História Da Leitura

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  • DO LIVRO IMPRESSO AO DIGITAL :AS PRTICAS COTIDIANAS DE LEITURA DEPROFESSORES NA CIDADE DE TERESINA-PI.

    Marta Rochelly Ribeiro GondinhoUniversidade Federal do Piau

    RESUMO

    O presente artigo inscrito no vasto campo da Educao tem como objetivo analisar os itinerrios daformao leitora de professores da rede pblica municipal de Teresina-PI, especificamente da EscolaMunicipal Professor Valdemar Sandes. Para tanto, utilizaremos a metodologia da histria oral. Namedida em que formos situando teoricamente s elucidaes conceituais apresentaremos osfragmentos destas narrativas e a posteriore uma anlise dos ditos dos informantes. No primeiromomento focalizaremos a histria da leitura e a construo da legitimidade desta como uma prticacultural simblica e no segundo momento dialogaremos com fragmentos de narrativas dos professoressupracitados a fim de bisbilhotar as artimanhas inventadas no cotidiano no tocante a prtica da leituradesde a leitura de livros impressos leitura de livros digitais .

    Palavras-chave: Formao . Leituras . Leitores.

    INTRODUO

    Um livro? Para mim, to estranho tenho at medo dedizer que no os estimo,poderia ser muito mal visto, mas

    eu no fui criado para apreci-lo, ou pode ser at algoque vai alm da minha criao, uma coisa pessoal

    mesmo... quem inventou essa historia de que todo mundotem que endeusar a leitura e os livros... aqueles mais

    grossos at me assustam,agora ler no computador,issome parece ser outra histria.1

    Pensar sobre a problemtica da leitura na atualidade um exerccio, um desafio quensita um farejar pela histria, o estudo que aqui propomos fazer est organizado sob a gidede dois grandes marcos tericos. Inicialmente dialogaremos com os pressupostos advindos docampo da Histria Cultural e os elementos conceituais da abordagem sociolgica,especificamente as colaboraes de Roger Chartier e Pierre Bourdieu. Uma vez referendadoteoricamente dialogaremos com Ecla Bossi e Janaina Amado no tratamento das fontes em

    1 Trecho de uma das narrativas, que me inspirou na construo do ttulo deste artigo.

  • histria oral e com estudiosos do campo da leitura para analisar o processo formativo e asprticas cotidianas de leitura de professores.

    A leitura atualmente muito discutida nos bastidores escolares, h quem a apontecomo o indicativo do fracasso escolar, ou como uma prtica cultural necessria pra odesenvolvimento da autonomia, ou como elemento imprescindvel de uma aprendizagemvoltada para o exerccio da cidadania e at quem diga que no v sada, pois a culpa pelaausncia da leitura anterior escola. Tais inquietaes nos instigaram a pesquisar e a buscaruma leitura que fosse na contra-mo dessas angstias, que procurasse compreender ositinerrios da leitura sob a tica da experincia com a leitura desde a tradio da leitura dolivro impresso leitura do livro digital. Ao convidar os professores a pensarem juntos sobresuas histrias de leitura pretendeu-se especular atravs dos ditos os sentidos atribudos, asdificuldades, as lembranas e as artimanhas da leitura no cotidiano.

    No Brasil a questo da formao de leitores se constitui como uma dvida histricapresente nos discursos oficiais republicanos e nas propostas de polticas pblicas como umaprtica necessria ao exerccio da democracia, esta questo parece denunciar, ao mesmotempo, tanto uma realidade no-leitora, como evidencia uma suposta preocupao polticacom a formao leitora.

    Considerando os mecanismos de reproduo da desigualdade social denunciado porBourdieu e Passeron na dcada de 1970, entenderemos contextualmente o advento de umasociedade grafocntrica, pautada na experincia com as letras, tpica da civilizao ocidental,como um advento excludente desde sua gnese e ainda neste contexto ampliaremos a anlisepara o tambm contexto excludente do acesso tecnologia entendendo o computador comoum atual suporte da escrita e assim o sendo um canal potencializador de mltiplas leituras.

    1.0 A HISTRIA DA LEITURA E SUA LEGITIMAO COMO PRTICA CULTURALSIMBLICA

    A Histria da leitura permite pensar a sua ao nas continuidades e mudanas dotempo. Os modos de conhecer a leitura promovem uma conscincia crtica para que a partirdos problemas do presente possamos conhecer, com pontos de vista ancorados num estudorigoroso, o passado.

    Em uma sociedade marcada pela cultura letrada, estamos sem dvidas a merc de umgrande legado, a leitura no presente precisa ser vista pelo passado, passado este tecido todosos dias como um elemento da memria onde, por conta dele, compreendemos o que fomos e

  • como somos. Os indivduos so produtores de Histria assim a histria da leitura produzidapelos leitores tambm produzida pelos que tem acesso a ela, pelos que a reconhecem e notem acesso a ela e pelos que mesmo tendo acesso a recusam.

    Ao retratar a histria da leitura no mundo ocidental, Roger Chartier e G.Cavallodescrevem um itinerrio histrico que nos permitem transitar no tempo. De acordo com ospesquisadores:

    Na Antigidade grega a escrita colocada a servio da cultura oral e daconservao do texto, onde a leitura era feita por poucos alfabetizados. Apartir da poca helenstica, a literatura passa a depender da escrita e do livro,cujo formato padro era o volumen ou rolo, dando incio a uma novaorganizao na produo literria. Surgem as grandes bibliotecas helensticasque representavam muito mais sinais de grandeza e de poder, do quepropriamente a difuso da leitura. Roma herda do mundo grego a estruturado volumen e as prticas de leitura (CAVALLO& CHARTIER,1997,P.73).

    Como vemos a leitura, por esta poca, era um hbito exclusivo das classesprivilegiadas, dando origem s bibliotecas particulares, smbolos de uma sociedade culta. Ocdex, um livro com pginas, substitui o rolo a partir do sculo II d.C, e essa transformaodo livro traz em si, novas prticas leitoras. Sob esta tica percebemos elementos da difuso daleitura e de j evidenciamos as formas desiguais de acesso como j preconizamos de inicioneste artigo.

    Segundo os pesquisadores citados, durante a Idade Mdia

    a prtica da leitura concentrou-se no interior das igrejas, das celas, dosrefeitrios, dos claustros e das escolas religiosas, geralmente restritas sSagradas Escrituras. Com o cdex, na Alta Idade Mdia surge a maneirasilenciosa de ler, sobretudo textos religiosos que exigiam uma leiturameditativa. Entre os sculos XI e XIV, quando renascem as cidades e comelas as escolas, desenvolvendo a alfabetizao, surge uma nova era dahistria da literatura, pois o livro passa a representar um instrumento detrabalho intelectual, de onde chega o saber. Ao mesmo tempo inovam-se osmodelos de biblioteca, cujo espao organizado e silencioso destinado leitura. nessa poca que aparece o livro em lngua vulgar, escrito s vezespelo prprio leitor, e que circula entre a burguesia, paralelo a um modelo deleitura da corte, da aristocracia culta europia. (CAVALLO&CHARTIER,1997,P.91).

    J na modernidade com as inmeras transformaes que afetaram os cenriospolticos, sociais, culturais e econmicos a prtica da leitura se aproximou do ato de ler eescrever, tendo em vista que a pratica da leitura vinculou-se

    s evolues histricas, alfabetizao, religio e ao processo deindustrializao. A tcnica da reproduo de textos, e produo de livros, so

  • inovados por Gutemberg; o que permite que cada leitor tenha acesso a umnmero maior de livros. Alm disso, a grande revoluo da leitura acontecepelo modelo escolstico da escrita, onde o livro se transforma numinstrumento de trabalho intelectual. A leitura silenciosa se estabelece atravsda relao ntima, secreta e mais livre do leitor com o livro, tornando maisgil a leitura. Surge, o "leitor extensivo"; que consome numerososimpressos, diferentes e efmeros, lendo com rapidez e sob um olhar crtico.A difuso do livro se d mais rapidamente, nascendo o romance com acapacidade de envolver o leitor, geralmente a leitora; que nele se identifica edecifra sua prpria vida. A leitura comea a se popularizar com leituras decordel, textos clandestinos, os textos de venda ambulante fomentam ocrescimento da produo de livros e a proliferao de livrarias, que soresponsveis por uma mudana de mentalidade na Europa. (CAVALLO&CHARTIER,1997, p.102)

    Com a popularizao da leitura ou a massificao do ato de ler observamos queteremos ai uma multiplicidade de olhares sobre esta realidade que construiu uma distino,por exemplo, entre a realidade em alguns pases da Europa (Frana, Portugal, Espanha) e arealidade da America Latina no tocante as polticas de acesso e promoo da leitura.

    Na civilizao ocidental a construo da legitimidade da leitura foi processualmente sedefinindo e virando critrio de distino social, de seleo, de conservao social e deautoridade da linguagem como abordou Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron em AReproduo (1970). A leitura tem nesta perspectiva sociolgica uma funo social queengendrada neste universo no escapar das relaes que sustentam a desigualdade social.

    Tomando como referncia o fragmento de narrativa com o qual iniciamos o texto,observamos que essa legitimidade da leitura forjada ao longo da histria no aceita semcontestaes, por isso, optamos pelo dilogo entre a histria cultural e a sociologia comomotivao para a investigao, na busca de encontrar um elo histrico-cultural para estaprtica que assume tambm uma funo social.

    Teceremos agora algumas elucidaes sobre a leitura no Brasil, pas de uma grandedimenso geogrfica com razes em uma sociedade escravocrata e excludente onde a questoda leitura , sobretudo, poltica. As polticas pblicas de educao no Brasil acerca da leituraesto aliceradas num territrio de desigualdade que vai desde o mercado de materialimpresso at as polticas de incentivo a leitura.

    1.1 LEITURA NO BRASIL: ENTRE HISTRIAS E CONCEPES DE LEITURA

  • No Brasil a sistematizao do espao escolar com bases axiolgicas de conhecimento,carter ideolgico, ordenamento de valores, esteve intrinsecamente relacionada s atribuiesde ensinar, e especificamente ensinar a ler.

    A partir do sculo XVII, a escola recebe oficialmente a atribuio da tarefa de ensinara ler (ZILBERMAN & LAJOLO, 1995), responsabilidade que hoje ultrapassa os quatrocentosanos. Nesse perodo, muitas mudanas ocorreram na educao de um modo geral, com vistas melhoria do ensino. No tocante leitura as mudanas aconteceram em vrios nveis:conceitual, social, poltico e cultural.

    A diversidade conceitual, sendo elemento processual permite a compreenso queenquanto prtica, a leitura vincula-se desde sua gnese difuso da escrita, confundidainicialmente, com a alfabetizao. Segundo Mantncio (1994), a associao da leitura aoprocesso de alfabetizao, de decodificao do cdigo escrito perpassa algumas dcadas, noBrasil. Isso implica perceber a leitura como uma atividade pragmtica, mecnica, de repetio(atravs da interpretao, da redao, da memorizao), e julg-las, ingenuamente, suficientespara aprendizagem e desenvolvimento do hbito de leitura. Esse fato muito presente narealidade educacional brasileira, pois, em muitos momentos do processo de aquisio daleitura, o professor alfabetizador prende-se mera reproduo de vocbulos e frases soltas,desconexas do contexto lingstico-contextual. No intencionamos aqui analisar o processo deaquisio da leitura, ou a alfabetizao propriamente dita, apenas direcionamos nossasreflexes, considerando esses aspectos pertinentes para a compreenso da futura formao doleitor no Brasil.

    Com base nesse pressuposto, a competncia do leitor colocada como possibilidade,relegada a segundo, terceiro plano, postergada para o futuro constituindo uma tarefa para serdesenvolvida nos anos seguintes da escolaridade, que tem acarretado outro problema, que,segundo ngela Kleiman (1995), vencido o primeiro e desapontado o contato com alinguagem escrita, se instaura o fracasso nessa relao com o livro, fruto das prticas doprofessor que, aps a alfabetizao, refora aspectos negativos sobre o livro e a leitura, demodo que logo o aluno passa a ser mais um no-leitor em formao. (1996, p. 16).

    Assim, a leitura tem significado o exerccio da decodificao e codificao mecnica,visto que nem toda pessoa alfabetizada leitora, tampouco o "ser alfabetizado" garante aformao do hbito de leitura. Confirma Magda Soares: ao povo permite-se que aprenda a ler,no se lhe permite que se torne leitor (1995, p.25).

    Corroborando esta idia Foucambert, (1994) destaca que entre a "leitura" doalfabetizado e a leitura do leitor, existe uma diferena na natureza do comportamento

  • desenvolvido, ou seja, ao primeiro faculta-se a mera decifrao do cdigo, como se o ato deler estivesse restrito ao significado linear/ literal da palavra escrita; ao segundo, entretanto,faculta-se a compreenso do lido, no sentido amplo da palavra, o que se l tem a ver com ocomo se v: ouve-se o que se diz, v-se o que se l: sinal de distino entre letrados ealfabetizados (op. cit. p. 12).

    Em contraposio a este tipo de pensamento, Paulo Freire afirma que o ato de ler nose esgota na decodificao pura da palavra escrita, mas se antecipa e se alonga na intelignciado mundo (1995, p. 11). Neste sentido, o autor fornece um panorama mais amplo, na medidaem que abre espao para novas possibilidades de leitura de um mesmo texto, onde estariamtecidos diversos significados: incorporados ao longo da trajetria do leitor. Nessa perspectiva,adquirem realce a experincia prvia, a viso de mundo, elementos imprescindveis construo dos significados acerca do lido. Para o autor, a leitura consiste num ato conscienteque no se esgota em si mesmo para resultar numa atividade que busca a compreenso do sere estar no mundo.

    Dessa forma, percebe-se um verdadeiro processo de revoluo diante das informaesnovas a que o leitor se submete, e aps esse confronto inicial, so acomodadas, reorganizadas,fundindo-se com a bagagem anterior prpria do leitor, constituindo um processo constante deacumulao das informaes e um crescente aumento do repertrio de leitura. Nesse jogosubjazem leitura aspectos no apenas psicolgicos, mas tambm filosficos e histricos.

    Ao descrever a influncia dos aspectos histricos, Maria Helena Martins (1994, p. 30)comenta: O ato de ler, se refere tanto a algo escrito quanto a outros tipos de expresso dofazer humano, caracterizando-se tambm como acontecimento histrico e estabelecendo umarelao igualmente histrica entre leitor e o que lido.

    O autor argentino Alberto Manguel em sua obra "Uma Histria da Leitura", afirmaque a relao do texto, ou a associao de livros com seus leitores diferente de qualqueroutra entre objetos e seus usurios. Ferramentas, mveis, roupas, tudo tem uma funosimblica, mas os livros infligem a seus leitores um simbolismo muito mais complexo (1997;p. 30), isso devido ao carter individual/coletivo que o livro possa representar, ou seja, osimbolismo advm da troca de experincias, dos acontecimentos partilhados, da riqueza dalinguagem, enfim, dos laos de afetividade.

    Assim percebida, a leitura se reveste de um poder considervel e assume umaimportncia premente no processo educativo devendo ser meta prioritria e fecunda naformao de leitores.Tal idia nos remete a ampliar o sentido da leitura s mltiplas

  • possibilidades miditicas e tecnolgicas uma vez que a expanso dos recursos tecnolgicosredimensionou as prticas de leitura.

    Ler supe um olhar de reconhecimento, mas no s sobre letras e sons. prestarateno para entender, captar, desvelar; ouvir e silenciar-se, quando no interior ficamguardados os sentidos recolhidos (RESENDE, 1997, p. 15). Nesse aspecto, so ultrapassadostodos os limites da possvel compreenso, indo alm das palavras e mergulhando-se no maisprofundo poo da imaginao, recolhendo os sentidos e os significados.

    Uma vez contextualizada historicamente a leitura, evidenciaremos que as prticasculturais da leitura esto inscritas e datadas no tempo, revelando que a leitura umaconstruo social imersa numa relao de sentido de ao cotidiana e das artes do fazer de

    cada agente social, circunscrita tanto num cenrio coletivo como individual.

    2.O NARRATIVAS DE PROFESSORES: ARTIMANHAS DE LEITURA INVENTADASNO COTIDIANO

    Fazendo uma aluso a clssica indagao de Certeau :O que que fabrica o historiadorda educao? Nos apropriamos da idia e indagamos: o que que fabrica um leitor? Como seforma um leitor? Qual o itinerrio, ou itinerrios, que deve trilhar um individuo paraconstituir-se em leitor? Se a leitura uma prtica cultural, como ento compreender aformao leitora de um educador?Qual o lugar das novas tecnologias na formao do leitor?

    A questo da formao leitora de professores tem despertado muitos debates no campoescolar brasileiro, esta formao intrinsecamente atrelada historicidade da leitura, conformeexpomos na primeira parte deste artigo, ressalta que por se tratar a leitura de uma prticacultural ela capaz de se transformar atravs da experincia das idias que circulam eadquirem legitimidade, principalmente pelos meios impressos, recriando a prpria realidadeque a produziu ou a que produtora.

    Para percebermos as prticas de leitura de professores, escolhemos um lcus e umaestratgia metodolgica que acreditamos dar conta dos nossos objetivos que se centram naanlise das prticas de leitura de professores. A escola escolhida, deu-se por um critrioalusivo ao habitus leitor, o nome da escola foi dado em homenagem a um jornalista piauienseapaixonado pela leitura cuja sua biblioteca pessoal foi doada para acervos pblicos. Comosujeitos desta pesquisa temos 04 professores de lngua portuguesa da referida escola queaceitaram o convite para um dilogo sobre sua formao leitora e seus contatos atuais com aleitura.

  • Utilizamos como metodologia os aportes da histria oral. Aquilo que se , leva-se umavida inteira para construir. O registro do testemunho oral, permite-nos um olhar sobre ahistria recriada por intermdio da reminiscncia dos informantes, uma sistematizao quepermite lanar luz sobre o tempo e sobre essa pluralidade de elementos que se entrelaamdurante uma vida inteira, vida esta que apreende a realidade e se d pela representao quefazemos dela, onde a reflexo sobre a realidade medida por valores, conceitos e aspiraesque integram o acervo de nossa memria singularmente constituda no processo coletivo denossa histria.

    Neste sentido a fala do indivduo um lugar privilegiado que permite o debruar sobrepercepes, experincias, considerando o carter representativo de uma poca, zelando pelaexperincia individual e lanando brechas para um vis objetivo na magnitude subjetiva.

    Os professores na inteno de ficarem mais a vontade para tecer seus comentrios,quando indagados sobre a utilizao de seus nomes ou de nomes fantasias, optaram por nomesfantasias e, juntamente com eles, escolhemos nomes de literatos piauienses, ficando assimdefinido: professora (A) TORQUATO NETO; professora (B) ASSIS BRASIL; professora (C)H DOBAL e professor (D) O.G.RGO.

    Para inicio de conversa agrupamos os trechos das falas relativos idia de leitura queestes sujeitos tm hoje a fim de que possamos partir do momento presente em direo aopassado:

    Eu vejo a leitura como algo essencial na sociedade hoje, acredito que a leituratransforma a vida das pessoas possibilita tomadas de deciso muito mais coerentes, at difcil pensar no quanto deve ser difcil enfrentar uma cultura letrada sem aleitura (Torquato Neto).

    Minha idia de leitura hoje como algo que imprescindvel. Tudo depende daleitura at exercer cidadania, se voc for enganado num momento de compra at pramanusear o cdigo do consumidor, voc tem que saber ler, e sem falar que aleitura que te permite ter um olhar critico sobre a realidade (Assis Brasil).

    Eu vejo a leitura num sentido mais potico, que no deixa de ser poltico tambm, atravs da leitura que conhecemos o mundo, no s a sociedade, mas um universo depalavras, de sentidos, o conhecimento mesmo, penso que conhecer passa pela lenteda leitura (H. Dobal).

    Eu fico at com medo do que a professora Rochelly pode pensar... [pausa, risos] mastudo bem que a leitura pode trazer muito conhecimento na vida de um homem, maseu penso tambm que ningum pensa hoje nos que no lem e que antigamentemuitos no liam e nem por isso foram pessoas mais ou menos felizes ou deixou deexistir mais ou menos catstrofes, eu sei que a leitura importante mas no tudo,como essa nossa sociedade de hoje prega (O. G. Rgo)

  • Expor todos os posicionamentos foi uma estratgia metodolgica para que possamoster uma viso sobre a pluralidade das concepes em torno da leitura, estes sujeitos sooriundos de uma realidade perifrica, tiveram condies de escolarizao semelhantes,trabalham no mesmo espao escolar, mas tem experincias nicas, suas, que subjetivamenteforam construdas sob uma objetividade, entretanto essa experincia particular com acultura letrada que norteia suas construes de sentido.

    Na fala do professor D desloca a leitura para um local secundrio, ele no a desmerececomo processo de construo do conhecimento, mas questiona, atravs de uma comparaocom o passado, a validade do discurso criado em torno da leitura como nica forma de seatingir o conhecimento.

    J nas falas dos professores A, B e C observa-se a associao da leitura com a poltica,quando se faz aluso ao discurso de formao do cidado, a relao com o conhecimento afim de uma anlise crtica da realidade as prprias estratgias da cultura letrada no tocante aparticipao dos indivduos.

    No tocante ao ato de ler recorremos a Ezequiel Teodoro da Silva, no seu livroElementos de uma Pedagogia da Leitura (1998) que aponta que:

    a leitura caracteriza-se como um dos processos que possibilita a participaodo homem na vida em sociedade em termos de possibilitar a transformaosociocultural futura. E, por ser um instrumento de aquisio, transformao eproduo de conhecimento, a leitura, se acionada de forma critica e reflexivadentro ou fora da escola, levanta-se como um trabalho de combate aalienao, capaz de facilitar as pessoas e aos grupos sociais a realizao daliberdade nas diferentes dimenses da vida. (SILVA,1998,P.24)

    Sobre a formao leitora e a memria das experincias de leitura os professoresentrevistados afirmaram:

    eu tive contato com a escola com 7 anos de idade devido a falta de instruo dosmeus pais eu no tive contato com a leitura e com livros antes disso, meu primeiroacesso a livros foram mesmo os didticos, na escola que eu estudei no tinhabiblioteca, livros de literatura eu s vim conhecer por volta da stima srie, depoismeu contato ampliou um pouco. S quando eu fiz universidade foi que eu compreimeu primeiro livro sei at qual foi Histria da Educao da Maria Lcia Arruda quea professora disse que era inadmissvel voc fazer pedagogia sem pensar em livros eleitura... confesso que nesta hora a ficha caiu. (Torquato Neto)

    Minhas lembranas de leitura so inmeras minha me era professora e minhas tiastodas tambm e todas ns morvamos na mesma casa. Eu adorava ler aprendi bemantes da escola minhas tias levavam as tarefinhas mimeografadas que sobravam daescola e me ensinavam em casa. Com seis anos eu j sabia ler, tanto foi que elas mematricularam antes de 7 anos na primeira serie. Tinha um camel que vendia aquelascolees infantis e l em casa no faltava. Minha relao com a leitura algo que foiconstrudo com entusiasmo... eu gosto de ler. (Assis Brasil)

  • Eu sou de uma gerao que comeou a ir pra escola com aproximadamente 2aninhos de idade, sabe gerao de pais no mercado de trabalho. Mas meus pais soprofessores de portugus, eles se formaram em letras, ai j sabe desde muito cedotive contato com a leitura, com a poesia... minha me lia pra mim, meu paicomprava livrinhos at de pano. Eles eram leitores assinavam revistas. engraadohoje na universidade eles dizem com se fosse algo novo no recortar o jornal ourevista pois eles so suporte de escrita, meu pai sempre disse isso pra olhar e sabermanusear as de cortar eram outras. Em nossa casa at cantinho do livro tem. (H.Dobal)

    Eu tive uma infncia marcada pelo trabalho, eu morava com meus avs pois eu erafilho do primeiro casamento da minha me que ficou viva bem cedo. Meu contatocom a leitura foi aos 10 anos quando eu fui fazer a primeira srie, eu tava atrasado,mas meus avs no tiveram culpa eles no tiveram acesso a escolarizao, mas erampessoas nobres e trabalhadores e de uma sabedoria incrvel, eu repeti algumas seriese dei um trabalho pra aprender a ler, e sem falar da vergonha pois eu era o maior dasala e o mais velho, mas eu superei isso e depois comecei a me esforar, a ler atpassar no concurso da prefeitura ainda s com o pedaggico depois foi que fizuniversidade. Eu reconheo a importncia da leitura, mas sei que ler apenas umdos atributos da formao de pessoas, no tudo. (O. G. Rgo)

    Quando recolhemos estes fragmentos de narrativas tivemos como objetivo observar aformao leitora com base nas categorias que Pierre Bourdieu congregou empiricamente emseus estudos. A categoria habitus e capital cultural.

    sobre o capital cultural que teceremos, a partir de agora, elucidaes conceituais. Nareflexo sobre este conceito faz-se necessrio a priore compreender que cada campo social,enquanto lcus onde se manifestam relaes de poder, se estrutura a partir da distribuio deum quantum social denominado por Bourdieu de capital social. A distribuio desigual dasespcies de capital requerido pelo campo vai determinar tanto a posio que o agente socialvai ocupar no campo, quanto s relaes materiais e simblicas travadas em seu interior. Oscampos sociais possuindo formas distintas de capital, mantm entre si uma relao constantej que a posse de um tipo de capital constitui a condio para a obteno de outro. Taldiscurso foi observado nas falas de todos os sujeitos entrevistados.

    No campo da produo cultural o capital cultural um valor produto da aopedaggica familiar e se refere competncia cultural e lingstica socialmente herdada, eque, obviamente, no distribudo equitativamente. Como observamos na fala do professorD. Uma das definies possveis se refere ao capital cultural como a proficincia no uso, efamiliaridade com a prtica de cdigos culturais dominantes, tais como estilos lingsticos,preferncias estticas e cdigos de interao social, o que pode ser observados nos relatos dasprofessoras B e C.

  • No que diz respeito noo de capital cultural, nunca demais lembrar que suaformulao na obra de Bourdieu est estritamente ligada a uma problematizao dadominao. Segundo este autor:

    O capital cultural pode existir sobre trs formas: no estado incorporado, ouseja, sob a forma de disposies durveis do organismo; no estadoobjetivado, sob a forma a de bens culturais quadros, livros, dicionrios,instrumentos, mquinas, que constituem indcios ou a realizao de teoriasou de crticas dessas teorias, de problemticas, etc.; e, enfim, no estadoinstitucionalizado, forma de objetivao que preciso colocar a parteporque, como se observa com relao ao certificado escolar, ela confere aocapital cultural de que , supostamente, a garantia propriedadesinteiramente originais (BOURDIEU, 1998, p. 74).

    No estado de capital cultural incorporado, Bourdieu afirma que a assimilao,enraizamento, incorporao e durabilidade do capital cultural em um determinado sistemademandam tempo e somente podem ocorrer de forma pessoal, no podendo ser externado,pois perderia a caracterstica prpria de capital cultural da instituio. No tocante aos sujeitosanalisados possvel afirmar que todos eles assimilaram este tipo de capital.

    J no estado objetivado o capital cultural aparece na aquisio de bens culturaisatravs do capital econmico sendo indispensvel a posse do capital cultural incorporado, porpossuir os mecanismos de apropriao e os smbolos necessrios a identificao do mesmo.Como observamos no depoimento da professora A, quando ela adquire o livro nauniversidade; da professora B, quando esta adquire via camel a coleo de livros; e naprofessora C, cuja casa possua espao privilegiado e especfico para o material impressoadquirido.

    Por fim, o capital institucionalizado onde Bourdieu discorre que a concretizao domesmo ocorre na propriedade cultural dos diplomas e sua aquisio. Todos os sujeitos destapesquisa possuem trajetrias de escolarizao que culminaram com a concluso do ensinosuperior.

    Fazendo um paralelo com a fala dos sujeitos e a elucidao conceitual de Bourdieu,temos a leitura como uma prtica social e cultural, onde a origem social, a herana cultural(papel do ambiente familiar), as trajetrias de escolarizao, o acesso aos bens culturais,acesso dos suportes da escrita e o acesso a bibliotecas deixam suas marcas objetivas nasubjetividade do leitor. A formao leitora , portanto, fruto de uma trajetria singular de vidacom as marcas de uma pluralidade social.

    No trabalho com as narrativas como um instrumento para se estudar a histria, EclaBosi (2004, p. 16), afirma que feliz o pesquisador que pode se amparar em testemunhos

  • vivos e reconstituir comportamentos e sensibilidades de uma poca. Ouvir os professoressobre suas experincias com a leitura convid-los para que a partir das histrias de si, estespossam compreender os itinerrios da leitura como um processo cultural. Neste sentido,passemos as definies que estes sujeitos deram ao ato de ler:

    Ler significa ter oportunidade de ver as coisas por novos olhos (Torquato Neto)

    Ler significa ampliar nossa viso de mundo e nossa comunicao desde contatos docotidiano at a tecnologia (Assis Brasil)

    Ler significa pra mim um universo de possibilidades, um conforto pra o esprito,uma nova informao, algo que expressa emoo, sentimento. Ler um processomgico. (H. Dobal)

    Ler um exerccio intelectual e plural, ler o mundo, no s palavras, ler semobrigao mas por prazer da descoberta. Ler e adquirir mais uma forma de dialogarcom o mundo. (O.G.Rgo)

    Mais uma vez, a partir da anlise destes relatos, percebemos que as falas dasprofesoras A, B e C tendem a convergir, formando uma idia de que a leitura imprescindvelpara a construo do conhecimento e do convvio social. Alm disso, estas falas seaproximam de uma sinestesia, do tocar, do sentir, do ver da leitura. como se esta ltima,nestes relatos, assumisse uma espcie de patamar de aprimoramento, como se a leitura fosseuma sensibilidade que assumisse em si a capacidade de potencializar os outros sentidos,tornando-os mais susceptveis realidade em todos em seus espectros, na sua completude aponto de ser adjetivada de mgica.

    Entretanto, destoando deste consenso a definio apresentada pelo professor Dressalta, e questiona esta primazia enfocando ser a leitura mais uma das formas de dilogocom o mundo e no a nica.

    Em relao s experincias com a leitura digital e lugar que esta ocupa nas trajetriasformativas de professores registrou-se que:

    Apesar do meu contato com a leitura digital ser recente tudo comeou a partir dacompra do meu computador prprio e da sugesto que a supervisora pedaggica daminha escola deu sobre os livros que voc pode baixar do site do ministrio daeducao gratuitamente. (Torquato Neto)

    Hoje voc pode pesquisar at seus planos de aula em sites,buscar artigos em sitesdas universidades,salvar livros e ler no notebook. uma nova experincia e possodizer bem diferente tambm.Existe a possibilidade de ampliar as letras,marcartrechos e depois desmarcar. uma rica possibilidade.(Assis Brasil)

    Eu tenho algumas limitaes quanto leitura digital mas sempre que oportuno eufao leituras e uso sem resistncia,minha maior dificuldades o acesso a internetque ainda no acessvel para minha famlia,mas no trabalho j tenho , embora otempo no seja o mais adequado.(H. Dobal)

  • Sou bastante prtico s leio rpidas noticias para me manter informado. (O.G.Rgo)

    Nos trechos acima evidenciamos o lugar das novas tecnologias nas apropriaes dasprticas de leitura dos sujeitos A,B,C e D.

    Assim, as histrias que contamos compem nossa histria de vida, possibilitamadentrar a um mundo particular e essa singularidade valiosa. uma ponte particular capazde transmitir uma experincia coletiva. Em outras palavras: Uma lembrana um diamantebruto que precisa ser lapidado pelo esprito (BOSI, 1996).

    Este artigo no tem a pretenso de esgotar esta discusso, mas de suscitar novasinquietaes ressaltando a importncia de situar historicamente a leitura, a potencialidade detecer elucidaes sociolgicas pela voz dos sujeitos, informantes orais de suas experincias.Nosso objetivo se multiplica sempre que percebemos a riqueza dos ditos.

    Ouvir os professores em suas experincias cotidianas abre um leque de possibilidades.Ouvir os ditos um ensaio que nos permite transitar cautelosamente num terreno movedio,por isso a subjetividade no pode ser isolada da objetividade, bem como a objetividade no preponderante sobre a subjetividade.

    Num sentido reflexivo as falas e as elucidaes conceituais aqui apresentadascorroboram para a percepo da fertilidade do estudo da formao leitora e para a percepoda beleza do conhecer das artimanhas do ler.

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