Guimarães Rosa -...
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Que eu nasci no ano de 1908, você já sabe. Você não
deveria me pedir mais dados numéricos. Minha biografia,
sobretudo minha biografia literária, não deveria ser
crucificada em anos. As aventuras não têm tempo, não
têm princípio nem fim. E meus livros são aventura; para
mim são a minha maior aventura. Escrevendo, descubro
sempre um novo pedaço de infinito. Vivo no infinito, o
momento não conta. Vou lhe revelar um segredo: creio já
ter vivido uma vez. Nesta vida, também fui brasileiro e me
chamava João Guimarães Rosa. Quando escrevo, repito o
que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só
não é suficiente
(Guimarães Rosa. Depoimento ao crítico alemão Günter
Lorenz em 1965).
Guimarães Rosa
Profª Neusa
3ª fase do Modernismo = Geração de 45
Regionalismo = Sertão (MG)
Universalização = Mundo
“ O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada
um o que quer aprova, o senhor sabe, pão ou pães é questão de
opiniães... O sertão está em toda a parte.” (Grande sertão: veredas)
Invenção da linguagem = Estilização da
linguagem sertaneja / Prosa poética
Fusão entre o
real e o mágico
1º momento: Patriarcalismo, desmando e força bruta = Valentia
e honra (“lavar com sangue”)
"Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto – o homem – nessa noitinha de novena, num leilão de atrás da igreja, no arraial da Virgem nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici".
2º momento: Traição
“Mas outros dos homens desceram os porretes. Nhô Augusto ficou estendido, de- bruços, com a cara encostada no chão.”
3º momento:
Arrependimento e expiação (Um mergulho
em si mesmo) “— Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, (...) Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua.”
4º momento: Penitência, abstenção e provação
“(...) o começo da viagem teria de ser uma verdadeira escapada. E, ao sair, Nhô Augusto se ajoelhou, no meio da estrada, abriu os braços em cruz, e jurou: — Eu vou p’ra o céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!... (...) pegou o passo, a caminho do sertão.” “E assim se deu que, lá no povoado do Tombador...”
5º momento: Tentação Vindos do norte, da fronteira velha-de-guerra, (...) bem apessoados, chegaram uns oito homens, que de longe se via que eram valentões.” “E o chefe (...) era o homem mais afamado dos dois sertões do rio:(...) ; o arranca-toco, o treme-terra, o come- brasa, o pega-à-unha, o fecha-treta, o tira-prosa, o parte-ferro, o rompe-racha, o rompe-e-arrasa: Seu Joãozinho Bem-Bem.”
6º momento: A caminho da redenção
“—Adeus, minha gente, que aqui é que mais não fico, porque a minha vez vai chegar, e eu tenho que estar por ela em outras partes!” “Mas, depois, aceitou, porque mãe Quitéria lhe recordou ser o jumento um animalzinho assim meio sagrado, muito misturado às passagens da vida de Jesus.”
7º momento: Redenção “Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sério contentamento. Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrado, sumido: — Põe a bênção na minha filha.., seja lá onde for que ela esteja... E, Dionóra... Fala com a Dionóra que está tudo em ordem! Depois, morreu.”
A travessia mítica A hora e a vez de Augusto Matraga
Estrutura ternária
Pecado (inferno)
Cel Nhô Augusto Esteves (o social)
Saco do Embira
Período de seca
1ª Fase
Penitência (purgatório)
Nhô Augusto (o homem)
Ida ao sertão, mais ao norte (povoado
do Tombador)
Período da chuva
2ª fase
Êxtase e salvação (céu)
Matraga (o mítico)
Povoado do Rala-Coco
Êxtase da natureza
Mas afinal, as chuvas cessaram (...) e um
desperdício de verdes cá embaixo...
3ª parte
Síntese - Processo de autoconhecimento / iluminação
Fusão de Bem e Mal = potencialidades intrínsecas no homem
Duelo entre Nhô Augusto e Joãozinho Bem-Bem
Mal Bem
Tese Antítese Tensão
Passado
vergonhoso
Presente em busca
da salvação
Percurso Mítico e Épico da travessia humana
Provérbios “— Sino e santo não é pagode, povo! Vou no certo... Abre,
abre, deixa o Tião passar!”
“Deus mede a espora pela rédea, e não tira o estribo do pé
de arrependido nenhum...”
“(...) a tristeza é aboio de chamar o demônio, e o Reino do
Céu, que é o que vale, ninguém tira de sua algibeira, desde
que você esteja com a graça de Deus, que ele não regateia
a nenhum coração contrito!”
Ritmo e rimas “— Que é?!... Você tem perna de manuel-fonseca, uma fina
e outra seca! E está que é só osso, peixe cozido sem
tempero... Capim p’ra mim, com uma sombração dessas!...
Vá-se embora, frango-d’água! Some daqui!”
Musicalidade: onomatopeia, assonância e
aliteração “De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de
maitacas passava, tinindo guizos, partindo vidros,
estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais
baixo, com as maitacas verdinhas, grulhantes,
gralhantes,(...)”
Quadrinhas populares “Mariquinha é como a chuva:
boa , p’ra quem quer bem!
Ela vem sempre de graça,
só não sei quando ela vem...”
“Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava
tudo o que podia e comecei a transformar em
lenda o ambiente que me rodeava, porque este,
em sua essência, era e continua sendo uma
lenda. Instintivamente, fiz então o que era justo,
o mesmo que mais tarde eu faria deliberada e
conscientemente: disse a mim mesmo que sobre
o sertão não se podia fazer literatura do tipo
corrente, mas apenas escrever lendas, contos,
confissões. Não é necessário se aproximar da
literatura incondicionalmente pelo lado
intelectual. Isto vem por si só, com o tempo,
quando o homem chega à sua maturidade,
quando tudo nele se amalgama em uma
personalidade própria.” (Guimarães Rosa)
(UNICAMP) – Leia a seguinte passagem de “A Hora e Vez de Augusto
Matraga”:
O casal de pretos, que moravam junto com ele, era quem mandava e
desmandava na casa, não trabalhando um nada e vivendo no estadão.
Mas, ele, tinham-no visto mourejar até dentro da noite de Deus,
quando havia luar claro. Nos domingos, tinha o seu gosto de tomar
descanso: batendo mato, o dia inteiro, sem sossego, sem espingarda
nenhuma e nem nenhuma arma para caçar; e, de tardinha, fazendo
parte com as velhas corocas que rezavam o terço ou os meses dos
santos. Mas fugia às léguas de viola ou sanfona, ou de qualquer outra
qualidade de música que escuma tristezas no coração.
(João Guimarães Rosa, “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, In:
Sagarana. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1984, p.359.)
a) Identifique o casal que vive junto com o protagonista da narrativa.
b) Explique o comportamento do protagonista no trecho acima,
confrontando-o com sua trajetória de vida.
c) O que há de contraditório no descanso dominical a que o narrador
se refere?
Respostas:
a) Serapião e Mãe Quitéria são o casal que passa a viver
com Augusto Esteves durante seu período de
recuperação e provação.
b) Augusto Esteves entrega-se a uma vida de ascese
religiosa, o que se opõe à vida desregrada que possuía
antes do trecho apresentado e que o preparará para o
grande evento no final da narrativa, em que cumprirá
uma missão divina: dar a sua vida em defesa dos
desprotegidos.
c) Nhô Augusto usa o domingo, dia tradicional de
descanso, para andar sem parar pelo mato, com a
intenção de martirizar o corpo, ou seja, de não obter
descanso.
Q20 (Unicamp 2016) (...) E, páginas adiante, o padre se portou
ainda mais excelentemente, porque era mesmo uma brava
criatura. Tanto assim, que, na despedida, insistiu:
- Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de
capina com sol quente, que às vezes custa muito a passar,
mas sempre passa. E você ainda pode ter muito pedaço bom
de alegria... Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de
ter a sua.
(João Guimarães Rosa, A hora e a vez de Augusto Matraga, em Sagarana. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira, 2001, p. 380.)
(...) Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com
sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu
rosto subia um sério contentamento.
Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora
sussurrando, sumido:
- Põe a bênção na minha filha..., seja lá onde for que ela
esteja... E, Dionóra... Fala com a Dionóra que está tudo em
ordem!
Depois morreu. (Idem, p. 413.)
a) O segundo excerto, de certo modo, confirma os ditos
do padre apresentados no primeiro. Contudo, “a hora e
a vez” do protagonista não são asseguradas, segundo a
narrativa, pela reza e pelo trabalho. O que lhe garantiu
ter “a sua hora e a sua vez”?
b) “A hora e a vez” de Nhô Augusto relacionam-se aos
encontros que ele tem com outro personagem,
Joãozinho Bem-Bem, em dois momentos da narrativa.
Em cada um desses momentos, Nhô Augusto precisa
realizar uma escolha. Indique quais são essas escolhas
que importam para o processo de transformação do
personagem protagonista.
Resposta:
a) Nhô Augusto encontra sua “hora e vez”, no mento em que externa
sua seu caráter violento, que, em nome da salvação, havia repimido. A
mudança se dá quando protege o povoado do Rala-Coco contra a
ação do grupo de valentões de Joãozinho Bem-Bem. Dessa forma, a
redenção não acontece por meio de uma ascese mística, e sim pela
ação humana que envolve fé, honra e violência
b) No primeiro encontro de Augusto Matraga com Joãozinho Bem-
Bem, vê-se uma simpatia mútua (“nossos anjos-da-guarda
combinaram”) que se estenderá pelo resto da narrativa. É por causa
dessa harmonia de almas que Joãozinho se oferece para praticar
qualquer vingança em nome de Nhô Augusto. Apesar de o
protagonista ainda sentir ódio de Ovídio Moura e Major Consilva,
recusa a oferta. Pouco depois, Augusto Esteves é convidado a
integrar o bando de Bem-Bem, porém rejeita. No segundo encontro,
Nhô Augusto mais uma vez não aceita o convite para “se
amadrinhar” ao bando de Joãozinho. No final da narrativa, em nome
de um senso de justiça prefere ficar do lado dos desprotegidos e
desconhecidos a apoiar seu amigo Joãzinho Bem-Bem. Dessa forma,
as opções de Matraga constituem estágios para o desenvolvimento
de sua honra, e consequente redenção.