GÊNERO, EDUCAÇÃO SOCIAL E ADOLESCÊNCIAS VIVÍVEISGÊNERO, EDUCAÇÃO SOCIAL E ADOLESCÊNCIAS...

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GÊNERO, EDUCAÇÃO SOCIAL E ADOLESCÊNCIAS VIVÍVEIS Fernando Guimarães Oliveira da Silva (UEM) Eliane Rose Maio (UEMS) [email protected] Resumo É uma pesquisa de base etnográfica sob a abordagem das teorias pós-críticas em educação com o enfoque nas narrativas de adolescentes entre 14 e 17 anos atendidos/as por serviços de educação social de um município do Estado de São Paulo. Objetivamos problematizar o assunto do gênero, abordando conceitos sobre vantagens em ser do gênero masculino e do feminino, pensadas assim pelo gênero oposto. As diferenças que ocorrem na construção dessas subjetividades foram acionadas para tratar do assunto nessa faixa etária. O trabalho de educação social ofertado nesses serviços preveem proteção, prevenção e proatividade no contexto de histórias de vidas que podem representar a experiência de situações de vulnerabilidades sociais. Como as subjetividades são construídas nas relações sociais, conseguimos alcançar a mobilização de conceitos que podem reduzir situações de misoginia, violência contra a mulher e abusos nas relações socioafetivas das adolescências de ambos os gêneros. Palavras-chave: Gênero; Adolescências; Educação social. Introdução Vantagens em ser homem: não sentem cólicas menstruais, não se preocupam com pêlos... (GRUPO 1 – Meninas) Vantagens em ser mulher: não fazem alistamento militar, não apanham da polícia... (GRUPO 1 - Meninos) Esses trechos oriundos de pesquisa etnográfica no contexto de uma rede de significações culturais das adolescências em situação de insegurança de renda, mais especificamente @s 1 beneficiári@s de programas sociais do município 1 O uso do @ ocorre para não tornar a linguagem sexista ou generificante para se referir a alguma pessoa.

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GÊNERO, EDUCAÇÃO SOCIAL E ADOLESCÊNCIAS VIVÍVEIS

Fernando Guimarães Oliveira da Silva (UEM) Eliane Rose Maio (UEMS)

[email protected] Resumo É uma pesquisa de base etnográfica sob a abordagem das teorias pós-críticas em educação com o enfoque nas narrativas de adolescentes entre 14 e 17 anos atendidos/as por serviços de educação social de um município do Estado de São Paulo. Objetivamos problematizar o assunto do gênero, abordando conceitos sobre vantagens em ser do gênero masculino e do feminino, pensadas assim pelo gênero oposto. As diferenças que ocorrem na construção dessas subjetividades foram acionadas para tratar do assunto nessa faixa etária. O trabalho de educação social ofertado nesses serviços preveem proteção, prevenção e proatividade no contexto de histórias de vidas que podem representar a experiência de situações de vulnerabilidades sociais. Como as subjetividades são construídas nas relações sociais, conseguimos alcançar a mobilização de conceitos que podem reduzir situações de misoginia, violência contra a mulher e abusos nas relações socioafetivas das adolescências de ambos os gêneros. Palavras-chave: Gênero; Adolescências; Educação social. Introdução

Vantagens em ser homem: não sentem cólicas menstruais, não se

preocupam com pêlos... (GRUPO 1 – Meninas)

Vantagens em ser mulher: não fazem alistamento militar, não apanham da polícia... (GRUPO 1 - Meninos)

Esses trechos oriundos de pesquisa etnográfica no contexto de uma rede de

significações culturais das adolescências em situação de insegurança de renda,

mais especificamente @s1 beneficiári@s de programas sociais do município

1 O uso do @ ocorre para não tornar a linguagem sexista ou generificante para se referir a alguma pessoa.

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pesquisado, morador@s de áreas com maiores índices de riscos sociais,

propens@s a diferentes situações vulneradoras das vidas, um universo composto de

um cenário peculiar cujas expressões disparam o foco desse artigo, que tem por

objetivo indicar possibilidades de rupturas com práticas culturais sexistas,

problematizando diferentes sentidos pejorativos que as relações entre os gêneros

produzem na vida dess@s adolescentes. Seja pelas sensações de raiva, pelas

(in)tolerâncias por ter que sujar as mãos em atividades de profissionalização artística

e agrícola, pelo uso de roupas curtas, largas, óculos, ou pela síntese preguiçosa do

discurso “não tô afim, tô cansado”, um grupo diferente que caçoa dos códigos

tradicionalmente já instituídos, anunciando assim de modo bastante visível suas

presenças. El@s querem ser vist@s, notad@s... E são, serão!

A aventura de produzir uma subjetividade subversiva em meio aos diferentes

momentos de interlocução entre vidas que se acreditam renovadas, mas se

vinculam a código sociais já preexistentes, el@s se lançam no contexto das

experimentações da adrenalina. Nessa escalada radical que a vida faz urge pensar,

então, junto aos/as 'bate-bolas', os 'nóias', as 'potrancas', os 'mc's', os 'nerds', as

'bichinhas', as 'sapatonas' e outras subjetividades constituídas e aceitas por esses

grupos de modo em que a convivência, em alguns casos, não se tornam tão

conflituosa se bem trabalhada junto à mediação de conflitos. Uma tarefa assumida,

por nós pesquisador e pesquisadora, de tornar tais construções do ser culturalmente

subalternizadas parte de um cenário que, em muitos casos, tem se tornado elitizado,

que é os locais de produção científica, nesse caso na área da educação.

Acreditamos que, mais que isso, o enaltecimento de práticas culturais cuja afirmação

de sentidos sobre as existências acima supracitadas têm se tornado cada vez mais

inferiorizada. Por isso, é necessário pensar tais categorizações inferiores da vida na

dimensão do impossível e impensado.

Para caracterizar o sentido positivo desse momento, Felix Guatarri (1990)

traduz a elegância da 'estética da existência'. O autor investiu uma crítica ao reinado

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dos modelos de construção da subjetividade calcado em formas predeterminadas do

ser, defendendo no que há de mais bonito no existir, a recuperação de uma

dimensão criativa da vida, um elemento que defini nossa relação com as pessoas e

com a sociedade, conferindo assim, à experiência do existir, a captura do ser na

relação com os processos de consumo de subjetividades capitaneadas pela

sociedade capitalística.

Desejos, afetos, ódios, nervosismos, (des)amores, (in)tolerâncias,

(im)paciências… Principalmente essa última sensação mapeia o misto de sensações

que simbolizam a adolescência. Sensações que nem sempre vem e ficam, mas

intensamente oscilam e tornam adolescentes vulneráveis a diferentes eventos da

vida cotidiana. Uns/umas conseguem sozinhos organizarem bem esses sentimentos

e criam mecanismos para lidar com a oscilação deles em suas vidas, porém

tantos/as outros/as, não. Esses/as que não conseguem precisam de auxílio para tal.

Uma proposta de ofertar atenção necessária para que os/as adolescentes saibam

lidar com a intensidade passageira com que esses sentimentos ressoam nos ventos

das incertezas da vida é a educação social ofertada pelo Sistema Único de

Assistência Social (SUAS).

Focamos nossa abordagem com o enfoque nos estudos foucautianos e

culturais. Dagmar Meyer e Marlucy Paraíso (2014) ressaltam que tais estudos se

caracterizam no âmbito das metodologias pós-críticas dadas as possibilidades d@s

Pesquisador@s utilizarem o entrecruzamento de difernetes procedimentos adotados

para realizar o ato de investigar. Diante disso, dividimos os/as adolescentes em dois

grupos. Um de meninos e outro de meninas para que pudessem assinalar situações

referentes às vantagens do gênero oposto.

Análises dos dados e considerações possíveis

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Não é exagerado afirmar que os pontos centrais das críticas à adolescência

incidem sobre o caráter biológico e culturalmente definido da imaturidade, o saber

construído no entorno dessa ideia adquire raiz e opera no interior dos discursos

oficiais que explicam essa faixa etária. Tal saber cultural impede que as diferentes

manifestações de adolescências possíveis participem do campo de definição sobre

essa parte da vida. Dito em outras palavras, pensar num modelo único de

adolescência implica atacar diferentes modelos construídos, conceito que, portanto,

torna-se excludente. Aparentemente, pensa-se a partir de um conceito

universalizante de sujeito adolescente, o que nos remete as variadas maneiras

espalhadas pela sociedade de controlar a performance desse conceito. Deixa, por

sua vez, de lado aqueles/as adolescentes que escapam desse modelo de referência.

Na mesma via, as práticas de normalidade que permeiam a referência de

adolescente cria processos de hierarquização, desconsiderando adolescência

possíveis de serem vividas dada a condição social afetada por diferentes situações

vulneradoras das vidas.

Cartografamos sentidos sobre as vantagens.

Não se alistar; Proteção da Lei Maria da Penha; Recebem mais atenção da família; Não apanha da polícia; São muito mimadas; Não broxam (GRUPO 1 – Meninos)

Não menstruam; Não sentem dor no parto; Não se preocupam com pêlos; Não têm dúvidas nas vestimentas; Não têm cólicas menstruais; Têm facilidade em urinar; Têm mais liberdade (GRUPO 1 – Meninas).

As vantagens assinaladas pelos meninos e meninas propõem reconhecer

alguns pontos em que acreditam que os gêneros opostos têm priivlégios. Tais

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pontos foram elementos socioculturalmente definidos e que têm instrumentos de

manutenção das diferenças propostas. Ao visualizarem-se desprotegidos por

algumas vantagens das mulheres, os meninos demonstram a produção de uma

existência em que as cobranças sociais agem na manutenção dos aspectos

determinantes da condição biológica. Questões socioculturais de preservação das

vidas femininas são acionadas para que os meninos se compreendam mais

desprotegidos e desprivilegiados.

Os meninos apontam situações em que a vida demonstra a aprovação,

vigilância e validação da sua virilidade. O efeito dessa referência única de

masculinidade persegue como uma teia discursiva e controladora dos corpos dos

meninos que os fazem sentir-se desprotegido. Isso se relaciona ao fato de que nem

todos se sentem vocacionados a seguir carreiras militares ou se sentem seguros

quando em situações que passam o medo da violência junto à truculência policial.

Ao passo que as meninas apresentam situações que nos levam a identificar que

seus corpos sofrem mais controle que dos meninos quando dizem que eles têm mas

liberdade, o que pode estar associada a uma educação mais libertária que dá

menina, mais para o público que para o privado. Eleva situações tanto biológicas

quanto de estéticas para definir privilégios que os meninos têm.

Surge da apresentação dos meninos às meninas e assim vice-versa debates

e momentos de desconhecimento de situações que não se acreditam acontecer com

tanta intensidade como é o caso dos meninos não acreditarem que as meninas

sejam mais presas às regras dos pais e mães e têm seus corpos mais sujeitos a

controle. À medida em que as meninas acreditam que “levá um enquadra dos cara

(polícia)” (Grupo 1 Meninas) se relaciona com a apresentação estética dos meninos

geralmente associadas à marginalidade: shor tec tel, boné de crochê, chinelo e

outros atributos próprios dessa experiência subjetiva. Nessa relação proposta por

práticas de educação social, presenciamos momentos em que a empatia torna-se

elemento fundante das relações sociais capazes de mobilizar diferentes sensações

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de responsabilização, comoção e preocupado com a vida do outro gênero, diminuído

possibilidades de relacionamentos abusivos, violências contra a mulher... Referências DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo, SP: ED. 34, 1990.

MEYER, Dagmar E.; PARAISO, Marlucy A. Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. 2ª ed. Belo Horizonte, MG: Mazza edições, 2014.