Guia COE (Conselho da Europa)
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GUIA DE ESTUDOS
Conselho da Europa
Tolerância e intolerância religiosa nas políticas
públicas da Europa
Cristina Camila Teles Saldanha
Diretora
Ana Paula Barbosa Coelho
Diretora Assistente
2
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO DO TEMA ......................................................................... 3
1.1 A temática religiosa nas Relações Internacionais .................................. 3
1.1.1 Histórico: Os tratados de Westfália ....................................................... 5
1.1.2 A religião no contexto contemporâneo ................................................. 7
2 APRESENTAÇÃO DO COMITÊ ................................................................... 10
3 POSICIONAMENTO DOS ATORES RELEVANTES .................................... 13
3.1 Países da Europa Ocidental .................................................................... 13
3.1.1 França ..................................................................................................... 14
3.2 Países do Leste Europeu ......................................................................... 19
3.2.1 Turquia ................................................................................................... 20
4 QUESTÕES RELEVANTES PARA A DISCUSSÃO .................................... 21
4.1 O vínculo entre religião e segurança ...................................................... 22
4.2 Fluxos migratórios por motivações religiosas ...................................... 26
4.3 O papel da imprensa nas discussões sobre religião ............................ 28
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 31
TABELA DE DEMANDA DAS REPRESENTAÇÕES ..................................... 34
ANEXOS .......................................................................................................... 38
3
1 APRESENTAÇÃO DO TEMA
“A questão da religião na política global não é nada senão altamente
complexa” (MANDAVILLE, 2009, p. 119, tradução nossa)1. Com esta
afirmativa, Peter Mandaville resume seu trabalho sobre a religião, tema central
em debates das mais diversas áreas acadêmicas, como as Relações
Internacionais, passando a ser o foco das discussões em diversos ambientes
diplomáticos, principalmente naqueles voltados para o combate ao terrorismo.
1.1 A temática religiosa nas Relações Internacionais
Por muitos anos, estudiosos de várias áreas lutaram para encontrar uma
definição para o termo religião. Alguns acreditam que a religião está
principalmente ligada à concepção de deus, que varia de acordo com o formato
da religião, podendo ser monoteísta ou politeísta. Por outro lado, outros
trabalham com a ideia de que a religião é a forma encontrada para distinguir o
sagrado do profano. (MANDAVILLE, 2009).
Em seu artigo “Como as crenças religiosas afetam a política”2, Peter
Mandaville (2009) apresenta tais concepções, mas faz sua própria definição
acerca do tema. Para o autor,
quando falamos em religião estamos nos referindo a indivíduos e grupos que baseiam suas identidades e ética pelo menos em parte em uma tradição ou conjunto de crenças sobre a criação do mundo e a ordem existente nele, localizando a fonte desta criação e ordem fora de uma ação puramente humana ou natural. (MANDAVILLE, 2009, p. 98, tradução nossa)
3.
A partir de tal definição, podemos avaliar a real influência das mais
diversas religiões no contexto das relações internacionais contemporâneas. Ao
pensar a questão religiosa atualmente, é quase impossível não citar o
1The question of religion in global politics is nothing if not highly complex.
2 How do religious beliefs affect politics? (Tradução nossa)
3 ...when we are talking about religion we are referring to individuals and groups who base their
identities and ethics at least in part on a tradition and set of beliefs about the creation of the
world and the order within it that locates the source of this creation and order outside purely
human or natural agency.
4
denominado “mundo islâmico”. Isso ocorre devido aos eventos de 11 de
setembro de 2001, ou aos ataques que os seguiram, como em Londres, em 7
de julho de 2005 e em Madri, em 11 de março de 2004 Entretanto, a
combinação entre religião e política também se dá em movimentos internos,
em diversos países, como, por exemplo, a ação do Hamas na Palestina, do
Hezbollah no Líbano ou do governo Talibã no Afeganistão (MANDAVILLE,
2008, p. 98-99).
Apesar dessa tendência de focar o estudo da religião nas relações
internacionais nos movimentos islâmicos, muito outros exemplos das mais
diversas religiões mostram o importante papel de todas elas na política global.
Como exemplo, podemos citar o caso da Irlanda do Norte, onde o conflito
violento, iniciado no século XII com a tentativa inglesa de anexar a Irlanda a
seu reino e a migração de diversos protestantes para este país, tem como
partes oponentes os grupos católico e protestante. Ou ainda o Sri Lanka, onde
a guerra civil baseia-se em uma disputa entre grupos hindus e budistas.
Finalmente, o caso da ex-Iugoslávia e os conflitos entre católicos e ortodoxos
ou cristãos e muçulmanos. Como afirma Mandaville:
mesmo que muitos dos participantes destes conflitos não tenham definido suas ações e motivações com referência direta à religião, o fator religioso foi importante porque permitiu a liderança de certos grupos aumentar sua participação apelando a causas maiores. (MANDAVILLE, 2008, p. 100, tradução nossa)
4.
É de suma importância ressaltar que movimentos internos em diversos
países também podem estar ligados a outras religiões que não apenas o
islamismo. Mandaville afirma que, no caso estadunidense, a força do
movimento cristão protestante é a principal razão do sucesso político do partido
republicano nos últimos anos. Para o autor, os Estados Unidos da América
(EUA) se tornam, então, um ótimo exemplo de país onde, formalmente, a
religião está separada do Estado, mas, na realidade, ainda possui grande peso
na política. (MANDAVILLE, 2008).
4 While many of the participants in these conflicts did not define their actions and motivations by
direct reference to religion, the religious factor was important because it allowed the leadership of certain parties to raise the stakes by appealing to a greater cause.
5
Como até então demonstrado, a questão religiosa tem se tornado um
tema cada vez mais delicado para as Relações Internacionais. Isso porque a
discussão envolve temas e conceitos complexos, como fé, cultura, história,
crenças, direito internacional, dentre tantos outros. Essa discussão e o
entendimento da dimensão da questão religiosa se tornam, então, assuntos
muito delicados, à medida que são envolvidos diversos pontos de vista e
orientações, e entender a dimensão da questão religiosa é uma tarefa a que se
propõe o presente material.
1.1.1 Histórico: Os tratados de Westfália
Por muitos séculos, a Guerra dos Trinta Anos (1618–1648) foi
considerada a pior guerra da história da Europa, com graus de destruição e
mortes só superados com as Guerras Mundiais do século XX. Alguns autores
consideram que, muito mais que uma guerra, foi uma crise geral, que marcou o
século XVII como um século de decrescimento demográfico e, até mesmo,
econômico, um século de atrasos, destruição, pestes e guerras.
A Guerra dos Trinta Anos foi, por um lado, uma guerra civil alemã, entre regiões que queriam autonomia diante do poder imperial e outras que sustentavam o Império, cuja capital estava em Viena. Por outro, foi um conflito internacional entre os defensores católicos do imperador austríaco do Sacro Império Romano Germânico aliado a seu parente espanhol, Felipe, ambos da dinastia Habsburgo, contra uma coligação protestante de principados alemães, a Holanda, a Dinamarca, a Suécia e mais a católica França. (CARNEIRO, 2006, p. 166).
Mas, ao mesmo tempo, foi, também, uma guerra de religiões, a última de
uma sequência de conflitos entre católicos e protestantes. Com a Paz de
Augsburgo, em 1555, ficou admitida a prática do protestantismo na Alemanha,
de origem luterana, o que permitiu uma relativa trégua entre católicos e
protestantes. Mas o surgimento de outros grupos, como os calvinistas, acabou
com o equilíbrio estabelecido. (CARNEIRO, 2006)
6
A dinastia Habsburgo, então, de origem jesuíta, com o crescimento da
Contra-Reforma5, busca a expansão de seu Império, na tentativa de abafar as
forças protestantes. No entanto, tal projeto ameaçava potências europeias de
maioria protestante, o que levou a entrada de países como Holanda e
Dinamarca na guerra. (CARNEIRO, 2006).
As negociações para o fim do conflito duraram anos, e contaram com a
participação de diversos Estados europeus. Dentre as várias discussões que
surgiram na reunião realizada nas cidades de Münster e Osnabrück, ambas na
Alemanha, o maior impacto das negociações foi a assinatura dos Tratados de
Westfália e, assim, a criação de um sistema internacional de Estados. Com os
Tratados,
estabelece-se um pressuposto de reciprocidades, um direito internacional com pactos regulando relações internacionais, com a livre navegação nos mares e a busca do não comprometimento do comércio e de civis na guerra. Os Estados deixam de sujeitar-se a normas morais externas a eles próprios e impõem uma lógica de dominação pragmática, que passou a ser conhecida desde então pela expressão “razão de Estado”. As relações internacionais são secularizadas, ou seja, estabelecidas em função do reconhecimento da soberania dos Estados, independentemente de sua confissão religiosa. Toda a política moderna e contemporânea, baseada no reconhecimento da legitimidade dos Estados e na constituição de um conjunto político de nações que se reconhecem como parte de um sistema em que rege um direito internacional, deriva do modelo criado e formalizado a partir da Paz de Westfália. (CARNEIRO, 2006, p. 184-185)
Assim, a Paz de Westfália consolida o Estado moderno como potência
soberana e independente, núcleo da sociedade internacional. A partir de tal
tratado, os Estados passam a possuir uma consciência internacional, aceitando
a coexistência das várias entidades independentes e iguais, com o direito de
assegurar sua existência. O objetivo das relações internacionais, então, passa
a ser a busca do equilíbrio entre os Estados, uma vez que o sistema
5 A Contra-Reforma foi o movimento da Igreja Católica em resposta à Reforma Protestante do
século XV. A Igreja se viu obrigada a tomar medidas drásticas para frear a onda protestante
que se alastrava pela Europa. Como principais medidas, pode-se citar a reabertura o Tribunal
da Santa Inquisição, e a realização do Concílio de Trento, congresso que teve como objetivo a
reestruturação da Igreja e o fortalecimento da mesma.
7
internacional se caracteriza pela ausência de uma instância superior de poder.
(CARNEIRO, 2006)
1.1.2 A religião no contexto contemporâneo
Samuel Huntington foi um dos teóricos mais conhecidos por escrever
sobre o mundo pós-Guerra Fria. O economista estadunidense ficou famoso por
sua tese do “choque de civilizações” publicada primeiramente em um artigo da
revista Foreign Affairs em 1993. (DIAS, 2008).
Mais tarde desenvolvida em seu livro “O choque de Civilizações e a
Recomposição da Ordem Mundial”, a teoria de Huntington pretendia analisar os
acontecimentos na ordem internacional do mundo pós-Guerra Fria a partir do
paradigma das civilizações, ou seja, um mundo composto por potências de
civilizações diferentes. (DIAS, 2008).
O mundo do período da Guerra Fria era bipolar, dividido por países
democráticos, liderados pelos Estados Unidos, e comunistas, liderados pela
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Para Huntington, a partir
da década de 90, o novo sistema internacional passa a ser multipolar e agora
os conflitos não seriam mais deflagrados por diferenças ideológicas, mas sim
por diferenças culturais. (DIAS, 2008, p. 17-18).
A partir dessa nova visão de sistema internacional, o autor
analisa o atual ordenamento da política mundial e mostra que os alinhamentos antes definidos pelas ideologias estão dando lugar aos alinhamentos definidos pela cultura e pela civilização. Países de mesma cultura tendem a se aproximar e a cooperar entre si. Países de culturas diferentes estão se afastando. Fronteiras políticas estão sendo redefinidas com base nas fronteiras culturais, levando em conta etnia, religião e civilização. No mundo novo, o que define o lugar do Estado na política mundial é sua identidade cultural. Os países estão se reorientando em busca de uma aproximação com aqueles culturalmente semelhantes. (DIAS, 2008, p. 25).
Huntington vai, ainda, defender que os principais oponentes da
civilização ocidental seriam o Islã e a China. Os conflitos envolvendo o
Ocidente seriam, para o autor, predominantes, uma vez que tal civilização se
pretende universal, além de já ter exercido certo impacto sobre as outras
8
civilizações. O economista caracteriza o Islã e a China como desafiadores,
sendo os mais resistentes à democratização. Assim, por se verem como
superiores aos outros e buscarem a universalização de seus ideais, o grande
problema do Ocidente é o Islã, e vice-versa. (DIAS, 2008)
Edward Said, cristão de raízes palestinas, foi um dos principais críticos à
teoria de Huntington. Para Said, Huntington falhou em um princípio básico que
coloca em cheque toda sua teoria. De acordo com o autor, a falha de
Huntington está em considerar as civilizações como entidades estagnadas,
fechadas e livres de qualquer intercâmbio, que permitem mudanças ao longo
do tempo. Falha, também, ao não considerar a dinâmica interna e a pluralidade
existente em cada civilização. Isso levaria ao grande erro de caracterizar uma
civilização inteira, como acontece com o Islã, a partir de fatos isolados
promovidos por grupos isolados (DIAS, 2008). Assim, pode-se dizer que,
apesar de extremamente importante para explicar a atual configuração
mundial, a divisão do mundo em civilizações falha ao desconsiderar alguns
fatores importantes internos a cada civilização.
Com o fim da Guerra Fria, a temática religiosa se intensificou após os
eventos de 11 de setembro de 2001 nos EUA. O término da Guerra Fria
possibilitou algumas mudanças, como: a fonte de identidade torna-se a cultura,
e não mais uma ideologia, marcada pela polarização capitalismo-socialismo;
verificou-se um grande ressurgimento da religião em todo o mundo, exceto na
Europa Ocidental. “A natureza do conflito internacional mudou” (HAYNES,
2003, p. 8 tradução nossa)6, ou seja, realizou-se menos guerras interestaduais
(envolvendo apenas dois países) e mais conflitos de guerras civis ou guerras
comunais entre grupos étnicos e nacionais, dentre outros.
Assim, com os atentados realizados contra os Estados Unidos em 11 de
setembro de 2001, emergiu-se uma preocupação em torno da segurança
internacional por parte da maioria dos países Ocidentais. A partir daí surge um
vínculo entre religião e segurança: a religião aqui significaria um movimento
sociopolítico em vez de uma doutrina espiritual que modela comportamentos
(HAYNES, 2003). Os grupos pejorativamente denominados “fundamentalistas
6 The nature of international conflict has changed.
9
islâmicos” (BERGER, 2000) estariam motivados por uma ideologia anti-
Ocidental. Contudo, de acordo com Haynes (2003), não há evidências
concretas de que exista uma conexão entre a atuação da Al-Qaeda, grupo
nacionalista que concretizou o ataque no dia 11 de setembro e o fenômeno do
transnacionalismo islâmico (HAYNES, 2003).
Dentro dessa discussão, a Europa enfrenta alguns problemas relativos à
tolerância religiosa em alguns países do seu território. Há um grande fluxo
migratório dos países islâmicos para o continente europeu, porém, em um
artigo redigido por Scott Milligan, Robert Andersen, e Robert Brym (2013), que
relata o grau de tolerância entre os países ocidentais e de maioria mulçumana,
há a constatação de que os imigrantes mulçumanos são mais tolerantes e mais
receptivos dos que aqueles presentes em países majoritariamente islâmicos.
Além disso, foi também verificada uma tendência de maior tolerância nos
países ocidentais, mas na Europa tem casos desviantes, como a França, cuja
política governamental exerce um forte controle perante as práticas religiosas.
Também são evidentes os fluxos migratórios de países africanos, de população
islâmica, para o sul europeu como Espanha e Portugal (MILLIGAN;
ANDERSEN; BRYM, 2013).
Tendo por base todo esse movimento de imigração na Europa, a
tolerância religiosa relaciona-se com a securitização. No continente europeu,
principalmente do lado ocidental, havia um consenso de que o grau de
secularidade está diretamente relacionado com a modernização da sociedade,
isto é, assim que as sociedades se modernizassem, tornando-se urbanas e
industrializadas, invariavelmente seriam secularizadas (HAYNES, 2003).
Contudo, os crescentes movimentos em relação à securitização de questões
religiosas vão contra tal afirmativa. A Europa, apesar de ser um cantão de
modernidade, caminha em direção à securitização de questões religiosas,
trazendo para o debate político questões que normalmente ficariam a cargo do
debate filosófico, religioso, entre outros7.
7 A explicação da relação entre segurança e religião será mais bem explicitada no item 4 –
Questões relevantes para a discussão, especificamente no subitem 4.2 – O vínculo entre religião e segurança.
10
O relacionamento entre política e religião adotado pela maioria dos
países europeus refere-se a “privatização da religião” em que:
privatização religiosa significa que as organizações religiosas não têm o direito de estarem ativamente envolvidas com assuntos de interesse público ou de desempenhar um papel na vida pública. (HAYNES, 2000, p. 2, tradução nossa)
8.
Portanto, nota-se que a receptividade europeia no que diz respeito à
liberdade de culto e religião dependerá da postura adotada por cada Estado
deste continente. Os países do lado ocidental configurariam naquilo que foi
acima denominado de “privatização da religião” (em termos de restringir a
prática religiosa ao âmbito privado, não a manifestando publicamente),
enfatizando a laicidade dos Estados, enquanto os países do lado oriental da
Europa representam uma multidiversidade cultural, estando próximo a outras
regiões como ao Oriente Médio e à Ásia. Sendo a Europa um continente com
forte heterogeneidade, a religião enquadra-se em um fator que potencializa
essa mistura cultural (HAYNES, 2000).
2 APRESENTAÇÃO DO COMITÊ
Na Europa, o espaço mais propício para os debates acerca da tolerância
religiosa seria o Conselho da Europa (Counsil of Europe - COE). Trata-se de
uma organização intergovernamental, independente da União Europeia (UE)
cuja finalidade é a proteção dos direitos humanos, promoção da diversidade
cultural da Europa e o combate aos problemas sociais, como preconceitos e
intolerâncias (COMUNIDADES EUROPEIAS, 2008)9.
8 Religious privatization means that religious organizations shall not have the right to be actively
engaged with matters of public concern or to play a role in public life. 9 É importante frisar a diferença entre o Conselho da Europa com o Conselho Europeu e o
Conselho da União Europeia. Conforme dito no texto acima, o Conselho da Europa não faz parte da UE enquanto os outros últimos fazem. Entretanto, há uma distinção entre os dois: o Conselho Europeu dita as políticas gerais a serem adotadas pela Europa, é formada por chefes de governo ou Estado, mas não exerce função legislativa. Já o Conselho da União Europeia é composto por ministros de governo dos Estados membros da UE, realiza reuniões periódicas, adota decisões específicas e aprova a legislação da UE (Comunidades Europeias, 2008).
11
O Conselho da Europa foi criado em 1949, uma das mais antigas
instituições regionais europeias, contando com 10 membros originais10. Sua
sede localiza-se em Estrasburgo, França. Atualmente, possui 47 membros,
incluindo os 27 membros da União Europeia11. Diferente da UE, o Conselho da
Europa é um organismo com maior participação que considera a multiplicidade
de atores europeus: para exemplificar, pode-se citar a Turquia, que é um país
intercontinental (entre Europa e Ásia) que apesar das tentativas, não foi aceita
como membro da UE, mas é parte do COE desde o ano de sua formação
(UNIÃO EUROPEIA, 2013)
Vale ressaltar também uma análise comparativa entre o Conselho da
Europa (COE) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Ambos se inserem
no Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos e foram criados
após a Segunda Guerra Mundial – a ONU em 1945 e o COE em 1949. A
diferença está no âmbito de atuação e no grau de efetividade de suas ações: o
COE, por ser uma organização que atua no âmbito regional, possui maior força
para concretizar seus projetos enquanto a ONU, de caráter global, enfrenta
mais dificuldades para implementar seus planos.
Ao mencionar a finalidade do COE como protetor dos direitos humanos
deve-se considerar a existência, nesta organização, de um Tribunal Europeu
de Direitos Humanos, criado a partir da primeira convenção produzida no
Conselho (a Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais, de 1950). Esse Tribunal Europeu, ou Corte,
salvaguarda as legislações produzidas no COE. Assim, qualquer cidadão
europeu pode recorrer aos tratados e convenções que são feitos no Conselho
(COE, 2013).
Para esta temática de tolerância religiosa, a já citada Convenção para a
proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, firmada em
10 Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Suécia,
Reino Unido. 11
Alemanha (1952), Áustria (1995), Bélgica (1952), Bulgária (2007), Chipre (2004), Dinamarca (1973), Eslováquia (2004), Eslovénia (2004), Espanha (1986), Estónia (2004), Finlândia (1995), França (1952), Grécia (1981), Hungria (2004), Irlanda (1973), Itália (1952), Letónia (2004), Lituânia (2004), Luxemburgo (1952), Malta (2004), Países Baixos (1952), Polónia (2004), Portugal (1986), Reino Unido (1973), República Checa (2004), Roménia (2007), Suécia (1995). (Site oficial da União Europeia, 2012).
12
Roma no dia 11 de novembro de 1950, é a mais propícia. Esta convenção foi
redigida com referência à Declaração Universal dos Direitos do Homem,
proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de
1948. A partir dessa convenção, pode-se mencionar o Artigo 9º que fala da
Liberdade de Religião:
ARTIGO 9º Liberdade de pensamento, de consciência e de religião 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. 2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem. (CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS, 1950, p. 11-12).
Tal artigo também pode se relacionar com outros artigos dessa
convenção, como o artigo 10 sobre liberdade de expressão, tendo em vista que
as discussões acerca da tolerância religiosa envolvem também questões de
manifestação pública da religião, que vão contra algumas políticas de
securitização de alguns países europeus cuja ênfase no Estado Laico é forte.
Retomando as considerações sobre o Conselho, a reunião de 2013 terá
a presença das 47 delegações dos Estados-membros. A grande quantidade de
representações é um fator favorável, pois o COE pode ser considerado uma
instituição que de fato representa o continente europeu e abrange sua
diversidade, diferindo da participação restritiva e burocrática dos órgãos da
União Europeia. Nota-se que na UE deve haver certa homogeneização entre
seus participantes, em termos de “juízos similares”, aspectos valorativos,
adoção de políticas comuns, etc. Ao contrário, o COE inclui ampla maioria dos
países europeus, independentemente de suas características políticas,
econômicas, sociais, culturais. A única exigência neste Conselho é a não
adoção de regimes autoritários, visto que a finalidade principal desta instituição
é a defesa dos direitos humanos. Tal fato é evidenciado pela a entrada de
alguns países no Conselho que só ocorreu quando houve a queda dos
13
sistemas autoritários e a ascensão da democracia, como observados nos
países ibéricos, após as quedas das ditaduras militares de Franco, na
Espanha, e de Salazar, em Portugal (COE, 2013).
Contudo, o Conselho não conta apenas com seus membros – as
reuniões deste Conselho também são acessíveis para alguns Estados
observadores, 6 ao todo12. Devido à temática que será abordada, irão participar
os seguintes observadores: Israel, membro desde 1957, a presença deste é
essencial aos debates, pois este Estado vivencia um constante conflito
religioso com a islâmica Palestina; Santa Sé – membro desde 1970, um ator
essencialmente religioso, sendo um interessante contraponto, pois sua
influência é forte em alguns países do lado ocidental, principalmente aqueles
de origem latina, que adotam o catolicismo como culto, e observa-se uma
queda deste em detrimento da religião islâmica ou de outras práticas religiosas;
e os Estados Unidos – membro desde 1995, o país foi palco dos atentados
terroristas de 11 de setembro e assim assume uma postura agressiva em prol
da segurança internacional; associa-se o fenômeno do terrorismo com os
movimentos transnacionais islâmicos (COE, 2013).
3 POSICIONAMENTO DOS ATORES RELEVANTES
Observa-se, no continente europeu, uma variação marcante entre os
posicionamentos dos Estados do lado Ocidental e a posição do Leste Europeu
(provavelmente fruto de conflitos territoriais nesta área da Europa, em que a
religião exerce uma influência considerável). A seguir, o posicionamento dos
principais atores do oeste e do leste da Europa. 13
3.1 Países da Europa Ocidental
12 Canadá, Israel, Japão, México, Santa Sé e Estados Unidos (Conselho da Europa, 2013).
13 Para fins funcionais, não estarão presentes nesse guia de estudos o posicionamento de
todos os países. Essa informação constará nos dossiês dos países contidos no Blog oficial do Comitê Conselho da Europa (COE) do 14º MINIONU. Disponível em: < http://14minionucoe.wordpress.com/>.
14
Os países ocidentais da Europa possuem distintas repercussões em
relação à tolerância religiosa em seus territórios. A Alemanha possui um
histórico perverso de repressão religiosa proveniente do nazismo cujo ataque
estava voltado ao povo hebreu, e atualmente esta é mais receptiva, apesar de
haver manifestações da parcela islâmica da população. A Inglaterra é solidária
aos Estados Unidos no combate ao terrorismo, por já ter sofrido atentados
(Londres, em 2005). Logo, estabelece uma forte interlocução entre segurança e
religião, podendo repreender muçulmanos na tentativa de evitar uma possível
ameaça à segurança. Na Irlanda ainda é possível detectar resquícios da
disputa entre católicos, cuja atuação do grupo IRA (Irish Republican Army –
Exército Republicano Irlandês) estava mais branda recentemente, e
protestantes. Por fim, nos Países Baixos (popularmente conhecida como
Holanda) verifica-se a tendência da maioria dos países ocidentais, de ser mais
favoráveis à diversidade de culto e religião, sendo, portanto mais liberal.
3.1.1 França
O Estado francês é o caso mais notório da Europa em relação à tolerância
religiosa, pois existe um embate entre um Estado que adota o principio da
laicidade, isto é, a separação entre a esfera religiosa e a esfera estatal, e o
direito humano inalienável de liberdade de culto e religião. Segundo Guimbelli
(2002), na França há uma interpenetração do público com o privado, mesmo
quando a lei determina uma desestatização da religião. Isso é justificado pelo
fato de que a própria negação do religioso gera certo reconhecimento do
mesmo.
Observa-se, na França, que o histórico entre Estado e Religião foi sempre
conturbado: desde a época do Antigo Regime onde o predomínio da Igreja
Católica era intenso nos estados ocidentais europeus, houve uma forte
perseguição aos huguenotes (protestantes franceses). Essa situação foi
resolvida com a assinatura do Édito de Nantes em 1518 que abriu o caminho
para o secularismo e a tolerância (BERKLEY CENTER, 2013). Entretanto, o
regime absolutista francês rompe com essa situação pacificadora e institui-se o
“Direito divino dos Reis” em que o Rei seria o representante de Deus na Terra.
15
A figura do rei Luís XIV (ele se denominava de Rei-Sol) é marcante neste
período cujas religiões que não fosse o catolicismo estavam ameaçadas.
A Terceira República Francesa no século XIX, após o fim da Revolução
Francesa de 1789, representou o fim do poderio da Igreja Católica na França.
O governo rompeu as relações com a Santa Sé14 e instituiu uma lei que
legitimou a separação entre a Igreja e o Estado: a lei de 190515, informalmente
conhecida como a “Lei da Separação”, prescreve os quadros jurídicos aos
quais deve se adequar todo e qualquer culto (GUIMBELLI, 2002, p.186). Essa
lei rompeu com o antigo regime em que havia quatro religiões formalmente
reconhecidas: o catolicismo, o protestantismo reformado, o protestantismo
luterano e o judaísmo16.
Tal lei entra em consonância com a lei de 190117 que estipula os tipos de
associações permitidas na França, incluidas as de culto religioso. Dessa forma,
a lei de 1905 criou as denominadas Associações Cultuais (Association
Cultuelle - AC) que estavam sujeitas a intervenção governamental – para um
culto religioso ser aceito, devia atender às demandas do Estado como ter um
número mínimo de membros, estar submetido à prestação de contas e controle
externo, ser uma entidade coletiva não lucrativa, dentre outros. Contudo, são
diferentes das congregações18 de 1901, pois não necessitam de autorizações
por parte do governo. Ambas podem beneficiar de inseções públicas por serem
“associações de utilidade pública”.
14 O restabelecimento das relações com o Vaticano se deu em 1921, após a aprovação do
Acordo de Briand-Ceretti, que firmou o direito do governo para participar da seleção dos Bispos (Berkley Center – Georgetown University, 2013). 15
Lei de 9 de dezembro de 1905 sobre a separação das Igrejas e do Estado (Loi du décembre 1905 concernant la séparation dês Eglises et de l’Etat). (LEGIFRANCE. GOUV.FR – Le service public de la diffusion du droit). Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=LEGITEXT000006070169&dateTexte=20080306> 16
A região da Alsace-Moselle, que pertenceu à Alemanha até a 1ª Guerra Mundial, ainda adota o sistema de 4 cultos reconhecidos, não ficando submetida à lei de 1905. 17
Lei de 1 julho de 1901, no contrato de associação (Loi du 1 juillet 1901 RELATIVE AU CONTRAT D’ASSCIATION). Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=LEGITEXT000006069570>. 18
As congregações só poderiam existir se autorizadas por um decreto informado por parecer do Conselho de Estado, além de estarem subordinadas a obrigações administrativas e contábeis para com o Estado. Em 1942, uma lei transformou o procedimento de “autorização” por “reconhecimento” (GUIMBELLI, 2002, p.187-190).
16
Dentro desta perspectiva, alguns cultos religiosos são considerados
como seitas, pois não se enquadram como ACs ou confederações ou ainda
não atingiram o estatuto de religião de acordo com a determinação do Estado
Francês. Guimbelli (2002) afirma que há uma crítica ao governo da França por
estabelecer legalmente o que é ou não religião. São os casos dos “novos
movimentos religiosos, como os evangélicos, cientoligistas, testemunhas de
Jeová, etc. Essas “seitas” devem passar pelo aval do Estado para ser
consideradas legalmente como cultos religiosos. Contudo, o governo francês
indaga sobre as “pretensões religiosas” dessas seitas, se são ou não
motivados por ganhos monetários ou ser realizam proselitismo.
Além das seitas, há também o dilema em torno do Islamismo. Ambos
são considerados como “problema” pelo governo francês e necessitam de estar
sob a tutela do Estado, mas divergindo das seitas, o Islamismo é considerado
como religião: “Se o islaminismo tende a ser enquadrado e reconhecido,
operações às quais é convidado ou forçado, as “seitas” presisam ser isoladas”
(GIUMBELLI, 2002, p. 210).
Retomando a questão do Islamismo, deve-se ressaltar que a
controvérsia sobre o uso do véu islâmico teve início em 1989,
coincidentemente com o final da Guerra Fria. Em novembro de 1989, o
Conselho de Estado francês estabelece que a utilização de símbolos religiosos
é incompativel com o princípio da laicidade e que essa simbologia não deve
tomar um caráter ostensivo ou assertivo, caso contrário configura-se como um
ato de pressão:
nas escolas, os estudantes portadores de sinais que pretendem expressar a sua pertença a uma religião não são em si mesmos incompatíveis com o princípio da laicidade, na medida em que constitui o exercício da liberdade de expressão e manifestação de crenças religiosas, mas [...] Esta liberdade não permite que os alunos utilizem sinais de filiação religiosa que, por sua natureza, pelas condições em que iriam ser usados individualmente ou coletivamente, ou pela sua natureza ostensiva ou assertiva, constitui um ato de pressão, provocação, proselitismo ou propaganda, prejudicaria a dignidade ou liberdade do estudante ou outros membros da comunidade educativa, iria prejudicar a sua saúde ou sua segurança, perturbar a realização de atividades e o papel educativo de professores, finalmente a agenda de paz no estabelecimento ou o
17
normal funcionamento do serviço público de ensino. (ASSEMBLÉE NATIONALE, 2012, tradução nossa)
19
O “Caso do Véu Islâmico” é relativo à proibição, por parte do governo
francês, da utilização do “véu islâmico” pelas garotas muçulmanas em escolas
públicas na França. Esse caso foi bem descrito por Talal Asad (2006), em seu
artigo French Secularism and the “Islamic Veil Affair”, onde o autor tenta
compreender alguns conceitos e práticas do secularismo francês.
Entretanto, antes de destrinchar a análise sobre o caso, é necessário
antes contextualiza-lo: a opinião pública francesa, seguindo o discurso
proferido em abril de 2003 pelo o então Ministro do Interior Nicolas Sarkozy,
está contrária ao uso de uma “cobertura sobre o cabelo” pelas estudantes que
seguem o culto islâmico. Além disso, houve também uma forte repercussão da
mídia sobre o assunto que em 2003 houve a formação de uma comissão de
inquérito para apurar a questão da laicidade nas escolas públicas. Esta
comissão foi chefiada pelo ex-ministro Bernard Stasi.
Em dezembro daquele ano foi apresentado um relatório relativo aos
trabalhos elaborados nesta comissão e em fevereiro de 2004 foi formalmente
aprovada em Assembleia Nacional uma proposta de lei cujo objetivo era proibir
a utilização do Véu islâmico nas escolas públicas. O argumento do relatório
Stasi era que deveria haver uma lei que proibisse o uso de “sinais religiosos
ostensivos” (des signes ostensibles), como véus, kippas e grandes cruzes,
porém seriam autorizados “sinais discretos” (de les signes discrets) como
medalhões, pequenas cruzes e estrelas de David e miniaturas do Alcorão
(ASAD, 2006, p.95).
19 dans les établissements scolaires, le port par les élèves de signes par lesquels il entendent
manifester leur appartenance à une religion n'est pas par lui-même incompatible avec le principe de laïcité, dans la mesure où il constitue l'exercice de la liberté d'expression et de manifestation de croyances religieuses, mais [...] cette liberté ne saurait permettre aux élèves d'arborer des signes d'appartenance religieuse qui, par leur nature, par les conditions dans lesquelles ils seraient portés individuellement ou collectivement, ou par leur caractère ostentatoire ou revendicatif, constitueraient un acte de pression, de provocation, de prosélytisme ou de propagande, porteraient atteinte à la dignité ou à la liberté de l'élève ou d'autres membres de la communauté éducative, compromettraient leur santé ou leur sécurité, perturberaient le déroulement des activités d'enseignement et le rôle éducatif des enseignants, enfin troubleraient l'ordre dans l'établissement ou le fonctionnement normal du service public.
18
A questão central do Relatório Stasi é o significado de determinados
símbolos religiosos, como o véu islâmico, isto é, o que este símbolo religioso
pretende comunicar. Asad (2006) aponta dois fatores que evidenciam esta
preocupação com a simbologia do véu por parte do governo francês via
relatório Stasi: o primeiro seria que essa “interpretação” atribuída ao véu
islâmico pela comissão Stasi (o véu como um signo religioso) infere uma
separação nítida entre o âmbito religioso dentro da dimensão privada com as
atribuições públicas em detrimento de considerar o uso do véu apenas como
um comportamento daquela religião. A Comissão Stasi, que elaborou este
relatório, afirmou o princípio da laicidade foi violado pelo uso do véu islâmico e
que, tendo em vista que a laicidade é algo inegociável, o véu deve ser
removido.
O segundo fator refere-se a considerações de gênero – a lei francesa
não discrimina seus cidadãos por motivos de sexo ou afiliação religiosa, logo o
uso do véu islâmico é contra as designações da República secular francesa
tendo em vista que o véu significaria um baixo estatuto jurídico da mulher na
sociedade mulçumana. Para o relatório francês, tal sinal feminino não designa
em estado real, mas sim uma “transgressão imaginária”.
Essa determinação de significados pela Comissão francesa não se
restringiu àquilo que era visível. Ele inclui processos psicológicos como decifrar
atribuições relativas ao “desejo e a vontade” (ASAD, 2006). De acordo com
Asad (2006), a preocupação da Comissão era com os “desejos dos alunos”, e
delimitou dois tipos comportamentais: aqueles que eram “coagidos”, onde as
meninas que usavam o véu eram obrigadas a tal, devido a pressão familiar e
do grupo religioso; e aqueles que de fato “escolhiam livremente”. A conclusão
da comissão foi a seguinte – há duas formas de liberdade individual, o desejo
de utilizar o véu que representa uma minoria, e o grupo majoritário de meninas
que optam por não utiliza-lo. No Relatório Stasi, há uma ressalva à livre
expressão de símbolos religiosos como parte integrante da liberdade do
indivíduo, mas os representantes das diferentes opiniões religiosas não devem
tentar dominar o debate público conduzido legitimamente pela democracia
secular.
19
Independente da credibilidade das informações obtidas pela comissão,
deve-se ressaltar que há duas direções conflitantes com a ideia de secular na
França:
a insistência sobre a retirada do Estado de todos os assuntos religiosos (que deve incluir abstenção de sequer tentar definir "sinais religiosos"), bem como a responsabilidade do Estado para a formação de cidadãos seculares (por que eu não quero dizer pessoas que são necessariamente "sem religião"). (ASAD, 2006, p. 99, tradução nossa)
20.
Outro ponto relevante indagado por Asad (2006) é se existe algum lugar
na laicidade para os direitos ligados a grupos religiosos. Na França, há
diversas exceções onde instituições religiosas são subsidiadas pelo Estado
Secular, como escolas de caráter religioso21 ou ritos funerários religiosos que
são permitidos em cemitérios públicos. Contudo, o Relatório Stasi reconhece
tais exceções ao princípio de neutralidade absoluta do Estado e as enxerga
como modificações razoáveis, que não ferem a soberania secular do Estado.
3.2 Países do Leste Europeu
De forma geral, os Estados do leste europeu são dotados de uma vasta
pluralidade cultural, compreendendo uma alta gama de diferentes religiões e
cultos. Nestes países é observado um retorno maior à religiosidade, tendo em
vista que anteriormente vários destes países eram membros da ex-União
Soviética cuja ideologia comunista era contrária à presença da religião, ao
considerar que o comunismo apregoa fortemente a separação entre Religião e
Estado, a primeira é vista como uma instituição de dominação, não se
adequando ao Estado (HAYNES, 2003).
20 From its beginning the idea of the secular Republic seems to have been torn in two conflicting
directions - insistence on the withdrawal of the state from all matters of religion (which must include abstention from even trying to define “religious signs”), and the responsibility of the state for forming secular citizens (by which I do not mean persons who are necessarily “irreligious”). 21
De acordo com a lei 1.987, doações feitas às associações religiosas se beneficiar de
incentivos fiscais - como outras associações que prestam um serviço público em geral (ASAD,
2006, p.101).
20
A falência do regime comunista gerou questionamentos a respeito da
eficácia das políticas secularistas como a proibição de manifestação religiosa
em ambientes públicos, o impedimento do uso de simbologias religiosas em
departamentos estatais, a nacionalização de edificações que anteriormente
pertenciam à Igreja, dentre outros.
3.2.1 Turquia
A Turquia, por ser um país de maioria mulçumana, entre outros motivos,
passou por diversas recusas ao tentar aderir a União Europeia. Todavia, sua
presença no Conselho da Europa, que discutirá a questão da tolerância
religiosa, é essencial, tendo em vista que a Turquia é um país atualmente
bastante moderno. A modernidade é um dos fatores considerados primordiais
para os moldes de securitização estipulados pelos países ocidentais
desenvolvidos, logo este Estado pode reivindicar que o fato de sua população
ser de maioria islâmica não implica em uma sociedade atrasada e
ultrapassada.
Anteriormente, a Turquia era parte do Império Turco Otomano (1299–
1923). O sistema político Otomano tinha como autoridade suprema a figura do
sultão cujo domínio ia desde as questões militares até as judiciais. Como
almejavam um poder totalizante e centralizador, os líderes otomanos
reivindicaram o Califado, que é a posição mais alta do islamismo sunita
(BERKLEY CENTER, 2013).
Com final da 1ª Grande Guerra (1914-1918), o Império Otomano entrou
em colapso que culminou na Guerra de Independência (1918–1923). Sob a
liderança de Mustafa Kemal Atatürk, foi proclamada em 1923 a República da
Turquia (BERKLEY CENTER, 2013). Atatürk aplicou uma ambiciosa política de
secularização top-down. Reformas: novo governo restringiu o uso de traje
religioso, secularizou a educação, nacionalizou fundações religiosas e
desenvolveu um novo alfabeto baseado na escrita latina. Além disso: aboliu o
califado e estabeleceu a direção de assuntos religiosos.
Houve golpes militares periódicos que provocaram a interrupção da
democracia: a flexibilização das restrições autoritárias estimulou o
21
ressurgimento de práticas religiosas na sociedade Turca, apesar do estado se
manter secular. Após período militar (1980), teve-se uma rápida expansão da
influencia religiosa na política (BERKLEY CENTER, 2013).
No início dos anos 90, o sucesso eleitoral devido as políticas de
liberalização econômica e social facilitou a expansão de grupos e organizações
religiosas. Militares reconsideram sua posição e assumem hostilidade para com
a mobilização religiosa. Em 1997, o Primeiro-Ministro islamita na Turquia é
forçado a renunciar pelos militares (BERKLEY CENTER, 2013).
No ano de 2002, o Partido conservador da Justiça e do Desenvolvimento
(AKP) ganha uma pluralidade de votos e uma maioria esmagadora no
Parlamento. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan (2003-presente)
procurou mudar a imagem do AKP como um partido “islâmico”, enfatizando seu
compromisso com o secularismo liberal e da democracia. Sob sua liderança, a
Turquia adotou uma legislação abrangente de direitos humanos, fortaleceu
laços com a Europa e com a Armênia e desafiou a supremacia de longa data
pelos militares. Em março/2008, o procurador-chefe da Turquia entrou com
uma ação para fechar o AKP sob a alegação que o partido tinha se tornado um
centro de atividade anti-secular (BERKLEY CENTER, 2013).
Diferentemente da Constituição Francesa da Quinta Republica (vigente),
adotada em 1958, em que a única menção sobre a religião está somente no
Artigo 1º, na Constituição turca de 1958, há vários dispositivos sobre a religião
e uma ênfase no princípio secular introduzido por Atatürk: mantém o firme
compromisso da Turquia com o princípio da Laicidade, denominado como
laiklik; o documento garante a não discriminação religiosa e não faz nenhuma
referencia a nenhum credo em particular; enfatiza repetidamente a
inviolabilidade do estado secular da República, isso é manifestado pelo
Preâmbulo que apela para não interferência da religião nos assuntos de
Estado; mas não o inverso: o artigo 136, estabelece a direção de assuntos
religiosos, que opera em conformidade com o princípio do secularismo, dentre
outros menções (BERKLEY CENTER, 2013).
4 QUESTÕES RELEVANTES PARA A DISCUSSÃO
22
4.1 O vínculo entre religião e segurança
Para compreender melhor como a religião passou a ser considerada
como um item na agenda de segurança deve-se analisar como uma questão se
torna um problema de segurança. Logo, é necessário aplicar alguns estudos
dentro das Relações Internacionais (enquanto disciplina acadêmica).
A teoria da Securitização desenvolvida pela Escola de Copenhague (EC)
introduziu a noção de se ter uma “agenda mais ampla” nos estudos sobre
segurança nas Relações Internacionais (BUZAN et al, 1998). Para Lauster e
Waever (2003), teóricos da EC, o aspecto principal acerca do debate sobre o
que considerar como um problema de segurança refere-se ao fato de que uma
questão está “acima da política comum”. Logo, há a necessidade de “atribuir-
lhe uma especial urgência e necessidade” (LAUSTER; WAEVER, 2003, p. 150,
tradução nossa)22.
Havia uma concepção tradicionalista que considerava como problemas
de segurança apenas temáticas militares e nucleares - devido à herança da
Guerra Fria. Entretanto, houve mudanças no cenário internacional e outros
tópicos foram considerados como fatores relevantes para segurança23, como
as questões identitárias (nos anos 90 com o fim da Guerra Fria) – a religião
adentra neste quesito. A abordagem dos teóricos da EC considera o processo
de securitização como: “o movimento que leva a política para além das regras
estabelecidas do jogo e enquadra a questão tanto como um tipo especial de
política ou acima da política” (BUZAN et al, 1998, p. 23, tradução nossa) 24.
A religião teve sido tratada pela EC como parte do Setor Social – a
religião era tida como uma “comunidade”, uma identificação baseada em
aspectos étnicos, configurações regionais e considerações sobre minorias
(LAUSTER; WAEVER, 2003, p. 151). Não se fazia jus à religião por si mesma,
22 the question of lifting some issue above ordinary politics in order to assign it a special
urgency and necessity. 23
Outros temas inseridos na agenda de segurança seriam, como citou Buzan et al (1998), as
conjunturas econômicas e problemas ambientais que vieram à tona nos anos 70 e 90, e crimes
transnacionais na década de 90 (BUZAN et al, 1998, p.2). 24
“the move that takes politics beyond the established rules of the game and frames the issue either as a special kind of politics or as above politics” (Buzan et al, 1998, p.23).
23
tendo em vista que a maioria dos estudos analisa a religião como sendo uma
“comunidade”.
Pela análise feita por Laustsen e Waever (2003), pode-se entender que
a securitização da religião reflete o próprio caráter ontológico desta. Eles
aplicam as teorias de Bataille e Kierkegaard para demonstrar o caráter
existencialista da religião – a fé como principio norteador do discurso,
separando o imanente do o transcendente que é recodificado pela distinção
entre o sagrado e o profano. Nessa perspectiva, a religião se enquadra dentro
do transcendente por se manifestar através de gestos hiperbólicos que
transcendem a lei e a reificação (coisificação)25.
Dessa forma, dentro dos 4 critérios para a sobrevivência dentro da teoria
da securitização (Soberania, Identidade, Sustentabilidade e evitar a Falência),
a temática religiosa poderia ser classificada por fatores identitários, tendo em
vista que a religião lida com a constituição do ser como tal. Portanto, a religião,
por ser parte constituinte do indivíduo, ela representa um dos vários aspectos
da existência do ser humano e, ao ser ameaçada, significaria que a própria
pessoa estaria em risco.
Qualquer elemento da religião que esteja em risco, seja objetos
sagrados (um objeto sagrado não é considerado por uma questão material,
mas sim simbólica) ou mesmo a própria fé, refere-se a uma ameaça
existencial. O fato de ser uma ameaça a própria existência do individuo implica
numa aceitação imediata do público, condição necessária para legitimar um
movimento securitizador.
Retomando o argumento ontológico, a religião por ser uma manifestação
hiperbólica, tem como protótipo de experiência religiosa o sacrifício. Dentro
dessa acepção, tem-se as ações dos denominados fudamentalistas religiosos
que são motivados pela fé, portanto estariam “livres de qualquer cálculo
egoísta” e por isso prontos para sacrificar-se.
25 No texto, Lauster e Waever (2003) aplicam a distinção de Baitalle entre a esfera heterogênea
e a homogênea em que a primeira se refere a fenômenos não assimilados pela parte normal de
vida social. Portanto, a religião, por ser da esfera heterogênea, não poderia ser associada as
questões de moralidade, pois esta é pautada pela razão e assim é pertencente a esfera
homogênea.
24
Além disso, de acordo com Laustsen e Waever (2003). há três formas
em que a religião foi desenhada como um processo de securitização:
1. Um grupo religioso é considerado como sendo uma ameaça para a sobrevivência do estado. 2. A fé é vista como ameaça por quem quer que ou o que quer que seja "não-religioso" ator ou processo (estados, tecnologia, modernidade industrialismo, etc). 3. A fé é vista como ameaçada por outro discurso religioso ou ator. (LAUSTSEN; WAEVER, 2003, p. 160, tradução nossa).
26
A teoria da Securitização desenvolvida pela EC envolve níveis de
análise. A seguir um quadro referente a tais níveis e suas aplicações no
conxtexto da relação entre segurança e religião para países ocidentais e para a
religião.
Quadro 1 – Unidades de Análise da Teoria de Securitzação desenvolvida
por Buzan, Waever e de Wilde (1998).
Objeto Referente Aquilo que se pretende securitizar. A questão
central da securitização: a legitimidade da
segurança é estabelecida pelo critério de
“sobrevivência de alguma coisa” (RONGVED,
2008, p. 35). Tal questão se trata do “objeto
referente”, ou seja, diz respeito sobre “aquilo que
está em jogo”, podendo ser qualquer entidade
física ou metafísica (RONGVED, 2008, p. 35).
Ameaça existencial Assumir determinadas posições para justificar
a securitização de um objeto referente (LEITE,
2012, p.194). Identifica-se que o objeto referente
esteja passando por uma ameaça existencial.
Ator Securitizador O ator securitzador é quem apresenta uma dada
questão como uma ameaça existencial a um
26 1. A religious group is considered to be a threat to the survival of the state ;
2. Faith is seen as threatened by whoever or whatever ‘non-religious’ actor or process (states, technology, industrialism, modernism, etc). 3. Faith is seen as threatened by another religious discourse or actor.
25
objeto referente, reivindicando a adoção de
medidas excepcionais e urgentes na tentativa de
conte-las (BARBOSA; SOUZA, 2012). Para o “ator
securitizador” argumentar que existe uma
ameaça, é algo independente se ele sente de fato
ameaça ou se ele aplica isto para atingir um
objetivo político.
Movimento Securitizador Adoção de medidas existenciais. Dentro desta
dinâmica, realiza-se um “movimento
securitizador”, sendo uma condição necessária,
porém não suficiente para que o “objeto referente”
seja securitizado com êxito.
Público/Audiência Para que uma questão seja securitizada é
necessário que “o público alvo/audiência” a
aceite como tal e no momento que houver a
aceitação (RONGVED, 2008, p.37) – indaga-se
se o movimento securitizador é aceito ou não
pela audiência.
Quadro 2 – Aplicação das Unidades de Análise no caso da Tolerância
Relgiosa
Níveis de Análise Lado Ocidental Lado Oriental
Objeto Referente Estado Ocidental,
enquanto soberano.
O princípio/ideologia
secularista;
Religião, em sua própria
existência e integridade, a
exemplo o Islã.
Ameaça Existencial O perigo do Terrorismo para os
países ocidentais
Para os mulçumanos, por
exemplo, o fato de não poderem
praticar um preceito de sua
religião, como o uso do Véu
islâmico, no país onde habitam.
Ator Securitizador O governante do país que se
sente ameaçado
Figura importante que
representa um dado setor
religioso, por exemplo, Osama
26
Bin Laden da Al-Qaeda.
Movimento Securitizador
(inversão das ameaças
existenciais).
Políticas Públicas contrárias a
manifestação religiosas.
O próprio Ato terrorista.
Público/Audiência População dos países
Ocidentais
Membros/Adeptos religiosos ,
por exemplo, fundamentalistas
islâmicos.
Portanto, observou-se duas lógicas em relação à securitização da
religião: a religião como ameaça ao Estado Laico, colidindo com a soberania
deste e a religião como sendo ameaçada em termos existenciais da própria
religião.
4.2 Fluxos migratórios por motivações religiosas
O fenômeno da migração está relacionado à mudança de residência de
um indivíduo, ou um grupo de indivíduos, que passam a habitar outra unidade
administrativa, seja ela um país, um estado, uma cidade, entre outros. Tal
fenômeno pode ser explicado por diversas causas: a busca por melhores
condições de vida, melhores empregos e salários ou, até mesmo, pessoas que
fogem de perseguições políticas, guerras, ou desastres ambientais, ou seja, os
refugiados.
Os fluxos migratórios podem ser vistos ao longo de toda a história do
homem na Terra. No entanto, nos últimos anos, tal fenômeno tem se
intensificado, principalmente de pessoas saindo de países em desenvolvimento
ou emergentes, para aqueles países considerados desenvolvidos. O fenômeno
da globalização e o desenvolvimento das tecnologias de transporte e
comunicação marcam ainda mais os fluxos migratórios atuais.
Após a Segunda Guerra Mundial e a reestruturação econômica
europeia, a demanda por trabalhadores migrantes na Europa se intensificou
por dois motivos principais. O primeiro deles foi a necessidade de
27
trabalhadores para empregos que ofereciam menores salários e exigiam menor
escolaridade e experiência. O segundo motivo está relacionado com a estrutura
etária da população européia, com a taxa de natalidade diminuindo cada vez
mais, sendo os imigrantes necessários para suprir a falta de jovens
trabalhadores.
Assim, nos últimos anos, uma quantidade significativa de migrantes fixou
residência em países europeus. Tais migrantes têm origens nas mais diversas
regiões do globo, com etnia, cultura e religião diferentes da européia. Dados de
pesquisa do Pew Research Center mostram que, em 2010, 56% da população
imigrante na Europa era composta de Cristãos, 27% de Muçulmanos, 2% de
Hindus, 2% de Budistas, 1% de Judeus, 3% de outras religiões e 10% de
pessoas não afiliadas a nenhuma religião27.
A convivência com pessoas de etnia, religião e hábitos diferentes pode
causar o estranhamento dos moradores em relação aos estrangeiros. Tal
estranhamento leva ao surgimento de atos xenofóbicos, aqueles relacionados
ao preconceito com relação à cultura e aos hábitos do outro. Um exemplo de
tais atos foi o ocorrido em julho de 2011, quando aproximadamente 80 pessoas
morreram em uma explosão de bomba e fuzilamento, realizado por um
extremista político com motivos xenofóbicos, na Noruega.
A xenofobia e os atos contras migrantes causados por tal preconceito
são oficialmente considerados como crime e violação dos Direitos Humanos.
As autoridades internacionais temem que os casos de xenofobia iniciem uma
grande onda de intolerância étnica, religiosa e cultural, levando a situações
extremistas e perigosas como a vivida pela Alemanha durante o governo
nazista. Assim, autoridades da União Europeia e organizações internacionais
como a ONU têm criado projetos para repudiar e evitar o desenvolvimento da
xenofobia entre os europeus. Um exemplo de projeto criado pelo Conselho da
Europa foi a publicação, em 2008, do Livro Branco sobre o Diálogo
Intercultural: Viver juntos em Igual Dignidade.
27 Para melhor visualizar tais informações, estão presentes no ANEXO B os gráficos da
pesquisa realizada por esta organização.
28
4.3 O papel da imprensa nas discussões sobre religião
Na Europa, houve uma grande agitação em relação algumas
publicações vinculadas à religião. Alguns episódios estão vinculados a sátiras
feitas em charges (cartoons): o episódio mais conhecido foi a publicação de
charge sobre o Islã, no jornal Jyllands Posten, em setembro de 2005 na
Dinamarca.
Milhões de muçulmanos saíram às ruas em todo o mundo para protestar contra os desenhos. Os distúrbios, que envolveram ataques a embaixadas dinamarquesas, a queima de bandeiras do país e ataques a posições ocidentais em países muçulmanos, resultaram em mais de duzentas mortes. E Kurt Westergaard, autor do cartoon, principal culpado, passou a ser um alvo prioritário do terrorismo islamista. (GALÁN; DE VYLDER; 2010).
A charge em questão se referia a um desenho de Maomé em que o seu
turbante era uma bomba. Isso provocou a Irã dos muçulmanos mais radicais
tendo em vista que não é permitido pela religião islâmica a retratação de
imagens do profeta Maomé e de Alá (Deus).
Figura 1 – Charge do Profeta Maomé
Fonte: El País. http://noticias.bol.uol.com.br/internacional/2010/02/28/caricaturista-
dinamarques-autor-de-charge-sobre-maome-conta-como-mudou-sua-vida.jhtm
29
Dentro dessa perspectiva, o jornal francófono “France Soir publicou uma
nova charge em sua primeira página mostrando figuras sagradas budistas,
judaicas, muçulmanas e cristãs sentadas em uma nuvem, com a legenda: “Não
se preocupe, Maomé, nós todos já viramos caricaturas aqui” (BBC, Brasil.com,
2006).
Figura 2 – Charge do Jornal francês France Soir
Fonte: http://zombietime.com/mohammed_image_archive/recent/france-soir.jpg
Toda essa repercussão amplia o receio por parte dos países ocidentais
europeus que temem por sua liberdade de expressão, um direito inalienável
tanto como o de liberdade de culto. A manifestação radical por parte de
fundamentalistas religiosos contra essas publicações foi o argumento
necessário para os Estados do lado Ocidental reafirmarem sua postura perante
a securitização da religião em defesa do Estado Laico – para eles, os radicais
30
islâmicos não são motivado apenas por razões religiosas, mas também por
aspirações políticas.
31
REFERÊNCIAS
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34
TABELA DE DEMANDA DAS REPRESENTAÇÕES
Na tabela a seguir cada representação do comitê é classificada quanto
ao nível de demanda que será exigido do delegado, numa escala de 1 a 3.
Notem que não se trata de uma classificação de importância ou nível de
dificuldade, mas do quanto cada representação será demandada a
participar dos debates neste comitê. Esperamos que essa relação sirva para
auxiliar as delegações na alocação de seus membros, priorizando a
participação de delegados mais experientes nos comitês em que a
representação do colégio for mais demandada.
Legenda
Representações frequentemente demandadas a tomar parte nas discussões
Representações medianamente
demandadas a tomar parte nas discussões
Representações pontualmente demandadas
a tomar parte nas discussões
REPRESENTAÇÃO DEMANDA
1. Albânia
2. Alemanha
3. Andorra
4. Armênia
5. Áustria
6. Bélgica
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REPRESENTAÇÃO DEMANDA
7. Bósnia e Herzegovina
8. Bulgária
9. Croácia
10. Chipre
11. Dinamarca
12. Espanha
13. Eslovênia
14. Eslováquia
15. Estônia
16. Finlândia
17. França
18. Geórgia
19. Grécia
20. Hungria
21. Islândia
22. Irlanda
23. Itália
24. Letônia
25. Liechtenstein
36
REPRESENTAÇÃO DEMANDA
26. Lituânia
27. Luxemburgo
28. Macedônia
29. Malta
30. Moldávia
31. Mônaco
32. Montenegro
33. Países Baixos
34. Noruega
35. Polônia
36. Portugal
37. Reino Unido
38. República Tcheca
39. Romênia
40. Rússia
41. San Marino
42. Sérvia
43. Suécia
44. Suíça
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REPRESENTAÇÃO DEMANDA
45. Turquia
46. Ucrânia
47. Estados Unidos
48. Israel
49. Santa Sé
50. Imprensa
51. Imprensa
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ANEXO A – RESTRIÇÕES RELIGIOSAS NOS 25 PAÍSES MAIS
POPULOSOS DO MUNDO
Fonte: Pew Forum on Religion & Public Life / Global Restrictions on Religion, 2009, p. 3.
A variável Y do gráfico refere-se ao indicador das Hostilidades Sociais (Social
Hostilities) e a variável X representa as Restrições Governamentais
(Government Restrictions). O tamanho do círculo é equivalente ao tamanho
populacional de cada país e as cores foram baseadas na posição de cada país,
da mais clara para a mais escura, apontando o grau de restrições religiosas em
ordem crescente. O período estudo foi entre meados de 2006 e meados 2008.
Algumas restrições são resultantes de ações governamentais, políticas e leis.
Outros são resultados de atos hostis por parte de particulares, organizações e
grupos sociais. Para este estudo, liberdade religiosa significa ausência de
impedimento, restrição, confinamento ou repressão e não anexar qualquer tipo
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de juízo de valor, por exemplo, na França onde há um forte apoio da opinião
pública.
Restrições Religiosas nos 50 países mais populosos do Mundo
Quadro 1 - Restrições Religiosas nos 50 países mais populosos do Mundo
Fonte: Pew Forum on Religion & Public Life / Global Restrictions on Religion, 2009, p. 28.
Se olhar para a parte inferior esquerda do gráfico mostra que os países
europeus mais populosos - incluindo França, Alemanha, Itália, Polônia, Ucrânia
e Reino Unido - têm, geralmente, níveis moderados ou baixos de restrições
governamentais, bem como das hostilidades sociais. Mas, menos de uma dúzia
de 50 países mais populosos do mundo estão intervalo baixo em ambas as
medidas. Nos Estados Unidos, onde as restrições do governo sobre a religião
são relativamente poucas, o nível de hostilidades sociais envolvendo a religião
é perto da parte inferior da faixa moderada, um pouco maior do que em uma
série de outros países ocidentais, de grande porte, tais como Canadá (PEW
FORUM, 2006, p. 27).
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41
ANEXO B - COMPOSIÇÃO RELIGIOSA DOS IMIGRANTES PARA A UNIÃO
EUROPEIA
Fonte: Pew Research Center’s Forum on Religion & Public Life, 2010, p. 16.
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ANEXO C - GLOSSÁRIO
Laicidade e Secularismo:
Os conceitos de laicidade e secularismo estão relacionados à separação do
Estado e da Igreja. Apesar de muitos estudiosos utilizarem estes conceitos como
sinônimos, cada um deles se trata de um fenômeno histórico e um processo social
diferente. (RANQUETAT JR., 2008)
A secularização está relacionada ao declínio da religião e a perda de controle
da Igreja sobre os fenômenos sociais.Tal fenômeno está intimamente relacionado ao
avanço da modernidade, quando a religião perde sua força e seu domínio sobre o
cotidiano e a vida privada. O direito, a arte, a cultura, a filosofia, a educação, a
medicina e outros campos da vida social, passam a ser baseados em valores
seculares, ou seja, valores não religiosos. (RANQUETAT JR., 2008)
A laicidade, por outro lado, é um fenômeno político, quando o Estado afirma
sua separação da Igreja Católica. Pode ser compreendida como a exclusão, a
ausência da religião na esfera pública. Ranquetat (2008) cita o trabalho de Barbier
(2005) onde este afirma que tal processo implica uma neutralidade do Estado com
relação à religião e, até mesmo, uma imparcialidade do Estado em tratar as mais
diversas religiões em igualdade. A laicidade, no entanto, não se confunde com
liberdade religiosa, pluralismo ou tolerância, pois seriam consequência da laicidade.
(In) Tolerância
O conceito de tolerância é incorporado ao contexto religioso a partir da
Reforma Protestante, movimento religioso ocorrido no século XV quando autores
como Lutero e Calvino apresentaram suas críticas à Igreja Católica e fundaram suas
próprias igrejas, conhecidas como protestantes. Nesse contexto, a tolerância passa a
ser definida como a convivência pacífica de duas ou mais religiões dentro de um
mesmo Estado.
Em 1995, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) publica a Declaração de Princípios sobre a Tolerância, na qual
afirma, em seu artigo 1º que:
a tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não só é um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica. A tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz. (UNESCO, 1995)
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Por outro lado, o artigo 2º afirma que:
a intolerância pode ter a forma da marginalização dos grupos vulneráveis e de sua exclusão de toda participação na vida social e política e também a da violência e da discriminação contra os mesmos. Como afirma a Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, "Todos os indivíduos e todos os grupos têm o direito de ser diferentes" (art. 1.2). (UNESCO, 1995)
O mesmo texto afirma que o papel do Estado para promover a tolerância está
em ratificar os tratados internacionais que tratem dos direitos humanos e, até mesmo,
criar leis próprias capazes de garantir a igualdade de oportunidade e tratamento a
todos os grupos sociais. A harmonia internacional e a paz só são atingíveis com a
aceitação do caráter multicultural do mundo e do respeito às diferenças. (UNESCO,
1995)
Pluralismo
O Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural, produzido pelos Ministros dos
Negócios Estrangeiros do Conselho da Europa em 2008, trabalha com a ideia de que
a diversificação cultural acelerou-se nas últimas décadas na Europa, principalmente
devido à atração de migrantes e requerentes de asilo para o continente.
Para o Conselho, o termo multiculturalismo traduz “a existência empírica de
diferentes culturas e a sua capacidade de interagirem num determinado espaço e no
seio de uma determinada organização social” (COE, 2008). Neste contexto
multicultural, surgem os conceitos de tolerância e pluralismo. Na mesma direção e
com o mesmo objetivo da manutenção da harmonia, o conceito de pluralismo “se
baseia na aceitação e no respeito genuínos da diversidade e da dinâmica das
tradições culturais, das identidades étnicas e culturais, das convicções religiosas e das
ideias e conceitos artísticos, literários e socioeconômicos” (COE, 2008).