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História do Espírito Santo
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História do Espírito Santo
Vitória e sua ocupação territorial e humana
Leonor Franco de Araujo
A região da baia de Vitória começou a ser habitada por populações pré-históricas a
partir de 5.200 a.C, aproximadamente. É quando os contornos atuais do litoral iniciaram
sua definição com o surgimento de mangues, restinga e ampliação dos recursos
alimentares, que tornaram a região um local privilegiado para a vivência dos grupos
indígenas.
A ocupação do território se dá, sem sombra de duvidas, pelas nações indígenas locais,
sendo que no caso específico da ilha aventa-se, principalmente que sejam as nações
tupiniquins e/ou guaranis. Essa dúvida até hoje paira sobre nossas investigações, e
somente estudos arqueológicos mais profundos e sistemáticos, na área antiga de
ocupação e atual região da Capixaba e arredor, poderiam nos fornecer a certeza dessa
ocupação primitiva.
A designação mais antiga da Ilha principal e maior do arquipélago, composto por 34
ilhas, é Guananira. Na tradução portuguesa do tupi-guarani goá significando baia, nã,
semelhante e Ira, no nheengatu, significa mel; por isso a conotação popular corrente, na
atualidade, é Ilha do Mel.
A ilha recebeu diferentes nomes na sua trajetória até os nossos dias. Quando
reconhecida, em 1535, em mapeamento da baia, então considerada um rio, o Rio do
Espírito Santo, por Vasco Fernandes Coutinho, recebeu o nome de Santo Antonio. Em
um dos primeiros mapas do Brasil, de 1616, aparece com o nome de “Espiritu Santo”.
Figura 1 – Recorte da área entre a Ilha de Vitória, ai chamada Espiritu Santo, e a Ponta do Rio Doce, do
Mapa que retrata a Costa da Capitania no “Livro que dá Razão do Estado do Brasil”, autoria de João
Teixeira Albernaz, 1616.
A descrição do vocábulo “capixabi” feito por Saint-Hilaire 1, em sua viagem ao Brasil
entre 1816 e 1822, falava da designação que os moradores da Capitania, os índios,
davam a uma pequena plantação. Isso se explicava pela permanência de índios
“aculturados” que se localizavam na ponta sul da povoação inicial, cultivando suas
roças nas encostas do morro, região hoje designada como capixaba, na área do centro da
cidade. 2
Esse vocábulo, eternizado na vila de Vitória, inicialmente denominava os nascidos na
ilha, e depois, a partir da década de 1930, a sua popularização passou a designar todas
as pessoas nascidas no Espírito Santo.
A presença regular da Companhia de Jesus, a partir do ano de 1551, foi crucial no
desenvolvimento da Capitania, até sua expulsão, em 1760. Os portugueses capitaneados
por Vasco e seus sucessores tinham como principal objetivo a busca de ouro e pedras
preciosas, deixando muitas atividades administrativas e econômicas nas mãos dos
jesuítas e contavam com eles para a sua principal função: a catequese do indígena, que
forneceria mão de obra e, principalmente, pacificaria os nativos.
1 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Espírito santo e Rio Doce. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia/EDUSP, 1974, p.17. 2 Cf. OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. 2ª edição, Vitória, 1975; NOVAES, Maria Stella. História do Espírito Santo. 2ª edição, Vitória: Fundo Editorial do Espírito Santo, s/ data.
Não é de se estranhar, que somente aqui portugueses e jesuítas não entraram em
confronto, nem pessoal e muito menos armado. As fazendas dos inacianos eram as
principais fornecedoras de produtos agrícolas da capitania. 3
Com relação a nosso objeto de estudo, a cidade de Vitória, deve-se ressaltar que a
ocupação populacional regular da ilha, isso significando a constituição do centro urbano
da cidade alta, se deu em torno do Colégio de São Thiago, sede administrativa e
geográfica dos jesuítas na capitania do Espírito Santo. O inicio da construção do
Colégio, no ano de 1551, com a chegada do Padre Afonso Brás e o irmão leigo Simão
Gonçalves, coloca-o como um dos mais antigos do Brasil. Em 1589, Padre José de
Anchieta é registrado como superior do Colégio do Espírito Santo, indicando a
importância do Espírito Santo na obra desenvolvida pelos jesuítas no Brasil.
Figura 2 – No detalhe da ilustração do “Reys-boeck”, Haia, 1624, na sua parte superior já pode se notar a
vila crescendo em volta do Colégio de São Tiago.
Concordamos que um início de ocupação foi comandado por Duarte de Lemos, quando
recebeu a Ilha, em sesmaria, do donatário, por serviços prestados em batalha contra os
3 Sobre o assunto conferir principalmente CARVALHO, José Antonio de. O Colégio e as Residências dos Jesuítas no Espírito Santo. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1982; LEITE, Serafim. Breve História da Companhia de Jesus no Brasil. 1549 – 1760. Reimpressão, Braga-Portugal: Livraria Apostolado da Imprensa, 1993.
índios, em 1537. A devida escritura foi assinada em 1540, quando ambos se
encontravam em Lisboa, confirmada em carta régia de oito de janeiro de 1549. 4
[...] o alvará da dita doação da dita ilha ou leziria de Santo Antônio e, feito o
dito alvará por sua própria pessoa, lhe fora a pegar a dita ilha e lhe dera
corporalmente posse atual, civil e natural, e como senhor e governador da
terra o incorporou na posse da dita ilha e, em pessoa dele, Vasco Fernandes
Coutinho, ele, Duarte de Lemos, dera logo às pessoas e moradores da terra grandes partes de sesmarias das terras da dita ilha para aproveitarem e a
povoarem, fazendo fazenda para si como em cousa própria, forra e isenta do
dízimo a Deus [...] 5
A ocupação realizada por Duarte de Lemos registra-se, foi feita pelo lado oeste da ilha
onde hoje está situado o bairro de Santo Antonio. Não há registros de onde tenha se
iniciado tal ocupação, mas acreditamos que seria provavelmente a região entre o Cais do
hidroavião e a Ilha das Caeiras, por ser terreno mais espraiado. Consta que ergueu casa
na parte mais alta da Ilha e ao seu lado uma igreja, que viria a ser o patrimônio mais
antigo existente em Vitória, a Igreja de Santa Luzia. Uma ocupação rarefeita, já que o
nobre tinha posses em outros locais do Brasil, e que foi sobrepujada, quando nosso
Donatário para cá transferiu a sede da capitania.
Figura 3 – Capela de Santa Luzia. 1999. Acervo particular.
4 FREIRE, Mario Aristides. A capitania do Espírito Santo (1535 – 1822). Vitória, 1945, p. 10 e 11. 5 PORTUGAL – DOCUMENTOS. Carta Régia regulando a doação da ilha de Santo Antônio a Duarte de Lemos por Vasco Fernandes Coutinho. Arquivo da Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, livro 6, f. 512, 8 de janeiro de 1549.
Tal transferência rendeu a Vasco Fernandes à eterna inimizade de Duarte de Lemos,
pois esse considerou que o donatário deveria tê-lo consultado sobre a mudança. Depois
desse episodio, Duarte de Lemos pouco tomou conhecimento de sua sesmaria. Não
pode o sesmeiro fundar uma vila, pois isso era prerrogativa, garantida pelas Leis
portuguesas, ao Donatário. Portanto, quando Vasco para cá transferiu a sede, fundou
aqui a Vila da Vitória.
A data oficial de fundação da Vila foi estabelecida no dia 8 de setembro de 1551, mas
documentos provam que a Vila já estava fundada desde 1550, provavelmente entre
fevereiro e março desse ano, ou fins de 1549.6
De 1550 é o predicamento de vila dado à povoação, que tomou o nome de
Vila da Vitória. “Tal fato teria ocorrido antes de três de março daquele
milésimo, pois dessa data existe uma provisão passada por Antonio Cardoso
de Barros, “Provedor-mor da Fazenda de El Rei Nosso Senhor nestas partes
do Brasil”, onde se lê:” Faço saber aos que esta virem, que por nesta Villa da Victória Província do Espírito Santo Capitania de Vasco Fernandes
Coutinho...” 7
A tradição reza que foi o triunfo alcançado pelos ilhéus a oito de setembro de 1551, na
maior batalha contra os índios e sua conseqüente expulsão da ilha8, que teria dado o
nome a Vila Nova, como passa a ser popularmente conhecida até o século XIX.
Queremos crer que a instalação dos jesuítas na Vila, em 1551, tenha contribuído para a
determinação dessa data, já que toda a história do povoamento da mesma passa a ser
contada a partir da instalação do Colégio dos Inacianos, que segundo Abreu “eram os
mediadores das relações entre os principais agentes e seus interesses” 9
6 A falta de uma data de referência nos coloca no oitavo lugar em antiguidade de fundação de vilas no Brasil, sendo a quinta sede de Capitania fundada. Vilas mais antigas: São Vicente – 1532, Porto Seguro e Santa Cruz (de Cabralia) – 1535, Igarassu – 1536, Olinda – 1537, Santos – 1545 e Salvador – 1549. 7 OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. 2ª edição, Vitória, 1975, p. 62 e 63. 8 Documentos citados por José Teixeira de Oliveira, in História do Espírito Santo, registram batalhas contra os índios na ilha bem posteriores a data em questão, sendo uma das maiores batalhas a de 1557. 9 ABREU, Carol. O desejo da Conquista in VASCONCELLOS, João Gualberto M. Vitória - Trajetórias de uma cidade. Vitória: IHGES/PMV, 1993, p. 45.
Uma petição da irmandade da Misericórdia, que há quem afirme instituída
no Espírito Santo em 1545, recolheu, em 1817, uma tradição valiosa.
Segundo esse códice, a Vila de N. S. da Vitória foi fundada na pequena
elevação, onde os jesuítas construíram a sua igreja e primitiva residência,
depois Colégio, transformados por último em palácio governamental. Alude-
se, nesse documento, ao mangal, entre a colina, onde ainda hoje se regue o
hospital da irmandade, “e o monte da fundação desta vila”, descrevendo-os
próximos às marinhas e posses à beira-mar. 10
Corroborando ainda com essa idéia, relata Rubim em 1817
Consta por tradição que Vasco Fernandes Coutinho, vendo-se de continuo
inquietado pelo gentio, juntara suas forças, expulsara o Gentio da maior ilha
que estava na baia, uma legoa acima da Villa, n’ella se estabelecêra, e
fundara a villa denominada da Victória, tendo neste logar alcançado a maior
vitória, por isso como tropheo, assim a denominou: não consta o anno d’este
acontecimentos; porém sim que no anno de 1551 o padre Affonso Braz, da
companhia de Jesus, [...], dêo principio a fundar o Collegio na Villa da
Victória, n’ella foi sepultado o venerável padre José de Anchieta em 9 de
julho de 1597, hoje serve de casa de residência do Governo, o que prova já
neste anno estar fundada a villa. 11
A constituição da Vila de Nossa Senhora da Victória.
A construção e disposição da Vila seguiram, durante mais de três séculos, as
características das cidades medievais portuguesas, assim como outras vilas brasileiras.
A preocupação de evitar as baixadas paludosas, cercadas e ocupadas pelos terrenos
lamacentos dos manguezais, aliada a questão da segurança e da proximidade com o mar
fez a escolha de portugueses e jesuítas convergir para o ponto mais saliente e protegido
da área litorânea da ilha.
A ocupação inicial se espalhou pela colina, área hoje conhecida como cidade alta. As
esparsas casas iam se amontoando em ruas estreitas e sinuosas, ocupando vertentes que
se transformaram em ladeiras e mais tarde em escadarias e ruas.
10 FREIRE, Mario Aristides. Op. Cit., p. 16 e 17. 11 RUBIM, Francisco Alberto. Memórias para servir a História até ao anno de 1817, e breve notícia estatística da Capitania do Espírito Santo, porção integrante do Reino do Brasil. Lisboa, 1940, p. 05.
A historiografia tradicional e os escritores do período colonial capixaba consideram esse
desenho urbano como “sem nenhum planejamento” e sinal da pobreza e decadência da
cidade, mas estudos urbanísticos recentes, a partir dos anos 60 do século XX, fazem
uma leitura diferente das situações das vilas coloniais brasileiras.
Durante muito tempo, acreditou-se que o urbanismo português na América
fosse quase carente de padrões técnicos, como os que eram utilizados pelas
demais potências colonizadoras no continente. [...] Em alguns de nossos
estudos, procurávamos proceder a uma revisão histórica das informações
disponíveis sobre o urbanismo português no Brasil (REIS – 1964 e 1968),
com base em pesquisas sobre os planos para as vilas e cidades do Brasil, dos
séculos XVI, XVII e XVIII[...].
Hoje, há consenso entre os pesquisadores portugueses e brasileiros de que a
documentação disponível permite comprovar a existência de uma atividade
planejadora regular do mundo luso-brasileiro. 12
Essa colina fica bem delimitada como o espaço gerador e centralizador da ocupação
populacional regular e irradiadora da Ilha de Vitória. Prova disso registra-se quando se
coloca o convento de São Francisco, construído ainda no século XVI, e o Convento do
Carmo, construído no século XVII, como estando “fora da Vila de Vitória”. Retrata-os
assim Saint-Hilaire em 1822:
Contam-se, na capital do Espírito Santo, nove igrejas, incluindo-se a dos
mosteiros. [...] Desde a expulsão dos jesuítas, os conventos são apenas em
número de dois, o das Carmelitas e o de São Francisco, edificados fora ou
quase fora da cidade. 13
Em 1572, quando da divisão da colônia em dois governos, o Espírito Santo foi
localizado, junto com Porto Seguro, na Repartição do Sul. Vitória contava, nesse
período, com 1.390 “fogos”, como se chamavam as casas residenciais que comportavam
fogões à lenha.
O Colégio dos Jesuítas, também conhecido como Colégio de São Thiago, aparecia
como a principal edificação da ilha durantes os séculos de história de Vitória. Ele
12 REIS, Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: Editora da USP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, p. 11. 13 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. Cit., p. 46.
abrigou Tomé de Souza, então Governador Geral do Brasil, em 1552, que lá se
hospedou, assim como todas as autoridades que visitaram o Espírito Santo, inclusive o
Imperador Pedro II em 1860. Daí partia também a maior parte das mobilizações para a
defesa da Capitania contra os invasores estrangeiros, sendo o índio o principal
combatente dos batalhões formados.
Em 1581, quando três naus francesas investiram contra a vila, foram os
catecúmenos aldeiados pelos inacianos que saíram a campo em defesa da
terra, matando e ferindo a muito dos assaltantes. “Os moradores,
atemorizados, não acharam quem os defendesse senão quase só, diz
Anchieta, os índios das aldeias jesuíticas”. 14
Figura 4 – Recorte de “Prospecto da Vila da Vitória” mostrando as torres da Igreja e residência de São
Tiago. 1767. José Antonio Caldas.
14 LEITE apud OLIVEIRA, Op. Cit., p. 108.
Figura 5 – Recorte da “Perspectiva da Villa da Victória” mostrando o porto dos Padres e acima o Colégio
de São Tiago. Joaquim Pantaleão Pereira da Silva. 1805.
Em 1584, Cardim e José de Anchieta consideravam que a vila era mal situada, em local
baixo e pouco aprazível, já que tinham como comparação as cidades européias e não as
brasileiras, que possuíam a mesma condição de Vitória, com raríssimas exceções. 15
No inicio do século XVII já contamos com a Igreja da Misericórdia, derrubada para a
construção do antigo prédio da Assembléia, localizada em frente ao Colégio dos
jesuítas, que abrigava a Santa Casa da Misericórdia e tinha os mesmos direitos da de
Lisboa, como receber doações e ajuda financeira da Coroa portuguesa.
Institui-se e funda-se nesta capital, no dia 1° de Junho o Hospital da
Caridade de Nossa Senhora da Misericórdia. É nesta época que julgamos ter
sido transferida para a então vila da Vitória a Casa de Caridade da Vila do
Espírito Santo, junto à atual Capela da Misericórdia existente no largo de
Pedro Palácios, a qual fora feita de taipa. 16
15 OLIVEIRA, Op. Cit., p. 105. 16 DAEMON, Basílio de Carvalho. Província do Espírito Santo. Sua descoberta, História, Cronologia, Sinopsis e Estatística. Vitória: Tipografia do ES, 1879, p. 220.
Fig. 6 – Igreja da Misericórdia. Desapropriada em 1907 e demolida em 1911 para a construção do Palácio
Domingos Martins, segunda sede da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Construída nos fins do
século XVI. Foto de 1908. Ao fundo a matriz, demolida em 1918.17
Consta também a Igreja de Nossa Senhora da Vitória, matriz da vila, que foi remodelada
em 1749, por ser considerada modesta e pequena. Em 1785, foram iniciados novos
trabalhos de remodelação e aumento, que durou algumas décadas. Finalmente, em 1895,
esta restaurada e recebe a dignidade do titulo de catedral. Em 1904, passa por sua última
remodelação, feita pelo Bispo D. Fernando Monteiro, irmão do futuro governador
Jerônimo Monteiro. Sua localização se fazia bem próxima a atual catedral de Vitória, e
foi derrubada em 1918 para a construção da nova matriz.
A 18 de maio de 1918 a cidade recebe seu terceiro bispo: - Dom Benedito
Paulo Alves de Souza. Tal prelado, paulista, homem de hábitos elegantes,
sabidamente vaidoso, [...] estranhou a simplicidade do templo, embora este
já estivesse restaurado e devidamente aparelhado, assim foi que a 6 de julho
daquele ano, o Diário da manhã, [...] noticiava a demolição da Matriz,
esclarecendo que a planta da futura Catedral, que seria erigida no mesmo
local da primitiva, fora aprovada pelas autoridades competentes.18
17 Reproduzida de OLIVEIRA, op. Cit., p. 421. 18 ELTON, Elmo. Velhos Templos de Vitória e outros temas capixabas. Vitória : CEC, 1987, p. 26.
Fig. 7 – Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória em 1908. Acervo do APEES.
Figura 8 – Interior da igreja Matriz de Vitória. Provavelmente ano de 1905. D. Fernando Monteiro já se
encontra Bispo de Vitória e manda remodelar a igreja em 1904. Arquivo BC/UFES. Coleção Mario
Aristides Freire.
Deve-se destacar que foi longo o tempo de construção da atual Catedral de Vitória,
entre 1920 e 1970; assim, entre 1920 e 1933, a Igreja de São Gonçalo, também
localizada na cidade alta, ficou como matriz da cidade.
Figura 9 – Igreja de São Gonçalo, quando ainda se avistava sua plenitude, à partir de sua escadaria.
Autoria: Paes. 1936. Reproduzida do livro Biografia de uma ilha, Luis Serafim Derenzi.
A primeira planta da Catedral foi feita por Paulo Motta, autor também do Parque
Moscoso. A morosidade dos trabalhos, muitas vezes paralisados, só terminou quando
assumiu a Diocese Dom Luiz Scortegagna, em outubro de 1933. Provavelmente, é nessa
época que André Carloni assume os trabalhos da igreja e altera sua planta. A planta
inicial, que contava com nave única e simples e apenas uma torre central, foi alterada
para planta da nave em forma de cruz latina (o braço da área central é maior que os
outros três) e duas torres laterais. A inspiração do estilo neo-gótico foi mantida, até
porque essa era a orientação da Igreja Católica no Brasil, no sentido de formatar suas
catedrais.
Fig. 10 – Catedral sendo construída nos fins dos anos 20, do século XX. Acervo APEES.
Figura 11 – Catedral em construção, em 1951, mas em funcionamento. Missa em comemoração ao 4º
centenário da cidade de Vitória, recebendo a imagem de Nossa Senhora da Penha, trazida do convento da
Penha em Vila Velha. Acervo BC/UFES.
Figura 12 – Catedral já concluída, em 1975. Acervo do AGPMV.
A Vila de Vitória como Praça Fortificada
O acirramento das relações portuguesas com outras nações européias, principalmente
durante a União Ibérica na sua apropriação pela Espanha, fez com que as principais
construções da Vila, no século XVII e XVIII, estivessem ligadas a sua defesa. Os fortes
acabariam por delimitar os contornos da vila, pois ficavam nos pontos estratégicos e
extremos, voltados para o mar.
Assim, em 1648, foi construído o que se presume ser o primeiro forte da Ilha, o forte de
São João, por Dão João de Castello Branco. Esse forte fica localizado em frente ao Pão
de Açúcar, hoje Penedo, e no governo de Francisco Gil de Araujo foi reerguido.
Redificou o V. S. fortessimamente unindo a em hum só terrapleno, abrindo lhe mais torneiras pela parte do mar na muralha que acrescentou; e pela
parte da villa vai fechar o mesmo fortim em altura que cobre a escada que V.
S. lhe mandou fazer.19
19 Documento de 1862 do provedor Manoel de Moraes reproduzido em OLIVEIRA, Op. Cit., p. 168, Nota I.
Figura 13 – Planta e fachada da Fortaleza de São João. Arquivo da Diretoria de Obras e Fortificações do
Exército.
Figura 14 – Forte de São João, em 1860. Edificação simples, apenas um andar. Foto Victor Frond. Acervo
APEES.
O “fechamento” do forte junto à barreira natural do morro (hoje Forte de são João),
literalmente feito durante muitos séculos com larga e grossa corrente atravessada até o
Penedo, funcionou como o delimitador leste da Villa da Victória. A partir dessa região,
as áreas da ilha eram consideradas rurais.
Fig. 15 – Forte de São João em 1902. Nota-se construção de um paredão ao lado direito, na parte de cima
do prédio original. 20
A Villa tinha precárias ligações com a fazenda de Jucutuquara, passando pelo Forte de
São João, como vemos na foto seguinte. A estrada ligando a Maruípe só começou a ser
construída em 1792.
Fig. 16 – Estrada do Forte de São João em 1905. 21
Em 1667, já existia a Fortaleza de Nossa Senhora do Carmo, construída nas vizinhanças
do porto dos padres, trecho hoje compreendido entre o prédio dos Correios e o Teatro
Glória.
20 Foto extraída do livro de LIMA Jr., Carlos Benevides. Era uma vez... Vitória – A memória da cidade em cartões postais enviados entre 1900 e 1960. Vitória: Multiplicidade, 2000. 21 Idem, ibid.
Figura 17 – Recorte da Planta da Villa em 1767, mostrando em ponta, à esquerda, o forte de Nossa
Senhora do Carmo.
Figura 18 – Local do Forte do Carmo, onde se construiu, em 1871, o antigo mercado da capital. Hoje no
local o prédio dos Correios e Telégrafos. Livro “ Vitória – cidade presépio” de José Tatagiba.
Em 1693, registra-se na villa de Victória, o que seria o primeiro ouro encontrado no
Brasil, no Rio da Casca, afluente do rio Doce, e em território da capitania do Espírito
Santo. A história regional marca esse período, da exploração aurífera, como fator de
atraso de cem anos para a capitania, pois o nosso espaço geográfico teria sido usado
como barreira contra os desvios do ouro.
Devemos considerar também, e não apenas isso, que a política da Coroa Portuguesa
para a área aurífera do sudeste, proibiu a abertura de estradas do Espírito Santo em
direção às minas de ouro e vice-versa, além de criar sua Capitania Real das Minas
Gerais, em 1720, com a maior parte das terras capixabas.
Desde o ano de 1704, através da Bahia, vinham ordens rigorosas de Portugal para que
não houvesse migração de capixabas em direção às minas, e que os que lá estivessem,
fossem recambiados à capitania.
A explicação tradicional da “barreira verde”, onde se atribuiu à dificuldade de
transposição da Serra do Mar e a resistência dos índios bravios toda responsabilidade
por termos ficado alijados da comercialização aurífera, não leva em consideração as
atitudes políticas da Coroa e, muito menos, os interesses das outras capitanias
envolvidas no comércio.
O “temor” da Coroa de que “quantos mais caminhos houver mais descaminhos haverá”
22, não se pautou, em nosso entender, por uma opção relacionada ao caminho mais
curto, que seria a Capitania do Espírito Santo e o porto natural de Vitória. Para isso,
basta levarmos em consideração as condições geográficas de São Paulo e Rio de
Janeiro, onde a Serra do Mar também presente e em extensão maior aumentava a
distância no embarque portuário do ouro, o que realmente ampliaria as oportunidades de
contrabando.
Racionalmente, o primeiro ouro descoberto na região, nos fins do século XVII, pelo
paulista Domingos José Arzão, na área conhecida como “Casa do Casca”, foi trazido
para registro pelo caminho mais fácil, na vila de Vitória.
A rigorosa proibição de comércio com as minas evidentemente prejudicou o Espírito
Santo, que não teve força política suficiente para bancar a participação e/ou a
manutenção do seu território, reflexo das ausências e/ou deficientes administrações dos
Capitães-Mores ou de seus Governadores23, e transformou a sede da capitania em uma
22 Frase do Conselho Ultramarino, que se tornou dogma para a opção por um e apenas um caminho, para a comercialização do ouro no Brasil. 23 MARTINS, Janes De Biase. A Cidade Reconstruída (capítulo III) IN VASCONCELLOS, João Gualberto M. (org.). Vitória – Trajetórias de uma cidade. Vitória: IHGES, 1993, p. 64 e 65.
praça de guerra, com investimentos apenas na área militar. O desenvolvimento da Vila
de Vitória foi comprometido, pois a sujeição do Espírito Santo ao governo da Bahia,
como capitania subordinada, inibiu as funções político-administrativas e culturais da
sede.
De qualquer maneira, podemos perceber a importância da área de Vitória, pois foi ela a
receber a maior parte dos investimentos na área militar, que vieram para a capitania no
século XVIII.
No ano de 1726, o vice-rei, conde de Sabugosa, contratou o engenheiro Nicolau de
Abreu Carvalho para remodelar e construir mais fortificações. Remodelou entre outras
as de São João, ampliando e melhorando a reforma que se tinha feito em 1702, por
ordem de D. Rodrigo da Costa24; o de Nossa Senhora do Monte do Carmo, que recebeu
casa de pólvora25; construiu a de São Mauricio, ou São Inácio, dentro da vila na marinha
da cidade26, em frente ao porto dos Padres; São Thiago, que passou a se chamar São
Diogo, localizada hoje onde se encontra a escadaria de mesmo nome, que liga os fundos
da Catedral Metropolitana a Praça Costa Pereira.
Em 1728, Vitória contava com aproximadamente 5.000 moradores, tidos como pobres e
sem atividades comerciais de destaque 27, mas a cidade continuava a modelar seu espaço
urbano.
As ordens religiosas concluíram seus edifícios, durante esse século, e as modificações
posteriores, pelo menos até o fim do século XIX, não alteraram, com profundidade, suas
estruturas.
A sede dos jesuítas, denominada nessa época como o conjunto do Colégio de Santiago e
a Igreja de São Maurício, recebem obras que garantem a estabilidade da construção e
Devemos ressaltar que a bibliografia citada é uma das únicas que analisa a não participação do Espírito Santo na exploração aurífera como uma questão política; sendo que a maior parte da bibliografia existente, inclusive os livros didáticos de história, reproduz a tese da “barreira verde”. 24 Nessa época D. Rodrigo era Governador Geral do Brasil e foi o mesmo quem mandou a placa comemorativa que foi ali instalada. 25 Construído próximo a Praça 8 de setembro onde hoje se encontra o prédio dos Correios. 26 No que seria hoje o encontro das Ruas General Osório e Nestor Gomes. 27 OLIVEIRA, Op. Cit., p. 189 e 190.
sua ampliação. O Colégio, em 1742, ganha uma ampla enfermaria e, em 1747,
construiu-se ala contígua a Igreja, contemplando a quadra majestosa do prédio dos
jesuítas.
O Colégio prestou os mais relevantes serviços, não só à instrução, como à
saúde e à subsistência do povo de Vitória, em épocas sucessivas. Foi
hospital nas epidemias, foi distribuidor de panos e víveres nas secas e
calamidades, foi centro cívico de pregação e conselhos aos colonos, quando
desavindos com as autoridades enfraquecidas. 28
Quando foram expulsos do Brasil, pela política pombalina, em 1760, suas propriedades
ficaram em posse do governo e muitas foram a leilão público.
O Colégio foi ocupado pelo governo local, e assim esta até nossos dias. O palácio
Anchieta, nome que o colégio recebeu no século XIX em homenagem ao padre jesuíta,
é considerado o prédio mais antigo de ocupação governamental do país.
Figura 20 – Colégio de São Tiago, como chegou ao século XX, ainda com sua entrada principal voltada
para a Praça João Clímaco, com apenas dois andares e sua monumental igreja.
28 DERENZI, Luiz Serafim. Biografia de uma Ilha. Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1965, p. 92.
Figura 21 – Palácio do Governo em 1905. Acervo APEES.
O Convento de São Francisco, mais antiga sede dos franciscanos no sul e sudeste do
Brasil, e primeiro noviciado dessa área, conclui as obras iniciadas nos anos seiscentos.
Em 1737, está instalado o chafariz, construído com canos de ferro. Formavam um ramal
à partir do aqueduto, que trazia água da Fonte Grande para a cozinha do Convento. Foi
a primeira construção na Vila a ter água encanada, 1643, numa iniciativa do Frei Paulo
de Santo Antônio. Em 1744, com a colocação do cruzeiro, que hoje infelizmente não
existe mais, murou-se a ladeira de acesso a portaria, que era fronteira ao Convento.
Fig. 22 – Convento de São Francisco em 1902. Acervo APEES.
Em 1755, construiu-se, no antigo largo da Conceição, atual Praça Costa Pereira, a igreja
de Nossa Senhora da Conceição da Prainha, concedida pelo Bispo da Bahia ao Ajudante
militar Dionísio Francisco Frade, em Provisão datada de 22 de Janeiro do mesmo ano.
O Bispado da Bahia, ao qual éramos submetidos, cuidava das questões religiosas,
depois que os jesuítas foram expulsos em 1760. No século XVIII, ficamos sob os
cuidados do Bispado do Rio de Janeiro.
Dionísio Francisco Frade teve que lutar com os moradores, que se achavam
estabelecidos nos arredores do lugar, em conseqüência de um córrego que passava por
detrás da igreja e que ele pretendia tapar para poder fazer essa edificação. O mar nessa
época chegava perto da Capela formando uma pequena praia, de onde penetrava pelo
canal chamado Reguinho, cercado de mangues que tomavam a antiga Rua do Piolho e
iam até os Pelames; as marés batiam então à beira da antiga fortaleza de São Diogo. 29
Figura 24 – Esquina da Rua Sete de Setembro com Graciano Neves. O prédio ao centro, com três andares,
é o Hotel Império, onde se localizava a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da praia. A sua esquerda, à
frente, uma pedreira onde foi construída a escadaria de São Diogo, lugar do antigo forte. Acervo
BC/UFES.
29 DAEMON, Op. Cit., p. 300.
No ano de 1765, com beneficio de provisão do Bispado da Bahia, datada de 14 de
setembro, foi levantada na vila da Vitória a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos, a requerimento de uma Irmandade instituída por pretos, devotos da Santa, no
morro do Pernambuco. Atualmente a Igreja situa-se na Rua do Rosário, com acesso pela
grande escadaria do mesmo nome, atrás do Teatro Carlos Gomes.
Fig. 25 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos com a saída da procissão de São Benedito. 26 de dezembro de 1975. Acervo particular.
Fig. 26 – A Igreja do Rosário na atualidade. 2005.
Em 1768, novas providências são tomadas no aumento do efetivo militar e construção
da Fortificação da Ilha do Boi e reforma das da Barra de Vitória. Para esse trabalho foi
contratado o engenheiro José Antonio Caldas que deixa rico relato sobre a capitania, de
como a viu em 1767, além um precioso mapa da Ilha de Vitória, abaixo reproduzido
juntamente com o perfil da ilha, desenhado por ele.
Fig. 27 – Planta da Villa da Victória feita por Caldas em 1767. 30
Fig. 28 – Prospecto da Vila de Vitória desenhado por Caldas em 1767. 31
30 Reproduzida de REIS, Nestor Goulart, Op. Cit., p. 149. 31 Reproduzido de REIS, Op. Cit., p. 148.
Nesse tempo o traçado da cidade se ampliava partindo do núcleo central da cidade alta
em direção a parte baixa e as ruas eram estreitas e tortuosas. Podemos marcar como as
principais vias de comunicação da época as Ruas Duque de Caxias, Maria Ortiz, Prof.
Azambuja, José Marcelino e Ladeira da Misericórdia.
A descrição feita por Derenzi é planta mental da segunda metade do século XVIII, e
descreve a vila com perfeição.
Na segunda metade do século XVIII, a capital do Espírito Santo, vista do
continente, tem belo aspecto paisagístico. Lembra pequeno feudo medieval, encastelado nas grimpas das montanhas a se espalhar em águas tranqüilas de
um lago. O casario, nascido do mar, entremeia-se com restos da vegetação
nativa e morre em torno do “Colégio” e da Matriz [na área da atual catedral].
[...] A cidade alta está toda dividida em quarteirões irregulares. O principal,
pela sua posição, é o dos jesuítas, com o colégio e a Igreja de Santiago, cuja
fachada se volta para o Largo Afonso Brás [atual Praça João Clímaco],
fronteira a Igreja da Misericórdia, hoje Assembléia Legislativa [ o texto é de
1965]. [...] Os franciscanos [...] Descendo à esquerda e pelos fundos,
comunicavam-se com as marinhas [da área] do Parque Moscoso e iam ao
sopé do morro, agregando toda a parte do antigo quartel de polícia [...] [
atualmente Praça Misael Pena e SENAI, área da antiga Rodoviária de
Vitória e Corpo de Bombeiros] O quarteirão da Igreja de São Gonçalo tem praticamente o mesmo contorno atual. A matriz, hoje Catedral, está
engastada, pelos fundos, numa área fechada. [ Hoje acesso a escadaria da
catedral e Rua José Marcelino] [...] Os nomes dos logradouros, à época, são
os seguintes: Largos – Padre Inácio [ atual área da escadaria Bárbara
Lindemberg e parte fronteira], Afonso Brás e da Matriz. Ruas Grande
[principal rua da cidade na época e atual rua José Marcelino], do Beco [
paralela a Rua Grande, era artéria estreitíssima e foi extinta no governo
Florentino Avidos com as obras da Praça da Catedral – era a antiga zona do
meretrício], da Matriz [ atual rua Pedro Palácios que nesse tempo tinha duas
denominações: do Colégio de São Thiago até a escadaria Maria Ortiz se
chamava Pedro Palácios e daí a catedral, Domingos Martins], das Flores [atual Dionísio Rezendo, que liga a cidade alta a Praça Costa Pereira,
passando pelos fundos do antigo Hotel Magestic. Na segunda metade do
século XIX, segundo Derenzi, era logradouro famosos com residências
nobres, na maioria sobrados com jardins opulentos e floridos de papoulas,
graxas, crotons de cores variadas] i, São Francisco [ ligação entre o
Convento de São Francisco e a cidade alta, desembocando no “quarto de
queijo”, esquina ao lado da Capela de Santa Luzia]ii, Capelinha [atual Muniz
Freire], Cais de São Francisco [ na área alagada do antigo Cais que servia ao
convento Franciscano, iniciando-se na parte de trás do parque Moscoso, na
praça Misael Pena]. iii [...] A parte baixa, toda em poligonal zigzagueante,
recebia os seguintes nomes , caminhando-se do Parque Moscoso para o
“Saldanha” de hoje: Lapa das Pedras, Cais de São Francisco, Porto dos Padres, Cais do Padre Inácio ou das Colunas, Cais do Batalha (praça 8),
forte Nossa senhora do Carmo, Cais do Santíssimo (Cine Glória), Rua do
Ouvidor (Duque de Caxias). As casas da Rua do Ouvidor, lado de baixo,
davam fundos para o mar.32
32 DERENZI, Op. Cit., p. 95,96 e 97.
Ao mesmo tempo, contradizendo o aspecto de decadência e atraso, Saint-Hilaire citando
a obra do poeta inglês Robert Southey, intitulada “History of Brazil”, relatava que “ por
volta da metade do século 18, [Vitória] era considerada uma das principais cidades da
América portuguesa pela importância do trabalho dos inacianos aqui”, e considerou que
a expulsão dos jesuítas, em 1760, foi o principal fator da decadência que se
estabeleceria na província, já que a maior parte da população era formada por índios e
esses, após a expulsão daqueles que os protegiam, se evadiram e abandonaram o
trabalho regrado. 33
O crescimento da cidade de Vitória, no final do século XVIII, acompanha os de outras
cidades no Brasil, principalmente aquelas que não foram beneficiadas pela exploração
aurífera. Sobrados e casas térreas feitas de taipa portuguesa, ou pilão, adornavam as
ruelas estreitas e tortuosas, herança européia e que dificultava as invasões estrangeiras e
dos nacionais indígenas, facilitando a defesa da Vila.
Em 1790, a população da vila é de 7.225 habitantes sendo 4.898 escravos, o que
equivalia a 67,5% da população da capital. Esse número expressivo de escravos, que
valiam até 800$000 ( oitocentos mil reis), demonstra que existem fortunas significativas
na cidade de Vitória, pois possuí-los demanda capital.
[...] Posse de escravo era sempre indicio de prosperidade. Assim, no fim do
século dezoito, a cidade é pobre iv mas a população remediada. Importam-se mercadorias no valor de 21:267$840 [contos de reis], e exportam-se
45:668$480, saldo belíssimo , senão em valor, em percentagem altamente
abonadora. A maior parcela de importados é de tecidos: 18:113$920,
representada por durguetes, bretanhas de França e Hamburgo, panos de
linho, cambraias e sedas. Segue-se o sal, monopólio da Coroa, [...]; e o
vinho a 76$800 a pipa, num total de [...] 16 pipas, [..]. 34
Interessante é a explicação dada por Derenzi, para esse final do século XVIII, para falta
de recursos da vila em administrar suas despesas com o desenvolvimento urbano.
A Câmara não tem patrimônio nem rendas. Para se atender às pequenas
despesas de reparo de calçadas ou das fontes, finta-se o povo, isto é, rateia-
se o custo pelos moradores. A falta de patrimônio do município de Vitória
33 SAINT-HILAIRE, Op. Cit., p.9. 34 DERENZI, Op. Cit., p. 116.
origina-se da sua fundação irregular. A Ilha de Santo Antônio foi doada,
pelo donatário da capitania, ao ambicioso Duarte de Lemos. A carta de
doação veda-lhe a faculdade de fundar povoado ou vila. Vitória, como célula
urbana, não teve origem legal, por isso não recebeu as clássicas léguas de
terra para seu patrimônio. Ficou sem receita de foros ou arrendamento. A
expansão de sua área se fêz por compra, desapropriação ou doação do
estado. Essa lacuna trouxe ao município prejuízos incalculáveis, que
perduram até nossos dias. 35
A obra citada acima foi publicada em 1965, o que equivale dizer que o problema
suscitado permaneceu até o contemporâneo da cidade, merecendo um estudo mais
detalhado para que possamos realmente auferir os prejuízos trazidos por essa situação,
criada na transferência da sede da capitania para ilha de Vitória. v
i Elmo Elton se referindo a denominação de Rua das Flores credita o nome desta as três
filhas do físico-mor João Antonio Pientznauer, Gertrudes, Ana e Joaquina, consideradas
as moças mais bonitas da Ilha e chamadas de “flores da Ilha”. Ai também residiu a
família de Domingos Martins, por isso encontramos a rua com esse nome antes da
denominação de das Flores. No século XIX, uma das moradoras mais famosas da ilha, a
pitonisa Vitória-Bibi, era moradora dessa rua. Vitória-Bibi preparava o “arroz do
Sacramento”, arroz doce (tradição da culinária capixaba), vendido às quintas-feiras e
que combatia mau olhado e qualquer espécie de feitiço. Vizinha de frente da pitonisa e
sua rival, Chica do Diabo tinha fama de “pata”, como eram conhecidas as bruxas e/ou
feiticeiras da ilha. Segundo as lendas, as Patas eram uma das filhas de casais que
possuíam sete filhas e nenhum varão ou toda menina que fosse sétima filha nascida e
não fosse batizada pelo irmão primogênito. Nessa rua morou um dos médicos mais
famosos de Vitória, Dr. Eduardo Chapot Prevost. Esse realizou, a 30 de maio de 1900, a
operação de duas meninas xipófagas, nascidas em Baixo Guandu, recebendo
reconhecimento nacional e internacional.
ii Nessa rua, segundo a tradição oral, já morou o donatário Vasco Fernandes Coutinho,
em casa no local denominado “quarto de queijo”. A Rua começava ao pé do grande
cruzeiro de pedra lavrada, onde se iniciava a ladeira de acesso ao convento franciscano
e onde se reinstalou, em 13 de maio de 1856, chafariz público com água vinda da Fonte
Grande trazida pelo aqueduto do convento. No inicio do século XX os antigos sobrados
foram substituídos por casas de um andar, todas iguais, para os servidores do estado.
iii Ai chegava um braço de mar antes do aterro do parque Moscoso, onde atracavam
catraias e barcos trazendo produção do interior como bananas, frutas em geral, café,
farinha, rapadura, material de construção, lenha e carvão. Atendia principalmente o
35 Idem, ibid.
convento dos franciscanos, daí seu nome. Foi nesse cais que desembarcou os restos
mortais de Frei Pedro Palácios e suas relíquias quando trasladado de Vila Velha para cá.
iv Com certeza Derenzi faz essa analise baseando-se no aspecto urbanístico da Ilha,
como já comentamos.
v Tal problema foi ressuscitado em 2005 quando se discutia a cobrança das taxas de
marinha sobre os imóveis da ilha, sem que aprofundássemos o assunto na ocasião,
ficando a questão a cargo da justiça.