Gestoras e Gestores Negros

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GESTORES NEGROS NO BRASIL DE HOJE Conforme matéria da Revista Exame, histórias de executivos negros no Brasil são raríssimas: “EXAME entrou em contato com cerca de 100 empresas, em busca de executivos negros. Foram encontrados 12. O negro, em geral, pertence às camadas mais pobres da população, os negros no Brasil têm pouco acesso à educação, aos bons colégios e às boas faculdades isso quando conseguem chegar à faculdade. O problema pode ser analisado por outro prisma: o conceito brasileiro do que seja ser negro. Pessoas que para os americanos e europeus seriam negras aqui são brancas ou se encaixam numa categoria como pardos, caboclos, mulatos claros e por aí afora. Para um americano ou europeu, o número de executivos negros no Brasil é bem maior do que parece para nós, brasileiros. As empresas brasileiras, aparentemente, não têm nada contra os negros. Pelo menos é o que afirmam os headhunters: „Eu nunca ouvi um representante de empresa dizer que não queria contratar negros‟, diz Guilherme Velloso, diretor da PMC - AMROP International, „mas também não me lembro de ter visto um executivo negro conversando no nosso escritório‟. Gladys Zrncevich, uma consultora da Korn/Ferry, outro grande escritório de headhunting, também não conhece executivos negros brasileiros. Afirma que gostaria de conhecer: A partir do advento da globalização e com os programas de diversidade instalados nas empresas, muitas delas acham que seria interessante poder fugir do perfil do candidato que tem de ser branco, de classe média e formado em boas escolas, diz Gladys.

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Exposição "Cultura e Identidade Negra: Lições para Futuros Gestores" realizada nas dependências do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal - UNIPLAN, de 7 de novembro a 13 de dezembro de 2012. Idealização e curadoria: Profa. Dra. Jaqueline Gomes de Jesus

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GESTORES NEGROS NO BRASIL DE HOJE

Conforme matéria da Revista Exame, histórias de executivos negros no

Brasil são raríssimas:

“EXAME entrou em contato com cerca de 100 empresas, em busca de

executivos negros. Foram encontrados 12. O negro, em geral, pertence às

camadas mais pobres da população, os negros no Brasil têm pouco acesso à

educação, aos bons colégios e às boas faculdades — isso quando conseguem

chegar à faculdade.

O problema pode ser analisado por outro prisma: o conceito brasileiro do

que seja ser negro. Pessoas que para os americanos e europeus seriam negras

aqui são brancas ou se encaixam numa categoria como pardos, caboclos,

mulatos claros e por aí afora. Para um americano ou europeu, o número de

executivos negros no Brasil é bem maior do que parece para nós, brasileiros.

As empresas brasileiras, aparentemente, não têm nada contra os negros.

Pelo menos é o que afirmam os headhunters: „Eu nunca ouvi um

representante de empresa dizer que não queria contratar negros‟, diz

Guilherme Velloso, diretor da PMC - AMROP International, „mas também

não me lembro de ter visto um executivo negro conversando no nosso

escritório‟.

Gladys Zrncevich, uma consultora da Korn/Ferry, outro grande escritório

de headhunting, também não conhece executivos negros brasileiros. Afirma

que gostaria de conhecer: „A partir do advento da globalização e com os

programas de diversidade instalados nas empresas, muitas delas acham que

seria interessante poder fugir do perfil do candidato que tem de ser branco, de

classe média e formado em boas escolas‟, diz Gladys.

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Será, então, que não existe preconceito de raça no Brasil? Ou existe e é tão

velado que faz com que algumas pessoas realmente acreditem que somos

diferentes dos americanos?

„O preconceito começa nos anúncios de empregos que pedem candidatos

de boa aparência e, por isso mesmo, excluem os negros‟, diz Valdir José de

Quadros, diretor do Instituto de Economia da Unicamp. „Eles nem podem

competir com os brancos nesse quesito, pois num processo de seleção entre

candidatos com a mesma competência sempre saem perdendo‟.

„São poucas as empresas que não se utilizam desse expediente para barrar

a entrada dos negros‟, afirma Milton Barbosa, coordenador do Movimento

Negro Unificado.

„É burrice uma empresa deixar de pegar um executivo de bom calibre por

ser judeu, japonês ou negro‟, afirma Carlos Salles, presidente da Xerox.

Mas o que ocorre se houver uma disputa entre um negro e um branco em

igualdade de condições? As empresas brasileiras fazem benchmarking de

quase tudo o que vem da América do Norte, mas será que isso já está valendo

para as atitudes politicamente corretas?

Pense na seguinte situação: o cliente de uma empresa marca almoço com

um diretor que só conhece por telefone. Quando esse cliente chega ao

restaurante, tem uma surpresa: o diretor é negro. „É, de fato, um impacto‟,

afirma Wilton Santos, o presidente da Xerox na Colômbia. „Quando isso

acontece, as pessoas, em princípio, duvidam da sua competência e ficam

esperando que a qualquer momento você faça ou fale uma bobagem. Depois,

à medida que percebem sua segurança e conhecimento profissionais, a

situação fica normal‟.

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Wilton tem 45 anos, é mineiro de Uberlândia e admite que esse tipo de

constrangimento ocorreu algumas vezes em sua carreira.

Ele veio de uma família de classe média com treze filhos. Seu pai era

comerciante e sua mãe, professora primária. Foi convidado para desenvolver

um trabalho no centro de atendimento a clientes do escritório de Nova York.

A empresa estimava que o projeto levaria dois anos para ficar pronto. Santos

se desincumbiu da tarefa em seis meses e hoje dirige uma unidade cujo

faturamento é de 100 milhões de dólares. Seu salário está entre 90 000 e 100

000 dólares anuais.

A vida para os executivos negros costuma ser mais dura que para os

brancos. São obrigados a conviver com comentários jocosos, de mau gosto, e

enfrentar situações difíceis de lidar.

O executivo gaúcho Leomar Paulo Pacheco Joaquim, 41 anos, assumiu a

gerência técnica de um braço do grupo Votorantim. Estão sob a

responsabilidade de Joaquim um orçamento de 2,3 milhões de dólares. Ele

ocupa o segundo escalão da empresa, tem participação nos resultados e, em

breve, terá um carro, entre outros benefícios.

O começo de sua carreira foi difícil. Tudo o que se pode imaginar que

aconteça em termos de discriminação ocorreu com ele. Filho de uma família

pobre — o pai era sargento da Polícia Militar e a mãe, empregada doméstica

—,precisou da ajuda dos patrões da mãe para estudar. Cursou faculdade de

engenharia de operação e mecânica. Sua primeira decepção profissional

ocorreu no primeiro dia no primeiro emprego: „Eu era o técnico, mas me

mandaram abrir buracos na rua para instalar postes de luz‟, diz Joaquim.

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Mais para a frente, foram comuns coisas como competir com um branco e

este levar a melhor no final, ou ouvir dos chefes que a sua cor poderia

constranger clientes importantes.

A história de Joaquim ilustra bem o que geralmente acontece com os

negros. Eles têm frequentemente de ser melhores que os outros para chamar a

atenção dos chefes.

Luiz Carlos dos Santos tem um cargo de gerente na Itaú Seguros em São

Paulo. Com 48 anos de idade e há vinte na empresa, ficou conhecido no

mercado das seguradoras como o Black do Itaú: „O apelido surgiu logo que eu

entrei porque havia um homônimo meu que era branco e nós andávamos

muito juntos, daí a brincadeira do black and white’. O apelido pegou de tal

forma que consta até do cartão pessoal do executivo.

Hoje faz parte de uma comissão do Instituto de Resseguros do Brasil, onde

representa a Itaú Seguros e outras seguradoras. Certa vez, numa reunião,

avisou ao cliente, uma empresa multinacional, que o banco não concordava

com o que lhe fora colocado: „As pessoas me fuzilaram com os olhos e senti

que se questionavam como um negro poderia estar discordando delas‟. Ele

acabou sendo convidado para almoçar com o presidente da empresa com

quem se antagonizara na reunião e acredita ter conquistado seu respeito”.

(Sganzerla, V. Raça e carreira: a trajetória de executivos negros no Brasil. Exame, 08/04/1996).