemoriais, o ser humano tem narrado suas histórias como
forma de transmitir valores culturais, espirituais e morais, próprios de cada povo.
Todos nós temos necessidade de ouvir e contar histórias, não apenas como
entretenimento, mas para compreender o que elas têm para nos dizer; porque o
interessante das histórias é que elas falam; falam de nós, dos outros e de nossas
16
relações com os outros. A grandeza, a verdade, e a nobreza de uma história podem
transformar a vida de uma pessoa. São instrumentos preciosos, que colocam em
palavras aquilo que, de outra forma, estaria condenado a permanecer encerrado no
silêncio: os medos, as angústias, os enigmas, os questionamentos de todos os tipos.
Essas histórias que transformam são as Histórias Sagradas, tema
abordado neste estudo monográfico, que tem como objetivo proporcionar elementos
para reflexão sobre a utilização de histórias como recurso terapêutico. A contação de
histórias como prática em Arteterapia é um processo terapêutico que se serve de
recursos expressivos a fim de conectar os mundos internos e externos do indivíduo,
através de sua simbologia.
O presente estudo é baseado nos pressupostos do modelo bibliográfico de
pesquisa. O estudo está dividido em quatro capítulos, formalizado da seguinte forma.
O primeiro capítulo aborda a Arteterapia, conteúdo histórico e suas modalidades
expressivas. No segundo capítulo, apresenta-se a biografia do mentor da psicologia
analítica, Carl Gustav Jung, e algumas definições sobre a psicologia junguiana que
corroboram com a Arteterapia e a proposta do estudo em questão. No terceiro
capítulo, descreve-se os contos e como eles chegaram até a época contemporânea
e,sobre importância das Histórias Sagradas na vida.das pessoas. E no quarto
capítulo, as histórias consideradas sagradas no contexto terapêutico na Arteterapia e
na Biblioterapia. Finalmente, são apresentadas as Conclusões e as Recomendações
para novos estudos.
17
CAPÍTULO I
ARTETERAPIA – CAMINHO EXPRESSIVO DA ALMA
Imagem 3 - O olhar
Disponível em: http://www.donatellazaccaria.it/arteterapia-gallery.php
Todo mundo deve inventar alguma coisa, a criatividade reúne em si várias
funções psicológicas importantes para a reestruturação da psique. O que
cura, fundamentalmente, é o estímulo à criatividade.
Nise da Silveira
Este Capítulo tem por objetivo discorrer quanto ao histórico da Arteterapia e
seu potencial de intervenção terapêutica que visa promover qualidade de vida ao ser
humano por meio da utilização dos recursos artísticos e suas modalidades
expressivas.
18
1.1 HISTÓRICO E CONCEITO
Imagem 4 - Arte Rupestre
Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/parque
Há milhares de anos, os povos primitivos já se manifestavam artisticamente.
Conhecida como arte rupestre, o homem pré-histórico era capaz de se expressar
através dos desenhos que fazia nas paredes de suas cavernas. Suas pinturas
mostravam os animais e pessoas do período em que vivia, além de cenas de seu
cotidiano (caça, rituais, danças, alimentação, etc.). Para fazerem as pinturas nas
paredes de cavernas, os homens da Pré-História usavam sangue de animais, saliva,
fragmentos de rochas e argila. Expressava-se também através de suas esculturas
em madeira, osso e pedra. Na Grécia antiga (séc. V, a.C.), o santuário de Asclépio,
deus da cura, localizada em Epidauro, usava a arte como parte do tratamento de
cura, especificamente a música, dança, poesia, teatro e escultura.
Ao longo da antiguidade, as artes surgiram como forma de cada sociedade
expressar criativamente a sua percepção do mundo. Para manter a conexão do
grupo, seus ritos e mitos eram constantemente representados de várias formas, assim
como transformados segundo a evolução da época. Avançando no tempo, em
1925/27, na Suíça, a Dra. Ita Wegmann, e o Dr. Steiner e, na Alemanha, o Dr.
Husseman prescreviam a arte como parte do tratamento médico. Na década de 40,
19
nos Estados Unidos, Margareth Naumburg sistematiza a Arteterapia dando impulso
ao uso das artes no processo terapêutico, com ênfase em trabalhos corporais, tendo
em vista a emergência de um público diferenciado do pós-guerra, suprindo as práticas
convencionais existentes. Nesta época, a Arteterapia já estava sendo difundida na
Europa nos hospitais gerais.
Depois do período batizado de ‘Anos de Chumbo’, e que durou de 1964 a
1985. (...). Já era possível reunir-se em praça pública, dançar e cantar,
representar, fazer cinema, enfim fazer arte com mais liberdade. E neste
florescer coletivo, de expansão e autonomia criativa, mudanças e abertura
também chegaram ao universo clínico. Houve um desenvolvimento
significativo das chamadas ‘Terapias Expressivas’ e nestas trilhas de
abertura, brotaram as primeiras sementes de Arte Terapia, através dos
primeiros núcleos de trabalho, basicamente no Rio de Janeiro e São
Paulo, onde começou-se a estudar e aplicar a Arte em contextos
terapêuticos. Na década de noventa surgem núcleos em Goiás e Minas
Gerais, e mais recentemente observa-se uma ampla expansão desta
prática terapêutica de norte a sul do país. (...), podemos pensar em Arte
Terapia como um processo terapêutico que resgata técnicas milenares de
promoção, prevenção e expansão da saúde. (PHILIPPINI, 2008, p. 14).
No Brasil, a Dra. Nise da Silveira, médica psiquiátrica, uma das precursoras
da expressão criativa, através da arte, como modalidade terapêutica, com pacientes
psiquiátricos da Casa das Palmeiras, fundamentada nos estudos da psicologia
analítica de seu grande mestre C. C. Jung, quebrou paradigmas e transcendeu a
realidade psiquiátrica, mostrando que a sensibilidade é percebida na forma mais
sublime de expressão: a Arte. Assim o tratamento psicoterápico, através da arte, pode
ser utilizado como componente de cura, articulado ao mundo dos símbolos, ao mundo
das imagens criadas, podendo-se ver a “luz que resplandece das trevas”, sob a
riqueza do mundo da psique, a arte do inconsciente muito além da psiquiatria.
Silveira (2008, p.8) dizia que “a função do trabalho não é artístico, é
expressivo”, representando a atividade expressiva das emoções, dos conteúdos
internos. A Dra. Nise não gostava do nome terapêutica ocupacional, e quando um
cliente na Casa das Palmeiras, na oficina de trabalhos manuais, ao tocar vários
novelos de lã disse: “como é gostoso amassar. Trabalhar com tecidos é a “emoção de
20
lidar”, de forma tão espontânea, preferiu, em vez de terapêutica ocupacional, adotar
dali em diante “emoção de lidar”.
A eficácia da arte terapêutica transformou-se em Arteterapia, um modo
específico de atuar, aplicando a “Terapia através da arte”. A aplicação da
Arteterapia, como dimensão terapêutica, facilita e dinamiza a comunicação simbólica
do inconsciente, favorecendo a expressão da alma humana para a sua integração
no âmbito da consciência, possibilitando a reconstrução de situações internas num
processo de transformação psíquica mais saudável, proporcionando o
autoconhecimento e restabelecendo o equilíbrio emocional.
Jung considerava a Arte “a expressão mais pura que há para a
demonstração do inconsciente de cada um” (apud DINIZ, 2010, p. 11). Arte é a
liberdade de expressão, é sensibilidade, é criatividade, é vida, e a Arteterapia
objetiva essa concepção de forma libertadora. Sobre Arteterapia, Philippini (2008,
p.13) afirma:
Uma, dentre as inúmeras formas de descrever o que é mesmo Arte Terapia, será considerá-la como um processo terapêutico, que ocorre através da utilização de modalidades expressivas diversas. As atividades
artísticas utilizadas, configuração uma produção simbólica, concretizada em inúmeras possibilidades plásticas, diversas formas, cores, volumes, etc. Esta materialidade permite o confronto e gradualmente a atribuição de
significado às informações provenientes de níveis muito profundos da psique, que pouco a pouco serão apreendidas pela consciência.
No ateliê arteterapêutico, um “território sagrado”, conhecido também como
setting arteterapêutico, conhecendo-se a especificidade de cada material e utilizando
a técnica expressiva em sua correlação com formas psíquicas, pode-se propor ou
criar recursos que permitam atingir objetivos terapêuticos específicos, o que contribui
para uma atuação ética e criteriosa do arteterapeuta. Esse “território sagrado”,
segundo Campbell (2008, p. 45), “é um lugar, onde você simplesmente vivencia e
traz à tona o que é e o que pode ser.” O arteterapeuta tem extrema importância, já
que fundamenta sua prática e proposta no conhecimento teórico e na vivência
pessoal a respeito de cada recurso, utilizado em seu trabalho, e suas indicações.
De acordo com a American Association of Art Therapy (AATA, 2003):
Os arteterapeutas são profissionais com treinamento tanto em arte como em terapia. Têm conhecimentos sobre desenvolvimento humano, teorias psicológicas, práticas clínicas, tradições espirituais, multiculturais e
artísticas e o potencial curativo da arte. Utilizam a arte em tratamentos, avaliações e pesquisas, oferecendo consultoria a profissionais de áreas
21
afins. Arteterapeutas trabalham com pessoas de todas as idades,
indivíduos, casais, famílias, grupos e comunidades. Oferecem seus serviços individualmente e como parte de equipes profissionais em contextos que incluam saúde mental, reabilitação, escolas, instituições
sociais, empresas, ateliês e prática privada. (apud PHILIPPINI, 2008, p.13-14)
A Arteterapia com abordagem junguiana é uma prática terapêutica que
estimula o indivíduo a externalizar, através da arte, conteúdos simbólicos
armazenados em níveis profundos da psique, propiciando desbloquear impulsos
criativos através de sua decodificação, integração ou transformação, promovendo a
saúde psíquica do indivíduo.
1.2 MODALIDADES EXPRESSIVAS
Imagem 5 - Liberdade de expressão
Disponível em: http://www.laquincena.es/noticias/cultura/2012031623875/arteterapia-via-cruz-roja-
inclusion-social-personas-drogodependientes
Minha experiência ensinou-me o quanto é salutar, do ponto de vista
terapêutico, tornar conscientes as imagens que residem detrás das
emoções.
Carl Gustav Jung
22
Na Arteterapia o processo psíquico desenvolve seu dinamismo por meio de
conteúdos simbólicas. Os símbolos são partes do processo de autoconhecimento e
transformação da psique, e a Arteterapia com seus múltiplos recursos expressivos é
uma facilitadora que ajuda a decifrar os conteúdos internos da psique , ou seja, os
conteúdos internos do inconsciente trazendo para o consciente. Este estudo tem
como objetivo exemplificar algumas modalidades expressivas que a Arteterapia se
utiliza no processo terapêutico movido pelo fazer artístico.
1.2.1 Pintura
Imagem 6 - Erupção
Disponível em: http://www.camina-conmigo.com/salud/el-museo-del-hospital
A pintura utilizada na Arteterapia traz a sensação de experimentar a
liberdade, ajudando no desbloqueio interno e ativando o fluxo criativo. Diante de uma
folha em branco ou colorida, o conjunto de tintas e pincéis convida a traçar curvas,
linhas e formas e as cores escolhidas estão relacionadas com as emoções e
sensações do individuo.
O ato de pintar, durante o processo de criação em Arteterapia, vai aos poucos abrindo espaço e se expandindo tanto na superfície que está sendo pintada como na psique de quem está pintando, pois, na medida
em que a tinta flui, na superfície que esta sendo pintada, no externo; o
23
mesmo acontece no mundo interno das emoções e dos sent imentos.
(OAKLANDER apud CARRANO, 2013, p. 99)
Algumas possibilidades podem ser: pintura a dedo, pintura com o pé, pintura
com pincel, pintura com rolo, impressão com moldes, entre outras. E os materiais são
tintas: acrílica, plástica, aquarelas, artesanais, guache (têmpera), naturais (feitas de
pigmentos vegetais), tintas de tecido (apresentam boa cobertura no papel), cola
colorida e nanquins. Philippini (2009, p.45) diz, “que não é recomendável usar tinta a
óleo, devido a sua lentidão e à necessidade de solvente tóxico (a menos que o cliente
solicite e/ou tenha experiência com este material).” Prossegue com Brasil (2013, p.
136-137), onde ela enfoca que “o ato de pintar é o ato de colorir imagens de forma
alquímica [...] cores que simbolizam momentos, processos ou etapas de uma vivência
que vai das profundezas das trevas à claridade do sol [...]. [...] De qualquer forma, o
mais importante é a imagem que surge, é a expressão do inconsciente.”
1.2.2 Desenho
Imagem 7 - Ser criança
Disponível em: http://www.13anosdepois.com/2010_05_01_archive.htm
Segundo Philippini (2009, p. 49):
O desenho permite expressar histórias pessoais com clareza, apenas utilizando a configuração linear da imagem. Nas iniciações com o desenho,
24
costumo usar música para descontrair e desbloquear, priorizando o caráter
de uma experimentação lúdica. Se a aliança terapêutica for suficiente sólida, posso propor a técnica do desenho compartilhado, com a finalidade de descontrair e desbloquear o processo criativo. Os meios expressivos do
desenho são estimuladores de acontecimentos psíquicos, emergindo conteúdos simbólicos e facilitando a compreensão no nível da consciência. O arteterapeuta avalia as condições internas/emocionais do cliente pela
disposição das formas apresentadas, pela luminosidade, pelas cores e pela natureza dos motivos apresentados.
Christo (2009, p.42) cita: “Imprescindível é soltar o traço, simbolizar, ou
simplesmente deixar-se levar pelo movimento da linha angulosa ou sinuosa, grossa
ou fina, contínua ou interrompida, falando por si só.” Existe uma variedade de
técnicas, entre elas: desenho de cópia, desenho livre ou espontâneo, desenho dirigido
e desenho monocromático, e os materiais gráficos podem ser: lápis de cera, lápis de
cor, canetas hidrocores, grafite, pastel seco, pastéis a óleo e nanquim. Ao desenhar
exercitamos a criatividade, a coordenação motora, a coordenação visório-motora, a
atenção, a concentração e a organização.
1.2.3 Modelagem
Imagem 8 - Eu sou
Disponível em: http://conscienciaeusou.blogspot.com.br/2009/10/da-argila
25
“Modelar é erguer, é sair de uma única dimensão. Construir algo que sai do
papel, que anima, tem vida e se manifesta para além do horizonte.” (BRASIL, 2013,
p.138). Segundo as afirmações de Philippini (2009, p.72):
A modelagem em Arteterapia só deve ser utilizada depois de algumas experiências no plano bidimensional, salvo em situações em que o cliente já inicie o processo trazendo experiências anteriores com modelagem. Esta
preocupação deve-se ao fato que esta linguagem plástica oferece algumas dificuldades operacionais e inaugura as experiências no plano da tridimensionalidade, envolvendo desafios de organização espacial e
capacidade de formar estruturas, e mantê-las em equilíbrio, além de intensificar a experiência com o tato, evolvendo sensações de textura e relevos.
“No contato vivo, ativo e sensível com as massas, o homem ‘toca’ a sua
singularidade. Ao manipular as massas, os mundos externos e internos são
transformados e se transformam.” (CARRANO; REQUIÃO, 2013, p. 142)
Materiais para modelagem: argila, plastilina, papier mâché, durepoxi, massa
artesanal de modelagem, massa comestível, massa de biscuit, gesso, modelagem
com jornal e plástico, entre outras.
1.2.4 Colagem
Imagem 9 - No túnel do tempo
Disponível em: http://www.imaginarium.com.br/blog/2012/03
26
O trabalho com colagem é uma estratégia expressiva organizadora, pois
escolher as gravuras ou imagens, fazer o planejamento da colagem, possibilita que se
olhe para si mesmo, estabelecendo comunicações de conteúdos psíquicos internos
com o exterior. Como profere Brasil (2013, p. 90), “o ato de colar é um ato de juntar,
unir comungar partes cindidas, trazendo para perto o que estava separado. É um ato
de se apropriar daquilo que outrora partiu, se foi. Colar, então, é voltar à origem, ter
de novo ou ter diferente aquilo que já se foi.”
A colagem pode ser trabalha com diversos tipos de materiais: papéis de
diversos tipos como recortes de revistas e jornais, papeis coloridos, fotografias,
sementes, fios de lã, barbantes, tecidos, entre outros. “Pode ser utilizada no início do
processo terapêutico, quando houver a necessidade de refletir sobre um determinado
conteúdo.” (ibidem, p. 99)
Você sabe que pode ver com os seus dedos? É claro que você pode ver com os olhos, mas os seus dedos lhe contam muita coisas que os olhos não contam. Os dedos lhe dizem que as coisas são quentes ou frias, duras ou
moles, ásperas ou lisas. Todos nós gostamos de tocar as coisas. Isso nos ajuda a descobrir o mundo e como nos sentimos em relação a ele. Podemos descobrir que gostamos de tocar coisas que outras não gostam.
Isso acontece porque todo mundo é diferente. A sua arte conta o que você sente, vê e sabe. Você pode formar uma figura daquilo que sente. (D’AMICO apud OAKLANDER, 1980, p.101).
1.2.5 Caixa de areia (Sandplay)
Imagem 10 - Vida
Disponível em: http://www.psicologiasandplay.com.br/sandplay/
27
O Jogo de Areia (Sandplay) é um método terapêutico criado por Dora Kalff,
terapeuta junguiana Suíça entre 1954-1956. Na técnica da caixa de areia, crianças e
adultos podem dar voz às imagens do inconsciente através da construção de cenários
com miniaturas de todos os tipos em uma caixa preenchida com areia. A caixa deve
ter formato e dimensões específicas para que esta se mantenha dentro do espectro
de visão do paciente no momento da construção do cenário. A areia pode ser seca ou
levemente molhada e de preferência utilizar areia de praia. Miniaturas de figuras
humanas, objetos, animais, veículos, heróis, figuras fantásticas, religiosas e míticas –
e tudo mais que pertença ao mundo real ou imaginário – está disponível à livre
escolha do paciente. Segundo Andion (2010, p. 57):
O paciente ao se deparar com a coleção de miniaturas, pode viver emoções do seu reconhecimento como se certos objetos lhe apresentassem uma
lembrança, um reflexo. Os objetos de miniaturas representam simbolicamente aspectos, situações, emoções e passagem da vida do indivíduo refletidas nas construções dos cenários [...].
O terapeuta incentiva as associações do paciente, favorecendo a expressão
das imagens internas carregadas de emoções. Ele dá forma e torna reconhecíveis
conteúdos inconscientes, permitindo o diálogo do indivíduo com estes conteúdos, ou
seja, é a ligação e a relação que o paciente estabelece com a imagem e os conteúdos
internos que ele representa, pois é nesta atitude de respeito e confiança que residem
o poder transformador e curativo da técnica.
As atividades com areia trabalham a percepção e a estimulação tátil. Sua
textura fina e delicada serve como base para criação de desenhos, que poderão ser
apagados e transformados em novas linhas e traços, estimulando a criatividade,
usando apenas a ponta dos dedos ou o auxílio de algum instrumento.
Carrano e Requião (2013, p.178-179) complementam o trabalho com caixa
de areia, ressaltando o valor terapêutico e lúdico:
Colocar uma quantidade maior de areia acondicionada em uma caixa grande e pedir que a mesma seja manipulada e movimentada, em pequenas e grandes quantidades, de um lado para o outro da caixa,
formando elevações, montanhas, vales e rios. Desse movimento simples, poderá ser sugerida a construção de uma cena, com a inclusão de diversos brinquedos em miniaturas. Essas cenas ao
serem montadas ficam semelhantes a um desenho tridimensional, de grande valor terapêutico, pois eles ganham significados simbólicos e afetivos.
28
Nesse espaço de areia, os brinquedos entram e saem construindo e
transformando cenas, que podem estar representando tanto o cotidiano quanto um sonho, ou simplesmente dando asas à imaginação. [...] A caixa de areia como técnica terapêutica pode ser trabalhada com adultos
e crianças. [...] Este procedimento [...] é muito bem vindo o brincar com água e areia. Remete a bons momentos da infância [...]”
1.2.6 Mosaico
Imagem 11 - Meu sol
Disponível em: http://pierreamoudry.com/site/?p=328
A técnica do mosaico no começo parece um quebra cabeça de peças
aleatórias. Cacos vão sendo encaixados, pouco a pouco vão surgindo formas e cores,
ou seja, simbolicamente representa a desconstrução, a busca e a construção do que
vai renascer, confirmando a libertação na nova forma criada.
As experiências com mosaico nos auxiliam a organizar o mosaico interno de afetos, emoções e memórias. A atividade de reunir cacos permite partir de um caos e de uma desconstrução para, passo a passo, ressignificar,
reconstruir, atribuir um novo sentido e descobrir beleza no material quebrado, descartado, amontoados e confuso. (PHILIPPINI, 2009, p.82)
A bela arte do mosaico ajuda a desenvolver a coordenação motora, tem
ampla liberdade de criação, ocupação espacial com ou sem simetria, cujo processo
29
de produção pode ser tanto individual como compartilhado em grupo. O ato de
escolher um caquinho para ser colado em determinado lugar, seu tamanho, sua cor,
sua forma, é um ato de paciência, que exige muita calma. Cada caquinho tem sua
história e ao se juntar com os demais cacos ganha nova identidade. Ele promove a
integração dos cacos internos, enquanto procura-se colar os cacos externos, em um
suporte, formando uma imagem. O mosaico pode ser feito com azulejos, papel, E.V.A,
sucata, miçangas, sementes, entre outros. Sobre uma variedade de suportes tais
como papel, madeira, pratos de papelão, caixas, etc., em caso de materiais pesados,
como azulejos, usar um torquês e pinça.
1.2.7 Tecer, fiar e bordar
Imagem 12 - Bispo do Rosário – Tecendo para encontrar Deus
Disponível em: http://unconsciouskoine.tumblr.com/post/5908112812/arthur -bispo-do-rosario
O fio (sutra) liga este mundo e o outro mundo e todos os seres.
Upanixades
30
As atividades de tecelagem, fiação e bordado sempre puderam ser
acompanhadas pela expressão espontânea de desejos, fantasias e lembranças, de
passagem de tradições e memórias, de brincadeiras, risos e lamentos. São técnicas
expressivas por meio de fios, que possibilitam surgir conteúdos simbólicos,
materializando-se como processo de comunicação, por meio do uso das mãos e os
materiais como: agulha, tecidos, lãs, linhas, fitas, ráfia, tiras de papel, barbantes entre
outros. Tecer, fiar e bordar é poder criar, colorir, reunir, organizar, integrar, e exercitar
principalmente a paciência.
1.2.8 Contos - A velha arte de encantar
Imagem 13 - Arte milenar
Disponível em: http://colecaociranda.blogspot.com.br/2012_01_01_archive.html
Reis e rainhas, príncipes e princesas, bruxas e sapos, duendes e anões,
fadas. Ler e contar história é um ato mágico, tanto para quem conta como para quem
ouve, o poder de se transformar, de se transportar, incorporando o personagem,
vivendo emoções, viajando a lugares fantásticos e tenebrosos, lutando, sofrendo e
crescendo. O tempo e o espaço místico da narrativa, além de propiciarem o
31
autoconhecimento, despertam um clima de confiança, abrem espaço para reflexão e
para a discussão, permitindo a construção de novas histórias, cultivando a
consciência crítica e colaborando para o próprio processo de amadurecimento,
organizando o caos interno. Os contos constituem-se em recursos que podem ajudar-
nos a compreender a complexidade da alma humana, pois tratam de questões
existenciais com as quais convivemos no nosso dia a dia.
Imagem 14 - Fábula – A cigarra e a formiga.
Disponível em: http://paferreiraweb.blogspot.com.br/2012/04/ formiga
Quem conta, ao reconhecer as múltiplas possibilidades simbólicas em uma história, poderá, por meio da forma de narrar, auxiliar a quem escuta que
percebe com mais clareza um determinado aspecto da trama. Nesta forma de abordagem, poderemos utilizar fábulas que são estruturas simbólicas muito simples, como um telegrama simbólico. Podemos também utilizar os
contos de ensinamentos, que estão presentes em tradições religiosas e/ou iniciáticas e são estruturas simbólicas um pouco mais complexas. [...] os contos clássicos e os contos de fada que são de origem muito antiga [...].
(PHILIPPINI, 2012, p. 10)
32
1.2.9 - Escrita Criativa
Imagem 15 - Externar
Disponível em: http://culturanea.com.br/545/
As emoções humanas são as mesmas desde que o ser humano foi criado.
Os artistas que tentam expressar as paixões e as frustrações de sua alma através da palavra escrita são considerados poetas. Poesias e poemas nascem da necessidade de acreditar no poder de expressão das palavras.
As palavras revelam verdades [...]. As palavras revelam surpreendentes verdades vestidas de emoções e encantos, através de sua flexibilidade, sutileza e absoluta fluidez.
Para os poetas, as palavras são sopros de possibilidades, são momentos de intenso e exclusivo encontro, necessidade e salvação.” (GUTTMANN, 2011, p. 58)
“Por meio do contato com a literatura, aprendemos a ler nossas vidas e a
escrever nossas próprias histórias de vida...(o que não é fácil).” (ibidem, p. 59)
Na Arteterapia o uso da escrita criativa é uma técnica que através da palavra
escrita auxilia na vivência pessoal, propiciando que as emoções sejam sentidas e
liberadas. É um processo de cura interior amplamente usada no setting
33
arteterapêutico que, combinada com outras técnicas, pode fazer chegar a um
conteúdo simbólico, como enfatiza Philippini (2009, p. 108) “a palavra como
instrumento de produção de imagens.”
No ateliê terapêutico, o uso das palavras é como o uso de um material plástico. Moldam-se as palavras, assim como se molda a argila. É a sua
manipulação que vai permitir surgirem pequenos textos, poemas, contos e, por que não, até mesmo um romance. Muitas vezes as soluções para determinados questionamentos brotam no meio da trama que está sendo
construída. É como se o inconsciente falasse as imagens arquetípicas que precisam ser plasmadas no papel, ou seja, na consciência. (VASCONCELLOS, 2009, p.108)
A escrita converte-se como a própria vida, narração de viagem interior para
nos libertarmos das coisas, não as evitando, mas atravessando-as, buscando um
nova exploração, experiência profunda no seio de si mesmo. Segundo Philippini
(2009, p.111):
A “escrita criativa” tem uma importante função no processo arteterapêutico: escrever para compreender a si mesmo..., pois as palavras guardam em
sua essência imagens diversas, que podem surgir em associações livres, produtos da singularidade e da subjetividade de cada um. E, neste contexto, palavras são fontes geradoras, fornecem o Fio de Ariadne para a saída de
labirintos e são matéria-prima para significativas transformações psíquicas.
Assim, as imagens ditas pelas palavras surgem como o brilho de um
fogo.Um potencial que habita no fundo do inconsciente que pelo processo expressivo
clarifica o consciente. A consciência com seu maravilhamento, tocando o homem com
palavras, palavras que não se limitam a exprimir idéias e sensações, palavras que se
configuram como escritas criativas e, corroborando com Vasconcellos (2009, p. 113):
Nesse espaço em branco, o papel, podemos construir e desconstruir
castelos. Inventar pessoas e situações. Dar vazão a diferentes aspectos de nossa personalidade. E, principalmente, enxergar-nos de longe, como leitores de nós mesmos.[...] Escrever é dar oportunidade a todos os nossos
anjos e demônios. É permitir que apareçam para que possamos dialogar com eles e negociar o nosso futuro.
34
CAPÍTULO II PSICOLOGIA ANALÍTICA
O processo criador, na medida em que o podemos acompanhar, consiste
numa ativação inconsciente do arquétipo, no seu desenvolvimento e sua
tomada de forma até a realização da obra perfeita.
Carl Gustav Jung
Neste capítulo, apresentarei uma breve biografia sobre Jung e alguns
conceitos básicos da Psicologia Analítica, também conhecida como Psicologia
Junguiana, que ajudarão a elucidar este trabalho, já que o processo arteterapêutico
aqui apresentado é de base analítica.
2.1 JUNG E A PSICOLOGIA ANALÍTICA
Imagem 16 - Carl Gustav Jung (1875-1961)
Disponível em: http://www.jungparatodos.com.br/jung.ph
35
Carl Gustav Jung foi um dos maiores estudiosos da vida interior do homem e
tomou a si mesmo como matéria prima de suas descobertas. Filho de um pastor
protestante, Carl Gustav Jung, ainda pequeno, mudou-se para a cidade da Basiléia,
na época um dos maiores centros de cultura da Europa, onde realizou seus
primeiros estudos. Formou-se em medicina pela Universidade da Basiléia, no ano de
1900, iniciando a seguir sua vida profissional no hospital psiquiátrico Burgholzi, em
Zurique. Três anos depois casou-se com Emma Rauschenbach, com quem teria
cinco filhos. Em 1903, publicou sua primeira obra, "Psicologia e Patologia dos
Fenômenos ditos Ocultos", fruto de sua tese de doutoramento. Publicou nos anos
seguintes mais três trabalhos, relacionadas à descoberta dos complexos afetivos e
das significações nos sintomas das psicoses. Em 1905, tornou-se livre docente na
Universidade de Zurique. Em 1907, Jung visitou Sigmund Freud, o criador da
psicanálise, em Viena, iniciando uma estreita colaboração com o mestre, que se
mostrou impressionado com o talento do jovem discípulo. Os dois viajaram juntos
aos Estados Unidos em 1909, proferindo palestras num centro de pesquisas. Em
1910 foi fundada a "Associação Psicanalítica Internacional”, da qual Jung foi eleito
presidente. As primeiras divergências entre Jung e Freud surgiram em 1912, e logo
se tornaram inconciliáveis, havendo, então, a separação definitiva. Aos 38 anos
(1913) Jung havia cumprido largamente todas as tarefas da primeira metade da vida.
Tinha construído família; afirmara-se no campo profissional, sendo procurado por
enorme clientela que ocorria de toda Europa e da América; conquistara renome
científico mundial. Nesse mesmo ano, Jung renunciou ao título de Privat-Donzet
abandonando a carreira universitária, e rompeu, também, os laços com o grupo
psicanalítico. Passando por um período de solidão, Jung começava enfrentando sua
própria realidade psíquica, iniciando um período de ativação do inconsciente e,
segundo Silveira (2011, p. 16):
Começava um período de ativação do inconsciente, de intensas
experiências interiores, de sonhos impressionantes e mesmo de visões. Jung decidiu deixar que as imagens do inconsciente emergissem. Pareceu-lhe que a melhor solução seria esforçar-se por decifrar-lhes o sentido,
mantendo a consciência sempre vigilante e não perdendo o contato com a realidade exterior. Foi por meio da interpretação de seus sonhos e experiências internas que Jung chegou à descoberta de um centro profundo
no inconsciente, centro ordenador da vida psíquica e fonte de energia. Atento aos fenômenos que se desdobravam no íntimo de si próprio, apreendeu o fio e a significação do curso que tomava, verificando que outra
coisa não acontecia senão a busca da realização da personalidade total (processo de individuação).
36
Stein (2006, p. 14-15) cita em seu livro Jung: o mapa da alma, que “durante
um certo tempo, Jung tornou-se o seu próprio sujeito primordial de estudo e da
totalidade dessa experiência extraiu um mapa da alma humana.”
Imagem 17 - O dragão do inconsciente
Disponível em: http://ninhodogaviao.zip.net/arch2010-07-01_2010-07-31.html
Foi trabalhando as imagens do meu próprio inconsciente que iniciei meu
trajeto pessoal. Esse período durou de 1913 a 1917; depois a onda de fantasias diminuiu. Só então libertei-me da montanha mágica e pude tomar uma posição objetiva em relação às fantasias, começando a refletir sobre
elas. O primeiro problema que me propus foi: “Que fazer com o inconsciente?” em reposta nasceu a dialética do eu e o inconsciente. (JUNG apud BRASIL, 2013, p.25)
Em 1917, Jung publicou seus estudos sobre o inconsciente coletivo no livro
A Psicologia do Inconsciente e, em 1920, apresentou os conceitos de introversão e
extroversão na obra Tipos Psicológicos. A partir daí, Jung construiu as bases da
psicologia analítica, desenvolvendo a teoria dos arquétipos, incorporando
conhecimentos dos sonhos, das religiões (principalmente as orientais), da alquimia,
da mitologia, e um especial valor às histórias, sejam as narrativas míticas, os contos
37
de fada ou as fábulas. Jung explorou todos os caminhos capazes de atribuir sentido
ao homem, pois esse é o diferencial de sua psicologia.
Sua carreira materializou-se na publicação de dezenas de estudos,
trabalhos, seminários e outras obras. Já octogenário, reuniu em livro as memórias de
toda a sua vida. Carl Gustav Jung morreu aos 86 anos, como um dos mais influentes
pensadores do século XX.
2.2 CONCEITOS BÁSICOS
Para melhor entendimento da Psicologia Analítica, serão apresentados, de
forma breve, alguns de seus principais conceitos e que são pertinentes a este
trabalho.
2.2.1 Inconsciente pessoal
Imagem 18 - Centro de ação
Disponível em: http://abaara.blogspot.com.br/2012/12/imagem-e-self
38
É a camada superficial do inconsciente, formada a partir de experiências
pessoais, contendo sentimentos, percepções e recordações adquiridas
individualmente. Entretanto por inconsciente pessoal, a porção do inconsciente que
carrega todos os conteúdos das vivências e pensamentos que o indivíduo
experimentou, mas não registrou como: memórias perdidas, ideias dolorosas que são
reprimidas (esquecidas por conveniência), percepções subliminares ou percepções
sensoriais que não foram fortes o suficiente para alcançar a consciência, e finalmente,
conteúdos que ainda não amadureceram para a consciência. Segundo Silveira (2011,
p. 64), “Esses diversos elementos, embora não estejam em conexão com o ego, nem
por isso deixam de ter atuação e de influenciar os processos conscientes, podendo
provocar distúrbios tanto de natureza psíquica quanto de natureza somática.”
2.2.2 Inconsciente coletivo
Imagem 19 - Camada profunda do ser
Disponível em: http://aumagic.blogspot.com.br/2011/09/os-simbolos -e-arquetipos-de-jung.html
O inconsciente é um mundo cheio de mistérios e riquezas que merecem ser
encontrados e desvendados.
Bonaventure
39
“Corresponde às camadas mais profundas do inconsciente, aos
fundamentos estruturais da psique comuns a todos os homens.” (SILVEIRA, 2011, p.
64). É o conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhadas por
toda a humanidade. O inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes,
chamadas de Arquétipos, que cada pessoa herda de seus ancestrais. A pessoa não
se lembra das imagens de forma consciente, porém herda padrões de comportamento
da humanidade desde seu surgimento, ou seja, reagi ao mundo da forma como seus
ancestrais.
2.2.3 Arquétipos
Imagem 20 - O sonho
Disponível em: http://robertaburlamaque.blogspot.com.br/
Os conteúdos do Inconsciente Coletivo são chamados arquétipos. Os
arquétipos não apenas dão forma para a energia psíquica como também possibilitam
e organizam sua manifestação produzindo significados simbólicos que unem a
percepção sensorial externa às vivências internas, dessa forma liberando a energia
psíquica e norteando os atos de acordo com esse significado, ou seja, eles ganham
vida nas experiências concretas manifestando-se através das emoções particulares:
os sonhos, fantasias, nas projeções feitas, nos complexos, nos rituais diários.
40
A noção de arquétipos, postulando a existência de uma base psíquica
comum a todos os seres humanos, permite compreender por que em
lugares e épocas distantes aparecem temas idênticos nos contos de fada,
nos mitos, nos dogmas e ritos das religiões, nas artes, na filosofia, nas
produções do inconsciente de um modo geral – seja nos sonhos de pessoas
normais, seja em delírios de loucos. (SILVEIRA, 2011, p. 69)
2.2.4 Símbolos
Imagem 21 - Labirinto
Disponível em: http://www.ijep.com.br/index.php?sec=artigos&id=188&ref=a-saude
Sendo oriundos de estruturas arquetípicas, os símbolos representam
situações e temas típicos e recorrentes da existência humana, tal como o nascimento,
a morte, o casamento e a luta pela sobrevivência entre tantos outros e, deste modo,
possuem uma constância de temas e significados, pois o arquétipo é uma estrutura
do inconsciente. O símbolo pode realizar a mediação entre as diversas antinomias e
oposições do sujeito, materializadas em uma oposição e relação entre o consciente e
o inconsciente. Esta oposição provoca uma atividade inconsciente que se manifesta
de forma simbólica com uma função de compensação desta oposição. Assim, o
símbolo tem uma função de equilíbrio da psique como um todo. Entretanto, ele é
41
criativo, pois o símbolo que surge deste dinamismo pode conter ou ser um
fundamento que unifica os opostos. Deste modo, ele esclarece a energia inconsciente
pelo sentido consciente que lhe dá, mas lastreando a consciência através da energia
psíquica que veicula a imagem. Esta mediação apenas ocorre quando há uma atitude
participativa e receptiva por parte do indivíduo que deste modo permite a atuação da
“função transcendente” do símbolo.
2.2.5 Persona
Imagem 22 - Quem eu sou?
Disponível em: http://meditacioneskabalisticas.blogspot.com.br/
A palavra persona vem do grego e representava, originalmente, a máscara
usada pelos atores para indicar o papel que representavam. Na psicologia junguiana
o arquétipo da persona também tem uma função semelhante, dá ao indivíduo a
possibilidade de compor uma personagem que necessariamente não é ele mesmo, ou
seja, a máscara ou fachada ostentada publicamente com a intenção de provocar uma
42
impressão favorável a fim de que a sociedade o aceite. Segundo Stein (2006, p.98):
“É o rosto que usamos para o encontro com o mundo social que nos cerca”, funciona
como uma segunda pele, fornecendo uma barreira entre a pessoa e o exterior.
2.2.6 Sombra
Imagem 23 - O Medo
Disponível em: http://humanismoyconectividad.wordpress.com/2007/09/03/la-sombra-de-jung-en-las-
organizaciones/
A Sombra é o lado obscuro, o lado oculto e sombrio da nossa personalidade.
Ela acolhe as idéias, desejos, tendências, memórias e experiências reprimidas ou
ocultadas por ser incompatível com os padrões sociais ou aos padrões que impomos
à nós mesmos. Ela contém o que consideramos inferior, aquilo que negligenciamos e
aquilo que queremos ocultar ou negar. No entanto, a sombra possui também o lado
positivo, responsável pela espontaneidade, pela criatividade, pelo insigth e pela
43
emoção profunda, pois somente quando mergulharmos fundo atrás dos nossos
aspectos mais assustadores, retornamos trazendo à tona as nossas qualidades.
2.2.7 Anima e Animus
Imagem 24 - Somos
Disponível em: http://celestialspiral.blogspot.com.br/2012/05/meditation -class-
A anima é a personificação da natureza feminina do inconsciente masculino.
No homem, seu consciente é masculino, porém, seu inconsciente é de natureza
feminina, dominado pela anima. E o animus é a personificação da natureza masculina
do inconsciente feminino, sendo, na mulher, seu consciente é feminino, porém, seu
inconsciente é de natureza masculina, dominado pelo animus.
Segundo Jung (2013, p. 96): “A anima, sendo feminina, é a figura que
compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura compensatória é de caráter
masculino e pode ser designada pelo nome de animus.”
44
Jung referiu-se a anima e animus como figuras arquetípicas da psique. [...]
Animas e Animus são formas vitais básicas e somam-se a outras influências
de grande impacto sobre indivíduos e sociedades humanas. [...] Uma
estrutura psíquica que é comum a homens e mulheres. (STEIN, 2006, p.
116-117)
2.2.8 Individuação
Imagem 25 - Ser Único
Disponível em: http://www.terapiaemdia.com.br/?p=1232
Em tempo algum meditar sobre si mesmo foi uma necessidade tão
imperiosa e a única coisa certa como nesta catastrófica época contemporânea. Mas quem questiona a si mesmo se depara invariavelmente com as barreiras do inconsciente, que contém justamente
aquilo que mais importa conhecer. Carl Gustav Jung
O processo de individuação seria o processo de realização do Self (Si
Mesmo), que significa a totalidade da Consciência que abarca as esferas conscientes,
inconscientes, pessoal e coletiva, passando inicialmente pelo enfrentamento das
45
nossas sombras pessoais e coletivas, pelo reconhecimento de nossa contraparte
masculina (animus) ou feminina (anima), ou seja, pela integração das nossas
oposições e contradições internas. Através deste processo, o ser humano deixaria de
ser um ente coletivo indiferenciado e começaria a se transformar em um indivíduo
único e coeso. No final deste processo, o indivíduo se tornaria ao mesmo tempo mais
próximo deste Si Mesmo e mais em sincronia com o seu tempo.
As pessoas desenvolvem-se sob muitos aspectos ao longo de suas vidas, e
passam por múltiplas mudanças em muitos níveis. A experiência total de
integridade ao longo de uma vida – o surgimento do si-mesmo na estrutura
psicológica e na consciência – é conceituada por Jung e denominada
individuação. (STEIN, 2006, p. 153)
2.3 ABORDAGEM JUNGUIANA NA ARTETERAPIA
Imagem 26 - Meu castelo
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516085820120002
Esse mundo psíquico e arquetípico, abrangido pelas múltiplas formas da Grande Deusa, é o poder subjacente que ainda hoje governa – em parte
com os mesmos símbolos e na mesma ordem de auto-desenvolvimento, em parte através de mudanças e variações dinâmicas – a história psíquica do homem moderno.
E. Neumann
46
O homem está em um processo contínuo de transformação, assim como,
também, a sua produção de conhecimento. O homem transforma, cria, constrói e, ao
mesmo tempo, é transformado e construído por suas próprias ações. Esse processo
progressivo e contínuo está vinculado a um contexto histórico. Assim, o homem
biopsíquico-sócio caminha para a evolução e crescimento; ao longo de sua vida, vai
reunindo partes separadas de seu mundo e, aos poucos, entrando em contato com a
unidade e totalidade perdidas quando do surgimento da consciência.
Da relação consciente/inconsciente, existe uma tensão que funciona como
uma autorregulação da psique humana. A forma com que o inconsciente se comunica
com o consciente é simbólica, e na medida em que tal linguagem é compreendida,
tornando-se consciente, ocorre uma amplificação da consciência. Assim, o símbolo
torna-se mediador nesta relação, uma vez que é a melhor maneira de se expressar
algo de que não se tem consciência.
“A abordagem junguiana parte da premissa que os indivíduos, no curso
natural de suas vidas, em seus processos de autoconhecimento e transformação são
orientadas por símbolos.” (PHILIPPINI, 2008, p.17)
E a Arteterapia com abordagem junguiana, fornece a pessoa materiais
expressivos diversos e adequados para que possa ocorrer a comunicação, pela
expressão criativa, de símbolos da energia psíquica como: sentimentos, emoções,
sonhos, desejos, afetos, fantasias, conflitos, para o meio exterior, possibilitando
revelações, reconstruções e transformações. Jung “considera o valor da utilização de
técnicas expressivas como elemento propiciador do resgate do sentido de viver, pois,
por meio de imagem criada, o sujeito vê-se diante da circunstância de traduzir o
indizível em formas visíveis.” (apud URRTIGARAY, 2011, p. 25)
Assim, a Arteterapia tem o propósito de possibilitar a reflexão e análise da
prática expressiva sob o olhar profundo da Psicologia Analítica de C. G. Jung,
permitindo que o paciente expresse seu universo interno e sua visão de mundo de
forma criativa e construtiva, possibilitando viver com mais espontaneidade e harmonia
consigo mesmo e com o outro.
47
CAPÍTULO III HISTÓRIAS SAGRADAS
Imagem 27 - Histórias que aquecem a alma
Disponível em: http://viola.bz/heart-shaped-books-of-the-xvth-century/
Histórias que instruem, renovam e curam proporcionam a alimentação vital para a psique, que não pode ser obtida de nenhuma outra maneira. Histórias revelam, repetidamente, a aptidão peculiar e preciosa que os
humanos possuem para obter êxito nas tarefas mais árduas. Elas fornecem todas as instruções essenciais que precisamos para ter uma vida útil, necessária e irrestrita, uma vida significativa, uma vida que vale a pena ser
lembrada. Clarissa Pinkola Estés
48
As formas narrativas como: contar, ouvir e escrever história, possibilitam
refletir sobre as relações humanas, sobre as relações do homem com a natureza,
com o divino, sobre a vida e a morte, experiências que podem trazer um novo sabor
para o vivido. Dessa forma, as Histórias Sagradas expressam e corporificam o
simbólico, dando possibilidades para desenvolver, fortalecer e cultivar a memória,
mas, principalmente, a capacidade de representar, de forma sequencial, imagens
arquetípicas e conceituais que são a base para o processo de individuação, ou seja,
as histórias como os contos, os mitos, as fábulas, as lendas, as parábolas, histórias
dos nossos ancestrais, histórias que escrevemos como num diálogo interior, têm o
poder de guardar e transmitir imagens arquetípicas valiosas, conteúdos psíquicos do
ser humano, sendo capazes de promover o desenvolvimento e a cura, pois são
dotadas de força e poder para criar o novo, reconstruir os conteúdos danificados e
restabelecer o equilíbrio. Estão, também, metaforicamente, descritas nelas todas as
fases da vida, desde a infância até a fase madura, aliando aspectos da inocência
infantil à profunda apreciação psicológica da velhice, congregando o princípio e o fim
da existência humana a fim de facilitar os momentos de transição e contribuir para o
processo de individuação, algo que vai se desenvolvendo infinitamente do início ao
fim da vida. Portanto, as Histórias Sagradas estão presentes na vida de cada pessoa,
num movimento interno e dinâmico. Corroborando com Simpkinson (2002, p. 11):
As histórias sagradas nos tocam, fazendo-nos pensar sobre o que é
importante; elas comunicam por meio de símbolos e metáforas verdades profundas sobre os mistérios da vida. [...] elas carregam uma energia – uma verdade, uma lição, um insight, uma emoção – que pode penetrar em nosso
ser e conectar-nos com o passado distante e com forças primitivas poderosas.
“Se a linguagem dos símbolos é a língua materna da vida criativa, então as
histórias são o seu veio principal.” (ESTÉS, 2005, p. 18). Para Yunes “os contadores
de histórias não apenas rememoram os relatos ancestrais, mas promovem autores e
obras contemporâneas, além de clássicos universais e causos regionais.” (apud
GREGÓRIO FILHO, 2011, p. 84)
“A razão para que existe tanto poder em contar histórias é porque a vida é
melhor entendida e tem significado quando a consideramos como uma história
contínua. Na verdade, não existe nenhum jeito de viver a vida sem uma história.”
(MITCHELL apud GUTFREIND, 2010, p.197)
49
Imagem 28 - Ritual de entrega
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/album/2012/11/12/indianos-celebram-o-diwali-o-festival-das-
luzes.htm
No círculo que move e remove reminiscências, temos a configuração de um ritual de entrega, de encontro além da palavra: com os outros, com
diferentes culturas e tradições, com o mistério. L. Ostetto
As culturas ancestrais nos fornecem valiosas lições de como empreender o
caminho em direção ao sagrado em nossas vidas, pois nos seus rituais de cura e
aprendizado encontramos a participação da arte e das suas histórias. O encontro com
as histórias requer um ambiente acolhedor onde nossa imaginação possa fluir numa
viagem profunda e mesmo mágica. Segundo Mellon (2006, p. 24) assim deve ser
iniciado o ritual:
Sente-se em silêncio diante de uma chama viva. Pense cuidadosamente no
calor da história: os longos anos de intempéries que nutriram a árvore que
queima na lareira; os imensos vôos circulares das abelhas que fizeram a
cera da vela; a pequena faísca que gerou a iluminação que agora está
diante de você. Deixe que a história da luz exterior o conduza até o seu
interior, para que você possa sentir a história de luz e calor que todos
carregamos dentro de nós.
50
3.1 NARRATIVAS ATRAVÉS DO TEMPO
Imagem 29 - O encontro
Disponível em: http://compartilhandonoblog.blogspot.com.br/2013_03_01_
Contar histórias é acender uma fogueira em seu coração para que a
sabedoria e a imaginação possam transformar sua vida.
Nancy Mellon
Era uma vez... uma história. E outra. E mais outra. A arte de narrar histórias
encontra suas raízes nos povos ancestrais que contavam e encenavam histórias para
difundirem seus rituais, os mitos, os conhecimentos acerca do mundo e sobre as
experiências adquiridas pelo grupo ao longo do tempo.
O homem sempre esteve ao lado de suas histórias, além da comunicação
oral e gestual, ao narrarem suas histórias, também, registravam nas paredes das
cavernas, com desenhos e pinturas, suas experiências, algumas delas vividas no
cotidiano. Segundo Estés (2005, p. 18): “As histórias têm sido interpretadas desde
tempos imemoriais.”
51
A memória auditiva e a visual eram, então, essenciais para aquisição e
armazenamento dos conhecimentos transmitidos. Desde há muito, a transmissão oral,
passada de geração em geração, foi uma das soluções encontradas pelas
comunidades que não possuíam a escrita, para informar às gerações mais novas os
seus saberes, valores e crenças, ou seja, esses saberes considerados
imprescindíveis para a sobrevivência individual e grupal mantinha viva a herança
cultural e a memória do grupo.
Momentos performáticos aconteciam quando os contadores, na Idade
Média, narravam suas histórias. Eles eram os camponeses que fixos em suas terras,
conheciam intimamente as histórias do lugar onde moravam; havia também os
navegantes e os comerciantes que traziam conhecimentos e histórias de terras
longínquas. Eram histórias cheias de ensinamentos e conhecimentos que geravam
nos ouvintes a curiosidade e, por vezes, o conforto, a reflexão e a transformação.
Eram momentos em que a comunidade, geralmente distribuída em semicírculos,
sentava-se à volta da fogueira para ouvir e trocar conhecimentos.
As histórias ritualizavam hábitos e costumes de uma comunidade, com o
intuito de constituir uma base para identificação sólida, ou seja, compor a
subjetividade desse grupo. Esta prática sustentava o equilíbrio, evitando, assim, a
desagregação da comunidade. A figura do contador de história esteve, também,
ligada às mulheres que, durante seus trabalhos domésticos, teciam suas histórias, em
momentos onde podiam falar e transmitir sua sabedoria.
Ao passar do tempo, gradativamente, a oralidade das histórias foi sendo
abandonada, em consequência da urbanização e o advento da imprensa, os livros e
jornais tornaram-se os grandes agentes culturais dos povos. O surgimento, também,
de novas tecnologias como a televisão, o cinema e a internet, a arte da contação de
histórias foi praticamente banida dos encontros sociais.
Os contadores de histórias passaram a ser esquecidos, embora muitas das
histórias que sustentavam sua prática ainda permaneceram em cada cultura, sob a
modalidade escrita. Mas não se pode esquecer que a oralidade foi por quase a
totalidade da história humana a principal atividade intelectual utilizada para o
processo de construção do pensamento.
Em oposição a modernidade, essa nova forma de vida social, na qual
técnicas de uma industrialização sofisticada, começaram a se tornar comum e
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doentia, com um olhar social cuja solidão e o individualismo traduz seu tema principal,
resgatando fortemente a volta da arte do contador de história tradicional, como fonte
restauradora para uma sociedade onde suas lembranças ancestrais clamam por
liberdade.
3.2 PALAVRAS SAGRADAS = ESCRITAS SAGRADAS
Imagem 30 - Teia da vida
Disponível em: http://estou-a-amar.blogspot.com.br/2014/06/na-teia-do-amor.html
É preciso atentar para o fato de que histórias são tramas que se tecem com palavras. Como a aranha que tece sua teia para capturar insetos que possam alimentá-la, as histórias capturam a nós, leitores, que muitas vezes
não conseguimos nem mesmo tirar o olho do papel e devoramos, palavra por palavra, o texto que foi previamente tecido. Ele passa a ser o nosso alimento, a nossa salvação.
Marcya Vasconcellos
Tecendo as palavras sagradas, no conto As mil e uma noites, onde o
Sultão Shariar após ter sido traído pela esposa com um mouro, ordenou a execução
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de sua esposa por infidelidade. Tomado pelo ódio e desconfiança contra as mulheres,
o Sultão para evitar nova traição, “[...] decidiu que casaria cada noite com uma mulher
que seria morta ao alvorecer do dia seguinte.” (GULLAR, 2010, p.12)
Após algum tempo de muitas crueldades com as mulheres do reino,
Scherazade, filha do grão-vizir, temendo pelo fim da sociedade em que vivia, urdiu
uma estratégia para que tal calamidade não continuasse e implorou ao pai que a
oferecesse como a próxima noiva. Relutante, o grão-vizir acabou cedendo à tenaz
insistência da bela moça. Desolado, entrego-a ao sultão para o sacrifício. Logo após
entrar nos aposentos reais, a jovem caiu em prantos implorando a Shariar que
permitisse a presença de sua irmã mais nova, pois eram inseparáveis e essa era uma
noite de despedida. Ele permitiu que Dinazarde entrasse e, após deflorar Scherazade,
dormiram. Uma hora antes da alvorada, a caçula acordou a irmã para ouvir uma de
suas maravilhosas histórias. Essa era a oportunidade ansiada por Scherazade para
cativar o sultão e assumir o controle da situação. Após implorar permissão para
atender ao pedido da irmã, a título de último desejo, empenhou todas as suas
habilidades narrativas. Calculou que a empolgante história ainda estivesse inconclusa
ao amanhecer, sendo essa a trama que a levou ser poupada por mais uma, duas,
cem, mil, mil e uma noites. E assim, com sua habilidade de contar histórias, o Sultão
encantou-se com ela que lhe enchia as noites de prazer, emoção e fascínio,
reconhecendo também a coragem com que ela desafiara a morte, abrandando o
coração do Sultão e apagando nele a cólera contra as mulheres.
Corroborando com Vasconcellos (2009, p.112) :
As palavras da salvação, como histórias contadas por Sherazade ao seu marido, Rei chamado Sahriyar, onde o ritual de contar histórias por mil e
uma noites transcende a morte, ou seja, a salvação acontece por que as histórias afastam a morte, já que as histórias são sinônimo de vida.
E assim, o conto As mil e uma noites, com o encanto, a força e a magia das
palavras tece narrativas com o poder de desencadear um processo de transformação,
curando um coração ferido, como afirma Bernardo (2011, p.195): “é uma cura
psíquica que ocorre através do campo simbólico (contos), viabilizada pelo vínculo do
coração, similar à cura realizada pelos povos ancestrais.” De acordo com Meneses, a
transformação acontece quando:
54
Scherazade apresenta a Schariar o nível mítico, apresenta-lhe à
consciência conflitos que o traumatizaram, bloqueando sua capacidade afetiva, de tal maneira que ele possa lidar com eles. É por isso que ela não expurga de suas narrativas as histórias de adultérios e traições femininas,
não omite casos em que as mulheres enganam a seus maridos; ela não faz ao rei uma narrativa “ad usum delphini”, é notável a ausência de censura moral em suas histórias. Trata-se aqui, como na Psicanálise e (e na cura
xamanística), de propiciar uma transformação interior, consistindo numa reorganização estrutural da personalidade: trata-se de recuperar a
capacidade amorosa do Sultão. (apud BERNARDO, 2011, p. 196)
Imagem 31 - As mil e uma noites
Disponível em: http://labirintodominotauro.com/2010/02/09/conto-o-mercador
A manifestação da palavra pode ser comunicação verbal, escrita,
representação gráfica por desenhos ou figuras geométricas. Relembrado, na idade da
pedra, a escrita era feita pelos desenhos, trazendo o simbolismo da vida da era
primitiva.
Na cultura oriental, a escrita árabe é como uma arte. A caligrafia árabe foi
considerada, para o Islã, como uma arte estética de grande importância, tornando-se
sagrada, pois reflete o espírito da civilização árabe-islâmica. Ao formar os caracteres
da escrita, a caligrafia provou que as letras podiam se transformar em um instrumento
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dócil capaz de fazer resplandecer a beleza extrema da delicadeza dos caracteres
árabes. Em pouco tempo a caligrafia árabe progrediu e se tornou um meio de
ornamentação.
Imagem 32 - O Signo se faz imagem – fundamento da vida
Disponível em: http://www.hottopos.com/mirand3/apalavra.htm
O filme O Livro de Cabeceira, conta a história de Nagiko, uma mulher
apaixonada pela caligrafia ideográfica oriental, que obtém prazer escrevendo sobre os
corpos dos seus amantes. Nagiko, filha de um calígrafo e escritor japonês de Kyoto,
aprendeu a amar a caligrafia com o pai que, até os seus 18 anos, festejava os seus
aniversários escrevendo versos sobre a criação do homem por Deus no seu rosto e
nas costas de Nagiko. O filme também mostra o poder sensual da escrita, jogando
com as palavras e as imagens a sensualidade dramática ritualística. O simbolismo da
escrita caracteriza em fazer de sua pele papel à escrita dos amantes, tornando-se
uma escritora na tez dos amados, trazendo o profundo da psique dissolvido nas
escritas.
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Imagem 33 - Livro humano
Disponível em: http://criapub.wordpress.com/2010/10/13/o-livro-de-cabeceira/
O livro A menina que roubava livros, conta a história de Liesel, uma
menina que transforma o coração e a vida das pessoas que estão à sua volta durante
a segunda guerra mundial na Alemanha.
O primeiro livro cruza seu caminho em momento de extrema dor, durante o
breve enterro de seu irmão caçula. Ainda sem compreensão sobre a leitura, ela
percebe quando o coveiro deixa o livro “O manual do coveiro” cair na neve. Liesel
atribui um sentido ao objeto, que se revela como único vínculo com a sua família.
Órfã, ela é incentivada a ler por seu padrasto e desenvolve uma atração profunda
pelos livros. Suas histórias e o amor que sentia pelas pessoas davam sentido à sua
existência. Os livros, a partir de então, passam a ser grandes companheiros que
inspiram sua imaginação, suas amizades e seu contato com dores profundas. Quando
seus pais adotivos acolhem Max, um judeu fugitivo, Liesel fica amiga do rapaz e os
livros, suas palavras e histórias, passam a fazer parte de sua profunda conexão e
cumplicidade. É quando ela descobre o poder das palavras também para consolar,
estimular e amar.
Outro ponto relevante, e de extrema importância na trama, é o presente que
Liesel recebe de seu amigo Max, um livro/diário, no qual ela descreve tudo o que
vivencia. É também na escrita que a menina encontra vazão para seus sofrimentos, o
luto não vivido do irmão, a perda da mãe e de outros acontecidos. Por meio dos livros
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com suas histórias, as palavras e a escrita ela consegue sublimar todo esse
sofrimento, tecendo a sua história de vida.
3.3 HISTÓRIAS E O “SELF IMAGINATIVO”
Imagem 34 - Amplitude
Disponível em: http://www.samejspenser.com.br/2012_03_01_archive.html
Tudo que acontece ao nosso redor, desde a primeira infância, fica registrado
em nosso inconsciente. Isto significa que tudo aquilo que se vê, ouve e sente influi no
desenvolvimento e amadurecimento das pessoas. E ouvindo e lendo histórias pode-
se também sentir emoções importantes como: a tristeza, a raiva, a irritação, o medo, a
alegria, a segurança, e tantas outras mais, e viver profundamente isso tudo que as
narrativas provocam e suscitam em quem as ouve ou quem as lê, com toda a
amplitude, significância e verdade que cada uma delas faz brotar. É poder pensar,
duvidar, perguntar, questionar. É sentir-se inquieto, cutucado, remexido, querendo
saber mais e melhor ou percebendo que se pode mudar de idéia. É ter vontade de
reler ou deixar de lado. É ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas,
e encontrar muitas idéias para solucionar questões. É estimular a criatividade para
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desenhar, para musicar, para teatralizar, para brincar, afinal tudo pode nascer de uma
história.
Ah! as histórias que dona Joana, a avó paterna, contava... E como contava,
em seu português enrolado! Ouvi muitas histórias contadas por minha avó paterna. Dona Joana era uma libanesa pequenina, pobre, sofrida, comum, talvez mais feia do que bonita, que mal sabia falar o português, mas que
sabia contar histórias. Ela crescia, ficava bela, incomum, quando contava as suas histórias. A fala diferente era um recurso a mais que, ligada aos gestos, ganhava mais expressividade. Contar era reviver e despertar amor à
terra distante. Era oferecer aos netos um tapete voador capaz de levá-los a árduos desertos ou a castelos aveludados, coloridos e luxuosos. Era conviver com personagens incomuns, reis e princesas apaixonados, Ali -
Babá e os quarentas ladrões, Aladim, heróis ou guerreiros, bons ou vingativos. Era abrir o imaginário com uma única palavra de ordem: abracadabra. Ela nunca foi alfabetizada nem em sua terra nem aqui, mas
como sabia encantar. Contava com gestos e caras, a modulação da voz segundo a ação ou os personagens. Aquelas histórias faz iam a gente voar até o Líbano, nosso paraíso preferido. (JOSÉ, 2007, p.50-51).
Imagem 35 - Contos da vovó
Disponível em: http://livrosusado.blogspot.com.br/2011/09/sou-apaixonado-por-historias-contadas.html
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Histórias enriquecem a vida. Histórias nos transformam e nos aproximam
mais dos outros. Histórias nos alimentam, principalmente com seus simbolismos,
oferecendo-nos ferramentas necessárias para a imaginação, ativando o “self
imaginativo” (SIMPKINSON, 2002, p. 149):
Ao lhe perguntarem de onde vêm suas histórias, uma criança disse:
“Quando invento uma história, ela vem do canto de meu olho”. Talvez seja assim que todos nós descobrimos nossas histórias – ampliando nosso self imaginativo pelo canto de nossos olhos. É esse tipo de jogo com a
imaginação que inevitavelmente leva ao sentido do “desconhecido”, às imagens e pensamentos que ainda não visualizamos plenamente.
Sobre percepção imaginativa, Estés (2005, p.17-18), traduz maravilhosamente
o desenvolvimento da imaginação ao longo da vida:
Ainda que com o tempo nos distanciemos da forma concretista de pensar, à medida que envelhecemos, sempre conservamos o pensamento simbólico.
E é o pensamento simbólico - a capacidade de imaginar níveis de significação ligados a um único motivo ou idéia – que nos permite inventar, inovar e produzir idéias originais, com resultados muitas vezes
surpreendentes. Se a linguagem dos símbolos é a língua materna da vida criativa, então as histórias são o seu veio principal.
Ouvir, ler e contar histórias é, portanto, como sonhar acordado, como
transitar livremente entre o consciente e o inconsciente, por isso as histórias vão
traçando linhas imaginárias e muito significativas, cheias de simbologias pessoais e
intransferíveis entre o que pensa/sente o protagonista e entre o que sente/pensa o
ouvinte, porque a alma compreende melhor a linguagem da imaginação e precisa
voar para além das convenções e da objetividade da rotina humana e como diz
Medeiros (2008, p. 34) “a criatividade age como adubo necessário para o crescimento
pessoal.”
De acordo com Simpkinson (2002, p. 47), Bateson, em seu artigo História
de uma vida, afirma “os benefícios de uma pessoa preparar uma narrativa pessoal de
sua história de vida [...]” com capacidade de criar e recriar de uma forma que permite
pensar e agir com mais clareza e criatividade, compondo de leveza as mudanças
imprevistas, e a capacidade que temos de interpretar nossas histórias pessoais com
flexibilidade e veemência, ‘pois viver a vida pode ser um processo criativo.”
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Estou me referindo às histórias que você cria sobre sua vida, as histórias
que você conta primeiro para si mesmo e depois para os outros, as histórias
que você usa como uma lente para interpretar a experiência à medida que
ela surge. O que quero dizer é que você pode compor inúmeras versões da
história de uma vida e brincar com isso. (BATESON apud SIMPKINSON,
2002, p. 47)
Viver as experiências interiores, as imagens, e deixar que elas vivam em
nós, abrindo espaço para a grande aventura de ser, mobilizando a imaginação com
um estilo criativo, como algo poderoso dentro de si mesmo. E, cada vez que narramos
nossas histórias, estamos confirmando a fertilidade e a importância do nosso self
imaginativo.
Imagem 36 - Meu livro de imagens
Disponível em: http://www.kawek.com.br/poly
61
CAPÍTULO IV
HISTÓRIAS SAGRADAS NO PROCESSO ARTETERAPÊUTICO
Imagem 37 - A gestação (Grande Mãe)
Disponível em: http://tarotantrico.com.br/tag/sabedoria-do-corpo
Sua historia é uma “criança” do universo em gestação. Isso irá ajudar você a receber essa dádiva, que agora se desenvolverá de acordo com as próprias leis. Algumas histórias serão abortadas, mas podem retornar mais
fortes algum tempo depois, com suas forças vitais intactas e funcionando de forma satisfatória. Você atuará como a parteira e o marido de sua própria história, ajudando-a a vir para fora e se tornar conhecida.
Nancy Mellon
Os motivos que levaram os nossos antepassados a iniciar essa “espécie de
ocupação espiritual essencial” (Von Franz, 2008, p.12) permanecem vivos na alma de
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contadores de história e demais profissionais que se utilizam da linguagem simbólica
e do encantamento das histórias.
Ainda que não registremos mais em paredes de cavernas o nosso dia a dia
ou que quase nunca possamos estar ao redor do fogo para ouvir histórias fabulosas
de seres inimagináveis e ao mesmo tempo tão reais a cada um de nós,as histórias
sempre fizeram parte do cotidiano humano, ou seja, todos nós diariamente temos algo
a dizer ou a informar e, para isso, geralmente usamos histórias para melhor ilustrar o
que sentimos, vivemos ou passamos.
A psicologia junguiana descreve que os contos de fadas, especificamente,
agem como representação simbólica viáveis para se solucionar problemas, que os
contos de fada apresentam dilemas humanos e permitem a quem os ouve ou mesmo
lê, através da identificação com os personagens dessas histórias, imaginar caminhos
para diminuir/eliminar seus conflitos.
Em geral, as histórias, ajudam na confrontação de problemas e na busca por
suas respectivas soluções, pois a fantasia é o nosso combustível interno e, desde o
nascimento, para que possamos sobreviver psiquicamente, criamos fantasias para
dominar nossas angústias. “Que as histórias possam evocar tudo isso na mente dos
ouvintes já é razão bastante para compreendê-las como forças renovadoras.”
(ESTÉS, 2005, p, 17).
Assim, a semelhança entre os contos literários (com enredos, tramas,
dramas, desfechos, superação de obstáculos, personagens envolvidos com
sentimentos de raiva, amor...) em diálogo com as narrativas humanas, atua como
facilitadora na ressignificação dos próprios conteúdos individuais, e como atividade de
construção prática, sendo possível partir da escuta da história para a atividade
espontânea da verbalização, e para a transformação da fala em história escrita, uma
atividade elaborada com recursos arteterapêuticos através da pintura, da modelagem,
representação com fantoches, do desenho e da própria escrita criativa e, para que o
efeito da história seja benéfico, é importante compreender o lugar de cada história,
selecionar as histórias contadas com o fio da seleção terapêutica, para que a partir da
identificação com o tema, surta a possibilidade de reflexão e mudança, devolvendo ao
homem a capacidade de autonomia, de potencialidade, de consciência de seus
recursos e limites e finalmente na descoberta de si e do outro.
63
4.1 SETTING ARTETERAPÊUTICO
Conhecer e trabalhar arteterapeuticamente os contos é fundamental. Como
afirma Philippini (2009, p.118):
O universo dos contos é uma das inúmeras correlações que podemos lançar mão para o entendimento do psiquismo humano. [...] na abordagem
junguiana (Psicologia Analítica) em Arteterapia, vamos buscar nas fontes simbólicas, como Alquimia, Tradições Religiosas, Mitologia e Contos, recursos para o entendimento de aspectos gerais da estruturação psíquicas.
A inclusão dos contos como instrumento de valor terapêutico, entre outras variáveis, deve-se ao fato de representarem em suas narrativas fenômenos universais, e por terem como fonte o inconsciente coletivo, apresentando
evidências de uma memória humana ancestral, o que vai facilitar a compreensão da trajetória de aperfeiçoamento, evolução e individuação humana.
Citando Philippini (apud MAINARDI, 2012, p.46), no setting arteterapêutico:
Complementar a contação de uma história com o oferecimento de materiais expressivos, faz com que a comunicação de conteúdos simbólicos por meio
das produções plasmadas plasticamente, abra trilhas para que as imagens míticas e arquetípicas apareçam, contribuindo para que o processo arteterapêutico flua com mais facilidade.
As histórias são valiosas para as crianças, para adultos, adolescentes e
pessoas da terceira idade, pois cada um irá retirar do conto aquilo de que necessita
em determinado momento de sua vida, como as tecelãs, que tecem os fios como
quem tece uma nova vida.
Somos tecelãs do fio da vida, e o simbolismo de tecer segundo Chevalier e
Gheerbrant (2009, p. 872) é:
Tecido, fio, tear, instrumentos que servem para fiar ou tecer (fuso, roca) são todos eles símbolos do destino. Servem para designar tudo o que rege ou intervém no nosso destino: a lua tece os destinos; a aranha tecendo sua
teia é a imagem das forças que tecem nossos destinos. As Moiras são fiandeiras, atam o destino, são divindades lunares. Tecer é criar novas formas.
A Tecelã é uma imagem arquetípica frequentemente representada na arte e
na literatura, especialmente nos contos de fadas e mitos, através de figuras femininas
– deusas, fadas, mulheres. Sendo assim, podemos criar infinitas oficinas
64
arteterapêuticas. Trabalhar com os fios, tecendo e (re)organizando nossos desejos,
colocando na talagarça as nossas angústias, nossos dissabores, nossas alegrias,
satisfações, sonhos e realidades. Rabello (2014, p. 28) diz que “Tecer a vida é uma
arte de poder ter novos olhares frente a antigos problemas, ter novas posturas frente
a antigas atitudes.”
Existem vários contos que trazem o ato de tecer, sendo possível trabalhar no
setting arteterapêutico: A moça tecelã, de Marina Colasanti; A infinita fiandeira, de
Mia Couto; O quadro de pano, de Jette Bonaventure e As três fiandeiras ou parcas
ou moiras, conto mitológico.
A arte, a Ateterapia, a aranha, a jovem tecelã, o quadro de pano, e as
moiras têm muito em comum: falam do tecer, e estas metáforas podem ser trazidas em oficinas, para que as mulheres comecem a perceber que podem tecer de diferentes maneiras as suas vidas. Tecemos a nossa vida
com os fios que nos são dados, e vamos desta forma tecendo relações, unindo e ou afastando pessoas, criando configurações diferentes em cada etapa de nossa vida. A Arteterapia trabalha com as diferentes situações da
nossa vida, recriando e reconfigurando, trazendo de volta a autoestima, favorecendo o autoconhecimento. Trabalhar com os fios, e com as mulheres, faz da Arteterapia uma nova possibilidade de ajudar a cada mulher a tecer a sua vida, com novos olhares, novos fios, usando novas
cores (ibidem, p.28).
Imagem 38 - Meu destino
Disponível em: http://www.marinacolasanti.com/2013/03/para-todas-as-mocas-tecelas.html
65
4.2 FUNÇÃO TERAPÊUTICA DA LEITURA
Imagem 39 - Iluminação
Disponível em: http://bibliotecadafeaacs.wordpress.com/category/leitura-e-artes/
Contos de fadas são mais do que verdade.Não porque eles nos dizem que
dragões existem, mas porque eles nos dizem que dragões podem ser derrotados.
Neil Gaiman
O que é uma leitura?
Alem do “prazer do texto”, a leitura oferece ao leitor, por identificação [...],
uma segurança emocional, uma alternativa à realidade, uma catarse dos conflitos e da agressividade, uma segurança espiritual, um sentimento de pertencimento, a abertura a outras culturas, sentimentos de amor, o
engajamento na ação, valores individuais e pessoais, a superação das dificuldades etc. [...] de reparação, de qualificação, de auto-afirmação, de confirmação, de glorificação, de projeção no futuro, de projeção no passado,
de sublimação, de exploração, de identificação, de educação, de desidentificação, de despersonalização, de criação ou, simplesmente e antes de tudo, de jogo, ou seja, a entrada no domínio daquilo que vive... A
leitura também pode ser um evento público: homens, mulheres e crianças se reúnem para ouvir um contador, um narrador, ou para seguir um grupo de leitura, cada um com seu livro, trocando impressões e comentários.
Encontro em torno do livro para ouvir mitos e lendas, palavras fundadoras de uma identidade coletiva ou individual. (OUAKNIN, 1996. p.18)
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A Biblioterapia é uma novidade? Claro que não! “Quanto mais longe
remontarmos na história, mais encontraremos esta intuição da virtude terapêutica do
livro e da narrativa.” (OUAKNIN, 1996, p.27). O termo Biblioterapia é derivado do
grego “Biblion”, que designa todo tipo de material bibliográfico ou leitura e
“Therapein” significa tratamento, cura ou restabelecimento.
A Biblioterapia é definida então, pela união de livros e tratamento, recurso
muito utilizado pelas antigas civilizações egípcias, grega e romana que
consideravam suas bibliotecas um espaço sagrado, cuja leitura possibilitaria um
alívio das enfermidades e, assim, a medicina e literatura sempre foram parceiros no
cuidado com o ser na antiguidade.
A partir do século XIX as práticas biblioterapêuticas começaram a ser
desenvolvidas, inicialmente nos Estados Unidos da América (USA), em hospitais
como coadjuvante no processo de recuperação do doente. Podendo estender-se a
creches, escolas, orfanatos, prisões, casas de repouso, asilos, hospitais
psiquiátricos, centros comunitários e pessoas com deficiência visual, sendo
direcionada a todas as pessoas e faixas etárias, com a intenção de auxiliar na
solução de problemas pessoais/emocionais.
Pode-se dizer que a leitura cura a alma, a leitura cuida do ser. Por meio de
um livro, com o devido cuidado, pode-se estimular as esperanças e ampliar
horizontes. Segundo Caldin (2010, p. 47):
cabe lembrar que os aplicadores da biblioterapia recorrerem às leitura, no entanto, não apenas como um exercício de entretenimento e comunicação,
mas acima de tudo, como um exercício terapêutico. A narração e a dramatização de histórias, filmes, vídeos, música, jogos e brincadeiras fazem parte também do contexto biblioterapêutico, pois o ludismo que
acompanha o texto literário tem ação terapêutica.
E Ouaknin (1996, p.14), com suas palavras poéticas, conclui o ser terapeuta:
O terapeuta cuida desse sopro que dá forma ao corpo. Curar alguém é fazê-lo respirar: “dar espaço ao sopro” e observar todas as tensões, bloqueios e travas que impedem a livre circulação do sopro, isto é, o desabrochar da
alma em um corpo. O papel do terapeuta será o de “desatar” esses nós da alma, esses entraves à vida e a inteligência criadora no corpo animado do homem. [...] Para os terapeutas formados na escola do texto hebraico, o
“ser humano vivo” é um “corpo falante”. O “sopro da vida” passa pelo “sopro da palavra”. O terapeuta cuida da palavra que anima e informa o corpo. Curar alguém é fazer falar e observar todos os obstáculos a essa palavra no
corpo. A palavra é o sopro da vida do homem...
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Imagem 40 - Espaço sagrado das transformações
Acervo pessoal
Nas palavras de Proxton (apud OUAKNIN, 1996, p. 11) existem vários tipos
de livros e, entre eles os especiais:
Há bons livros, livros quaisquer e livros ruins. Entre os bons, há os que são honestos, inspiradores, emocionantes, proféticos, edificantes. Mas na minha
língua há outra categoria, a dos livros-ha! Os livros-ha! são aqueles que determinam, na consciência do leitor, uma mudança profunda. Eles dilatam a sua sensibilidade de tal maneira que ele
se põe a olhar mais familiares como se os observasse pela primeira vez. Os livros-ha! galvanizam. Atingem o centro nervoso do ser, e o leitor recebe um choque quase físico. Um arrepio de excitação percorre-o da cabeça aos
pés.
Dentro da biblioteca escolar, a bibliotecária exerce um papel fundamental
para que haja a mediação da informação. Ela é a propulsora, o elemento que serve
como ponte para que a informação adequada chegue ao usuário. Ela é vista como
uma gerente, aquela que planeja, organiza, dirige, coordena e avalia a informação.
Portanto, a bibliotecária pode incentivar o gosto pela leitura além de organizar a
informação, proporcionando o alento através da Biblioterapia que está
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fundamentalmente vinculada ao livro. Neste sentido, forma-se um elo entre o que é
disponibilizado na biblioteca de acervo literário e a vontade cada vez maior de ler.
Sendo bibliotecária e trabalhando numa biblioteca escolar, posso observar a
cada dia que a terapia através dos livros e suas histórias, Biblioterapia, e terapia
através da arte, Arteterapia, colaboram para um efetivo trabalho de transformação e
harmonia do ser. Meu público é infantojuvenil, mas também atendo professores e
pais, percebendo que sempre todos priorizam suas buscas subjetivas, afetivas,
emocionais e as histórias podem ser de grande ajuda.
Imagem 41- Uma história com carinho
Disponível em: http://perfectlystupid.blogspot.com.br/2012/09/ideias-fofas-para-montar-sua-biblioteca.html
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CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Imagem 42 - Minha pérola
Disponível em: http://patriciapinna.blogspot.com.br/p/pos-grad-mitologia.html
Na simplicidade dos livros se oculta um tesouro que vai vertendo suas
pérolas ao entrar em alquimia com o leitor.
Suzana Delmanto
Contam-se histórias lidas ou ouvidas livremente, contam-se histórias escritas
em tempos remotos, as histórias dos nossos antepassados. Contar história é coisa
tão antiga quanto o homem. “Dizem que os homens nasceram contando histórias.”
(JOSÉ, 2007, p. 57). As histórias ditas Sagradas nos tocam, nos envolvem, abrem
as portas para os nossos sonhos e desejos e também fazem com que levantemos
interrogações, mexendo e remexendo com a nossa memória, fertilizando a nossa
fantasia, fazendo a vida vivida vir à tona em nossa imaginação. As histórias têm o
poder mágico de ligar pessoas pelo fio da narrativa. Narrar: fatos - histórias: fato -
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histórias ocorridos ao longo da vida ou da rotina diária própria ou de outras pessoas
(parentes, amigos, conhecidos etc.). Narrativa é a estrutura que damos às
experiências de nossa vida conforme as vivemos, refletimos sobre elas e as
relacionamos com outras. Na narrativa as pessoas criam histórias sobre
acontecimentos e experiências de suas vidas de forma a dar-lhes um sentido ou
seja, criam ou descobrem significado para suas vidas.
As histórias, por utilizarem termos simbólicos, representando conceitos não
definidos, expressam aquilo que está fora do alcance da compreensão humana e
são capazes de fazer a mágica de resgatar a alma, pois todo símbolo encerra uma
mensagem ou uma informação codificada. São veículos poderosos para comunicar-
se com o inconsciente, independente da idade, e o objetivo da Arteterapia, na visão
junguiana, é o de apoiar e o de gerar instrumentos apropriados, para que a energia
psíquica forme símbolos em variadas produções, o que ativa a comunicação entre o
consciente e o inconsciente.
A partir desse estudo, percebe-se que as Histórias Sagradas têm o poder
curador porque possibilitam que aspectos do inconsciente sejam trazidos à tona e o
trabalho no setting arteterapêutico torna possível que a dimensão simbólica do
inconsciente possa estabelecer um diálogo enriquecedor com as forças arquetípicas,
ajudando na busca para melhor entender a si mesmo e tornar-se mais fortalecido.
Uma das grandes funções curativas das histórias é a de mostrar que não se
está sozinho nos sentimentos, temores e aspirações e assim, elas ajudam a aliviar os
nossos conflitos internos, a descobrir uma profundidade, riqueza e sentidos maiores
na vida. As histórias tornam-se interessantes por oferecerem uma alternativa de
aproximar as dificuldades vividas e possibilitar encontrar soluções internas, que
possam contribuir para renovar o senso de pertencer, de estar no mundo. Para
melhor aprofundamento sobre o assunto, recomenda-se um estudo mais detalhado.
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