GT1 Caris Fagundes

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XXIX Congreso Latinoamericana de Sociología – ALAS, Chile 2013 Entre as ideias econômicas e as decisões políticas: ciência e tecnologia no regime militar Investigação em curso GT 1 – Ciência, tecnologia e inovação Resumo: Este trabalho busca analisar o papel de alguns desses atores que, em postos chave como ministros da área econômica – Fazenda e Planejamento, ajudaram a conduzir ou a levara adiante as políticas brasileiras de ciência e tecnologia durante o Regime Militar. Nossa hipótese é a de que a elite econômica dos governos, influenciou decisivamente, de modo voluntário ou não, para o ordenamento das políticas científicas e tecnológicas, muitas vezes enfrentando divergindo dos rumos ou objetivos propostos pelos grupos militares que se alternavam no poder executivo. Ailton Laurentino Caris Fagundes - USP Planejamento Estatal – Regime Militar – Pensamento Econômico O golpe militar de 1964 é levado a cabo como uma reação às situações estruturais e conjunturais do país, visto aos olhos dos militares como caótico. Não há por trás dele um conjunto bem definido de propostas ou de um projeto claro de nação. Ainda que debates acerca da condução ideal da política ou da economia viessem ocorrendo entre os grupos golpistas é com a escolha dos ministros Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões que uma linha de ação econômica seria efetivamente formulada e conduzida. Se, como sugere Bresser-Pereira, o regime militar impõe uma nova interpretação do país e essa sustenta todo o projeto dos seus governos sob o lema segurança e desenvolvimento, Golbery do Couto e Silva é o principal mentor das ideias de segurança e Roberto Campos é o grande formulador do projeto de desenvolvimento 1 . Dentro do pensamento liberal é bem possível encontrar um espaço onde se possa encaixar as ideias de Roberto Campos, de vários modos ao longo de sua trajetória ele foi efetivamente um economista liberal mas, a princípio, é um equívoco associá-lo ao campo ortodoxo radical, ao laissez-faire ou às ideias neoliberais. É certo que ao longo de sua vida intelectual, Campos foi se tornando cada vez mais um defensor ardoroso da iniciativa privada e um crítico do intervencionismo estatal, contudo pelo menos nas décadas de cinquenta e sessenta, certamente é mais correto classificá-lo como desenvolvimentista, com suas peculiaridades e preocupações monetaristas, mas um defensor de uma forte atuação do Estado e do planejamento. Essas ideias não eram contrárias às suas posições políticas conservadoras nem à sua defesa intransigente do capitalismo. Acreditava na livre iniciativa e na eficiência das forças do mercado mas não no equilíbrio natural, daí suas posições quase sempre 1 Bresser Pereira classifica os dois como os principais intérpretes da formulação autoritária-modernizante do Brasil que seria a base ideológica da aliança autoritária tecnoburocrática-capitalista que governaria o país durante o regime militar. Cf: PEREIRA, Luiz Bresser. “Interpretações sobre o Brasil”. In. 50 anos de ciência econômica no Brasil (1946-1996): pensamento, instituições, depoimento. – Petrópolis: Vozes, 1997. (p.26).

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Alas Chile 2013

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  • XXIX Congreso Latinoamericana de Sociologa ALAS, Chile 2013

    Entre as ideias econmicas e as decises polticas: cincia e tecnologia no regime militar

    Investigao em curso

    GT 1 Cincia, tecnologia e inovao

    Resumo: Este trabalho busca analisar o papel de alguns desses atores que, em postos chave como ministros da rea econmica Fazenda e Planejamento, ajudaram a conduzir ou a levara adiante as polticas brasileiras de cincia e tecnologia durante o Regime Militar. Nossa hiptese a de que a elite econmica dos governos, influenciou decisivamente, de modo voluntrio ou no, para o ordenamento das polticas cientficas e tecnolgicas, muitas vezes enfrentando divergindo dos rumos ou objetivos propostos pelos grupos militares que se alternavam no poder executivo. Ailton Laurentino Caris Fagundes - USP Planejamento Estatal Regime Militar Pensamento Econmico

    O golpe militar de 1964 levado a cabo como uma reao s situaes estruturais e conjunturais do pas, visto aos olhos dos militares como catico. No h por trs dele um conjunto bem definido de propostas ou de um projeto claro de nao. Ainda que debates acerca da conduo ideal da poltica ou da economia viessem ocorrendo entre os grupos golpistas com a escolha dos ministros Roberto Campos e Octvio Gouva de Bulhes que uma linha de ao econmica seria efetivamente formulada e conduzida. Se, como sugere Bresser-Pereira, o regime militar impe uma nova interpretao do pas e essa sustenta todo o projeto dos seus governos sob o lema segurana e desenvolvimento, Golbery do Couto e Silva o principal mentor das ideias de segurana e Roberto Campos o grande formulador do projeto de desenvolvimento1. Dentro do pensamento liberal bem possvel encontrar um espao onde se possa encaixar as ideias de Roberto Campos, de vrios modos ao longo de sua trajetria ele foi efetivamente um economista liberal mas, a princpio, um equvoco associ-lo ao campo ortodoxo radical, ao laissez-faire ou s ideias neoliberais. certo que ao longo de sua vida intelectual, Campos foi se tornando cada vez mais um defensor ardoroso da iniciativa privada e um crtico do intervencionismo estatal, contudo pelo menos nas dcadas de cinquenta e sessenta, certamente mais correto classific-lo como desenvolvimentista, com suas peculiaridades e preocupaes monetaristas, mas um defensor de uma forte atuao do Estado e do planejamento.

    Essas ideias no eram contrrias s suas posies polticas conservadoras nem sua defesa intransigente do capitalismo. Acreditava na livre iniciativa e na eficincia das foras do mercado mas no no equilbrio natural, da suas posies quase sempre 1 Bresser Pereira classifica os dois como os principais intrpretes da formulao autoritria-modernizante

    do Brasil que seria a base ideolgica da aliana autoritria tecnoburocrtica-capitalista que governaria o

    pas durante o regime militar. Cf: PEREIRA, Luiz Bresser. Interpretaes sobre o Brasil. In. 50 anos de

    cincia econmica no Brasil (1946-1996): pensamento, instituies, depoimento. Petrpolis: Vozes,

    1997. (p.26).

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    favorveis s solues privadas apoiadas num forte respaldo de uma poltica econmica com intensa presena estatal. Nesse sentido importante lembrar que, na presidncia de Juscelino Kubitschek, foi o principal articulador e responsvel pelo Plano de Metas.

    Para Celso Furtado, nesse perodo, Campos era um homem essencialmente preocupado com a modernizao do pas e os seus interesses pelo planejamento decorriam de uma preocupao quase obsessiva em reduzir o campo da irracionalidade na poltica2. A questo da racionalidade econmica, enquanto oposio irracionalidade da poltica impe uma quase exigncia de bases tecnocrticas para a sustentao de polticas econmicas. Essa racionalidade no se afasta do pensamento desenvolvimentista mas, ao contrrio, se encaixa nele como um outro lado de uma mesma moeda; se o intervencionismo pode ser ruim enquanto princpio, bom e necessrio enquanto exigncia da conjuntura e do quadro econmico; o prprio Campos diz que para o economista preocupado com o aumento do capital produtivo da sociedade, a ideologia do desenvolvimento quase to axiomtica quanto para o militar a ideologia da defesa3.

    No se trata de questo meramente pragmtica, Campos conhece e critica tanto a defesa do livre mercado quanto a teoria do crescimento espontneo. Na Escola Superior de Guerra, ele havia defendido que a fase do desenvolvimento econmico espontneo havia terminado e que os pases subdesenvolvidos tinham aguda necessidade de planificao, embora observasse que devido escassez de capacidade tcnica e humana para planejar, o caminho mais adequado para o desenvolvimento estaria naquilo que ele denomina de recurso intermedirio, que seria a seleo de pontos de germinao, consistentes num determinado nmero de investimento bsicos, que seriam objeto de cuidadoso planejamento, e sobre os quais se concentraria predominantemente a ao governamental4.

    Como conferencista foi um homem influente dentro da ESG onde por mais de dez anos pode expor e discutir seu pensamento. Essa proximidade com os militares explica sua entrada no governo, Castello Branco o escolheu pelo o fato de t-lo ouvido em suas conferncias e ter concordado com o seu pensamento5 e suas ideias acerca da questo do poder nacional; alis, bastante prximas daquelas desenvolvidas naquela Escola6. Suas teorias evidenciam o desenvolvimentismo da equipe econmica ps-64. Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen, Octavio Gouveia Bulhes e, posteriormente, Delfim Netto e sua equipe, distinguiam-se do pensamento da Cepal, de Celso Furtado, Raul Prebish e outros em diversos aspectos, mas no deixavam de

    2 FURTADO, Celso. A fantasia organizada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. (p.154-5). 3 CAMPOS, Roberto. Observaes sobre a teoria do desenvolvimento econmico. Escola Superior de

    Guerra, s/d. (p. 13). 4 CAMPOS, R. (s/d). Op. cit., p. 13. 5 Cf. STEPAN, Alfred. Os militares na poltica: as mudanas de padres na vida brasileira. Rio de

    Janeiro: Artenova, 1975. (p.136). 6 Essas conferncias foram publicadas e podem ser encontradas em CAMPOS, Roberto. Ensaios de

    histria econmica e sociologia. Rio de Janeiro: Apec, 1964.

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    participar do mesmo campo de economistas, com fortes influncias keynesianas,7 que defendiam a interveno estatal ampla e o planejamento como forma de acelerar o desenvolvimento econmico. Seu pensamento acerca do desenvolvimento em grande medida se encaixa naquelas noes de processo linear contnuo e sem antagonismos entre as naes. O problema do subdesenvolvimento poderia ser solucionado dentro do capitalismo, e isso se daria a partir dos esforos nacionais e de polticas econmicas adequadas. A compreenso da questo passa pela teoria de Ragnar Nurkse, que propunha a existncia de um crculo vicioso de pobreza que comeava pela baixa produtividade, que acarretava uma renda baixa e uma capacidade de poupana irrisria e, portanto, incapaz de gerar tanto poupana quanto acumulao de capital, o que impede o investimento e, como consequncia, mantm a produtividade estagnada8. Para sair desse ciclo faz-se necessrio mexer nos seus pontos de barreira: aumentar a acumulao e a poupana internas para possibilitar os investimentos e recorrer poupana a aos investimentos externos.

    Como Nurske, boa parte da literatura econmica parte do princpio de que h um dilema entre equidade e eficincia ou, dito em outros termos, h uma incongruncia entre distribuio de renda e crescimento econmico. Para os tcnicos responsveis pela conduo da economia, estaria nessa incongruncia a maior falha das ideias econmicas do nacional-desenvolvimentismo, que almejava alcanar o desenvolvimento apoiando a repartio da pouca riqueza que o pas possua. Nas palavras de Roberto Campos9, distribuio e crescimento so dois cavalos que no marcham na mesma direo, e cada pas deve estar preparado para tomar a dolorosa deciso sobre qual dos dois montar.

    No havia razo para dvidas: o crescimento o objetivo fundamental, pois ele que traz as condies para a resoluo dos demais problemas. Assim, pensar numa possvel distoro nas relaes entre crescimento e distribuio no faz sentido, pois o crescimento rpido, mais cedo ou mais tarde, e se houver conscincia poltica, mais cedo que tarde, leva, tambm, a uma melhoria da distribuio. A recproca no verdadeira. Um sistema distributivo justo, porm de crescimento lento, no faz, outra coisa, na realidade, seno distribuir pobreza.10

    Podemos ampliar essa viso ou escolha para duas dcadas de poltica econmica do regime militar. Ainda que tenha havido diferentes nveis de preocupao governamental e presso da sociedade por uma maior igualdade social, o fato que a preocupao primeira sempre foi o crescimento da riqueza, ainda que isso contribua

    7 Desde o trmino da Segunda guerra o mainstream econmico era formado pelo pensamento keynesiano.

    Era ele quem, baseado no axioma do desequilbrio, formulava e apresentava as condies ou restries

    para o desenvolvimento, defendendo a necessidade uma interveno exgena no mercado que

    possibilitasse o crescimento da demanda e a promoo do crescimento. Entre seus principais expoentes

    estavam Albert Hirschman, Franois Perroux e Gunnar Myrdal, para quem o jogo das foras de mercado

    tende a aumentar as desigualdades regionais, beneficiando os pases mais desenvolvidos. 8 Cf. NURKSE, Ragnar. Problems of capital formation in underdeveloped countries. Oxford:

    Blackwell, 1953. 9 CAMPOS, Roberto. Ensaios de histria econmica e sociologia. Rio de Janeiro: Apec, 1964. (p.115). 10 Palavras proferidas no Frum de Poltica Internacional, promovido pela Fundao Getlio Vargas, em

    seus comentrios palestra de Hans W. Singer. In. RATTNER, Henrique. A crise da ordem mundial.

    So Paulo: Smbolo, 1978. (p.53).

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    para o aumento das desigualdades. Nisso Delfim a referncia maior, com seu aforismo de que preciso primeiro que o bolo cresa antes que seja possvel dividi-lo. Na prtica isso significa que no apenas deixa-se de privilegiar as polticas distributivas mas ainda que elas no longo prazo so ineficientes, inadequadas e deletrias, pois sendo a acumulao e a poupana pr-requisitos para o investimento faz mais sentido concentrar o pouco que se tem, buscando a sua maximizao, do que dividi-lo em parcelas insignificantes. Concentrar recursos para investimentos significa na prtica aumentar ainda mais a concentrao de renda.

    Companheiro de Campos na conduo da economia durante o governo de Castello Branco, Bulhes divergia pouco dessa viso acerca dos problemas fundamentais do desenvolvimento nacional. Bielschowsky11, avalia que antes do Golpe Campos pode e deve ser posto ao lado dos desenvolvimentistas enquanto Bulhes seria um dos lderes do pensamento neoliberal, ao lado de Eugenio Gudin. Mas as divergncias anteriores perderiam fora quando ambos esto no governo, seja diante do pragmatismo exigido pelas necessidades, seja pela inquestionvel predominncia de Campos.

    Guido Mantega, por outro lado, classifica Bulhes como um desenvolvimentista autoritrio, colocando-o ao lado de Campos e outros responsveis pela fermentao do projeto econmico da nova aliana de foras que assume o poder em 6412. Lourdes Sola trabalha de modo a casar essas duas vises: embora veja Bulhes ao lado dos neoliberais, como um sujeito identificado com as ideias de Gudin, ela lembra que muito antes de chegar ao ministrio ele j reconhecia como evidentes as diferenas estruturais que separavam o Brasil e os pases centrais e, por conta dessas diferenas e para super-las, admitia a necessidade de interveno estatal na coordenao da poltica de investimentos13.

    Bulhes trabalhou com Eugenio Gudin foi nesse contato que formulou boa parte das suas ideias econmicas, mais conhecidas, alis, pelo que fez e falou do que pelo que escreveu. Como economista no chegou a produzir trabalhos tericos ou anlises mais profundas e nesse item a diferena seria marcante, como assinala Francisco de Oliveira: comparado a Roberto Campos, faltava a Bulhes uma interpretao do Brasil14; ele carecia de uma explicao ampla e geral dos problemas fundamentais da sociedade brasileira e essa falta foi preenchida pelo pragmatismo; um pragmatismo ancorado nos pressupostos de Campos.

    Por mais que fosse inegvel a influncia do pensamento de Eugnio Gudin, no se pode simplesmente confundir a defesa da ortodoxia e as preocupaes monetaristas do governo Castello Branco com adoo de qualquer liberalismo. Ao assumir o Ministrio do Planejamento, Campos buscaria pr em prtica algumas de suas crenas, casando-as com as necessidades, os interesses e as ideias gerais do novo governo. O Programa de Ao Econmica do Governo (PAEG), feito em parceria com Mario Henrique Simonsen, seria a principal mostra desse casamento. Enquanto isso, Bulhes, no comando do Ministrio do Planejamento e Coordenao Econmica, seria encarregado de executar a reformulao da nova estrutura administrativa e produtiva do 11 BIELCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econmico brasileiro: o ciclo ideolgico do

    desenvolvimentismo (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. (p. 38 e ss.). 12 MANTEGA, G. (1997) Op. cit., p.112-3. 13 SOLA, Lourdes. Ideias econmicas, decises polticas. So Paulo: Edusp: FAPESP, 1998. (p.88). 14 MANTEGA, Guido e Jos Marcio Rego. Conversas com economistas brasileiros II. So Paulo: Ed.

    34, 1999. (p.95).

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    Estado e teria papel fundamental no processo de organizao da agenda das polticas de modernizao.

    Mais do que conhecer as origens importa, contudo, entender porque essas ideias se encaixam com o projeto de governo gestado nas Foras Armadas. Dreyfuss15 sugere que seria Eugnio Gudin o grande mentor intelectual de toda uma gerao de tcnicos que ocuparia os principais cargos da rea econmica dos governos militares. Octvio Gouveia de Bulhes, Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen e Delfim Netto teriam sofrido sua influncia e teriam, como ele, compreendido a importncia que as inovaes tcnicas e organizacionais, que estavam sendo introduzidas pelas empresas multinacionais, tinham para o processo de crescimento. Segundo ele, esses tcnicos, enquanto intelectuais orgnicos, apurariam e disseminariam novos valores para as elites, atravs, por exemplo, de seminrios e conferncias em lugares como a ESG, associaes comerciais e industriais e atravs da criao de organizaes de ao que se tornariam os focos de suas atividades ideolgicas. De fato os trs primeiros da lista fizeram parte de um mesmo grupo, a Sociedade Civil de Planejamento e Consultas Tcnicas. A Consultec, como ficou conhecida, era, um importante e bem-sucedido escritrio tcnico, no apenas pela qualidade profissional de seus membros mas tambm pela capacidade poltica aliada e ampla penetrao nos canais tecno-burocrticos e, ainda, pela conexo que seus membros teriam com o grupo de poder formado pelos interesses multinacionais e associados16.

    Essas ideias, no entanto, no se encaixam facilmente em qualquer concepo ou conceituao de neoliberalismo. De acordo com Mantega17, o pensamento daquele grupo de tcnicos gravitava em torno das teorias desenvolvidas por autores que tiveram forte relao com o surgimento e a evoluo das teorias do desenvolvimento de economias perifricas, como Gunnar Myrdal, Albert Hirshman, Ragnar Nurkse e Hans Singer. Nessa perspectiva, os economistas que viriam a ter posies chave no governo militar acreditavam na necessidade de se conseguir um nvel de poupana interna capaz de impulsionar o crescimento e, seguindo a lgica das formulaes de Hans Singer18, isso s seria possvel com a manuteno de uma acentuada desigualdade de renda capaz de permitir que as classes abastadas pudessem direcionar rendimentos para os investimentos necessrios.

    Junta-se a essa lgica a Teoria do Desenvolvimento Equilibrado, de Rosenstein-Rodin e Ragnar Nurkse19, segundo a qual as ondas de investimentos necessrias ao crescimento dos pases perifricos no poderiam ser capitaneadas pelos empresrios locais e, por conta disso, deveriam ser promovidas pelo Estado e dirigidas para alguns ramos produtivos capazes de dinamizar o conjunto da economia e a contribuio dos estudos de Allyn Young20 sobre a importncia dos investimento externos, segundo os 15 DREYFUSS, Ren. A conquista do Estado: ao poltica, poder e golpe de classe. Petrpolis:

    Vozes, 1981. (p.74). 16 DREYFUSS, R. (1981). Op. cit., p.86. 17 MANTEGA, G. (1997). Op. cit., p.113. 18 SINGER, Hans. O mecanismo do desenvolvimento econmico. In. AGARWALA, A. e S. Singh,.

    (org.). A Economia do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Forense, 1969. 19 Cf. NURKSE, Ragnar. Problems of capital formation in underdeveloped countries. New York:

    Oxford University Press, 1951. ROSENSTEIN-RODAN, Paul. Problems of Industrialization of Eastern

    and South- Eastern Europe. In. Economic Journal v 53, n 210/211, 1943. 20 YOUNG, Allyn. "Increasing Returns and Economic Progress". In. Economic Journal, dez, 1928.

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    quais a abertura dos pases ao capital estrangeiro permitiria dinamizar os mercados internos mesmo num cenrio de baixa poupana interna21. Para Mantega, no obstante fosse fortemente influenciado pelo pensamento econmico de Schumpeter, as linhas mestras do modelo autoritrio de desenvolvimento adotado pelo regime militar levava em conta a fragilidade do empresariado brasileiro e, por conta disso, preconizava o papel do Estado como agente fundamental para a promoo das ondas de investimentos necessrias ao crescimento. Para a equipe econmica, o fim do pacto populista e a instituio de um governo autoritrio permitiriam que, longe das presses populares, a tarefa de conduzir o pas nos devidos trilhos do desenvolvimento pudesse ser levada adiante. Conter salrios, aumentar tarifas pblicas, refrear o consumo e concentrar renda so certamente polticas impopulares e que causam desgastes a qualquer governo, mas no iderio daqueles tcnicos era uma necessidade da qual no se poderia fugir. Nos seus discursos, a viso imediatista dos agentes econmicos e dos indivduos e a busca de lucro rpido e consumo imediato no eram condizentes com os interesses nacionais de mdio e longo prazo, que sem dvida eram mais importantes, e devia ser refreada. O dinamismo do mercado viria, como se supunha, dos investimentos estrangeiros, que naquele momento poderiam substituir os investimentos pblicos e privados nacionais e, ao mesmo tempo, reduzir as presses inflacionrias e de balano de pagamento. De fato uma anlise das polticas adotadas d credibilidade a essa interpretao acerca dos fundamentos tericos desses economistas, mas resta ainda saber o quanto essas ideias e quanto os interesses dos tcnicos ligados Consultec, ou de seus membros mais importantes, influenciariam as decises polticas dos governos a partir da dcada de 1950 e, sobretudo, durante os governos militares. Importa-nos lembrar que o ncleo da Companhia geraria uma importante organizao a Anlise e Perspectiva Econmica (Apec), um grupo que incorporaria importantes empresrios e administradores do governo. Com uma equipe que chegou a ser formada por mais de 150 tcnicos a Apec seria uma importante base para a formulao das ideias econmicas que fundamentariam boa parte das crticas ao governo Joo Goulart e das que mais tarde seriam colocadas em prtica durante o regime militar22. O pensamento econmico de Roberto Campos e Otvio Bulhes, ainda que prximo do pensamento econmico neoclssico, no compactua com a plena eficincia do livre mercado, com a teoria do equilbrio geral, ou com a noo de competio perfeita. Essas ideias baseadas mais em pragmatismo que em teorias, dariam as cartas para a conduo da poltica econmica enquanto os dois permaneceram no comando de seus ministrios e continuariam a tendo um peso considervel nas gestes seguintes. Com Costa e Silva no comando, o regime sofreria grandes mudanas nos seus quadros mais importantes. A equipe montada por Castello Branco, com forte presena do grupo sorbonista, foi quase toda destituda e o nmero de militares nos altos postos do governo cresceu consideravelmente. Entre as principais reas do governo praticamente s a econmica ficaria nas mos de civis, para o Planejamento iria Hlio Beltro e para a Fazenda Antnio Delfim Netto. O primeiro havia sido chefe do setor de planejamento do governo de Carlos Lacerda, na Guanabara e era figura respeitada entre empresrios o segundo ainda era uma figura desconhecida para a maioria dos brasileiros, como

    21 MANTEGA, Guido. Modelos de crescimento e a teoria do desenvolvimento econmico. In.

    Relatrio de Pesquisa, n3/1998. EAESP/FGV/NPP Ncleo de Pesquisa e Publicaes. 22 DREYFUSS, R. (1981). Op. cit., p.90.

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    economista estava muito longe de ter o brilho de Roberto Campos ou mesmo a habilidade de Bulhes.

    Delfim Netto no era uma escolha previsvel, como fora Roberto Campos, no vinha do grupo originado na Consultec, tampouco havia passado pela Apec, no possua vnculos com a ESG nem com os militares em geral. Aos 38 anos o jovem professor da USP chegara ao posto mais importante na conduo da economia do pas sem ter que passar por estgios em cargos propriamente polticos. Enquanto acadmico havia desenvolvido estudos sobre a agricultura brasileira e suas relaes com a industrializao do pas. A obra que tem maior relevncia para a compreenso da sua atuao na vida pblica, entretanto, de outra natureza, trata-se de um estudo de modelos de desenvolvimento, publicado em 1962 com o ttulo Alguns problemas do planejamento para o desenvolvimento. No uma obra que proporcione maiores contribuies tericas, mas uma espcie de resenha crtica da literatura corrente sobre o tema; ainda assim um trabalho que oferece, nos contrastes, alguma nitidez sobre o seu pensamento econmico.

    Nesta obra ele afirma, por exemplo, que iluso pensar que existe a alternativa de planejar ou no planejar, pois a nica alternativa que existe, na realidade, planejar bem ou planejar mal.23 Nessa linha de raciocnio, cabe ao tcnico do governo, ao policy maker, a tarefa de escolher, entre as variveis ou possibilidades abertas, aquelas mais eficientes para se chegar ao fim almejado. No se trata de tarefa fcil, mas tampouco de um caminho impossvel, e nesse momento bastava a crena na possibilidade de desenvolver o pas para diferenci-lo de uma parcela importante de notveis economistas, que sugeriam que as portas do desenvolvimento estariam temporria ou irremediavelmente fechadas24.

    Numa equao difcil, possvel definir Delfim como um defensor do intervencionismo, mas tambm como um entusiasta de um liberalismo menos ortodoxo que acredita nas foras do mercado, mas acredita no sem antes ressaltar que para que o sistema de preos possa funcionar adequadamente, impe-se que as modificaes estruturais mais importantes sejam previstas e superadas antes de se tornarem um fator impeditivo da acelerao do desenvolvimento econmico.25 , portanto, nesse sentido que o Estado deve agir e nessa linha que o planejamento deve operar.

    A despeito da origem distinta, as ideias fundamentais no eram, como se percebe, muito divergentes das dos seus antecessores. O ministro paulista tambm no professava grande f na capacidade do livre mercado conduzir o desenvolvimento nacional sem o apoio do Estado e sem polticas de planejamento. Talvez o que o mais o diferenciasse da dupla Campos e Bulhes fosse a menor preocupao com a poltica monetria ou com o combate inflao, pontos que para aqueles seriam cruciais dentro da problemtica econmica nacional. Seus objetivos principais eram outros e isso ele deixava claro: no vamos sacrificar a meta de desenvolvimento econmico apenas para passarmos histria como o homem que acabou com a inflao a qualquer custo.26 Por

    23 DELFIM NETTO, Antonio. Alguns problemas do planejamento para o desenvolvimento econmico.

    So Paulo: FEA-USP, 1962. (p.VII). 24 Nesse momento quem encamparia essa perspectiva mais pessimista era exatamente Celso Furtado, que

    no exatamente por conta disso foi um dos alvos de suas crticas no livro. 25 DELFIM NETTO, A. (1962). Op. cit., p.VI. 26 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

    (p.142).

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    traz do discurso mais do que uma mudana de direo havia uma mudana de cenrio.A meta principal seria o desenvolvimento, mas essa no era uma busca fcil num pas que no havia poupana capaz de patrocinar investimentos. Por acreditar que havia uma tendncia do setor privado em consumir imediatamente os lucros que deveriam servir de poupana, Delfim era favorvel a uma forte interveno estatal no sentido de absorver parte desses lucros para empreg-los no setor produtivo via empresas estatais ou emprstimos atravs de bancos de investimentos. Delfim que j vinha tratando do problema financeiro no governo Costa e Silva continuou essa tarefa com Mdici, centralizou e trabalhou no sentido de gerar crescimento, sobretudo com crdito externo. Entre meados da dcada de sessenta e incio da dcada seguinte, o crdito externo estava barato, os juros baixos e as ofertas de recursos para o pas eram grandes. Na falta de poupana domstica Delfim trabalharia com a opo mais fcil e barata: crdito externo. Geisel lembraria que o ministro alegava que na falta de poupana prpria era preciso aproveitar a poupana dos outros pases e utiliz-la; vamos trazer a poupana do estrangeiro para o Brasil e aplic-la criteriosamente, para que ela tenha um efeito reprodutor27. J no governo Costa e Silva e, de modo crescente, nos governos Mdici e Geisel, se usaria bastante o crdito exterior. Como os bancos estrangeiros passaram a dispor de muito mais dinheiro, esse crdito foi se tornando ainda mais fcil. Como expe Gaspari, o Ato Complementar n40, promulgado em dezembro de 1968, foi o instrumento de funcionalidade do AI-5 nas relaes econmicas do Estado, transmutando aquilo que poderia ser uma ditadura difusa, entregue a coronis radicais e voluntaristas, num processo de reorganizao do poder.28 Para ele os efeitos produzidos reduziram os recursos a serem distribudos e, por outro, centralizaram os mecanismos atravs dos quais seriam feitas as transferncias. A grande centralizao dos recursos, que ao mesmo tempo fragilizava e aumentava a dependncia de estados e municpios, permitiria que o governo federal enquadrasse todos os setores que dele dependiam. Assim, Gaspari enfatiza que se o AI-5 servira para dizer o que era proibido no campo da poltica, o AC-40 informava o caminho a ser seguido no campo econmico e dizia ainda onde estaria o dinheiro para que se fizesse o que era permitido. Com os dois atos juntos, a equipe econmica do governo, ou mais especificamente o ministro Delfim Netto, aproveitou para fazer tudo o que queria e acreditava que precisava fazer. Com o aumento da arrecadao, ainda em 1969 o governo bateria o seu recorde de gastos, consumindo 23,4% do PIB, e ainda assim fecharia o oramento com supervit. A centralizao de recursos ampliou imensamente os poderes do ministro, Delfim Netto estimou que no final de 1970 os recursos controlados pelo governo federal eram quase o dobro do montante disponvel em 1967.29

    O crescimento extraordinrio do perodo do milagre no foi suficiente para que o principal nome da rea econmica fosse mantido no governo. O estilo centralizador do ministro certamente foi um dos motivos para que Geisel no o quisesse em seu governo. Entre 1974 a 1979 a poltica econmica teria sua direo compartilhada entre Reis Velloso, que continuaria no comando do Planejamento, sem a sombra de Delfim, e Simonsen, na Fazenda. Nesse perodo, diante dos novos desafios, o regime militar buscaria conjugar dois objetivos que pareciam irreconciliveis: sustentar o ritmo de

    27 DARAJO, Maria C. e Celso Castro. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas,

    1997. (p.293). 28 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. So Paulo: Companhia das Letras, 2002. (p.233). 29 GASPARI, E. (2002). Op. cit., p.233.

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    crescimento acelerado e, ao mesmo tempo, barrar o processo inflacionrio e conter o dficit do balano de pagamentos.

    As contingncias polticas e as conjunturas econmicas contriburam tanto para que Velloso tivesse um papel predominante nos dois primeiros anos de governo, implantando polticas com forte contedo desenvolvimentista, quanto para que Simonsen fosse o principal comandante da rea econmica a partir de 1976, implementando polticas de conteno e importantes pacotes de estabilizao30. Simonsen era prximo de Roberto Campos, com quem havia trabalhado na Anpes e na Consultec, como seu scio minoritrio, e tambm de Octvio Bulhes, com quem havia formulado os projetos de criao do Sistema Financeiro da Habitao e do Banco Nacional da Habitao; havia, ainda, colaborado com ambos na formulao do PAEG durante o governo Castello Branco. Antes de assumir o ministrio da fazenda, porm, se mantivera na vida acadmica na Escola de Ps-Graduao em Economia da FGV ainda que, paralelamente, exercesse atividades nos setores pblico e privado.

    Simonsen tambm assimila desenvolvimento a crescimento econmico como se no houvesse maiores diferenas entre uma e outra coisa, a nica explicao inteligvel de desenvolvimento econmico essa, crescimento real per capita31, e na mesma linha e pelos mesmos motivos no via sentido em priorizar polticas distributivas, que seriam necessariamente incompatveis com o crescimento acelerado; mesmo porque para ele distribuio de renda um problema poltico e no econmico. Acreditava que o Estado possui uma funo econmica regulamentadora, todavia, na prtica dos pases subdesenvolvidos, ele pode ter um grande poder de impulso para a economia desde que seja capaz de criar poupana. Pode-se dizer, sem medo de errar que, do mesmo modo que Campos, Simonsen estava ao lado daqueles que acreditavam que o mundo no poderia ser salvo pelos caridosos, mas, pelos eficientes. O fato que as ideias econmicas vo perdendo fora a partir do governo Geisel, as necessidades mais urgentes de estabilizao se sobrepem sobre as perspectivas de desenvolvimento at chegar num nvel de preponderncia absoluta nos ltimos anos do governo Figueiredo. Campos, Bulhes, Delfim, Velloso e Simonsen, entre outros, tiveram nos governos militares no apenas o papel de cumpridores de tarefas ou de funcionrios qualificados. Certamente so figuras que chegam aos postos mximos da rea econmica pelas suas habilidades e capacidades e tambm pela identificao que os detentores do poder executivo encontravam neles, seja em termos de objetivos seja em termos de interesses. Pelo prprio fato de terem um domnio sobre conhecimentos tcnicos que os militares no possuam, esses economistas tiveram uma enorme influncia na conduo dos rumos do desenvolvimento, tendo possibilidade, ainda que veladamente, de se contraporem a objetivos mais prementes e relevantes para os militares que concentravam o poder. Eram tcnicos mas eram polticos tambm, mesmo porque sabiam que era impossvel no s-lo, estavam lidando com interesses organizados, de dentro e de fora do governo e embora adotassem discursos de neutralidade sabiam que no havia isolamento e que estavam trabalhando para determinados objetivos polticos. Cada ministro teve tambm seu quinho de poder, suficiente para negociar ou escolher

    30 COUTINHO, Luciano e Luis G. Belluzzo. Poltica econmica, inflexes e crise: 1974/1981. In:

    Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. Vol.1 Campinas: Unicamp: Instituto de

    economia, 1998. (p.185 e ss.). 31 BIDERMAN, Ciro; Luis Cozac e Jos Rego. Conversas com economistas brasileiros. So Paulo: Ed.

    34, 1996. (p.198).

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    dirigentes de empresas e bancos multinacionais, cargos de confiana, subordinados diretos e indiretos. Os governos militares trouxeram uma nova perspectiva de carreira para essa elite econmica, a carreira poltica.

    Cincia, tecnologia e a tecnoburocracia Para esses tcnicos-economistas, de modo geral, cincia e tecnologia no eram

    prioridade absoluta. Eram, na melhor das hipteses, um meio e no um fim, um meio importante, mas no essencial. Significa dizer que era possvel e mesmo necessrio incorporar tecnologias ao sistema produtivo sem ter que recorrer de forma intensiva pesquisa cientfica em mbito nacional. A tecnologia empregada na maioria dos setores era facilmente assimilvel e barata, boa parte das tcnicas e dos processos produtivos eram ainda herana da segunda revoluo industrial, as inovaes eram espordicas e suas distribuies lentas quando comparadas com o quadro que viria a se mostrar nas dcadas seguintes.

    Roberto Campos, por exemplo, aceita a relao direta entre a dinmica do desenvolvimento e o fenmeno da inovao tecnolgica no setor produtivo. Para ele, entretanto, no o dinamismo da oferta dos inovadores mas as presses oriundas da demanda que vo determinar os avanos da economia. Essa distino de extrema importncia para anlise das possibilidades de crescimento dos pases subdesenvolvidos, onde em vez de o papel dinmico principal ser exercido pelo inovador, procura de novos processos de produo, o papel dinmico at certo ponto exercido pelo imitador, a saber, pelo cidado do pas subdesenvolvido que copia rapidamente modelos mais avanados de tecnologia e produo.

    Ainda nas palavras de Campos, isso no quer dizer que no haja mrito na inovao; pelo contrrio, na medida em que os pases subdesenvolvidos logrem inovar originalmente processos de produo, sem exagerado esforo material e humano, tanto melhor32. A imitao, enquanto principal fator dinmico do processo de desenvolvimento deve ser, portanto, o objetivo fundamental dos pases atrasados. Disso se conclui que os investimentos em cincia, bsica ou aplicada, no so prioritrios na medida em que podem ser dispensveis. Mesmo que a busca de inovaes no seja prioridade num primeiro momento, ainda assim, para copiar e adaptar tecnologias, o pas necessita de um certo preparo que o qualifique a essas tarefas e permita que num momento posterior ele seja capaz de produzir inovaes.

    Para Campos, portanto, cumpre imitar rapidamente os padres de eficincias e capturar a experincia de processos tecnolgicos alheios, para depois poder inovar partindo de uma plataforma de desenvolvimento econmico j solidamente estabelecida33.

    Roberto Campos tambm desconfia de uma das principais bandeiras da comunidade cientfica, a da adaptao da tecnologia s condies peculiares dos pases subdesenvolvidos; crena bastante comum no meio cientfico e intelectual das dcadas de sessenta e setenta e que no seria sequer considerada pelas equipes econmicas dos regimes militares. Criava-se assim um impasse no evidente entre a necessidade de aquisio e apropriao de tecnologia, conforme desejo dos tecnoburocratas da rea economia, a busca de um caminho nacional e socialmente orientado, de acordo com as reivindicaes da comunidade cientfica e a consecuo de objetivos tecnolgicos

    32 CAMPOS, R. (s/d). Op. cit., p. 18. 33 CAMPOS, R. (s/d). Op. cit., p. 18.

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    estratgicos a curto e mdio prazo que os militares tinham em mente. Esse imbrglio continuaria de forma mais ou menos acentuada nos governos seguintes.

    Nem de longe se pode dizer que o desenvolvimento cientfico e tecnolgico pudesse estar no centro das preocupaes de Delfim, assim como no estivera, para os ministros da rea econmica a quem sucedeu. Contudo, mesmo o pragmatismo e a necessidade de remover os obstculos e gargalos do desenvolvimento levavam observao bvia de que seria necessrio investir em novas tecnologias; mas no necessariamente a tecnologia que vinha dos laboratrios ou das universidades brasileiras, cara e pouco eficiente. Nesse sentido, possvel enquadrar as suas ideias na mesma perspectiva do pensamento de Roberto Campos que enfatizava a superioridade da tecnologia estrangeira e apoiava a sua importao mesmo em detrimento de um maior desenvolvimento cientfico e tecnolgico de base nacional. Dentre os ministros da rea econmica dos governos militares, Reis Velloso foi certamente aquele que deu maior importncia para essa questo, no apenas por questes prticas mas pela viso que tinha do quadro poltico e econmico do pas. Velloso possua uma influncia do nacional-desenvolvimentismo e mesmo das teorias cepalinas mas o momento j era outro, o pas e o regime j no tinham como bancar uma nova prioridade.

    Talvez por conta disso a questo cientfica e tecnolgica tenha recebido um tratamento peculiar e ambguo. Embora houvesse crescente empenho na formao de recursos humanos qualificados que fossem instrumentos de desenvolvimento num longo prazo, para a poltica econmica mais imediata os investimentos em cincia e tecnologia tinham como principal foco a aquisio de tecnologias estrangeiras maduras. Essa contradio serve para explicar os crescentes investimentos governamentais nessa rea, em grande medida decorrentes das presses de setores militares, e a pouca nfase que os governos efetivamente davam ao desenvolvimento cientfico e tecnolgico autctone enquanto elemento de impulso do crescimento.

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