Geração Morta

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Phoebe Kendall é uma típica garota gótica com uma paixão: ele é forte ecalado. E morto.Por todo o país, está ocorrendo um estranho fenômeno. Alguns adolescentesque morreram não continuaram mortos. Mas quando eles voltam à vida, não são osmesmos. Temidos e não compreendidos, ele fazem seu melhor para se misturar emuma sociedade que não os que

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Generation

Dead (Geração Morta)

Daniel Waters

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Sinopse:

Phoebe Kendall é uma típica garota gótica com uma paixão: ele é forte e

calado. E morto.

Por todo o país, está ocorrendo um estranho fenômeno. Alguns adolescentes

que morreram não continuaram mortos. Mas quando eles voltam à vida, não são os

mesmos. Temidos e não compreendidos, ele fazem seu melhor para se misturar em

uma sociedade que não os quer.

A administração de Oakvale High tenta ser mais acolhedora com os – de

diferentes biótipos. Mas os estudantes não os querem em suas classes ou comer na

lanchonete ao lado de alguém que não respira. E não há leis que existam para

protegê-los – esses vivos vulneráveis – das pessoas que querem fazê-los

desaparecer – para sempre.

Quando Phoebe se apaixona por Tommy Williams, o líder dos garotos

mortos, ninguém pode acreditar; nem sua melhor amiga, Margi, e especialmente

seu vizinho, Adam, a estrela da equipe de futebol. Adam tem sentimentos por

Phoebe que vão muito além de apenas amizade; ele faria qualquer coisa por ela.

Mas o que acontece se proteger Tommy é uma das coisas que a faria feliz?

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CAPÍTULO 1

Phoebe e suas amigas prendem a respiração enquanto a garota morta de

saia xadrez passa por sua mesa na lanchonete. Seu movimento levantou uma brisa

fresca que parecia assentar-se sobre a pele e ficar presa no ar. Enquanto ela

passava, Phoebe quase podia adivinhar o que todos pensavam. Todos, exceto a

garota morta.

Do outro lado dela, Margi balançou sua cabeça, seus brincos de prata em

forma de lágrimas dançavam entre as brilhantes pontas rosa de seu cabelo.

— Nem mesmo eu uso saias tão curtas. — ela disse antes de beber seu leite.

— Agradeço a Deus por isso. — disse Adam de uma cadeira mais distante.

Phoebe arriscou olhar de novo para a garota e suas longas pernas azuladas.

As luzes florescentes eram amáveis com os mortos, fazia com que eles parecessem

ter sido talhados de blocos de mármore branco. A garota foi até a mesa mais

afastada e sentou-se sozinha, sem comida, da forma que os mortos sempre faziam

durante o almoço.

Às vezes Phoebe brincava que tinha poderes psíquicos. Não os úteis como

ser capaz de dizer quando uma criança caía em um poço ou algo no estilo; era mais

como ser capaz de prever o que sua mãe preparava para o jantar ou quantos

braceletes Margi ia usar nos braços nesse dia. Ela pensava que seus – poderes -, se

isso era o que eles eram, eram mais telepatéticos do que telepáticos.

Phoebe supôs no momento que viu a garota morta que usava a curta saia

que Margi conseguiria passar por um montão de temas relacionados com Zumbis,

nenhum dos quais ela realmente queria discutir

— Escutei que caiu um olho de Tommy Williams na aula. — disse Margi no

exato momento. — Escutei que ele espirrou, ou algo assim, e caiu, puf, sob sua

mesa.

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Phoebe tragou e envolveu seu sanduíche novamente no papel manteiga.

— Os Zumbis não espirram. — disse Adam, dando uma mordida em uma

almôndega. — Os Zumbis não respiram, então não podem espirrar.

As garotas abaixam suas cabeças e olham ao redor para ver quem estava

perto o suficiente para ouvir a retumbante voz de Adam. Zumbi era uma palavra

que já não se podia dizer em público, mesmo se você fosse o jogador principal da

equipe de futebol.

Ar passou entre os dentes de Margi. — Você não pode dizer Zumbi, Adam.

Ele dá de ombros, com seus enormes ombros. — Zumbis, cabeças mortas,

cadáveres congelados. Qual é a diferença? Não interessa para eles. Eles não têm

sentimentos para que possam sentir-se magoados.

Phoebe se perguntava se Tommy Williams e a garota com a saia xadrez

realmente não tinham sentimentos. Os cientistas ainda não tinham certeza sobre

esse ponto.

Ela tentou imaginar como se sentiria perdendo um olho, especialmente

perdendo-o em público. E nada mais do que na sala de aula.

— Você pode ser expulso por dizer coisas assim, Adam. — disse Margi. —

Você sabe que deve chamá-los de Deficientes Vitais.

Adam bufa, com sua boca cheia de leite. Há dez anos uma explosão de leite

teria sido o cúmulo do grotesco em Oakvale High. Hoje é algo, mais ou menos,

pobre comparado com perder um olho na aula.

— Deficientes Vitais. — comenta Adam, depois de se recuperar. — Acho que

vocês são vivas vulneráveis. Eles só estão mortos.

Ele se levanta, com seu enorme corpo projetando uma enorme sombra nos

almoços não comidos, e leva sua bandeja vazia ao container para onde se levava os

pratos e o lixo. Phoebe só olha seu bonito sanduíche novamente e deseja ter

vontade de comê-lo.

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O armário de Phoebe abriu-se na terceira tentativa. Ela acreditava que sua

incapacidade para lembrar uma combinação de três dígitos não era bom sinal para

sua prova na aula de álgebra, a qual era sempre depois do almoço. Seu estômago

roncava, e tentava dizer a si mesma que as pontadas de fome dariam para sua

mente mais concentração, como um lince no inverno entre exuberantes caças.

Sim, certo, pensa.

Tommy Williams estava em sua classe de álgebra.

A porta de seu armário tremeu com um som de vibração metálica. Dentro

havia fotos de bandas como Creeps, Killdeaths, Seraphim Shade, Rosedales,

Slipknot, e os Misfits; bandas que se vestiam como os mortos vivos antes que

qualquer morto vivesse. Havia fotografias dela, Margi e Colette em momentos

felizes, todas góticas, vestidas de preto, delineador, e botas fora do Cineplex em

Winford, na primeira fila, prontas para a estréia de um importantíssimo filme de

terror que nem sequer pode lembrar. Phoebe, a mais alta, estava no meio, seu

longo cabelo negro escondia um lado de seu rosto, naturalmente pálido, e seus

olhos visivelmente fechados enquanto riam de qualquer comentário vulgar que

Margi tinha dito. Colette tinha seus olhos como uma princesa egípcia, com uma

grossa linha de maquiagem em cada canto. Colette e Margi também estavam rindo.

Também havia uma fotografia de seu cachorro, Gargoyle. Gar era um terrier

galês e nem metade assustador como seu nome sugeria.

Um espelho estava na parte contrária à estante onde estava o livro de

álgebra de Phoebe. Em seus lábios havia um reflexo de um escorrido lápis labial

violeta. Seu longo cabelo, normalmente preto azeviche, brilhante nas pontas, e

desgrenhado, agora estava apagado, liso e sujo. Pensou que parecia assustadora.

O lápis labial escorrido era o único erro que parecia ter remédio, assim

tirou-o antes de ir para a aula da Sra. Rodriguez no final do corredor. Ela chegou ao

mesmo tempo em que Tommy Williams, cujo olho, estava aliviada em ver, ainda

estava preso dentro de suas órbitas. Ele a observou, com um olhar em branco

característico dos Deficientes Vitais.

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Phoebe sentiu um frio formigamento dançando entre sua coluna. O olhar

era sem fundo. Fez pensar que ela podia cair para sempre nesses olhos, ou que ele

poderia ver entre eles até as profundezas de seu coração. Podia ver que ela se

perguntava se seu olho realmente tinha caído na sala de aula?

Tommy fez um gesto para que ela entrasse primeiro na sala.

Ela prendeu sua respiração enquanto ele esticava seu braço, percebendo

que outra de suas funções vitais tinha parado, mais especificamente, suas batidas.

Sorriu para ele. Foi um reflexo; a cortesia não era muito comum nos

corredores de Oakvale High. Entrou na sala, e enquanto fazia isso, estava quase

certa que Tommy tentava sorrir. Por acaso não havia uma fraca curva de lábios no

canto de sua boca, ou era um lampejo de luz em seus olhos não-mortos?

Ela sentou-se, respirando novamente, seu coração batendo outra vez. Não

só batia; como batia rápido.

Ela não sabia muito sobre Tommy Williams. Sabia que chegou a Oakvale

High em Maio passado, só umas semanas antes que a escola o revelasse. Oakvale

estava começando a ter uma reputação por ter um bom programa para Deficientes

Vitais, o suficientemente bom para que famílias com filhos Deficientes Vitais se

mudassem para Oakvale das áreas circundantes. O pai de Phoebe mostrou um

artigo do Boletim Winford que dizia que a população de Deficientes Vitais em

Oakvale High tinha duplicado em um ano. Pelo menos, havia sete deles em sua

classe de aproximadamente cento e vinte.

Álgebra não era um assunto que Phoebe tivesse dificuldade; normalmente

terminava as tarefas no dia seguinte enquanto a Sra. Rodriguez começava a

investigar respostas entre seus lentos e sobrecarregados colegas de classe. Álgebra

era uma aula que ela poderia entrar e sair ao som da música de um carro que

passava e entrava pela janela aberta da sala. Ela se perguntava como Tommy

Williams teria morrido. Olhou a parte de trás de sua cabeça, seu cabelo loiro claro,

e seus pensamentos vagaram, outra vez, para o assunto da morte. Começava com o

normal – os Deficientes Vitais precisavam cortar o cabelo? (Resposta: Sim. Tanto o

cabelo como as unhas podem crescer durante a vida como vulnerável) E continuando

com o complexo filosófico – Como é estar morto? Como é ser um vivo vulnerável?

Essas perguntas preocupavam Phoebe quando era mais jovem, muito antes

que o mundo escutasse sobre os Deficientes Vitais. Ela olhou pela janela e tentou

pensar na época antes que os adolescentes mortos começassem a se levantar das

macas do necrotério e das camas de doentes. Isso não tinha acontecido há muito

tempo; ela tinha catorze anos quando viu sua primeira matéria sobre um Zumbi -

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uma pessoa viva vulnerável – sentada rigidamente entre seus pais em um

programa de entrevistas da CNN. Seus pais sempre a faziam sair do cômodo

quando aparecia o vídeo de Dallas Jones. Esse vídeo era o filme Zapruder de sua

geração, como mostrava Dallas, o Zumbi original, morria e voltava a – vida.

Um cachorro arrastava uma correia quebrada correndo pelo campo em

frente da janela da sala de aula, e Phoebe se perguntava por que os Deficientes

Vitais pareciam ser um fenômeno exclusivo para adolescentes. Especificamente,

adolescentes americanos. Os cachorros não ressuscitavam. Tampouco os macacos,

os peixes, os adultos, as crianças. Aparentemente, por alguma razão também não

ressuscitavam os adolescentes do Uzbequistão, Burkina Fasso, Suécia ou Papua

Nova Guiné. Mas garotos de Oklahoma, Rockaway Beach, a Big Apple, Arkansas,

The Big Easy, todos corriam, pelo menos, algum risco de acabar como um vivo

vulnerável, na medida em que morriam durante a delicada idade adolescente. A

teoria mais nova sobre a Fórmula Frankenstein era que uma mistura certa de

hormônios adolescentes e conservantes de fast-food estabelecia as condições

apropriadas para viver como vulnerável. A comunidade médica ainda estava

provando a teoria, tendo que deixar de lado, de má vontade, fluorocarbonos1 e

renovação de padrões cerebrais por uma vida inteira de jogos de ação em primeira

pessoa.

Lá fora, o cachorro levantou a pata traseira em um estacionamento de

bicicletas, onde várias bicicletas estavam acorrentadas. Os mortos iam ao

banheiro? Eles não comiam ou bebiam; então a resposta parecia ser não.

Então, a Sra. Rodriguez fez algo estranho, o suficientemente estranho para

interromper a série de pensamentos de Phoebe. Ela chamou Tommy para resolver

um problema embora sua mão pálida não estivesse levantada.

Tommy levantou seu olhar dos papéis. Houve uma pausa, onde sugou o ar;

sempre havia uma pausa como essa quando chamavam os mortos. Os mortos

podiam pensar, e podiam se comunicar. Podiam raciocinar, e de vez em quando,

poderiam até mesmo iniciar uma conversa. Mas faziam isso muito, muito

lentamente... Uma pergunta, inclusive uma tão simples como a que fez a Sra.

Rodriguez, poderia levar um vivo vulnerável dez minutos para processar, e outros

cinco para responder.

Phoebe tentou calcular secretamente a reação de seus colegas de sala.

Alguns ficaram logo absortos em seus livros, fazendo qualquer coisa para evitar a

realidade – ou a irrealidade – que os garotos mortos representavam. Outros, como

Pete Martinsburg, que assistia álgebra pela segunda vez, e que normalmente só se

1 Compostos organofluorados que contêm apenas átomos de carbono e flúor com fortes ligações com

carbono-flúor.

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interessava por futebol e garotas, estava concentrado. Pete estava olhando para

Tommy com a mesma expressão de frenética alegria que usou quando na semana

passada fez uma brincadeira com Norm Lathrop e o enviou a uma lata de lixo no

refeitório.

— Cento e setenta e quatro. — disse Tommy, com voz alta e sem inflexão.

Ninguém que escutasse sua voz poderia dizer se pensavam que a resposta

de Tommy estava correta ou não, então a maioria da turma olhou para a Sra.

Rodriguez, esperando sua reação.

Ela parecia satisfeita. — Está correto, Thomas.

Phoebe notou que ela sempre chamava os Deficientes Vitais por seus nomes

formais. Não era algo que ela fazia com os garotos – normais. Pete Martinsburg era

somente – Pete - quando ela dizia seu nome, o que acontecia muitas vezes,

normalmente para reprimi-lo. Phoebe estava secretamente encantada ao ver a

bofetada no olhar malicioso de Pete.

A Sra. Rodriguez continuou com a aula como se não fosse grande coisa fazer

um garoto morto responder. Normalmente, o resto da classe reagia do mesmo

modo.

Mas Phoebe percebeu que Tommy não voltara a olhar seus papéis. Sua

cabeça permaneceu levantada pelo resto da aula.

Margi estava esperando-a na porta depois da aula de álgebra.

— Como é que você chegou tão rápido? — perguntou Phoebe. Margi pegou

seu braço e a levou para um lado.

— Shhh. Dominei a arte de estar em dois lugares ao mesmo tempo; na

verdade, agora estou me dirigindo à aula de inglês.

Phoebe ri. — Eu também. Vamos.

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— Espera. — diz Margi. — Quero ver esse cara vivo vulnerável por um

minuto.

— Quem quer que tenha te contado sobre o negócio do olho estava

brincando com você. Ele ainda tem os dois. — sussurra Phoebe, e logo Tommy sai

da sala, o último a sair.

— Tenho algo ainda maior. Escutei que se inscreveu para o teste de futebol.

Supõe-se que ele deva começar a treinar amanhã.

Phoebe olha para sua amiga, perguntando-se como era que Margi sempre

sabia o que acontecia com os garotos mortos.

— Não me olhe assim, Pheebes. Escutei o treinador Konrathy discutindo

com a diretora Kim. Ele não ia deixar que o garoto morto tentasse, mas Kim o

obrigou.

— De verdade?

— De verdade. Pode acreditar? Jogar com um garoto morto-vivo? Ter que

discutir com um deles? Brrr.

Os mortos têm que tomar banho? Eles não eram cadáveres decompostos,

como nos filmes, e tampouco suavam. Phoebe não achava que eles cheiravam a

algo; ao menos, eles não cheiravam como algo morto.

— Ele parece como se pudesse jogar. — diz Phoebe, observando-o caminhar

lentamente pelo corredor.

— O que você quer dizer?

— Bem, ele tem compleição atlética para isso.

— Phoebe! — diz Margi, fazendo uma careta. — Eca.

— Ele tem. Realmente, ele tem..., você sabe; isso eu aposto.

— Sim, se não tivesse, tipo, morto. — disse Margi. — Duplo eca. Vamos,

temos que chegar à sala.

— E a arte de estar em dois lugares ao mesmo tempo?

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— Não posso fazer isso quando alguém está me fazendo um monte de

perguntas. Vamos.

Phoebe fez uma parada após a campainha final antes de ir para o ônibus.

Adam estava amontoando livros metodicamente em seu armário, levantando a

metade da pilha com uma mão enorme.

— Olá. — ela disse. — Escutei que um cadáver congelado vai se meter no

seu precioso time de futebol.

— Sim. — respondeu, sem afastar os olhos de sua tarefa. — Tanto faz.

Contanto que possa jogar.

Phoebe sorri. Pensou que era linda a forma com que Adam tentava ser rude

com ela. Perguntava-se se ele sabia que estava sendo.

— Escuta, — ela diz. — Você estaria disposto a me dar uma carona para

casa amanhã? Quero ficar e fazer umas tarefas na biblioteca.

— Claro, contanto que possa esperar até que eu termine o treino. — disse

ele, fechando seu armário. — E contanto que o PDT não me tire o privilégio de

dirigir.

PDT era uma expressão de carinho de Adam para seu padrasto, com quem

se dá bem, da mesma forma, que se dá bem com a linha defensiva da Academia

Winford.

— Ótimo. Nós nos vemos. Tenho que pegar o ônibus.

Adam assente. Se ele realmente tinha alguma opinião sobre jogar futebol

com o vivo vulnerável, de uma ou outra forma, não demonstrou. Adam tinha

amadurecido muito durante o verão. Talvez tenha sido por causa do caratê.

— Daffy vem?

Phoebe riu. Adam era muito maduro com todos, exceto Daffy, o apelido que

ele deu para Margi. — Acho que não.

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— De acordo. Nós nos vemos.

— Adeus. — ela o observou ir embora. Conhecia Adam desde que ela se

mudou para a casa ao lado da dele há alguns anos, mas agora estava diferente - no

modo em que caminhava, no modo que falava; no modo em que seu rosto tinha

afinado para revelar uma forte e angular mandíbula. Sua parte superior, sempre

grande, tinha se ampliado em um grande V a partir de sua cintura estreita. Phoebe

sorriu para si mesma. Se era por causa do caratê, era algo bom.

Ela quase perdeu o ônibus. Colette já estava sentada sozinha e olhando pelo

parabrisa. Phoebe a vê, e a conhecida pontada de tristeza e vergonha brota dentro

de seu peito.

Ela havia crescido com Colette Beauvoir, pelo menos, até que Colette deixou

de crescer quando se afogou no Lago Oxoboxo no verão anterior. Colette teria

quinze para sempre, e não era a mesma adolescente que costumava ser.

Phoebe tentou falar com ela – uma vez – mas a experiência havia sido muito

perturbadora por isso jamais voltou a tentar. Isso foi há meses. Margi era ainda

pior; ela se levantava de seu assento e iria embora se Colette entrava na sala. Tão

faladora que era Margi, que nem sequer suportava discutir o que tinha acontecido

com Colette.

A morta sempre se sentava sozinha. A escola os deixava sair cinco minutos

antes, assim teriam tempo para ir caminhando até os ônibus. Cada dia de escola

desde que Colette morreu, Phoebe atravessava por seu lado e a via ali, sentada

sozinha, e se perguntava se ela recordava a diversão que costumavam ter

escutando os discos do Cure e Dead Kennedys do irmão mais velho de Colette no

sótão.

— Colette. — foi a primeira palavra que Phoebe tinha lhe dito desde aquela

conversa frustrante. A lembrança de suas lágrimas ainda estava fresca na mente de

Phoebe.

Colette se virou, e Phoebe gostou de pensar que foi pelo som de seu nome e

não somente pelo som que fez com que se virasse.

Ela contemplou Phoebe com um olhar vazio. Phoebe considerou sentar-se

no banco vazio ao lado da garota morta. Sua boca se abriu para dizer... O quê?

Quanto lamentava? Quanto sentia sua falta?

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Ela perdeu os nervos e se moveu para a parte de trás do ônibus, onde estava

Margi, as palavras que queria dizer ficaram presas em sua garganta. A cabeça de

Colette se voltou lentamente, como uma porta com uma dobradiça enferrujada.

Margi estava concentrada em seu iPod, ou ao menos fingia. Colette era como

uma mancha escura no sol para Margi; nunca falou sobre ela ou inclusive teve

conhecimento que existia.

— Você ouviu que o baixista do Grave Mistake morreu? — ela disse —

Ataque cardíaco depois de uma overdose de heroína.

— Oh! — disse Phoebe, enxugando seu olho. — Você acha que ele volta à

vida?

Margi nega com a cabeça. — Acho que é muito velho, como vinte e dois ou

vinte e três.

— Que azar. Suponho que saberemos em alguns dias.

Tommy Williams foi o último a subir no ônibus. Havia muitos assentos

vazios. Parou no assento de Colette. Olhou para ela, e logo se sentou com ela.

Isso é estranho, pensou Phoebe. Ela ia dizer isso para Margi, mas Margi

estava concentrada em seu iPod e tentando com fúria não notar nada sobre sua

amiga morta.

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CAPÍTULO 2

Pete Martinsburg desfrutava do sutil silêncio que se instalou no vestiário

quando ele e TC Stavis entraram. Ele gostava da forma com que Danny McKenzie, o

quarterback2 sênior, se afastava para deixar que Pete passasse quando se

aproximava. Gostava da forma como os garotos mais novos o olhavam quando ele

olhava em sua direção.

Como Alfa atualmente, sabia que não havia melhor lugar para reafirmar sua

posição do que o vestiário antes do treino de futebol.

— Que garoto mal! — diz Pete, fazendo um enorme espetáculo batendo suas

mãos nas costas de Adam enquanto este amarrava seu cadarço. Adam era o garoto

maior da equipe, com alguns centímetros e massa muscular inclusive maior do que

Stavis, então uma demonstração de força com ele era uma boa forma de mostrar a

todos o que significava a hierarquia na equipe. — Qual é a recomendação?

Ele sentiu tensos os largos ombros do garoto enquanto Adam dava de

ombros. — O mesmo de sempre. E você?

— O mesmo, quente como o inferno. — disse Pete. — Você vai me ligar com

essa garota louca com quem você passa seu tempo, ou o quê? Morticia

Pantynegros?

— Não.

Pete ri. — Uma noite comigo e ela voltará a usar cores brilhantes.

— Não daria certo.

— Oh, então está admitindo agora que são amigos?

2 Posição do futebol americano.

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Adam não respondeu, e Pete desfrutava do rubor que apareceu nas orelhas

e pescoço do garoto. Tudo se tratava de encontrar os pontos fracos.

— Quem é Morticia Pantynegros? — perguntou Stavis. — Está falando da

professora nova de arte?

— Não, idiota. Phoebe alguma coisa, uma das garotas góticas. Nosso garoto

lamentável gosta das pálidas e assustadas.

Stavis franziu o cenho, Pete sabia que significava que estava se

concentrando.

— É a garota magra, de cabelo preto longo, como uma garota da China, ou a

pequena com peitos grandes e que usa muita jóia?

— A primeira. — disse Pete, desfrutando de que a conversa fez com que

Adam parecesse ter mordido um sanduíche de pimenta. — Por quê? Está

interessado?

— Claro que estou interessado. Sinto-me atraído pelas botas, e ela usa essas

com salto todo o tempo. E vestidos. Raios aproveitem a pequena também. Duas por

uma.

A olhada que Adam deu para Stavis silenciaria os demais no vestiário, mas

Stavis, era muito bobo e muito grande para notar ou se importar.

Pete dá um soco no ombro de Adam. — Tranquilo, grandão. — disse.

— Vocês são muito engraçados. — disse Adam. — Um alvoroço.

Pete sorri. — Não acredita que todo o assunto gótico de hoje realmente teve

bastante sentido? Ou seja, por que andaria fingindo estar morto quando você pode

estar morto e caminhar?

— É mais do que isso. — respondeu Adam.

— Sim? Como o quê?

— Não sei. Música. Aparência, ou o que seja.

— A aparência, hein? — disse Pete. — A aparência é uma droga. Ela deveria

conseguir um pouco de cor em suas bochechas e começar a se vestir como uma

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garota normal. Parece um estranho hambúrguer de minhoca, sabia? Um desses

Zumbis.

— Então, suponho que você não gostaria de perder seu tempo com ela.

— O oposto, garoto. Quero converte-la antes que seja tarde demais. Por

outro lado, — disse sorrindo para Adam. — Você e eu sabemos que ela é virgem.

Pete ri e senta-se ao seu lado, e pelo canto de sua visão vê que o baixinho do

Thornton Harrowwood estava os observando. O garoto não tinha jogado no

primeiro e no segundo ano.

— Em que posso ajudar? — disse Pete, soando tudo menos serviçal. O

garoto fez um temeroso movimento com sua desgrenhada cabeça e olhou para o

outro lado. Pete riu entre dentes e virou-se para Adam.

— Você saiu neste verão, garoto fraco3? — Pete sabia que algo havia

mudado durante o verão entre ele e o garoto fraco, mas não tinha idéia do que era.

Ele, o garoto fraco, e TC haviam sido amigos na Equipe da Dor durante todo o

ensino médio, e agora apenas tiveram uma conversa desde que começaram

novamente com o treino de futebol.

— Um pouco. Fiz aulas de caratê.

— Nota-se, nota-se. É como se você tivesse perdido um pouco de peso e

ganhado um pouco mais de forma.

Adam assentiu. — Obrigado. Você quer dormir comigo?

Pete rui e tirou sua camiseta apertada. Também trabalhou em seu corpo

durante o verão, e os resultados mostravam-se na definição de seu peito e

abdômen, e as linhas se fundiam pelo intenso bronzeado que havia cultivado.

Apertou os músculos de seus braços no caso de que qualquer um dos aspirantes

estivesse observando.

— Eu faria, mas ainda estou dolorido pelo verão.

Dobrou sua camiseta e logo a dobrou outra vez já que na primeira dobrada

não parecia ter ficado muito bem.

— Não quer escutar o que fiz?

3 Apelido de Pete para Adam.

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— Claro. — disse Adam, suspirando. — O que você fez nesse verão? Foi

visitar teu pai outra vez?

— Sim. Estive em Cali durante todo o verão, pegando garotas universitárias

na praia.

— Parece ótimo. — disse Adam, bocejando.

— Sim, foi. — disse Pete, tentando ignorar seu desinteresse. — Era como

um abastecimento sem fim. Bebendo, em festas, e sexo, sexo, sexo. Falando de um

verão sem fim.

— Uau.

Adam não vê seu cenho franzido, por que aparentemente seus sapatos eram

mais interessantes do que as histórias de Pete. Isso irritava Pete, já que desta vez

as histórias eram verdadeiras. Pelo menos, parcialmente verdadeiras.

As garotas universitárias tinham sido muito amigáveis com ele no verão.

Mas Pete deixou um detalhe fora de suas repetitivas histórias; a nova namorada de

seu pai, Cammy - uma garota universitária. Ou o que seja. O silêncio de Adam

estava começando a frustrá-lo. Levou três tentativas para que conseguisse dobrar

sua camiseta do modo que queria.

— Sou eu. — disse Pete para o cômodo. — Ou esta fetidez do inferno vai ser

invadida por garotos mortos este ano?

— Não é você. — respondeu Stavis. — Há cerca de quinze deles este ano. Eu

contei.

— Bom para você. — disse Pete, golpeando Stavis na parte carnosa de seu

ombro. — Mantenha este nível e talvez este ano passe em matemática.

O sorriso de TC apareceu em seu rosto flexível.

— Este ano há mais garotos mortos. — disse Adam, sem olhar para longe de

seus cadarços. — Houve um artigo em um jornal que dizia que esta é uma boa

escola para os Deficientes Vitais. Alguns deles vêm de Winford.

— Justo o que precisávamos. — disse Pete. — Um monte de cadáveres

ambulantes. Talvez este lugar seja realmente o inferno.

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— Inferno na Terra. — disse TC, metendo seus sapatos e calças no armário.

O garoto não tinha jeito, pensou Pete. Um preguiçoso acima do peso cuja carne

pendurava-se de seu corpo em forma de barril.

— Garotos mortos estão se levantando em todas as partes do país. —

acrescentou um garoto do segundo ano, chamado Harris Morgan.

Não todos; pensou Pete, dando uma olhada de soslaio. Julie jamais voltará.

Harris pegou seu olhar e entrou em pânico. Harris tinha estado espreitando Pete e

TC desde que começaram a treinar para as finais de agosto, e Pete pensou que ele

estava tentando unir-se a Equipe da Dor. Ele decidiu fazer um favor ao garoto com

um sorriso e um rápido movimento de cabeça. Com o garoto fraco agindo como

uma mocinha, não faria mal adicionar mais pessoas.

— Você viu essa garota morta? — disse TC, sua grande barriga pendurava-

se para frente e nos lados de sua cueca. — A que usava saias?

— Sim, eu a vi. — responde Pete. — E acho que eu poderia devolvê-la a vida.

TC e Harris soltaram uma risada falsa. — Se os mortos não me repugnassem tanto.

Sua platéia, no momento certo, ficou em silêncio.

— Ei, Adam. — disse Pete, inclinando-se o suficiente perto para que só

Adam pudesse ouvir. — Escutou sobre quem está tentando unir-se a equipe esse

ano?

— Thorny? O garoto com ele que está com medo?

— Não. — disse Pete. Viu que este ano ia ter que trabalhar um pouco em

Adam. Ele não estava pegando os sinais do campo posterior como costumava fazer.

— Alguém mais.

Adam o olhou, esperando. Isso também era algo. Adam costumava ser um

garoto nervoso, desajeitado e deselegante, desconfortável com sua própria pele, e

agora tinha confiança em si mesmo e uma postura pouco comum na maioria dos

garotos de sua idade. Pete pensou que Adam estava ficando como ele. Deu a Adam

seu melhor sorriso conspirador, esperando reviver os velhos tempos, como

quando Adam lhe entregava uma lealdade inquebrável ao invés de pena.

— Alguém morto.

— Oh! — disse Adam. Dobrou seu tornozelo e decidiu que não gostava de

como tinha amarrado seu cadarço esquerdo.

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— Oh? — disse Pete. — Oh? — olha para Stavis e dá um sorriso universal de

“estou lidando com um estúpido”. Stavis sorri e balança sua cabeça. — É tudo o que

tem para dizer?

— O que você quer que eu diga; Pete?

Pete franze o cenho, ali estava outra vez essa atitude.

— Não te importa que um garoto morto entre na equipe?

— Não tenho nada a dizer sobre isso.

Pete tinha um temperamento ruim, mas era bom em lidar com isso,

convertendo-o em algo útil. Queria bater no garoto, gigante ou não. Tempos atrás,

Pete podia ter batido e Adam teria agüentado. Mas naquele momento, Adam não

tinha essa massa muscular, e Pete não estava certo se esse era um bom momento

para provar quão forte Adam tinha se tornado.

— Bom, o Treinador tem algo a dizer. Grave. Escutei-o discutindo com

Kimchi sobre isso. — Kimchi era o seu nome para a Sra. Kim, a adorada diretora de

Oakvale High.

— Sério?

— Sim. Ele tentou de tudo. O que não é justo para os outros garotos, a

temporada de treinos já começou, blá, blá, blá. Ela não aceitou.

— Bem, então, — disse Adam, levantando. — Suponho que irá jogar.

Pete levanta-se com ele. — Bem, suponho que conseguiremos dizer algo

sobre isso.

Adam esperou que ele terminasse de falar outra vez.

Pete dobrou sua mão. — O treinador quer que tiremos este garoto morto.

— Ele disse isso?

— Não em tantas palavras. — disse Pete. — Mas o significado foi bastante

claro.

Page 20: Geração Morta

20

Adam assentiu. — Eu vou jogar. — disse. — Não vou participar de algum

assassinato.

— Oh? — Pete disse, com um grande sorriso em seu rosto. — Não como no

ano passado?

Adam olhou-o fixamente, um olhar de fúria queimando através de sua

passiva máscara.

Pete mostra seus dentes. — Não como com Gino Manetti?

Adam não responde. Ele dá um aperto final em cada cadarço e parece

satisfeito com o resultado.

— Não acredito que possamos passar um tempo este ano, Pete. — diz ele.

— Como assim?

— Isso mesmo.

— Eu disse algo. Está irritado por que falei de Pantynegros?

— Não tem muito a ver com as coisas que você diz; Pete. — disse Adam. —

Tem mais a ver com quem você é.

Pete olha-o e sente a raiva contrair suas mãos em punhos.

— Quem sou? — repete ele. — Você quer me explicar?

Adam pega seu capacete no banco e empurra Pete com o ombro.

Pete chama Adam de sem-vergonha em voz baixa, mas diz o suficientemente

forte para que todos escutem.

Gino Manetti era a estrela dos corredores dos Guerreiros da Academia

Winford. Em um jogo no qual Manetti tinha marcado três vezes sobre o Badger,

Adam colocou um fim a sua temporada – e a sua carreira – com um último e ilegal

golpe em seu joelho.

O Treinador Konrathy havia ordenado o golpe.

Não em muitas palavras; pensou Pete, tirando suas calças. Mas o sentido era

claro. Ele e Stavis pretendiam machucar os garotos antes que Konrathy pedisse;

Page 21: Geração Morta

21

eles não se chamavam Equipe da Dor por nada. Mas ninguém antes tinha tirado

alguém de maneira tão permanente.

Pete pensou nesse garoto de Tech que ele tinha deixado inconsciente na

última temporada. Riu alto quando leu no jornal sobre o jogo no dia seguinte e

descobriu que o garoto tinha quebrado a clavícula. As notícias tinham o inflado por

dias.

Embora, não Adam. Adam nunca mais foi a mesma pessoa depois de ter

golpeado esse garoto, Manetti.

— Volta em três, garoto fraco. — disse o treinador, empurrando Adam de

volta para o vestiário. Pete notou que se Adam não permitisse ser movido,

Konrathy não seria capaz de movê-lo. Adam havia mudado.

— Tenho que fazer um anúncio e quero que toda a equipe escute. — disse o

treinador.

— É sobre o garoto morto, treinador? — perguntou Stavis.

— Sim, é sobre o garoto morto. — respondeu o treinador, com seu tom

carregado com um nível de sarcasmo que guardava só para os jogadores mais

cabeça de vento. — Mas você jamais vai chamá-lo de garoto morto quando ele

estiver perto, entendido? Somos obrigados a nos referir a eles como Deficientes

Vitais, ok? Não garoto morto. Não Zumbi, ou bufê de verme ou abominável cria do

diabo. Deficientes Vitais. Repitam depois de mim. Deficientes Vitais.

Pete observa os outros garotos no vestiário repetindo a palavra.

— Quero que saibam que decidi incluir esse garoto, — tira o boné do

Badger e corre sua mão por seu grosso e curto cabelo. — Esse garoto vivo

vulnerável, não tem nada a ver comigo. Fui ordenado em deixá-lo entrar na equipe.

Então, aí está. Estará no treino amanhã. Agora se apressem e coloquem seus

traseiros no campo.

Pete o observa girar em seus calcanhares e subir as escadas.

Não queria nenhum sujo garoto morto no vestiário com ele. Não queria

garotos mortos ao redor dele em nenhum lugar – não na escola, não em suas aulas,

e não no campo de futebol. Queria todos os garotos mortos em suas tumbas, onde

pertenciam.

Como Julie.

Page 22: Geração Morta

22

Talvez se Julie voltasse, pensou. Talvez se voltasse, ele se sentiria diferente e

aprenderia a estar com eles apesar de seu olhar vazio e suas lentas e roucas vozes.

Mas ela não voltaria a nenhum lugar, exceto seus sonhos. E agora, desde que os

mortos começaram a se levantar, quando ela voltava inclusive nesse lugar secreto,

voltava mudada - não era a garota da qual segurava as mãos no lago, não era a

primeira garota que ele tinha beijado na margem do bosque de pinheiros. Não era

seu primeiro e único amor.

Ela era um monstro. Era um monstro como aquele que estava prestes a

colocar um uniforme, capacete e entrar em campo com ele.

Page 23: Geração Morta

23

CAPÍTULO 3

O PDT empurrou o telefone no peito de Adam com a mão que não estava

segurando a cerveja.

— É uma menina. — disse ele.

Adam respirou pelo nariz, agarrando o telefone antes que caísse no chão.

Tinha manchas de óleo em sua camiseta nova a partir de onde as juntas de PDT

pressionaram contra ele. Adam o viu voltar para dentro da sala de estar, onde a

mãe de Adam sentou-se com um de seus irmãos, assistindo séries na Fox. A

respiração ajudava.

— Olá.

— Olá, Adam. ― disse Phoebe. — Como foi o treino?

Adam continuou se concentrando em sua respiração quando escutou PDT

dizer a sua mãe que fosse buscar umas batatas fritas. As batatas fritas que deixou

na cozinha junto com a sua segunda cerveja. Deus abençoe a América.

— Adam?

— Ola Pheeble4. — disse. — Perdão. Estava tendo um momento doméstico

com o PDT.

— Oh, sinto muito.

— Eu também. Como foi? O treino foi exaustivo. Acabei de chegar em casa.

Estava suarento e dolorido jogando em um campo cheio de lodo para um homem

que poderia haver sido separado ao nascer do PDT.

— O que está fazendo?

4 Pheeble: Jogo de palavras entre Phoebe y Feeble (pessoa fraca)

Page 24: Geração Morta

24

Sua mãe passou pela frente dele, sorrindo e dando uma palmada em seu

ombro.

— Só escutando música, fazendo um pouco de tarefa. Já sabe.

— Deixe-me adivinhar: a canção tocando justo agora tem uma das três

palavras seguintes no título: triste, chuva, ou morte.

Phoebe riu, e o som de sua risada relaxou-o o suficiente para deixar de

utilizar a técnica de respiração do mestre Griffin. Pete, Gino Manetti, o perseguidor

constante do PDT. Sua risada golpeou o fundo a porta.

— Na realidade, ‘As câmaras vazias do meu coração’, de Endless Sorrow.

— Estava próximo. — disse.

— Me dei conta que a morte é sempre uma de suas três palavras.

— Tenho acertado quase sempre com essa. — Adam gostava muito da

música que Pheeble e Daffy escutavam, o mais rápido, mais os acompanhamentos

marcados, de qualquer forma. Na realidade o heavy gótico não fazia muito por ele

além de fazê-lo pensar sobre coisas que não queria pensar.

— Isso é provavelmente certo. — disse ela. — Hey, Tommy Williams fez o

treino hoje?

— Williams? É o menino morto, certo?

— Sim, Adam. É o menino morto.

— Oh. Não. O treinador disse que começará amanhã. Não está muito

contente com a ideia.

— Margi disse que o escutou discutindo com a diretora Kim sobre ele.

— Também escutei sobre isso. — disse Adam. O carro de seu irmão John

rugiu na entrada de carros. — De Pete.

— Ah, sim. Pete. Ele é um grande fã da ideia. Estou certa?

— Por que diz isso?

Page 25: Geração Morta

25

— Talvez porque tenho visto seu amigo Pete intimidar e rir de quase todo

mundo fora você e seu pequeno grupo de amigos desde que se mudou para cá.

— Pete tem problemas. — disse Adam. — Não acredito que passaremos

muito tempo juntos este ano.

Ouviu-a suspirar através do telefone, ou ao menos pensou que o fez. Phoebe

parecia de repente tremendamente interessada neste menino morto.

Johnny entrou e lhe deu um soco no ombro, no de sua mãe só deu uma

palmadinha. Adam o surpreendeu com uma palmada na parte posterior da cabeça

enquanto ia se juntar com o resto dos não – homens comuns vendo televisão.

— De verdade? Por que não?

— Pete e eu estamos em caminhos diferentes.

— Adam, eu estou tão contente que fez caratê. ― pôde escutar o sorriso em

sua voz.

— Sério? Por que isso?

— Você está diferente. Não é diferente, de verdade. Sem dúvida mais do que

sempre tem sido. Não posso explicar.

Ele pensou que havia explicado bem, mas não o disse.

— Isso é bom, certo?

— Acho que é genial. Talvez agora você seja capaz de me reconhecer nos

corredores quando estiver com uma de tua pequena corte de animadoras.

— Não conte com isso. — disse. — Minha corte de animadoras tem padrões

muito elevados.

— Exceto com homens. — disse, e riram. ― Então, pode me levar amanhã?

— Sim. — disse, baixando o volume de sua voz. — O PDT me deixa usar a

caminhonete.

— A coisa velha marrom? Isso é bastante grave vindo dele. O que

aconteceu?

Page 26: Geração Morta

26

— Mamãe tem estado se ocupando dele. Creio que lhe disse que é um pouco

injusto para nós ter seis veículos e eu ser o único que não conseguia dirigir um.

— Sim, teu pátio parece como um lote de carros usados. Ou um lote de

carros bem-utilizados, como diz meu pai.

Ouviu o acento divertido em sua voz e fechou os olhos para poder imaginar

sua expressão, um dos olhos verdes olhando-o por baixo de uma franja do cabelo

negro azeviche.

— Deve ser muito forte. Somos como um mau clichê. — podia imaginar o Sr.

Kendall chegando à casa do trabalho e franzindo o cenho enquanto inspecionava

de seus degraus da entrada à colheita desta semana de veículos compostos sujando

o caminho de entrada e o pátio.

— Está bem, de verdade. Se alguma vez estivermos prontos para nos mudar

provavelmente ele pedirá ao PDT para limpar as coisas até que a casa seja vendida.

— Phoebe, nunca se mude — disse. — Deve ser a única pessoa sã que

conheço.

Ela riu. — Então está em mais problemas do que eu pensava. Sete e quinze?

— É uma data. — disse, e desligou. Uma data. A ideia de Phoebe se

mudando, deixou-o com um sentimento estranho, um sentimento que nada tinha

haver com Phoebe sendo a única pessoa sã em seu universo pessoal.

— Homem comum! — seu irmão mais velho e mais fraco, Jimmy, chamou da

outra habitação. — Larga o maldito telefone! Estou esperando uma ligação.

— Bom. — disse Adam, e começou a respirar outra vez antes de se dirigir

pelo corredor até seu quarto.

— Já era hora. ― disse Jimmy, olhando sobre seu ombro, no seu caminho

para o telefone. É patético, pensou Adam. Jimmy era metade de seu tamanho, mas

Adam tinha que fingir que estava intimidado por ele para manter a paz na casa de

PDT.

Adam estava deitado em sua cama e abriu Wuthering Heights5, o primeiro

grande castigo do ano escolar, um que se supunha que aguentaria no verão.

Fechou-o de novo depois de dois parágrafos. Havia um montão de coisas irritando-

5 Romance de Emily Brontë

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27

o sobre sua vida familiar e a primeira semana de escola, e lhe tomou uns

momentos para identificar qual delas estava o incomodando agora, mas logo o

teria.

Phoebe se importava tanto com o futebol como o fez sobre as irmãs Brontё.

Que havia a respeito desse menino morto?

— É um vestido novo? — perguntou Adam, observando Phoebe com uma

observação com que só um amigo de infância podia se sair com a sua.

Obrigou-se a dizer algo, porque se não o fizesse, sabia que estaria sentado

boquiaberto, com o olhar surpreso nela. O vestido ia até os tornozelos, mas de

alguma maneira acentuava suas curvas apesar de todo o tecido. Usava botas que

chegavam até a panturrilha e uma jaqueta de cor cinza claro, e suas jóias eram

todas de prata ou de uma cor prateada. Pensou que parecia com uma vaqueira

gótica. Phoebe podia vestir-se um pouco estranho, e às vezes exagerava na

maquiagem, mas não disfarçava o quão bonita era. Tinha olhos grandes cor verde

avelã que estava alegre não importa quão fúnebre parecesse sua roupa, e seu

grande cabelo escuro suavizava um pouco seus traços angulares e os emoldurava

de uma maneira que fazia ver seu rosto em forma de coração a distancia.

Deu-se conta que podia estar ruborizando. Seu olhar era curioso, e esperava

que ela não houvesse percebido a troca cada vez maior no que sentia por ela. Havia

uma sensação de vazio em seu estômago apesar de que o havia enchido com ovos e

salsicha meia horas antes. A sensação de vazio cresceu quando percebeu que o

vestido novo provavelmente tinha mais a haver com Tommy Williams do que com

ele.

— Sem duvida que é. — disse ela, colocando as mechas de cabelo negro

longe de seus olhos. Era um de seus gestos favoritos. — Obrigada por notar.

— E preto, um aspecto totalmente diferente para você. — disse ele,

refugiando-se na ligeira brincadeira que era tão natural para eles como dormir.

— Ha Ha. Vejo que o caratê te fez mais observador também.

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28

— Tudo parte de minha interminável busca de ser mais da pessoa que

sempre fui.

— Excelente. Aplaudo sua dedicação. — disse, e sentiu seu ligeiro toque em

seu braço. — E como foi seu encontro com Emily à noite?

— Emily?

— Brontё. Wuthering Heights?

— Oh sim, ela. Temos tido uma espécie de tempo difícil, Em e eu.

— Uma pena. Sempre achei que ela podia te ajudar..., já sabe…, a te

converter na pessoa que sempre foi.

— É justamente isso. — disse, dando um soco de brincadeira no painel. —

Continua tentando me mudar!

Deram uma boa risada disso, e Phoebe, recuperando o fôlego, apoiou a

cabeça sobre seu ombro. Um toque de aroma limpo, alguma ilha floral que Adam

não podia identificar, emanava de seu cabelo negro, e a risada morreu na garganta

de Adam.

— Então. — disse. — Vai sair hoje depois da escola?

— Sim. Pensei que deveria terminar algumas coisas na biblioteca.

— A biblioteca fecha às quatro. O treino pode ir até muito tarde alguns dias,

ainda mais quando o treinador está furioso. E acho que estará furioso hoje.

— Por que acha que ele estará furioso?

— O garoto morto andante.

— Sobre isso, — disse. — Como se sente o resto da equipe?

— Oh, eles estão encantados. Quem não quer ir para o chuveiro com um

cadáver?

— Adam. — disse, e poderia haver uma advertência em sua voz.

— Creio que Williams terá um tempo difícil. — disse, tendo cuidado. —

Muitas pessoas continuam aterrorizadas com os Deficientes Vitais.

Page 29: Geração Morta

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Phoebe assentiu se abraçando apesar de ter aquecimento na caminhonete.

Ele rompeu o gelo; Porque não? — Parece estar interessada em Williams. — disse,

fingindo olhar no espelho retrovisor. — Refiro-me a sua situação.

Ela assentiu. — Sim estou. Alguns dos garotos Deficientes Vitais que se

mudaram este ano à cidade são bastante interessantes, sabe? Como essa menina

que vimos ontem na cafeteria.

— Sim, com certeza é.

— Pervertido. — respondeu. — Mas na realidade, vestir-se como ela, ele

tentando jogar futebol..., creio que devem ter uma certa coragem por essa parte,

sabe?

— Isso é o que te interessa? Sua coragem?

— Bom. — disse. — Toda a ideia dos Deficientes Vitais me interessa. Há

tantas perguntas, tanto mistério sobre o assunto.

— Como com Colette. — disse; e tão rápido como o disse desejou ter

continuado com o assunto de Williams.

— Como com Colette. — sussurrou Phoebe, colocando sua cabeça sobre seu

ombro. Ele esperava que ela não percebesse o quão lento estava dirigindo.

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30

CAPÍTULO 4

Phoebe esperou por Margi na entrada, depois de chegar à escola com

Adam. Ou ao menos era isso que dizia a si mesma que estava fazendo, mesmo

enquanto se esforçava para ver por cima de seu texto de História, observando

Colette e depois Tommy descer do ônibus. Colette andava com um movimento

arrastado de lado a lado, com seus olhos focados em um ponto fixo de algum

horizonte invisível. Teve problemas com os degraus do ônibus e depois com os

degraus que conduziam a porta, e Phoebe sabia por observações anteriores que o

movimento requerido para abrir as portas era bastante complexo para ela.

Tommy desceu do ônibus depois dela, mas chegou a escola primeiro. Ele

parecia como mais um estudante que havia permanecido acordado até tarde na

noite anterior, bebendo refrigerante e comendo pizza, como um – típico – vivo

normal. Houve uma pausa entre o movimento de agarrar a maçaneta da porta e o

movimento de abri-la. Mas os movimentos em si não eram torpes. Manteve a porta

aberta para Colette e um par de garotas vivas, que foram para outra entrada ao

invés de permitirem-se ser vítimas da cortesia de Tommy.

Observou Tommy entrar no prédio. Estava vestindo uma camiseta pólo azul,

calças jeans e tênis de cano alto. Parecia estar mais erguido que os outros meninos

que vinham caminhando por ali, mas esse devia ser apenas um efeito secundário

de sua estranha forma de caminhar.

A camiseta combina com a cor de seus olhos, pensou.

Margi foi a penúltima pessoa a descer do ônibus, tendo ficado no assento de

trás com seu iPod, com um escuro e sombrio olhar em seu rosto por debaixo de sua

franja rosa. Phoebe agitou sua mão esperando animá-la. Não teve sorte.

— Oi Margi. — disse. Talvez algo durante o dia a alegrasse.

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— Não se atreva a me cumprimentar. — disse ela. — Você, a traidora que

me abandonou a mercê desse ônibus fatídico. Desejaria que o garoto débil

houvesse falhado em seu teste de direção. Vou falhar no meu exame de ortografia

hoje.

— Ai Deus. Precisa relaxar mulher.

— Relaxar nada.

— Ônibus fatídico? Vamos.

Margi alçou seu braço coberto de braceletes. — Colette está me deixando

louca.

— Eu sei. Sentaram-se juntos de novo?

— Não percebi.

— Sim, percebeu sim.

Margi esfregou seus olhos e mostrou a língua.

— Sentaram-se juntos. Ele recuou para que assim ela pudesse descer do

ônibus antes dele.

— Que cavalheiro.

— Claro.

— Claro que sim. Nós temos olhos de poeta, você e eu.

— Por favor. Não quero ver nada disso.

— Margi. — disse Phoebe, segurando os pulsos de Margi enquanto ela os

agitava na sua frente. — Teremos que falar com ela em algum momento. Será

melhor. Para todos nós. — Phoebe pensou que a cor das pálidas bochechas de

Margi sumia. — Ainda não. — disse. Apenas a olhou por cima da movimentada

entrada de outro grupo de estudantes.

— Vamos chegar tarde. — disse Margi, e se soltou do agarre de Phoebe

antes de dar um débil sorriso. — Vamos.

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Phoebe pegou sua bolsa do chão e a seguiu até seus armários, depois até a

aula.

Apenas contato visual, pensou Pete enquanto se inclinava para trás em sua

cadeira, estendendo e encolhendo seus braços. É tudo o que preciso.

— Estou te aborrecendo Sr. Martinsburg? — perguntou a Srta. Rodríguez.

Ninguém mais além de Stavis e essa vagabunda loira da Holly, que havia saído com

o garoto fraco por um tempo, se atreveram a sorrir.

— Não estou aborrecido, Srta Rodríguez. — respondeu. — Apenas estou um

pouco dolorido pelo treino de ontem. Sinto muito ter te distraído.

Srta. Rodríguez balançou a cabeça e voltou para a lousa para discutir sobre

uma excitante equação, ou o que quer que seja.

Aposto que você também estava distraída, velha bruxa; pensou ele. Não é

todo dia que pode ver armas como as minhas.

Virou-se rapidamente para a janela, onde a estranha amiga do garoto fraco

estava sentada, e ali estava, contato visual. Deu-lhe o olhar que sempre funcionava

com as amigas cabeças ocas de Cammy, e se Morticia Pantynegros simplesmente

não se derretesse, ao menos sabia que seu coração havia acelerado.

Ela olhou para outro lado, rapidamente.

Te peguei; pensou ele, fazendo uma nota mental para ocupar-se dela mais

tarde. Fez um inventário completo dela, meio esperando que ela voltasse a olhá-lo

e veria o olhar cheio de apreciação em seu rosto. Era uma das poucas meninas da

sala que usava vestido, e seu liso e escuro cabelo era realmente impactante. Caía

sobre seus ombros, e era bastante boa em usá-lo para manter seu pálido rosto na

sombra na maior parte do tempo. Bonitos olhos verdes, mas não do tipo falso com

lentes de contato. Seu cabelo refletia a luz que vinha através da janela.

A Srta. Rodríguez chamou o garoto morto minutos mais tarde – o garoto

morto que logo vestiria um lindo e novo uniforme de jogo e capacetes de proteção.

Nova equipe, velho garoto morto. Pete queria vomitar. Começou a dar golpezinhos

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em sua mesa não parou até que o garoto morto respondeu – corretamente, como

se a sorte estivesse ao seu lado. Isso era duas perguntas a mais que Pete saberia

responder, e não havia passado nem um mês do ano escolar.

Pensou que Pantynegros estava observando-o novamente, o que era genial,

simplesmente genial. Garoto fraco ficaria realmente nervoso se a seguisse de perto,

mesmo se o grandíssimo fraco estivesse muito atrofiado emocionalmente para

contar-lhe seus verdadeiros sentimentos por ela. Pete pensou que diria a Adam

que terminaria com ela se ele se centrasse de novo no jogo. Talvez.

Pete levantou-se quando soou o alarme, pensando que se Pantynegros

estabelecesse um pequeno contato visual, ele prosseguiria e faria sua cena bem ali

entre as aulas. A viu levantar-se, e gostou da maneira que o vestido agarrava sua

cintura – tinha um lindo corpinho debaixo de todos esses trapos.

Ela também estava esperando, mas não era a Pete Martinsburg, o pegador

de garotas universitárias, por quem ela estava esperando. Era o garoto morto.

Caramba! Pensou Pete.

Ela não vai calar a boca, pensou Adam enquanto assentia com a cabeça a

cada três ou quatro conclusões que Holly Pelletier chegava, e ainda assim,

realmente não estava dizendo nada.

Holly deve ter se dado conta da falta de atenção, pois aproximou-se dele o

suficiente para que fosse possível sentir o cheiro de seu chiclete. Ou talvez fosse

seu brilho labial o que estava sentindo, ou seu gel de cabelo. Adam lembrou-se que

houve um tempo que esse cheiro, e a proximidade de Holly, teriam ativado

determinadas reações químicas e impulsos em seu corpo, mas agora tudo o que

podia pensar era em como esse cheiro era artificial. Sabia que se inclinasse e

beijasse Holly, como havia feito antes tantas vezes, não seria o gosto de morango

que sentiria e sim alguma versão artificial de morango. E pela primeira vez, a ideia

de beijar Holly não era excitante, era enjoativa.

O que diabos está acontecendo? Pensou

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34

Holly nunca fazia contato visual direto com ele durante seus monólogos no

meio do corredor, estava sempre muito ocupada, interessada em quem estava

passando. Adam também estava tendo problemas em se manter atento, pois havia

visto Phoebe fazendo hora junto a um mural de anúncios no final do corredor,

esperando para conversar com ele antes que fosse para o treino. Quase não

percebeu a repentina olhada de desgosto que nublou o habitualmente lindo rosto

de Holly. Adam voltou-se e viu a quem ela dirigia esse olhar: à bonita garota morta,

a da saia curta.

— Asqueroso. — disse Holly. — Me sinto tão mal por você, tendo que

treinar com esse garotinho morto. Imagina se isso entrasse em nossa equipe? —

apontou a menina. — Isso. ― sem importar-se se a escutava.

— Imagine. — disse Adam, vendo passar a garota. Ela não se movia como

uma garota morta, isso era certo. Adam se deu conta de que suas roupas o havia

distraído de outra diferença – tinha um ligeiro, quase imperceptível sorriso em

seus lábios. Um sorriso desconcertado, um não muito diferente do que observava

as vezes no rosto de Phoebe. A maioria dos outros Zumbis; que havia visto

mostrava-se inexpressivos, como se seus músculos faciais houvessem endurecido

em seu lugar e houvessem sido selados.

Holly observou passar a garota, seus lábios com sabor morango franzidos.

— É tão grotesco. Imagina ter que tocá-la? Sinto-me tão mal por ti. Espero que

tirem o Zumbi da equipe. Não deveria haver um estorvo morto no campo. Isso é tão

ruim. Pode imaginar?

Imagino bem. Pensou Adam. Observou Phoebe tirar a vista do mural de

anúncios e olhar quando a garota morta se aproximou, viu Phoebe sorrir para ela

antes de virar-se novamente e fingir ler o que quer que estivessem anunciando ali.

Phoebe estava segurando alguns livros contra sua cintura, seu ombro

oposto com uma bolsa negra de lona lotada de mais livros.

— Entende? Um estorvo morto? — dizia Holly.

—Aham. Holly; terá que me desculpar. Preciso ir falar com Phoebe.

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Os olhos azuis safira de Holly se contraíram em tal velocidade que Adam

pensou que iam saltar. — Phoebe? Quem é Phoebe?

— Ela. — disse Adam, gesticulando para onde estava Phoebe apoiada

precariamente contra o peso de sua enorme bolsa enquanto ao mesmo tempo batia

na parte de trás de sua panturrilha com a ponta de sua bota preta. — É minha

melhor amiga.

— Ela? — perguntou Holly. — Aquela gótica ali?

— Sim. — respondeu Adam. — Te vejo depois.

As pessoas abriam espaço enquanto andava pelo corredor para se juntar a

Phoebe. Ele não costumava empurrar os garotos como Pete e Stavis faziam, mas

havia passado os últimos dois anos convivendo com eles e nunca havia levantado

um dedo para impedir seus atos. Essa era outra coisa que teria que mudar, pensou.

— Ei Pheeble. — a chamou, um estranho alívio emanado de seu peito.

— Oi Adam. — respondeu Phoebe, parecendo surpreendida. Adam tirou a

pesada bolsa de livros de seu ombro.

Phoebe deu uma olhada ao redor. — Acredito que deve ter feito algo para

irritar a ‘como se chama’. Parece disposta a arrancar um pedaço de sua jaqueta.

— Sim, acabo de soltar uma bomba.

— Verdade? — disse Phoebe enquanto começavam a caminhar em direção a

biblioteca. — A pediu em casamento? — deu uma risadinha e Adam sentiu o alívio

espalhando-se por seu corpo. — Ou foi algo menos sofisticado?

— Ha Ha. E o que te faz pensar que seria eu o que faria o pedido?

— Bom ponto.

Escutou sua própria voz escapar da brincadeira, e pela primeira vez, não se

importou se Phoebe percebia. — Disse a Holly que somos amigos. Você e eu.

Phoebe parou. — Verdade?

Olhou-a. — Verdade.

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Ela olhou para baixo, mas quando levantou seu olhar de novo, seus olhos

estavam cheios de júbilo. — Não revogaram teus privilégios no clube dos garotos

geniais?

Começaram a caminhar de novo. — Deixa eles. A verdade me fará livre.

Ela o segurou, tentado fazê-lo parar, mas era como uma mariposa tentando

perturbar uma árvore.

— Adam, eu gostaria que você tivesse feito caratê há alguns anos. — disse.

— Cala boca Pheeble. Ou te farei em pedacinhos.

— Kii-ya! — exclamou ela, dando-lhe um golpe.

Acompanhou até a biblioteca, e depois foi para o campo para praticar com

os vivos e os mortos.

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CAPÍTULO 5

Tommy Williams foi o último a terminar a volta em torno do campo de

Oakvale. Quando era um calouro, Adam voltava ao ponto de partida

automaticamente na parte de trás do grupo, mas o treinador Konrathy não se

importava, porque Adam era grande, como dois alunos juntos, e quase tão forte

como três. Calouros com 1,95m eram bastante raros, mas um calouro de 1,95m

com músculos era como um animal exótico em que os atletas de Oakvale estavam

interessados.

Mas agora havia um espécime ainda mais exótico no campo. Ou seja, um

garoto morto.

Nunca antes um Zumbi tinha entrado para qualquer esporte na região.

Tommy corria – e que estranha corrida, como se alguém estivesse puxando seu

tornozelo para trás a cada passo que dava – com o grupo de jogadores perto do

treinador Konrathy. Muitos dos jogadores estavam cobertos de suor sob as

ombreiras tentando controlar sua respiração, mas o rapaz morto nem sequer

estava ofegante.

Ele não respira, Adam lembrou. Adam estava suando muito, mas sua

respiração era muito controlada. Manter a forma fora da temporada com

musculação e caratê estava tendo benefícios. Sabia que nunca seria o mais rápido,

mas não havia motivos para ser o mais fora de forma.

O caratê lhe deu algumas técnicas para levar ao longo do campo e também

lhe deu alguns truques que não podia esperar para dar a estes bastardos de

Winford. A temporada não poderia começar em breve, no que diz respeito a ele.

Normalmente, ele gostava da prática e da disciplina, mas a tensão recente com Pete

pegou um pouco da reluzente distância – e isso de que o garoto morto se unisse.

Adam tentou evitar ser pego nos aspectos filosóficos da nova adição ao time,

mas era inegável que a presença de Tommy Williams silenciava sobre o que

usualmente era um evento muito ruidoso.

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Adam gostava de ser o primeiro a chegar aos vestiários, mas não hoje.

Percebeu que era estranho caminhar até o vestiário e ver o menino sentado no

banco, todo o uniforme posto, com os olhos brilhantes e olhando de dentro da

sombra de seu capacete.

Concentre-se, sussurrou em sua mente o mestre Griffin. Adam pensou que a

voz interior estava começando a soar cada vez mais como Yoda, agora que ele tinha

cortado suas viagens a academia de artes marciais a uma vez a cada duas semanas,

em vez de duas vezes por semana, como tinha feito durante o verão. O mestre

Griffin terá de esperar a sua vez atrás do treinador Konrathy e Emily Brontё. E

Phoebe.

Adam, depois de correr, começou a fazer alguns exercícios de alongamento,

sentindo seus músculos se alongar e contrair. Esta era a primeira prática da tarde

de Konrathy – ele gostava de fazer alguns na temporada para acostumar o time

debaixo das luzes – e Adam ficou feliz com a maneira como seu corpo estava

respondendo às mudanças.

O treinador Konrathy franziu a testa para Tommy, quando ele se juntou aos

outros jogadores. Ele tirou o boné e passou a mão por seu pouco cabelo, e Adam

sabia que alguma punição vinha à distância.

Vamos começar com alguns exercícios tackles6. ― disse Konrathy. Adam

achava que podia ouvir seus suspiros; parecia que ele precisava fazer a barba e os

olhos estavam vidrados. Todos os novatos façam uma fila. Vamos ver como

param um golpe.

Adam viu Tommy Williams tomar seu lugar no final da linha de novatos.

Havia cerca de doze caras tentando entrar para a equipe neste ano, em sua maioria

calouros. Oakvale não tinha jogadores suficientes para o campus em ambos os JV e

uma equipe dos melhores jogadores, de modo que quase todos os caras novos ao

menos conseguiriam um uniforme para ser usado no banco. No entanto, a cada

ano, havia alguns poucos que fracassavam, não faziam completamente os treinos,

ou decidiam que não gostavam de arranhar a pele em campo com uma dor de

cabeça e um nariz sangrento.

Adam viu Konrathy examinar seus tackles. Os instintos de Adam na linha

levaram-no a ler em todos os sentidos: contato visual, sinais não-verbais, inflexão

6 São componentes da linha ofensiva nas formações de ataque. Como outros offensive linemen, seu trabalho é bloquear, mantendo os adversários longe do seu quarterback até que ele faça o lançamento ou abrir espaço para o running back correr com a bola.

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39

de voz do quarterback gritando instruções. Ele viu um olhar passar entre o

treinador e Peter Martinsburg.

Luce livre, Williams! — gritou o treinador, soltando um sorriso negro

para alguns dos seus jogadores veteranos. Adam viu Pete olhar para o treinador

como um cão de guarda esperando o sinal para atacar. Pete sorriu antes de colocar

o capacete novamente, e depois Adam viu o porquê. A mão esquerda do treinador

permaneceu na posição horizontal em sua cintura com o polegar para baixo.

Adam não sorriu para ninguém. Pensava na última vez que viu o treinador

fazer esse sinal, quando ele terminara com a carreira de Gino Manetti golpeando-

lhe o joelho. Ele ainda podia ouvir a explosão dos tendões quando o acertou o lado

da perna de Manetti com o seu ombro, e ainda podia ouvir o grito agudo de dor do

outro rapaz enquanto caía. Foi apenas quando Adam viu Manetti meses mais tarde,

no shopping, que ele percebeu o que tinha feito. Manetti, o antigo orgulho,

enquanto mancava como os velhos; tinha uma bengala e havia uma garota bonita,

provavelmente sua namorada, andando junto com ele, incentivando-o

alternadamente, tentando pegar o ritmo ou diminuir a velocidade. Vê-los – o olhar

triste de resignação em seu rosto, e o olhar de completa lealdade e solidariedade

na sua namorada – Adam pensou, era uma das coisas mais tristes que jamais vira.

Ele sabia que logo que ele tinha dado o golpe em Manetti, ele nunca andaria

corretamente novamente. Ele tinha certeza que ele nunca voltaria a jogar de novo.

Uma semana mais tarde, Adam se inscreveu nas aulas de artes marciais do

Mestre Griffin. Lera um pouco sobre o caratê e pensou que o ajudaria com o

controle. Ele também esperava que o ajudasse com a sua culpa.

Não está mais com raiva de mim, né cara? — disse Pete, acertando Adam

nas ombreiras e despertando-o de seu devaneio.

Eu não estou bravo com você, Pete .— disse ele, embora quisesse revidar

o golpe. Queria culpar Pete por sua parte em criar o idiota que tinha sido durante

os últimos dois anos, mas realmente só queria bater em si mesmo.

Eu vi. O treinador quer que a gente ataque o menino morto. — disse

Martinsburg. As linhas estavam começando o exercício. Adam olhou para ele.

Pete apertou seu ombro. Hora de escolher uma equipe, Adam.

Adam tirou a mão de Pete e se manteve firme sem responder. Stavis e Pete

não hesitavam em usar seus punhos – e nem Adam, sim vamos ao assunto – mas

esperava não chegar a esse ponto. Esperava que Pete deixasse Adam superar com

graça.

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40

Certo, pensou ele. Por isso vai acontecer.

Tome o primeiro golpe, Lelo Man. — disse Martinsburg. Uma caixa de

cerveja para quem cair fora.

Primeiro golpe; Adam pensou. Havia um monte de coisas que os Deficientes

Vitais não podiam fazer – coisas normais como respirar e sangrar. Ninguém

pensou que não poderiam curar.

O som dos saltos de Phoebe nos degraus de metal ecoou no ar fresco do

entardecer, recebendo olhadas de alguns dos espectadores sentados em pequenos

grupos e vendo a ação no campo abaixo. A maioria dos observadores eram os pais,

namoradas, ou caras da banda esperando para passar. Phoebe estava acostumada

a receber atenção. Todo seu vestiário preto, incluindo uma combinação de roupa

clássica e da moda, que praticamente garantia olhadas estranhas dos colegas de

classe. As botas de salto alto, saias longas retas, cabelo tingido e um xale comprido

e largo garantia uma sobrancelha levantada aqui e ali. Não lhe importava. Ela

percebeu que seus os olhos repeliam as pessoas com quem não queria falar e atraía

aquelas que queria. O visual gótico não era tão popular como antes, provavelmente

devido ao surgimento dos Deficientes Vitais, mas para Phoebe isso apenas dava ao

estilo um toque sutil de ironia, uma piada privada para ser compartilhada com

alguns poucos especiais.

Deteve-se um momento, explorando a crista baixa que alcançava atrás das

arquibancadas. O campo Kostre, nomeado assim devido a um atleta escolar que

estabeleceu recordes de pista e campo para o estado na década de oitenta, estava

rodeado nos três lados pela floresta Oxoboxo. Um curto perímetro de grama na

altura da cintura percorria cerca de vinte metros da cerca de arame até a borda da

floresta, fazendo com que a sombra de uma árvore que atingia o campo no final do

dia parecesse uma parede de espectadores.

Phoebe sentou-se sozinha. O banco estava frio sob o tecido fino da saia. Ela

tirou seu iPod da mochila e colocou os fones de ouvido em suas orelhas. Também

pegou um caderno grosso retangular e uma caneta prateada de seu bolso e os

colocou no banco perto dela.

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Pelo menos meus ouvidos estarão quentes, pensou ao ouvir o novo álbum

do Creeps e pressionou mais o xale sobre os ombros. Havia algumas garotas

vestindo jaquetas estampadas com letras, por cima de seus trajes de líderes de

torcida, no final do seu banco, sussurrando e apontando para o campo. Phoebe

poderia colocar tudo o que sabia sobre o futebol nas quatro primeiras linhas do

seu caderno. A única coisa que entendia fora da ação no campo é que alguns dos

rapazes estavam correndo e alguns dos outros rapazes estavam tentando derrubá-

los.

Adam sempre foi fácil de detectar. Era o maior no campo, como também era

em qualquer lugar que estava. Olhou em volta procurando Tommy Williams, mas

todos os garotos estavam se movendo estranhamente no estofamento e capacetes.

Então o viu; seus movimentos duros, mas não por causa do enchimento. Ele

estava tomando seu lugar na linha dos meninos prestes a ser demolido.

Killian Killgore do Creeps cantava em seu ouvido sobre estar perdido nas

planícies e assombrado por uma alma perdida. Phoebe bateu ligeiramente seu

caderno com sua caneta prateada, o resto das linhas do seu poema flutuando no ar

entre ela e o campo, esperando pela sua captura para anotá-las. Phoebe colocou o

caderno em seu colo e abriu-o. A primeira página estava em branco. Olhou para o

céu e, logo em seguida, escreveu duas palavras. Então olhou para o que estava

acontecendo no campo.

Adam bateu em Williams sem problemas na lateral e tentou tirar a bola de

seu alcance. O golpe foi fácil de fazer, porque Williams era muito lento. Caiu, mas

Adam pensou que se ele não tivesse lançado o ataque, Williams poderia ter

permanecido de pé. Atacar o rapaz morto era como atacar uma parede de tijolos.

Peso morto; pensou. Ha Ha.

A bola se soltou e rolou por dez jardas no campo. Se fosse o início da

temporada e Williams estivesse em campo, ofereceria-lhe a sua mão e o levantaria,

mas na pré-temporada, supunha-se que Adam cuspiria perto de sua cabeça e o

chamaria de covarde.

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Williams o olhou fixamente, parado, com os olhos em branco que refletiam a

luz do luar. Adam se afastou sem dizer nada. Foi impressionante atacar um Zumbi.

Layman! — gritou o treinador. Você brincou com bonecas durante

todo o verão? Que tipo de golpe que foi esse?

Um limpo, pensou, olhando para seus velhos amigos Pete e TC. Equipe da

Dor. Tinha sido divertido quando eram calouros e perceberam que eram mais

duros do que 99% da população estudantil; não era tão divertido agora que todos

eles eram estudantes do terceiro ano e a dureza não pode ser um dos critérios para

o sucesso na vida.

TC ainda estava sorrindo, como se tivesse prazer de que ainda poderia

ganhar a caixa de cerveja, mas Pete tinha aquele olhar de “O que aconteceu, cara?”

que parecia estar em seu rosto quando olhava para Adam nesses dias. Pete

sussurrou algo para TC, que assentiu com a cabeça e tomou posição na linha.

Adam viu TC bater no rapaz morto pelas costas. Com o seu capacete.

O som do impacto ecoou por todo campo. Phoebe podia ouvir o golpe no

banco mesmo com o horroroso punk barulhento soando em seus ouvidos.

Boa jogada, Stavis! — gritou o treinador.

A boca de Layman abriu tanto quanto sua barba permitiu. Um golpe bom?

Isso seria lesar, e é suficiente para tirá-lo do jogo, se não de toda a temporada. Uma

jogada como essa pode machucar alguém ou aleijar.

Pode até matar alguém.

TC caminhou em direção ao seu amigo Martinsburg, e se cumprimentaram

com seus protetores de ombro.

Acho que ele está morto, Jim. — disse Martinsburg, alto o suficiente para

que a maior parte da equipe ouvisse. Ele estava rindo.

Adam andou até Williams, que nem sequer estava se contorcendo. Pensava

que a força do golpe poderia tê-lo apagado, mas o rapaz se levantou da grama

pisada com os nós dos dedos de suas mãos, apoiando o joelho debaixo dele. Adam

não podia deixar de sorrir quando o rapaz morto passou a bola para o treinador

Konrathy. Um golpe como esse e ele agarrou a bola. Essa abordagem merece

respeito.

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O ataque continuou pelo resto dos exercícios. TC e Martinsburg sempre

pareciam se alinhar contra o menino morto, ainda que mais defensivos que

atacantes. Adam viu Pete atingir os joelhos de Williams em sua próxima jogada,

seguido TC envolvendo seus braços de macaco ao redor de Williams para um

ataque na região do pescoço. Cada golpe era um golpe sujo, mas a única decepção

que o treinador Konrathy mostrou foi quando Williams levantava do gramado após

cada golpe.

Os exercícios foram interrompidos quando mudaram o padrão. Martinsburg

estava prestes a dar um tiro no joelho quando a mão de Williams saiu e bateu no

capacete do defensor. O braço rígido enviou Martinsburg de cara no campo

enquanto Williams seguia perfeitamente intacto. Adam notou que alguns dos

estreantes – que eles mesmos haviam tomado uma surra nos exercícios – estavam

tentando suprimir um sorriso malicioso.

Fique longe da barra do capacete, Williams! — gritou o treinador.

Adam balançou a cabeça. Williams não chegou perto da barra do capacete.

Mais tarde, na prática, Konrathy montou um exercício de ataque. Neste

momento a maioria dos jogadores novatos; estavam exaustos e ofegantes, todos

exceto o menino morto. Adam perguntou se era possível para o sem vida estar

fisicamente cansado.

O exercício era simples. A linha defensiva deveria começar a empurrar

Denny, e a linha ofensiva pararia. O treinador colocou Williams na linha defensiva

do outro lado de Adam.

Williams, morto ou não, não era um dos garotos mais altos do campo. Tinha

1,78m, talvez, e um físico mais parecido com um receptor do que com um

linebacker7. Layman pensou que era cruel, da mesma forma que todos os golpes da

Equipe da Dor eram cruéis. As aulas de caratê ensinaram a Adam muito sobre a

honra, e isto em absoluto não era honrável.

Mas nem a desonra desculpava o dever. Cruel ou não, tinha que bater em

Tommy Williams exatamente como em qualquer outro zagueiro rival. Ele bateu de

forma limpa, sim, mas não menos forte.

Ninguém chega, Adam pensava enquanto a bola rolava na relva e tomou sua

posição. Ninguém.

7 Defensor.

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Ele jogou a bola para Denny e impeliu para frente, mantendo todos os seus

músculos da perna durante o lançamento. Williams era mais lento, mas se

aproximava para encontrar o ataque.

E o fez. Adam estava vagamente consciente do jogo, deu-se conta das coisas

nos cantos de sua visão, como Gary Greene a sua direita escorregando e perdendo

o bloqueio. Ele percebeu que ninguém estava ajudando Williams contra ele, algo

que as outras equipes sempre faziam, procurando abrir um buraco em sua linha.

Também notou que Williams se moveu somente um centímetro.

O jogo terminou. O deslizamento de Greene deixou um dos novatos na

passagem, e novato pressionou Denny o suficiente para lançar um passe

incompleto perto da linha lateral. Adam se desbloqueou de Williams, que

silenciosamente se virou e voltou a seu lugar na linha.

Santo Deu;, pensou Adam. Williams tinha ido de encontro a ele, sem ajuda, e

Adam tinha apenas o movido.

Olhou para seus colegas para ver se algum deles percebeu a incrível façanha

que apenas Williams acabara de fazer, mas a maioria deles estavam cansados e

arrastando seus pés a seus lugares na fila. Adam sabia que poucos deles se

mostrariam como qualquer promessa real para além da escola secundária –

Mackenzie e Martinsburg eram provavelmente os melhores jogadores além dele –

e poucos tinham o “radar de campo” que lhes permitia perceber os detalhes

importantes no jogo.

Adam olhou para o treinador, cujo rosto redondo estava rosa de raiva, seus

olhos reduzidos a fendas. Ele balançou a cabeça com desgosto.

Mas foi o que Adam viu além do treinador, fora dos limites do bosque, que

realmente chamou sua atenção.

Havia algumas pessoas de pé entre as árvores, observando a prática: três ou

quatro de pé como estátuas, assistindo. Adam não teria notado nada se não fosse

pelo grandão, um menino negro em uma camiseta cinza como casca do carvalho

que estava próximo. Adam não podia ver bem os outros, mas sabia pela forma que

estavam sem se mover e que eles estavam mortos.

Eles olhavam para o menino, pensou, mas nenhum deles parecia familiar. O

garoto negro tinha de ser tão grande quanto ele, e não havia maneira de Adam não

o ter notado nos corredores.

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Layman! — gritou o treinador, tirando o boné e batendo-o contra a coxa

para o efeito. Você está aqui para jogar ou quê?

Adam retornou para a linha. Ninguém parecia ter notado os Zumbis. Pessoas

que viviam sem vida; corrigiu-se. Eram horríveis, sim, mas não poderia deixar que

sua presença o afastasse da tarefa em questão. Ele ficou na linha e olhou para

Williams. Williams olhou para ele com uma calma perturbadora.

Ele acreditava em conhecer seus adversários. No golpe seguinte Adam o

atingiu com uma força igual e o arrastou por 15 cm talvez. Não havia jeito de

Williams passar através ou ao redor dele, mas Tommy não foi derrubado como

quase todo mundo com quem Adam jogou contra.

A jogada terminou com uma conclusão. O treinador chamou Adam de

menina e disse-lhe para colocar algum esforço nisso.

No terceiro venceria, Adam pensou, e desta vez quando bateu em Williams

mudou seus golpes na forma que havia aprendido com o mestre Griffin. Williams

se virou para o lado como uma embalagem de chiclete preso em uma brisa. Denny

se lançou pelo buraco do tamanho de Layman e correu pelo campo.

Williams voltou de costas. Adam viu a luz – da lua cheia ou as luzes do

estádio – refletida em seus olhos planos.

Ofereceu sua mão ao Williams, e garoto morto a aceitou.

Page 46: Geração Morta

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CAPÍTULO 06

As linhas que Phoebe escreveu brilharam com um azul elétrico na página

branca. Leu as palavras uma segunda vez e a energia fluiu de volta atravessando a

ponta de seus dedos. A sensação era algo que raramente havia experimentado

enquanto escrevia, apesar das páginas e páginas do caderno que tinha enchido.

Mas quando chegou a sensação foi como uma faísca de vida para ela.

Realmente não acreditava que Tommy seria capaz de levantar-se do

primeiro golpe duro que recebeu. As sucessivas abordagens não foram menos

brutais, mas se levantou, sem aparentar cansaço, pelo que pôde ver. Sua resistência

parecia enfurecer os tacklers8, que o golpeavam e se estatelavam contra ele com

renovado vigor. Quando segurou Pete Martinsburg com uma mão estendida, quase

havia começado a aplaudir.

Leu seu poema pela terceira vez.

Lua Cheia

Sobre

O Garoto Morto no campo

Tratando de nos mostrar

O que significa

Estar

Vivo

8 Jogador de futebol americano. Eles bloqueiam, defendem os zagueiros e abrem o caminho.

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Se as animadoras a viram sorrindo para si mesma e pensaram que ela era

estranha, que assim fosse. Valia a pena.

O treino terminou com um apito final do treinador Konrathy. Olhou como

Adam passava pelas grades. Ele a viu sentada na arquibancada e lhe dedicou a mais

imperceptível das saudações. Cumprimentou-lhe de volta como se ele fosse uma

celebridade de Hollywood, esperando tê-lo envergonhado. Mas se realmente

tivesse dito que ela era sua melhor amiga, não haveria muito mais que pudesse ser

feito para melhorá-lo.

Phoebe procurou Tommy e o viu de pé na parte mais afastada dos jogadores

enquanto eles se moviam em um corredor até os vestiários. Mais lento que a

maioria, se arrastou mais e mais longe até que esteve inclusive a uns bons cinco

passos por trás de Thorny Harrowwood, que estava mancando depois de ter

passado a hora anterior sendo jogado na grama como se fosse a ancoragem de uma

tenda.

Então Tommy parou, virou e começou a caminhar em direção contrária, até

o estacionamento. Ou, pensou Phoebe, até o bosque por trás do estacionamento.

Em um impulso repentino, talvez gerado pela faísca elétrica através de seu sangue,

levantou-se depois de arrancar a folha de poesia de seu caderno e dobrá-la em um

pequeno quadrado. Seu livro, caneta e iPod foram parar em sua mochila, e já estava

em movimento.

Os sons de seus saltos eram como tiros nas arquibancadas enquanto descia

correndo e seguia Tommy através do campo.

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— Vem aqui, Layman! — gritou o treinador Konrathy, acenando da porta de

seu escritório. Adam suspirou, pensando que seria bom ter tirado algo mais da

equipe além do capacete.

Deu uma fria olhada para Martinsburg enquanto passava, mas Pete lhe

devolveu o olhar sem pestanejar.

Konrathy fechou a porta violentamente. — O que você esteve fazendo todo

o verão? Brincando com bonecas de papel?

Layman respirou profundamente.

No ano passado, certamente teria lançado o capacete contra a parede se o

treinador tivesse gritado dessa maneira. Ali havia a porta de um armário que

estava dobrada e retorcida como um pretzel9, encaixada com tanta força que já não

se abria. O treinador Konrathy tinha tirado Adam do jogo no ano passado por

falhar em um bloqueio que permitiu que Denny Mackenzie fosse expulso pela

primeira vez na temporada, então Adam descarregou sua frustração no armário.

Mas este era o novo e melhorado Adam Layman, da calma zen. O novo e

melhorado Adam que pensava antes de bater.

— Não, treinador. — disse sem alterar sua voz, seu pulso e respiração sob

controle. — Estava tendo aulas de caratê e fazendo exercícios.

O treinador Konrathy levantou as mãos com um gesto exasperado de

incredulidade.

— Caratê? Caratê? Pensava que o caratê te deixava mais duro, e não um

completo covarde.

9 O pretzel (Brezel, em alemão) é um pão tradicional alemão, em forma de nó, seco, estaladiço,

habitualmente muito cozido e salgado

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Adam sentiu sua respiração acelerando-se, mas se concentrou e retomou.

Não, treinador, ele pensou, o caratê não tem nada a ver com te deixar mais duro, tem

a ver com dar mais controle, claridade e centrar sua vida. Centrar. Quando esteve

pronto respondeu ao seu treinador com uma pergunta.

— Há algo de errado na maneira que eu treinei hoje?

O treinador se inclinou sobre a mesa de modo que ficaria a centímetros de

distância de Adam, o suficientemente perto como para que este pudesse cheirar as

dezenas pastilhas para hálito que ele havia engolido durante o treinamento.

— Diga-me, Layman. – disse. — Você acha que há um problema com seu

treinamento quando nem sequer consegue repelir um garoto morto?

— Empurrei...

— Não se inclinou! Você é praticamente dois centímetros mais alto do que

ele, e não conseguiu fazer nada mais do que tirar seu equilíbrio! E o ajudou a se

levantar! Que demônios você estava pensando? Não ajudamos a levantar os

novatos até que eles entrem na equipe, você sabe!

Adam convocou a voz calma, mas insistente do Mestre Griffin em sua

cabeça. Centre-se, Adam. Centre-se.

— É difícil se mover quando seus pés estão plantados. — disse tão bem

como pode. — Acho que ele seria bom na linha ofensiva.

Konrathy recuou como se Adam tivesse cuspido em seu olho.

— Você acha né? Que tal ao invés de unir-se contigo na linha, você não vai

se unir a ele na lista de garotos que saíram da equipe? A última coisa que preciso

na equipe é de uma atitude problemática.

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O Mestre Griffin tinha ensinado Adam tudo sobre Chi10 – a força vital no

centro de todas as coisas – em seus estudos. Concentrar-se no Chi era bom para a

respiração. Era bom para o coração. Também era bom para evitar que Adam

agarrasse o treinador Konrathy e apertasse seu grosso pescoço vermelho. Apesar

de toda essa confusão, não podia evitar que seu rosto ruborizasse.

— Conheço tuas qualidades, Layman. — disse Konrathy, colocando-se

novamente na frente do rosto de Adam. — E conheço teu padrasto. Sem o futebol

não tem nenhuma possibilidade de entrar ou pagar a universidade.

Deixou que suas palavras penetrassem por um momento, e se fundissem,

penetrando através da calma protetora que Adam estava tentando manter. — Será

melhor que você se corrija e traga seu jogo para o próximo treino, Layman. —

disse. — Agora fora do meu escritório.

Havia coisas que Adam queria dizer e fazer, mas não fez. O treinador estava

certo. Se o futebol não iria para nenhuma parte; acabaria ficando em Oakvale por

toda sua vida, trabalhando na oficina do seu padrasto, levantando pneumáticos,

entregando chaves para seus meio-irmãos. Oakvale podia ter uma política de -

todos incluídos – para suas equipes de esporte, o que significava que não tiravam

os garotos de suas equipes, mas Adam não podia correr o risco. Muito tempo no

banco arruinaria sua oportunidade de uma carreira profissional.

Stavis soltou uma risada enquanto caminhava até seu armário. Stavis era

outro garoto destinado a ser um morador de Oakvale, e se Adam não entrasse na

universidade ficaria preso aqui, trocando óleo e mudando freios para idiotas como

ele pelo resto da vida.

Pensou que preferia morrer a viver um futuro como esse. Morto sem

retorno. Não como o garoto Williams. Permanentemente morto. Seu antigo

armário, aquele que quebrou no ano anterior, estava ao lado de seu novo armário.

10 Qi, também grafado como ch'i (na romanização Wade-Giles) ou ki (na romanização do japonês), é um

conceito fundamental da cultura tradicional chinesa.

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Desejava desse modo, de forma que tivesse uma lembrança constante de quem

havia sido e de quem estava tentando ser. Respirou por etapas, e seus punhos se

relaxaram sem que fosse consciente disso.

Não pensei que os Deficientes Vitais fossem capazes de se mover tão rápido,

pensou Phoebe enquanto caminhava através do campo enlameado. Suas botas, tão

brilhantes e polidas como pareciam, tampouco estavam ajudando.

Havia uma economia de propósito nos movimentos de Tommy, como se

estivesse caminhando na linha mais reta possível desde sua anterior posição no

campo até seu destino. Sua trajetória o levaria diretamente ao bosque que rodeava

o lago Oxoboxo. O controle de Phoebe sobre a topografia local não era espetacular,

mas sabia que em algum lugar do outro lado dessas árvores estava sua casa.

Também a de Tommy, em algum lugar um pouco mais afastado, a rota do ônibus.

Tommy se moveu entre dois carros estacionados e alcançou a curta

extensão de grama antes da linha de árvores justamente quando Phoebe entrou na

pista na margem do campo de futebol. Diminuiu um pouco da distância, mas não ia

pegá-lo antes que entrasse no bosque, como ela esperava.

A única hesitação nos passos decididos de Tommy foi quando tirou seu

capacete antes de entrar no bosque. A luz da lua cheia brilhou em seu cabelo loiro

platinado em um momento antes que a escuridão o tragasse.

A respiração de Phoebe a precedeu, inalações de vapor como espíritos

dançantes na luz da lua. Não foi até que entrou no bosque e a luz da lua havia

desaparecido que se deteve por tempo suficiente para pensar no que estava

fazendo.

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A cobertura do bosque Oxoboxo era praticamente total; o dossel de folhas

no alto era como um escudo contra a luz da lua.

Que diabos eu estou fazendo? Pensou. Inclusive antes que os garotos mortos

começassem a voltar à vida, o bosque Oxoboxo era um lugar de mistério e

estranheza, um lugar onde se contavam e diziam histórias de fantasmas, histórias

que haviam precedido o povoado e os europeus que pouco a pouco foram se

instalando ali.

Mas no fundo sabia o que estava fazendo. Tommy Williams estava em sua

cabeça, seu rosto branco e anguloso, o fantasma de um sorriso em seus lábios, e a

luz pálida de seus olhos azuis pálidos. Sabia que ele permaneceria ali até que ela

reunisse a coragem para falar com ele. E então...?

Phoebe olhou por cima de seu ombro, de volta para as luzes pálidas do

estacionamento através das árvores. Adam logo a estaria procurando, logo depois

que tivesse tomado banho e se trocado. Não queria que ele ficasse em pé ao redor

da caminhonete de seu padrasto, se perguntando onde demônios ela teria se

metido. E se ele chegasse muito tarde, o PDT provavelmente enlouqueceria como

costumava fazer e não deixaria Adam sair durante o mês seguinte ou fim de

semana, e seria sua culpa.

Olhou dentro das formas escuras das árvores na sua frente. Podia ver a vaga

e cinza figura das árvores agora que seus olhos haviam se acostumado à falta de

luz. Era consciente que não havia pássaros nem insetos fazendo ruídos, e o quão

estranho era isso.

Suspirou e ficou ali de pé durante um momento, imaginando cada

respiração como um pedaço de sua alma, e então imaginou cada fragmento

levantando-se para o impermeável teto de folhas e buscando uma saída para o céu

mais além. Não havia maneira que pudesse dizer que caminho havia tomado

Tommy através do bosque.

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Que diabos eu estou fazendo? Pensou novamente. Uma onda fria de medo a

fez estremecer. Decidiu que perseguir Tommy através do bosque Oxoboxo era uma

má idéia. Virou-se.

E o garoto morto a alcançou, seus olhos pálidos brilhando na escuridão.

Thornton era o único garoto que continuava nos vestiários enquanto Adam

amarrava seus sapatos. Estava em pé na frente de seu armário com uma toalha ao

redor da cintura, admirando um enorme hematoma vermelho que corria por toda

longitude de sua caixa torácica.

— Uau. — disse o garoto mais jovem, fazendo uma careta. — Realmente

levei uma surra hoje.

— Sim, no entanto, você se levantou. — disse Adam. — Isso é o importante.

— Sim, acredito que fiz isso. — respondeu Thornton sorrindo de orelha a

orelha. O pobre garoto parecia o cara da revista Mad, mas sem o dente que lhe

faltava. Adam sorriu para si mesmo, pensando que a temporada estava apenas

começando. Thornton foi para o chuveiro assobiando, e Adam pensou que o garoto

não estaria mais feliz se lhe dessem uma nota de cem dólares.

Com grande poder, pensou. A frase do Homem-Aranha. O Grande Mestre

Griffin havia passado todo o verão falando disso, ensinando-o que ser algum

centímetro mais alto, ou duas vezes mais forte que qualquer outro não era um

direito, e acarretava certas responsabilidades. Ensinou para Adam que ele possuía

dons que poderiam ser de grande utilidade para a sociedade ou, se abusasse,

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podiam causar um grande dano para todos, incluindo ele mesmo. Ainda estava

pensando sobre isso quando TC, Pete, e Harris Morgan o detiveram no

estacionamento.

— Ei, idiota. — disse Pete. — Onde está seu amigo Zumbi?

— Não estou com humor. – respondeu, esperando que Pete se afastasse de

seu caminho.

— Com que equipe você está, grandalhão? — perguntou Pete, aproximando-

se mais ao invés de se afastar. — Com os vivos ou com os mortos?

— Jogo com os Badgers, Martinsburg, assim como você. Saia do meu

caminho. — olhou por cima de seu ombro onde sua caminhonete estava

estacionada, mas não viu Phoebe, o que era bom. Não queria que ela visse isso.

No fundo, sabia que tampouco queria que eles a vissem.

— Esse Zumbi vai sair da equipe, de uma maneira ou de outra, Layman. —

disse Pete.

Adam estava tentando decidir se poderia com os três. TC era o maior,

embora Harris e Pete não fossem pequenos, e Harris era ao menos mais rápido do

que ele. Percebeu que se chegasse a esse ponto, provavelmente deveria tentar

derrubar Pete tão rápido como pudesse, por que então os outros dois poderiam

perder a coragem. De fato, Morgan não parecia estar desfrutando, de qualquer

forma. Adam estava preparando seu corpo para permanecer relaxado quando Pete,

sentindo também onde estava chegando a situação ou já tendo deixado claro seu

ponto, se afastou do seu caminho.

Adam passou por ele, seus olhos sem deixar o rosto zombador do estudante

do último ano enquanto caminhava. Lançou sua bolsa na cabine da caminhonete a

dez pés de distância.

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— Escolhe uma equipe! ― gritou Martinsburg.

Adam entrou na cabine da caminhonete e fechou a porta. O motor voltou à

vida na terceira tentativa de arrancar, e liga o rádio. Esperava que seus três

companheiros de equipe já tivessem ido embora quando Phoebe aparecesse.

Phoebe tremeu quando a mão do garoto morto tocou seu cabelo e deixou

que as mechas negras deslizassem entre seus dedos. Estava imóvel quando ele

afastou a mão e a segurou na frente do seu rosto. Suficientemente perto para que

pudesse ver a folha que tinha retirado. Agora o único som era de sua respiração.

Tommy deixou a folha cair, e ela olhou como pairava momentaneamente antes de

desaparecer na escuridão.

— Eu..., estava te seguindo. — disse, arrependendo-se instantaneamente

depois de ter falado. Seu sussurro soou em suas orelhas como um alarme contra

incêndios na metade do silencioso bosque. Ele era um vivo vulnerável, não um

idiota. É claro que havia lhe seguido, por qual outra razão teria se escondido e

havia se aproximado sigilosamente dela? Perguntou-se se seus olhos - olhos da cor

da nuvem de chuva na luz florescente da classe, mas brilhantes, como dos gatos -

podiam registrar o calor que sentia irradiar de suas bochechas. — Queria falar

contigo. ― disse. — Queria dizer que acho que você é muito corajoso por fazer isso.

Por jogar futebol, quero dizer.

Tommy não disse nada, o que aumentou sua vergonha. Ele era alto, seus

ombros amplos. Segurava seu capacete pela grade do lado. Que tipo de idiota era

ela para seguir um garoto vivo vulnerável, afinal? Talvez todo seu sentido comum

tivesse voado junto com sua respiração. Era consciente, como se estivesse a uma

grande distância, de meter a mão no seu bolso e retirar o quadrado de papel do

livro.

— Também quero te dar isso.

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Estendeu e o olhou enquanto observava com os olhos brilhantes, seu rosto

sem nenhuma expressão. Houve um momento de agonia enquanto olhava o

quadrado sem se mover, e tudo o que Phoebe pode pensar foi na vez na sétima

série quando Kevin Allier rejeitou seu convite para patinar em dupla em uma festa

no Winford Rec Center.

Mas então Tommy alcançou e pegou seu poema. Inalou quando suas mãos

se tocaram; o odor era como da brisa da manhã a deriva sobre o lago Oxoboxo.

Ficaram em pé sem falar por um minuto, cada segundo um momento de incômodo

que sentiu extremamente como quando os garotos do campo sentiam seus golpes e

batidas.

— Bom. ― disse, com as orelhas esquentando como se não fosse mais capaz

de aguentar o silêncio. — Tenho que ir procurar a pessoa que vai me levar para

casa. Boa noite.

Ele não disse nada: nada mesmo. Baixou os olhos quando se virou e

começou a caminhar até onde pensava que estava o estacionamento. Mas estar em

pé no bosque com Tommy, dar-lhe seu poema, era tão irreal; tão bizarro que não

estaria surpresa se o bosque Oxoboxo, incluindo o lago, fossem centrifugados para

fora da terra e dentro da estratosfera. Fosse o que fosse a magia elétrica que havia

tido estava agora ao redor de uma fria e escura onda de vergonha e medo. Estava a

ponto de bater em uma árvore quando lhe pareceu ouvir seu nome.

Virou. Tudo o que podia ver era o pálido e brilhante contorno de Tommy e

seus olhos, dois discos pálidos de luz de lua, a uns quinze pés de distância.

— Acho. — disse; sua voz suave e lisa, mas parecida com a lembrança de um

som do que um som em si mesmo. — Que você também é corajosa.

As pequenas luas desapareceram e estava só. Havia escuridão em todo o seu

redor, mas já não fluía dentro dela. Estava sorrindo quando se uniu a Adam na

quente cabine da caminhonete de seu padrasto.

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CAPÍTULO 7

O fim de semana avançou com uma cansada languidez, como se o próprio

tempo se transformasse em um vivo vulnerável. Phoebe passou longas horas,

sentada em sua cama, escutando músicas com seu caderno e lápis no colo,

escrevendo nada e falando com ninguém. A noite de sexta tinha sido confusa de

muitas formas, mas parte dela queria segurar um pouco mais essa confusão e

analisá-la.

Margi ligou no sábado à noite, como de costume, a conversa estava focada

principalmente em Margi. Sua tarefa de história, o programa que estava assistindo,

os sapatos que planejava usar na segunda, seus pensamentos sobre as novas

transferências de Zombiecide. Isso não irritava Phoebe; sempre era divertido ter

uma conversa centrada em Margi, e lhe permitia não falar sobre o que estava em

sua mente – Tommy...

Quase se traiu quando Margi lhe perguntou se tinha conseguido terminar

sua tarefa na biblioteca – havia esquecido completamente sua história para se

encobrir.

— Oh, claro. — disse, mas realmente só tinha desenhado algumas

caricaturas em seu caderno e folheou um livro que encontrou sobre a Inquisição

Espanhola.

— Isso foi convincente. — diz Margi. — Sabe; eu gostaria que você tivesse

me convencido a ficar, por que realmente estou tendo muita dificuldade em fazer

essa tarefa de história. É claro, o Sr. Adam, garoto fraco, provavelmente não teria

me trazido para casa. Juro, Phoebe, ele está apaixonado por você desde a terceira

série.

— Me mudei para cá na quarta série.

— Bom, provavelmente está apaixonado por você desde sua vida passada.

Você viu como ele revira seus olhos quando eu os acompanho?

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— Isso é ridículo, Margi.

— Sim, eu sei. Eu sou muito mais atraente do que você. — disse, e então riu.

Phoebe já era ciente a um tempo da fascinação de Margi por Adam, que foi o

primeiro amigo que Phoebe fez quando se mudou para Oakvale. Haviam

simpatizado porque Adam não conhecia garotas que gostassem de histórias em

quadrinho, e ela era melhor nadadora e jogadora de Frisbee do que ele. Não se

aproveitava por seu tamanho, ou – largura – como Phoebe gostada de lhe

incomodar, até o ensino médio. Logo seu gosto pela contextura começou a fazê-lo

optar por esportes de contato – esportes que ela não se interessava, apesar de ter

um lançamento decente. Adam era um ano mais velho, mas tinha ficado para trás

na segunda série, então agora ambos eram juniores. O colegial os fez tomar

caminhos diferentes – Adam era um dos populares, Phoebe ficou à margem.

Ninguém fez confusão por sua amizade na escola, por que a incongruência disso

confundia seu círculo de amizade.

Essa incongruência, como a duração de sua amizade, era o que o fazia tão

especial. Phoebe ainda sentia que não havia ninguém mais com quem poderia jogar

Frisbee ou nadar no Oxoboxo.

Era o suficientemente especial que Phoebe sabia que nenhum deles

arruinaria isso com sentimentos mais complicados. Pensou que era Margi que

estava apaixonada, mas por alguma razão nunca admitiria.

— Você é mais bonita do que eu, Margi.

— Certo. Há algo por dizer a verdade? Você tem altura, pele boa, bochechas.

O que eu tenho?

— O vestuário? E...

— Não diga.

— Bem, você começou. Acho que conseguem mais atenção do que minhas

bochechas grandes.

Mais brincadeiras, e logo desligariam quando o pai de Margi gritasse para

que deixasse o telefone. Phoebe voltaria a rabiscar seu caderno.

Adam lhe enviou uma mensagem instantânea no domingo pela noite,

quando estava procurando as últimas notícias sobre os Deficientes Vitais.

Perguntou-lhe se ela queria que ele a levasse para a escola na segunda, o que era

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estranho porque ele nunca perguntava isso. Ela respondeu; claro, e acrescentou

um emoticon bobão, que era a marca das Irmãs Estranhas, um círculo, carinha

sorridente com cílios, uma cauda, e uma língua movendo-se estupidamente com a

boca aberta.

Ótimo, foi sua mensagem de resposta, sem adornos.

Sete?

Sim. Deveríamos jogar Frisbee de vez em quando.

Em seguida, se desconectou.

Isso, pensou, era realmente estranho. Agora o único momento em que eles

se lançavam em uma conversa era quando um deles precisava de alguém com

quem falar. Havia coisas que Phoebe não podia falar com Margi, e havia coisas que

Adam era relutante em compartilhar com alguns de seus amigos da equipe de

futebol. Era um estranho par – mas os pares estranhos eram quem mantinham a

vida interessante.

O sentimento trouxe instantaneamente Tommy a sua mente. Quando

apagou a luz imaginou seus olhos brilhando ligeiramente na escuridão de seu

quarto, e desta vez não teve medo.

Adam chegou à sua casa as sete em ponto, a caminhonete do PDT ressoava

no caminho de entrada, enquanto entrava na cozinha e pegava uma banana.

Phoebe, a última a chegar, escreveu um bilhete para sua mãe dizendo que não a

esperasse para o jantar, e então fechou a porta na chave. — Obrigado, Adam. Como

você conseguiu a caminhonete?

— PDT pegou o carro de mamãe hoje. — disse. — Levou-a para o trabalho

para poder trocar o óleo. Temos tempo para tomar um café, se quiser.

— Estou bem, mas você pode tomar um.

Deu de ombros. — Eu gosto das mechas vermelhas. Foi você que fez?

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Phoebe reflexivamente toca as pontas de seu cabelo e pensa na queda de

folhas. — É claro. Obrigada.

— De nada.

Dá ré na caminhonete para sair do caminho da entrada, e dobra a esquerda,

o que significa que ele ia pelo caminho longo, pelo lago.

— Assiiiim... — disse. — O que você quer contar?

Agora percebeu quão calado tinha estado desde sexta-feira. Naquela noite

tinha sido por justa causa. — Ei, Phoebe, o que diabos você estava fazendo na

floresta? — mas nunca perguntou. Não havia notado, e Adam notava a maioria das

coisas ao seu redor. Ela não se deu conta de que havia estado tão preocupada que

nem sequer percebeu quão preocupado ele tinha estado. Ele encolhe seus ombros

novamente. — Mais tarde. Só quero dirigir um pouco.

— Certo Adam. Dirigir é bom. Cheirar esse ar fresco do lago.

Riu, e o conhecia o suficiente para não forçá-lo a falar. Falaria com ela

quando estivesse pronto.

A floresta do Oxoboxo parecia diferente na luz do dia, e do exterior. Ela

sempre pensava que as árvores estavam mais juntas do que nas outras florestas,

como se estivessem se agrupando para esconder segredos do mundo exterior de

suas fronteiras selvagens. Ela e seus amigos tinham passado bons momentos de

suas jovens vidas no bosque e no lago. O Oxoboxo era um lugar onde você nunca se

sentia cem por cento segura, e isso era o que o fazia tão emocionante.

Emocionante, ao menos, até que Colette morreu ali.

— Você não me contou como foi o treino. — disse Phoebe, virando-se para

olhar através do parabrisa. — Como foi jogar com um cadáver ambulante?

Pretendia dizê-lo como piada, mas viu seu olhar horrorizado cujas palavras

haviam chegado exatamente no que estava lhe atormentando.

— Oh! — disse.

— Pensei que isso não era politicamente correto. Não é isso o que você e

Daffy me disseram no outro dia no almoço?

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— Estou brincando! — estava desafiante e era óbvio, mas se queria algum

tempo antes de contar-lhe o que lhe irritava, estava tudo bem.

Seus ombros se moveram novamente como faziam sempre que estava

nervoso. — Sabe; o garoto morto não era tão ruim.

— De verdade? — disse; secretamente contente.

— De verdade. É muito forte. Quero dizer, em velocidade é lento. Mas pega

rápido. No final do treino tinha encontrado uma forma de rebater meu ataque. Foi

muito bem.

— Uau, quem teria imaginado?

— Eu não. — e isso foi tudo que disse sobre Tommy.

Deu a volta no estacionamento de estudantes um tempo depois, e então

estavam fora da caminhonete e fazendo a longa caminhada para a escola.

— Ei, esta noite eu tenho treino novamente. — disse. — Você precisa ir para

biblioteca ou algo assim?

Ela sorri. — Quer jogar Frisbee à meia-noite?

— Sim. — disse. — Talvez eu precise fazer isso.

Tudo foi normal na segunda. Os vivos continuavam indo rapidamente de

classe em classe, conversando sobre os acontecimentos do fim de semana ou uma

das centenas de encontros sutis que ocorriam no momento que transcorria a

campainha entre a manhã e o almoço, enquanto que os mortos se moviam em linha

reta e não compartilhavam seus pensamentos com ninguém, nem sequer com seus

pares. Phoebe vagava e procurava Tommy Williams, capturando seu vislumbre de

uma distância calculada. Ele podia ter a vantagem na floresta de Oxoboxo com seu

sigilo e seus olhos de luz da lua, mas entre os vivos, ela estava à frente. Aqui nos

corredores fosforescentes podia observá-lo todo o tempo sem que ele percebesse.

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Mas isso não significava que o morto era incapaz de surpreender, enquanto

Margi provava deixar cair o maior de todos no corredor depois da campainha final.

Estava pronta para ir para o ônibus antes que Phoebe sequer tivesse chegado ao

armário — tão grande que era.

— Desculpe Margi. — disse Phoebe. — Não vou no ônibus hoje, vou para a

biblioteca de novo.

— Está brincando. — disse Margi. — Tenho que falar contigo.

— O que está acontecendo?

— O que está acontecendo com você? — foi sua resposta, com uma pitada

de acusação em sua voz.

— Por acaso são as vinte perguntas, Margi? Não sei o que eu devo dizer, e

não quero que você perca o ônibus.

Margi olha para Phoebe, com uma mistura de impaciência e compreensão

em seu suave e redondo rosto.

— Pheebes. — disse. — Você é minha melhor amiga e eu gosto de você. Mas

algo está acontecendo.

— Certo, já falamos sobre isso.

— Então, imploro para que você diga o que está acontecendo? Deixa eu te

perguntar algo: alguma vez você já viu um vivo vulnerável desenhar em seu

caderno?

Phoebe suspira. Deixando Margi com o melodrama. — Não, acho que não.

— Alguma vez você contribuiu com o Oakvale Review?

— Não.

— Ou assistiu aula de artes ou aula de música?

— Não.

— Tirou uma foto digital ou tem um desejo louco de fazer jardinagem? Ou

basicamente fez qualquer coisa criativa?

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— Não, não que eu saiba.

— Nem sequer decorou seu armário?

— Margi! Vá direto ao ponto!

Ela fez e enfatizou o ponto. — Tommy Williams prendeu um poema em seu

armário — disse. — E parece como se tivesse sido escrito com sua letra.

No exato momento em que a boca de Phoebe se abriu para responder a

declaração de Margi, o porta-malas de Pete Martinsburg se abriu com um clique de

sua chave. O carro tinha apenas um mês de uso, um presente de aniversário do seu

querido pai distante.

Pete não era suficientemente estúpido para pensar que o presente de seu

pai não era mais do que uma expressão para irritar sua mãe. Tudo era sobre

vingar-se da ex-esposa.

Mas, ei, carro de graça.

Levou Adam e TC para o carro. Levou um tempo para convencer o garoto

fraco que saísse do vestiário, e inclusive agora o cara fazia um espetáculo de quão

aborrecido era aquilo para ele.

Pete sabia como ia ser, mas sentiu a necessidade de dar a Adam uma prova

final de fé antes de mudar sua estratégia.

Foi até a caminhonete e tirou o uniforme de futebol, sob a longa mochila

negra havia três bastões arranhados. Pete puxou o de alumínio do porta-malas e o

agarrou fortemente com uma mão, fez ranger seus pulsos algumas vezes. Seu

sorriso era amplo e frio.

— Fiz catorze homes run11 com este bebê em meu último ano na liga PAL.

Marquei 313 este ano.

11 No beisebol, home run (denotado HR) é uma rebatida na qual o rebatedor é capaz de circular todas as

bases, terminando na casa base e anotando uma corrida (junto com uma corrida anotada por cada corredor que já estava em base), com nenhum erro cometido pelo time defensivo na jogada que resultou no batedor-corredor avançando bases extras. O feito é geralmente conseguido rebatendo a bola sobre a

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Stavis assentiu com atenção, mas Pete podia dizer que Adam estava por um

fio de fazer algum comentário espertinho, e seu domínio no bastão se apertou até

que os nós dos seus dedos ficaram brancos.

— Vamos ensinar outro esporte para o garoto Zumbi depois do treino. —

disse, ironicamente. Deixou cair o bastão na caminhonete, onde aterrissou com um

ruído surdo, um som não muito diferente do que faria ao bater contra um crânio,

pensou Adam.

Logo o porta-malas foi fechado com tanta força que o pensamento

desapareceu. — Pete. — disse Adam. Nem sequer parecia tão presunçoso, o que fez

Pete fortalecer-se para resolver realizar o plano final.

— Sim, garoto fraco? — respondeu. — Você tem algo que gostaria de

contribuir?

— Realmente você não está sugerindo que iremos atrás desse garoto, não é?

Pete riu. — Por que não? Não há nenhuma lei contra isso.

— Vamos, Pete. Isso é estúpido.

— Estúpido? Vou te dizer algo que é estúpido. A sua pequena garota

Morticia Pantynegros gostar de um cadáver ambulante, isso é estúpido.

— Deixe-a fora disso. Estou falando.

— Seu queixo está se mexendo, mas não está falando. Sua garota, por quem

tem sentido algo, por quanto tempo? Toda sua vida? Está escrevendo poesias para

garotos mortos. Veio para o treino observar um garoto morto. Um garoto morto,

Adam. Quão asqueroso é isso?

— Cale-se, Pete. — Adam estava vermelho e Pete sorriu.

— E você só vai deixar isso acontecer. Nem sequer vai tentar conseguir que

jogue na equipe certa, hein?

Stavis, que era o suficiente inteligente para captar os sinais, se moveu para o

lado esquerdo de Adam.

cerca do campo externo entre os postes de falta (ou fazendo contato com um deles), sem que ela antes toque o chão.

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— O que está acontecendo, Adam? — disse Pete, baixando o tom de sua voz

para um baixo sussurro. — Que parte de você é tão repulsivo que a garota que você

tem estado seguindo durante anos se destina a um Zumbi para amar?

Adam dá um passo para frente, suas próprias mãos em punhos, mas isso foi

até onde chegou. Pete desejava ter se inclinado, por que então poderia estar

lançando alguns socos, tirando sangue, e no final disso seriam amigos novamente.

Seriam a Equipe da Dor.

— Pode ir, Adam, — disse nas costas de Adam. — Mas não terminamos. Não

vou deixar que essa encantadora jovem flor se deite com um cadáver. Não

enquanto eu viver e respirar.

Adam continuou caminhando para a escola.

Pete disse que não tinha acabado, e dizia a sério. O rumor que rolava pela

escola como um arbusto queimado era tão absurdo que nem sequer Pete podia

entender. Um vivo, respirando, na plenitude dos dezesseis anos, tendo algo com

um garoto morto? Era completamente antinatural. Por que não ir e dormir com um

animal de fazenda? Ao menos, era um animal vivo. Decidiu que o melhor a fazer era

intervir no assunto.

Pete a viu na biblioteca. Já estava atrasado para o treino, mas que inferno. O

que ia fazer o treinador dispensá-lo? E perder as duas interceptações por jogo? De

jeito nenhum.

Por outro lado, meter-se sob a saia desta garota valeria as corridas extras.

— Ei. — disse, sentando-se na sua frente.

Ela levantou seu olhar e tirou um aparelho côncavo da orelha. Alguém grita

de dor através do alto-falante, o volume era audível na metade da biblioteca. Ele

gostava do modo com que seu delineador preto deixava seus olhos parecendo os

de um gato. Provocativos. E a melhor parte era que esta garota não tinha ideia de

quão provocativa era. Nem sequer tinha algum amigo do grupo de Pete, as líderes

de torcida e outros tipos, as Toris e Hollys e as Cammys com quem ele teria se

enrolado até mesmo se fosse o cara mais feio da equipe de futebol.

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Ele lhe deu um sorriso tencionando que ela o sentisse até nos pés. Ter saído

com garotas universitárias neste verão lhe abriu alguns mundos novos, a respeito

das mulheres. A garota era sinistra, séria, e era aficionada por livros. Imaginou que

garotos menos experientes não a olhariam duas vezes, mas para Pete, todos esses

fatores eram apenas parte de um doce segredo que as garotas como estas

ocultavam, um doce segredo esperando ser contado para todo mundo.

— Olá. — voltou a dizer.

— Olá? — ela disse, com uma sugestão de pergunta em sua voz. Ele gostava

disso. E ela era tímida; sua pele pálida estava ficando rosa até sua garganta.

Aproximou-se para observar a cor se estendendo.

— Te vi no treino ontem. — disse. Se havia uma coisa que as garotas

gostavam era serem notadas.

— Viu?

— Sim. Olhei para cima e ali estava, nos observando.

— Estava esperando. — disse. — Por Adam.

Pete sorri por dentro. Morticia no momento estava fora da sua liga.

— Layman? Não é seu namorado, é?

Ela riu e negou com a cabeça, com um brilho rosa em suas bochechas. Sua

pele era a pele dos anjos, pensou, suave e branca. Quase esticou sua mão para

acariciar-lhe a bochecha, mas pensou que ela se espantaria. Talvez mais tarde.

— Isso é bom. — disse. — Por que Adam é um bom amigo meu, e eu odiaria

que ele ficasse com raiva de mim.

Parou de rir. — Por que ele ficaria com raiva de você?

Agora foi ele quem riu, fez enquanto se inclinava na chiante cadeira da

biblioteca, estendendo seus braços para que ela pudesse captar a definição de seus

braços.

— Por convidar você para sair.

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Ela voltou a olhar seu livro de história. Pete se inclinou para frente. As

garotas pequenas gostam dos garotos grandes, e ele era um; a sombra de seus

ombros a cobria como uma manta.

— Mas mesmo se ele fosse seu namorado, eu teria te convidado para sair.

Ela parecia como se tivesse problemas para respirar. E isso, o fez pensar em

outras maneiras de fazê-la ficar sem fôlego.

— Preciso estudar. — disse; sua voz acima de um sussurro.

Você está fazendo isso, pensou. — Então, é um sim? — perguntou, sua mão

sobre seu braço. Ela usava um suéter fino, e ele massageou o tecido preto agrupado

em seu cotovelo com seu polegar e indicador. — Posso te levar para casa, se você

quiser. Direi para Layman que fizemos alguns planos. Provavelmente, você viu meu

carro.

— Não. — sua voz era tão suave que ele quase não escutou.

— Não, você não viu meu carro? E...

— Não. — ela disse. — Não, eu não quero sair com você.

— O quê?

— Não. — repetiu. — Por favor, pare. As pessoas estão nos observando.

— Não entendo. — realmente, não entendia.

— Não quero sair contigo, Pete. Obrigada, mas não.

— Por que não? — perguntou ele.

— Só não quero. Por favor, solte meu suéter.

Ele soltou, e se inclinou para trás, a cadeira rangendo com seu peso.

Primeiro Layman adotou uma grande atitude, e agora isto. Pete tinha estado

escondendo sua raiva desde que seu pai o enviou ao aeroporto sem sequer desejar-

lhe uma boa viagem, e agora ameaçava romper por todo seu ser.

— ‘Não quero’ não é uma razão, certo? — disse; seu rosto se aproximando

do dela.

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— É a melhor razão. — respondeu, e ele se surpreende de quão errado ele a

tinha julgado. — Podemos acabar com esta conversa, por favor?

Pete força suas mãos a se relaxar e lentamente se afasta da mesa.

— Ei, eu sinto muito. — disse. — Pensei que estava percebendo algo que

talvez não fosse. Sei que sou um pouco teimoso, provavelmente por que a maioria

das garotas com quem saio, são assim. Lamento se te ofendi.

Ela se sensibilizou, mas só um pouco. — Está bem. — disse. — Lamento não

ter te dado uma resposta mais educada. De verdade, estou lisonjeada.

Ele lhe deu um aceno que esperou o ter feito parecer aflito e abatido – como

se lhe importasse o que Pantynegros pensa dele. — Bom, não te dei muitas opções,

certo? Teimoso, assim sou eu.

Ela sorriu. Ele então esticou sua mão.

— Amigos? — disse.

Ela olhou sua mão, depois seu rosto, e sorriu. — Amigos — disse, e estendeu

sua mão para a dele.

Ele planejava sair. Mas algo sobre sua fria e fina mão o fez mudar de ideia.

Tinha dedos longos e magros, piscou e pensou por um momento, só um momento,

que estava segurando a mão de Julie. Não teve uma relação com ninguém desde

que Julie morreu. Julie que morreu e não podia, não podia, voltar. A fúria brotou

em sua mente.

Ainda segurando sua mão, se inclinou para mais perto e sussurrou em seu

ouvido. — Layman está te pegando, certo?

Então, ela o olhou, com seus olhos mais felinos do que nunca. A cor voltou

ao seu rosto e tentou puxar sua mão, mas ele é muito forte.

— Ao menos, espero que o garoto fraco esteja te pegando. Por que se

descubro que você me rejeitou por uma carne morta, eu me decepcionarei muito.

Eu posso ficar tão malditamente decepcionado que a garota que fichei como

ninfomaníaca em segredo seja, na verdade, uma necrófila em segredo. Você sabe ao

que me refiro? E pessoas, mortas ou não, podem ser feridas.

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Ela não afastou seu olhar, embora ele esteja apertando sua mão forte o

suficiente para tirar lágrimas. Depois de um tempo ele lhe lançou um beijo e ficou

de pé, dando-lhe uma gentil carícia em sua mão enquanto a soltava.

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CAPÍTULO 8

Os golpes não param, pensou Adam ao ver como Stavis desequilibrava

Williams com um golpe surpresa que teria deixado sem respiração qualquer garoto

vivo. Williams perdeu o equilíbrio e Stavis utilizou seu impulso para derrubá-lo

com força.

Williams não deixou escapar nenhum som; nunca o fazia.

O jogo, um passe falso de halfback12, havia acabado antes do golpe de Stavis

e não se desenvolvia próximo de Williams.

Adam notava com um aperto no peito que nada tinha haver com suas

condições físicas, sim com as mentais que havia desenvolvido durante o verão com

o mestre Griffin.

Fechou os olhos e pode vê-lo no primeiro dia de aula, com a cabeça raspada

refletindo a brilhante luz e com um sorriso apenas perceptível debaixo de seu

grosso bigode negro.

— Todos nós temos poder. — disse a seus estudantes. Adam comprovou

que o mestre se movia pelo colchonete com agilidade, quase como um gato; era

como se deslizasse sobre as pontas dos pés. — Todos nós. – seguiu olhando-os um

a um. — O importante é o que fazemos com esse poder.

Então pediu a Adam que lhe fizesse um combate. O mestre Griffin era mais

baixo e compacto que Adam, e muito mais rápido. O garoto foi por ele, confiante, já

que fazer combates era o seu forte. Apontou em baixo, para lhe golpear nas pernas.

De repente se viu voando pelo ar, ainda foi um vôo curto, porque Griffin o jogou

sobre o colchonete, amortecendo sua queda de algum modo. Depois, em vez de

soltá-lo, seguiu-lhe agarrando o braço com uma mão, enquanto retirava a livre,

disposta para lhe dar um golpe com a palma aberta. Adam poderia romper o nariz

12 O Halfback (HB) é conhecido por ser o Running Back que tradicionalmente carrega a bola. É ele quem

toma a responsabilidade de fazer a maior parte das jogadas de corrida do time de ataque.

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ou esmagar a cara com um só golpe rápido. Contudo, se limitou a lhe dar um

golpezinho no peito antes de ajudá-lo a se levantar.

— Adam tem poder. ― disse o mestre para a classe. ― Eu tenho poder.

Todos o têm. O que vamos fazer com esse poder?

Aquele havia sido o único contato físico da primeira sessão; mestre Griffin

havia jogado ao solo a seu aluno maior e mais atlético como se jogasse uma meia

velha na cesta de roupa suja. Havia passado o resto da classe ensinando-os boas

maneiras e falando sobre a responsabilidade pessoal.

— Layman. — lhe gritou o treinador Konrathy. ― Acorda e põe sua bunda

na linha.

Adam obedeceu e pôs sua bunda na linha. Enquanto o fazia, era como se

pudesse ouvir a tranquila voz do mestre perguntando-lhe até que ponto estava

disposto a jogar essa mesma bunda por suas crenças.

O garoto morto se levantou como sempre, devagar, ainda não parecia ferido

depois do golpe ilegal de Stavis. Adam tentou meter-se em sua cabeça. Que estava

passando ali dentro, se é que passava algo? Porque Williams estava ali? Queria

provar algo? Era amor ao jogo? Dava-se conta de que alguns de seus companheiros

faziam todo o possível para tirá-lo da equipe..., para sempre? Não parecia ter muito

sentido que se entregasse voluntariamente a aquele castigo.

E outra ideia se meteu na cabeça, como se fosse chuva através das gretas de

um telhado: de verdade Phoebe sentia algo por ele? Como podia ser atraente para

ela? Como demônios, podia interessá-la daquela forma um garoto morto? Devia de

ter os fios cruzados em alguma parte de sua cabeça.

De volta ao vestiário, o repentino silêncio lhe disse que Williams estava

passando por ali. O garoto não tomava banho, ao menos não com o resto da equipe

nos chuveiros comuns. Não suava, e era tão fácil remover a lama e grama do rosto

em casa como nos chuveiros.

Adam tirou as ombreiras e observou dissimuladamente a reação de seus

companheiros ao passo do morto. A hostilidade descarada do resto da Equipe da

Dor era evidente: Martinsburg sussurrava algo a seus tiranos amigos, Stavis e a

Harris Morgan, que parecia ser o primeiro na lista de recrutas depois de que Adam

renunciou a seu posto.

Quase toda a equipe se virou, como se a presença do garoto morto fosse um

segredo vergonhoso que ninguém queria reconhecer. Denny Mackenzie, ao que

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Williams lhe havia salvado o pescoço bloqueando a carga lateral Martinsburg,

fingia estar absorto no que dizia Gary Greene.

Williams abriu seu armário, tirou a mochila e se dirigiu as escadarias.

Tommy Williams jogava para os Oakvale Badgers, mas ninguém parecia

gostar da ideia. Konrathy estava apoiado na jamba de seu escritório, observando

como o garoto morto caminhava lentamente para a saída.

Thornton Harrowwood tinha o armário que estava mais próximo da porta.

Estava sentado no banco de madeira com uma toalha úmida rodeando a cintura,

guardando o uniforme sujo em uma enorme mochila verde que era quase tão

grande como ele. Olhou Williams ao passar e lhe ofereceu a mão entendida, como

se fosse a coisa mais normal do mundo; Williams bateu com uma palmada suave,

sem deixar de caminhar. Como se fosse o mais normal do mundo.

Adam sorriu, mas Konrathy chamou Thornton em seu escritório. Adam

estava tão concentrado em tentar averiguar do que falavam do outro lado da porta

que quase não se deu conta que seus antigos companheiros da Equipe da Dor

saíam do chuveiro e seguiam Williams.

— Está falando com a zorra do terror. — disse TC enquanto cruzavam o

estacionamento, em direção à floresta.

— Isso não muda nada. — disse Martinsburg. Estava dando voltas ao bastão

de alumínio com rápidos giros de seu pulso. — Harris, você se ocupa dela. Se tentar

fugir ou interferir, detenha-a.

— Ahhh, cara. Eu não vou bater em uma menina.

— Te mandei bater? Apenas a detenha. — Martinsburg apontou o bastão

para o peito de Morgan Harris. Pete pesava vinte quilos a mais do que Harris, de

modo que este deu um passo para trás, ainda mais pela expressão de Pete que pela

batida.

— A deter, eu entendi. — disse ele.

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— Se você vai fugir como Layman, é melhor você me dizer agora.

Harris sacudiu a cabeça.

Martinsburg olhou de novo para sua presa, que tinha virado e estava

andando no bosque com a Senhorita Pantynegros.

— O que vocês acham que ela vai fazer no bosque? — perguntou, cuspindo

entre os dentes. ― Ajudá-lo a tirar as ombreiras?

O garoto morto o havia deixado sem respiração nos treinos. Pete estava a

ponto de dar com o ombro no quarterback quando o morto se aproximou por seu

ponto cego e o atacou deixando-o sem ar nos pulmões.

O Zumbi havia se posto de pé sobre ele, enquanto ele, de boca aberta,

tentava respirar de novo. O morto o olhou, e Pete sentiu um momento de pânico

baixo a fria olhada cinza que surgia do capacete.

— Agora sabe o que se sente quando está morto — ouviu a voz do Zumbi

dentro da cabeça, e lhe pareceu detectar um pequeno tic em um dos músculos da

boca.

— Você gosta?

Williams o deixou sobre a grama. Pete recuperou a respiração pouco a

pouco e, durante todo aquele processo, não pode esquecer a imagem do Zumbi

rindo dele. A imagem lhe dava medo, mas o medo só servia para irritá-lo ainda

mais. Ninguém, nem vivo nem morto, ria de Pete Martinsburg e saia ileso.

— Vamos continuar o caminho e, quando estivermos perto nós nos

dividiremos — disse ele.

— O quê? — perguntou Stavis, olhando para o seu uniforme, sujo e

fedorento.

— Você poderia ter tomado banho pelo menos. — disse Pete. — Que fedor.

— Harris riu, balançando a cabeça.

No estacionamento havia algumas crianças com seus pais, mas ninguém

parecia prestar atenção. Pete concordou com a cabeça, olhando seus dois capangas.

— Ok; aqui vamos nós. ― o seguiram para dentro da floresta.

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Phoebe não estava certa de como traria à tona o tema do poema, mas ele a

salvou falando primeiro. — Eu tenho o seu poema..., no meu armário. — disse ele.

— Depois..., percebi que..., talvez seja um problema.

Phoebe balançou a cabeça e tentou pensar em como responder. Tinha graça

que a clareza do discurso de Tommy, que falava fluentemente com mais fluidez que

os outros Deficientes Vitais a deixasse sem saber o que dizer.

— Não, eu acho que me surpreendeu.

— Sua amiga, a do cabelo rosa.

— Margi. — disse Phoebe, rindo.

— Não pensei nas..., consequências. — disse Tommy, tornando a dizer

todas as sílabas de uma vez. — Todos..., sabem. Desculpe.

Phoebe balançou a cabeça e se aproximou dele. O menino não cheirava a

alguém que ficou duas horas metido em um treino de futebol, nem como uma

pessoa morta, para falar a verdade. Só lhe chegava o cheiro fresco das árvores de

pinhos e folhas de outono. Sua pele era macia e branca, era como uma escultura

que tinha recobrado a vida, a versão idealizada de um jovem, sem defeitos ou

imperfeições.

— Não se desculpe. — disse a ele, tocando seu braço, que parecia de pedra

polida. — Queria que ficasse com ele.

Ele assentiu com a cabeça quase imperceptivelmente, sem tirar dela aqueles

olhos sem fundo. Ele tinha um olhar desconcertante, por assim dizer. Não te seguia

quando falava, quando piscava, coisa que não acontecia muitas vezes, dava tempo

de contar até três antes de as pálpebras se tocassem. Tommy levantou a mão como

se quisesse tocar-lhe o rosto, e Phoebe pensou quão delicado foi quando ele lhe

tirou uma folha do cabelo. Surpreendeu-a voltando-se de repente.

— É difícil para os..., dois. ― disse ele. ― A amizade..., sempre é. E mais...

Phoebe não conseguiu ouvir o resto da frase, porque naquele momento,

duas figuras agachadas correram para Tommy. Um deles empunhava um bastão de

beisebol, que deu o garoto no peito, batendo-o contra um tronco podre. O capacete

saltou duas vezes e caiu no chão perto de Phoebe, que chorou quando viu que uma

terceira figura tomou-a por trás e segurou seu pescoço com um bastão.

— Shhh. — disse Harris Morgan, sorrindo.

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— Você gosta de esportes, é, Zumbi? — disse Martinsburg. Deixou cair o

bastão, que fez um barulho assustador. Phoebe não conseguia ver onde.

Deu-lhe um golpe e os dois caíram, mas acabou deitado de boca aberta,

vendo como os ramos das arvores davam voltas em um caleidoscópio de colores

outonais. Apenas se deu conta que Harris se levantava, entre palavrões, lambendo

o lábio inferior.

Então, novamente ouviu o novo som do bastão de Martinsburg ao cair

Não foi fácil se sentar, mas ele fez. Martinsburg, sorrindo, fez um gesto para Stavis

para que provasse e batesse em Tommy. Phoebe tentou se levantar, mas Harris a

deteve colocando a ponta do bastão no peito e ordenou-lhe que se sentasse, sem

deixar de xingar. Ela se confortou ao ver que lhe havia tirado sangue ao golpeá-lo

com o punho no lábio.

Viu Stavis levantando o bastão sobre a cabeça com ambas as mãos.

— Não tem ideia do erro que acaba de cometer.

A voz profunda, e tranqüila, pertencia a Adam. Phoebe se voltou e o viu no

caminho que haviam chegado Martinsburg e seus amigos. Falava com Harris, mais

também se voltou para olhar os demais.

— Não se meta Layman. ― lhe advertiu Martinsburg, Stavis baixou o bastão

e analisou a nova ameaça. Phoebe se deu conta de que era maior e mais pesado do

que Adam, ainda não tão alto nem tão rápido, mas supôs que dava na mesma,

porque Stavis levava um bastão de beisebol.

— Me meto. — respondeu Adam, e deu dois passos adiante, diminuindo a

distância.

— Te disse que escolhesse uma equipe, garoto fraco.

— Pois suponho que já o fiz. ― respondeu ele, sem deixar de se aproximar

de Pete.

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— Seria uma pena que machucasse o joelho. ― disse Martinsburg, mas com

uma voz aguda e sem a confiança, diferente da que tinha mostrado antes do

aparecimento de Adam. — Como aconteceu com seu amigo coxo, Manetti.

— Uma pena. — repetiu Adam; estava a meio metro de Pete quando Harris

soltou o bastão e se lançou sobre ele.

Phoebe gritou para lhe advertir, enquanto corria para pegar o bastão, mas

Adam levantou o pé esquerdo e chutou Harris em cheio no peito, puxando-o para

trás. Contudo, Stavis não lhe importava tanto como Harris Morgan golpear com um

bastão a um companheiro de time, porque justo quando Phoebe se virava,

aproximou-se e bateu em Adam no estômago, deixando-o de quatro. Stavis se

moveu como se pensasse voltar a golpeá-lo, e ela gritou, lançando-lhe o bastão que

Morgan havia soltado; Stavis o esquivou sem jeito, pois esteve a ponto de cair de

costas.

Phoebe se levantou e enfrentou os dois, enquanto atrás de Martinsburg,

Tommy fincava o joelho no solo. Pete captou sua reação e se voltou para o garoto

morto.

— Fique onde está se não quer que estoure sua namorada a paus. — lhe

disse, depois a olhou e cuspiu no chão. — Pode ser que eu o faça de todos os

modos.

Phoebe viu que Tommy olhava seus atacantes e dava uma de suas piscadas

de três segundos. Depois baixou a perna e se ajoelhou na suave terra do bosque.

— Sim, isso garoto morto, pode ser que ela não volte. — seguiu

Martinsburg, fazendo girar o bastão.

Havia tanto ódio naquela voz que Phoebe quase podia sentir isso. Stavis se

colocou entre ela e Martinsburg, Adam tinha náuseas. Harris grunhia, mas o ouviu

começar a levantar-se.

Tommy olhou para Pete, e Pete veio até ele, preparando o bastão.

A primeira figura que saiu da floresta era do tamanho de Adam. Para Phoebe, que

tinha a cabeça a mil por hora, lhe pareceu se materializar do nada. Atrás das

árvores e arbustos surgiram duas figuras (a garota de cabelo platinado que gostava

de saias curtas e um cara de cabelo branco com um fio vermelho desbotado),

depois mais, até que foram seis pessoas ao redor. Harris, ainda sem seu bastão, e

esfregando o peito, como se quisesse remover a marca do sapato de Adam fez

outro comentário quando a sétima figura apareceu detrás dele, no caminho.

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Dava calafrios em Phoebe o silêncio com o que os recém chegados haviam

aparecido; e sentiu mais calafrios ainda ao ver que outra figura aparecia para se

colocar entre Stavis e ela.

— Colette? — sussurrou.

Martinsburg e seus amigos se agruparam, sem saber bem como reagir ante

a nova mudança dos acontecimentos. Havia oito garotos no total, rodeando-os,

imóveis como lápides.

O gigante, de movimentos lentos, ajudou Tommy a se levantar. Tommy

lançou a Pete um olhar que, ainda inexpressível, era uma ameaça inconfundível.

O menino estranho se endireitou, e Phoebe viu que era inclusive mais alto

que Adam. Erguia-se sobre Stavis e Pete igual às arvores cinzas que os rodeavam; a

lua recém saída lançava sua sombra sobre eles, como se fossem uma mortalha.

— Pode..., ser..., que..., não..., volte... — disse ele, sua voz cheia de força.

O círculo de garotos mortos começou a se aproximar. O gigante falou e

todos deram um passo para frente, fechando o cerco. Harris foi o primeiro a

escapar, mesmo Martinsburg e Stavis o seguiram rapidamente.

Phoebe, com os olhos arregalados, pensou ter visto um sorriso nos lábios de

Tommy, mas o momento passou. Correu para Adam, que ainda estava tentando se

livrar dos efeitos colaterais do bastão no estômago.

— Você está bem? — lhe perguntou, agachando-se ao lado dele. Ele tinha

um pé quebrado, além de galhos e folhas por toda parte. Explicar aos seus pais

seria divertido.

— Como uma Ro-sa.

Os meninos mortos começaram a dispersar em silêncio, arrastando os pés

de volta à floresta, por onde cada um tinha chegado.

Um deles, o garoto de cabelo vermelho, deixou escapar um estranho som

agudo, e Phoebe se deu conta de que tentava rir. A menina de minissaia sorriu e se

despediu muito alegre e feliz, antes de pular fora ao longo de um caminho coberto

de agulhas de pinheiro.

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Phoebe procurou Colette com seus olhos e a viu justo quando ela dava a

volta para desaparecer na floresta. No final, havia apenas Tommy e o Gigante.

— Este é Mal. — lhes explicou Tommy. — É..., grande.

— Olá Mal! — o saudou Phoebe, e Mal começou a levantar o braço.

— Tommy! Está ferido? Meu Deus, eles estavam te batendo com esses

bastões de beisebol!

Mal terminou de levantar o braço e moveu três dedos. Phoebe se deu conta

que a estava saudando.

Tommy moveu a cabeça de um lado a outro.

— Os golpes não doeram..., tanto..., como a..., intenção..., dos golpes.

— Tommy. — disse ela, e Adam tossiu.

— Cuide do…, seu amigo. E… — Tommy fez uma pausa, mas algo fez Phoebe

pensar que não era a lentidão de morto que o freava, sim a tentativa de encontrar

palavras adequadas. ― Agradeça-o..., por mim.

Viu como Tommy se metia no bosque com Mal atrás, como se fosse uma

sombra enorme.

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CAPÍTULO 9

Phoebe olhou para a floresta pela suja janela da caminhonete de Adam,

pensando nos rapazes e se perguntando de onde haviam saído. Não tinha dormido

bem, e Adam levá-la para a escola fazia com que os recentes acontecimentos

parecessem ainda mais surrealistas.

Ontem à noite, Adam não tinha dito nem duas palavra na volta para casa, e

aquela manhã era ela que não queria falar.

— Você sabe o que aconteceu na noite passada? — Adam perguntou. — O

que foi? Nem sequer conhecia a metade dos rapazes.

— Colette. — respondeu ela. O coração estava tão rápido que parecia ter

triplicado a dose de cafeína pela manhã. — Colette estava lá.

— Sim, Colette. — disse Adam, depois de um momento de silêncio. — E a

menina na lanchonete, a reconheci. Mas quem era aquele cara negro tão grande e

que lhe sorria? De onde saíram todos?

— Eu não tenho ideia.

— Você sabe? Alguns estavam assistindo ao treino no outro dia. Não vão a

nossa escola, né?

— Alguns sim, mas Mal não.

— Colette não te disse nada, certo?

— Não, não me disse nada.

Adam balançou a cabeça, como se entendesse o significado daquilo.

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— Apenas posso dizer-lhe que foi muito estranho. É como se morassem lá

ou algo... Bem, como dizer.

— Sem falar que te acertaram com um bastão de beisebol. — disse Phoebe,

abraçando-se. — Com um bastão de beisebol, Adam.

— Sim. Sim, nunca tinha me acontecido. Isso me deixou sem fôlego.

Phoebe olhou-o e viu que seu amigo estava sorrindo, como se tivesse sido

uma aventura.

— Mmm... Adam, o futebol te deixou insensível? Como você pode falar tão

calmamente sobre o que aconteceu?

— Não é minha primeira briga. — respondeu ele, encolhendo os ombros.

Embora seja a primeira com socos.

— Isso é tudo o que tem a dizer? Nós vimos como eles batiam em Tommy.

Com socos. Acho que tentavam matá-lo.

— Ele já está morto, então...

— Adam! — ela exclamou em voz alta o suficiente para assustá-lo. — Você

me entendeu!

— Ok, ok. Sinto muito. Acho que eu não tinha visto desse jeito.

— Poderiam também ter feito mal a nós se os amigos de Tommy não

tivessem aparecido.

— Eu não acho que teriam feito Pheeble. Penso que...

— Então, está bom esmagar um Deficiente Vital?

— Eu não quis disse isso. Acho que...

— Vamos deixar para lá, ok? — ela disse, virando-se para sua janela.

— Desculpe. — insistiu ele, depois de um momento. — Acho que nem

sequer pensei sobre a ameaça. É que era tudo tão estranho...

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Phoebe não respondeu e continuou olhando pela janela. A ela também tinha

parecido estranho; conforme passavam os quilômetros, menos teria estranhado se

um Deficiente Vital saísse de repente da floresta.

— Aliás, o que você estava fazendo lá? — perguntou Adam.

— Eu prefiro não falar agora, ok? — respondeu ela, fechando os olhos

firmemente. — Podemos deixar para depois?

— Claro Pheeble. — respondeu ele, tocando-a brevemente no ombro. —

Claro.

Phoebe não sabia por que tinha vontade de chorar. Abriu os olhos e viu

dezenas de meninos mortos andando pela floresta ao longo da estrada. Piscou e

desapareceu. Olhou para Adam, tão forte e seguro como um carvalho. Estava

tentando me salvar, pensou, e o sentimento de culpa aliviou a raiva.

— Antes tivesse conseguido dormir um pouco na noite passada. Bem o que

eu precisava, pensou. — Começo a ter visões.

— Engraçado, mas eu dormi muito bem. É a violência, sabe? Ir batendo nas

pessoas, vivas ou mortas, é bom para minha paz interior.

— Você é um idiota, Adam. — disse Phoebe, mas quando o olhou nos olhos,

não pôde evitar um riso nervoso.

Ela queria tirar um cochilo rápido na caminhonete quente e segura, mas

quando voltou a abrir os olhos, Oakvale High já esperava por eles e pelos alunos

que saiam dos ônibus estacionados no portão. Adam encontrou um lugar no

estacionamento para alunos e foi para o prédio.

Chegaram justo quando Tommy Williams saía do ônibus. Ele usava calça

jeans novas, sapatos novos e uma camiseta pólo azul marinho.

— Ninguém diria que lhe deram uma surra na noite passada. — sussurrou

Adam.

— Não. — Phoebe concordou. A verdade era que ele estava com a aparência

muito boa. Impecável.

Tommy os viu e tentou sorrir. Quando os saudou com a mão, Phoebe

esqueceu-se do seu cansaço.

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Margi, que não tinha elegância social nem a compreensão de Adam,

começou a incomodá-la quando a viu.

— O quê aconteceu, Pheeb? Meu Deus, você está horrorosa.

— Obrigada, Margi. Eu sempre posso contar com você para melhorar a

minha abalada auto-estima. — Phoebe respondeu, rindo.

— Não, realmente. — ela insistiu, rodeando o ombro de sua amiga com o

braço cheio de pulseiras. — O que foi isso? Aconteceu alguma coisa?

— Sim, uma coisa aconteceu. — disse ela, arrependendo-se

instantaneamente.

— O quê? O que foi?

— Nada. — disse Phoebe, tentando voltar atrás. — Era brincadeira.

Seu armário abriu de primeira; ou melhor; sua sorte estava mudando.

— Phoebe, fale comigo. Você brigou com seus pais? Com Adam? Ele quer

sair com você?

Como Phoebe tinha passado milhares de vezes pelo interrogatório de Margi,

sabia que, ao final, chegaria na questão do "menino morto".

— Colette..., Deus. Ontem à noite eu vi Colette.

A estratégia funcionou; era o único tópico que poderia fechar a boca de

Margi, e nem mesmo era mentira. Sua amiga estreitou os olhos sob as pontas rosa

de sua franja.

— Teremos que falar com ela, Margi.

Margi mordeu os cantos dos lábios, o mesmo canto que havia perfurado no

verão passado.

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— Você não podia salvá-la. — disse Phoebe, — Ela não morreu por sua

culpa, não é culpa de ninguém. — Margi desviou o olhar, enquanto os alunos

passavam em seu caminho para a aula. — Nós não reagimos bem.

— Eu sei, eu sei. — respondeu Margi afinal.

— Mas teremos outra chance. Podemos...

— Eu sei. — disse Margi, levantando a voz. — Eu sei, eu sei, eu sei! Mas não

posso fazê-lo agora!

Virou-se e afastou-se pelo corredor a toda velocidade.

Phoebe a observou, perguntando-se porque havia se empenhado em irritar

a todos seus amigos em uma única manhã.

— Espera Margi! — chamou-a, correndo para alcançá-la.

— Nem mais uma palavra.

— Meus lábios estão selados. — assegurou-lhe Phoebe enquanto entravam

na sala de aula.

Poucos minutos depois, a voz da diretora Kim surgiu nos auto-falantes após

os anúncios da manhã para informar-lhes que haveria uma assembléia geral, logo

depois do tutorial, e que os alunos deveriam dirigir-se sem fazer escândalo, para o

auditório.

Margi, que não era das mais silenciosas, aproximou-se de Phoebe e agarrou

seu antebraço. Ela usava caveiras rosas sorridentes, pintadas sobre as unhas

pretas.

— Sim. Nós nos livramos da aula de história!

Phoebe sorriu de volta, Margi sempre se recuperava rapidamente das

brigas, o que era bom para compensar, tendo em conta o seu temperamento. Soou

a campainha e foram para o auditório. Os corredores já estavam cheios de alunos.

Phoebe viu a cabeça de abóbora de TC Stavis elevar-se sobre o mar de

estudantes. O auditório era o dobro do tamanho que o necessário para o número

de matriculas de Oakvale High; Margi e ela acabaram em um par de assentos no

centro daquela caverna em forma de vaso.

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— Desce até as primeiras filas. — o Sr. Allen pediu a elas, sem variar a

inflexão de sua voz. — Preencha todos os lugares vazios.

Phoebe percebeu que havia alguns assentos vazios em torno dos poucos

garotos mortos que estavam espalhados pelo auditório.

— É pela angariação de fundos? — Margi perguntou. — Espero que não. Se

assim for, espero que não queiram vender velas. Quem vai querer comprá-las? Por

quinze dólares?

Para Phoebe não parecia que tivesse nada a ver com as velas. Viu que a

diretora Kim, alegre e enérgica, com sua roupa cor pêssego, conduzia duas pessoas

ao palco. A primeira era uma menina vestida com uma roupa azul, era loura, usava

os cabelos em um simples rabo de cavalo e tinha óculos de aros escuros e lentes

grossas. Uma mulher linda.

Ela parou na beira do palco para ajudar seu acompanhante, um frágil e

velho homem que segurava seu braço, enquanto o Sr. Hill, o professor de ginástica,

ajudava-o pelo outro lado. Para Phoebe era fatal adivinhar a idade das pessoas com

mais de vinte anos, mas calculava que aquele homem estaria com uns oitenta. Ele

virou-se brevemente para a platéia enquanto subia muito lentamente as curtas

escadas, e para Phoebe pareceu familiar o nariz vincado e o cabelo branco

penteado.

— Quem é o vovô? — Margi perguntou.

Como não conseguiu identificá-lo, balançou a cabeça.

A diretora Kim pediu silêncio e apresentou os desconhecidos.

— Hoje temos entre nós duas pessoas que dedicaram suas vidas a promover

a diversidade. Antes dos acontecimentos dos últimos anos, o termo diversidade

frequentemente usava-se para descrever as diferentes culturas, religiões, etnias ou

orientações sexuais. Hoje, o termo também pode aplicar-se aos diferentes estados

do Ser. Alish Hunter e sua filha Angela criaram a Fundação Junter para o

Desenvolvimento e Compreensão das Pessoas com Diferente Fator Biótipo e hoje eles

estão aqui para falarmos sobre uma excelente oportunidade para os alunos desta

escola. Por favor, vamos receber Angela Hunter com aplausos.

Os aplausos começaram com pouco entusiasmo, mas aumentou de volume

quando os homens do público, com os hormônios alterados, perceberam como

Angela Hunter era bonita. Com aquele estudado aspecto de rato de biblioteca, que

fez Phoebe se lembrar de uma jovem professora de um vídeo-pesado dos anos

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oitenta, que rasgava a roupa que a limitavam enquanto começava o solo de

guitarra, para revelar um biquíni rosa chiclete e um incrível bronzeado. A Srta.

Hunter sorriu formando covinhas, quase um sorriso cúmplice, o que sugeria que

havia calculado exatamente a resposta da multidão.

— Obrigada, diretora Kim. — disse. — E obrigada, estudantes de High

Oakvale, por sua atenção e por me permitir falar-lhes hoje sobre as pessoas com

diferente fator biótipo. Nós, os membros da Fundação Hunter; utilizamos a

expressão "Diferente Fator Biótipo” para nos referir àqueles aos que vocês e

muitos outros chamam Zumbis, cadáveres, cabeças mortas, os não-mortos, comida

para vermes, monstros, mortos-vivos, os filhos de Romero e outros apelidos

pejorativos projetados para machucar e marginalizar.

— Buf. — sussurrou Margi.

A inquietude hormonal gerada pela Srta. Hunter desapareceu graças à

velocidade e sensatez com a qual havia jogado uma granada mental na sala.

Phoebe percebeu que quase todos os alunos estavam tão quietos como...

bem, como uma pessoa com diferente fator biótipo.

— Na Fundação Hunter nós acreditamos que até o termo “Deficiente Vital",

mesmo sendo criado com a melhor das intenções, é pejorativo já que implica em

que, as pessoas que apesar de não estarem vivas, continuam entre nós, estão

quebradas ou defeituosas. Da mesma forma que o termo "deficiente" acabou

considerando-se um insulto às pessoas com capacidades diferentes, o termo

Deficiente Vitais também é um insulto para os que levam vidas com diferente fator

biótipo. No entanto, na Fundação Hunter nós acreditamos que, para o diálogo sobre

a compreensão e a integração das pessoas com diferentes fatores biótipos, seja

suficiente para definir os seus termos. Uma coisa é criar a linguagem apropriada

para o discurso e outra desenvolver a cultura até alcançar a aceitação e

acreditamos que a forma certa de alcançá-lo é utilizando a ciência, tanto a ciência

tradicional como as ciências sociais.

— O queee? — comentou Margi, mas Phoebe mandou-a se calar.

— Acreditamos que as pessoas com diferentes fatores biótipos estejam, na

verdade, vivas..., mesmo que ninguém ainda saiba como isso é possível. Parte do

nosso trabalho na Fundação consiste em descobrir como funciona uma pessoa com

diferente fator biótipo, do ponto de vista biológico. No entanto, queremos também

descobrir como eles funcionam a partir de uma perspectiva psicológica. Essas

pessoas, por seu fator biótipo, pertencem a um grupo cultural muito reduzido. Eles

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são uma verdadeira minoria, e a condição de minoria tem, sem dúvida, umas

profundas implicações psicológicas.

Psiquiatra para os não-mortos; pensou Phoebe.

— Outra das funções da nossa Fundação, e a nas quais vocês mais podem

nos ajudar, é usar os resultados dos nossos estudos e programas de maneira

prática. Nosso objetivo é a integração plena das pessoas com diferente fator

biótipo na sociedade. Sonhamos com um mundo em que eles possam caminhar por

uma rua movimentada sem medo. Entendemos que, para realizar o nosso sonho,

também as outras pessoas dessa rua movimentada devem ser capazes de andar

por ela sem medo de seus concidadãos. Para isso, pedimos voluntários para

participar de nosso laboratório de treinamento. Seu Instituto é único em

Connecticut, já que têm o maior índice de pessoas com diferentes fatores biótipos,

portanto, vocês têm tanto a responsabilidade quanto o privilégio de ajudar a

ensinar ao resto do país e do mundo que as pessoas com DFB têm para oferecer, e

vice-versa. Damos a vocês a oportunidade de aprender mais sobre vocês mesmos

e sobre aqueles que não são como vocês. A Fundação Hunter, mesmo que conte

com uma economia sólida não desfruta de um grande apoio oficial. A questão dos

direitos das pessoas com DFB continua sendo uma bomba política.

Compreendemos que unir-se a nós exige certo grau de coragem e força emocional,

mas os que estiverem interessados em adotar uma atitude social positiva, com o

risco de atacar as normas da sociedade, descobrirão que trabalhar conosco pode

ser uma experiência muito gratificante. Temos alguns amigos no campo político e

temos tentado a homologação do nosso programa de estágio. Os que se

candidatarem receberão crédito de nível avançado, sempre que prestarem toda a

sua atenção para o programa.

Ela fez uma pausa para que a informação fosse assimilada. Phoebe se

perguntou se bastaria a isca de créditos para interessar a alguém. Para muitos dos

estudantes na platéia esse assunto os revoltava, então olhou ao seu redor para ver

o que os estudantes com diferentes fatores biótipos pensavam sobre o assunto.

— As práticas têm duas partes. Em primeiro lugar: vocês teriam que

trabalhar. Contamos com vários cargos que precisamos cobrir na Fundação:

administração, manutenção e segurança. Será pago por seu tempo. Em segundo

lugar: vocês vão participar de uma reunião semanal focada no tema que nos ocupa,

em que os estudantes de fator biótipo tradicional encontram-se em uma discussão

moderada com os estudantes com DFB. O objetivo será sempre a aceitação;

entendemos que o caminho para a aceitação só pode ser atingido graças a

compreensão mútua. — fez uma pausa, apreciando o silêncio da sala. — Alguma

pergunta?

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Levantaram-se poucas mãos. Angela sinalizou para uma das primeiras filas.

— O que você quer dizer com Diferente Fator Biótipo? Está dizendo que as

pessoas mortas estão vivas?

Phoebe não via a menina que havia feito a pergunta, mas, sim o sorriso

irônico da Srta. Hunter.

— Não. — respondeu. — Estou dizendo que eles têm um diferente fator

biótipo..., que não vivem da mesma maneira que você ou que um cogumelo, por

exemplo. — Phoebe sorriu, e os garotos mais inteligentes da escola riram. — A

verdade é que não entendemos a biologia das pessoas com DFB. É um dos campos

que a nossa Fundação pretende explorar.

— Por que apenas os adolescentes voltam convertidos em Zum... Em

pessoas com Diferente Fator Biótipo?

— Biótipo. Nós ainda não sabemos, nem tampouco por que o fenômeno só

parece ocorrer entre os adolescentes americanos. Sem dúvida, certamente que isso

nos dá uma pista, uma das teorias mais populares afirma que os processos de

imunização pelos quais passam os adolescentes americanos disparam de alguma

forma o processo.

A Srta. Hunter sinalizou com a cabeça para uma garota que estava nos

assentos próximos dianteira da sala.

— Meu pai diz que não é natural que as pessoas voltem da morte. Diz que na

Bíblia fala que os mortos se levantarão de seus túmulos, e que isso significa que o

mundo vai acabar em breve.

A Srta. Hunter franziu a testa, mas para Phoebe pareceu que era mais por

concentração do que por chateação.

— Com todo o devido respeito pelas crenças de seu pai. — respondeu ela,

sem sair do tom. — Em nossos exaustivos estudos não descobrimos nada que

sugira que o fenômeno das pessoas com DFB seja um sinal do Apocalipse.

Naturalmente, podemos estar errados, mas nós preferimos considerar o assunto

como um enigma científico, em vez de um dilema metafísico.

Houve um braço pálido entre os poucos levantados e, quando a Srta. Hunter

sorriu e o sinalizou, a pergunta demorou a chegar.

Phoebe notou que Margi prendia a respiração ao seu lado. Colette.

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88

— Também..., podem..., entrar..., pessoas..., mortas?

Phoebe pensou que todos os comentários de Colette depois de sua morte

cabiam em um único Post-it.

A resposta de Angela foi efusiva.

— Claro que sim. Como eu disse, Oakvale High tem a honra de ser a

primeira Instituição do Estado a criar um programa de estudos sobre as pessoas

com DFB. Acho que a experiência será mais gratificante para todos se contarmos

com bastante participantes dessas características. — centrou-se em Colette

enquanto falava, como se o calor do seu sorriso pudesse devolver-lhe um pouco de

cor as suas pálidas bochechas mortas. — Acho que temos tempo para outra

pergunta... Sim, o de suéter azul.

— Quanto; vocês pagam?

— Com certeza você vai ganhar mais no shopping. — a Srta. Hunter

respondeu sorrindo. — Mas as práticas educativas serão melhores para a sua

solicitação à universidade do que um trabalho de tempo parcial vendendo rolos de

canela em Cinnabon13.

A diretora Kim se juntou a Angela no palco. A convidada esperou até que

acabassem as risadas educadas e disse: — Obrigada a todos por nos dar a

oportunidade de falar aqui hoje. Espero ver muitos de vocês na Fundação.

A diretora Kim começou a aplaudir e permitiu que os alunos fizessem o

mesmo, com relutância, durante alguns minutos antes de falar sobre o

funcionamento do processo de candidatura, os requisitos e o número máximo de

participantes.

— A Srta. Hunter e eu entregaremos os pedidos em frente ao palco, ou, se

vocês preferirem, em meu escritório. Tem que devolvê-los antes de sexta-feira.

— Bem, apesar de tudo, foi melhor do que história. — comentou Margi. —

Pena que não perdemos também inglês. Phoebe..., aonde você vai?

Phoebe olhou-a, mas manteve silêncio e se juntou as poucas pessoas com

diferente fator biótipo que caminhavam em direção contrária a maré de alunos

ansiosos em sair do auditório.

13

Os Cinnamon Rolls ou Cinnamon Buns são muito conhecidos nos Estados Unidos e consistem num

rolo de massa lêveda adocicada, recheado com nozes e canela.

Page 89: Geração Morta

89

Viu Tommy, Colette, o menino que tinha visto na floresta na noite passada

(Evan) e alguns outros. Adam esperava no final de uma fileira de assentos.

— Você vai se inscrever? — perguntou-lhe Phoebe.

— Sim, e você?

— Ahã.

Não havia muitos interessados, mas isso não fez com que vacilasse o quente

sorriso de Angela Hunter ao entregar-lhe a inscrição, que consistia de três folhas

de papel presas com um grampo cinza.

— Poderia levar dois? — perguntou para a cientista. —Talvez eu possa

convencer minha amiga a participar.

— Leve um bloco inteiro. — respondeu a Srta. Hunter, entregando-lhe mais

cópias. — Eu não acho que precisaremos de todas elas.

Phoebe passou por Colette no caminho de volta, e Colette pareceu vê-la pela

primeira vez desde sua morte. Ela deu a impressão de que tentava sorrir.

Pete Martinsburg não sorria. Ele tinha passado toda a reunião olhando para

a loira sexy.

Não havia dormido bem desde o fiasco na floresta e, quando conseguia

dormir, sonhava com Julie, mas não com a Julie do amor adolescente, os gelados

copos de sorvete e os treze anos, e sim com a Julie morta e de volta à vida. Sonhava

que passeava com Julie de mãos dadas, mas na realidade não era a mão de Julie,

mas a de Tommy Williams.

— Ela não pode voltar. — dizia-lhe Tommy no pesadelo. Mas, no sonho, era

Pete que se movia lentamente; o Tommy do pesadelo entrou rapidamente no carro

que Pete tinha estado dirigindo por todo o verão. O carro em que ele nunca tinha

sentado com seu pai.

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90

— Agora você já sabe como é... — ouviu dizer a fria e vazia voz em sua

cabeça, enquanto o Zumbi arrancava com o carro. — ...estar morto.

O carro acelerou a velocidade da luz até uma parede de tijolos que havia

surgido do asfalto e se quebrou formando uma nuvem amarela, que explodiu em

chamas; Pete acordou com os gritos de Julie e o riso do menino morto ecoando em

sua cabeça.

Mas, obviamente, Julie, a Julie real, não a Julie cinzenta de olhos vazios que

caminhava por seus sonhos, não tinha conseguido gritar.

O simpático pai de Pete tinha-lhe dado a notícia com seu tato habitual, pelo

telefone, com um continente entre ele e seu filho. Ele havia ligado no Natal, e soltou

logo depois de Pete tentar lhe contar que tinha sido um herói futebolístico naquela

temporada, os pontos e as intercepções que ele havia conseguido para os

Badgers.14

— Ah, ei, Pete. — disse-lhe seu pai. Pete se lembrava da conversa com todo

requinte de detalhes, como lembrava todas as conversas que teve com seu pai após

a separação. — Ei, lembra aquela garota, Julie, com a que você brincava neste

verão? — brincava, como se tivessem brincado às escondidas. — A filha da Marissa?

Lembra-se da Marissa, a mulher com a qual saía? — Pete se lembrava dela e seu

medo crescia. Seu pai só dava boas notícias quando não dizia nada. — Bom, pois é;

sua filha, Julie, morreu duas semanas após voltar para sua mãe. Um golpe. Ela teve

um ataque de asma enorme. Dizem que o que desencadeou foi uma picada de

aranha ou algo assim.

Um golpe.

Observou Angela Hunter rir com Layman e Pantynegros, e a caneta com a

qual ele tinha estado tamborilando nas costas da cadeira na frente dele, quebrou

em sua mão, derramando uma grande bolha de tinta azul.

Ele limpou a tinta do assento ao lado. Seu pai não tinha nem ideia do que

Pete sentia por Julie, como não tinha nem ideia de que Pete nunca voltaria a sentir

nada assim por ninguém.

A triste história de Dallas Jones, o primeiro Zumbi, chegou poucas semanas

depois que seu pai lhe deu a notícia da morte de Julie. A princípio, Pete havia

secretamente se apegado à esperança de que Julie regressasse, mas, quando não o

fez, também não se surpreendeu. A pessoa nunca ia completamente da vida de

Pete, mas tampouco – voltava – de verdade.

14 Nome do Time. Significa Texugos.

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91

Sua mão estava azul desde a base do dedo mindinho até o pulso. Os alunos

tinham começado a sair do auditório, mas não Morticia Pantynegros, que ainda

estava com a loira sexy, tentando entregar formulários de inscrições. Phoebe tinha

algo que lhe lembrava Julie.

Não tinha certeza do por que Pantynegros provocava-lhe aquela sensação.

Julie não tinha absolutamente nada de gótico, nem usava vestidos e botas. No

entanto, havia algo... uma expressão, um sorriso. Alguma coisa.

Ficou olhando para Phoebe por um tempo e depois foi lavar as mãos no

grande banheiro que havia próximo ao auditório. Pôs a água tão quente quanto

pôde, jogou seis jatos de sabão rosa para mãos nas palmas e esfregou bem. Então

abriu a porta do banheiro e ouviu alguém entrar arrastando os pés.

Ele franziu a testa, levantou os olhos e encontrou o rosto cinza azulado de

Tommy Williams refletido no espelho manchado.

— Pensei que vocês não usariam muito este cômodo — comentou Pete,

sorrindo enquanto agitava as mãos na pia. — Tendo em conta que suas “partes” já

não funcionam. Não funcionam certo?

Observou como Williams abria e fechava os punhos.

— Deixe-me..., em paz. — disse o menino morto, e sua estranha voz ecoou

nas canos e nos azulejos. — Deixe a... Phoebe..., em paz.

Pete pensou em secar as mãos na camiseta do menino morto, mas a ideia de

aproximar-se do seu corpo sem as ombreiras e as luvas lhe dava náuseas. — Você

é o único que deveria deixá-la em paz, monstro.

Tommy deu mais um passo na direção de Pete e Pete se assustou por um

segundo, porque a verdade era que não sabia o que poderia fazer se o Zumbi o

atacasse ou tentasse pegá-lo. Não o assustava brigar com ninguém da escola, desde

Adam para baixo... Desde que fosse alguém vivo, é claro. Já havia tentado uma meia

dúzia de maneiras diferentes para feri-lo na prática, mas o Zumbi tinha tirado-o de

cima como se fosse uma gota de suor.

— Eu sei... o que você está..., pensando. — disse Tommy, levantando o canto

da boca, em uma doente tentativa de esboçar um sorriso. — Está pensando..., o

que..., faço... , se..., ele me bater? O que..., faço..., se ele..., colocar as..., mãos..., em

mim?

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— Você não pode entrar na minha cabeça. — Pete respondeu, mas viu que

Tommy levantava a mão e cobria o interruptor de luz.

O menino olhou para a porta, não queria ficar no escuro com o Zumbi, nem

naquele banheiro, nem em qualquer lugar, nunca.

— Eu já estou em sua..., cabeça. — Tommy respondeu, com um sussurro

cortante. Pete sentiu o sopro de ar na bochecha e estremeceu. — Tente o que

quiser no treino. Só serve para..., me deixar..., mais forte. Mas não..., ameace..., meus

amigos.

Embora Pete estivesse prestes a responder, não encontrou palavras para

fazê-lo e, então, as luzes se apagaram. Ele jogou seu punho no ar sem bater em

nada, e mais outro com o mesmo resultado, depois, cobriu-se, esperando por um

turbilhão de socos que não ocorreram. Um segundo depois a porta do banheiro se

abriu e o cômodo iluminou-se com a claridade do movimentado corredor.

Tateou a parede às escuras e acendeu as luzes antes que Norm Lathrop

entrasse. Norm hesitou ao ver Pete, provavelmente se remoendo se devia fugir por

onde havia vindo antes que o outro cara pudesse aterrorizá-lo.

— Saia do caminho. — disse Pete. Pegou uma toalha de papel do dispenser e

enxugou a testa.

— Desculpe. — disse Norm, que estava prestes a dar um passo a caminho

dos urinóis15.

Tenho que fazer algo com esses malditos Zumbis. Pete pensou abrindo a

porta do banheiro com um soco.

15 http://www.geberit.pt/geberit/inet/pt/wcmspt.nsf/pages/prod-wcpu-urin-1

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93

CAPÍTULO 10

— Bem. — disse Phoebe, colocando-se no assento da janela. Não havia

muitos estudantes no ônibus, mas Margi e ela costumavam compartilhar um

assento duplo.

— Bem, o quê?

— Bem, o que você acha?

— Sobre o quê? — Margi perguntou, estava se fingindo de desentendida.

— A reunião, tonta.

— Ah, não sei. — respondeu e, em seguida, tirou seu iPod da mochila e

começou a revisar a longa lista de bandas.

— Eu vou me oferecer. — Phoebe disse com um suspiro. — Se me

aceitarem.

— Eu já imaginava. — disse Margi. Escolheu uma música do álbum solo de

MT Graves, All the Graves are Empty Except Mine16 e aumentou o volume até que as

duas pudessem ouvir um fraco gemido sobre o barulho do ônibus. — Vão te

aceitar.

— Você já imaginava? — Phoebe repetiu, dando com o ombro em sua amiga.

— Você e eu contra o mundo, hein, Margi?

— Sim. Eu sei por que você tem ficado depois das aulas, Pheebes. Sei que

não tem nada a ver com o trabalho de história.

— Ah! Mas eu terminei o trabalho.

16 Todos os túmulos estão vazios, exceto o meu.

Page 94: Geração Morta

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Margi devolveu o toque de ombros, como se agradecesse a ela por não

inventar uma desculpa estúpida que envergonhasse a ambas. O olhar de Margi

costumava ter um ponto duro, mas naquele momento era carinhoso e parecia

assustado.

— O que se passa entre vocês dois?

Phoebe virou-se para a janela, já haviam chegado às estradas rodeadas de

árvores. Não viu nenhum Zumbi balançando-se entre as bétulas e carvalhos (bem,

nenhuma pessoa com Diferente Fator Biótipo).

— Eu não sei o que acontece entre nós. Não sei se acontece alguma coisa. Há

uma ligação, não sei qual. Estamos nos comunicando, e isso não acontece sempre

com nenhum de nós dois, com ninguém, esteja vivo ou morto.

— É o que temos escolhido; mais ou menos. — Margi coincidiu. — Mais ou

menos.

Elas ficaram em silêncio por alguns minutos, o que era muito raro em Margi.

— Você se inscreverá comigo? — Phoebe lhe perguntou, e Margi encolheu

os ombros. — Vamos, Gee. — insistiu. — Somos as irmãs estranhas, certo?

— Menos uma. — Margi sussurrou, descansando a cabeça no ombro de

Phoebe.

— Gee...

— Não, eu sei, eu sei. Quem sabe seja bom. Pode ser que eu aprenda a falar

com ela ou algo assim.

— Com Colette?

— Sim, com Colette.

— Pode. Pode ser que sim. Isso seria ótimo, né?

— Claro. Mas é muito estranho, sabe? Está acontecendo alguma coisa, algo

está mudando. Por que não há nenhum rapaz morto no ônibus. Nem Colette, nem

seu amigo, nem o outro. Eles não têm um carro.

Phoebe olhou em volta. Os meninos mortos nunca perdiam o ônibus de

volta. Margi tinha razão, era estranho.

— Nem tinha me dado conta.

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95

Margi se remexeu sobre seu ombro, como se concordasse. E esfregou os

olhos.

— Eu não tenho bom cérebro para tudo, você sabe? Eu também vejo coisas.

— Eu já sei Gee.

— Você me avisará se... Tommy e você se tornarem mais do que amigos?

— Eu te avisarei. Nem sequer sei se somos amigos.

— Pheebes e Gee contra o mundo, certo? — disse Margi, fungando.

— Isso. — afirmou Phoebe, envolvendo-lhe os ombros com o braço.

O velho ônibus parou com um grunhido em frente à casa de Phoebe, e Rae, a

motorista, anunciou: — Boa noite, senhoritas.

Era o que ela dizia sempre que desembarcaram. Rae não discriminava

ninguém, despedia-se da mesma forma de todos os estudantes, tanto vivos como

mortos.

Gargoyle as recebeu na porta, movendo o traseiro com alegria canina

quando Margi se inclinou para pegá-lo em seus braços e deixar que lambesse seu

rosto.

— Tenha cuidado. — Phoebe advertiu. — A maquiagem é venenosa para os

cachorros.

— Cala a boca grande e pegue alguma coisa para comer. Eu levo o meu

menininho bonito na rua.

Phoebe ligou o aparelho de som e a casa encheu-se com as músicas de The

Empire Hideous.17 Pegou uma cafeteira da geladeira e serviu o café em copos altos

com muito creme, muito açúcar e muito gelo, porque era assim que elas

gostavam. Havia um saco de batatas fritas, uma caixa de biscoitos salgados e alguns

Hummus18.

Margi voltou com Gargoyle e começou a cantar com Myke Hideous, sua voz

rouca pegava bem com a entonação sombria do cantor. Phoebe sorriu com carinho.

— Qual a bebida de hoje? — perguntou Margi, deixando Gar no chão. O

cachorrinho foi para o sofá e subiu com um pulo. 17 Banda de hard rock que foi criado por Myke Hideous. 18 É um alimento popular em todo o Oriente Médio e outros lugares.

Page 96: Geração Morta

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— Créme Brulée — Phoebe respondeu, aproximando a bandeja de Margi

para que pegasse um dos copos.

— Mmmm, está doce.

— Vai ver é por todo o açúcar que eu coloquei.

— Sim, boa escolha. Bem, o que faremos, além de..., nos cafeínar?

Phoebe levou a bandeja para a mesa de centro e sentou-se ao lado

de Gar, que rolou para que esfregasse sua barriga.

— Na semana passada, gravei uma coisa. Ocorreu-me que poderíamos vê-lo

juntas.

— Oh, oh. Meus sentidos aracnídeos19 me dizem que é uma armadilha.

— Ow, Margi, estou impressionada. Primeiro; bi-locação e agora

clarividência. Seus poderes telepatéticos estão despontando.

— É esse vínculo psíquico que compartilhamos, porque, se algo pode ser

dito de você, é que você não é previsível. Você ficar caidinha por um menino morto,

você não podia prever e nem eu.

Phoebe jogou-lhe uma almofada.

— O programa foi lançado na CNN. Chama-se: Os Jovens não mortos da

América.

— Eu começo a ver um padrão nisso. — disse Margi, caindo

desajeitadamente ao seu lado, com Gar entre as duas. — Acho que nós não

podemos apenas ouvir Empire Hideous e ponto, né?

— Não. Hoje vamos desenvolver a nossa consciência social. É alguma coisa

de atualidade. Ouvi dizer que as pessoas com diferentes fatores biótipos estão na

moda.

— Sim, eu também.

Phoebe ligou o televisor com o controle remoto enquanto usava o controle

do aparelho de som com a outra mão para desligá-lo.

19 Os aracnídeos são as aranhas, ácaros, carrapatos e escorpiões etc.

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97

— Se você se dá bem, deveria ter nascido tio. — comentou Margi.

— Sou muito bonita. E eu gosto de cheirar bem.

O programa começou com uma montagem narrada por alguém que

dominava o tom sombrio e monótono. Depois deram um breve resumo do vídeo de

Dallas Jones com algumas explicações sobre o início do fenômeno Deficientes Vitais,

juntamente com gravações de áudio do Reverendo Nathan Mathers, que parecia

pensar que o retorno dos mortos à vida era um sinal claro do Apocalipse. A

montagem terminou com o narrador, sugerindo que, como acontece com qualquer

nova tendência na sociedade americana, alguém tentaria tirar proveito do

fenômeno, depois colocaram um homem bem vestido e com amplo sorriso

assinando cópias de um livro chamado: Os mortos não têm vida - O que os pais

precisam saber sobre seus filhos mortos.

Phoebe esfregou as têmporas.

— Poderes telepatéticos em ação. — disse, tentando imitar a voz do

narrador: — No que não cabe a dúvida é que o fenômeno dos Deficientes Vitais tem

feito tremerem os alicerces da sociedade americana.

— E sem de dúvida. — continuou o narrador. — É que a presença dos

Deficientes Vitais alterou para sempre o modo de vida americano... Por assim dizer.

Margi riu.

— Você já viu isso antes, fingida!

— Fingida não. — respondeu Phoebe. — Se você visse as notícias de vez em

quando, você também poderia prever. E faria voz melhor do que eu.

— Falta-lhe a centelha da vida, por assim dizer.

— Ele está morto e enterrado, por assim dizer.

— Efetivamente, Phoebe tem um vocabulário melhor do que eu.

— É assim, Margi, os vizinhos asseguram que estavam chegando.

Continuaram bebendo café enquanto começava o vídeo de Dallas Jones.

— Eca, que ódio. — disse Margi, conforme avançava a familiar imagem

granulada em preto e branco. Dallas Jones entrou na loja, tirou uma pistola do

bolso de sua jaqueta de caça e apontou-a para a funcionária. Não se ouvia nada,

mas estava claro que ele gritava.

Page 98: Geração Morta

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Dallas se virou para olhar para a rua, e enquanto o fazia, uma bala o atingiu

no peito, levantando uma nuvem de fumaça. O menino foi lançado para trás, a uns

cinco metros e meio até dar de encontro com uma prateleira cheia de lanches e

uma pirâmide de latas de refrigerante.

— Não importa quantas vezes eu veja, eu não me acostumo. — Margi disse.

Phoebe assentiu. A imagem do assassinato de Dallas Jones era mais

perturbadora do que o que vinha depois, por mais que o depois o trouxesse de

volta. Alterou para sempre o modo de vida americano.

O homem que havia disparado; o dono da loja; saiu de trás do balcão

segurando a mão da funcionária que, além disso, era sua esposa. Ahmad Qurati

passaria a vida recebendo críticas pelo risco que correu ao disparar em um ladrão

enquanto o homem apontava para a cabeça de sua esposa. Também o criticariam

por não aproximar-se de Jones para se certificar de que estivesse morto; o vídeo

mostrava como ele saía por onde Jones havia entrado e fechava a porta com

chave... Outra ação que não tinha muito sentido. O Departamento de Polícia

também havia recebido o seu por demorar duas horas e sete minutos para chegar

ao local, apesar dos relatórios deixarem claro que Qurati tinha chamado a polícia

uma hora e cinqüenta e três minutos após fechar a porta principal.

A CNN pulou a parte da gravação, até chegar ao minuto 109. Jones estava

quase escondido pela prateleira de batatas fritas, mesmo que se enxergasse

claramente uma perna torcida, parte de um braço e uma poça escura que tinha se

estendido sobre o chão durante os primeiros segundos da gravação.

No minuto 109, o vídeo voltou à velocidade normal e mostrava como a

perna de Dallas se movia. A prateleira caiu no chão, não como se alguém a

levantasse e a jogasse, mas sim como se fosse tirada do caminho sem mais nem

menos. O braço levantou-se do chão, enquanto, aparentemente, (era difícil saber,

porque quase tudo acontecia fora da câmera), Dallas colocou-se em pé.

— Meu Deus. — disse Margi.

Um minuto depois, Jones apareceu na tela e seguiu caminhando sem

levantar as solas das botas de cano alto do chão. A câmera estava apontando para

suas largas costas, e percebia-se que a jaqueta estava rasgada e, cheia de penas

escuras pelo furo da bala. Caminhou até dar de encontro com a porta de vidro. Não

tentou abri-la e, depois de um momento, virou-se e continuou arrastando os pés

por onde tinha vindo; em direção à câmera.

O narrador começou a falar enquanto avançava o vídeo, contando a triste

biografia de Dallas Jones, vândalo adolescente. Phoebe ficou ansiosa, esperando o

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momento que o havia levado a centenas de teses de doutorados e, quando chegou o

momento, a CNN congelou e aumentou a imagem, o que o tornou com o dobro de

granulado, mas também duas vezes mais eficaz.

Phoebe sempre tinha se perguntado por que Dallas Jones olhou para a

câmera no final de sua segunda volta infrutífera pela loja. A imagem cresceu até

que seus olhos encheram a tela do televisor, de modo que se distinguiam cada um

dos pixels20.

— Dallas Jones foi o primeiro. — disse o narrador, e substituíram a imagem

dos olhos de Dallas por outras gravações igualmente ruins de outras pessoas

mortas, movimentando-se por aí, depois colocaram os relatos de vários repórteres,

sem informar in loco21 sobre o retorno de uma dúzia de não mortos.

— Não mostram a parte em que a polícia chega. — Margi comentou.

Phoebe tinha estudado o vídeo completo; Qurati depois de fazer uma

confusão com as chaves abriu a porta da loja, e dois policiais entraram e

derrubaram Jones. Quando os serviços médicos chegaram minutos mais tarde, um

dos policiais estava coberto de sangue, e não era dele.

— Arrependei-vos! — dizia o Reverendo Nathan Mathers. Ele gritava,

cuspindo saliva. — Arrependei-vos, por que o fim está próximo. Os túmulos

devolvem os seus mortos e, certamente, o Senhor estará em breve, entre nós!

— Sinto pena dos que estão na primeira fila. — comentou Phoebe.

Margi, ao seu lado, abraçou-se a Gar. — Eu odeio que filmem isso. — disse

ela.

A imagem seguinte foi ainda mais terrível. O vídeo movia-se como se a

câmera estivesse presa a uma criança hiperativa, mas a imagem que oferecia era

facilmente distinguida e era aterradora.

Dois homens com tambores de gasolina pulverizam com eles uma deficiente

vital muito lenta, ao qual primeiro tinham amarrado a um poste de metal cravado

no concreto de uma cesta, como a das escolas. A garota ardeu em chamas amarelas

e pareceu se agitar com mais força, mas podia ser efeito do fogo que estava ao seu

redor. Mathers continuava dando seu discurso de fundo.

20 Elemento de (imagem, sendo Pix a abreviatura em inglês para Picture) 21 Significa "no local". Um abraço... Ao vivo, Pessoalmente, no local, etc. Ex: Fui ver a tragédia da TAM in loco.

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— Meu Deus. — Margi repetiu, e ficaram em silêncio durante o resto do

programa, mesmo quando Skip Slydell, o jovem autor, começou a falar sobre como

os pais deveriam educar seus filhos com diferente fator biótipo e ajudá-los a

integrar-se em uma sociedade que ainda não contava com a legislação necessária

para evitar que os queimassem na fogueira.

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CAPÍTULO 11

Havia treze nomes na lista de estudantes aceitos na Fundação Hunter.

Phoebe Kendall era a terceira da lista, logo abaixo de Tommy Williams e Karen

DeSonne. Colette ia atrás, seguida de Margi e Adam.

Phoebe se virou, muito animada, mas esteve a ponto de topar com os braços

de Pete Martinsburg, que a empurrou contra a parede.

— Deveria olhar por onde anda Pantynegros. — ele lhe disse

ameaçadoramente. Ela carregava livros e ele tinha as mãos livres, a esquerda

fechada em punho. — E também deveria ter cuidado com o que faz.

As bochechas de Phoebe se esquentaram de raiva e vergonha... E também de

medo. No fim, tinha diante dela um garoto que não se importava em bater em um

de seus companheiros com um bastão de baseball. Margi já teria lhe arranhado o

rosto com as unhas rosa chiclete, bufando como um gato, mas ela tinha medo que

lhe fizesse mal e no rosto de Pete via que estava disposto a fazer.

— Faz tempo que não via tanta cor em seu rosto. Está assustada, garota

morta? — perguntou-lhe, sorrindo. — Faz bem.

Phoebe se sentiu encolhendo sob o peso do seu olhar. Usava botas altas até

os joelhos, o que seria muito bom se tivesse que golpeá-lo na virilha com elas.

Infelizmente, a saia que usava era estreita até os calcanhares e mal lhe permitia

andar, então nada de dar chutes.

Veio-lhe a cabeça claramente o som do bastão de Martinsburg ao atravessar

o ar a caminho da carne de Tommy. Notou que tinha os punhos fechados.

Martinsburg arrancou a lista da parede, rompendo o canto que estava preso

com fita adesiva; dobrou-a duas vezes e colocou no bolso.

— Todos da lista se arrependerão de ter ouvido falar dessa classe. — disse.

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Depois se afastou pelo corredor e Phoebe o observou enquanto lágrimas de

frustração se acumulavam nos cantos dos seus olhos. Podia entrar no escritório e

contar para alguém o que tinha acontecido; podia procurar Adam, e certamente ele

iria conversar com Martinsburg. No final se limitou a secar os olhos e perguntar-se

o que faria Martinsburg quando visse o nome de Adam Layman no fim da lista.

Margi encontrou Phoebe no corredor. O rubor das bochechas de Phoebe

parecia haver desaparecido, por que Margi se comportava novamente como

sempre, falando a toda velocidade para contar-lhe a atrocidade cometida pelo

senhor McKenna na aula de espanhol naquela mesma manhã; ao parecer havia

anunciado um exame surpresa, ou algo parecido.

— Por isso se chamam exames surpresa, não? — comentou Phoebe. — Por

que é surpresa.

— Continuam sem ser justos. Falando de surpresas, quando vão colocar a

lista das práticas? Bom, não é que eu queira fazer nem nada, mas sou sua melhor

amiga, e acho que ficará bom na solicitação para a universidade. E não serão mais

duros com as notas, né? Quer dizer, as notas serão uma formalidade nessas coisas,

verdade? Não quero fazer se for me dar uma nota ruim.

— Já colocaram a lista. E foi arrancada.

— Ah, sim? Quem fez isso? Algum imbecil que não entrou? Bom, melhor me

calar, e se eu não tiver entrado? Sabe quem entrou?

— Você entrou e, eu também.

— Viva. — disse Margi, com falso entusiasmo, batendo palmas para que

suas centenas de pulseiras tilintassem seguindo um ritmo suave. — Quem mais?

Alguém tão legal como nós? Como se fosse possível...

— Tommy, Adam. — respondeu Phoebe, sorrindo ao ver que Margi fazia

uma careta. — Colette. Thornton Harrowwood se inscreveu, por algum motivo.

Também tem essa deficiente vital... Essa garota com diferente fator biótipo na lista:

Karen, a com o sobrenome impronunciável. Só aceitaram treze.

— Novamente formamos parte da elite. — respondeu Margi, dando um

toquezinho no ombro que Martinsburg tinha acabado de empurrar. — Embora

esteja claro que só treze se inscreveram.

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103

Os treze tornaram-se doze antes da primeira viagem de ônibus de Oakvale

High até a Fundação Hunter, um passeio curto através do bosque próximo a

fronteira com Winford.

— Eu ouvi que seus pais se negaram em assinar a autorização para que

viesse. — comentou Margi sobre a desistência de última hora.

— É outra vez clarividência? — perguntou Phoebe. — Ou telepatia?

— Quando revela algo que já aconteceu se chama adivinhação. —

respondeu Margi, sacudindo a cabeça. — Mas não, na verdade, eu ouvi uma das

secretárias da escola dizendo que a Srta. Kim tinha lhe contado.

— Bem, que pais mais progressistas.

— Vivemos tempos progressistas, Pheebes querida.

Na tutoria descobriram que perderam sua sétima aula... Que para Margi era

hora de estudo, então ela não gostou muito de ter que ir para uma aula de

orientação. Phoebe sentia algo parecido aos dias e horas anteriores ao concurso de

talentos do sétimo ano. Às vezes, as mariposas no estômago só serviam para

enjoar-se; outras vezes te deixava saber que ia acontecer algo bom.

Os garotos mortos estavam esperando quando chegou à biblioteca para a

aula de orientação. Os viu através das janelas riscadas, sentados em uma roda

irregular de cadeiras dentro da área do lugar de estudo. A diretora Kim esperava

junto da porta com uma prancheta.

— Olá, Phoebe. — disse, passando a prancheta. — Por favor, assine na linha

ao lado do seu nome.

Phoebe fez isso. Os garotos mortos já tinham assinado. Como não eram

famosos por suas habilidades motoras, as assinaturas eram basicamente letras

maiúsculas que pareciam feitas a navalhadas com uma caneta. O nome de Tommy

era o único que entrava dentro, das linhas, e as letras eram regulares e de altura

uniforme.

— Olá, Phoebe — cumprimentou Adam, que a assustou ao tirar-lhe a

prancheta. O velho Adam era mais conhecido por sua lerdeza do que seu sigilo, mas

lhe encantava dar-lhe sustos.

— Sr. Layman, por favor... — começou a diretora Kim.

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104

— Assinar sobre a linha pontilhada, sim, senhora. — ele a interrompeu,

rabiscando um nome que era muito melhor escrito do que as marcas dos

Deficientes Vitais.

— Por que não se sentam?

Phoebe observou como Adam examinou a sala. Se ele estava inquieto,

dissimulava muito bem, embora tenha notado o leve encolhimento de ombros

quando fez um gesto para Phoebe para que o seguisse ao interior.

Tommy estava sentado em uma das ruidosas cadeiras de madeira da

biblioteca, com os ombros para trás e a cabeça reta. Phoebe pensou na última vez

que tinha se visto rodeada por Deficientes Vitais, e ela reconheceu alguns: Colette

estava sentada em um futon22 acolchoado perto de uma garota de cabelo loiro

platinado com mechas; a do bosque.

— Olá, Tommy. — disse Phoebe. — Olá, Colette. — cumprimentou com a

mão os outros garotos, olhando-os brevemente nos olhos. A garota do cabelo loiro

platinado lhe devolveu a saudação quase sem hesitar.

— Olá, Phoebe. — respondeu Tommy. — Adam.

— Olá, Tommy. Olá para todos. — Adam se sentou na última cadeira verde

limão, o que deixou Phoebe com uma das cadeiras de madeira. Sua cadeira rangeu

ao sentar-se. Adam riu e ela fez uma careta.

Margi entrou no silencioso vestíbulo como um pequeno redemoinho negro e

rosa, agitando a saia e movendo as pulseiras.

— Oh, meu Deus, foi à aula de história mais longa do mundo. Acho que me

transformaram em uma figura histórica no tempo que levou para terminar.

Parou em seco, como se percebesse, de repente, onde e com quem estava.

Cumprimentou baixinho e suspirou aliviada ao ver entrar Thornton Harrowwood,

que chocou os dedos com Adam e Tommy. Houve um momento de tensão em que

Tommy ficou olhando a mão de Thorny como se perguntasse para que servia, mas

no final bateram as mãos.

Thornton havia sido o último a chegar, o que significava que outra pessoa

mais havia desistido. A diretora Kim conduziu Angela Hunter e seu pai, Alish, ao

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cômodo. A Srta. Hunter usava uma saia azul celeste que chegava a seus joelhos, e

Phoebe pensou que aquelas pernas acelerariam o coração até dos mortos. Tommy

a observava do outro lado da sala. A cadeira da mulher nem sequer rangeu quando

se sentou nela.

— Bom. — disse a diretora. — Devo dizer que me surpreendi e fiquei feliz

em verificar que temos dois jogadores da equipe de futebol americano no

programa. Alegro-me que lhes interesse algo mais do que futebol, e já falei com o

treinador Konrathy, então ele sabe que vocês perderão um treino na semana.

Adam assentiu; e Thornton se inflou como se tivesse sido nomeado

corredor do ano. Phoebe percebeu que Adam não levantava a vista do ponto do

tapete e que o contemplava desde que sentou. Ela olhou para baixo. Verde musgo

misturado com alguns fios verde escuro. Havia uma mancha que parecia de café

perto do pé do futon em que estavam sentadas as meninas mortas, mas Adam não

estava olhando para aquilo.

— Três. — levantou o olhar. Todos se viram para Tommy, inclusive a

diretora. — Aqui há..., três..., jogadores de futebol.

— Três. — respondeu a diretora, sorrindo. — Claro que sim, obrigado por

me lembrar, Tommy. Em primeiro lugar, deixe-me agradecê-los por nos indicar o

que esperamos, seja um programa muito emocionante dentro do sistema escolar

de Oakvale. Os Hunters vieram para falar em mais detalhes com vocês sobre o

programa e também para deixar claras as expectativas, tanto a de vocês como a da

escola da Fundação.

— Obrigada, diretora Kim. E, de novo, obrigada por se unir ao programa!

Estou ansiosa em trabalhar com vocês!

O sorriso de Angela, como suas pernas, podia devolver a vida aos mortos.

Margi se agitou no assento ao lado de Phoebe.

Alish foi o seguinte a falar, e sua voz era muito apropriada para uma

biblioteca: seca, rouca e suave. Ele sorriu, mas seu sorriso não tinha o poder

reconfortante como o da sua filha.

— Sim. — disse, e Phoebe parece ouvir um S a mais na palavra, como se

sibilasse. — Obrigado a todos por decidirem trabalhar com a minha Fundação. Sou

Alish Hunter. Espero que o trabalho que farão aqui mude suas vidas e as de todo o

mundo, se é possível, tenha um diferente fator biótipo ou não. Estou certo que

mudará a minha. — Mais sorrisos dos Hunter. — Tenho aqui seus históricos, mas

eu gostaria de ouvi-los. Acredito que alguns são amigos, embora seria interessante

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para a Fundação que todos nós sejamos. Então, por favor, vamos nos apresentar e,

quando fizermos, quero que todos acrescentem, fora seus nomes, um dado pessoal,

como nossos passatempos. Começarei eu. Chamo-me Alish Hunter, e eu gosto de

colocar um avental de laboratório e fazer experimentos como os cientistas loucos.

Aquilo arrancou algumas risadas corteses, sobre tudo de Thornton e Angela,

que foi a seguinte. Mas ao contrário do que Phoebe esperava, Angela gostava de

correr e não se bronzear em uma tanga na praia da Misquamicut.

Thornton gostava de futebol. A garota morta de cabelo loiro platinado se

chamava Karen DeSonne (Phoebe tomou nota de que se pronunciava Desoon) e

gostava de pintar. Falava quase sem deixar pausa entre as palavras. Adam gostava

de caratê. Colette demorou um minuto e meio para dizer ao grupo que se chamava

Colette Beauvoir e que gostava de caminhar pelo bosque. Margi gostava de música.

Kevin Zumbrowski era quase tão lento quanto Colette e gostava de xadrez, coisa

que para Phoebe pareceu muito adequado. Phoebe disse que gostava de escrever,

assim como Tommy Williams.

— Fantástico. — respondeu Alish Hunter. — Vocês viram? Já encontramos

algumas coisas em comum.

Evan Talbot, que parecia ter morrido com uns catorze anos, confessou ser fã

de ficção cientifica, sobre tudo Star Wars. Usava uma camiseta do Darth Vader e

tinha um abundante cabelo alaranjado que parecia um pavio saindo da sua cabeça.

Também era muito rápido, muito mais rápido do que Sylvia Stelman, que demorou

uma eternidade para dizer ao grupo que gostava de seus dois gatos, Ariel e

Flounder. Tayshawn Wade disse para todos que gostava de filmes.

— Que filmes? — pergunta Ângela, animada.

— Ação. — respondeu Tayshawn, acrescentando uma sílaba a mais na

palavra. — E de..., terror.

Alish riu como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. Phoebe não teria

estranhado em ver nuvens de pó saindo da boca, expulsas diretamente dos seus

pulmões.

— Bom. — disse depois de um momento. — Nosso tempo está acabando.

Angela tem uma pasta com informações para cada um. No interior, encontrarão

deveres, além de uma folha para seus pais nos autorizarem a transportá-los da

escola para a Fundação e vice-versa. Também há um acordo de confidencialidade

que vocês devem assinar com seus pais. Há outros formulários que devem olhar.

Por favor, leiam tudo e façam com que seus pais também leiam. Se a diretora Kim

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receber toda a documentação necessária antes que acabe a semana, nos veremos

na próxima terça na Fundação. Sairão depois de comer, então se lembrem de

deixar tempo para compensar qualquer trabalho que percam. Obrigado, nos vemos

na semana que vem.

A diretora Kim se levantou e acompanhou a dupla até a porta depois de

dizer aos estudantes que podiam ir embora.

Margi suspirou ao lado de Phoebe.

— Que chato.

— Uff. — comentou Thornton, folheando seus papéis. — Temos que

escrever uma redação sobre por que queremos fazer as práticas.

Uma fina folha de papel rosa escapa de sua pasta. Phoebe viu quando Adam

a recolheu no ar com elegância e a devolve para Thornton, justo quando este tirava

sua caneta.

— Será interessante ver o que algumas pessoas colocam. — comentou

Adam, olhando para Phoebe.

Karen foi a primeira a se levantar. Pegou uma mochila cor cinza que tinha

um cachorrinho rosa de pelúcia pendurado no zíper; o cachorro estava com a

língua para fora, também rosa, e os olhos fechados, o que parecia com que

parecesse dormindo ou preso em uma coleira. Karen esboçou um sorrisinho.

— Não se preocupe. — comentou. — É só uma..., página. Acho que

sobreviverá.

Phoebe a viu se afastar. As brilhantes luzes da biblioteca lhe davam um

aspecto quase suave ao cabelo loiro, e se movia sem o mancar da maioria dos

garotos com diferente fator biótipo.

Pode até ser que inclusive requebrasse os quadris de um modo

intencionado.

— É a que usa as saias curtas. — sussurrou Margi.

Phoebe assentiu. Viu Tayshawn ajudar Colette a se levantar do futon. —

Deveríamos falar com Colette.

Margi a agarrou pelo antebraço, com as mãos geladas.

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— Deveríamos e faremos, mas agora não. Quero sair daqui agora mesmo. —

insistiu, puxando ela até a porta.

Phoebe se virou para despedir-se de Tommy com a mão. Tommy devolveu o

gesto.

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CAPÍTULO 12

O primeiro jogo da temporada foi contra o Norwich Fisher Cats, que era

um dos rivais mais fortes dos Oakvale Badgers. Phoebe havia lido que este era o

primeiro ano de tantos que se jogava este jogo em Oakvale. Por um longo tempo, o

jogo tinha se realizado em Norwich, como donos da casa, de acordo com a antiga

tradição de dar aos Fisher Cats uma equipe que poderiam demolir para fomentar o

espírito da equipe. Mas agora, com Adam na equipe, os Badgers eram competitivos.

O pai de Phoebe tinha concordado em levá-la com Margi ao jogo, e Phoebe

notou que enquanto ele colocava sua camisa Fordham desgastada e seu antigo

gorro favorito, que ele havia estado muito entusiasmado em se oferecer. Sabia

quanto gostava de passar tempo com ela, e que gostava ainda mais de passar

tempo com ela e Margi – principalmente, por que adorava tentar envergonhá-las.

— Traz um pouco de cor a essas bochechas tão pálidas. — era como ele gostava de

descrevê-las.

— Então, Margi. — disse — Está tão entusiasmada como Phoebe por estar

com este tema de Estudo dos Não-Mortos?

— Papai! — disse Phoebe. — Estudo pelo Avanço das Pessoas com

Diferentes Fatores Bióticos. Você não leu o documento?

Olha para mim pelo espelho retrovisor. — Sinto que tudo o que estive lendo

nos últimos tempos foram documentos.

— Estou com você, Sr. Kendall. — disse Margi. — Muitos papéis.

— O jornal chama de Programa de Estudos para Não-Mortos. — disse

Phoebe queria que ele só se dedicasse a olhar o caminho.

— Não acredite em tudo que você lê. — disse Phoebe.

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110

Seu pai ri, e apesar das linhas ao redor dos seus olhos, parecia mais jovem

do que seus quarenta anos.

Conseguiu desviar o olhar a tempo de ver o sinal de pare mais na frente. —

Um bom conselho para todos, eu acho.

Margi riu tontamente, Phoebe lhe atingiu com o cotovelo e lhe deu uma

olhada assassina. — Acho que será interessante; Sr. Kendall. Um dos mor... Garotos

com Diferente Fator Biótico, como nos filmes de terror.

— Sério? — ele perguntou. — É bom ter algo em comum.

— Claro. — Phoebe se perguntava por que todos pensavam que o comum

era a parte principal de todo o assunto do “por que não podemos conviver bem”.

Ela podia sentir a seguinte pergunta em seus lábios. Sabia que estava a

ponto de perguntar por Colette, mas então dobraram a esquina e ali estava a

escola. Havia uma multidão de cerca de vinte pessoas perto da escadaria de

entrada, com cartazes. Alguns carros da polícia estavam estacionados na curva

onde estariam os ônibus nos dias de aula.

— Não parecem fanáticos do futebol. — disse papai.

Phoebe leu alguns dos cartazes: OS ESPORTES SÃO PARA OS VIVOS; MORTO

= MALDITO; VIDA, LIBERDADE, E A BUSCA DA FELISIDADE; e em letras vermelhas,

ENTERRA SEUS MORTOS.

— Perfeito. — disse Margi. — Olha, escreveram felicidade errado.

— Garotas, talvez esta não seja uma boa ideia.

— Não, papai. — disse Phoebe. — Não podemos deixar que pessoas como

estas ganhem.

— Ganhem o quê?

— Por favor, pode nos deixar no estacionamento de estudantes? Iremos

andando.

— Não sei.

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— Papai, nós ficaremos bem. São só alguns loucos com cartazes. — ela sabia

o que acontecia na cabeça de seu pai. Visões de bombas sob as arquibancadas,

revólveres escondidos, frascos de ácido escondidos nos bolsos cheios.

— Phoebe.

— Papai. — repetiu. — Ficaremos bem.

— Talvez eu vá ver o jogo com vocês, afinal. — disse. — Sempre quis saber

sobre o Armstrong.

— Claro. — pelo menos, conseguiria ver o jogo.

Também havia manifestantes dentro do jogo. Muitos deles usavam

máscaras de látex, embora para o Halloween ainda faltasse algumas semanas.

— Estão cantando ‘Fora da vida, Fora do jogo’? — perguntou Margi.

— Acho que sim. — disse Phoebe, escolhendo assentos no centro da seção

de reforços de Oakvale. Ela e Margi estariam normalmente agrupadas em um

canto, cada uma com seu fone de ouvido conectado no mesmo iPod; mas as pessoas

que para elas normalmente pareciam dementes agora pareciam seguras e

cômodas, comparadas com as pessoas que agora estavam dementes.

— Posso pensar em alguns cânticos melhores. — disse papai.

— Por favor, não pense.

Phoebe havia visto no ano passado um único jogo, só para dizer para Adam

que o havia visto jogar. O papel de Adam parecia ser evitar que a outra equipe

abordasse Denny Mackenzie, o quarterback, e pelo que Phoebe poderia dizer, ele

era muito bom nisso. Denny não tinha sido abordado no jogo que ela assistiu,

exceto em algumas jogadas onde ele tinha corrido até a meta de seus adversários.

Com uma indiferente rotina, Adam havia bloqueado ou eliminado, um ou dois

jogadores que correram para ele.

Uma jovem com um vestido cheio de estrelas, seu cabelo preso em um nó

frouxo de cachos loiros, se levanta de seu lugar para cantar o hino nacional, a

multidão se uniu com uma espécie de entusiasmo sóbrio. Algumas das vozes

gritavam as palavras, enquanto mantinham um significado especial para os dias de

competição.

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O locutor deu as boas-vindas ao honorável Steven Armstrong, representante

do estado. Um homem elegante em uma calça cáqui e uma jaqueta azul-marinho

caminhou até o microfone onde a pequena Kayla Archambault havia terminado de

cantar sobre a terra da liberdade e o lar dos valentes. O aplauso se tornou apático e

intercalado com vaias, logo que a menina estava fora de vista.

— Um homem do povo. — disse seu pai. — Excelente.

— Olha todos os caras nas sombras. — disse Margi, apontando para uma fila

de personagens rígidos na beira do campo. — São parte do pessoal de Armstrong?

— Os homens de preto. Suponho que estão preparados para os problemas.

Talvez pensem que não-mortos pertencem a Roswell.

— Papai. — disse Phoebe. Seu pai foi um aficionado por muito tempo pela

conspiração e gostava de fazer com que as pessoas pensassem que ele acreditava

em discos voadores, mas não acreditava que o homem tinha pisado na lua.

— Obrigado. — diz Armstrong, dando um sorriso amplo. — E obrigado aos

estudantes e a Faculdade de Oakvale High por me convidar no que seguramente é

um acontecimento histórico. Não podemos fazer mais do que pensar nos atletas

americanos do passado que superaram os obstáculos da injustiça e do ódio para

seguir seu caminho para a grandeza. Estou pensando em pessoas como Jesse

Owens. Greg Louganis. Billie Jean King. Estas pessoas estiveram dispostas a lutar

ante a adversidade e discriminação por participar dos esportes que amavam, e ao

fazer isso, deixaram um legado que é uma inspiração para todos que seguiram seus

passos.

Phoebe estava maravilhada com quão rápido Armstrong tinha silenciado a

multidão, e então alguém gritou — Necrófilo! — rompendo o silêncio. Armstrong

continuou falando como se não tivesse escutado.

— Por isso quando observarem hoje Thomas Williams no campo, eu lhes

peço que não pensem nele como um jovem deficiente vital, por que claramente ele

não se considera um deficiente. Peço para aqueles que envergonharam nosso país

cantando nosso hino nacional com uma máscara cobrindo seus rostos que não

pensem nele como um Zumbi ou um estranho ou qualquer um dos termos cheios

de ódio que usariam para marcar este jovem valente. Peço que também esqueçam,

por este momento, que ele é de um diferente fator biótipo, só os peço que o

considere um atleta, e nisso, ele não é diferente dos outros garotos prontos para

jogar no dia de hoje. Obrigado.

— Foi bem. — disse o Sr. Kendall, unindo-se aos aplausos das garotas.

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Apesar do magnífico discurso, Tommy não jogou todo o primeiro tempo.

Adam fez bem seu trabalho e deu tempo para Denny passar na maioria das jogadas,

embora Denny foi expulso por perder em uma jogada onde Adam bloqueou na

direita e Denny correu para a esquerda. Pete Martinsburg fez uma interceptação e

parecia desfrutar especialmente de empurrar os oponentes nas linhas laterais.

Thornton Harrowwood estava destinado a levar a bola em uma jogada e foi

esmagado depois de avançar três jardas.

— Ouch. — disse Margi. — Espero que se levante.

Faz, e desfilou enquanto carregava a bola setenta jardas para um

touchdown.

— Você tem que admirar sua coragem. — disse Phoebe.

— Sim. É um jovem corajoso.

Seu pai as olhou, entrecerrando os olhos. — De quem estão falando?

No intervalo, a pontuação era dez. Harris Morgan havia feito um passe de

treze jardas no canto de uma zona de touchdown, e os Badgers concluíram com um

gol de campo justo quando acabou o tempo.

Armstrong regressou ao campo depois de uma curta, mas animada

apresentação da banda Badger. — Uau, que jogo. — disse. — Um aplauso para

estes atletas. — A maioria das pessoas; inclusive os manifestantes, estavam mais

interessados em conseguir um cachorro quente ou uma soda do que estavam em

reconhecer os êxitos do campo e, novamente, a acolhida de Armstrong à soma foi

pouco entusiasta. — Eu gostaria de falar brevemente sobre a Fundação Hunter

para o Progresso das Pessoas com Diferentes Fatores Biótipos. Como bem sabem, a

Fundação está destinada ao estudo fisiológico, psicológico, e talvez o mais

importante, sociológico das pessoas com diferentes fatores biótipos. O objetivo

desta Fundação é, através de um estudo científico, ajudar a criar um mundo onde

todas as pessoas, sem considerar sua biologia, podem viver e aprender juntos.

Animo-os para que mostrem seu apoio para os garotos com diferentes fatores

biótipos de todas as partes através de doação de tempo ou dinheiro para a

fundação, com escritórios localizados aqui mesmo em Oakvale. Obrigado.

Phoebe viu um policial falando com o cara com a máscara do Frankenstein

nas arquibancadas do outro lado do campo. A conversa não parecia agradável.

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— Estou surpreso que o treinador não colocou no jogo o garoto Williams.

— disse o pai de Phoebe.

O garoto Williams. Pelo menos, não tinha dito o garoto morto, pensou

Phoebe. — Não acho que o Treinado Konrathy esteja muito entusiasmado em

colocá-lo.

— Nós todos estamos.

— Esse é o problema. — respondeu Phoebe.

— Eu acho que ele precisa colocar o garoto, neste momento. — disse.

— Tem a metade da multidão pronta para ter um acesso de raiva, e a outra

metade pronta para causar distúrbios, se ele não colocar. Podem sentir como

aumenta a tensão.

Frankenstein deve ter perdido a discussão, porque estava à frente da polícia

descendo as escadas. A cada poucos passos parava, e virava enquanto lançava

insultos pelo seu ombro.

— Se eu fosse Konrathy. — disse seu pai. — Colocaria no começo do tempo.

Mas ele não era Konrathy, e Konrathy o deixaria no banco durante todo o

tempo. Oakvale marcou novamente com um chute do quarterback, após uma bela

recepção de Harris Morgan. Norwich deu um valente avanço no campo adversário

e dentro da zona vermelha, mas Pete Martinsburg pegou um passe oculto e o

devolveu dez jardas antes de ser alcançado. Foi a jogada que serviu para assustá-

los e uma oportunidade para a equipe adversária, mas Phoebe não conseguia se

animar.

— Essa foi uma boa jogada. — disse seu pai, dando-lhe uma cotovelada.

— Pete Martinsburg é mau, Sr. Kendall. — disse Margi.

— Ahhh. — respondeu, e deixou de aplaudir.

Phoebe deu uma olhada para Margi, assim ela não começaria a explicar-lhe

quão mau tinha sido Pete Martinsburg

Margi lhe devolveu o olhar e mostrou sua língua.

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Os Badgers mantiveram a bola no chão, e depois de três jogadas tiveram sua

terceira e quarta na sexta jarda por Thornton Harrowwood. Outra vez estava

arrasando, e novamente se levantava como se não houvesse sido tocado.

— Esse menino é muito forte. — disse o Sr. Kendall, dando um sufocante

bocejo. O volume da multidão diminuía e então se elevou de novo quando Tommy

Williams apertou a tira de seu capacete e correu para o campo.

— Finalmente, o colocou! E esses idiotas estão vaiando. Isto não está certo.

— seu pai aplaude mais forte, e Phoebe e Margi se unem. Alguém bate na nuca de

Margi com uma batata-frita, e outra passou voando pelo rosto de Phoebe quando

ela se virou.

Seu pai se levantou e olhou as filas superiores, mas quem quer que tenha

feito isso escondeu o resto de seus mísseis fritos.

— Covarde. — gritou, e se sentou.

— Não vale à pena, papai. — disse Phoebe.

— Nunca vale. — disse. — Parece que Williams está na linha ao lado de

Adam. Isto vai ser interessante.

Mckenzie agarrou um chute e deu cinco passos para trás. Adam e Tommy

dão-lhe tempo de sobra, e completa um lance para Harris Morgan, que consegue

sair dos limites. A segunda jogada é da mesma forma, mas desta vez com um lance

no meio de campo enquanto o tempo passava. Os Badgers estavam além do meio

de campo com uma primeira e dez, então correram ao lado de dois jogadores e

diminuíram as jardas. A seguinte jogada era uma terceira e uma, e correu um

empate onde Denny lançou a bola para Harris, que correu para esquerda atrás de

Adam e Tommy. O grande espaço que deixaram era suficientemente grande para

conduzir uma van através dele, e Harris correu, superando o agarre de um

defensor que teve a oportunidade de fazê-lo, e correu quarenta jardas na zona de

touchdown sem ninguém se aproximar.

Os admiradores dos Badgers comemoram, mas os jogadores do Badger

receberam uma enxurrada de frutas enquanto voltavam para o banco. Uma rajada

de dezenas de tomates voava dos níveis mais baixos das arquibancadas, a maioria

deles batendo em Adam, que estava na frente de Tommy no momento em que

começaram a lançar. Alguém bateu em Konrathy com uma maçã na cabeça.

O policial corpulento que antes estava acompanhando Frankenstein para

fora se dirigiu para essa seção das arquibancadas, fazendo sinais para um policial

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do outro lado do ginásio. Havia muitos gritos, e sinalizações e alguns empurrões,

mas no momento em que os policiais chegaram lá, toda a evidência estava fora do

campo e não parecia que as testemunhas planejavam declarar publicamente.

— Isso foi agradável. — disse meu pai, sacudindo sua cabeça.

Os Badgers ganharam de 24 – 10. Tommy Williams não voltou a pisar no

campo novamente.

— Você entende por que eu estou desconfortável com isso. — disse seu pai.

— Terei cuidado, papai.

— Você sabe que não tem nada a ver com a minha confiança em você. Mas

alguns destes idiotas nas arquibancadas...

— Eu sei papai. Terei cuidado.

— Cuidado não ajuda se algum idiota tem uma arma, ou uma granada.

— Eu sei. — disse, perguntando-se quantas pessoas tinham reservas de

granadas guardadas em suas garagens para uso diário.

Ele a olhou e depois olhou para Margi, que se aproximava lentamente,

fingindo não escutar sua conversa.

— Não viemos aqui para que Margi pudesse observar Adam, certo?

Phoebe sorriu. — Tampouco viemos aqui para que Margi não pudesse

observar Adam.

— Phoebe, quem...

— Voltarei em cinco minutos. — disse. — Prometo.

Ele levantou suas mãos em resignação. Ela se afastou para levar Margi até a

saída onde os jogadores, recém-banhados, saem da escola. Olhou para trás para

seu pai, mas ele já estava entrecerrando os olhos para as pessoas que passavam

enquanto ele procurava sinais de um iminente tumulto e destruição.

— Meu pai jamais teria me deixado ir. — disse Margi. — Você acha que ele

sabe que você tem atração por um Zumbi?

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— Margi!

— Bom, sabe? Ele é muito astuto sobre você. Presta atenção. Acho que eu

poderia colocar fogo na minha cabeça na sala de estar e meu pai perguntaria para

minha mãe o que tem para jantar.

— Tenho um pai ótimo. — disse Phoebe. — E Tommy não me atrai. Só

estou..., interessada, isso é tudo.

— Tanto faz.

— Papai pensa que nós viemos aqui para que você pudesse ficar fascinada

com Adam. De fato, foi uma exibição muito convincente, e uma que ele engoliu

completamente. Ele é esperto, como você diz.

Margi faz um som de desgosto e bateu no braço de Phoebe, e logo a seguiu

até a porta dos fundos da escola.

— Oh, oh. — disse Margi, enquanto elas viravam na esquina. Os

manifestantes tinham se movido para a saída, assim como a caminhonete de

notícias do Canal Três. O policial corpulento estava escoltando Adam através da

multidão. O repórter de notícias caminhava ao seu lado, gritando-lhe perguntas.

— Como é jogar com um garoto deficiente vital? Você se surpreendeu hoje

com a reação das pessoas?

Adam era quase tão grande quanto o policial. Olhou os manifestantes, mas

deixou que o policial o levasse entre a multidão sem parar. Thornton Harrowwood

foi o seguinte, e sua aparição com uma jovem mulher policial afastou a atenção de

Adam.

— Tem algum comentário sobre o jogo de hoje? — pergunta o repórter.

— O que você pensa de toda a controvérsia em torno do seu companheiro

de equipe?

— Corri por dezenove jardas! — disse Thornton, sorrindo para a câmera.

Adam agradeceu a polícia e se uniu a Phoebe e Margi.

— Olá. — disse.

— Você cheira a molho de tomate. — disse Margi.

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— Há, Há. — respondeu. — Eu não acho que vá lavar meu uniforme. Talvez

as equipes adversárias pensem que é sangue do meu inimigo.

— Onde está Tommy? — perguntou Phoebe. — Como ele está?

— Não disse muito. — disse, e logo levantou suas mãos, depois de captar

algo na expressão de Phoebe. — Não estou tentando ser engraçado. Nenhuma

lamentação ou algo no estilo. Mas estava esvaziando seu armário.

— Entãoooo... O quê? O que significa isso?

— Não sei Phoebe. Perguntei se ele estava bem, e ele disse que sim. Isso foi

tudo. Eles tiraram-no às escondidas por uma das outras saídas para que pudesse

evitar tudo isso. — disse, movendo suas mãos para o grupo de agitados

manifestantes esperando pela saída de Tommy. Stavis e Martinsburg fizeram seu

caminho junto com o policial corpulento, mas os manifestantes não tinham nada

para dizer aos outros jogadores. Ouviram perguntar a polícia se iam tirar o garoto

morto por outra saída.

— Sim. — disse o policial, sorrindo. — Ele saiu há um tempo.

— Tenho que sair daqui. — disse Adam. — PDT disse que eu tinha que

recolher as folhas. Precisam de uma carona?

— Não, obrigada. Meu pai nos trouxe.

— Certo. — disse. — Oh, sim, quase esqueci — Tommy Williams me pediu

que te desse isso.

Entregou-lhe um pedaço de papel fechado em um quadrado irregular.

Abriu a nota e leu em silêncio, escondendo-a dos intrometidos olhos de

Margi.

— Quer saber se eu quero sair alguma noite na próxima semana. — olhou

primeiro para Adam, para ver sua reação, mas o que quer que tenha pensado,

manteve para si mesmo.

— Nojento. — disse Margi. Phoebe bateu nela.

— Ouch. Sair, como em um encontro?

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— Não sei.

— Isso é estranho.

— Cale-se, Margi.

— O que mais disse? — perguntou, tentando pegar o papel.

— Nada que te interesse. — respondeu Phoebe, tirando de suas mãos.

— Que se divirtam. — disse Adam. — Vou varrer as folhas.

Phoebe o observa ir, desejando saber o que Adam pensava sobre ela e

Tommy, enquanto ao mesmo tempo sussurrava uma ameaça de morte para Margi,

caso ela contasse alguma palavra da nota ao seu pai.

Pete Martinsburg observou o garoto morto fugindo pela porta dos fundos e

dirigindo-se para o bosque, esquivando-se dos repórteres e os gênios lançadores

de comida das arquibancadas. Pete considerou correr atrás dele, mas havia alguns

policiais assegurando que ele saísse sem ser incomodado, então Pete só o observou

fugindo, sem ser detectado pelas pessoas que tinham algo que dizer sobre o

alimento de vermes jogando na equipe de futebol da escola secundária.

No entanto, antes que o garoto morto fosse embora, teve cuidado de se

colocar ao lado do armário de Pete, bloqueando-o para pegar seus pertences. Ficou

de pé com seu meio sorriso torcido em seu rosto, enquanto dizia para Pete, — O

que você pode fazer eu também posso fazer. Ficarei atento. — foi um ponto sutil e

dirigido para Pete.

Pete fez algo que só havia feito uma vez quando enfrentou uma

confrontação: nada.

O Zumbi estava em sua cabeça, pisando forte com seus sapatos. Pete só

podia ver uma maneira de conseguir tirá-lo de lá.

Depois de observar o Zumbi entrando no bosque, Pete caminhou de volta

para os vestiários, com a camiseta em sua mão. Alguém tinha lhe lançado um ovo

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logo antes que acabasse o jogo. Tinha estado de pé na margem, esperando pelo

ataque para marcar mais uma vez, assim poderia ferir alguém, quando sentiu o ovo

bater em suas costas. O garoto morto nem sequer estava perto dele quando o ovo o

acertou.

Conseguiu abrir seu armário e lançou sua camisa dentro, onde bateu no

fundo antes de deslizar para baixo e deixar um rastro viscoso.

— Sim, ne-naaaa! — gritou Stavis, com seu pálido e volumoso corpo quase

batendo contra Pete enquanto estava quieto observando o rastro de gema de ovo.

— Os Badgers ganham de novo!

Idiota, pensou Pete. Stavis segurava uma toalha azul que tinha conseguido

— sozinho — para colocar ao redor da cintura. Bateu no ombro de Pete, e Pete se

esforçou bastante para não enterrar seus punhos no sorriso de seu rosto redondo.

— Pete, você viu o chute que eu dei? — disse Stavis, tirando um

desodorante fedido de seu armário. — Marcação surpresa, wham! Coloquei a bola

e tudo.

— Eu perdi. — disse. — Estava no campo adversário cobrindo um garoto

alto. Acho que se chamava Belton.

— Sim, você o nocauteou hoje. — respondeu Stavis, batendo novamente no

ombro de Pete com a mão que estava segurando a toalha enquanto colocava

desodorante de tal modo que Pete pensou que era insuficiente para mascarar ou

prevenir qualquer odor. — Quanto você fez? Uma interceptação em todo o jogo?

— Duas.

— Legal! — disse Stavis, lançando seu desodorante de volta ao armário,

onde soou contra as paredes de metal. Logo virou-se e estendeu seus braços por

sua cabeça para baterem as mãos.

Pete o deixou esperando. — Para trás. — disse. — Quero falar contigo. Traz

Harris também.

Depois de vestir-se, levou-os para fora e de volta para o campo, sentando

nas arquibancadas. Wilson, o zelador, iria se irritar, pensou, havia muita comida e

porcaria por todos os assentos e corredores.

Assim que os outros se sentaram na arquibancada inferior, Pete começou a

falar.

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121

— Somos a Equipe da Dor, certo? — perguntou.

— Claro que sim! — gritou Stavis, e Harris assentiu. Esta foi uma promoção

para ele.

— E do que se trata a Equipe da Dor?

— Infringir dor em nossos inimigos. — disse Stavis, esfregando suas grossas

mãos. — Como fizemos hoje.

— Correto, TC. — disse Pete, sorrindo. — Como fizemos hoje. Mas não

fomos os únicos que causaram dor, certo?

TC pareceu confuso, então Harris o ajudou. — A multidão. — disse. — Fui

golpeado com uma maldita cenoura. — sacudiu sua cabeça. — Quem lançou uma

cenoura?

Pete lhe deu um tapinha nas costas. — Eu fui golpeado com um ovo. Não se

sinta tão mal. — olha-os em ordem. — Sim, a multidão. Mas por que a multidão

estava lançando coisas em nós?

— Por causa do garoto morto. — respondeu seus súditos, em uníssono.

— Correto. — disse Pete. — O garoto morto.

Tirou do seu bolso um papel azul com a lista dos estudantes. Abriu o papel e

o alisou na arquibancada entre eles.

— Este papel tem os nomes de um monte de garotos mortos, e os vivos

simpatizantes. O nome de Adam Layman está aqui, como o da Pantynegros. —

Phoebe Kendall.

— Sua pequena amiga também está nesta classe. Pinky McKnockers — disse

Stavis. — E acho que Thorny também está.

— Sim. — disse Harris, assentindo. — O treinador deixará esses dois e

William perder o treino uma vez na semana para ir a essa coisa. E nem sequer me

deixa ir cedo para a festa de aniversário da minha avó.

— Acredite em mim, Morgan, o treinador não está nada feliz com isso.

Kimchi lhe ordenou que os deixassem ir. Se fizesse da sua forma, não os deixaria ir,

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122

e o Zumbi nem sequer estaria na equipe. — olhou cada um deles, com seus dedos

batendo no papel.

— E é por isso que precisamos fazer algo sobre o assunto.

— Está irritado por que fomos enganados por aqueles Zumbis na floresta,

hein, Pete? — disse Stavis.

Pete quis bater nele, mas ainda precisava dele, então continuou dando

golpes no papel com seus dedos.

— Claro, em parte. Não podemos deixar que qualquer um zombe da Equipe

da Dor, jamais. Mas é mais do que isso. Precisamos fazer algo por que o que está

acontecendo não está certo. Coisas..., mortas andando entre nós, indo para a escola,

jogando nos Badgers? Não está certo. Toda esta merda sobre os Deficientes Vitais e

de Diferente Fator Biótipo é só merda. Estas coisas nem sequer são humanos. Li

umas coisas que diziam que eram demônios ou sinais do fim do mundo ou algo

assim, e provavelmente estão certos.

Stavis, que, Pete sabia, não tinha oportunidade de pertencer ao raciocínio

analítico de seu SAT, assentia com a cabeça. Harris ainda parecia como se estivesse

se perguntando para onde ia Pete com tudo isto.

— Não acredito que sejam humanos, e certamente não estão vivos. Para ser

honesto, só espero pelo dia em que se lancem e comecem a andar tentando comer

nossos cérebros. Mas inclusive se isso não acontecer, o que vem a seguir?

Hambúrgueres de vermes preparando tua vitamina na Honeybee? Ocupando

dinheiro de bolsas que deveriam ser destinadas para garotos com uma vida pela

frente? Só espere até que um Zumbi, queira sair com sua irmã, Harris?

— Não quero nenhum Zumbi incomodando minha irmã. — disse Harris, e

Pete sabia que ele tinha mudado de ideia.

— Eu tampouco, amigo, e esse é o porquê temos que fazer algo sobre esta

lista. — disse, sacudindo-a na frente dos seus rostos, antes de passá-la para Stavis,

que apertou seus lábios e entrecerrou os olhos enquanto lia os nomes.

— Temos que fazer algo para..., afugentá-los. Quem quer que sejam.

— O que você quer dizer com afugentá-los? — perguntou Harris.

— Quero dizer que temos que tirá-los do jogo. — disse Pete. —

Permanentemente.

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— Não podemos sair matando pessoas. — disse Harris. — É loucura.

— Não estou falando de matar pessoas, homem. As pessoas nesta lista:

Adam; Julie e os outros, eu acho que merecem uma boa surra por confraternizar

com estes monstros, mas não estou falando de matá-los. — sorriu. — Só os outros.

Harris nega com sua cabeça. — Pete, cara...

— Espera Harris. Quero que pense nisso. Eles não são pessoas. Não são

cidadãos. Não têm direitos. Vocês não ouviram toda a conversa em Washington? O

que o senador ou o que seja que ele é disse antes do jogo, é uma MERDA, cara. Eles

são como fungo, não há uma lei contra matar um fungo. As pessoas destroem todo

o tempo essas coisas e ninguém se importa. É só questão de tempo para que essas

coisas comecem a querer meninas reais. E garotos reais. Logo estarão se casando

entre eles. Podem imaginar isso?

— Tenho duas primas de treze anos. — disse Stavis, coçando sua grande

cabeça. — Mataria qualquer Zumbi que fosse atrás delas.

— É por isso que todos estes Zumbis estão indo para a floresta para nos

atacar. — disse Pete. — Por que essa coisa que chamam de Tommy Williams está

tentando meter-se nas calças de Julie. E não podemos deixar que isso aconteça.

— Quem é Julie? — perguntou Stavis, levantando o olhar da lista.

— O quê?

— Eu disse: quem é Julie? Não há nenhuma Julie nesta lista.

Pete sente um calor subindo para suas bochechas.

— Então, me processe, seu idiota. — disse. — Phoebe, Julie, Jenny, Katie,

Hildegard. Qualquer que seja seu nome, temos que protegê-las deles. Temos que

protegê-la dela mesma.

Stavis devolveu a lista e logo estendeu suas mãos.

Pete mantém seu olhar por um momento. — Então, estão comigo nisto?

— Absolutamente.

— Harris?

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Harris esfrega sua mandíbula com uma mão nervosa. — Sim. Sim, acho que

sim.

Pete estendeu sua mão e lhes deu um tapa em seus ombros, do mesmo

modo que ele tinha golpeado suas ombreiras como se estivessem agrupados no

campo. — Bem.

Seu grupo se inclina para frente, e ele conta seu plano.

Pela quinta vez, Phoebe lia a nota que Adam tinha lhe entregado. Uma no

campo, uma no carro no caminho para casa, outras três vezes durante toda a noite,

e a última enquanto estava sentada na frente do monitor de seu computador. Havia

um endereço de e-mail no final da nota, Phoebe digita uma resposta curta e clica

em ENVIAR.

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CAPÍTULO 13

Na segunda-feira, uma Van azul buscou Phoebe e Karen DeSonne na

escola e as levou à Fundação Hunter para que fizessem a parte do trabalho de suas

práticas. Trocaram breves saudações, Karen tirou um livro de sua mochila e se

começou a ler enquanto Phoebe olhava pela janela. Phoebe espirrou em certo

momento, e Karen tossiu um minuto depois, o que levou a primeira a pensar que a

garota morta talvez estivesse rindo dela, embora não estivesse segura disso. O

livro que Karen lia era Enquanto Agonizo, de William Faulkner.

Phoebe estava convencida de que lhe haviam dado o trabalho mais chato de

todos: o de escritório. Margi ia trabalhar no laboratório e, ao que parecia, Adam

havia conseguido um posto fácil na equipe de manutenção. O plano era que todos

trocassem a cada seis meses, mas, depois do primeiro dia, Phoebe soube que

seriam muitos. Passaram-se às quatro horas do seu turno abrindo cartas e

classificando-as em três montes: mensagens de apoio, mensagem de queixa e lixo.

Angela passou por ali com duas grossas pilhas de papel.

— Correios. — explicou. — Classifique-os da mesma forma, por favor.

Espero que nenhuma das duas se ofenda com facilidade.

Phoebe disse que não e, ao se virar, viu que Karen piscava fingindo

preocupação; suas pestanas tinham mais movimento que os corpos de muitos

Zumbis. Os olhos de Karen tinham uma fina coroa de azul cristalino nas bordas da

retina, mas eram da cor dos diamantes na zona próxima as pequenas pupilas.

Perguntou-se que aspecto teria quando estava viva.

Quase todos os e-mails eram mensagens de ódio e eram até interessantes,

ao menos no princípio, quando parecia que havia alguma variedade. Impressionou

a criatividade dos escritores.

Estimados Necrófilos:

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O que estão fazendo é pecaminozo; está errado e no fundo, vocês sabem. Se

vocês querem tão bem aos mortos, porque não morrem também e ficam com

eles? Os mortos são mauvados, demoníacos e deveriam ser queimados, todos.

Aproxima-se a chegada de Jesus e ele se desgostará muito quando ao ver o que

fazem. Arderão no inferno.

Saudação,

Uma alma Virtuosa.

Ao que parece, a alma virtuosa, não se preocupava tanto com a ortografia

quanto em julgar os demais. Havia muitas almas virtuosas que escreviam

diferentes avisos e, embora para Phoebe, as cartas davam-lhe arrepios, não eram

nada comparadas com a dúzia de mensagens com ameaças de natureza menos

metafísica.

— Aqui tem uma boa. — disse Karen, aproximando-se com uma folha de

papel de caderno amarelo, onde alguém havia escrito com letras maiúsculas. Era

uma carta curta:

SÃO COMO UMA CLÍNICA DE ABORTOS, MAS PIOR. ROUBAM O DEIREITO À

MORTE, COMO ELES ROUBAM À VIDA, E AS BOMBAS TAMBÉM CHEGARÃO A

VOCÊS. É SUA ÚLTIMA OPORTUNIDADE.

— Deus meu. — disse Phoebe, olhando a pilha de cartas que tinha a sua

frente.

— Porque não deixa as cartas para mim? — perguntou Karen depois de rir,

pegando o monte de cartas da mesa de Phoebe. — Quem sabe que tipo de esporos

ou toxinas pode conter nesses..., monstros..., pelo correio?

— Obrigada, Karen.

— Tranquila. Se te disser que algo cheira engraçado..., você começa a correr.

Phoebe sorriu e esperou que estivesse brincando.

Ao final do turno tinha dois comunicados, ambos correios eletrônicos, no

monte positivo. Um era de um senador de Illinois que acreditava no trabalho que

estavam fazendo, e outro de alguém que havia enviado o recibo de um depósito de

vinte dólares através de PayPal à Fundação Hunter.

Espero poder enviar-lhes minha filha algum dia. Agradeço-lhes a informação

que me enviaram pelo correio eletrônico, estamos fazendo o que podemos, mas

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é difícil desde que meu marido se mudou. Todavia continuamos casados e

tentamos ser uma família, mas minha filha mais nova tem muito medo de viver

com Melissa nestes momentos. Melissa já pode falar com mais clareza, ainda

que nos preocupe, porque quando Jonathan levou Emily, Melissa deixou de

falar de repente. Como sempre, lhes agradeceria qualquer conselho. Que Deus

os bendiga.

Phoebe não sabia por quem sentia mais naquela família destroçada, se pela

garota morta, pelos seus pais ou sua irmãzinha. Todos sofriam; cada um a sua

maneira, e duvidava que houvesse uma solução simples. Gostaria de poder ler a

correspondência anterior para saber por que a senhora do correio estava tão

agradecida pelas palavras de Angela ou Alish.

Se fosse ensinar a Karen, que não havia levantado o olhar de suas três

ordenadas pilhas desde que havia levado o resto dos e-mails, mas então o senhor

Davidson, o diretor de operações, entrou para lhe dizer que a Van as esperava para

levá-las para casa.

A maior parte das práticas ocupava o grupo de encontro, que Angela dirigia

em um cômodo salão com várias cadeiras acolchoadas e sofás dispostos em um

semicírculo irregular. Havia mesinhas nas quais normalmente tinha refrescos e

sacos de batatas fritas que os estudantes vivos pegavam da dispensa anexa. Em

algum momento da orientação, Phoebe havia mencionado que gostava de café, e

percebeu que haviam adicionado uma cafeteira. As cadeiras eram muito mais

confortáveis (e menos barulhentas) que as da biblioteca, e os sofás grandes o

bastante para que duas pessoas sentassem sem se tocar. Na segunda sessão,

Phoebe e Margi compartilharam um sofá.

— Olá. — saudou Angela. — Como passaram o fim de semana?

Ninguém respondeu. Os garotos com diferentes fatores biótipos guardaram

silêncio e permaneceram quietos; os vivos, idem, salvo Thornton, a quem custava

não se mover.

— Os advirto que as perguntas vão sendo mais difíceis. — instituiu Ângela,

sorrindo.

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— O meu foi genial. — respondeu Thornton. — Ganhamos o jogo.

— Claro. — disse ela, assentindo. — Havia me esquecido que muito de vocês

jogam.

— Sim, Tommy foi a estrela, mesmo que apenas por um par de jogadas. —

dizia em tom de brincadeira (Thornton não tinha nem um grama de maldade em

todo o corpo), mas fracassou.

Phoebe tentou interpretar a expressão de Tommy, ainda não via nada

reconhecível; desejou poder saber se sentia algo sobre seu iminente encontro:

estava nervoso, emocionado, arrependido ou que?

— Pois se Tommy houvesse estado na linha comigo, Denny não teria

marcado. — interveio Adam.

— Não? — perguntou Angela.

— Não. É melhor que o garoto que o treinador colocou.

— Então, porque o treinador tirou Tommy, Adam?

— Ah, porque lhe dava medo que o garoto morto jogasse.

— Com Diferente Fator Biótipo. — corrigiu ela, sorrindo. — Um garoto com

Diferente Fator Biótipo.

Adam encolheu os ombros.

— Não. – disse Tommy, e Angela deu a ele um sorriso.

— Que não era essa a razão? — lhe perguntou.

— Não, com Diferente Fator Biótipo..., não. Morto..., está bem.

— Não se importa que te chamem de morto? — perguntou ela, arqueando

as sobrancelhas.

— De Zumbis também. — adicionou Karen. — Entre nós nos chamamos de

Zumbis, com carinho. Parecido com..., as pessoas..., de minorias..., culturais e

étnicas... Recupera certos..., apelativos pejorativos..., para utilizá-los entre eles.

Angela tamborilou em seu caderno com a caneta e piscou.

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— Entendo. Todos compartilham essa opinião ou consideram o termo

Zumbi, uma palavra prejudicial?

Evan assentiu lentamente, e Angela perguntou a Tayshawn.

—Depende..., de quem..., o diga. E..., de como..., o faça. — o garoto respondeu.

— As pessoas vivas falam para machucar. — disse Thornton, e, quando

todos se voltaram para olhá-lo, fez cara de desejar não ter aberto a boca. — Quero

dizer, às vezes. Não sempre.

— Utilizou alguma vez a palavra Zumbi para se referir a uma pessoa viva de

maneira negativa?

— Não.

Era Colette quem havia falado, e Phoebe achou que sua voz não tinha nada a

ver com a da garota despreocupada e simples de dois anos atrás. Percebeu que

Colette havia demorado todo esse tempo em fazer todo mundo saber que não

gostava que a chamassem de Zumbi.

— E porque, Colette?

Phoebe se afundou no sofá. E se a resposta de Colette era que não gostava

que a chamassem de Zumbi porque suas supostas amigas a haviam abandonado,

deixando-a sozinha em seu sofrimento.

Se Colette tinha tais pensamentos, os guardou para si.

— As pessoas..., nos..., odeiam.

Angela assentiu transbordante de compaixão.

— Obrigada, Colette. Apreciamos sua sinceridade. — olhou durante uns

segundos para seu caderno. — Creio que é um bom momento para comentar as

regras e o objetivo destas sessões. Começarei dizendo que o objetivo é

compreender e assimilar melhor os direitos, as idéias e as preocupações das

pessoas com DFB. Nós gostaríamos que todos entendessem melhor a forma de

pensar e os sentimentos dos demais membros do grupo. Queremos que, quando

saiam daqui, sejam capazes de ver as coisas através dos olhos dos demais, e que

eles possam ver também com maior clareza. Para consegui-lo, precisamos criar um

ambiente de sinceridade total. Queremos que dêem sua opinião, mas o façam com

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respeito. Se não entendem o ponto de vista de alguém, por favor, façam perguntas.

Não precisam levantar a mão, queremos que o tom seja informal, não como se

estivessem em aula, mas queremos que todos tenham sua oportunidade, assim

pode ser que interrompam alguns que acompanham o dialogo. — Phoebe teve a

impressão que Angela olhava para Karen, embora não tivesse certeza. — Esta é a

parte das práticas pelas quais receberão uma nota. As notas dependerão do grau

de participação. Há alguma pergunta sobre os objetivos ou as regras de

participação? — olhou a todos um a um, mas ninguém falou. — Não? Bem, então

tenho uma pergunta para Colette: Porque acredita que as pessoas os odeiem?

Colette pareceu atravessá-la com o olhar, sem se parecer afetada por seu

brilho. — Por que..., me..., disseram.

— Mmm, para alguém mais disseram que lhes odeiam?

Ao princípio levantaram-se todas as mãos, menos Phoebe, Margi lhe fez

cócegas.

— O que? Para mim ninguém nunca disse.

— Não com essas palavras. — respondeu Margi. Falava somente com

Phoebe, mas Angela aproveitou.

— O que você quer dizer Margi?

— As pessoas nos dão muitas indiretas, para Pheebes e para mim, porque

nos vestimos e atuamos de maneira diferente. — respondeu. Phoebe ficou perplexa

com a intensidade de seu olhar.

— Odiar, é uma palavra muito forte Margi. — disse Phoebe.

Estava surpresa de quão convencida sua amiga parecia.

— Mais é a correta. — interveio Adam. — Os garotos odeiam por pouco. As

pessoas são assim.

— Quem você acredita que te odeia Adam? — Angela lhe perguntou.

— Preferiria não dizer.

— Me parece justo. Essa é outra regra, claro: se uma pergunta os faz se

sentir desconfortável, não têm que respondê-la. Não afetará a nota, sempre que

participem em outras ocasiões.

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— A pergunta não me faz sentir desconfortável, é que não quero respondê-

la.

— Ok. — disse Ângela, sem perder seu bonito sorriso.

— Ok. — respondeu Adam, abrindo os braços.

— Estupendo, me deixem trocar de tema. De todos os que estão aqui, para

quantos disseram que os amava?

Quase todos levantaram a mão, menos Colette e Sylvia Stelman.

— Sylvia?

Sylvia fechou os olhos. Um minuto depois, abriu um deles.

— Não..., desde..., que..., morri. — respondeu, e abriu o outro olho.

Angela fez um ruído de compreensão, mas foi Karen quem falou; seus olhos

brancos de diamante pareciam refletir até a pálida luz fluorescente do teto.

— Te amo Sylvia. — estava sentada no fim do semicírculo, então se levantou

e foi abraçá-la. — E a você também, Colette.

Angela fez algumas anotações em seu caderno. Colette não parecia querer

soltar Karen.

— Vamos fazer uma pequena pausa. Quando voltarmos, leremos alguns

jornais e artigos da semana passada sobre as pessoas com DFB.

Phoebe viu como Karen abraçava Colette, tragou saliva e se virou, piscando

muito depressa.

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CAPÍTULO 14

— Não posso acreditar que está me fazendo fazer isso.

Phoebe sorriu. ― Eu sei.

— Me deve muito por isso, Phoebe. Isso é importante.

— Importante. — repetiu Phoebe. Gotas de chuva brilhavam no parabrisa

iluminadas pela luz de um carro.

— Então. — disse Adam. — É como um encontro, ou algo assim?

— Algo assim. Não sei.

— Tem sentimentos por ele?

— Tenho sentimentos por todos, Adam. — quanto mais Adam falava, mais

devagar dirigia. Phoebe supôs que outro carro os ultrapassaria a qualquer

momento. A caminhonete do PDT virou no acostamento coberto de grama.

― Sabe que ele está morto, certo?

Ela virou-se para ele no assento enquanto palavrões saiam de sua boca.

Adam a deteve rindo.

— Estava apenas comprovando. ― disse.

― Presta atenção no caminho. ― disse ela, incapaz de reprimir o riso. —

Não sei o que á, Adam. Ele está interessado em mim, isso é tudo.

― Não pode estar atraída por ele, ou está? ― voltou-se para ela. — Apenas

me diga para calar a boca se quiser.

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— Não tem que calar a boca.

— Ok. Então, ele te atrai? Atrai, atrai?

― De verdade não sei o que me atrai. Não sei.

Adam assentiu. Phoebe perguntava-se no que ele pensava sobre o que ela

explicava.

— Não sai para muitos encontros. ― disse ele.

— Não saio para muitos encontros. Não como você, de qualquer forma.

Aliás, como se chamava?

Encolheu os ombros. ― Ela é quem é. Apenas estou tentando compreender

onde está sua cabeça.

— Bem, então, onde está a sua? Perguntei como ela se chama.

— Boa troca de tema. Não sei.

Phoebe sorriu, apoiando sua cabeça na janela. — Bom, aí está. Eu também

não sei.

Parecia um bom momento para ficarem em silêncio, foi o que fizeram.

Uns minutos depois chegaram a entrada da Fundação Hunter no limite da

cidade. Esse lugar fez Phoebe pensar em um castelo medieval. Em vez de um fosso,

havia uma alta parede de pedras e um caminho que estava fechado por um portão

de metal.

Adam se aproximou pela janela do carro e pressionou o botão vermelho do

interfone.

― Em que posso te ajudar? ― perguntou uma masculina e monótona voz.

— Adam Layman e Phoebe Kendall. ― disse Adam. ― Estamos aqui para

buscar Tommy Williams.

Houve uma breve pausa antes que a voz respondesse. ― Dirija-se ao Edifício

Um.

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Esperaram que o portão se abrisse, o logo da Fundação, um grande e

estilizado B e F se dividiram e lentamente se abriu.

Adam colocou a caminhonete de PDT em marcha.

― Acredito que esse foi Thorny. ― disse.

— Pode ser. Trabalha na segurança com você, certo?

Ele assentiu. ― Sim. Mas eles o consideram de fácil manutenção,

provavelmente porque tiramos o lixo e podemos golpear os pseudo bioistas

sabotadores.

― Quantos golpes você já deu? ― disse, rindo. ― E o que é um bioista?

— Zero até agora, mas ainda tenho esperança. E um bioista é como um

racista, mas odeia pessoas mortas.

― Ahh. Tem armas? Eu adoraria ver Thorny com uma.

― Sem armas. É suficientemente mau com o telefone. Ainda que Duke

carregue uma arma. É uma arma de eletrochoque, se pode acreditar.

― Uma arma de eletrochoque? Quem é Duke?

― Davidson. Esse menino é realmente complicado. Mesmo Zumbrowski tem

mais personalidade e calor que esse cara.

― Adam!

― Sinto muito. ― disse. ― Não censuro meus pensamentos contigo.

Adam dirigiu até o Edifício Um. Evan Talbot, suas descoloridas mechas de

cabelo laranja como finas tiras de cobre, estava de pé na varanda com Tommy.

— Evan vem também? — disse Adam. — Ficaremos um tanto apertados.

—Não sei. — disse ela, e saiu na chuva. — Olá Tommy. Olá Evan.

— Olá..., Phoebe. — demorou um tempo para Tommy dizer seu nome. —

Adam pode..., dar uma carona..., a Evan?

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Adam se inclinou e disse de dentro do carro. ― Olá. Não acho que haja

espaço no taxi. Acredito que alguém pode subir na caçamba, mas acho que a chuva

está começando a cair mais forte, será uma carona bastante úmida.

Tommy assentiu. — Eu vou.

— De forma alguma. ― disse Evan. ― Eu..., irei..., atrás.

Moveu-se para a parte de trás e começou a subir. Phoebe o observava

caminhando torpemente, seus braços e pernas grandes e duros. Moveu-se

rapidamente para um garoto morto, e ela perguntava-se qual era a diferença -

porque alguns como Colette e Zumbrowski pareciam se mover em maior

velocidade para os Zumbis, o que era como se mover a ¼ da velocidade normal.

Adam saiu da caminhonete e levantou a tampa da caixa de ferramentas que

era a base da capa. ― Acho que PDT tem uma lona aqui. Ainda assim vai se molhar,

mas deve ser de alguma ajuda.

— Meu Deus. ― disse Evan. ― Espero..., não pegar um resfriado.

Humor Zumbi; pensou Phoebe.

Adam estendeu a lona sobre Evan, quem esperou até que terminasse de

colocá-la em cima de sua cabeça. Adam o olhou, alguém de tamanho médio debaixo

de uma lona, e sacudiu a cabeça.

— Isso é assustador. ― disse.

Phoebe viu que o canto da boca de Tommy também estava levantada. Ele a

olhou e ela teve a sensação de que seus olhos estavam iluminados.

— Gosta..., de dançar? — perguntou.

Ela riu. — Acho que sim.

― Genial. Vamos..., a..., um clube. A Casa Assombrada.

As sobrancelhas de Phoebe se elevaram e seus lábios se apertaram em

concentração. E perguntou-se se como seriam em Tommy aqueles movimentos

faciais tão mínimos. Imaginou seu rosto mudando constantemente em

impressionantes movimentos e tics. Se Tommy notou sua repentina timidez, não

deu sinal.

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136

— Não dançamos..., realmente. — disse ele. — Apenas nos..., chacoalhamos.

A grossa linha de seus lábios levantou-se em um canto. Phoebe riu.

— Santo Deus. — disse Adam. — Realmente é uma casa assombrada.

Estacionaram na entrada livre de uma casa do outro lado de Oxoboxo,

branca colonial e antiga, destemida na pálida luz do anoitecer, com grama cinza até

a altura da cintura, que se mexia com a suave brisa. Havia uma ampla varanda na

frente, o telhado havia caído de um lado. Viu um enorme celeiro um pouco mais

longe da rua. Na casa principal, as persianas estavam abaixadas em algumas

janelas que não estavam completamente estropiadas. A maioria das janelas

estavam quebradas, deixando pedaços de vidro que brilhavam com a luz da

caminhonete.

As janelas estavam abertas, e podiam escutar música forte e rápida, fazendo

a casa tremer. Havia uma tênue luz em alguma parte dentro da casa, apenas

algumas brilhavam intermitentemente, ainda que estivessem completamente

iluminados por duas ou três velas.

— Por favor..., entrem. — disse Tommy.

Disse a aranha para a mosca, pensou Phoebe. Tommy saiu da caminhonete,

assim como Adam. O lado esquerdo de Phoebe estava duro por ter ficado apertada

entre eles; seu lado direito, o que havia ficado contra Tommy, não sentia nenhum

calor adicional. Tremeu quando saiu da caminhonete, mas pode ter sido a chuva

golpeando sua nuca.

Seguiram Tommy pela varanda. A música agora estava a um nível quase

absurdo, enquanto mudava de Grave Mistake para um Metal que Phoebe não

reconheceu, o ruído dos auto-falantes ameaçavam derrubar o resto do teto. Pôde

sentir as vibrações através de suas botas. O ar cheirava a madeira velha e,

sutilmente, decomposição. Madeira podre ou talvez o cheiro da vegetação.

— Ele está bem ali atrás? — disse Adam, assinalando a caminhonete.

Phoebe havia se esquecido completamente de Evan, quem no momento exato, tirou

a lona com um amplo sorriso no rosto.

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Era desconcertante. Os mortos não sorriem muito.

Ela e Adam trocaram um olhar de ligeira apreensão. Sabia que Adam não

demonstraria medo, e estava bastante bem ao ser imperturbável, mas agora

estavam em águas desconhecidas.

Sentiu o suave toque de Tommy em seu braço.

— A música está..., alta? — perguntou Tommy.

— Bastante.

— A..., abaixaremos. — disse. — Precisa de bastante..., para fazer..., os

mortos..., sentirem.

— Também deve ser difícil de ouvir. Vivem aqui? — disse Adam por cima de

um cover do Iron Maiden. Phoebe o golpeou nas costelas. Demorou um momento

para ele se dar conta da razão.

— Uhh, é forma de dizer.

Tommy sorriu, quase foi um sorriso verdadeiro. — Alguns de nós vive.

O seguiram para dentro da casa. Mas depois da entrada havia uma larga sala

onde um número de figuras somente reconhecíveis como uns sombrios contornos

bloqueavam a tênue luz que havia.

— Parem! — gritou Evan. O pulso de Phoebe disparou. — A música!

Por um instante, na mente de Phoebe apareceu a cena do filme O retorno dos

mortos vivos em que a garota punk tira sua roupa e começa a dançar pouco antes

que os Zumbis comecem a sair de suas tumbas e se arrastam por todo o lodo.

A música parou, e o único som era o ruído surdo enquanto Tommy golpeava

o sorridente Evan na parte de trás de sua cabeça.

— Bem vindo a..., Casa Assombrada. — disse Tommy. — Quero que

conheçam algumas..., pessoas.

Havia muita gente na grande sala, que estava vazia exceto por dois alto-

falantes no chão e uma pequena lâmpada com uma luz âmbar em cima da lareira.

Cabos saindo dos alto-falantes, e a grossa extensão do cabo amarelo iam até outro

Page 138: Geração Morta

138

cômodo adjacente que tinha sofás e cadeiras; havia outros garotos ali, mas o

cômodo estava as escuras, apenas penetrava um pouco da luz da sala.

Tommy disse. — Zumbis, estes são Phoebe e Adam. Adam e... Phoebe, estes

são os... Zumbis.

Phoebe saudou-os com a mão. Adam disse. ― Olá Zumbis! ― mas estava

muito longe para que ela o golpeasse outra vez.

Ela reconheceu vários deles. Sylvia estava ali, como também estava Mal, o

garoto de sua pequena aventura no bosque. Ele balançou seus dedos. Tayshawn

saiu do cômodo escuro e os cumprimentou. Karen usava um longo vestido branco

que parecia feito de luz da lua. Os cumprimentou também.

Tommy respondeu a pergunta muda de Tayshawn assentindo com a cabeça.

— Mas mais baixo. Pelos nossos..., convidados.

Tayshawn desapareceu, e um momento depois uma canção de Slayer

encheu a casa em um volume que era um pouco mais alto do que Phoebe escutaria

em seu iPod.

— De onde obtém a eletricidade? — perguntou Adam, gritando na orelha de

Tommy.

— Gerador. — respondeu Tommy. — Energia a gás.

— E como obtém o gás? Vocês trabalham?

Tommy sorriu. — Agora..., sim. Alguns de nós.

Phoebe olhou a sala. Alguns garotos estavam tentando dançar, como

Tommy havia dito. Os ombros de Evan eram uma espécie de espasmo; Mal, não tão

rápido, tentava mover sua cabeça ao som da música, mas apenas alcançava

algumas notas. Havia uma menina que movia ligeiramente um só braço, seus dedos

pressionados contra a parede para atrair vibrações da música a seu corpo sem

vida.

— Angel of Death, uh? — disse Adam, repetindo o título da música e

cantando o refrão. Não era um garoto de música, e todas as tentativas de Phoebe

para mudar esse defeito de personalidade foram recebidas com uma completa

resistência. Gostavam de Kenny Chesney e um pouco de rock clássico, e se

chamavam de Zumbis entre eles. São bastante irônicos, não?

Page 139: Geração Morta

139

Ela se perguntava se era seu tamanho o que tornava Adam suficientemente

confiável para começar a falar, se meter e às vezes ser tão insensível. Mas esse era

Adam. Perguntava-se também se ela fosse alta e bonita, ou a menina mais

inteligente da escola, se teria esse tipo de confiança.

— É um estado irônico o que estamos; não acha?

Isso veio de Karen, que havia se aproximado deles. Como um fantasma,

pensou Phoebe. Agora, quem era irônico?

— Tem que admitir que toda a ideia dos mortos voltando a vida é algo

irônico. É uma espécie de contrário a..., cultura gótica, onde os vivos..., idealizam

coisas mortas e escuridão.

Phoebe sentiu-se ruborizar e perguntou-se se o vermelho em suas

bochechas podia ser detectado na fraca luz. Não podia dizer se Karen havia tirado

sarro dela de propósito ou apenas estava dizendo a verdade como a via.

Karen era a única menina morta que Phoebe podia dizer ser sem dúvida;

bonita. Colette, bonita quando viva, perdeu um pouco de seu brilho com a morte,

seus olhos escuros agora estavam meio mortos e seu suave cabelo castanho estava

quebradiço e bagunçado. Ainda assim Karen era impressionante. O vestido que

usava era apertado e terminava pouco abaixo dos joelhos, seus ombros desnudos

eram perfeitos, como toda sua pele. Sua voz estava livre da complicação global que

todos os outros garotos mortos apresentavam. Estava descalça, e mesmo seus pés

eram bonitos.

Os de Diferente Fator Biótipo, pensou Phoebe. Os olhos de Karen eram

diamantes brancos mesmo na tenebrosa luz.

— Rio com a ironia da realidade todos os dias. — disse Karen, seus olhos

pareciam atravessar a cabeça de Phoebe.

Karen piscou, inclinou-se e beijou Phoebe na bochecha, depois foi embora.

Aconteceu tão rápido que Phoebe não teve tempo para raciocinar. Observou Karen

do outro lado da sala com Sylvia, que estava imóvel encostada na parede. Pegou

uma mão de Sylvia e a levou até o cômodo escuro. Deu-se conta que o vestido de

Karen lhe lembrava o que Marilyn Monroe usou naquele filme onde parou em cima

do buraco do trem. Os cavalheiros as preferem loiras? Por alguma razão o rastro

frio que os lábios de Karen deixaram trouxe calor à bochecha de Phoebe.

― O que foi tudo isso? — disse Adam. Phoebe sacudiu sua cabeça, estava

sem palavras.

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140

— Você..., pensaria. — disse Tommy. — Que Karen..., aceitou-a facilmente...,

entre nós.

Phoebe assentiu, esperando que ele continuasse.

— O contrário..., é o certo. — disse. — Suficientemente irônico.

— É incrível. — disse Phoebe.

— Temos mais..., pessoas..., se unindo a nós a cada dia.

— Sim. — disse Adam. — Percebi. Parece haver mais Zumbis por aqui do

que antes. Não tinha ideia de quantos garotos haviam morrido por aqui.

Phoebe observou Tommy olhá-lo. — A maioria..., não morreu..., aqui.

— Oh! Sério? De onde vieram?

Tommy podia estar sorrindo, era difícil dizer com essa luz. — Vem..., de

todas..., as partes. E tem..., razões..., para vir.

Tayshawn colocou uma música do Misfits, Dust to dust - uma das favoritas

de Phoebe; e o repentino rompimento da guitarra cortou a conversa como uma

serra.

— Vocês..., gostariam..., de ver..., o resto da casa?

— Claro. — disse Phoebe. — Adam, você vem?

— Não obrigada. Ei, Evan tem algum lanche aqui? Batatas ou algo?

Todos o olharam, e para horror de Phoebe, Adam moveu um canto de sua

boca em perfeita diversão. Evan fez um som como um pequeno ronco, sua versão

de risada. Ela não estava segura de querer que Adam piorasse as coisas — a forma

pouco sutil como se afastou dela e Tommy, ou o risco de ofender seus anfitriões.

Mas Tommy estava sorrindo. — Vamos.

Ela o seguiu por uma escada que terminava em escuridão.

— Uhh, Tommy. — disse. — Sabe que não posso ver na escuridão como

vocês.

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141

— Certo. — disse ele, e ofereceu sua mão. Estava fria e suave.

Ela estremeceu, em parte por seu toque, e em parte ao pensar que mais

alguns passos e estaria em uma completa escuridão, com apenas a mão dele para

guiá-la.

— Então. — disse, soando nervosa até para ela mesma. — Disse que alguns

de seus..., amigos ficam aqui?

— Sim. — respondeu. Agora suas costas eram visíveis apenas como um

vago contorno. — Alguns..., pais..., não estão de acordo. Mal fica aqui. E Sylvia.

Cuidado, este é o último degrau.

— Você não?

— Não. Fico..., com..., minha mãe. Vivemos em um trailer..., no

estacionamento de trailers de Oxoboxo. Dê a volta. Há outro lance de escadas.

A escuridão no início do segundo lance de escadas era total. A música

vibrava através da escuridão, mas logo não precisavam gritar para ser ouvidos.

— Sério? Com sua mãe? — pensou que era conduzida por um corredor que

devia ser paralelo as escadas. Tinha medo de que se estendesse sua mão livre não

haveria paredes. Sua mão, a que parecia estar morna com a dela, era como uma

corda que a levava rapidamente a realidade.

— Sério. Aqui.

O escutou abrir uma porta, e uma pálida luz alcançou seus olhos, vindo das

enormes janelas de uma parede distante. Uma das janelas estava quebrada, e o

vento gritava pelo quarto como se fosse ferido pelos cacos de vidro. Estava

bastante frio.

Tommy não tinha frio. Soltou sua mão e caminhou até a ventania.

— Eu amo essa vista. — disse.

Abraçando a si mesma pelo frio, se uniu a ele. Estavam altos o suficiente

para poder ver o bosque Oxoboxo. As nuvens em cima eram ondulados algodões

cinza contra o céu escuro; em alguma parte atrás das enroladas nuvens estava a

lua. Houve um clarão, e um raio dividiu o céu.

Page 142: Geração Morta

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— Uau. — disse Phoebe. O olhou, principalmente para apagar a imagem

mental de camponeses carregando tochas para queimar a casa. Ele o olhava a

distância com uma intensidade que os vivos jamais alcançariam.

— O lago está atrás dessas árvores. — disse. — Nas noites claras, quando a

lua está perto, posso vê-lo brilhar. Como as estrelas, só que aqui na terra.

— Eu adoraria ver. — a voz de Phoebe tremia a medida que o frio começava

a entrar em sua pele.

— Está gelada. — disse ele pegando sua mão, e ela quase sentiu como se

estivesse mais quente que a dela.

Desejava poder dizer-lhe algo inteligente e engraçado como faria Adam,

algo como, Sim, por acaso esqueceu que estou viva? ou Todos os garotos mortos

dizem que sou frígida, mas descobriu que não podia dizer como faria se estivesse

sozinha com Adam e Margi.

Tommy a levou para fora. — Quero te mostrar outro quarto. — voltaram ao

segundo andar e ao corredor. O sentido de desorientação de Phoebe era total;

sabia que as grandes janelas de cima davam para o pátio de trás da casa, mas

pensou que haviam virado a direita, o qual os levaria de volta a essa direção. A

música era uma pesada vibração de alguma parte longínqua.

Tommy parou. — Phoebe. — disse, sua voz fez eco no quarto.

— Sim, Tommy?

— Confia em mim?

Oh, oh! — Porque não confiaria?

— Preciso que confie em mim.

— Ok. Confio em você.

Ele soltou sua mão.

— Bom. — sua voz parecia afastar-se na escuridão. — Deite, por favor.

— Uhh, Tommy, não sei...

— Por favor. — disse ele. — Não é o que você pensa. Confie em mim.

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143

Phoebe podia escutar sua própria respiração na silenciosa escuridão. Que

raios é isso?

— No chão?

— Por favor.

Não podia vê-lo. Perguntava-se se Adam podia ouví-la gritar se chegasse a

esse ponto. E o que acontece se seu grito era o sinal para que os Zumbis atacassem

Adam em uma emboscada, cortando membro a membro enquanto ela estava na

escuridão sozinha com Tommy?

— Por favor. — disse ele. — Não..., não..., não..., vou te..., tocar..., se é isso...,

de que..., tem..., medo.

Ele era difícil de ler, como todos os de diferente fator biótipo. Suas

expressões faciais eram mínimas, sua linguagem corporal ilegível, e suas vozes

monótonas e sem tom. Não podia vê-lo, mas Phoebe pensou detectar tristeza em

suas palavras, tão grande e profundo como o Oxoboxo.

— Ok, Tommy. — disse, agachando-se até que a ponta de seus dedos

roçaram o chão sujo, o movimento de seu corpo levantava o cheiro de pintura

velha e mofada. — Confio em você.

Deitou e acomodou sua saia longa sobre suas pernas. Cruzou as pernas nos

joelhos e juntou as mãos em seu estômago. Seus olhos estavam abertos, e uma

eternidade de escuridão girava a seu redor.

— Obrigado. — ele sussurrou.

Seus lábios estavam secos. Passou a língua por eles, tremendo.

— Já..., volto. — disse ele. — Preciso..., pegar..., uma..., lanterna.

— O que? Vai me deixar aqui?

— Confia..., em mim. — disse. Ela também podia sentir e escutar seus

passos sobre as taboas velhas enquanto se afastava.

Phoebe, Phoebe, Phoebe, pensou. Em que se meteu agora?

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Figuras roxas começaram a sair da escuridão, estranhas formas que

irradiavam e davam voltas em cima dela. Desejou ter prestado mais atenção nas

aulas de biologia, assim poderia ter alguma explicação racional para o efeito, algum

conhecimento de como seus olhos ou o que quer fosse que estivesse causando

essas formas roxas que a rodeava. O silêncio do quarto a havia feito se concentrar

nos sons do andar de baixo — Michael Graves, talvez. — mas a música ficava cada

vez mais débil, como se invisíveis mãos estivessem abraçando-a, mais rápido,

levando-a pelo teto até o chão, em alguma parte distante. Tommy, onde você está?

Espirrou, a poeira da madeira decomposta chegava ao seu nariz. Suas mãos

estavam juntas como que bloqueando seu estômago. Estava completamente

congelada, e era como se a escuridão estivesse tirando todo calor de seu corpo.

Podia ouvir sua respiração muito rápida. Fechou seus olhos quando o escuro

mostrava o que parecia ser rostos e apertos de mão, mesmo quando seus olhos

estavam fechados os rostos continuavam ali.

— T... Tommy? — sussurrou.

Continuou imóvel - até seus tremores pararam. Então soube que jamais

devia ter confiado nele, que ele jamais regressaria, que a havia deixado sozinha na

escuridão.

Quis levantar-se, sair do chão frio de madeira, mas não podia respirar. A

poeira cobria seus pulmões, e quis mover-se, mas tinha medo. Porque, o que

aconteceria se não podia mais se mover? O que aconteceria se tentava mover-se,

mas seu corpo não a obedecia? O que aconteceria se ela e seu corpo já não eram

um só porque a escuridão havia absorvido seu espírito como líquido em um vaso?

Era assim que eles se sentiam?

Perto dali uma luz cortou a escuridão. Ela levantou sua cabeça do chão,

pensando ter escutado estralar seu pescoço. E ali estava Tommy com uma lanterna,

de pé na entrada. Piscou enquanto ele corria a luz pelo quarto, e a força de sua

respiração fez com que a poeira se levantasse e girasse.

— Obrigado, Phoebe.

Ela observou sua respiração, uma mescla de vapor e pó, circulando em cima

dela. — Agora posso me levantar?

— Por favor. Quero te mostrar..., algo.

Moveu a luz até a parede atrás dela.

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145

— Olhe. — pediu.

Ela se virou.

A parede estava coberta com papéis que haviam sido pregados, ou em

alguns casos, cravados no despedaçado gesso. Observou os papéis, alguns se

agitavam com a corrente de ar. A maioria era fotografias digitais impressas em

papel, mas havia umas fotografias mesmo e algumas instantâneas.

O olhar em branco de tantos garotos bioticamente diferentes a olhavam

como se a acusassem.

— Cada um deles..., sentiu..., o que você sentiu agora. O frio. A escuridão. O...,

medo.

Pôde ver o medo gravado em seus rostos em branco. Um menino jovem com

um gorro do Kiss Boston Red Sox afastou seu olhar da câmera, sua expressão como

a de um cachorro depois de tanto apanhar, com medo de olhar para os olhos de seu

dono. Uma menina cujo rosto estava horrivelmente queimado olhava diretamente

para a lente, seus olhos sem pálpebras tinham uma insondável dor.

— Cada um deles..., morreu..., e voltou.

Havia um garoto com a cabeça cheia de cicatrizes, que havia tirado a

camiseta e colocado uma larga faca em seu peito e olhava com uma alarmante

calma e quietude na hora que tiraram a fotografia. Outra menina morta em um

vestido de baile estava ao lado de um pôster do Castelo da Cinderela na

Disneylândia, seu rosto consumido e sem sorriso.

— Não..., pode..., saber..., o..., que..., sentimos.

Voltou-se para a parede e os tristes garotos nela, escutando a mesma dor

em alguma parte de suas monótonas palavras. Havia tantos deles na parede.

Dezenas. Talvez centenas.

Ela o abraçou, e embora não tenha sido um longo abraço, começou a sentir-

se mais quente no momento que se uniram aos garotos movendo-se ao ritmo do

Heavy Metal no andar de baixo.

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146

CAPÍTULO 15

Adam chegou com a caminhonete em sua casa uma hora depois. Phoebe

agradeceu-lhe, desejou-lhe boa noite e correu pelo pequeno trecho de grama que

separava suas casas. Ele a observou afastar-se, e ela deve ter percebido porque se

virou para despedir-se com a mão antes de colocar a chave na fechadura da porta

da frente.

Ele devolveu-lhe o gesto, esperando que um vampiro tentasse cair sobre ela

vindo do telhado, ou um par de assaltantes à espreita entre os arbustos saltasse

sobre ela, porque assim ele poderia entrar em ação. Atacaria com um turbilhão de

chutes e socos com as mãos abertas, prenderia aos criminosos e ela

saberia. Saberia que estava protegida e que ele estaria sempre lá para ela. Ela

saberia de tudo.

Ele bateu no capô do carro, frustrado. Havia apenas três outros carros e a

caminhonete na casa do PTD, o que significava que Jimmy e Johnny ainda estavam

na rua provocando o caos. Roubar carros, dirigir carros, quebrar carros. Por vezes

Adam invejava suas vidas que pareciam muito simples.

No interior, o PDT estava acordado e em frente à TV, assistindo um jogo de

beisebol e dando uma série de risadas. Ao lado de sua poltrona reclinável, no chão,

havia uma fileira de latas vazias. Ele o olhou e acenou com a cabeça.

— Olá.

— Olá, minha mãe está dormindo?

— Sim. — respondeu o homem, ofegando. A camisa de trabalho do PDT

estava aberta até o umbigo, e um tufo de pêlos pretos encaracolados saindo do V

de sua camiseta, que tinha deixado de ser branca há algum tempo. Ainda tinha as

mangas dos braços manchadas de gordura. — Estava muito cansada. Eu acho que

seu patrão voltou a chutar-lhe o traseiro esta semana.

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Adam balançou a cabeça. Sua mãe trabalhava em um banco, e seu chefe era

um homem rude e arrogante, que a tinha feito chorar várias vezes.

— Como foi seu encontro?

Adam procurou sinais de sarcasmo, mas não viu nenhum naquele rosto

curtido. O PTD gostava de assistir televisão com as luzes apagadas, e a iluminação

azul da tela dava-lhe um aspecto pálido, como o de um garoto com diferente fator

biótipo.

— Foi bom. Fomos a uma festa.

— Ah, é? Beberam cerveja?

— Nah.

— Bem, você pode pegar uma se quiser. — disse o PDT, olhando-o. — Se

me trouxer outra.

— Ok Joe. Obrigado.

Adam foi até a geladeira e pegou um par de latas de cerveja, uma para ele e

outra para o grande Joe Garrity, ou PDT. Joe não era um cara tão ruim depois de

tomar a terceira ou quarta cerveja, o que costumava acontecer cerca de uma hora

depois do jantar. Adam passou-lhe a cerveja e deitou no sofá, apoiando a lata em

seu peito largo.

— Você gosta dessa menina, né? — Joe perguntou depois de dar um ruidoso

gole.

— Sim. Sim, eu gosto.

— É a líder de torcida? A loira?

— Holly? — Adam perguntou. Os Soxs23 estavam 3x2, mas ainda faltava

uma rodada. — Nah, mal a vi desde o verão.

Joe deixou escapar um arroto silencioso e se moveu no banco, o qual estava

prestes a fazer com que a lata caísse no chão.

— É linda, mesmo que não se possa dizer que tenha uma grande

personalidade.

23 Time de Beisebol.

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Personalidade; pensou Adam. Seu pai, Bill Layman, também era um

alcoólatra, embora sua personalidade ia em direção oposta quando ficava bêbado.

Enquanto que PDT se tornava mais tolerável, Hill Layman tornava-se um

demônio. Adam bebeu de sua lata, se perguntando por que sua mãe precisava estar

com caras que bebiam.

Ele também pensou em Phoebe.

O PDT soltou um palavrão quando uma bola rasa ricocheteou na luva do

jogador da terceira base e acabou com a corrida para a primeira base, que poderia

ter significado o empate.

— Você está certo. — respondeu Adam depois de um tempo.

— Então, quem é sua nova namorada? Enfim, a garota que mora ao lado?

A verdade vos libertará. Pensou Adam. Deu outro gole da lata.

— Sim.

O PDT ficou em silêncio por um momento. O batedor seguinte acertou a bola

direto para a segunda base, que terminou com um único duplo jogo.

— Parece uma boa garota. — comentou Joe.

— Sim.

Joe adormeceu na nona rodada, em algum momento entre a detalhada

finalização dos lançamentos e a aprofundada análise das mudanças na ordem de

rebatedores. Adam ficou ouvindo seus roncos, até que ouviu um de seus irmãos

chegando de carro, foi quando ele recolheu as latas vazias, as lavou e jogou-as no

lixo para reciclagem. Depois entrou Johnny, cheirando a cerveja e cigarro, deu-lhe

um soco no ombro.

— Olá, irmãozinho. — cumprimentou-o a caminho para seu quarto.

— Olá. — respondeu Adam. Jogou o resto de sua cerveja na pia antes de ir

para seu quarto.

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149

Phoebe pegou o ônibus no dia seguinte, portanto Adam estava sozinho com

seus pensamentos durante todo o caminho. Ele sintonizou em uma rádio esportiva,

algo que nunca fazia quando Phoebe estava na caminhonete, depois de alguns

minutos, lembrou que o agradável charme exibido por Joe na noite anterior não se

prorrogaria, já que o Sox acabou perdendo no nono com um home run24 de duas

corridas. Adeus, Joe, obrigado pela visita. Olá, PDT. Adam se perguntou se haveria

mais garotos cuja vida familiar dependesse em sua maior parte do consumo de

álcool e das partidas de jogos do Sox.

Chegou cedo ao Instituto. Alguns dos professores ainda estavam entrando e

não havia chegado nenhum dos ônibus. Ele entrou no estacionamento para

estudantes ao pé da colina e pensou em entrar, mas decidiu parar. Pegou sua

carteira, encontrou o gasto exemplar de O Morro dos Ventos Uivantes e jogou-o no

assento ao lado, como se pretendesse lê-lo. O apresentador da rádio estava

analisando a relativa importância do jogo dos Red Sox no quadro cosmos, e Adam

pegou o livro de história porque tinha um exame, então percebeu que a única razão

pela qual tinha ficado no carro era para ver Phoebe sair do ônibus e entrar na

escola.

— Porra. — ele pensou. Colocou de novo O Morro dos Ventos Uivantes na

mochila, pegou seu equipamento no tapete na traseira da caminhonete e foi até o

prédio.

Ele estava na metade do caminho quando viu um familiar carro verde parar

perto da curva da parada de ônibus e uma juba de cabelo laranja pálido aparecer

acima do teto do carro. Evan despediu-se do motorista com a mão e ficou olhando

o carro se afastar. Adam subiu correndo as escadas que faltavam para dar uma boa

olhada no motorista, que era uma mulher com os cabelos um pouco mais escuros

do que de Evan.

A mãe dele, ele pensou. Os garotos mortos podem ter mães.

— Olá, Evan! — chamou-o. — Espere!

24

No beisebol, home run (denotado HR) é uma rebatida na qual o rebatedor é capaz de circular todas as

bases, terminando na casa base.

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150

Evan se virou como se esperasse que o grito fosse acompanhado por uma

pedra. Adam chamou-o novamente, e então Evan o cumprimentou com a mão e o

esperou na porta da escola.

— Olá. — disse Adam, as semanas de treinamento lhe permitiam respirar

sem problemas. — Obrigado pela noite passada, nós tivemos um grande momento.

Ele percebeu que Evan tinha uma chuva de pontinhos bege espalhados pela

ponta do nariz e sob os olhos, os fantasmas de suas sardas. Era cerca de duas vezes

mais baixo do que Adam, um garoto pequeno e magro, vestido de jeans e uma

camiseta que ficava muito grande nele. Olhava para Adam como se esperasse

alguma piada.

— Foi bom ver onde vocês ficam. Quero dizer, ouvir a música que vocês

gostam e outras coisas. — Adam balançou a cabeça e sussurrou: — Isso soa bem

idiota, hein?

Evan soltou sua estranha risada, que era como um balido de cordeiro.

— Quem dera..., ainda pudesse..., gritar..., eu..., tento..., uma e outra vez...,

mas não sai. Antes eu era..., genial.

— Sério? — Adam perguntou, sem saber bem o que dizer depois e sentindo-

se muito estúpido por ter falado antes. Enquanto Evan tentava dizer algo, um

ônibus aproximou-se pelo caminho, e suas palavras se perderam no som gutural

do motor.

— O quê?

— Eu disse..., que Phoebe e..., você..., foram..., as primeiras..., pessoas..., vivas

que vieram nos visitar.

— Sério? Uau, que honra. Então..., você não..., vai ficar lá?

— Estou com a minha..., família. — respondeu. Outro ônibus subiu pela

colina, e Adam viu os cabelos com ponta rosa de Margi através de uma das janelas

de trás.

— Ah, é? Foi sua mãe que te trouxe? — Evan assentiu, e para Adam pareceu

detectar a sombra de um sorriso em seu rosto pálido. — Está certo. Então, ei, eu

estava pensando... Tenho que lhe fazer uma pergunta, mas não a leve a mal,

ok? Não quero insultá-lo, por isso não se sinta insultado, certo?

Evan parecia tentar dar de ombros, ainda que um levantasse

consideravelmente mais do que o outro.

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— Manda.

— Bem, o que eu me perguntava era... — começou Adam, consciente que

atrás dele, os ônibus começavam a soltar os seus passageiros. — Como é? Como é

estar morto?

Evan olhou-o com seus olhos azuis vazios, sem piscar, por tanto tempo que

Adam pensou que, apesar de suas precauções, tinha-o insultado. Mas, então, o

garoto falou.

— Eu não sei. Como é…, estar vivo?

Eles começaram a rir de novo, mas sem nenhuma mudança de expressão,

soava como se alguém tivesse pisado em um daqueles cachorros de brinquedo que

assobiam ao esmagá-los.

Adam sorriu.

Olhou para os ônibus exatamente quando Phoebe descia e levantou a mão

para saudá-la. Ela não estava olhando, uma cortina de brilhante cabelo preto

cobria-lhe o rosto enquanto Margi falava com ela, atravessando o ar com os braços

cheios de pulseiras para dar ênfase ao absurdo que estava lhe contando. Tommy

estava bem atrás delas.

Phoebe riu, e seu cabelo caiu sobre o ombro e expôs sua boca aberta e sua

suave pele branca. Adam sorriu, mas então Tommy conseguiu alcançá-las e cobriu-

lhe a visão.

— Vamos para a aula, Evan. — Adam disse com um suspiro, jogou sua

mochila no ombro e diminuiu um pouco para que o garoto pudesse seguir-lhe o

ritmo.

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CAPÍTULO 16

— Boa tarde para todos. — disse Angela, entrando na sala com passos

rápidos. Ao se aproximar de Phoebe, no caminho para o centro da sala, pôs uma

mão macia e quente no seu ombro.

Atrás dela vinham Alish e um jovem atlético que Phoebe identificou

rapidamente: era Skip Slydell, autor de muitos livros e artigos sobre o movimento

dos mortos-vivos.

— Hoje temos um convidado especial que vocês reconhecerão do vídeo da

CNN na semana passada. Vamos dar boas-vindas a Skip Slydell, por favor.

— Obrigado, Alish e senhorita Hunter, por permitir-me estar aqui hoje. —

respondeu ele, cumprimentando. — E, sobretudo, obrigado a vocês, estudantes,

por aguentar-me durante a próxima hora.

Margi olhou para Phoebe e revirou os olhos, já que cada vez que a diretora

Kim ou Angela, apresentavam um orador convidado faziam com uma espécie de

solenidade eufórica extrema, como se a chegada do convidado fosse uma ocasião

alegre e séria ao mesmo tempo.

A primeira coisa que Slydell fez foi entregar cartões de visita para todos os

garotos. Phoebe viu que Tayshawn agarrava o seu com as duas mãos e levava a

poucos centímetros do nariz, ficando vesgo.

SKYP SLYDELL ENTERPRISES, dizia o cartão, e se via uma foto da cabeça e

dos ombros de Skip sorrindo sobre uma pilha de livros e produtos. EM

COLABORAÇÃO COM A FUNDAÇÃO HUNTER. Havia um número de telefone

gratuito na parte de baixo do cartão.

— Vamos começar; certo? — disse Slydell. — A senhorita Hunter me disse

que um dos principais objetivos da fundação em que trabalha e aprende é algo que

gosto de me referir como aclimatação de pessoas com diferente fator biótipo na

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153

sociedade, assim como a aclimatação da sociedade para que aceitem melhor as

pessoas com diferente fator biótipo em seu seio. Tem sentido? Alguma pergunta?

— não esperou que respondêssemos a nenhuma das duas questões. Caminhava

enquanto falava, agitando suas grandes mãos de aspecto suave, e apontando para

um e outro lado para enfatizar suas opiniões. Procurou olhar para os olhos de

todas e cada uma das pessoas presentes, e sustentava o olhar um pouco mais

quando se tratava de um garoto com DFB. Falava tão depressa que Phoebe pensou

que a maioria dos mortos não poderia segui-lo. Para ela também teria sido difícil

segui-lo se não houvesse preparado um café ao entrar.

— Poderiam todos olhar para cá? Parece certo? — havia duas longas mesas

no fundo da sala, as duas cobertas com um pano branco que ocultava o que havia

debaixo. Colocou-se diante delas. — Portanto, a pergunta é: como podemos

facilitar a aclimatação? Como podemos conseguir isso? O que pretendemos não é

fácil. Mudar a cultura. Mudar a cultura é muito, muito difícil, inclusive neste país.

Vocês e eu... — começou a dizer, e sustentou o olhar de Sylvia durante uma pausa

de quase vinte segundos. — ...vocês e eu não escolhemos o caminho fácil.

Absolutamente. Não é fácil transformar a cultura. — apoiou-se na mesa,

cambaleando um pouco, como se a enormidade da tarefa houvesse deixado-o sem

fôlego. Margi começou a fazer um ruído, como um zumbido; e Phoebe sorriu, por

que significava que sua amiga tinha ativado o detector de idiotices.

— O que vamos fazer não é simples, mas pode ser feito. Inclusive aqui, nos

Estados Unidos. Elvis Presley fez; Martin Luther King fez; Jimi Hendrix; John F.

Kennedy; Bill Gates; Michael Jordan; os dois caras que criaram South Park.

O coletivo americano de santos; pensou Phoebe.

— E nós também podemos fazer. Estão entendendo? O certo é que já se foi

feito o maior, o trabalho mais complicado. Sabem por quê? — perguntou, sorrindo.

— Por que os mortos-vivos são um fato consumado da vida. Que gracioso, não é?

Digam comigo: Os mortos-vivos são um fato consumado da vida.

Ninguém se uniu a ele no coro, mais alguns garotos pareciam um pouco

incomodados; a expressão mortos-vivos não era considerada muito educada em

público, e muito menos em uma sala cheia de mortos-vivos.

— O que vocês sentiram com o que acabei de dizer? Pensem por um minuto.

Os mortos-vivos são um fato consumado na vida. Como se sentem? Karen, não?

Poderia compartilhar conosco seus sentimentos a respeito?

Karen piscou e disse: — É claro. — depois piscou outra vez e continuou

falando. — Você apresentou uma realidade que nem todos decidem..., aceitar.

Page 154: Geração Morta

154

— Bem. — disse Slydell, sorrindo. — Bem. Uma realidade que nem todos

decidem aceitar. Bem. Vou escrever. Extraordinário. Obrigado pela contribuição. E

a terminologia que usei? O que você acha?

— Eu não acho..., nada. Mais me irrita que algumas pessoas utilizem essas

palavras para se referir a mim.

— No entanto, não te irrita que eu diga, não é? — perguntou ele, tirando o

notebook de cima da mesa.

Ela sacudiu sua cabeça, fazendo seu cabelo se agitar como cortinas

platinadas levadas pela brisa.

— Obrigado, significa muito, obrigado.

— Ao menos, por agora. — respondeu ela, devolvendo-lhe a olhada, com

calma.

Evan deixou escapar seu riso de cordeiro.

— Parece-me justo. — respondeu Slydell, rindo também. Removeu um dos

tecidos, como um mágico prestes a revelar um truque. — Angela me contou que

vocês..., os que estão mortos..., também gostam de se chamar de Zumbis. É

verdade? Pode me responder qualquer um.

— Sim. — respondeu Evan.

— Se aplicam as mesmas regras? Vocês podem dizer Zumbis, mas se irritam

se alguém..., alguém vivo diz?

— Depende. — respondeu Tommy.

— De que? — perguntou Skip, assentindo para animá-lo.

— Depende de como diga.

— Certo. — seguiu Slydell, voltando-se para a outra metade da sala, onde

estavam os garotos vivos. — E vocês? Não fiquem aí sentados como Zumbis,

enquanto os Zumbis estão me respondendo tudo! O que acham?

— Sobre o que? — perguntou Adam, visivelmente irritado.

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155

— Sobre a palavra Zumbi! Você já chamou assim alguma vez Tommy

Williams?

— Não.

— Bom, e por que não? — insistiu ele, levantando os braços para o céu.

Parecia estar emocionando-se muito com o tema.

— Por que respeito Tommy. Não diria nada que pudesse feri-lo.

— E você, Williams? — perguntou Slydell, assentindo. — Importa-se como

te chama o senhor Layman? Você se irritaria se ele te chamasse de cabeça morta ou

Zumbi?

Tommy sacudiu a cabeça.

— Por quê?

— Por que Adam..., é meu amigo.

— Aleluia! — Slydell gritou, olhando para o teto. — Vocês vêem? Vocês

todos vêem? Nosso amigo Layman não quer chamar de Zumbi seu colega Tommy

por que o respeita. E o velho Tommy não se importaria que Adam o fizesse, por

que o considera um amigo. Vocês vêem? Entendem aonde quero chegar? — se

colocou na frente de Zumbrowski com as mãos nos quadris. — Kevin, Sylvia, Margi,

sabem o que estes dois estão fazendo? Esses dois estão transformando a cultura, é

disso que se trata. — pegou seus artigos misteriosos da mesa e começou a

desdobrar o que pareceu ser uma camisa negra. — Como ficaram amigos, garotos?

Foi por causa do futebol?

— Sim.

— Basicamente.

— Então, ele tomou uma atitude radical (um Zumbi colocar ombreiras e

capacete) para que isso acontecesse, não é?

— Acho que sim. — respondeu Adam.

— Você acha? Você acha? Será melhor que saiba, filho, por que Tommy e

você estão no mesmíssimo começo de uma nova sociedade. Vocês são essa

sociedade. A transformação sempre requer uma atitude radical. Se Elvis Presley

não tivesse tomado a radical decisão de cantar um estilo de música

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156

tradicionalmente reservado aos negros, pode ser que nunca houvéssemos

experimentado a transformação do rock and roll para a sociedade moderna. Se

Martin Luther King não houvesse tomado a radical decisão de organizar a causa a

favor dos direitos humanos e falar sobre ela, pode ser que nunca houvéssemos

passado pela transformação do estado opressor para um estado livre com

igualdade de oportunidade para todos. E essa transformação ainda não terminou.

Vocês, garotos, tanto os vivos como os mortos, são a prova.

— Que decisão radical tomou Michael Jordan? — perguntou Thornton.

— Um garoto esperto, hein? — comentou Slydell, sorrindo. — Nenhuma.

Simplesmente era radicalmente melhor do que os demais, e só com isso conseguiu

transformar o jogo. E isso é o que queremos aqui: transformar o jogo.

Phoebe se perguntou como ele podia falar sem parar, sem nem sequer parar

para respirar. Pensou no divertido (e cansativo) que seria observar uma conversa

entre ele e Margi; mas Margi não estava de bom humor.

— Certo. Um pouco mais de filosofia. Depois lhes direi como podem me

ajudar. E quando digo que podem me ajudar, na realidade estou dizendo que

podem ajudar a sociedade e ajudar a vocês mesmos. Ajudem-me a fazer isso, certo?

Agora, vocês dois, Adam e Tommy. São amigos. Você teve algum outro amigo morto

antes que Tommy, Adam?

— Não, a verdade é que não.

— E você, Tommy? Algum saco de sangue que você considera seu amigo?

— Alguns. — respondeu ele, olhando para Phoebe.

— Alguns. Bom, certo. Mas, neste caso, faz falta uma atitude radical da sua

parte para transformar Adam. Sem a atitude radical, a transformação não será

produzida. Adam não terá amigos mortos.

— Um momento. — interrompeu-lhe Adam. — Não pode supor...

— Segue meu raciocínio, Adam. Chegaremos em suas opiniões dentro de um

momento. Sem a atitude radical, a transformação não será produzida. Estão todos

felizes com essa ação como Adam? Todos deram as boas-vindas para Tommy

Williams na equipe de futebol e tudo foi cor de rosa? Não? Não! Pelo que lembro,

houve manifestações na rua! Se os jornais não estão errados, como sabemos que

acontece muito, houve cartazes, bandeiras e slogans. Atiraram frutas!

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Phoebe olhou para Adam que tinha se sentado afastado do grupo, como

sempre fazia. Tinha as mãos entrelaçadas e os cotovelos sobre os joelhos. Olhava

para o chão.

— Esse é o segundo ingrediente necessário para a mudança de cultura,

gente. A segunda chave da transformação: o conflito. A atitude radical unida a

resposta radical. Só então poderemos conseguir uma verdadeira mudança. Utilizei

palavras fortes para uma razão, palavras mal-educadas como Zumbis, mortos-

vivos, e saco de sangue. E a razão não era que eu desejasse soar ofensivo. Utilizei-

as por que, agora mesmo, são palavras radicais e queria provocar uma reação

radical em vocês. Alguns não se importam em usar a palavra Zumbi entre vocês.

Outros não gostam de forma alguma deste termo. Com minhas desculpas para

Angela, necessito sua ajuda para cunhar um termo que todos nós gostemos, por

que pessoas com diferente fator biótipo não nos serve. É muito frio, tem muitas

sílabas. Falta estilo. Na verdade, não é bastante sexy. Por outro lado, Zumbi...,

pessoalmente, me parece que é uma declaração de princípios. O primeiro passo

para transformar uma cultura é dar nomes e definições aos aspectos

transformadores da mesma. Vocês são Zumbis, garotos, e tem que usar este termo

com orgulho, independentemente da reação que provoque.

Phoebe se perguntou se os demais garotos se davam conta que Skip lhes

havia dado três primeiros passos em sua conversa. Mas era como um trem que

deveria voltar para a estação antes do pôr do sol; Colette havia levantado a mão em

certo momento do discurso sobre os aspectos unificadores dos esportes de equipe,

e Slydell ainda não tinha a deixado falar.

Desdobrou a camiseta que segurava. Era uma camiseta preta básica com as

palavras: MORTO... E DESFRUTANDO! Em letras verdes que seguramente

brilhavam na escuridão. A palavra, morto estava escrita com uma fonte de filme de

terror, e o resto em letras maiúsculas.

— O que vocês acham da camiseta? — perguntou Skip. — O que faz vocês

sentirem?

— Eu acho que está..., legal. — disse Evan, sorrindo.

— Bem, para você. — respondeu ele, atirando uma camiseta. — E esta? —

era uma camiseta cinza com a manga branca e as palavras: PODER ZUMBI! Escritas

com a mesma fonte de filme de terror. A caricatura do punho tinha a pele esticada,

de modo que as articulações ficavam completamente visíveis. — Desta tenho

algumas. — lançou uma para Tayshawn, outra para Sylvia e outra para Thornton.

— Esta é um pouco atrevida. — disse. — Um pouco mais radical. Vejam o que

acham. — a camiseta era preta com umas letras sem adornos. Dizia: TUMBAS

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ABERTAS, MENTES ABERTAS. Em cima de uma imagem estilizada de uma tumba

aberta em um cemitério.

— Eu gosto. — disse Phoebe, junto com Karen.

— Sério? — respondeu Slydell. — Ótimo, tenho dois.

Pegou alguns artigos mais: gorros, pulseiras e tatuagens temporárias que

também serviam para a pele dos mortos.

— Bom; garotos. — disse Skip. — Resumindo: não temam ser quem são. E

tampouco tema dizer aos demais quem são. Entendam que o que lhes dei foi

desenhado para provocar uma reação nas pessoas, e que essa reação nem sempre

será agradável. Tem que ser valentes, por que ser valente é o primeiro passo para a

transformação da cultura.

Outra vez, pensou Phoebe. Outro primeiro passo. Acariciou o suave pano de

algodão de sua camiseta nova. A verdade é que era legal...

— Uma última coisa e os deixarei tranquilos. Como sabem, no início da

minha palestra disse que necessitava de sua ajuda para conseguir a mudança, e é

verdade. Gostemos ou não, uma das formas mais rápidas de conseguir uma

mudança cultural é colocar a mensagem nas mãos dos jovens modernos. Em outras

palavras, necessito de uma equipe de rua que me ajude a levar a mensagem. Muitos

destes produtos serão vendidos nas lojas Wild Thingz! e em algumas lojas de

músicas. Também vamos ter um conjunto musical, que terá os Creeps, os Restless

Souls e outras bandas que certamente vocês conhecem. Vou dar-lhes funções: o

que quero é que pensem e anotem ideias para outros produtos, seja de moda,

entretenimento ou o que seja, que acham que ajudará a dar conhecimento para

nossa mensagem de transformação radical e começar a mudar de verdade o

mundo. Assim que pensarem nisso, nos divertiremos analisando quando a

encantadora senhorita Angela voltar a me convidar. Também trarei mais

presentes. Podem escrever para [email protected]. Adoraria receber suas

mensagens. Estou sem tempo, assim que paro agora. Obrigado!

Phoebe o viu sair da sala. Alguns garotos aplaudiram e, sem voltar-se, ele

levantou a mão por cima da cabeça, como se celebrasse seu triunfo. O salão parecia

vazio e sem energia sem suas palavras.

— Ainda nos fica tempo. — disse Margi, olhando para o celular com uma

cara aborrecida.

— Ei, Daffy. — respondeu Adam. — Para você não deram nada.

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Margi encolheu seus ombros. Seguia sendo a mais calada do grupo; falava

inclusive menos que Sylvia e Colette, e só fazia quando lhe perguntavam, o que

alucinava Phoebe.

— Talvez não esteja claro qual é exatamente nossa mensagem de...,

transformação. — disse Karen. — Para mim passou.

Margi pareceu zangada, como se pensasse que Karen zombasse dela, mas,

antes que Phoebe pudesse intervir, Adam disse: — Acho que a mensagem é que

podemos chamar a atenção sobre o sofrimento das pessoas com diferente fator

biótipo se conseguirmos que nossos amigos comprem camisetas.

Evan, que estava usando a camiseta e o gorro negro de beisebol que dizia

simplesmente, MORTO, riu com suas gargalhadas abruptas e desconcertantes.

Parecia ainda mais pálido com o cabelo vermelho esmagado pelo gorro preto.

— Então o caminho para a mudança social nos Estados Unidos passa

através do consumismo ostentoso, é? — comentou Karen. — Esse tema de Zumbis

está muito batido. — fez uma pausa e piscou para Phoebe. — Mas a camiseta é

legal.

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CAPÍTULO 17

Phoebe não gostava de mentir para seus pais, mas às vezes era

necessário. Não importava quão progressistas eles diziam ser — e Phoebe tinha

que admitir que eles eram bastante progressistas — não havia forma de que a

deixassem passar um tempo a sós com um garoto morto.

Estava sentada no refeitório com Adam e Margi, ambos a olhavam com uma

mistura de preocupação e fúria.

— Deus. — disse. — Vocês estão parecendo meus pais, e estão me

assustando.

— Espero que não. — disse Margi. — Eu gostaria de pensar que você diria a

verdade para Lelo Man e para mim.

— Agora que você envolveu Daffy e eu em sua impenetrável rede de

mentiras. — disse Adam. — Repete o que devemos dizer.

Phoebe suspirou. — Fui até Margi para escutar um pouco de música nova —

começou.

— Ah. O velho recurso.

— Correto. Escutamos um pouco de música e, então, chamamos Adam para

ver se ele queria ir para o cinema.

— Sim, é provável. — disse Adam. — Que filme? Nem sequer sei o que está

em cartaz.

— Espera um minuto. Por que sairíamos com Adam?

Phoebe suspirou outra vez. — Por que precisamos sair de sua casa, caso

seus pais falem com os meus.

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— Por que me envolver em primeiro lugar? — disse Margi. — Por que você

não diz que estava com Adam?

Phoebe encolheu seus ombros. — Não pensei nisso. Sabe como essas

histórias escapam do controle.

Margi fez um som de desgosto e deixou os restos de seu sanduíche de queijo

na mesa.

Adam estava movendo sua cabeça. — Então, basicamente, para cobrir seu

encontro secreto, tenho que sair da minha casa à noite, para que se teu pai olhe

pela janela e não veja a caminhonete do PDT no caminho da entrada.

Phoebe se encolheu em seu assento. — Você não tem planos, certo?

— Ia adiantar minha tarefa de inglês. Ia ler o Morro dos Ventos Uivantes e

tomar um bom banho de espuma. — riem. — Embora, honestamente, espero

conseguir a caminhonete.

— Então, você vai realmente fazer isso? — disse Margi. — Ir esconder-se no

bosque com seus outros amigos Zumbis?

— Estava pensando que talvez você e Adam pudessem ir ver um filme.

Dessa forma, você pode me contar a história enquanto Adam me leva para casa.

Margi piscou e jogou sua sobremesa, um pedaço de bolo confeitado, que

ricocheteou no peito de Phoebe.

Adam olhou para Margi e logo para Phoebe. — Você paga. — disse para

Phoebe.

Margi tinha algumas perguntas a mais para Phoebe no ônibus no caminho

para casa.

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— Não posso acreditar que você queira que eu minta por você. — disse

Margi com as pontas de sua franja rosa roçando na janela enquanto se assegurava

de não olhar para Phoebe.

— Sim, pode. E isso não é o que está te irritando.

— Oh, sério, senhorita telepata? Então, o que é que está me irritando?

Phoebe fechou um olho e tocou a testa de Margi. — Sinto confusão..., e

raiva... e preocupação.

— É claro que estou preocupada, tonta! Ele é um garoto morto.

— Shhh! — Colette estava sentada a três assentos na frente delas, com

Tommy no outro lado do corredor.

— Não me faça shhh, Phoebe. É estranho e você sabe. Olha, estou arrepiada.

Toca meu braço.

Phoebe fez isso. — Sim, você está arrepiada. Ou com um péssimo caso de

acne no braço. Ou como chamo um braço acne.

No inicio, seu estúpido comentário falhou em gerar a risada que tinha a

intenção de conseguir, mas Margi não pôde se conter mais e bufou, movendo a

cabeça.

Phoebe deu palmadinhas em suas costas. — Por favor, agora você vai ser

agradável? É só um amigo e vamos para a casa de sua mãe, certo? Sua mãe chega

em casa às quatro.

— Um monte de coisas pode acontecer em uma hora.

— Por favor. Como se eu pudesse. — dá uma cotovelada nas costas de Margi

e Margi ri, deixando-a mais irritada.

— É horripilante.

— Tenha uma mente aberta.

— Asqueroso.

— Vá para casa e coloque a camisa ‘Poder Zumbi’!

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— Não tenho essa. Tenho algumas ‘Meus Melhores Amigos Estão Mortos’, e

só por que Angela se assegurou que eu não chegasse em casa com as mãos vazias.

— Isso é lamentável.

— Bastante.

— Eu pensei em umas boas para a próxima semana: ‘A Vida É Só Um Estado

Mental’, ‘O Que Morreu Com A Maioria Dos Brinquedos... Está Sentado Ali’.

— Divertido. — disse Margi, sem entusiasmo. — Phoebe.

— Sim?

— Tenha cuidado.

A parada de Margi estava próxima. Phoebe se levantou para deixá-la sair.

O ônibus parou aos pés do estacionamento de Trailers Oxoboxo Pines. A

grossa areia do caminho de entrada rangia sob as botas de Phoebe, enquanto

caminhava ao lado de Tommy, que não havia falado desde que chegaram.

— Onde Colette vive? — perguntou Phoebe, dando-se conta do que tinha

dito. — Refiro-me a onde ela está morando...

Tommy sorriu. Seus lábios ultimamente pareciam mais flexíveis; ao invés do

leve movimento de um lado; ambos os cantos se estenderam para cima.

— Na Casa Assombrada.

— Sério? Quando seus pais se mudaram...

— As leis..., nem sempre protegem..., os mortos. E, às vezes, fazem isso. Um

pai já não é responsável..., legalmente..., em encarregar-se de seu..., filho morto.

Colette foi abandonada. Como muitos de nós.

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Phoebe pensou nos pais de Colette, em uma viagem que fizeram para praia

antes que Colette morresse. Phoebe lembrava que estava no assento traseiro entre

Colette e seu irmão ao longo do caminho para Misquamicut. A Sra. Beauvoir passou

o dia se bronzeando enquanto Peter jogava Frisbee com ela e Colette, que inclusive

então não tinha aptidão para o jogo. O Sr. Beauvoir dormiu em uma

espreguiçadeira durante toda à tarde. Depois da morte de Colette, ele conseguiu

um trabalho em alguma parte do sul, e se mudaram sem Colette.

— Então, como pode se manter sozinha? — disse. — Quero dizer, se eu

tentasse viver em uma casa abandonada, me pegariam e me enviariam para um

reformatório ou algo assim.

— Você não está morta.

Chegaram a um trailer com persianas azuis e um jardim bem cuidado. Havia

um toldo de plástico sobre o caminho que levava até a entrada. Algumas plantas e

flores estavam em vasos no caminho ao longo da terra.

Tommy pegou uma chave de seu bolso, um processo que exigia muito mais

para ele do que para outro garoto normal. Phoebe o observava, insegura se deveria

oferecer a sua ajuda.

— Somos..., inapropriados. Ninguém sabe o que..., fazer conosco. Não

sabemos o que..., fazer com nós mesmos.

Abriu a porta e entraram na sala de estar. Havia um sofá, uma TV e plantas

para todos os lados. Havia uma pequena mesa circular com quatro cadeiras no

canto próximo a uma cortina de miçangas que separava a sala da cozinha. Um

gordo gato preto caminhou até eles e cheirou as botas de Phoebe. Phoebe se

inclinou para acariciar o gato, e este arqueou suas costas em agradecimento.

— Ele é Gamera. — disse Tommy. — Odeia as pessoas mortas.

Gamera gostava que lhe coçassem o pescoço. Phoebe olhou para Tommy, e

ele sorriu.

— Há um refúgio em Winford em que..., muitos Zumbis..., se hospedam na

Missão de São Judas. É dirigido..., por um sacerdote que é amável..., a nossa causa.

Colette se hospeda, às vezes, lá e... Kevin. Não é um lar. Para a maioria, a Casa

Assombrada é melhor.

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Phoebe se ajeitou, sacudindo um pouco do pêlo de gato de suas calças.

Gamera se enrolava ao redor de suas botas. — Onde se hospedam os garotos da

prática estudantil? Karen e os outros?

— Karen..., está com seus pais. Evan também. Tayshawn se hospeda com sua

avó, mas a situação é..., diferente. Sylvia está..., na Fundação.

— Vive lá? — perguntou. Tommy sorriu. — Sabe o que quero dizer. Pensei

que você tinha dito que ficavam na Casa Assombrada.

— Queremos que fique na Casa Assombrada. Mas se precisa de..., algo. A

fundação está..., bem equipada.

— Ah.

— Sim. — disse. — Nós também temos preocupações.

— A quem você se refere com o ‘nós’? É a realeza ‘nós’? Ou o apostólico

‘nós’?

Pensou que seu sorriso se ampliou um pouco mais. — Quero te mostrar

algo. — disse, e lhe faz sinal para que o seguisse pela cozinha até uma porta

fechada, no qual sem dúvida era seu quarto.

— Hm, você pode me dizer onde fica o banheiro?

— Por esse caminho. A..., direita.

— Obrigada.

Por uns minutos, deixou sua mão sob a torneira, a água fria lhe fazendo

cócegas e a essência floral do sabão enchendo suas fossas nasais. As palavras de

Margi faziam eco em sua cabeça, e ficou atrás da porta fechada mais do que o

necessário.

Voltou. A porta de Tommy estava aberta e sua pele tinha adquirido um tom

azul enquanto sentava na frente do computador na escuridão. O quarto dele era

uma versão masculina do dela, com uns livros, um som e pôsteres, as diferenças

eram que o som era muito mais barato e a parede estava misturada com estrelas

esportivas entre os músicos. E o quarto era muito mais bonito.

— Quero te mostrar isto. — disse Tommy, e apontou para a tela.

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Phoebe viu que Tommy estava em um site chamado

minhasupostanaomorte.com, a página principal estava decorada com desenhos de

Zumbis saindo das tumbas, ameaçando as pessoas modelos, a maioria loira e com

muito peito. Também estavam presentes alguns símbolos conhecidos do heavy

metal.

— O que é isto? — disse, inclinando-se sobre seu ombro. Havia um delicado

perfume nele, um que não conseguia identificar completamente. Algo naturalista.

Resistiu a necessidade de tocar seu ombro.

— Meu blog.

— Seu blog? Não é possível.

— Sim, é. Tenho cerca de mil seguidores.

— Uau. — inclinou-se mais. Quando ele digitava podia ver mover os

músculos do seu braço sob sua camisa.

Havia vários links bons na página principal: Arquivos, Entradas, Ex Alunos

MSCU, Links.

— Tento escrever toda..., noite.

— Posso ler algo?

Ele clica no link de Entradas, e havia um post do dia anterior. Começa a ler.

Semana três do experimento necrohumanitário da Fundação Hunter.

A classe estava sujeita aos insensíveis, mas persuasivos argumentos do

Sr. Stevens – Skip – Slydell, com o qual todos vocês estão bem

familiarizados, graças a um bom ano de trabalho no seu blog. As teses

principais de Skip parecem ser que a comunidade Zumbi pode criar

autenticidade através do consumo e slogans. Repartiu laços decorativos

na classe; eu mesmo sou agora um orgulhoso proprietário de uma nova

camiseta do Poder Zumbi! Há algo quase simpático em seu descarado

charlatanismo, e a forma com que nos diz tem uma certa elegância.

Não posso fazer mais do que questionar seus motivos, o qual

seguramente são as entradas de dinheiro, mas ao mesmo tempo você não

pode fazer mais do que se meter no círculo de transformação positiva. Se

há alguma apresentação brega em torno da verdade universal, por acaso

a faz menos válida?

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167

Em um universo perfeito, não necessitaríamos dos Skip Slydell do

mundo para comunicarmos às mensagens que nós mesmos criamos. Mas

a verdade é que até que sejamos um grupo capaz de tomar

completamente a vantagem da ética de fazê-lo você mesmo que propaga

este país, estamos na misericórdia dos Slydells. Até que tenhamos notícia,

uma voz, uma parte nos meios de comunicação, precisamos aceitar o que

podemos conseguir. Até que possamos ser contratados e tenhamos algum

valor monetário, precisamos pegar o que podemos conseguir. Até o

momento muitos de nós tem estado morto durante três anos, significando

que em termos humanos alguns de nos agora tem dezoito anos e

deveriam ter o direito ao voto, mas por causa de nossos certificados de

óbito são, para todos os efeitos e propósitos, uma completa revogação de

nossos direitos e cidadania.

Então trabalharei o melhor que possa com Skip Slydell. Também sei

que venderá a todos, incluindo-me, mas esse tipo de traição é necessária

para fazer com que mudanças ocorram.

No final, havia um anúncio que piscava e dizia: Apoio a Proposição 77.

— O que é a proposição 77?

— Uma proposta para ter uma remissão governamental de um certificado de

renascimento para todos aqueles que regressaram..., da morte. É o que nos

concederia alguns direitos e..., cidadania.

— Assim vocês poderão ser como os humanos, hein?

Ele a olha. ― Má escolha de palavras?

— Certo, mas você sabe como somos as bolsas de sangue. Embora, de

verdade, Tommy. Isto é incrível. Realmente você é um bom escritor.

— Eu gostaria de ser um melhor..., digitador. — disse, sacudindo seus dedos

rígidos.

Seus olhares se encontram, e Phoebe imagina que sua pele pálida não parecia

tão diferente da dele no suave brilho azul do monitor.

Phoebe escutou a porta principal se abrindo, e saltou como se tivessem

pegado-a fazendo algo errado. Gamera saltou do colo de Tommy e correu para a

sala de estar.

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— Chegueeeei! — uma forte voz se espalhou pelo reboque. Uma mulher loira

em um uniforme de enfermeira entrou e pendurou suas chaves em um gancho na

parede.

— Você deve ser Phoebe. — disse, cruzando a cozinha e tocando os braços de

Phoebe. Phoebe pode sentir o calor de suas mãos através da grossa manga de sua

blusa. — Eu ouvi muito sobre você. Seja bem-vinda.

Phoebe apenas conseguiu dizer olá enquanto a mulher a abraçava.

— Phoebe. — disse Tommy. — Minha mãe.

— Chame-me de Faith. — disse, seus olhos azuis brilhando nos de Phoebe a

ponto que ela se perguntava se a mulher estava preste a chorar. Faith soltou

Phoebe e colocou um braço ao redor dos ombros de seu filho, abstendo-se de dar-

lhe um forte beijo úmido na bochecha. — Ei, você. — disse. — Como está?

— Diga-me você. Eu só estava mostrando a Phoebe o site.

— Meu filho, o escritor. — disse. — Não é fantástico?

Phoebe assentiu, ainda em choque. Realmente não tinha sido capaz de

analisar a mãe de Tommy, e a grande emoção da pequena mulher não era nada do

que ela tinha esperado.

— Thomas Williams! ― disse Faith. — Você não deu para a pobre garota algo

para comer ou beber. Sabe; alguns de nós ainda precisamos fazer isso.

— Sinto muito, mãe. — disse, enquanto sua mãe dava passos para a cozinha e

pegava uma sacola com salgadinhos de queijo de vasos das janelas.

— O que você quer Phoebe? Tenho Pepsi diet, leite, suco de laranja. Posso

fazer café. Devo preparar café?

— Escolho café.

— Boa garota! — disse. Seu sorriso inclusive fazia o de Angela Hunter parecer

enviesado, talvez por que havia uma sinceridade que estava ausente na outra

mulher.

— Ela simpatizou com você. — sussurrou Tommy.

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— O que? Escutei isso, Tommy. É claro que eu simpatizei. Por que não o faria?

— Phoebe observou Faith hesitar na procura do café perdido, o qual finalmente foi

encontrado no congelador. Percebe que Faith estava tão nervosa como ela, mas a

mulher também estava tão feliz que a emoção parecia sair dela em ondas. Phoebe

sentiu uma profunda apunhalada de culpa dentro dela.

— Meus pais não sabem que estou aqui. — soltou.

Faith deixou de caminhar e a olhou, com a xícara de café na mão. Seu rosto

ficou um pouco mais sério, mas seu sorriso não abandonou seu olhar. Tommy

forçou um suspiro por seu nariz.

— Falaremos sobre isso, Phoebe. — disse. Sua voz era quente e suave. —

Temos tempo. Quer açúcar? Creme?

Phoebe aceitou e, então, seguiu Tommy para a mesa a espera do seu café.

— Então. — disse Adam, olhando para sua acompanhante. Margi havia

estado sentada com os braços cruzados em seu peito e com uma atormentada

expressão em seu rosto pálido desde o momento em que a pegou. Havia estado

olhando pela janela sem falar enquanto ele dava voltas ao redor dos montes de

Oakvale e nas sinuosas ruas que irradiavam o seu progresso. — O que você quer

fazer?

— Não posso acreditar que fiz isso. — disse Margi, suas pulseiras tilintando

enquanto descruzava seus braços e levantava suas mãos. Adam não se importou

que ela ignorasse sua pergunta; estava contente de que estivesse falando. — Você

pode acreditar que fiz isso?

— Podemos ir para Honeybee se você quiser. — disse. — Ir tomar uns

shakes.

— Ela é irresponsável, isso é o que ela é. Irresponsável. Por pensar que a

cobriríamos para que ela pudesse ir a um encontro com um garoto morto.

— Algum filme que você quer ver? — Adam a observou de soslaio, divertido

em ver a Typhoon Margi começando a explodir. Sabia que Margi não tinha

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problemas em mentir para cobrir sua amiga. De fato, normalmente era Margi quem

sugeria isso.

— E também por te obrigar a fazer isso. — disse, voltando-se para ele como

se agora tivesse percebido que estava na caminhonete com ele. — Muito ruim me

obrigar a fazer isso, mas você é só a cereja do bolo. Fala sobre a ofensa a injúria. —

seus olhos estão abrasadores e selvagens sob sua sombra de olhos rosa.

Quase quis continuar com essa linha de pensamento, mas Margi nem

sempre era uma fonte confiável de informação, e a última coisa que queria,

considerando Phoebe, era desinformação. Então, deixou passar.

— Tenho um frisbee se você quiser jogar. — disse. — Phoebe e eu jogamos

frisbee de vez em quando.

— Phoebe é a sensível. — disse. — Não deveria fazer coisas como essa.

Bufou, e Adam percebeu com um crescente sentido de terror que ela estava

a ponto de chorar.

— Podemos ir para o lago. — disse. — Eu costumava ir lá.

Adam assentiu e se dirigiu para o caminho de acesso que os levaria ao

Parque Oxoboxo, uma pequena praia pública mantinha areia ao lado da cidade.

— Aprendi a nadar aqui. — disse Adam. — O Oakvale Rec costumava dar

aulas.

— Eu também. — disse Margi, procurando em seu enorme bolso negro e

tirando um monte de lenços de papel. — Estava na turma de Colette. Éramos

Lebistes25.

E, então, soltou soluços. Adam agarrou o volante e apertou o acelerador.

Como tudo em Oakvale, o Parque Oxoboxo estava há poucos minutos. A

cidade inteira estava formada por um assimétrico centro ao redor do lago e o

bosque que a rodeava, e o parque estava onde se juntava o Rio Oxoboxo e o lago.

O estacionamento estava fechado por uma corda, então Adam estacionou ao

lado da área e avançou frente a caminhonete enquanto Margi chorava um pouco

mais. Depois de alguns minutos, devia ter se dado conta que sua maquiagem

25 Uma espécie de peixe.

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171

estava completamente arruinada e a única coisa sensível a fazer era tirá-la como

poderia. Adam a observou esfregando as bochechas e os olhos com as bolas de

lenços de papel. Ele pensou que precisava de um pouco de ar, então abriu a porta

do passageiro da caminhonete.

— Daffy. — disse. — Por que não sai daí? Vamos conversar.

— Não olhe para mim. — disse, através de seu soluço. — Estou horrível.

— Não mais que o normal. — respondeu Adam, mas seu soluço indicou que

o humor não era a resposta. Olhou para Oxoboxo onde estava a ampla arena que as

pessoas tinha colocado há alguns anos e então, reenchido a cada ano. Havia uma

fria brisa ondeando a água e fazendo com que golpeasse a margem. Além do

tumulto de areia, do outro lado as arvores eram grossas, seus ramos cheios de

folhas vermelhas, amarelas, e laranjas que começavam a cair, como se fossem

descoloradas pelo céu cinza acima.

— Vamos, Daffy. Eu só estava brincando. Para mim você sempre é bonita.

Dá uma risada cortante e Adam se vira - em parte por que era educado fazer

isso, e em parte por que estava com nojo enquanto uma enorme bolha de saliva

saia de sua boca.

— Sim. — disse. — Acredito. Gostaria de acreditar.

— Daffy...

— Você e Phoebe deveriam sair. — disse. — Assim eu não me sentiria tão

mal.

— Claro. — disse, sem encontrar uma resposta inteligente.

— Leve-me para casa, por favor. Não me sinto bem.

— Ainda não. — disse. — Você queria vir aqui, estamos aqui. Vamos

conversar.

Ela o olhou, seus olhos vermelhos de tanto chorar. Então pareceu conter sua

respiração e recuperar sua compostura.

Adam estendeu sua mão e faz sinais para que ela saísse. Ela esfregou pela

última vez seu rosto inchado e então pegou sua mão, permitindo-lhe tirá-la da

caminhonete.

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— Bom. — disse. — Suponho que descobrimos que sou uma idiota. Uma

completa idiota.

— Não. — disse ele. — Você só está afetada. E estava a ponto de me contar

o que está te afetando.

Ela deixou sair todo o ar de seus pulmões com força, e então se inclinou na

cabine para cavar um pouco mais em seu bolso. — Phoebe. Colette. Zumbis. Uau,

que frio está o dia de hoje, né?

— Por que não começamos com Phoebe. — disse. Pode sentir torcer um

músculo em sua mandíbula, e ficou contente quando Margi regressou de sua bolsa

com um pacote de goma de mascar. Aceitou um, trocando por sua pesada jaqueta

de couro.

— Cheira bem. — disse ela, colocando a jaqueta sobre seus ombros. — Que

perfume é esse?

— Minha essência natural. — disse. — Phoebe?

— Só estou preocupada com ela. — disse Margi. — É estranho seu encontro

com um garoto morto. Ter que cobri-la. Você não acha que é estranho?

— É estranho. — acrescentou ele, colocando a goma de mascar na boca e

começando a mascá-la.

— Não fala sobre isso, o qual também é estranho. Não está me contando o

que sente.

Para mim tampouco, pensou ele, mas não viu razão alguma em discutir isso.

— Provavelmente não sabe. Nem todos são golpeados por um raio quando

acreditam ter sentimentos por alguém.

— Eu sei, eu sei. Suponho que acho a ideia..., horripilante.

— Tommy é um bom garoto. — disse, esperando que ela não percebesse a

cautela que sentiu em sua voz.

— Claro. Mas está morto. Onde podem chegar?

Ele não tinha uma resposta para isso, assim começou a caminhar para a

água.

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— Adam. — disse. — Podemos ir agora?

Ele se virou com um sábio comentário em seus lábios, mas captou o tom em

sua voz, e viu que ela tremia sobre o abrigo de sua jaqueta.

Parecia assustada.

— Daffy...

— Aqui é onde morreu. — disse; sua voz pouco audível sobre as folhas

sussurrando no vento. — Não aqui, mas no outro lado, aonde íamos nos esconder.

Éramos as Irmãs Estranhas, éramos tão horripilantes. Horripilaaantes! Tínhamos

nossa própria gruta secreta no bosque. Era onde se submergia, logo fora da gruta.

— Quem? — disse, sabendo logo que perguntou. ― Colette?

Ela assentiu, esfregando seus olhos, fazendo tilintar as pulseiras. — Sabe,

pensei que talvez se eu viesse aqui com alguém tão grande como você, não teria

medo. Sei que pensa que estou brincando, mas como uma garota pode ter medo se

você está com ela? Pensei que talvez poderia caminhar pela água e meter meu

dedo polegar e tudo ficaria bem outra vez. Não teria medo.

— Margi, nem sequer pensei quando mencionei as aulas. Não sou um garoto

muito esperto na maior parte do tempo.

— Mas ainda estou. Com medo, quer dizer. Ainda tenho medo.

Adam olhou a água e pensou que toda a superfície do lago tinha escurecido,

como um gigante anel de humor.

— Não voltei desde então. — disse.

— Margi. — disse. — O afogamento dela não foi sua culpa. Perdeu a

consciência, e teve um ataque ou algo assim. Ninguém teve culpa.

— Essa parte não foi minha culpa. — disse; tão baixo que mal foi capaz de

entender. Duas lágrimas correram por suas bochechas, deixando rastros cinza em

sua pele.

— Pode falar com ela. — disse Adam.

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— Isso também é o que Phoebe diz. — disse. — Mas é tão difícil, Adam. É tão

difícil vê-la, observá-la caminhar ou como tenta levantar de sua cadeira quando

termina a aula. E o modo com que me olha...

— Margi...

— Pensei que as aulas pudessem mudar algo, Adam. De verdade, eu pensei.

Pensei em alguma mudança radical ou algo assim, e ficar bem com as coisas. Mas

não estou. Não estou bem. E quanto mais tempo passo com as pessoas mortas,

mais tempo passo pensando em pessoas mortas, e não sei quanto mais posso

suportar. Comecei pensando em ser uma pessoa morta. E agora com Phoebe

trocando-nos por Zumbis, não sei o que fazer.

— Não está nos trocando. — disse Adam.

— Não a deixei entrar. — disse Margi. — Ela chamava e eu não a deixei

entrar.

— Quem chamava Margi? — perguntou. Por acaso era alguma metáfora

bizarra de Daffy pelo que estava experimentando com Phoebe?

— Realmente eu gostaria de ir para casa, Adam. — disse. — Por favor.

Adam assentiu. Seu pranto a deixou, despenteada e como uma criança

pequena em sua jaqueta, que a cobria como uma tenda.

— Claro menina. — disse, e eles subiram na caminhonete.

Retirando-se do estacionamento, se deu conta que ela não tinha olhado para

o Oxoboxo durante todo o tempo que estiveram ali, nem sequer quando a única

visão do lago estava no espelho retrovisor.

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CAPÍTULO 18

— Não vem, Pete? Vamos chegar tarde.

Passou pela cabeça de Pete meia dezena de respostas mordazes, mas deixou

que evaporassem sem fazer nenhum comentário.

— Vá em frente. — respondeu enquanto observava desde o vestíbulo como

Williams subia ao ônibus. — Diga ao treinador que tenho diarréia ou algo assim.

Eu vou sair em um momento.

— Sério? — perguntou Stavis. — Está doente?

Pete virou-se para ele e sacudiu a cabeça. O garoto morto se movia muito

depressa para ser um Zumbi, muito mais que a garota à qual havia deixado entrar

no ônibus na sua frente.

— Quer que vá chamar a enfermeira ou alguém?

— Não, TC. — respondeu Pete, apertando os dentes. — Não, não quero que

vá chamar a enfermeira. O que quero é que saia daqui e vá ao treino dizer ao

treinador que estou doente. Diga que sairei para o campo depois de esvaziar o

intestino.

— Quer que lhe diga isso? — perguntou Stavis. — Não posso dizer isso,

ficará irritado.

— TC, invente algo. É um cara criativo.

— Sim? Você acha?

— Sim, acho. Vá agora.

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Pete deixou a mochila no chão e pegou a lista que havia arrancado da

parede do escritório. A folha azul estava enrugada e gasta em algumas partes, e

ainda tinha um troço pegajoso de fita adesiva amarela no canto. Havia quatro deles

no ônibus: Phoebe Kendall, Margi Vachon, Tommy Williams e..., outra garota morta,

ou Sylvia Stelman ou Colette Beauvoir, porque a que tinha pinta de raposa era

Karen DeSonne. Uma das garotas, Sylvia ou Colette, buscavam-na todos os dias em

um furgão azul no qual também ia outro Zumbi, seguramente Kevin Dumbrowski,

porque Evan Talbot era o estranho ruivo que vivia no bairro de Pete, e Tayshawn

Wade era o Zumbi negro. Bom, o Zumbi cinza.

Isso só deixava Adam Layman e Thornton Harrowwood, que, sem dúvida,

estavam se vestindo para irem ao treino com o distraído Stavis.

Para Pete, Williams era uma oportunidade perdida. O que Stavis e ele

tinham tido a oportunidade de lhe provocar e não tinham conseguido ainda lhe

doía. E havia tentado. Cada vez que Williams tocava na bola, cada vez que se

dispunha a bloquear ou a cobrir, Pete lhe golpeava com todas suas forças. Por

muito que se esforçavam, Stavis e ele, Williams voltava a se levantar como se não

fosse nada.

Tinha ouvido que o Zumbi deixaria a equipe. Ficou feliz, claro, mas teria se

sentido muito mais satisfeito se ele tivesse saído com alguns ossos quebrados e

sem possibilidade de cura.

— Muita conversa Martinsburg.

Isso foi o que o treinador lhe havia dito, e essas palavras continuavam

soando-lhe dentro da cabeça como um grito em um ginásio vazio.

—Você fala muito, Martinsburg. Vem o tempo todo conversando do quão

fantástico que você é, e de todas as meninas que você supostamente pegou. O

grande homem.

Pete havia ficado no vestiário depois da primeira partida, pós Zumbi. Quase

todos os demais jogadores já haviam ido para o ônibus, mas Pete estava jogando

conversa fora com Stavis e Harris. Sentia-se muito satisfeito com a sua atuação;

havia derrubado um, e conseguido uma intercepção e uns quantos placares

importantes detrás da linha de defesa. Na verdade, só havia feito besteira em um

jogo, mas, mesmo assim, haviam derrotado ao débil time de Waterford por três

touchdowns26.

26 Touchdown (TD) é uma pontuaçao do futebol americano..

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Algo do que estava dizendo aos seus companheiros deve ter irritado

Konrathy, porque este ordenou ao resto dos garotos que fossem para o ônibus e

disse a Pete que se encontrasse com ele no corredor. Quando recordava o tom de

voz que o treinador havia empregado com ele, sentia que tencionavam seus

músculos dos braços. Já havia passado uma semana, e continuava irritado.

— Sim, você é todo um Deus para esses tontos, imbecis, como Stavis que

não sabe nada. Mas Layman já não engole a tua merda, certo? E esse garoto morto

tampouco o fez. — Pete ficou feliz que o treinador houvesse mandado o resto da

equipe sair, porque assim não iriam ver como o esmagava. Também se alegrou de

que não pudessem ouvir como sua voz falhava ao tentar responder.

— Treinador. — disse. — Pelo menos o tiramos da equipe.

Konrathy olhou-o como se Pete fosse algo que tivesse preso na sola do

sapato.

— Você não tirou ninguém. Ele saiu porque quis. Esperava que, ao menos

Stavis conseguisse fazê-lo, mas ele também é um inútil.

Pete se sentia humilhado. Havia desejado dizer ao treinador que também

havia sido uma covardia deixar que Kimchi saísse e não tirara Williams da equipe.

Konrathy não tinha direito de criticá-lo por não haver eliminado o Zumbi.

Ao menos, ele tentou. O que o treinador havia feito além de dar-lhe o sinal?

Passou por debaixo de um enorme banner escrito a mão onde anunciava a

próxima partida de boas vindas contra os Ballouville Wildcats e a festa que se

celebraria depois.

— Você é um boca grande Martinsburg. — havia dito o treinador. — Tenho

ouvido discursar sobre a lição que quer dar a esses garotos mortos. Até agora só

lhes tem mostrado o covarde que você é.

Porra, pensou Pete, tomando sua bebida energética de um gole. Fechou com

um golpe o porta mala de seu carro e ali estava ela, a garota Zumbi de minissaia,

rumo ao bosque através do estacionamento.

Jogou a garrafa vazia contra o capô do carro de algum professor.

Pois agora vou dar-lhes mais informação. Pensou, dirigindo-se para as

arvores.

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Sentia uma fúria como se fossem bolhas muito escuras dentro do peito, com

tentáculos de raiva que percorriam suas veias.

Levava os punhos fechados e sentia a boca seca. Que direito tinha aquela

raposa morta de caminhar pelo bosque com suas saias curtas e suas calcas largas,

enquanto Julie continuava dentro de sua tumba, em algum cemitério californiano?

Porque essa menina tinha a cara de uma boneca de porcelana, de pele branca,

enquanto Julie apodrecia sob a terra?

Afogou uma tosse apertando as mãos na boca. Não estava seguro do que ia

fazer; era como se uma cortina de névoa vermelha nublasse sua visão, e não se

dissipava por muito que piscasse. Só sabia que aquela... Zumbi não tinha o direito a

perambular pelo bosque.

Nenhum direito.

O caminho era bastante amplo para que entrasse um carro pequeno ou um

par de bicicletas em paralelo, e ondulava como uma serpente que se desenrosca

depois de uma inclinada rua descendo. As folhas quebravam sob seus pés.

Pensou no seu último passeio por aquele mesmo lugar, quando Williams

chamou seus amigos Zumbis para que saíssem de suas tumbas ocultas no bosque.

Parou na beira das arvores e a observou caminhar.

Viu como a saia xadrez balançava a esquerda e direita.

Estava usando uns fones de ouvido, com o cabo conectado em algum rádio

escondido dentro de sua mochila cinza. A audácia de usar largas meias brancas e

sapatos de couro envernizado o enfurecia. Aonde ia? A alguma gruta secreta de

Zumbis no bosque ou a algum ritual de mortos vivos á beira do Oxoboxo?

A garota morta era rápida para ser um Zumbi. Passou a encosta e já havia

percorrido boa parte do sinuoso caminho. Estava se aproximando de uma pequena

clareira de finas videiras cujos ramos inclinavam-se e ocultavam parte do caminho.

Os ramos a encobriam da cintura para cima, mas Pete pôde ver brevemente suas

suaves pernas brancas. Esperou até deixar de tê-la à vista antes de começar a

correr. Supôs que percorreria a distancia que os separava quando chegasse as

videiras. Com certeza um Zumbi não poderia correr mais que ele, era um dos

atletas mais velozes do Instituto.

Vou pegá-la em um segundo. Pensou enquanto acelerava. Uma vez que

estava do outro lado das videiras, o caminho continuava em linha reta.

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A garota não estava lá.

Pete soltou um palavrão e esfregou os olhos, notando que sua raiva se

convertia em outra sensação, completamente diferente. Talvez se não existissem

os Zumbis poderia deixar Julie onde devia estar; morta e enterrada. Voltou a soltar

um palavrão e, ao se virar, a garota morta (Karen) estava a menos de cinco metros

dele, de pé sob as sombras dos galhos das videiras, com as mãos entrelaçadas nas

costas.

A garota morta ficou olhando-o com a vista baixa; seus olhos estavam tão

vazios que Pete estremeceu. Eram como diamantes sem seu brilho. E Karen não

piscava.

— Estava me seguindo? — ela perguntou.

Pete assentiu, sentindo que tremia-lhe um músculo da mandíbula.

Perguntou-se se aquele monstro havia metido-lhe na cabeça a imagem da pobre

Julie.

— Porque me seguia?

Ele não respondeu. A garota não parecia assustada, mas, pelo pouco que

sabia de Zumbis, estava consciente de que não se tratava de ser muito expressiva.

Poderia lançar-se sobre ela e derrubá-la antes que seus lábios mortos

fossem capazes de dizer outra palavra.

— Queria..., me fazer..., mal? É isso?

Pete assentiu. Com precaução, deu um passo adiante, como se a garota fosse

um cervo a ponto de fugir ou um cachorro disposto a morder.

— Sim. — respondeu sussurrando. — É isso.

— Como tentou fazer mal a Tommy. — afirmou ela, assentindo.

Havia pintado os lábios de um suave tom pêssego, e Pete pareceu distinguir

neles a sombra de um sorriso. Não sabia se ria dele ou se o estava paquerando.

— Como tentei fazer mal a Tommy.

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— Isso faria sentir-se..., melhor? — perguntou ela, deixando escapar uma

espécie de suspiro. — Me fazer mal?

— Oh, sim. — respondeu ele, dando outro passo. Havia um galho quebrado

a um lado do caminho, então o pegou e o rompeu contra o joelho. Isso lhe deixou

um galho de um metro de comprimento com uma ponta irregular e afiada. —

Acredito que me ajudará.

A garota assentiu sem afastar nem um segundo seus olhos de diamante dos

olhos de Pete.

— Então, me faça mal. — sussurrou.

Ele riu e deu mais um passo adiante, apontando com a estaca o V que

formava o colarinho da blusa branca da garota.

— Mas use uma rocha. — ela acrescentou, apontando com a cabeça para o

muro de pedra. — Não somos vampiros.

Pete parou e considerou a possibilidade.

— É um começo. — respondeu, agarrando o pau em um lugar mais perto da

ponta.

Ela entreabriu os lábios, como se fosse responder, mas assentiu e

desabotoou o terceiro botão da blusa.

— Venha. — lhe disse.

Vai me deixar fazê-lo realmente, pensou ele. Raposa louca.

Levou seu tempo, mas, justo quando ia se lançar ouviu um ruído atrás dele,

que por seu tom e volume, eriçou-lhe o pêlo da nunca; era como o rugido de um

grande animal pré-histórico.

Virou-se e viu duas figuras ao longe, no caminho. Uma delas era o grande

Zumbi negro, que fez o ruído novamente; Pete se deu conta que gritava o nome da

garota morta. Movia-se o mais depressa que suas pernas mortas lhe permitiam; o

que não era muito. A perna direita parecia bloqueada á altura do joelho e a

esquerda convulsionava de maneira violenta com cada passo. O efeito global era

como observar um velho bêbado que tentava fugir da policia enquanto tinha um

infarto. Sem dúvida, o outro dava medo.

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Movia-se bem; era uma garota com aspecto asiático, cabelo longo preto e

uma jaqueta de couro. Quase corria, e sorria, o que ficava estranho, porque os

Zumbis raramente sorriam, e menos ainda mostrando os dentes.

— Depressa. ― disse a garota morta, e ele se virou, disposto a acabar com

ela no mesmo instante, em vez de tomar seu tempo, como haveria preferido. Sem

dúvida, viu na cara da garota, que ela não falava com seus amigos Zumbis, mas sim

com ele.

—Te deixarei para o final, ― lhe disse Pete, segurando o pau. Obrigou-se a

caminhar, em vez de correr, de volta pelo caminho para o estacionamento do

Instituto.

— Sou eu, ou este é o turno mais longo da historia? — perguntou Thorny,

inclinando-se, na cadeira enquanto abria uma barra de cereais com chocolate.

— É você. — respondeu Adam enquanto observava os quatros monitores

que mostravam imagens em tempo real das aproximadamente doze câmaras de

segurança que tinha na instalação.

Em cada ciclo, o monitor quatro lhes mostrava o laboratório, onde Alish

explicava algo a Kevin e Margi, que usavam suas batas brancas de laboratório com

o logo da Fundação Hunter: umas letras H e F douradas sobre um escudo preto.

Para Adam parecia um desses símbolos que se colocava nos bonés dos donos dos

Iates. Tommy estava sentado ao seu lado, com a camisa de trabalho azul que

Thorny e ele também usavam, e que tinha bordado o mesmo emblema no bolso da

esquerda. Adam tentava averiguar se Tommy piscava quando os monitores

trocavam de câmera.

— Não, de verdade. — insistiu Thorny colocando os pés sobre a mesa de

Duke Davidson. — Há quanto tempo estamos aqui? Quatro horas?

— Três.

— Vê o que te digo? — perguntou Thorny. — É uma eternidade.

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— Os turnos passam muito mais depressa quando você não está comigo. —

retorquiu Adam.

Tommy sorriu por reflexo, mas somente com uma parte do rosto. Levantou-

se para sair, e para Adam pareceu ouvir como as vértebras lhe estalavam e

voltavam a colocar-se em seu lugar.

— Você se alonga? — perguntou Thorny, com a boca cheia de cereais.

Talvez fosse isso que Adam havia ouvido. — Para que isso te serve?

— Ajuda.

— Como? — perguntou Thorny e Adam se virou para ele. — Não, sério.

Como isso te ajuda? Já não tem problemas de circulação nem nada, não? E...

A pergunta morreu em seus lábios quando Duke Davidson entrou na sala e

afastou os pés de sua mesa com um empurrão. Quase esteve a ponto de jogá-lo ao

chão. Para Adam parecia que o velho Duke se movia bastante depressa, apesar de

ser uma versão mais velha e desagradável dos estudantes com Diferente Fator

Biótipo de sua classe.

— Não tem nada para fazer? — perguntou o homem, falando como se

piscasse.

— Bom, estamos vigiando os monitores. — respondeu Thorny.

Duke o olhou, e seus olhos injetados de sangue fizeram com que Thorny se

encolhesse na cadeira e engolisse sem mastigar um pedaço de sua barra de cereal.

Adam supunha que Duke havia sido policial. Ou isso, ou preso. Havia lido

que muitos presos libertados acabavam em trabalhos de segurança. Para ser tão

alto e de extremidades tão largas, Duke se movia com o que o mestre Griffin

denominava “equilíbrio centrado”, quer dizer que reservava os movimentos e

sempre estava preparado para atuar rapidamente ante qualquer situação.

— Vigiando os monitores. — repetiu Duke, inclinando-se sobre ele. —

Porque não recolhe o lixo?

Thorny esteve a ponto de responder que já o havia feito, mas Adam o cortou

antes que sua insolência lhes causasse mais problemas.

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— Sim, senhor. — disse. — Agora mesmo. — saiu para o corredor com

Tommy e Thorny. — Vamos ao laboratório.

— O que? — perguntou Thorny, apressando-se para abancá-lo. — O que

eu fiz?

Adam percebeu que para Tommy não custava segui-lo. — Nada, Thorny.

Não fez nada.

— Exceto demonstrar certa falta de..., ambição. — acrescentou Tommy.

Para Adam continuava tendo graça o senso de humor de Tommy, tão

tranquilo e irônico. De morrer. Pensou, sorrindo para si.

— O que? — perguntou Thorny, perdido.

— Esquece, vamos.

— Odeio o laboratório.

— Por quê?

— Lá..., fazem coisas. — disse, baixando a voz. Adam havia achado graça do

comentário de não haver visto cara de medo. — Experimentos.

— Bom, são umas instalações científicas. Ao menos no papel. — respondeu

Adam.

— Sim, mas há mais.

— O que..., quer dizer?

O garoto olhou para seus dois companheiros e depois para o teto, como se

buscasse câmaras ou microfones ocultos. Baixou a voz até convertê-la em um

rouco sussurro.

— Ouvi Alish e Angela falarem sobre Sylvia e Kevin, sobre tomar-lhes...,

amostra. — passou a mão pelo cabelo. — Que tipo de amostras, hein?

— Vamos lá. — respondeu Adam, ainda, em certo sentido, não se

surpreendia. Se não, como iam pesquisar as coisas sobre os mortos?

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— Não, de verdade. — insistiu Thorny. — Os ouvi. Diziam que não

entendiam porque alguns dos Zumbis podiam andar e falar melhor que os demais.

— Em mim..., não me..., picaram com agulhas. — comentou Tommy.

— Não se troca turno de laboratório. — disse Thorny. Calou quando Margi

saiu para o corredor, carregada com um monte de papéis.

— Ainda. — sussurrou Thorny.

— Olá garotos. — disse Margi. — Vou tirar cópias.

— Que sorte. — respondeu Adam, pensando que parecia um pouco mais

feliz do que a Margi granulada que havia visto pelos monitores. Suspeitava que

tivesse mais haver com sair do laboratório que com vê-los.

— Está levando..., um bom par..., de folhas aí em cima., — disse Tommy.

Margi entrecerrou os olhos e continuou caminhando.

— Isso foi uma brincadeira? — perguntou Adam. — Estava fazendo graça?

— O que..., eu..., disse?

— Eu não entendo. — disse Thorny.

Mas Tommy sim o entendeu, um minuto depois. Adam quase podia ver

como ele ia entendendo pouco a pouco pela expressão de seus olhos. Estava sendo

testemunha do mais perto que jamais havia estado de um Zumbi ruborizando, e

isso levantou seu ânimo durante o resto do caminho.

Sem dúvida, voltou a baixar a moral quando chegaram à porta do

laboratório e a encontraram, fechada. Era a única habitação das instalações que

não podiam abrir com seus cartões.

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CAPÍTULO 19

Phoebe gostava de ouvir bem alto até a música mais tranquila, então

usava os fones de ouvido enquanto lia as palavras de Tommy na tela. Estava

escutando um disco do This Mortal Coil, um que havia copiado da grande coleção

que o irmão mais velho de Colette havia juntado antes de ir para guerra. Quando

ouvia os violinos, era como se os arcos mexessem com as cordas que uniam seu

tronco encefálico a sua coluna vertebral. Estremeceu pensando em Tommy, Colette

e tudo o que sentia.

A pele de seus braços nus era de um branco espectral, ficava suave e

luminosa na escuridão do quarto. Como Karen, pensou.

Fazemos tratos com o diabo todos os dias, metaforicamente. Sei que há

pessoas que dizem que nós fizemos algum trato com o diabo para continuar

existindo, mas o trato que fiz com um dos muitos diabos de minha vida foi

bastante, literal.

Tenho escrito muito sobre as minhas razões para me juntar a equipe de

futebol de Oakvale High. Não havia estado em nenhum dos meus objetivos não

ter a oportunidade de jogar, e o treinador se recusava a me aceitar. Recebeu

pressões internas da administração da escola, e também a mídia o criticou,

bem como os poucos políticos que simpatizam com nossa causa. Além do mais,

meu diabo era cabeçudo e se recusava a ceder. Então, chegamos a metade da

partida, não havia jogado nem um minuto, e não esperava jogar os três

minutos e trinta e sete segundos que joguei se não tivesse falado com ele no

vestiário durante o intervalo. Ele poderia dizer-lhes o que a muitos

seguramente gostariam de escutar: que eu o ameacei; que o assustei com a

promessa de uma turma de mortos vivos que o visitariam durante a noite.

Claro que não fez isso, até porque me ofereci a sair.

Phoebe inclinou-se para ler a última linha pela segunda vez, mas dizia o

mesmo: Me ofereci a sair.

— Que? — me disse o treinador, que mal suportava olhar-me.

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— Deixarei a equipe se me deixar jogar hoje. Coloque-me para jogar um

pouquinho.

Ele fez a mesma cara que um cachorro desconfiado faz quando lhe

oferecem um pedaço de carne.

— Sairá?

— Tudo isso desaparecerá. — respondi, assentindo. — Todo o circo. E se

alguém me perguntar por que fiz isso, seu nome não aparecerá em nenhuma

parte.

Ele me observou durante um minuto, cheio de ódio. Não respondeu e,

quando passou a meu lado, procurou não me tocar.

Deixou-me jogar. Claro, a vida real não é como as novelas, porque a

equipe não se uniu ao redor do marginalizado Zumbi, nem tampouco minha

espetacular atuação no jogo serviu para mudar radicalmente a atitude dos

demais. O garoto que marquei caiu, principalmente porque tinha muito medo...

e não posso culpá-lo. Além de suas tentativas para explorar-nos, alguns dos

conceitos do senhor Slydell parecem certos. A transformação normalmente é o

resultado de uma ação radical, e, no mundo de hoje, um garoto morto jogando

um esporte em equipe é uma ação radical. O que Slydell não conta é que muitas

ações radicais levam a reações radicais e que a escola fervia com a violência

no dia da partida.

Não fiquei com medo. Mesmo com as muitas granadas e bombas que os

manifestantes pudessem ter lançado, não havia temido por mim. Eu já estou

morto. Mas temia por aqueles amigos vivos que estavam ali, os que, deixando

de lado o medo, mostraram compaixão. Eu não gostaria de vê-los feridos

apenas para provar algo jogando futebol, e isso teria acontecido se eu tivesse

continuado na equipe; a violência teria explodido em algum momento, e as

pessoas ficariam feridas.

Sei que muitos de vocês pensam que recuar foi ruim, que tive a

oportunidade de lutar contra o demônio e vacilei. Não vou discutir, ainda que

direi que fiz o que pretendia fazer, quer dizer, plantei uma semente. Não

queria regar essa semente com o sangue dos vivos.

Phoebe empurrou-se para trás e se esticou. Deixou os dedos descansando

em cima do teclado. Haviam publicado muitas respostas, a primeira consistia em

uma curta e escrita por Todos Mortos, que chamava Tommy de covarde e dizia que

apenas através da violência e da morte os sacos de sangue compreenderiam o que

significava estar morto em um mundo de vivos.

Phoebe umedeceu os lábios. Todos mortos não entendiam o essencial, a

decisão de Tommy fez com que o admirasse ainda mais. Começou o processo

necessário para registrar-se no blog e poder deixar um comentário, mas o cancelou

duas vezes. Queria falar sobre sua própria experiência, sobre ver Tommy das

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187

arquibancadas e sentir-se no meio do olho do furação, um furação que soprava na

superfície do inferno. Ainda assim, no final, não escreveu nada.

Sonhou com Tommy aquela noite. Estava sozinho em um campo de futebol,

iluminado por uma grande lua cheia vestido com o uniforme, ainda que sem o

capacete. Ela estava nas arquibancadas aplaudindo, mas rodeada de pessoas

nervosas que gritavam e vaiavam. Um grupo de garotos mortos esperava na

sombra do bosque de Oxoboxo. Tommy a olhava, caminhava até ela pelo campo, e

então as pessoas começaram a jogar-lhe comida. Cabeças de alface, cachorros

quente, maças, garrafas de refrigerante. Um tomate caiu bem em cima do número

de seu uniforme. Phoebe levantou quando alguns deles começaram a gritar. Tinha

os braços cheios de poemas que voavam ao seu redor como folhas mortas,

enquanto as balas destroçavam o uniforme de Tommy e atravessavam seu corpo.

Ele continuava esperando. Uma garrafa com um pano dentro queimando caiu em

cima dele e queimou um lado.

Os buracos de bala lhe fizeram uma linha no peito; estava mais perto e

Phoebe viu os buracos negros em sua bochecha, pescoço e músculos. O fogo

começou a derreter a pele. Deu uma passo para as arquibancadas e Phoebe

acordou.

A quarta semana da aula de estudos Zumbi (mesmo Phoebe havia começado

a chamá-la assim) começou com o relato de Tommy dos atos violentos mais

recentes cometidos por todo o país contra pessoas com DFB. Phoebe havia lido

quase todas no blog de Tommy, mas ouvi-lo contá-las com sua voz era ainda mais

horrendo.

— Atropelaram uma garota..., em Memphis. — contava. — Tinha..., treze

anos. Morreu..., duas vezes..., em duas semanas.

— Terrível. — comentou Angela sacudindo a cabeça com compaixão.

Phoebe olhou a seu redor para avaliar a reação de seus companheiros: os garotos

mortos permaneciam impassíveis, enquanto que aos vivos custava levantar o olhar

do chão, como se houvessem participado de algum modo das atrocidades que

Tommy descrevia.

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188

Phoebe também sentia aquele mesmo sentimento de culpa, a sensação de

ser responsável em certa medida pelos crimes.

— Foi relatado outra vez..., a presença de..., um furgão branco..., em

Massachusetts. E o assassinato..., de um Zumbi.

Os furgões brancos apareciam em muitas das notícias do blog. Tommy tinha

a teoria de que muitos dos atos violentos ao azar cometido contra sua gente não

eram tão ao azar. Angela, segundo percebeu Phoebe, não aprovava e nem

desconsiderava a teoria.

— Obrigada, Tommy. — disse a mulher depois que ele descreveu como um

dos pais havia encontrado seu filho Zumbi morto no pátio de trás de sua casa, com

duas balas de fuzil de alto calibre na cabeça. — Porque acredita que essas histórias

nunca chegaram às notícias nacionais? — perguntou ao grupo.

— Racismo. — respondeu Thorny. Estava tremendo como um cachorro

molhado desde que havia sentado, depois de beber as latas de refrigerante da

geladeira. Havia dito a Phoebe e a Adam que tentava se empanturrar de açúcar

para ganhar peso. — Quer dizer, bioismo. Isso é uma palavra? O que quero dizer é

que há muita gente por aí que odeia os Zumbis, por isso a mídia não conta tudo,

como deveriam.

— Talvez. — disse Margi. Estava de mau humor, e Phoebe sabia que, quando

sua amiga estava assim, podia dizer qualquer coisa. — Ou talvez essas histórias

não sejam mais que lendas urbanas.

— O que te faz dizer isso, Margi? — perguntou-lhe Angela. Tayshawn soltou

uma maldição e Margi o olhou antes de responder.

— Apenas..., só queria dizer que me parece muito estranho que estejam

matando todos esses Zumb... , quero dizer, todas essas pessoas com DFB e ninguém

faça nada para evitar isso.

— E porque fariam? — perguntou Karen. — Não é..., ilegal..., matar um

Zumbi.

— Não sei, não sei. É que não posso acreditar que as pessoas fiquem

olhando enquanto assassinam alguém e não façam nada.

— Você faria? — perguntou Karen. — Faria alguma coisa?

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Margi abriu a boca e a fechou de forma abrupta. Ficou com a cara tão rosa

quanto seu cabelo.

— Claro que faríamos. — respondeu Phoebe, cobrindo sua amiga o melhor

que pôde. — Mas é muito estranho que custe a Tommy encontrar essas histórias.

Ainda mais sobre o furgão branco. O que acredita que seja? Uma espécie de grupo

fanático?

— O..., governo. — disse Tayshawn.

— Acredita nisso, Tayshawn? — perguntou Angela, e ele assentiu.

— Me..., deixaram. — disse Colette de repente.

Todas as cabeças, umas mais depressa e outras mais devagar, voltaram-se

para ela, ainda que Phoebe olhou para Margi. A garota usava um animalzinho de

pelúcia, um gato preto, em um chaveiro, e o estava apertando tão forte que seus

dedos haviam ficado brancos.

Angela, ao que parecia; muito menos interessada nas conspirações

governamentais do que nos sentimentos de Colette, assentiu.

— O que te deixaram?

— Todos..., me..., deixaram. — respondeu Colette, depois de uma longa

pausa.

Angela começou a falar, mas se deteve quando se deu conta de que Colette

tinha mais coisas a dizer e não precisava de mais perguntas, apenas tempo para

verbalizar seus pensamentos. Era sua quarta sessão de grupo, e os Zumbis mais

lentos (Colette, Kevin e Sylvia) nunca haviam falado por iniciativa própria..., exceto

nesses momentos.

— Meus..., pais..., não..., me..., deixaram..., entrar..., em..., casa. Caminhei...,

desde o..., depósito..., de cadáveres..., de Winford. Onze..., quilômetros.

Phoebe ficou olhando o chão. Se inclinasse sua cabeça o suficiente, seu longo

cabelo preto evitaria que os demais vissem suas lágrimas.

— Chamei..., na..., porta. Apertei..., a campainha. Minha..., mãe..., gritava...,

da..., janela..., para..., que..., eu..., fosse..., embora..., e a janela..., quebrou. Papai...,

saiu..., pela garagem... — continuou Colette com o olhar cravado a frente, como se

seus olhos fossem portões de outro mundo. — Tinha..., uma..., pá.

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190

— Meu Deus. — disse Adam.

— Fui..., embora. Fiquei..., no..., bosque..., por..., três..., dias. Fui..., a casa... de...,

minha amiga.

— Estava morta, Colette! — exclamou Margi, saltando do sofá. — O que

queria que eu fizesse? Estava morta!

— Minha..., amiga..., não..., me..., deixou..., entrar. — olhou para Phoebe. —

Nenhuma..., das..., minhas amigas..., me deixou..., entrar.

— Eu estava com medo, Colette! — gritou Margi com a voz aguda. — Estava

toda..., toda... Tive medo!

Phoebe queria dizer algo, mas não podia se mover; a culpa a havia

paralisado. Apenas era capaz de chorar, coisa que fez; a maquiagem de seus olhos

caía por suas bochechas formando grandes riscos pretos.

Colette voltou-se para Margi e depois se levantou. Margi deu um pulo,

tropeçou no sofá e esteve a ponto de cair. Saiu correndo da sala.

— Pode ser um bom momento para uma pausa. — comentou Adam, mas

Angela sacudiu a cabeça. Phoebe encontrou em seu interior a força necessária para

levantar, com a intenção de ir atrás de Margi. Mas Colette a chamou por seu nome e

a deixou imóvel.

— Fique. — disse Colette. Phoebe se virou para ela. Sua amiga parecia

impassível, tão fria e lenta. Não tinha expressão alguma em seu rosto, nenhum dos

tics nem inflexões na voz que procuravam imitar os garotos mortos. Phoebe teve a

impressão de que os negros olhos de Colette atravessavam seu crânio. — Por favor.

— Eu irei procurar Daffy. — disse Adam em voz baixa, tocando-lhe o braço

antes de sair. Phoebe sentou-se.

— O que aconteceu então, Colette? — perguntou Angela.

— Me..., escondi. — respondeu ela, sem sentar-se. — No..., bosque. E

depois..., no..., lago. Tommy..., me..., encontrou.

— É..., um..., dom. — comentou Tommy, subindo o braço esquerdo; sua

forma de encolher os ombros.

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— O que fez quando a encontrou? — quis saber Angela.

— Falei..., com ela. Levei-a..., para casa.

— Para casa? Sua casa? — Tommy assentiu. — Tua mãe não se importou?

— Minha mãe..., me ajudou.

— Levou outros garotos com DFB para a casa de sua mãe? — perguntou-lhe

Angela, arqueando as sobrancelhas. Tommy assentiu outra vez. — Ficam lá?

— Não há espaço.

— Para onde vão? — Tommy respondeu com seu encolhimento de ombros

parcial. — Colette? Para onde foi depois de ficar com Tommy?

— Fui..., embora. Fui..., para..., a..., Casa.

— A Casa?

— Passou um tempo comigo. — disse Karen. — E também com Evan.

— Tem uma casa onde ficam?

— Alguns de nós ficamos juntos. — respondeu Tommy.

— Onde?

— Não seria uma boa ideia que..., todos..., saibam.

— Certo. — respondeu Angela. — Mas é claro que pode confiar nas pessoas

dessa sala, não é?

— Sem dúvida. — respondeu ele, movendo os lábios. Mas não disse nada, e

nenhum dos garotos com DFB fez qualquer som.

— Muito bem. — disse Angela. — Obrigada por compartilhar sua história,

Colette. Estou certa de que foi uma experiência muito dolorosa para você,

compartilhá-la, quer dizer. Já quase não nos resta tempo.

Phoebe sentia como se houvessem congelado seu coração no peito. Os

garotos passaram por ela arrastando os pés. Ela continuava chorando e não podia

falar.

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Colette se sentou a seu lado no sofá, e Phoebe a olhou com os olhos ardendo

e a visão nublada pela maquiagem que havia tentado limpar. O olhar de Colette era

indecifrável.

— Colette, eu..., eu...

Colette a abraçou na sala vazia.

Phoebe ouviu PDT gritar quando Adam pegou o telefone.

— Sim?

— Sou eu.

— Olá.

— Como está Margi?

— Não tenho certeza. Não quis falar comigo. Deram-nos permissão para sair

antes e a levei para casa. Ela me agradeceu e nada mais. — suspirou. — Como você

está?

— Bem...

— É, já imaginava. Frisbee?

— Ok.

— Me dê meia hora. Primeiro tenho que fazer umas besteiras para o PDT.

— Ok.

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A noite caiu depressa, então Phoebe sugeriu ir ao campo de futebol, onde

poderiam jogar debaixo das luzes. Sentiu-se melhor quando entrou na

caminhonete de Adam e, melhor ainda quando ele lançou um reluzente disco

amarelo fazendo uma prazerosa espiral no ar.

— Não me lembro da última vez que a vi usando tênis esportivo. — Adam

disse, olhando seus tênis pretos. — Não acabam com seus pés essas botas que usa

o tempo todo?

Ela lhe devolveu o disco e fez uma careta ao ver que ia cair rápido.

— Não, são bastante confortáveis. E usei tênis na semana passada, quando

estivemos aqui.

— Oh. — respondeu ele, correndo para pegar o disco e agarrando-o antes

que caísse no chão. Adam sabia atirar o disco de vinte formas diferentes, então

naquela vez o lançou movendo o braço em paralelo ao chão. Phoebe o pegou atrás

das costas.

— Muito bonito. Temia que houvesse perdido seu dom depois de passar

todos os dias bebendo café e escrevendo poesia gótica.

— Oh, ficou sabendo?

— Sabendo do que? — repetiu ele com fingida inocência, e correu para trás

para pegar o disco que ela havia lançado bem por cima de sua cabeça.

— Não se preocupe.

— Ok. — Adam lançou o seguinte com um movimento rápido por cima de

seu antebraço e girou um pulso. Ela tentou pegá-lo novamente por trás das costas,

mas o disco foi para o lado. — Aiii. — disse o garoto, em forma de desculpa. —

Bom, o que aconteceu?

Phoebe recolheu o disco e o lançou na altura de seu peito, a distância

correta.

— Colette me abraçou.

— Oh. — respondeu ele, lançando da mesma forma. — Isso é bom, não é?

— Sim. Eu estava chorando como um bebê.

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— É comovente que tenha te abraçado. Ainda que também dê um pouco de

medo.

Phoebe teve que correr para chegar a seu seguinte lançamento e o agarrou

com as pontas dos dedos.

— Sim, mas veja o medo que ela passou.

Ele assentiu, recolhendo facilmente o disco. Movia-se com uma elegância

natural pouco comum para alguém do seu tamanho.

— Não pode sentir o que sentem os demais. Apenas pode tentar imaginar o

que sentem.

— A abandonamos, Adam.

— Não está falando do lago, certo? Não foi culpa de vocês.

O seguinte lançamento foi direto até ela, e Phoebe admirou o efeito do disco.

— Não, que tenha se afogado não foi culpa de ninguém. Estou falando de seu

regresso.

— Oh!

— Veio a nossa casa, Adam, e nós lhe demos as costas.

— Segundas oportunidades. — respondeu Adam, depois de um bom tempo.

— Te abraçou.

— Sim.

— Margi acabará vendo isso.

Jogaram durante 45 minutos, mudando de assunto para deixar descansar

um pouco o problema de Margi e Colette. Riram de Thornton, que havia usado na

escola uma camiseta escrito “Alguns de meus melhores amigos estão mortos!” e seu

professor o havia castigado, ainda que depois a diretora Kim o tenha tirado do

castigo.

— O que te parece que Tommy deixe a equipe de futebol? — perguntou-lhe

Phoebe.

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— Estou decepcionado. Era bastante bom.

— Falou com ele sobre isso?

— Não, supus que não queria que os protestos e demais coisas

continuassem acontecendo.

— Desde quando é um rapaz tão intuitivo, Adam? — perguntou ela,

sorrindo, mas ele não lhe deu atenção.

— Gosto dessa camiseta. Deveria ir de branco mais vezes. Eu achava que só

tivesse roupas pretas.

— Não é verdade. Tenho roupas cinzas e cinzas escuros.

— Claro, perdão. — respondeu ele entre risadas. — Vamos!

A primeira coisa que Phoebe fez ao chegar em casa foi olhar seu e-mail, mas

Margi não havia respondido, nem tampouco havia retornado sua ligação no celular.

— Papai, Margi ligou?

— Me alegra informá-la que não recebeu nenhuma ligação, senhorita. —

respondeu ele, afastando o olhar de sua novela.

Mas Phoebe não estava alegre, e sim preocupada.

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CAPÍTULO 20

Angela sentou-se no escritório com Phoebe e Karen enquanto as duas

meninas faziam seu último turno na seção administrativa. Depois, Phoebe iria ao

selvagem mundo da manutenção e Karen iria fazer um trabalho de verdade no

laboratório. Phoebe não gostava da mudança, já que não lhe chamava muita

atenção passar o tempo com Duke Davidson, a pessoa mais assustadora que havia

conhecido.

— Eu queria agradecê-las por todo o trabalho que vocês tem feito meninas.

— disse Angela. — Vocês têm ajudado muito.

— É para isso que estamos aqui, — Phoebe respondeu. — Mas eu gostaria

de ter encontrado mais comentários positivos para vocês.

— Algum dia. — Angela disse, rindo. — Algum dia nós veremos que as

pessoas aceitam a contragosto, o que fazemos. A sociedade terá que crescer.

— O que você acha que falta para isso, Srta. Hunter? — Karen perguntou,

enquanto endireitava uma pilha de papéis.

— Quem dera eu saber com exatidão, Karen. Acho que será uma

combinação de várias coisas, mas, acima de tudo, exigirá um grande esforço por

parte de pessoas como você.

Karen olhou-a com a expressão vazia dos mortos, expressão que Phoebe

sabia que podia ligar e desligar a vontade, como uma máscara.

— O que você quer dizer? — Karen perguntou.

— Desculpe, não queria que você se sentisse deprimida. No entanto,

acredito que se as pessoas com Diferente... os Zumbis conseguirão uma aceitação

real, será por pessoas como você.

— Como eu?

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— Zumbis mais evoluídos. Você fala com menos pausa, move-se bem, seu

rosto é mais expressivo... quando você quer.

Phoebe observou Karen para ver sua reação, mas ela manteve o olhar vazio.

— Mais evoluídos. — ela repetiu.

— Por favor, não leve isso como um insulto. Você já sabe que é diferente da

maioria dos alunos com DFB. Você quase poderia...

— Passar por humana?

— Eu ia dizer que poderia servir de modelo para os demais. — disse

Angela. Se ela se sentiu insultada, escondeu-o bem por trás do sorriso. — O grupo

com DFB. Na arte da cultura... pessoas como Tommy e como você poderia fazer a

diferença.

— Porque os demais..., nos veriam como um modelo a seguir.

— E porque você pode se comunicar bem. Você pode ser o rosto público das

pessoas com DFB.

— Pobre de mim. — respondeu Karen, mais ou menos franzindo a testa.

— É verdade, Karen — interveio Phoebe. — Você é linda.

— E você é um céu, Phoebe. — respondeu Karen, permitindo-se

sorrir. Quando Karen sorria, sua beleza acabava sendo quase magnética, mas para

Phoebe parecia desconcertante a rápida transição do vazio.

— Bem, é verdade.

— Dentro de Tommy e de você há algo que os outros ainda não

encontraram. — comentou Ângela, assentindo. — Uma criatividade, um

espírito... Eu não sei o que é, mas sei que nenhum dos dois o demonstra o

suficiente. Especialmente Tommy.

— Isso não é verdade... — Phoebe começou a dizer, mas Karen a

interrompeu.

— Eu agradeço..., o que você disse, mas está..., assumindo..., que os vivos

queiram que ajamos, andemos e falemos como eles. Não acho que seja assim.

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Phoebe escreveu em um pedaço de papel o endereço da página web de

Tommy, www.supostamentemorto.com, juntamente com o seu ID de usuário e sua

senha.

— Você não acha que isso faz com que as pessoas o ouçam?

— Algumas pessoas. Acho que para outras, seja mais difícil. Quanto mais

agirmos como eles, mais conscientes serão que não o somos. Tornam-se

paranóicos.

— Sério?

— Eu acho que... seria como a chaleira... se eles não puderem... nos

diferenciar.

— Mmm.

— Tommy é muito criativo. — interveio Phoebe.

— Com certeza sim, mesmo que não deixe que vejamos. — disse Angela.

— Isso não é verdade. Ele tem seu próprio site.

— Uma página de Web?

— E um blog. Os garotos mortos de todo o país lêem o que ele

escreve. Então não acho que deva supor que ninguém é pouco criativo, ou tem

pouca consciência social apenas porque não está o tempo todo conversando sobre

o assunto em sala de aula.

— Sinto muito, Phoebe. — respondeu Ângela. — Você tem razão, eu não

deveria fazer esse tipo de suposições.

— Sem dúvida, fez uma observação interessante. — disse Karen. — Talvez

eu mesma devesse ter mais consciência social. Quero dizer, está claro que os

mortos mais jovens me vêem como um exemplo a seguir, de certo modo (pelo

menos, Colette e Sylvia), e pode ser que devesse...

— Qual é o endereço da página, Phoebe? — Angela perguntou.

— www.super...

— Quem sabe? Talvez eu deva me apresentar como representante dos

estudantes ante o corpo de professores. Como se chama? Corpo Docente? Já vejo as

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manchetes: KAREN DESONNE ENTERRA SEUS CONCORRENTES EM UMA VITÓRIA

ESMAGADORA. É assim? Enterra? Ha, ha.

Phoebe olhou para Karen, que não estava apenas falando mais rápido do

que qualquer pessoa morta que ela conhecia; como também falava inclusive, mais

rápido do que Margi.

— Phoebe? — Ângela insistiu. — O endereço?

— Supostamentemorto.com

Poderia ter jurado que ouvi Karen suspirar, quando dei o endereço, embora,

é claro, os mortos-vivos não podiam respirar.

Angela continuou esboçando o seu constante sorriso de gato, e Phoebe

começava a pensar que talvez tivesse cometido um grave erro.

Adam viu quando Phoebe e Margi atravessavam o refeitório, e Margi

levantava a mão, formando um redemoinho de estridentes braceletes de prata,

para agarrar sua amiga pelo braço e afastá-la da mesa onde Karen DeSonne

sentava-se sozinha, cercada por potes de Tupperware.

Karen havia espalhado um guardanapo de pano, e nele havia colocado uma

tigela em forma de taça, tais como aqueles usados por meninos para trazer canja

de galinha ou macarrão com queijo, e um recipiente redondo menor, uma brilhante

maçã vermelha e um iogurte. Ela pegou uma colher de plástico e retirou a tampa

do recipiente. Adam se aproximou e viu que dentro havia uma pirâmide

cuidadosamente montada de palitos de cenoura. Em outro pote tinha morangos

fatiados.

Margi afastou Phoebe do piquenique da garota morta e a guiou para o local

onde Adam estava sentado, mastigando o segundo sanduíche de carne

assada. Adam viu que Phoebe sacudia a mão de Margi antes de sentar-se diante

dele.

— Oi, Adam. — cumprimentou-o, claramente irritada. Ele acenou com a

cabeça. Embora sem deixar de observar Karen, que estava sentada olhando para a

mesa que havia preparado com tanta concentração.

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— Eu não posso suportá-lo. — Margi sussurrou, soltando seu saco de

comida na mesa. — É que eu não posso.

— Ela está sozinha... — Phoebe começou, mas Margi balançava a cabeça.

— Ela tem comida, Phoebe. Comida. Têm comida, e você sabe que eles não

comem. Não agüento mais, não está certo, não é natural...

— Shhh, baixa a voz, você quer?

Margi deu um grande empurrão em sua comida, e uma laranja saiu rolando

para fora do saco e caiu no chão.

Adam olhou-as por um momento, enquanto mordia o sanduíche para não

ter que dizer nada. Phoebe olhou-o, o que significava que tinha que intervir, como

se eles dois fossem os pais de Margi, quem estava ocupada ficando histérica. Suas

mãos tremiam, não parecia com seu melodrama normal de sempre.

— Ei, Daffy, você está bem? — o garoto perguntou, depois de engolir o que

estava em sua boca.

Margi inclinou-se sobre a mesa, baixando a voz. — Ela tem comida,

Adam. Sopa..., e..., e..,. leite...

Adam concordou e colocou uma mão sobre a da garota.

— Eu sei, montam todo um piquenique, mas não comem. Vê? — ele

explicou, apontando para a mesa ao lado com sua cabeça, embora ela não

olhasse. — Provavelmente queira apenas ser normal, Margi. Certamente apenas

tentar agir como as outras pessoas no refeitório.

— Mas não pode! É isso o que eu quero dizer, refiro-me precisamente a

isso! — Phoebe olhava para Margi como se ela é quem fosse estranha. Adam

encolheu os ombros. — Eu vou deixar a classe. — Margi continuou falando,

afastando a mão, de modo que os frios anéis e pulseiras de prata passaram debaixo

das pontas dos dedos como do garoto como se fosse água. — Eu preciso falar com a

enfermeira — disse, se levantando e saindo correndo do refeitório.

— Ok, eu limpo a mesa para a senhora! — gritou Phoebe.

— Ela está mal. — comentou Adam. Ele não gostava de ver Phoebe ser

sarcástica com sua amiga, não parecia ela mesma.

— E não quer me dizer por quê. Dá vontade de matá-la.

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—Assim poderia conseguir que se sentasse com Karen.

— Há mais coisas que ela não me conta. — disse ela, ignorando a piada. —

Algo sobre Colette. Eu a convenci a entrar nas práticas, porque acreditava que iria

ajudá-la a superar o medo ou o que seja que ela sente por Colette.

— É complicado. — disse Adam. Na mesa ao lado, Karen contemplava os

alimentos, como se tentasse fazê-lo flutuar sobre a mesa.

Martinsburg, que entrava com uma bandeja, virou-se para sua sombra,

Stavis, e disse algo que lhe fez rir. — A morte dá medo.

— Mas não tem porque, especialmente agora.

Aquilo não tinha muito sentido para Adam, mas não disse nada. Observou-a

tirar a casca de pão do sanduíche de queijo por alguns minutos antes de mudar o

tema do assunto.

— Você tem certeza que Margi se juntou ao grupo para superar o assunto

sobre Colette? Tem certeza que não fez isso por você?

— O que você quer dizer? — perguntou, com tom de irritação.

— Eu não sei. — ele respondeu, embora soubesse. Ele tinha se juntado ao

grupo por isso.

Pelo canto do olho, viu que Stavis e Martinsburg sentavam-se a algumas

mesas de distância, sem parar de olhar para Karen, com malícia.

— Ei, você quer que sentemos com ela. — perguntou para Phoebe, e ela se

animou no mesmo instante.

— Claro.

Recolheram suas coisas e se aproximaram da garota morta, que estava

completamente imóvel.

— Podemos nos sentar com você? — Phoebe lhe perguntou, e Karen

concordou. Adam olhou significativamente para Stavis e Pete antes de sentar-se.

Pete soprou-lhe um beijo.

Karen os olhou e voltou a sorrir, como se alguém tivesse ligado um

interruptor dentro dela.

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— Não é lindo? Os morangos vermelhos, sua maneira de brilhar, a cor

laranja brilhante das cenouras... Também gosto do meu guardanapo azul marinho.

— É muito bonito. — Phoebe disse.

— Estou muito feliz por poder continuar vendo as cores, sabe? Quero dizer,

às vezes me pergunto se as vejo apagadas, como se algum dos pigmentos dos meus

olhos tivessem desgastado ao morrer, mas, pelo menos ainda sei que isso é

vermelho e isso laranja, e que o leite é branco. Nem imagino o que seria passar pela

vida em preto e branco, e vocês? Em um mundo sem cores?

— Nem eu. — respondeu Phoebe, e Adam concordou.

— Antes, meus olhos eram azuis.

— Agora eles são como diamantes. — disse-lhe Phoebe. — Talvez sejam os

mais belos olhos que eu já vi.

— Gostaria de poder sentir o cheiro delas. — Karen comentou,

aproximando o nariz do pote de morangos. — Às vezes eu acho que posso um

pouquinho. Mas depois..., eu me pergunto..., se estou..., lembrando como

cheiravam. O que é irônico..., porque dizem que o..., cheiro..., está muito

relacionado..., com a..., memória.

— A sopa também cheira bem. — disse Phoebe.

— A sopa! — Karen exclamou, fazendo um barulho parecido com uma

risada. — Sim, lembra a sopa? Deus.

Adam não sentia o cheiro da sopa porque Phoebe estava tão perto que eles

se tocavam, então só sentia o perfume de seu xampu. Teria gostado de ter um

sanduíche para poder dar as suas mãos e boca algo para fazer. Ele tinha a

impressão de que Karen estava tirando onda de sua própria maneira, como

Margi. Será que nenhuma garota, nem viva e nem morta, era capaz de manter a

sanidade durante mais de três horas?

— Ainda..., ouço e..., sinto. — disse, sorrindo. — Eu acho. — Adam queria

dizer a Phoebe que a abraçasse ou algo assim, mas então, Karen começou a fechar

os recipientes. — Obrigada por sentarem aqui. E obrigada Adam, por ser tão

protetor comigo. É engraçado pensar em proteger uma garota morta, certo? — deu

uma risadinha, e o ruído foi muito mais autêntico do que o anterior.

— O que..., você quer dizer?

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203

— Oh, vamos. Eu vi esses garotos maus... Sou consciente disso. Hiper-

consciente, de fato. Talvez seja porque eu já não posso..., sentir..., tanto quanto

antes — tocou-lhe a mão. A mão dela era fria e suave. — Não deixe que

machuquem os outros. Querem fazê-lo, sabe? Há algo, algo dentro do garoto

bonito. Algo mais do que medo.

— De quem? Pete?

— Não deixe que machuquem..., os outros. — disse ela, assentindo.

— Eu vou tentar.

— Eu sei que você vai. Você sempre faz. — disse Karen, dando-lhe algumas

palmadinhas na mão. — Bem, Phoebe, aonde Tommy vai te levar no encontro?

Phoebe corou até o pescoço. Adam teria rido se não tivesse sentido uma

súbita dor no estômago, que não poderia ser aliviada por muitos sanduíches de

carne assada que ele comesse.

Pete já tinha quase pensado no espetáculo público que pensava dar com a

garota morta, mas então Adam e Pantynegros sentaram-se ao lado dela e se

incomodaram com a ideia. Embora Adam não lhe desse medo, não queria que o

confronto final com o Menino Bobo acontecesse no refeitório do Instituto. Pete era

tão realista como Adam era grande, e sabia que talvez lhe faltasse o necessário

para ganhar do grande caipira em uma luta justa, portanto teria que esperar, por

uma injusta.

Quando o horário do almoço estava quase no fim, Adam se aproximou de

sua mesa.

— Posso conversar com você um minuto, Pete? A sós?

— Quer brigar? — Pete perguntou, sorrindo.

— Só se você bater primeiro. — respondeu o Garoto Bobo, balançando a

cabeça.

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— Conversar, né? — repetiu Pete. Sorriu com satisfação para Stavis e seus

outros parasitas. — Vamos falar.

Eles foram para um canto do refeitório que já começava a ficar vazio. Pete

viu que Pantynegros e Zumbina se soltavam, e certificou-se que Adam o vira fazê-

lo.

— Pete, isso tem que acabar.

— O quê? — Pete perguntou, sem deixar de olhar para elas, até que saíram

para o corredor.

— Esta campanha de ódio que você está montando. Ameaçar as pessoas.

— Ameaçar as pessoas?

— Tommy, Karen. Thornton me contou que você lhe disse que Stavis e você

iriam chutá-lo o rabo algum dia.

— Não são ameaças, são promessas. — Pete respondeu, sorrindo. O sorriso

ampliou-se quando viu que suas palavras penetravam a armadura que cercava

Adam.

— Pete..., éramos amigos.

— Éramos; como você disse. Você escolheu sua equipe.

— Tudo porque o treinador pediu-lhe para dar uma surra em um cara e eu

não te segui nesse jogo?

— Um cara não. Isso é o que você acaba de descobrir. Não é um cara. É um

Zumbi, um Zumbi sujo, podre e comida de insetos. Você preferiu isso ao invés de a

mim.

— Eu não te entendo, por que tanto ódio?

Pete lambeu os lábios e estava prestes a contar para Adam sobre Julie. Mas

ele nunca tinha contado para ninguém, e ninguém exceto seu pai sabia tudo sobre

ela.

— É meu dever como cidadão. — disse ele, encolhendo os ombros.

— Ele te deixou sem fôlego. E daí? E tivemos uma boa luta na

floresta. Vamos deixá-lo lá. Estou disposto a me afastar, se você também estiver.

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205

— Adam. — Pete respondeu, rindo. — Eu tenho uma lista no bolso, uma

lista com todas as pessoas da sua estúpida espécie de amantes de Zumbis. Eu a levo

em todos os lugares e fique sabendo que todos os que estão nela, todos vocês, vão

se dar mal.

— Você... — Adam estava com tanta raiva que não podia nem falar, o que

para Pete estava bom. Estava cansado de ouvir Adam.

Naquele momento, a campainha tocou. Pete virou-se e foi com Stavis, que

estava observando da porta.

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206

CAPÍTULO 21

Que incômodo, pensou Phoebe. Estava sentada no assento do passageiro

do PT Cruiser de Faith. Tommy estava sentado atrás, tão conversador como uma

maleta. Faith os levava para o shopping onde iam ver um filme.

A situação ficava cada vez mais incômoda.

— Seus pais sabem para onde você vai esta noite? — lhe perguntou Faith.

— Bom, sabem que eu vou ao shopping ver um filme.

Faith a olhou, mas aquele breve olhar caiu sobre a consciência de Phoebe

como se fosse uma tonelada de tijolos.

— E sabem como você vai até lá? E com quem você vai?

— Bom...

— Adoro meu filho, Phoebe, mas esta é a última vez que cubro suas costas.

Você tem que dizer aos seus pais o que está fazendo. Não é justo para eles.

Tommy fez um ruído no assento de trás como se tentasse clarear sua

garganta. Era um ruído horroroso, um que Phoebe não desejava ouvir nunca mais.

— Tem razão, eu direi.

Faith deu uma palmadinha na mão de Phoebe, e Phoebe notou seu calor.

— Sei que fará isso, querida. Você é uma garota valente. Não há muitas

garotas de sua idade dispostas a ser amiga de um morto-vivo.

Phoebe devolveu o sorriso, embora não se sentisse muito corajosa. Tommy

era corajoso. Karen era corajosa. Adam era corajoso por que se arriscava a ser

expulso da equipe de futebol por causa de Tommy.

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— Mamãe. — disse uma voz seca, vindo da parte de trás. — Não sou um

morto-vivo, sou um Zumbi.

— Não seja mau. Já sabe que não gosto desta palavra.

— ZzzzzZumbi. — ele respondeu.

Phoebe se virou e o pegou sorrindo, enquanto sua mãe sorria.

— Pegarei vocês as dez. — lhes diz Faith antes de se afastar, deixando-os na

grande entrada de néon do shopping de Winford. Phoebe se sentiu ainda menos

corajosa ali de pé, na entrada, com Tommy. Uma mulher passou perto deles e

agarrou com força sua bolsa de plástico. Sobre as portas, em letras cursivas de

néon rosa, lê-se: “Winford Mall”. Phoebe olhou as letras e franziu o cenho.

— Se quiser podemos ir embora. — lhe disse Tommy, levando a mão ao

celular, que estava em seu cinturão.

Phoebe sacudiu a cabeça, secando o suor frio das palmas nas calças negras.

Depois ofereceu a mão para Tommy.

— Não, o filme nos espera.

Ele a olhou durante um momento; o néon traçava brilhantes listras rosa e

laranjas na lustrosa superfície sem vida de seus olhos.

Pegou sua mão e entraram no shopping.

As pessoas começaram a olhá-los enquanto entravam. Um garoto com uma

jaqueta dos Patriots se virou para seu amigo e disse em voz alta:

— Ei, olha isso! O amanhecer dos mortos!

— Sim, mas ainda não comeu. ― respondeu seu esperto amigo.

Compartilham uma gargalhada estridente e Phoebe ruborizou, mas se

agarrou com mais força a mão de Tommy, que tinha os punhos fechados e tentava

se aproximar.

— Não. — ela sussurrou para ele, e continuaram andando.

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Fora o amanhecer dos mortos, Phoebe sabia que os mortos-vivos de verdade

raras vezes entravam em shoppings. Não se viam garotos com DFB passando um

tempo no boliche. Não precisavam ir aos restaurantes e, fora Tommy Williams,

poucos se viam participando em acontecimentos esportivos ou observando-os. Os

Zumbis, no geral, eram garotos caseiros..., pelo menos, os que ainda podiam ficar

em suas casas.

Percorreram o corredor, passaram ao lado de uma cadeia de restaurantes e

uma joalheria, e chegaram a um átrio aberto que de sua grade alta era possível ver

o nível inferior. Um grupo de pequenas bétulas de aspecto frágil crescia em um

buraco aberto no chão de lajotas brancas. A copa de uma das árvores estava quase

da mesma altura que a margem da grade, e viram que os ramos tinham folhas

pequenas e escuras. Quando se aproximaram da grade, um passarinho marrom

saiu voando das vigas e aterrissou em um ramo próximo.

— Um pardal, pobrezinho. — comentou Phoebe.

— Sei..., como se sente. — respondeu Tommy. Atrás dele Phoebe viu que

uma idosa o olhava com o cenho franzido da porta do Pretty Nails. Tommy se virou

no momento em que a mulher fazia um gesto.

— Acabou de jogar-nos mal olhado? — perguntou ele.

— Acho que sim, ou algo pior.

Phoebe olhou ao seu redor. Era imaginação sua ou todo mundo olhava para

eles?

Talvez estivesse exagerando.

Ainda assim, o caminho até o cinema, na outra ponta do shopping, parecia

muito longo.

Passaram junto a uma loja Wild Thingz!, e Phoebe apontou para um

pequeno expositor da fachada que tinha as camisas do “PODER ZUMBI!” e

“ALGUNS DOS MEUS MELHORES AMIGOS ESTÃO MORTOS!”, além disso, um par de

gorros, lenços e pulseiras com slogans similares de Slydellco. Também havia

algumas garrafas e tubos no expositor. Phoebe começou a rir ao perceber o que

era.

— Meu Deus, produtos de higiene para Zumbis! — havia xampus, loções

hidratantes, e dois tipos de pastas de dente diferentes. O que mais gostou foi de um

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spray prateada em um botão cilíndrico preto. Abaixo se dizia: “PARA O HOMEM

MORTO ATIVO”.

— Talvez eu devesse comprar um. — comentou Tommy, sorrindo. — Sou

bastante..., ativo.

— Desculpe. — respondeu ela, sem parar de rir. — Não sei por que achei tão

engraçado.

Entraram e percorreram as estantes cheias de camisetas e acessórios

góticos. O humor de Phoebe melhorou quando ouviu a voz de M.T. Graves sair dos

alto-falantes da loja. Perguntaram a vendedora se tinha amostras de Z. A

vendedora demorou a reagir. Poderia ter sido a dublê de Margi, embora suas

pontas fossem roxas e tinha um grande anel prateado no nariz, combinando com as

pulseiras e braceletes de couro no braço.

— Nossa, um Zumbi de verdade! ― disse, sorrindo. ― Vamos, fazia tempo

que eu esperava que um de vocês entrasse. — Explicou que não tinha amostras,

mas que Tommy podia cheirar um pouquinho da garrafa que tinha na vitrine. Ele

aceitou a oferta e perguntou a Phoebe o que ela achava. Ela cheirou o ar que o

rodeava. O perfume lembrava especiarias, mas com uma forte nota de algo cítrico,

talvez lima.

— Eu adoro esta porcaria. — comentou a Margi roxa. — Comprei para meu

namorado Jason, um frasco, e ele sempre usa.

— Obrigado. — respondeu Tommy, olhando para Phoebe. ― Cheira bem?

— Eu gosto. — respondeu ela e Tommy comprou um frasco.

A amabilidade da vendedora aliviou um pouco a paranóia de Phoebe, assim

como a ideia de produtos de higiene para mortos-vivos. No entanto, quanto mais

pensava nisso, mas nervosa ficava. Certo, os mortos não suavam e, obviamente, não

fediam, o que teria causado graves problemas. Talvez as bactérias que provocavam

o odor não podiam sobreviver em sua pele ou algo assim.

— Minha mãe disse que eu te levasse para um..., filme de garotas. —

comentou Tommy, e ela percebeu que já estavam no cinema.

— Hmm. Vira-lata e pranchas de surf ou Mr. Caos. ― disse Phoebe. ― Acho

que Vira-lata.

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Tommy pagou as entradas e lhe comprou um pacote de pipocas e um suco.

Faith tinha advertido Phoebe no carro que o garoto pagaria tudo e que não

montasse uma cena por que “já estaria montando de sobra”. O garoto sardento do

posto de pipocas tinha uma expressão como se tivesse engolido uma rã quando

Phoebe se virou e perguntou a Tommy se queria manteiga líquida em suas pipocas.

— Antes eu adorava..., mais manteiga. — respondeu.

Phoebe riu. Tommy não se importava que esquecesse que estava morto.

No filme não havia nenhum Zumbi; era uma comédia leve sobre uma mulher

que trabalha em um petshop e sempre acaba encontrando-se com um adorável

labrador marrom de um cara que desenhava pranchas de surf.

Para Phoebe o filme era chato, e a ideia de estar sentada na escuridão com

Tommy comendo pipocas começava a parecer-lhe claramente absurda. Se pudesse

voltar à vida, Phoebe Kendall — pensou — certamente passaria vendo as tontas

palhaçadas do cachorro Ruffles e esperando pacientemente para que estreasse Vira-

lata e pranchas de surf II.

Por algum motivo, a obrigatória cena da cama do filme lembrou-a o

momento passado no chão poeirento da Casa Assombrada, na mais completa

escuridão. Por sorte, era uma cena de risada; Ruffles saltou em cima da cama

durante os festejos, e o garoto surfista quebrou uma lâmpada ao tentar afastar o

encantador diabinho.

Phoebe olhou para Tommy durante a cena. Olhava para frente sem

pestanejar, como só fazem os mortos, e se perguntou o que os dois faziam ali.

As luzes do shopping pareciam excessivamente brilhantes as nove da noite.

As poucas pessoas que saíam do cinema cambaleavam com cara de sono pelo hall,

arrastando-se como os Zumbis tradicionais da história do cinema.

— Você gostou do..., filme? — perguntou Tommy.

— O cachorro era fofo.

— Para mim... — murmurou ele, alargando a palavra. — também.

— Tommy, isto é como o futebol para você?

Tommy virou sua cabeça, como havia feito Ruffles ao ver a garota dos

cachorros tirando-lhe do lugar na cama do surfista naquele horrível filme.

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— Ao que..., você se refere?

— Refiro-me a estar comigo. Você se uniu a equipe de futebol para mostrar

algo, não por que você gostava do esporte. Por que está comigo?

Passaram juntos por uma loja de roupas. Havia menos pessoas que antes e,

ao que parece, os que ficaram prestavam menos atenção neles. Talvez os visitantes

noturnos aceitassem melhor os garotos com DFB.

— Quem disse que eu não gosto de futebol? — perguntou ele, depois de um

momento.

Estava certamente de brincadeira. Ou não? Era difícil interpretar o humor

das pessoas com DFB, assim como era difícil interpretar o verdadeiro significado

dos correios eletrônicos enviados na última hora da noite. Justo quando Tommy ia

dizer algo mais, viu algo na loja ao lado e apontou com a cabeça.

Phoebe seguiu seu olhar até a livraria, onde Margi estava lendo um livro que

havia tirado da pilha colocado no expositor próximo à entrada. Viu-os no momento

em que eles a viram.

— Olá, pessoal. — cumprimentou, deixando o livro onde estava e tentando

parecer despreocupada..., coisa que Margi nunca era. O normal para ela era sempre

falar sem parar.

Phoebe olhou o título do livro que Margi estava folheando: E a terra abrirá

suas tumbas e devolverá seus mortos, do reverendo Nathan Mathers.

— Mathers? É interessante, Margi? — olhou a contra-capa e começou a ler

em voz alta: — Neste estimulante livro de um dos experts mais proeminentes de

nossa nação no fenômeno dos Deficientes Vitais, o polêmico reverendo Nathan

Mathers utiliza tanto os antigos textos teológicos como os títulos mais atuais para

nos oferecer sólidos argumentos que demonstram que a existência destes seres é

um sinal da chegada do Apocalipse, e resume como os cristãos devem se preparar

para o acontecimento.

— Nossa, irão me pegar. — comentou Tommy, mas Phoebe estava

esperando que Margi dissesse algo.

Ela não disse durante um tempo. Em vez disso, afastou as pontas rosa dos

seus olhos, e evitou olhá-la no rosto.

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— Acho que há muito medo. — respondeu.

— Isto é o..., progresso. — respondeu Tommy, olhando o resto dos artigos

do expositor. — Olhem, há alguns livros de Slydell. Os mortos..., não tem vida. — leu

— O que os pais precisam..., saber sobre seus filhos mortos. Este..., minha mãe tem.

— Não deixará realmente as aulas, não é Margi? — perguntou Phoebe.

Margi afastou a vista. Para Phoebe esta pergunta lhe deixava mais nervosa

do que andar de mãos dadas com um Zumbi.

— Tenho que fazer isso, Phoebe. — respondeu Margi, sussurrando para que

Tommy não ouvisse..., coisa que era pouco provável, por que o garoto estava dando

uma olhada no livro que havia sido escrito por um advogado: O Direito Civil e os

mortos-vivos. — Não aguento mais.

— O quê? — perguntou-lhe Phoebe, quase gritando. — Margi...

— Tenho que ir. — respondeu Margi. Murmurou algo sobre reunir-se com

sua mãe e sua amiga e Phoebe não tentou detê-la.

— Tommy?

— Hmm? — respondeu ele, tirando o nariz do livro para responder. —

Margi..., já foi?

— Sim. — respondeu ela. Tommy deixou o livro e a olhou durante um

momento.

— Minha mãe me disse que eu deveria te convidar para um..., milk shake.

Disse que..., você gosta de..., milk shake.

— Eu gosto de milk shake. — assegurou-lhe ela, desejando poder

interpretar melhor suas reações.

Foram ao Honeybee Dairy, uma das poucas lojas do shopping que não

pertenciam a um grupo. O Honeybee Dairy, era o restaurante favorito de Phoebe;

havia passado muito tempo comendo hambúrgueres e bebendo milk shakes com

Adam e Margi no estabelecimento original de Oakvale.

E com Colette. Colette só ia com eles.

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Sentaram-se no balcão, em um dos reluzentes tamboretes prateados com

assentos de vinil vermelho. Escolheram o balcão por que estava vazio. Em alguns

dos reservados havia clientes: um quarteto de adolescentes ruidosos, um jovem

casal que Phoebe reconheceu do cinema e um trio de senhoras com o cabelo

azulado. Todos pareceram virar para olhá-los quando se sentaram nos tamboretes.

— Gostaria de poder te ajudar com..., Margi. Entendo..., o que sente.

— Ah, sim? — perguntou Phoebe, embora na realidade pensasse E Colette?

— Eu ouvi de algumas pessoas..., da minha página na web. Os mortos..., já

viveram..., enquanto que os vivos..., ainda não morreram.

— Fala dos mortos como se todos fossem iguais. Realmente é assim?

Continuam sendo pessoas individuais, não?

— Mas unidas..., por uma experiência comum.

— De verdade? Todos vocês viram..., experimentaram ou o que seja..., o

mesmo ao morrer?

Tommy começou a responder, mas parou. Para Phoebe lhe pareceu que

talvez aquela experiência comum não foi, na realidade, tão comum. Como era

possível, se Karen era capaz de correr uma maratona e ganhar um concurso de

beleza enquanto que Sylvia precisava de dez minutos de vantagem para subir as

escadas.

Um garoto um pouco mais velho do que eles com uma camiseta da

Honeybee e um gorro de papel na cabeça se aproximou para tomar nota dos

pedidos. Phoebe pediu seu milk shake com cobertura e noz moscada. Sentiu

compaixão pelo garoto, que ficou vermelho como um tomate e começou a gaguejar

quando se virou para Tommy.

— E..., para..., você, senhor?

Tommy esboçou um sorriso torto que Phoebe ainda não tinha se

acostumado e sacudiu a cabeça. O garoto correu para pegar o milk shake de

Phoebe.

— Pelo menos tentou. – ela comenta. Estava mais entediada do que

imaginava; lhe parecia que a careta de Tommy tinha algo de condescendente. — A

maioria das pessoas que estão aqui gostaria de jogar o miilk shake em cima de nós.

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— Acha que..., ler meu blog..., ajudaria Margi? — perguntou Tommy,

perdendo o sorriso. — Talvez a ajude..., a ver..., que não somos mais que... garotos?

Um guardanapo enrolado, atirado pelo quarteto ruidoso, bateu em suas

costas, mas não notou, ou fingiu não notar.

— Pode ser. Poder ser que sim, na verdade. — fez um gesto ao garoto

gaguejador. — Arrume para viagem?

— Você tem direito a sentar aqui..., comigo. — respondeu Tommy,

sacudindo a cabeça. Havia força em sua voz, a mesma força implacável que

percebia nele quando andavam de mãos dadas ou tocava seu ombro.

— Não quero discussões, Tommy. Esta noite, não.

Ele olhou para a mesa justamente quando um segundo guardanapo bateu

em seu ombro. Ouvem-se risadas afogadas do quarteto, mas se calam rapidamente

sob o peso do olhar de Tommy.

— Sabe? Pensava em meu..., blog..., como uma forma de dar esperança..., aos

mortos. Embora talvez seu verdadeiro valor resida em colaborar..., com a

compreensão..., dos vivos.

O garoto gaguejador levou sua milk shake em um copo de papel fechado.

Phoebe ficou um pouco decepcionada, por que parte da experiência do Honeybee

era tomar o milk shake em um copo de boca larga, com a taça de metal frio para

preencher ao lado.

Começa a levantar-se, mas Tommy agarra seu braço.

— Tenho uma pergunta antes de nós irmos. — lhe disse, sem dar nenhuma

pista em sua expressão. — Como faz para a noz subir pelo canudo?

Ela riu e ele sorriu também, um sorriso de verdade, sem segundas

intenções. Tommy deixou três dólares no mostrador e saíram para esperar sua

mãe.

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— Nada de tochas? — perguntou Faith quando entraram no veículo. — Nem

alcatrão com plumas?

— Parece..., decepcionada. — respondeu Tommy.

— Não sei como pode fazer brincadeiras sobre isso. — disse Phoebe. —

Essas coisas acontecem de verdade.

— Por isso brincamos. — lhe explicou Tommy. — É uma forma de...

agradecer.

— Estou sentindo cheiro de noz? — perguntou Faith.

— Desculpe. — disse Phoebe, oferecendo-lhe um gole. — Deveríamos ter

trazido algo para você.

— Não posso. — respondeu Faith, agitando os dedos com as unhas pintadas

de cores vivas. — Sigo a dieta do Weight Watchers.

Faith deixou Phoebe na estrada, perto da sua casa, do outro lado da de

Layman. O caminhão de PDT estava estacionado no caminho, e Phoebe esperava

que seus pais não houvessem visto Adam, já que o garoto era seu álibi daquela

noite.

— Phoebe. — lhe disse Tommy ao sair do carro, no princípio, para sentar

na frente. Phoebe percebe que Faith faz todo o possível para parecer interessada

nos arbustos, que via pela janela, em seu lado do carro.

— Eu tive um tempo muito bom, Tommy. — ela lhe disse, falando muito

depressa. — Muito obrigada.

— Phoebe. — repetiu ele, antes que pudesse ir. O coração de Phoebe batia

como se acabasse de beber um capuccino triplo.

O que aconteceria se ele tentasse beijá-la?

No entanto, Tommy foi muito respeitoso e deu um passo para trás.

— Só..., queria..., que soubesse..., que queria..., sair..., contigo..., por que...,

queria sair contigo.

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Ela sorriu e lhe ofereceu a mão.

— Obrigada, Tommy. Eu também.

Ele aceitou sua mão. A pele de Tommy era fria, tão fria que ela a envolveu

nas suas.

— Não me responda agora. — ele disse. — Mas você gostaria de ir ao baile

de boas-vindas comigo?

Cortou sua resposta levando à boca a mão que tinha livre e apertando os

lábios com o dedo indicador como para pedir silêncio.

— Não me responda ainda. Por agora..., só quero desfrutar da possibilidade

que aceite.

Quando Phoebe se soltou e começou a caminhar para sua casa, ainda notava

a subida do medo, ou dos nervos ou de ambas as coisas. Não estava muito segura.

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CAPÍTULO 22

Tommy lia o artigo com voz fria e firme. Adam que o observava do outro

lado do cômodo, percebia que Tommy estava muito zangado.

— Os assaltantes utilizaram escopetas e um lança-chamas contra Dickinson

House, um refúgio privado para jovens Deficientes Vitais no norte de Springfield

(Massachusetts). Sete Deficientes Vitais e dois empregados morreram no incêndio.

Um terceiro empregado chamado Amos Burke afirmou que os assaltantes eram

dois homens com uniformes pretos e óculos escuros, e que fugiram em uma van

branca. JW também comentou que duas pessoas com DFB que residiam na

Dickinson House conseguiram salvar-se da destruição, mas, a julgar pelas

queimaduras sofridas é provável que desejem não ter se salvado. ‘Juro que os

Zumbis estavam gritando’, continuou Burke, ‘mas não sabia se era de felicidade ou

de dor.’ Burke estava no refúgio fazendo trabalhos para a comunidade depois que o

juiz o condenara por tentar roubar uma loja de bebidas em Northampton.

Tommy deixou o jornal no colo, e a classe ficou em silêncio durante alguns

minutos.

— Obrigada por compartilhar conosco, Tommy. — disse Angela. — Estou

certa que não foi fácil para você ler isso.

— Não posso acreditar. — interveio Phoebe. — Por que não saiu na

televisão? Meus pais assistem a CNN duas horas todas as noites, normalmente, e

não ouviram nada.

Karen sacudiu sua cabeça e Adam observou como suas ondas platinas

flutuaram de um lado para o outro.

— Acontece sempre. Assassinam..., Zumbis por todo o país e quase...,

nunca..., sai no noticiário.

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— É uma loucura. — disse Thorny. — Nem sequer posso acreditar que algo

assim acontece nos Estados Unidos.

Adam se perguntou se Thorny era realmente tão ingênuo ou se fingia.

Também se perguntou, tendo em conta sua última conversa com Pete Martinsburg,

onde estaria Sylvia. Duvidava muito que seus compromissos sociais estivessem

afastando-a das aulas.

— O que os demais acham? — perguntou Angela. — Vocês acreditam que

tudo isto está acontecendo realmente?

— Algo..., está acontecendo. — respondeu Evan. — Como iam..., colocar...,

nas notícias?

— Para mim o que interessa é..., por que não colocaram na TV? —

respondeu Karen. — O Boletim..., Winford é um jornal pequeno. Por que eles têm a

história e The Harl Ford..., Couranto não?

— Se você perguntar minha opinião. — acrescentou Tommy. — Eu acredito

que alguém está..., matando Zumbis.

— Sério? — perguntou Angela.

— Está acontecendo desde..., Dallas Jones. Faz anos que está acontecendo,

mas agora parece mais..., sistemático. E olhem como o jornalista sentiu a

necessidade de..., desacreditar a testemunha.

— Por que não dão mais publicidade para a história? — perguntou Adam,

inclinando-se para frente. — Nove pessoas foram mortas.

— Foram mortas duas pessoas. — corrigiu Karen, sussurrando. — E sete

voltaram a morrer.

— O que... — começou a dizer Colette, que estava sentada com Kevin

Zumbrowski ao fundo do cômodo; todos se voltam para ela. ― Estão..., fazendo...,

pelos..., dois..., que..., sobreviveram?

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— Entraram em contato conosco e esperamos que possam enviá-los para cá

para que a gente tente ajudá-los. — respondeu Angela.

— Sofreram queimaduras..., graves..., em mais de oitenta por cento..., do

corpo. — disse Tommy. Adam percebeu que a raiva fazia que tivesse mais

dificuldade para falar.

— Vocês podem sentir dor? — perguntou Thorny.

— Sim. — responderam Tommy, Karen, Tayshawn e Evan em uníssono.

Angela se dirigiu para Tommy e lhe pergunta:

— Sério?

Para Phoebe pareceu que sua pergunta era verdadeira. A eterna expressão

de calor e empatia de Angela havia dado lugar a expressão de curiosidade, como se

pusesse em dúvida uma hipótese bem estabelecida.

— Não sentimos..., muito. — respondeu Tommy. — A não ser que o...,

estimulo..., seja intenso. — Angela assentiu. — Uma vez..., me..., dispararam..., com

uma flecha. Doeu.

Agora Phoebe que se surpreendeu. Não havia lido nada sobre o tema no

blog.

— Sente mais quando é mais..., novo. — diz Karen.

— Esperamos poder ajudar esses pobres garotos, assim como estamos

ajudando Sylvia. — assegurou Angela, sorrindo para Adam. ― Dickinson House

tinha uma reputação maravilhosa por seus trabalhos com garotos com DFB, mas

estou certa de que sofrer este trauma lhes fará dar um passo para trás.

Adam queria perguntar-lhe quais eram os planos concretos da fundação

para aqueles garotos.

— O que? — perguntou Angela, e ele percebeu que a estava olhando

fixamente. — Adam, você quer acrescentar algo? — insistiu, em um tom um pouco

desafiante.

— Sim, bem, você mencionou Sylvia, não? — respondeu ele, depois de

clarear sua garganta.

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— Sim. Sylvia não está hoje na turma por que está participando de provas

que esperamos que contribua com seu desenvolvimento. — olha para a parte de

trás da sala, onde estavam sentados Colette e Kevin. — Se tudo for bem, deve servir

para incentivar o desenvolvimento de todos os garotos com DFB.

— Isso é genial. — comenta Adam.

— Isso é o que nós pensamos. No entanto, enquanto os crimes que Tommy

nos contou...

Adam assentiu, aliviado de que Pete ainda não tinha cumprido sua

promessa. Ao pensar em Pete, lhe ocorreu algo.

— Sim, o que eu gostaria de saber é o que aconteceria se realmente

houvesse uma espécie de grupo que se dedica a caçar garotos mortos. Como os

apanhariam?

— Ao que você se refere?

— Os garotos mortos..., os garotos mortos já não são cidadãos. —

respondeu. — Não tem direitos, verdade?

— Adam, você sabe que a Fundação Hunter está comprometida com os

direitos...

— Sim, sim, sei. Não estava falando sobre isso. Estou dizendo que o cartão

da segurança social vence quando se morre; certo? Então ninguém guarda um

registro dos garotos mortos, verdade?

— Li em algum lugar que pode haver umas três mil pessoas com DFB nos

Estados Unidos. — comentou Thorny.

— Sim, eu também fiz os deveres da semana passada. — respondeu Adam.

— E agora há dois garotos mortos no Canadá; ótimo. Mas são estatísticas, não

registros.

— Tem razão. — acrescentou Phoebe. — Li por aqui que a documentação

sobre os Deficientes Vitais é muito escassa por que começaram a questionar

muitas de nossas leis. Apresentou-se um projeto de lei que requeria a inscrição

obrigatória...

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— A lei dos cidadãos não-mortos. — interrompeu Angela. — Um dos muitos

projetos de leis inspirados pelo medo que o Congresso rejeitou. O senador Mallory,

de Idaho, o apresentou comparando os afetados com os imigrantes ilegais.

— Muitos..., pais..., não querem que ninguém saiba..., que seu filho..., está

morto. — comentou Evan. — Meus pais..., não deixaram..., que minha morte saísse

no jornal.

— E não temos, seguro social, há há. — disse Karen. — Nem sequer posso

tirar um livro da biblioteca.

— Você diz brincando, mas se trata de um assunto sério. — disse Angela. —

Não pode sair legalmente do país. Não pode votar, não pode dirigir.

— Mas..., querem..., nos recrutar..., de qualquer forma. — disse Tayshawn.

— É certo. Existe um projeto de lei que exige o serviço militar obrigatório

para todas as pessoas com DFB no prazo de três semanas a partir de sua morte

tradicional.

— Como podem fazer isso? — perguntou Phoebe. — Alguns só têm três

anos, como vamos mandá-los para a guerra? Não tem nenhum sentido.

— Tem muito sentido. — respondeu Tommy. — Para se desfazerem de...,

nós.

— Não acho que o Governo queira esperar que sua organização secreta

acabe conosco. — disse Karen. — Suponho que seria mais..., rápido fazer com que

todos nos inscrevêssemos em um registro e nos enviar para o Oriente Médio.

— Por que você acha que é uma organização do governo? — perguntou

Adam.

— Quem mais ia ter os fundos ou o interesse necessário? Se o movimento

pelos direitos dos não-mortos tiver êxito, se for aprovado a Proposição 77, o

Governo terá que gastar uma quantidade considerável de dinheiro dos impostos

com..., a criação de infra-estrutura. Certamente seria mais rentável..., comprar

alguns trajes pretos e lança-chamas.

— Você acha que pode fazer algo a respeito? Parece que pode controlar a

situação? — perguntou Angela.

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— Acho..., que temos que continuar..., lembrando as pessoas..., que estamos

aqui. — respondeu Tommy. — Temos que questionar as percepções..., dos vivos.

— O que precisamos são de armas. — disse Tayshawn.

Adam perguntou-se se era o único que tinha percebido que, de repente,

Tayshawn não fazia pausas para falar.

— Vamos fazer uma pausa. — sugeriu Angela.

Quando terminou a aula, saíram para um largo corredor cinza que dava

para a entrada onde lhes esperava a van da fundação (e se fixou no que era uma

van azul e não branca), Phoebe decidiu fazer algo para dissipar um pouco a nuvem

que tinha pousado sobre eles.

— Ahh, Tommy. — disse, empurrando-lhe com os ombros.

Ele a olhou. — Sim?

O garoto tardou um segundo em perceber do que queria dizer, mas, quando

soube, esboçou um longo sorriso. Ela lhe empurrou outra vez com o ombro antes

de sair correndo na frente dele pelo corredor.

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223

CAPÍTULO 23

Phoebe deu a noticia bomba durante o jantar; em retrospectiva, ela

mesma reconhecia que não havia sido uma ideia muito inteligente.

— Vou à festa de boas vindas deste ano. — disse. — Com Tommy Williams.

Sua mãe estava encantada, mas somente porque não havia visto a reação de

seu pai, que estava levando a boca uma colher da sopa de cebola que sua mulher

havia feito (uma de suas receitas favoritas) e logo baixou a colher.

— Tommy Williams? Não é o garoto morto?

Sua mãe afogou uma exclamação.

— Agora, todos os chamam de pessoas com Diferente Fator Biótipo, papai

— respondeu Phoebe, sem poder evitar levantar a voz.

— Não me importa como os chamem, não vai a nenhuma festa com um

garoto morto.

— O que?

— Querida. — interveio sua mãe. — Isso é verdade? Quer ir a um baile com

um garoto com Diferente Fator Biótipo?

— Que diferença faz..., que Fator Biótipo tenha?

— Pelo amor de Deus, Phoebe, ser amigos está bem, pode ser que seja um

pouco estranho, mas está bem. — retrucou seu pai. — Mas ter um encontro com

ele? O que é isso? Porque não pode ir com o filho dos Ramírez ou algo assim? Ou

com Adam?

— Porque Tommy me convidou!

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224

— De verdade, Phoebe? — insistiu sua mãe. — Um garoto com Diferente

Fator Biótipo?

— Sabia que estava acontecendo algo quando me pediu que te levasse a

partida de futebol. — disse seu pai.

— Não esta acontecendo nada. Tommy é apenas meu…

— Mas, achei que o melhor era seguir o fluxo...

— ...meu amigo, somos amigos...

—...porque acreditava, que finalmente te interessavam coisas normais e

saudáveis.

— Coisas normais e saudáveis? — repetiu ela, com um tom de voz mais

agudo, apesar das lágrimas.

— Sim. — respondeu seu pai, olhando-a com o cenho franzido. — Os

garotos, por exemplo. Os garotos vivos. — Phoebe, o olhou, deu um soco na mesa e

se levantou.

— Volte a sentar agora mesmo, senhorita. — disse ele, mas ela se foi para

seu quarto, furiosa.

Fechou a porta, esteve a ponto de fazê-lo com força, mas se controlou,

porque não queria dar-lhes essa satisfação. Ligou seu estéreo e se jogou na cama.

Sua mãe entrou um tempo depois.

— Olá, Phee. — disse, chamando à porta enquanto a abria.

— Oi. — respondeu Phoebe, tentando na choramingar.

Sua mãe se sentou a seu lado na cama e se pôs a alisar a colcha.

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225

— Teu pai não pretendia te deixar assim, mas às vezes acontece.

— Sei. — disse Phoebe, rompendo a chorar de novo. — Sei que custa aceitá-

lo, mas de verdade, somos apenas amigos.

— Isso está bem, querida.

Ficaram em silêncio um instante, e Phoebe fechou os olhos e deixou que sua

mãe lhe acariciasse o cabelo.

— Eu nunca tive o cabelo tão negro, nem tão reluzente. Sabe que papai só

quer o melhor pata ti, assim como eu.

— Eu sei mamãe.

— Então, entende que nos preocupa que vá a um baile com um…, com um

garoto com Diferente Fator Biótipo? É esse o termo?

— Suponho que sim. Mas, de verdade, não é mais que um baile. — se sentou

e tentou interpretar a expressão de sua mãe.

— Phoebe, o colégio é uma época muito especial. Muito especial e muito

curta. Têm uns quantos anos bons. Os últimos anos de sua vida, nos que estará

realmente protegida. Dentro de muito pouco vai para a Universidade, depois

conseguirá um trabalho e quem sabe o que mais. — Phoebe pensou em Colette e

nos demais, e se perguntou até que ponto uma pessoa poderia estar protegida.

Portanto, ficou em silêncio e deixou que sua mãe chegasse à conclusão que tentava

chegar. — Phoebe. Você se imagina repassando seu álbum de fotos dentro de vinte

anos para recordar os que, em teoria, foram os melhores anos de sua vida?

Imagina-se folheando as fotos da graduação e os anuários e te encontrando ali com

um garoto morto vestido de Smoking? — os olhos de Phoebe voltaram a encher-se

de lágrimas. Sentia-se, como se lhe houvessem dado uma bofetada. Era quase como

se observasse do lado de fora, aquela conversa com sua mãe e, no fundo, sabia que

aquele era o momento que ia recordar: a reação de seus pais ante uma das

primeiras coisas que lhe importavam de verdade. — Entende o que eu te digo,

Phoebe? É essa a recordação que você quer?

— Mamãe, eu entendo o que me diz.

— Sabia que o faria querida.

— Mas acredito que você também precisa entender algo. — acrescentou

depois de respirar fundo. — Os melhores anos de sua vida. Esses anos do que me

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226

fala… Tommy e os outros garotos, não os terão; você entende? Foi-lhes tirado. Que

recordações lhes irão ter? As pedras que seus companheiros lhe atiravam? Que

passaram a noite de graduação escondidos por medo de que alguém os arrastasse

a campo aberto e lhes ateasse fogo?

— Então, o faz por caridade?

—Não. Não. É por amizade. É o que estava tentando dizer aos dois, mas não

me escutaram.

— Phoebe. — disse seu pai, da porta. — Não é somente por isso. Lembra das

pessoas do partido? O que acha que farão se souberem que um Deficiente Vital, vai

levar uma garota viva a um baile do colégio? Ele não será o único ao que atirarão

pedras. Também cairão sobre você.

— Papai...

— Escute-me por um segundo, Phoebe. Sabe como nos sentiríamos sua mãe

e eu se te acontecesse algo? Você já viu essa gente. Estavam loucos. Sabe como nos

sentiríamos se te fizerem mal?

Phoebe se sentou na cama. De repente, as lágrimas se secaram.

— Poderiam me machucar. — seu pai cruzou os braços e se apoiou no

batente da porta. — Poderia me acontecer mil coisas diferentes: poderiam me

atirar pedras, o ônibus poderia bater, alguém poderia atirar um balde cheio de

sangue de porco, e eu poderia fazer explodir o colégio com meus poderes

telepáticos.

— Phoebe...

— Espera papai. Espera. E se me acontecesse algo? E se me matassem? E se

eu morresse?

— Não fique histérica, Phoebe.

— Só estou fazendo uma pergunta. E se eu morresse? Com certeza os pais

de Colette, tampouco pensavam que algum dia eles teriam que fazer frente a essa

pergunta. — seus pais pareciam incomodados. — E então? Iriam querer que eu

voltasse?

— Claro que sim. — responderam os dois ao mesmo tempo.

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227

Phoebe, não havia tido certeza da resposta, mas, agora que a tinha; se

alegrava de haver perguntado.

— A mãe de Tommy também queria que voltasse. E ele voltou, e assim é o

mundo agora. Podemos fingir, mas não podemos ocultá-lo. E vocês podem fingir

que têm o poder necessário para me proteger e me livrar das conseqüências de

todas as decisões que eu tome na vida, mas não podem. Todas as ações têm suas

consequências. Pode ser que vá ao baile e que o pior que aconteça, seja que

Tommy, se sinta normal por um tempo. Pode ser que inclusive, eu me divirta. Ou

pode ser que gritem comigo, me deixem de lado e tenha que escapar pela porta dos

fundos. Mas, sabem o que? Prefiro viver com as consequências da minha escolha,

do que com as consequências do medo. Do medo de vocês.

— Bom discurso. — disse seu pai, e Phoebe entrecerrou os olhos. — Não, é

sério. Certamente é o discurso que eu teria que ter-lhe dado, em vez de me

comportar como um idiota.

— Papai.

— É uma garota responsável, Phoebe. É boa. Sempre pudemos confiar em

que não fizesse nenhuma estupidez. Pode ser que houvesse preferido que tivesse

gostos diferentes em roupa e música, mas não parece que isso tenha te prejudicado

— fez uma pausa para passar uma mão pelo cabelo, escuro e denso. — Mas, você

acha que também colocaria em perigo aos outros garotos?

— Não faremos muito alarde, papai. Ninguém tem porque saber, até que

cheguemos lá. Se acontecer algo, irei embora. Inclusive te ligarei, se você quiser.

— Este..., garoto, não pode dirigir; certo?

— Ele vai alugar uma limusine.

— Ha.

Phoebe sabia que seu pai era bastante justo para perceber que havia outra

história detrás de sua contestação, mas também o era, para decidir que já haviam

tido muita guerra por uma noite.

— Podemos pensar? — perguntou seu pai.

— Vai fazê-lo de qualquer maneira. — respondeu ela, sorrindo.

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Ele a abraçou. Ela se sentia frágil, como se uma palavra equivocada de seus

pais, pudesse quebrá-la em mil pedaços. Eles pareciam perceber, ao se levantarem

para sair do quarto.

— Guardamos sopa para você. — lhe disse sua mãe.

— Não tenho fome. — respondeu Phoebe, tentando soar o bastante alegre

para que acreditassem. — Lhes parece certo convidar Adam?

O garoto morto esta cantando. Pensou Pete. Incrível.

Pete estava agachado detrás de um arbusto com Stavis e Morgan. Harris, ao

lado da propriedade do garoto morto, e o garoto morto cantava enquanto

trabalhava, berrando a canção com sua aguda voz monótona e sem inflexões.

— Wouldn´t it be... nice... if we could wake u. — cantava o garoto ruivo,

fazendo pausas para passar a mão pelo cabelo.

Pete riu ao vê-lo passar a cortador de gramas ao redor da fossa bem à beira

de um circulo de tulipas murchas e marrons, apagadas pelos primeiros frios de

outubro.

— Pode acreditar, cara? — disse Pete, vendo como passava o ruidoso motor

por uma das tulipas, levando uma chuva de confete de pétalas secas. Não se

incomodou em sussurrar, porém, Stavis e Morgan, tinham cara de desejar estar em

qualquer outra parte. Levantou um pesado machado que tinha a ponta chanfrada

de tantos anos cortando madeira.

O garoto morto teve que puxar a corda uma dúzia de vezes, para iniciar o

corte, e resultava quase doloroso ver como suas mortas extremidades, com seus

movimentos entrecortados tentavam devolver a vida para a máquina.

Ha, ha. Pensou Pete.

Havia demorado semanas planejando. Duas quintas-feiras seguidas, havia se

dado conta de que os carros dos Talbot não estavam diante de sua casa, quando

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voltava do treino, e o padrão se repetia na terceira quinta-feira. Havia visto como o

garoto morto fazia as tarefas no pátio nesses mesmos dias; primeiro, recolhia os

galhos que haviam caído ou varria as folhas, mas sempre terminava com o corte de

ervas daninhas. Adorava aquele utensílio. Pete perguntou a si mesmo se ele

poderia sentir as vibrações da máquina através de seus dedos mortos.

Os Talbot viviam em uma rua sem saída de Oarkale Heigths, a mais bonita

das duas urbanizações principais de Oakvale.

Na floresta que havia além de suas casas, havia caminhos que chegavam ao

lago, e Pete imaginava se ali, no escuro coração do bosque, havia um ninho de

asquerosos Zumbis. Sonhava com eles e, ao despertar, fantasiava em atear fogo as

árvores.

Um ruído similar a risada, saiu da garganta do garoto morto, quando não

conseguiu chegar nem de longe a uma das notas agudas da canção, enquanto

passava o motor por uma base de um carvalho.

Pete correu até ele, levantando o pesado machado sobre a cabeça.

Adam pegou o Frisbee.

— Disse durante o jantar? Phoebe, você não pode ser mais típica.

— Eu sei, tão oportuna como sempre.

Phoebe estava vestindo moletom preto com capuz, bastante grande para

que servisse em Adam, com mangas compridas até a ponta dos dedos. Adam tinha

dito a ela que parecia o fantasma do Natal futuro.

— O que eles fizeram? Alucinaram?

— O que você acha? — ela respondeu, e o Frisbee saltou dos nós dos dedos.

— Meu pai estava prestes a colocar a sopa pelo nariz. Sopa de Cebola, nada menos.

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— Bonita imagem. A de sua mãe?

— Sim.

— Que pena, sua mãe sabe fazer uma sopa estupenda.

Ele a viu recolher o disco da relva. Estava chupando os nós dos dedos, que

lhe haviam aberto com o golpe do Frisbee.

— Sim, certo.

— Bom, e isso onde te deixa? Vão dar-lhe permissão para ir?

Ela assentiu, mandando o disco com seu lançamento especial, com efeito de

retrocesso. Ele pegou sem problemas.

— Sim, eu fiz um grande discurso sobre as suas preocupações e blá, blá, blá,

e acreditava que minha mãe entendia, mas acho que, agora lhe preocupa que

queira colocar na prateleira a minha foto do baile com um menino morto. Além do

mais, acredito que insinuou que se preocupava em que eu fosse lésbica.

— Buff. — disse ele, devolvendo o disco. — Você é?

— Claro, claro.

Adam lançou-lhe o próximo bem acima da cabeça para vê-la correr, as

mangas compridas do moletom tocavam a grama artificial, enquanto saia em

disparada pelo campo.

— Mas eles fizeram alguns comentários bons. — continuou, com a

respiração suspensa. — Nem sequer passou pela minha cabeça que as pessoas vão

me colocar para fora se souberem.

— O ressurgir da segregação. Eles têm razão, eu se fosse você, não diria

nada.

— Você disse ressurgir?

— Venho estudando. — respondeu ele. — Foi-me dito que as garotas

gostam de vocabulários amplos, e ainda não tenho parceira para a festa.

— O que você chama isso?

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— O que acontece ela? Bem, diga-me de uma vez se é sério que você vai com

o cara morto ou quê?

— Por favor — disse ela, pegando um de seus arremessos com um gancho.

— Não siga por aí outra vez. Eu te direi quando o souber, ok?

— Ok.

— Nós somos amigos. Eu o admiro muito. Trabalha com vontade de ajudar

outras pessoas com DFB, sabe?

Adam sabia. Quando Tommy falava na aula de estudos de DFB, se

transformava em uma espécie de líder carismático dos mortos-vivos. E os alunos,

tantos vivos quanto mortos, estavam atentos a cada uma das suas palavras. Era

difícil não admirar.

— Você acha que eu sou uma pirada, não?

— Nah. — disse ele, querendo saber se a resposta significaria muito para

ela. O Frisbee quicou na palma da mão, um raro erro. —A verdade é que, se eu

tivesse a coragem de fazê-lo, convidaria Karen — não podia ver o olhar de Phoebe,

debaixo do capuz. Mas esperava que se sentisse feliz e aliviada. — É boa.

Phoebe riu e se ofereceu para convidá-lo para um mexido no Honeybee

Dairy, que, curiosamente, parecia o lugar perfeito em uma noite tão fria como

aquela. Eles passaram por um par de carros da polícia, correndo na direção oposta,

para Heights, com as luzes acesas e sirenes gritando..., algo muito raro na cidade,

que sempre foi bastante tranquila.

Adam supôs que não provinha de nada bom, mas por agora, foi bom estar

com Phoebe e fingir que o tempo que passavam juntos, era algo mais do que na

realidade era.

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CAPÍTULO 24

Phoebe teve tempo para introspecção na viagem de ônibus até a escola

no dia seguinte. Adam ia de caminhonete, Margi estava escondida na parte de trás

do ônibus com os olhos fechados e fones de ouvido e Tommy sentava-se com

Colette ao invés de com ela, estava sozinha.

Colocou os fones de ouvido e escolheu uma antiga música de The Gathering,

enquanto se perguntava se Tommy parecia evitá-la. Teria se arrependido de

convidá-la para o baile?

No ônibus havia outros garotos, mas todos tendiam a evitar Margi e ela,

tanto como a seus colegas de DFB. Alguns estudantes, quase todos do primeiro ano,

estavam contando piadas de Zumbis.

— O que é um Zumbi em uma jacuzzi? — ouviu um dizer.

Phoebe viu que um avião de papel voava até a parte dianteira do ônibus,

passando por cima dos assentos de Tommy e Colette. Tommy virou-se, seu rosto

que geralmente não transmitia nada, era a viva imagem do ódio. Phoebe

endireitou-se em seu lugar e os arruaceiros fizeram silêncio até que chegaram a

Oakvale High. Ninguém se moveu em seus assentos até que Colette e Tommy

desceram do ônibus.

Os viu dirigir-se a escola. Tommy estava muito perto de Colette, quase em

cima dela, enquanto subiam as escadas. O viu tirar o sorriso da cara de alguns

garotos com apenas um olhar.

Phoebe saiu correndo do ônibus e entrou no prédio para tentar alcançá-los.

Viu que Tommy levava Colette pelo braço e o seguiu pelo corredor até que a deixou

em sua sala. Sabia que, como o grau de desenvolvimento de Colette era baixo, a

haviam colocado em uma classe de apoio, apesar de ser a primeira da classe

quando estava viva.

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Desejou tornar-se invisível quando Tommy voltou ao corredor depois de ter

certeza que Colette entrara em sua sala. Escondeu-se atrás de um grupo de

armários e esperou que passasse. Ele nem sequer se deu conta e continuou

caminhando. Phoebe notou que ele estava com os punhos cerrados.

O seguiu, o que era fácil, já que os demais estudantes se esforçavam para

não tocá-lo. Ele foi até seu armário que se abriu com um golpe, depois de três

firmes giros de seu pulso. O poema de Phoebe era a única coisa dentro.

Phoebe abraçou seus livros antes de se aproximar dele.

— Tommy? — perguntou. Ele não se virou e continuou tirando os livros da

mochila e colocando em uma ordenada pilha na parte superior do armário. —

Tommy, está bravo comigo? — ele virou-se para ela com uma expressão

indecifrável. — A forma com que se comporta, me confunde, Tommy. Fiz algo

ruim? — Tommy a olhou, mas não disse nada. — O que aconteceu? É por causa do

baile? — as feições de Tommy se suavizaram um pouco.

— Mataram..., Evan. — respondeu e fechou a porta do armário com tanta

força que o golpe ecoou nos corredores.

No início Phoebe não entendeu, mas, quando sua mente compreendeu o que

ele havia dito, sentiu um calafrio.

— Oh Tommy. — disse, e colocou a mão em sua bochecha, sem se importar

com as risadas dos estudantes que passavam por ali e faziam comentários

desagradáveis sobre a garota gótica e seu namorado morto.

Ela só podia pensar em Tommy, e naquele momento, não importava quem

soubesse disso.

O caixão permaneceu fechado durante o segundo funeral de Evan Talbot.

Phoebe estava com Adam, Tommy e Karen, olhando a caixa negra antes que o

baixassem na cova.

Estava apoiada em Adam, agarrada a seu braço, tentando tirar forças dele

enquanto chorava sem parar.

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Imaginava Evan abrindo lentamente a tampa do caixão e pedindo ajuda,

com sua aguda voz brincalhona ecoando naquela prisão de cetim. Via-o saindo dali

com um salto, assim como havia saído de debaixo da lona naquela noite de chuva

que haviam ido à Casa Assombrada, com o cabelo laranja grudado em seu rosto

sorridente.

Mesmo assim, nada disso aconteceu.

Olhou os Talbot reunidos diante da pequena multidão que havia se reunido

para oferecer-lhes suas condolências. Angela e seu pai, os dois com roupa de cor

preta, estavam ao seu lado. Alish apoiava-se em sua bengala, usava um grande

cachecol cinza que protegia o magro pescoço do vento gelado.

Phoebe tentou imaginar a dor que os Talbot sentiam.

Perdeu seu único filho..., outra vez. Como podiam suportar?

Neste momento, a senhora Talbot olhou para trás onde estavam Phoebe e

seus amigos. Voltou a olhar para frente e se apoiou em seu marido que a sustentou

e tentou fazê-la parar de tremer. Não conseguiu.

— Os mistérios da morte tem se multiplicado nos últimos anos. — disse o

sacerdote. O padre Fitzpatrick era um homem jovem e forte que, segundo Phoebe

tinha ficado sabendo, estava responsável pela igreja de St. Jude. O viu olhar a cada

membro do funeral, um a um, antes de levantar a vista ao céu. — Ninguém, exceto

nosso Senhor, sabe por que Evan Talbot foi tirado de seus pais..., não uma, mas

duas vezes.

Phoebe se ouviu chorar como se estivesse se vendo de longe.

Era como se flutuasse sobre seu corpo e olhasse os assistentes do padre e a

superfície do caixão. Viu a diretora Kim, ao fundo, vestida com um discreto traje

cinza, secando os olhos com um punhado de papel enrugado. O padre Fitzpatrick

seguiu com seu discurso.

— Mas agora, eu gostaria de pensar que Evan Talbot contribuiu de algum

modo ao plano divino de Deus, ao objetivo que Ele, em sua infinita sabedoria e

eterno amor, tem preparado para cada um de nós. Eu gostaria de pensar que Ele

não deseja que nos aflijamos pela segunda morte deste menino, mas que possamos

refletir sobre sua segunda vida, essa vida que seus pais, talvez iluminados pela

sabedoria e amor divino, decidiram aceitá-lo como um presente. Podemos debater

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sobre se Evan estava vivo de verdade ou não quando voltou para nós. A diferença

de muitos, eu acredito que é uma questão espiritual e não científica.

Fez uma pausa. A Phoebe pareceu ver seu próprio reflexo na brilhante

superfície do caixão e pensou em Margi, que havia sofrido um ataque de histeria

junto a seu armário quando Phoebe sugeriu que fossem juntas ao funeral. O

reverendo Mathers seguramente aceitaria sem vacilar a ideia do padre Fitzpatrick

de que se tratava de uma questão espiritual, ainda que ao contrário de Fitzpatrick,

era pouco provável que tivesse algo positivo a dizer a respeito. Havia multidões de

líderes religiosos dentro da Igreja Católica que também estavam de acordo com

Mathers. Ao celebrar o funeral, Fitzpatrick se arriscava a receber críticas e

inclusive censura.

O sacerdote deixou cair o punho na palma da mão, e o som trouxe Phoebe

de volta a seu corpo.

— Ainda assim, há algo que não podemos negar: Evan Talbot decidiu fazer

de seu regresso uma benção. Evan Talbot utilizou sua segunda..., oportunidade, ou

vida como queremos chamá-la, para tentar que o mundo compreendesse. Utilizou

seu regresso para educar aos que não entendem o que está acontecendo com ele e

com os outros como ele, e tentou ser um exemplo positivo para os que entendem. O

fez através do humor, da alegria, de sua personalidade despreocupada.

Impulsionado pelo amor incondicional de sua família e amigos, principalmente de

seus pais. Evan tentou fazer a diferença. — continuou dizendo, pontuando cada

palavra com outro golpe de seu punho na palma da mão. — E ao fazer a diferença,

estou certo que Evan Talbot cumpriu com o plano que Deus tinha para ele na

Terra.

Phoebe olhou seus amigos através das lágrimas, buscando algum sinal de

que acreditavam no mesmo que Fitzpatrick. Custava para ela imaginar um Deus

que exigisse semelhante missão (morrer, ressuscitar, e voltar a morrer) a um

garoto de quatorze anos. Karen e Tommy pareciam estátuas, e Karen estava com os

olhos cobertos por um véu preto. Os secos olhos de Tommy olhavam para frente,

para o infinito. Também se perguntava como seria estar ali embaixo na escuridão,

com o cheiro de madeira, cetim e podridão no nariz?

Ou não tinha que perguntar-se porque para ele bastava recordar? Adam

apenas parecia aborrecido e virava-se de vez em quando, como se examinasse as

filas de lápides do cemitério de Winford.

— Oremos. — disse o padre Fitzpatrick.

Phoebe voltou-se e viu que uma lágrima caía por debaixo do véu de Karen.

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236

Pela segunda vez sentiu que abandonava seu corpo, ainda que desta vez,

seus joelhos dobraram-se e caiu no chão, desmaiada.

Adam a levou para a aula no dia seguinte, e quando subiu na caminhonete e

arrumou sua longa saia preta pensou que nunca lhe faltaria roupas adequadas para

um funeral. Riu, ainda que fosse um riso amargo que ecoou por todo o interior do

carro.

— Está bem? — perguntou Adam. Como ela não respondeu, ele ligou o

rádio. Phoebe o desligou.

— Não, não estou bem. — sussurrou ela. — Estou aterrorizada. — Adam

assentiu. — É estranho. Sabe; todas essas coisas que não pensa até que não haja

remédio. O que significa tudo.

— Me assustei quando desmaiou.

— Nem sequer caí, graças a você. — respondeu ela, rindo, dessa vez de

verdade. — Poderia me lançar por cima do arco do campo de futebol se quisesse,

não é?

— Sim, sou extremamente forte.

Deixou que suas palavras flutuassem pelo ar durante um momento, com a

esperança de fazê-la rir. Quando Phoebe desmaiou, não estava simplesmente

assustado. Ultimamente a ideia de que acontecesse algo com Phoebe lhe produzia

uma dor difusa, uma frustração que não podia aliviar, por mais flexões ou

exercícios que fizesse no campo.

— Mas, eu também me assusto. — adicionou, suspirando. — Pensei que

gostaria de saber.

— É um bom amigo, Adam, ainda que se negue a deixar as pessoas te verem

conversando comigo na escola.

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Adam lhe bateu com o ombro..., devagar, para não lançá-la através da porta

do carro. — É um bom amigo, Adam — essa era a frase que lhe dava vontade de

chorar, quase tanto como o funeral de Evan.

— O melhor. E não evito você, evito a Daffy. — Phoebe afastou o olhar.

— Estou muito preocupada com ela. Não assimila nada disso (Evan, Colette,

Tommy...) e não sei o que fazer, nem o que dizer.

— Te entendo.

Phoebe deu uma palmada no painel, algo que não era próprio dela.

— Quem pode ter matado ele? — perguntou. — A descrição no jornal era

horrível. Que classe de monstro é capaz de fazer isso? Por não falar do monstro que

escreveu a notícia. Não teriam escrito daquele jeito se ele não fosse um Zumbi.

Nem sequer publicaram um obituário.

— Eu sei. — respondeu Adam, e o volante rangeu com a força de suas mãos.

— Acredito que sei perfeitamente quem matou Evan.

Quando ela o olhou, consciente, de repente de quem ele se referia, Adam

desejou ter ficado de boca fechada.

Phoebe deixou sua bandeja na mesa e se sentou ao lado de Margi, que comia

um cacho de uvas verdes. Estavam no canto da cafeteria, de cara para a parede

pintada de cinza industrial.

— Bonita vista. — comentou Phoebe. Margi comeu uma uva. — Podemos

conversar? — Margi encolheu os ombros. — Olha, sei que Colette te deixou muito

nervosa. — começou, sem saber bem o que dizer, mas sua amiga já estava

sacudindo a cabeça.

— Não é pelo que disse, e sim pelo que fiz.

— Pelo que fez? — perguntou Phoebe. — O que fizemos. Eu também lhe dei

as costas.

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238

— Tinha razão no que disse. — disse Margi, assoando o nariz.

Phoebe assentiu, colocando um braço no ombro dela.

― Quando as pessoas morrem, sempre nos perguntamos pelo que ela

passou, sabe? Nós nos perguntamos no que pensavam. Se; acreditava que as

decepcionamos.

— E agora sei a resposta. — disse Margi. — Mas a sabia desde o início.

— Margi, isso é diferente, tem uma segunda oportunidade. Pode falar com

ela se quiser.

— ha. — respondeu Margi, não muito convencida.

— Ela não te culpa por sua morte, nem a mim, nem a ninguém. Só está

chateada pela forma como reagimos quando voltou. Mas nos perdoará, sei que fará.

Verá que nenhum amigo é capaz de compreender uma coisa como essa.

— Sim.

— Sim. Sério? Como em: Sim, é tão sábia e inteligente como sempre, Phoebe.

Alegro-me de que me ame, eu também te amo, e seremos grandes amigas para

sempre?

— Sim. — repetiu Margi, secando os olhos. — Tudo isso.

— Ficamos quase duas semanas sem nos falar. — disse Phoebe, e lhe deu

um abraço carinhoso. — Senti sua falta.

— Eu também. Foi ao enterro?

— Sim, com Adam.

— Sinto muito não ter ido com vocês. O que Evan deve ter passado é

horrível. Não posso nem acreditar. Parecia um garoto simpático.

— Foi muito triste. Seus pais pareciam..., pareciam perdidos, sabe?

— Também sinto muito ter deixado as aulas. Sou boa em fazer coisas

estúpidas.

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— Tenho certeza que pode falar com Angela, ou com a diretora Kim. Tenho

certeza que...

— Não sou tão boa em desfazer coisas estúpidas. Angela ligou para meus

pais quando saí das aulas, e eles supuseram que não era nada bom para minha

saúde mental..., para minha frágil saúde mental. Já sabe como eles são, Phoebe.

Nunca entenderam o tema gótico, a música e tal, e minha irmã Caitlyn é uma garota

hiper feminina, com Barbies, vestidos rosa e tudo mais. — ficou calada por um

segundo. — Suponho que fiquei muito tempo olhando as paredes do meu quarto,

então estão preocupados. Querem que eu faça terapia e tudo.

— Outra vez?

— Outra vez, como funcionou tão bem a anterior..., olha quão

estupidamente me adaptei a tudo.

Margi pegou uma uva e a colocou na boca. Phoebe pegou duas. — Como

estão todos? — perguntou Margi depois de um tempo. — Quero dizer, Tommy e os

demais. Como estão levando a morte de Evan?

— Hoje será duro. Alguns temos turno essa noite na Fundação, e amanhã é a

primeira aula depois... depois de seu assassinato.

— Me pergunto em que estarão pensando. Os garotos Zumbis, quero dizer.

— Tommy e Karen não têm falado muito sobre o assunto.

— Claro. — disse Margi, soltando uma risadinha. — Viu o que vestia hoje?

Outra sainha curta, uma blusa branca e meias até os joelhos. Juro por Deus que se

tivesse colocado sapatos de couro o look de colegial católica estaria completo outra

vez.

— Está louca. — concordou Phoebe, rindo. — É como se a morte a houvesse

dado licença para agir como quer, para fazer o que quer. A morte parece ter

assustado alguns, mas para ela parece ter libertado-a.

— Tinha outra maçã, Phoebe. Juro por Deus, a estava comendo. O que é

isso?

— Está brincando.

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240

— Não, de verdade. Para onde vai essa comida? Quero dizer, eu achava que

seus corpos não funcionavam nem nada. Acreditava que os cientistas haviam

averiguado que era mofo ou algo assim que vivia em seu cérebro e que...

— Mofo? Onde ouviu isso? No The Enquirer?

— Não, de verdade, ouvi que...

Uma sombra caiu sobre elas e Pete Martinsburg deu um tapa na mesa. As

duas deram um pulo.

O garoto deixou uma folha de papel enrugado em cima e a alisou,

procurando não rasgá-la. Inclinou-se sobre a mesa e olhou as duas, primeiro uma,

depois a outra. Phoebe tampou mais seus ombros com seu casaco negro.

— Olá garotas mortas. — as cumprimentou, tirando uma caneta preta do

bolso de sua calça.

— Nos deixe em paz, imbecil. — respondeu Margi, fazendo desaparecer

qualquer rastro de fragilidade ou insegurança.

— Apenas vim expressar minhas condolências. — disse ele entre risadas.

Tirou a tampa da caneta e traçou uma única linha na página, mais ou menos na

metade. Depois aproximou aos olhos e assentiu, satisfeito. A linha negra era visível

através da fina folha. Foi então que Phoebe se deu conta que se tratava da lista de

aceitação para a classe de estudos Zumbis.

— Não tem coração. — sussurrou ela.

Ele encolheu os ombros, tampou a caneta, dobrou a lista e a guardou,

deixando depois a mão sobre o bolso da camisa.

— Ainda bate; não como a maioria dos seus amigos.

Phoebe com os olhos cheios de lágrimas de raiva tentou levantar-se, mas ele

a empurrou de volta no banco e deixou suas mãos nela durante um momento.

— Não, não se levante, nos veremos logo.

Adam deve ter visto do outro lado da cafeteria, porque corria até eles,

abrindo espaço por um grupo de estudantes.

Pete lhe fez um gesto obsceno e se perdeu no meio da multidão.

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— Está bem? — perguntou Adam a Phoebe. — Te machucou?

— Não. — respondeu ela, ainda que não tivesse certeza.

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242

CAPÍTULO 25

Adam tamborilou com os dedos no volante.

Manuseou os controles do ar condicionado, incapaz de encontrar o

equilíbrio perfeito entre o ar quente e frio. Olhou pelo espelho retrovisor pela

trigésima sétima vez.

— Adam, tem algo errado? — Phoebe perguntou.

Adam não a olhou. Mesmo o som de sua voz era como uma injeção de

açúcar, embora ele tivesse dado como controlado por muitos anos.

— Bem, eu não sei. O que poderia estar acontecendo comigo?

— Ha, eu ainda não acredito. — respondeu ela, pensando que ele falava de

Evan, no entanto, o que realmente estava acontecendo naquele dia, era que a

garota por quem ele talvez estivesse apaixonado sentia alguma coisa

indeterminada por um Zumbi, e ele estava levando-a a um encontro com o tal

Zumbi.

— Então, vamos para a Casa Assombrada, certo? — perguntou. — Só para

buscá-lo?

— Esse é o plano. — disse ela, batendo-lhe no braço. — Ei, eu quase me

esqueci, você já tem companhia para o baile de boas vindas?

— Sim. — ele respondeu, engolindo o nó na garganta.

— Karen? — perguntou ela, dando-lhe outro cutucão. — Você já convidou

Karen? Não convidou Margi, não é? Bem, ela teria me dito, eu acho.

— Não e não.

— Oh. — disse Phoebe, perdendo todo o entusiasmo. — Não chamou? —

Adam, assentiu. — Oh.

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Ele entrou na estrada de terra que conduzia ao camping de casas móveis de

Tommy. Tommy estava no pequeno pátio vestido com calça jeans e uma camisa de

cambraia. Para Adam, parecia um espantalho muito bem arrumado.

— Ali está o seu garoto. — disse ele, mas Phoebe já havia abaixado a janela

para saudá-lo. Tommy lhe acenou de volta.

Adam viu como sua amiga saia da caminhonete e se aproximava do Zumbi,

dando pulinhos. Pensou que ela ia abraçá-lo ou, pior ainda, beijá-lo, mas parou

antes de chegar, então engoliu em seco e fechou os olhos com força. No entanto,

quando os abriu, Phoebe e Tommy, continuavam lá, juntos. Havia espaço entre

eles, mas parecia menor do que o habitual.

— Você viu o furgão branco? — perguntou Tommy, olhando para Adam.

— Furgão branco?

Tommy assentiu, e Adam teve a impressão de que ele estava animado por

tê-lo visto.

— Há dez minutos atrás, um furgão..., branco deu a volta..., no camping.

— Eu não notei. — disse Adam. — A verdade é que ele não estava

consciente disso.

— Você acha..., acha que poderia ser um daqueles furgões brancos? —

Phoebe perguntou, tocando o Zumbi no braço.

— Não..., sei.

— Acho que nós não cruzamos com nenhum, cara. — disse Adam. — Nós

não cruzamos com quase nenhum carro.

— Oh, meu Deus. — disse Phoebe. — Acha que sabem sobre a web, certo?

Adam virou-se. Algumas portas para baixo havia uma velha mulher com

bobs no cabelo e roupão verde jogando comida de um saco grande para o gato, em

uma bacia prateada.

— É apenas uma questão de tempo. — disse Tommy. — Acho que há..., um

furgão branco..., esperando para levar quase todos nós. Quem sabe.

A velha levantou o olhar, viu Adam e acenou. Em seu mundo não existiam os

furgões brancos. Ou isso, ou era meio cega e não tinha nem ideia de que vivia ao

lado de um Zumbi. Ele acenou-lhe de volta.

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244

— Adam. — disse Tommy. — Se virmos um furgão branco..., por favor, não

vá..., para a Casa Assombrada.

— Às suas ordens, capitão.

O Zumbi movia-se muito rapidamente quando queria. Chegou primeiro a

caminhonete, abriu a porta para Phoebe e a ajudou a subir. Adam tentou não cerrar

os dentes enquanto saia com o carro.

Quando chegaram à Casa Assombrada, havia um garoto magro com longos

cabelos negros de pé na varanda. Ele usava uma jaqueta de couro com correntes

prateadas oxidadas penduradas nos bolsos e remendos com os nomes e logotipos

de várias bandas de punk e metal, costurados no couro. Os remendos estavam

sujos e a jaqueta de tão gasta, estava lisa e cinza nos ombros e cotovelos.

Parecia estudar seus arranhados coturnos27 pretos, por isso seu cabelo caía

como uma cortina escura, escondendo-lhe o rosto.

— Este é..., Takayuki. — disse Tommy, ao sair da caminhonete. — Tentem...,

não deixar que os assuste.

Phoebe olhou para Adam, perplexa, e Adam, devolveu-lhe o mesmo olhar

com um encolher de ombros. Os dois saíram do carro.

Adam viu como sua amiga alcançava Tommy e saudava em tom alegre ao

garoto na varanda, quem não se mexeu, aparentemente mais interessado no

apagado brilho de suas botas. No entanto, ele levantou a cabeça como uma cobra,

quando Phoebe colocou um pé nos degraus da varanda. Phoebe sufocou um grito, e

Adam viu o motivo.

No garoto, faltava uma boa parte da bochecha direita. Tinha uma fina tira de

carne do lado direito da boca e uma manifesta falta de pele, que deixava exposto

todos os dentes até alcançar aos últimos. À primeira vista, parecia estar sorrindo,

mas, pelo jeito que ele olhava com seus olhos negros, ficava claro que não.

— É um erro trazer os corações vivos aqui. — disse o garoto morto,

Takayuki; a bochecha oca dava a sua voz, um murmúrio estranho.

27 http://darkpunk1coturnos.blogspot.com/2009/07/tipos-de-coturnos-masculinos-e.html

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Tommy ficou na frente de Phoebe.

— São..., meus amigos. Cuidado..., com os insultos.

— Nós não podemos ter..., amigos, entre os sugadores de ar .— respondeu

Takayuki, e Adam viu sua língua cinza através do buraco na bochecha. — Quantas

vezes eu tenho que te lembrar?

Karen saiu da Casa Assombrada e passou dando pulinhos pelo lado de

Takayuki.

— Desculpe Tak. Fico feliz em vê-los!

Abraçou Phoebe com grande teatralidade. Adam, não se dava muito bem em

interpretar a linguagem corporal dos mortos-vivos, mas pelo sutil movimento dos

ombros de Tak, ficou claro que as ações de Karen (ou a mesma Karen) tiveram

algum efeito sobre ele.

— Tak, não se dá muito bem com as pessoas, certo? Por que não

Takky? Deveríamos te arrumar uma entrevista de emprego como auxiliar no Wal-

Mart — Tak voltou a olhar para suas botas. — Entrem. — disse Karen, pegando o

braço de Phoebe e fazendo um gesto para Adam. — Todos estão morrendo de

vontade de ver vocês.

Adam as viu entrar e captou o olhar entre Tommy e Tak.

Aproximou-se mais e viu que o garoto morto estava esquelético, por baixo

da pesada jaqueta de couro. Tanto a jaqueta como a camiseta preta tinham

buracos, e o ar ao seu redor emanava um odor desagradável. Os outros Zumbis,

não cheiravam a nada que Adam soubesse, exceto Tommy e Karen, que colocavam

colônia ou usavam xampu. O cheiro que emanava dele não era de putrefação, nem

de decomposição, mas sim de algum produto químico.

Procurou esbarrar com ombros no garoto morto ao passar junto a ele. —

Opa, desculpe Sorriso. — ele disse.

— Sorriso. — deu-lhe um olhar de puro ódio. Levantou o braço esquerdo

com a mesma velocidade que o professor Griffin, mas depois abriu o punho, como

se convidasse Adam a entrar.

E então, sorriu de verdade. O efeito foi horrível, os músculos da parte

superior da face esticaram para levantar os restos destroçados de pele, que ainda

pendiam de seu rosto.

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246

Por que eu tive que fazer isso? Pensou Adam, entrando furtivamente pela

porta, sem afastar os olhos do rápido Zumbi. Como se já não tivesse inimigos

suficientes.

Ele virou-se para a sala principal a tempo de ver Phoebe abraçar Colette.

Bom para você. Pensou ele, feliz de que Phoebe não tivesse ficado congelada

de medo, depois de seu encontro com Tak na varanda. Colette sorriu-lhe de volta,

mais ou menos, e Phoebe, tirou uma mecha de lisos cabelos castanhos cinzentos

dos olhos.

Tayshawn estava lá, e Kevin também, o grande Mal, e a garota com um só

braço. Havia caras novas (embora nenhuma tão marcante quanto a de Tak), cerca

de treze garotos e garotas mortas no total, aproximadamente.

Mas Evan não. Pensou ele. A atmosfera da casa era diferente sem o garoto, o

bobo da corte dos mortos-vivos. Adam lembrou-se do garoto na parte traseira da

sua caminhonete, protegendo-se da chuva com a lona. Os garotos com DFB,

somente emitiam algumas vibrações tristes, mas pareciam mais sombrios ainda

sem Evan por lá.

— Nós vamos..., começar. — disse Tommy. — Obrigado..., a todos por terem

vindo. Eu queria dizer-lhes..., o que aconteceu..., com Evan.

Takayuki entrou na casa como uma sombra. Adam ouviu o ranger de sua

jaqueta de couro (ou de sua pele), enquanto cruzava os braços sobre o peito. Não

tinha certeza, mas dava-lha a impressão de que em Tak, faltava um pedaço de pele

no dorso da mão.

— Evan..., foi assassinado. — disse Tommy. — Não há outra forma

de..., dizer. Eu não sei se foi um..., ato aleatório..., como tantos outros atos violentos

contra nós..., ou se fazia parte de..., um plano maior.

Adam viu que Phoebe estava olhando-o e pigarreou.

— Eu sei quem matou Evan. — disse ele, sentindo um calafrio, quando os

olhos dos mortos, cravaram-se nele. — Foi Pete Martinsburg.

— Você..., sabe? — perguntou Tommy. — Você tem provas?

— Meu coração me diz.

— Ele mesmo me disse que o tinha feito. — disse Phoebe, baixando tanto a

voz que era apenas um sussurro.

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247

— Você confia nesses..., sugadores de ar, em seus grandes..., amigos, e eles te

escondem algo assim?

— Não escondemos isso... — Phoebe começou a dizer, mas Tommy levantou

a mão, interrompendo-a.

— O que vamos fazer a respeito, destemido líder? — Tak perguntou.

— Nós..., contaremos..., para a polícia. — respondeu Tommy, virando-se

para ele. Adam viu que ele tinha perdido parte de sua confiança. — Publicaremos...

O Sorriso fez como se fosse cuspir, mesmo que não produzisse nenhuma

saliva.

— A polícia não fará nada. As palavras..., não farão nada. Quanto tempo vai

demorar..., para os sugadores de ar..., como ele...? — disse ele, apontando para

Adam, quem se fixou nas longas unhas negras de Tak, que ele imaginava, fossem

pintadas, pois os outros garotos mortos, não as tinham daquela cor. — Chegarem

a..., exterminar..., todos nós?

— A sua solução. — Tommy disse, sacudindo a cabeça. — Fará..., com

que nos exterminem..., muito mais rápido.

— Alguns tipos de..., morte. — Takayuki respondeu, esboçando seu horrível

sorriso. — São melhores que outras. Escreva suas palavras. Talvez alguém lhe...,

preste atenção. Os que preferem..., agir..., que venham comigo.

Adam viu que Tayshawn, era um dos que preferiram agir.

Cerca de mais cinco Zumbis aproximaram-se de Takayuki arrastando os pés.

Karen também o fez, e Adam, viu que ela colocava uma mão no braço do

amigo. Ele a olhou como se aquela mão tivesse o poder de lhe causar uma

verdadeira dor física.

— Tak.

— Não, Karen. Aproveite o seu..., comitê do baile de formatura.

Continue..., fingindo.

Adam a viu dar um passo para trás, como se ele tivesse lhe dado uma

bofetada, provavelmente teria chorado, se pudesse. Tak levou sua banda da Casa

Assombrada.

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Ficaram em silêncio por alguns segundos, e Adam, olhou pela janela para o

pátio, onde os Zumbis viravam a esquina em direção a floresta de Oxoboxo. Ele

percebeu que Karen também os observava pela janela.

— Minhas..., desculpas..., por Tak. — disse Tommy, para toda a sala, mesmo

que se dirigindo principalmente a Phoebe. — Reagimos de forma diferente..., ao

contraditório dom..., do nosso retorno.

— Claro. — respondeu Adam, vendo que Phoebe, parecia desconfortável. —

De uma forma ou de outra, deve ser uma experiência traumática. Para todos vocês.

Os mortos concordaram com a cabeça.

— Sim, sim. — concordou Tommy. — O que eu queria dizer antes..., era que

alguns..., não nos querem aqui. E agora que somos..., muitos..., haverá mais...,

vítimas, como Evan Talbot. Temos que ter..., muito cuidado..., quando entramos e

sairmos..., desta casa, e de qualquer outro lugar..., onde nos encontrarmos. Eu vi...,

um furgão branco..., em Oakvale. Eu não quero que ninguém..., se assuste..., mas os

eventos..., que os meios de comunicação..., não querem informar ao mundo..., são

muito reais. Temos de ser cuidadosos. — esperou que a mensagem penetrasse

antes de falar. — Nós conversaremos sobre..., o baile de boas vindas..., em Oakvale

High. Depois faremos uma festa..., aqui..., para todos vocês. Karen..., quer dizer...,

algumas coisas.

— Sim. — respondeu Karen, afastando-se da janela. — Obrigada,

Tommy. Eu conversei com as..., pessoas da missão de St. Jude, e tem vestidos..., e

ternos para os que não tenham..., outros meios..., para consegui-los.

Então essa era a piada do comitê de baile, pensou Adam, notando que Karen

estava um pouco alterada. Por sua forma de falar, ninguém teria dito que Karen era

uma garota com DFB, mas as ações do Sorriso tinham tomado seu preço.

— Vamos decorar. — continuou ela. — O nosso DJ acaba de ir embora com

os outros Garotos Perdidos, mas estou certa de que nós podemos..., convencê-

los..., para que venham. Se não, bem..., nós arrumaremos. E, apesar dos

votos..., contra..., vamos convidar alguns amigos tradicionais.

Tradicionais, refere-se aos com Fator Biótipo Tradicional. Adam piscou-lhe

um olho e pareceu que o gesto reavivou o brilho nos olhos de Karen.

— Eu vou cuidar dos refrigerantes e dos sacos de batatas fritas. —

comentou. Karen e Tommy sorriram, mas a piada não chegou ao resto do grupo,

nem mesmo em Phoebe, que parecia embaraçada.

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Adam se arrependeu um pouco e percebeu que usaria mais ou menos o

senso de humor maluco de Evan e o seu próprio.

— Vou para casa..., pela floresta. — disse Tommy. — Karen e eu..., temos

coisas para fazer.

Adam virou-se para não ver a cara de decepção de Phoebe.

— Sério? — disse a garota. — É um longo caminho e está tarde. Por que

vocês não voltam conosco?

— Não, obrigado. Estar tarde não significa nada para nós. Nós não

nos... cansamos. Não dormimos.

— Venha bem para os ensaios. — disse Adam. — Venha chique para o show,

como de costume.

— Sim.

— Você vai ter problemas com o Sorriso? — perguntou Adam, e Phoebe,

deu-lhe um soco no braço.

— Mais cedo ou mais tarde. — disse Tommy, depois de piscar.

Adam já supunha.

— Bem, obrigado pelo convite. Até amanhã.

— Boa noite.

Adam virou-se para não ter que vê-los se beijando, se era isso o que

pretendiam fazer. Ouviu Phoebe dizer-lhes boa noite e em um segundo estava ao

seu lado, indo para a caminhonete. Sentia a irritação que emanava dela como o

calor do sol.

— O que foi? — ele perguntou quando entraram no carro, percebendo que

sua amiga fechava a porta com mais energia do que o normal.

— Você tem que ser sempre tão mal educado?

— Mal educado? — perguntou ele, manobrando a caminhonete, antes de

voltar para o longo e sinuoso caminho.

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— Sacos de batatas fritas e refrigerantes? O Sorriso? Deus, Adam, você tinha

que dizer isso? Como você acha que faz eles se sentirem?

— Com sorte, com vontade de rir. Acho que eles têm senso de humor, como

qualquer outro adolescente.

— Sorriso? E por que não chamar a garota manca...?

— Não diga isso. Nem pense em dizer, porque isso é completamente

diferente, e você sabe disso.

— E por que é diferente?

Ele sabia que tinha que calar a boca, porque com cada palavra que dizia,

notava que ela se afastava dele, o que colocaria fim ao Frisbee, aos passeios de

carro pela cidade, as visitas aos Laticínios Abelha, as piadas sobre Emily Brontё, e

conversar sobre tudo e sobre nada.

Phoebe acabaria.

Sabia que tinha que calar a boca, mas não conseguiu.

— Bem, em primeiro lugar, ela não estava insultando e assustando você.

— Ah, então estava me protegendo, certo?

— Estava se colocando do seu lado. E do lado dos tradicionais e sugadores

de ar do mundo. Deveriam ter lhe dado um pontapé, isso é o que deveriam ter feito.

— Sim, ótima ideia. — disse ela, ofegando. — Dar uma surra em todos os

outros que não sejam iguais a você.

— Desde quando isto tem a ver com ser iguais ou diferentes? Estamos

falando de um garoto que se comporta como um imbecil.

— Só um? Não ache que seu dever é me proteger, Adam Layman. Tommy

estava indo muito bem falando com ele e se colocando do meu lado.

— O que você disser. Igual ele te protegeu bem na floresta.

— Ah! — ela exclamou. — Como se você tivesse feito isso melhor!

Bem, lá estava. A única coisa que evitou que ele batesse com o punho contra

o painel; foi a presença de Phoebe, ou quem sabe, o argumento que o professor

Griffin havia ensinado.

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Ele chegou a casa em dez silenciosos e raivosos minutos depois, e Phoebe,

fechou a porta da caminhonete com força, foi como se fechasse a tampa de um

sarcófago e o deixasse preso dentro.

Talvez se eu estivesse em um caixão prestasse mais atenção em mim, pensou

ele.

Sua amiga não lhe desejou boa noite. Ele a viu percorrer apressadamente o

gramado que separava os dois pátios. Eles se conheciam há anos e nunca haviam

brigado, nem sequer haviam discutido.

Algumas piadas, algumas discussões, um insulto de vez em quando, mas

nenhuma briga.

Aquilo ficava no passado. Tudo tinha mudado.

Tudo.

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CAPÍTULO 26

Margi olhou hesitante para Phoebe, considerando a possibilidade de

que sua amiga não quisesse que ela se sentasse ao seu lado no ônibus. Aproximou-

se arrastando seus pés, e ficou ali em pé, como se a houvessem castigado. Com um

basta, pensou Phoebe. Fez uma careta e puxou Margi para que se sentasse com ela.

— Ei, cuidado! Aparecem hematomas em mim por nada. — protestou Margi.

— Pois aguente. — respondeu Phoebe, segurando as lágrimas.

— Oh. Meu. Deus! Você está chorando! Minha nossa! Você está horrorosa!

Margi começou a procurar lenços de papel em sua bolsa negra, sem dúvida,

embolados e com cheiro de patchuli. Phoebe riu e notou que uma grande lágrima

desceu por sua bochecha.

— O que aconteceu? — lhe perguntou Margi, aproximando-se mais. — Esse

garoto morto tentou alguma coisa? Sabia que estava acontecendo algo, só...

Phoebe abraçou Margi e lhe mandou fechar a boca. Margi beijou sua

bochecha e devolveu o abraço e, surpreendentemente, se calou de verdade.

Phoebe sabia que estava com os olhos vermelhos, e nem sequer havia se

incomodado em usar delineador e maquiagem pela manhã, embora precisasse

após ter passado meia noite chorando. Inclusive tinha chorado por cima de seus

deveres de álgebra, por Deus.

— Por favor, você poderia voltar para a classe de estudos de DFB?

— Deveria deixá-la, Pheebs. Depois do que ele te fez, não pode se sentar na

classe com ele.

— Não foi ele, foi Adam.

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— Adam? Adam tentou passar a mão em você? — perguntou Phoebe,

inclinando-se para trás. — Meu Deus, eu sabia que não estava errada! Eu sabia que

ele tinha algo com você! Eu...

Margi lhe passou um lenço e Phoebe se desfez com carinho do abraço de sua

amiga para esfregar seus olhos.

— Não, Margi. Adam não tentou fazer nada. Nós brigamos e foi só isso.

— Oh. — disse Margi, decepcionada. Esboçou um sorriso, malicioso. —

Bom; isso tem mais sentido. Você não estaria chorando se ele tivesse tentado

passar a mão em você.

— Margi!

— Adam está bem, Pheebs! Reconheça garota. Esse corpo que ele tem é

como um experimento perfeito, como se o houvessem fabricado em um laboratório

secreto de uma cientista ninfomaníaca.

— Uma cientista ninfomaníaca?

— Cada vez há mais garotas que se dedicam as ciências puras. Vi no

noticiário.

As duas começaram a gargalhar.

— Você está dizendo isso para me animar. — respondeu Phoebe depois de

se recuperar.

— Certo. — disse sua amiga, afastando seu cabelo do rosto manchado de

lágrimas. — Funcionou?

— Sempre. Por favor, volte para a aula.

— Meus pais vão perguntar para a diretora Kim se posso voltar. —

respondeu Margi, dando umas palmadinhas em seu braço. — Enganei minha

terapeuta para que pensasse que eu ficaria bem, o que demonstra que ir para esses

lugares é perda de dinheiro, por que faz duas semanas que a convenci que a classe

despertava meu instinto suicida.

— Você é demais, Margi.

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— Eu sei. — respondeu ela sentando-se direito. — Então, por que não tenho

um encontro para o baile?

— Talvez por que você é demais?

— Pode ser. A verdade é que Norm Lathrop me pediu.

— Norm é simpático.

— Norm é um tonto, mas é um bom garoto. Gravou para mim um CD com

canções variadas.

— Oh, oh.

— Eu sei, é um sinal claro de paixão. E acertou com algumas canções que eu

gosto, algo de Switchblade Symphony e de...

Calou-se quando o ônibus parou para recolher outro passageiro: Colette. A

garota cambaleava de um lado para o outro no corredor do veículo, como se o chão

fosse um mar agitado. Phoebe a saudou com a mão. Colette se deteve no assento na

frente do seu e as olhou; seus olhos eram como uma noite sem estrelas.

— Olá... Phoebe. — disse. Fez uma longa pausa antes de conseguir formar as

palavras seguintes. — Olá... Margi.

Margi respirou fundo e Phoebe teve medo que começasse a hiper-ventilar.

— Olá, Colette. — respondeu a garota agarrada ao braço de Phoebe como se

fosse uma armadilha para ossos. — Sinto muito, muito por ter sido uma idiota

contigo. Prometo tentar melhorar.

A antiga Colette, a Colette viva, pareceu surgir como um fantasma através da

carne morta de seu rosto durante um breve instante, e uma sombra da bonita e

feliz garota com quem tinham passado incontáveis horas às olhou e sorriu.

— Não tem..., problema. — respondeu. Depois se deixou cair no assento da

frente.

Phoebe sentiu vontade de voltar a começar a chorar, agora de felicidade.

Margi se voltou para ela e deu de ombros, como se não desse importância a

monumental façanha que acabara de conseguir.

— Fecha a boca, Phoebe. — disse, soltando seu braço.

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— Margi, não..., não sei o que dizer. Obrigada.

Margi apertou sua mão.

Ficaram em silêncio durante alguns momentos, e então a cabeça de Colette

se levantou como um globo por cima do assento do ônibus, Margi voltou a agarrar

o braço de Phoebe, e Phoebe fez uma careta de dor. Era desconcertante enfrentar o

olhar inexpressivo de Colette.

— Ei..., Margi..., você gostaria..., de vir..., a..., uma..., festa?

Margi se soltou um pouco e esfregou o braço de Phoebe, como se tentasse

aliviar a dor que tinha infringido.

— Eu adoraria. — respondeu.

A manhã de Phoebe acabou em um instante, embora sempre demorasse

quando ela tinha que ir para a fundação. Saiu uma hora antes, o que ajudava, mas

também contribuía para os nervos pela aula de estudos sobre pessoas com DFB. Ali

podia acontecer qualquer coisa, enquanto que no resto de suas aulas, apesar de só

ter passado seis semanas na escola, parecia uma rotina aborrecida e previsível.

Também passou pelo almoço, que era o momento do dia mais curto, mas

que foi eterno por culpa da presença de Adam a algumas mesas dela. Estava

sentado como se lhe chamasse, o que fez com que Phoebe se sentisse mais culpada,

sem saber por que.

— Você já falou com ele? — lhe perguntou Margi enquanto cortava os restos

de um pudim de chocolate com sua colher de plástico.

— Com quem? — perguntou Karen. Phoebe havia insistido em sentar-se

com Karen, e Margi não tinha protestado muito, para variar.

— Com Adam. Phoebe e ele brigaram. — respondeu Margi, chupando a

colher.

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— Oh. — disse Karen, enquanto Phoebe deu um tapa em Margi. Karen não

havia levado comida, e para Phoebe lhe dava a impressão de que era quase a

mesma pessoa despreocupada de sempre.

— Não foi uma briga. — explicou Phoebe. — Só discutimos. A gente discute.

Karen assentiu e lhe deu uma palmadinha no braço, com seus longos dedos

frios, tinha as unhas pintadas de vermelho vivo.

— Não percam tempo discutindo. — lhe disse. — A vida é muito curta.

Acredite em mim.

— Falando nisso. — interveio Margi, comendo a última colherada de pudim.

— Por que você acha que voltou? Há um montão de teorias: uma substância na

água, nas vacinas dos bebês americanos...

— Espório de mofo. — respondeu Karen. ― Não se esqueça da teoria dos

espórios de mofo.

— Sim, isso! — exclamou Margi, apontando para Phoebe com a colher. — Eu

te disse!

— Há ideias ainda mais dementes. — respondeu Phoebe. — Como abduções

alienígenas.

— Sinais do Apocalipse. — acrescentou Karen.

— Muito fast food.

— Chuva radioativa de Chernobyl.

— O poder da oração.

— Os jogos de ação em primeira pessoa.

Phoebe e Karen olharam para Margi, que levantou os tilintantes braços

numa atitude defensiva.

— Ei, eu não escrevo as noticias, só as transmito.

— O que é um jogo de ação em primeira pessoa? — perguntou Phoebe.

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— Você sabe; um desses jogos de computador em que você sai por aí

arrebentando coisas.

— Normalmente Zumbis. — acrescentou Karen. — Não joguei nenhum na

minha vida, nem na morte. No entanto..., poderia explicar por Evan e Tayshawn. E

por Tak. Mas só estes.

— Quem é Tak? — perguntou Margi. Karen fingiu não ouvi-la.

— Isto, Karen, como..., uma pessoa com DFB, por que você acredita que

voltou? — lhe perguntou Phoebe.

Karen sorriu e se recostou na cadeira, esticando-se. Usava um sutiã preto

debaixo da blusa branca e semi-transparente.

— Bom, falando como uma pessoa com DFB, eu acho que a razão de minha

volta e da volta das pessoas com DFB de todo o mundo é muito simples. Só há uma

resposta.

— E é? — perguntou Margi, e Phoebe lhe deu uma cotovelada.

— Magia. — respondeu Karen, piscando um olho.

— Qual é.

— Digo a sério, Margi. — respondeu ela, e Phoebe não foi capaz de penetrar

o suficiente em sua expressão para dizer se o que dizia era a verdade ou não. — É

magia.

— Bom; obrigada pela informação. — respondeu Margi.

— Sinto muito, foi você quem perguntou.

— Karen. — disse Margi. — Te importa que eu te faça uma pergunta

pessoal?

— Sim. — respondeu ela, inclinando-se sobre a mesa para por o rosto a

quinze centímetros do de Margi. — Quando uma pessoa viva quer fazer uma

pergunta para uma pessoa morta, é uma de duas: ou como morreu? Ou como é

estar morta?

Phoebe ficou vermelha de vergonha, e inclusive sua franca amiga corou um

pouco.

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258

— Ia começar com a primeira, sim.

— Você não é a única com poderes telepáticos, sabia? — disse Karen,

inclinando-se novamente para trás.

— Se eu feri seus sentimentos, sinto muito.

— Ai, céus. — respondeu Karen, acariciando suavemente seu rosto com a

ponta dos dedos. Margi conseguiu não se afastar. — Alguns dizem que não temos

sentimentos..., assim que não podem feri-los. Sei que você tenta entender, e não

fazer mal, então não se preocupe.

— Certo.

— E vou responder a sua pergunta, a primeira, mas só essa, e depois acaba a

entrevista, certo?

Phoebe e Margi assentiram, e o rosto de Karen ficou sem expressão. A luz

que, às vezes, parece dançar em seus olhos de diamante se apagou. A

transformação foi tão repentina e inesperada que Phoebe se assustou.

— Tomei..., pílulas. Um frasco..., inteiro. E..., dormi. — respondeu, com a voz

cada vez mais fraca, como se estivesse dormindo na frente delas. ― Me..., suicidei.

— Oh, não. — sussurrou Margi. Phoebe tocou o braço de Karen como se

tentasse amarrá-la a terra, e Karen levantou seu olhar morto para ela; a luz

regressou pouco a pouco aos seus olhos.

— Eu sei. — disse. Karen levou a mão de Phoebe aos lábios e a beijou

enquanto se levantava da mesa. — Não contem a ninguém. Nós nos vemos nos

estudos Zumbis.

— Meu Deus. — exclamou Margi quando Karen se afastou. — Mal pude

acreditar.

Phoebe contemplou o batom de cor pêssego que haviam deixado os lábios

de Karen no dorso de sua mão.

— Você pode acreditar Pheebs? Eu nunca teria imaginado isso de Karen.

Além disso, pensei que os suicidas não voltassem.

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259

Phoebe não conseguia afastar os olhos do beijo, que era como uma tatuagem

sobre sua pele pálida.

— Ei, você a ouviu dizer telepatética? Não usei nunca essa palavra com

Karen.

— Ela disse telepática. — respondeu Margi.

— Não, estou bastante certa que ela disse telepatética. Nossa palavra.

— Bom, acho que é a primeira vez que tenho uma conversa com ela de

verdade, então não ouvi.

— Eu sei. — disse Phoebe, resistindo ao estranho impulso de levar o dorso

de sua mão aos seus lábios. — Isso é o que eu quis dizer.

Por alguma razão, para Phoebe o fato de que Karen usasse uma das palavras

em código que compartilhava com Margi, lhe resultava mais misterioso do que a

revelação de seu suicídio. Karen era diferente (de um fator biótipo realmente

diferente) do resto das pessoas, quer fossem Zumbis ou não. Meditou sobre ela até

que o anúncio da chegada da van da Fundação Hunter a tirou da sexta aula do dia.

Viu que Adam já estava no ônibus e que se sentava na parte de trás, fingindo

estar absorto em um livro de bolso. O Morro dos Ventos Uivantes, pensou Phoebe.

Os três alunos mortos de Oakvale High (Karen, Tommy e Colette) também já

estavam lá dentro.

Colette; pensou Phoebe, Karen deve ter ouvido de Colette. Alegrava-se de ter

resolvido o mistério, embora sentisse que não tinha mais nada com que se distrair

de sua briga com Adam.

— O último é um ovo podre. — disse Thorny, passando a toda velocidade

por ela e subindo as escadas com enérgicos saltos. Phoebe suspirou, entrou no

veículo e se sentou ao lado de Tommy, na parte da frente. Todos os demais

estudantes, salvo Adam, estavam a poucos assentos de distância entre si, algo que

não passou despercebido pelo sempre inteligente Thornton Harrowwood.

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260

— Ei, Adam. — gritou, quando fecharam as portas e o motorista se afastou

da calçada. — O que está acontecendo? Está em um plano anti-social?

Phoebe se virou, mas Adam não afastou seus olhos do livro.

— Algo assim. — respondeu.

— Está acontecendo algo? — perguntou Tommy para Phoebe.

— Não. — respondeu ela, virando-se para ele. — Não muito.

Evitou olhá-lo nos olhos; o olhar de Tommy era penetrante inclusive nos

dias em que não tinha nada que ocultar.

Quando chegaram a casa dos DFB, na sala só estavam Kevin e Angela. Ao

que parece, Sylvia não tinha terminado sua misteriosa “melhora”, Margi ainda não

tinha sido readmitida na aula e Evan não retornaria. Phoebe foi pegar café antes de

se sentar, e Karen a seguiu até a mesa.

— Ei, onde está Tayshawn? — perguntou Thorny.

Phoebe virou sua cabeça enquanto preparava seu café com leite e viu que

Angela estava com dificuldades de manter seu sorriso.

— Em St. Jude me disseram que Tayshawn já está a alguns dias sem ir ao

refúgio. Não sabem onde ele está, e ele não se colocou em contato com a fundação.

Phoebe deu um gole em seu café e se deu conta de que Karen a olhava.

— Você poderia preparar um para mim? — perguntou-lhe a garota morta,

apontando para o copo de isopor.

— Fique com o meu. — respondeu Phoebe. — Coloquei muito açúcar.

— Como quiser. — disse Karen. Pegou o copo com as duas mãos e deu um

delicado gole.

Page 261: Geração Morta

261

— Então o que, ele desapareceu? — perguntou Thorny. — Não sabem onde

ele está?

— Eu temo que não. — respondeu Angela.

— Uh, as pessoas caem como moscas. — comentou Thorny. Phoebe

terminou de preparar o café justo a tempo de ver como Adam dava um tapa em sua

cabeça. — O quê?

— Tenha um pouco de respeito.

— O que? Do que você está falando?

Phoebe se sentiu mal quando viu que o garoto se dava conta pouco a pouco.

— Oh. Oh, claro. — disse Thorny, enquanto Phoebe se sentava no sofá entre

Colette e Tommy.

Angela umedeceu seus lábios, que estavam franzidos.

— Bom. — disse. — A primeira coisa que gostaria de tratar hoje é a perda

de um de nossos companheiros. Devo dizer que a diretora Kim me surpreendeu ao

me informar que nenhum de vocês se inscreveu para receber apoio psicológico.

Pensei que a morte de Evan iria deixá-los confusos e com pena, e deveriam saber

que a ajuda psicológica de que dispõem os ajudará a enfrentar estes sentimentos.

— Nós temos apoio psicológico obrigatório. — respondeu Adam.

— Deveria ser um ponto de partida. — disse Angela, que parecia aborrecida.

Phoebe olhou ao seu redor. Inoportuno ou não, Thorny tinha razão: caiam

como moscas. Ninguém disse nada até que Tommy pigarreou com um chiado

estranho.

— Eu gostaria que soubessem que Tayshawn..., está bem. — comentou. —

Mas não..., voltará às classes.

— Você o viu? Sabe onde está? — perguntou Angela.

— Sim.

— Pode me dizer?

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— Não.

— Pode me dizer por quê? Já sabe que só nos preocupamos com seu bem-

estar, igual como o de todos vocês.

— Eu sei. — respondeu Tommy. — Mas ele tem direito a sua..., intimidade.

Angela estava prestes a responder quando Thorny a interrompeu.

— Posso fazer uma pergunta? E não estou tentando fazer-me de engraçado.

Como você sabe que não vai voltar?

— Tayshawn?

— Não, Tayshawn não. Evan.

Adam levantou a mão por cima da cadeira e voltou a dar um tapa na cabeça

de Thorny, gesto que para Phoebe lhe parecia hipócrita depois da pouca

sensibilidade que ele havia demonstrado na Casa Assombrada.

— Ai, pare agora. — exclamou Thorny, devolvendo o golpe no outro garoto

enquanto Angela pedia para que Adam deixasse suas mãos quietas. — Digo a sério,

como vocês sabem que Evan não vai voltar outra vez? Já fez isso antes. É possível

que aconteça novamente?

— Podem nos..., destruir. — respondeu Tommy. — Seja o que seja que..., nos

revive..., necessitamos do..., cérebro..., para sobreviver.

— Oh.

— O cérebro de Evan..., parou. Não é possível..., arrancá-lo novamente.

— Ai; sinto muito. Sinto ter perguntado.

Phoebe fechou seus olhos, era muito horrível para contemplar.

— E o resto dos órgãos internos? — perguntou Adam. — Precisam de

coração?

Karen sorveu seu café fazendo ruído, e Angela a olhou; aborrecida.

— Há várias teorias a respeito disso, Adam. — disse a mulher. — Algumas

pessoas com DFB não parecem ter problemas sem os órgãos internos que você e eu

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precisamos para sobreviver. Na maioria dos casos estudados, esses órgãos já não

têm nenhuma função real e, de fato, não podem funcionar. É claro que é difícil

saber com certeza, por que não contamos com um grupo de cientistas grande o

suficiente.

— Estudem a mim. — disse Karen.

— A maioria? — interveio Phoebe antes que Angela pudesse responder.

— Perdão?

— Você disse a maioria. Que na maioria dos casos estudados os órgãos não

tem nenhuma função.

— Bom. — respondeu Angela, inclinando-se para trás em sua cadeira. — É

uma pena que Alish não esteja aqui para comentar sobre isso, por que está mais

familiarizado com o trabalho que eu, mas temos alguns casos em que as pessoas

com DFB parecem ter ou tido desenvolvido o uso de alguns órgãos. Havia uma

garota que tinha um pâncreas funcionando, se bem me lembro.

— Eu me pergunto se minha bexiga funcionará. — comentou Karen dando

outro gole em seu copo.

Phoebe se deu conta que Angela fazia caso omisso de Karen; a deixava

nervosa que ela tomasse café.

— E..., havia outro garoto cujo coração começou a bater novamente. Havia

começado a fabricar glóbulos sanguíneos.

— Como essas pessoas movem seus músculos se não há sangue? —

perguntou Adam. — Isso é o que faz o processo de melhora? Regenerar sangue e

órgãos?

— Não, o processo de melhora não está dirigido especificamente a

regenerar órgãos. É mais uma melhoria cirúrgica para que as pessoas com DFB

desfrutem de uma maior funcionalidade.

— Acho que minhas papilas gustativas estão voltando. — comentou Karen.

— Posso saborear o açúcar. — afastou o copo vazio, e um fio bege de líquido

escorreu por sua mão. — Em que consiste o processo de melhora? — perguntou,

com suas claras retinas fixas em Angela, enquanto chupava o café de sua pele.

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— Tem..., algo a ver com a restauração das vias neurais. Não sei com muita

clareza sobre a parte cientifica, deveria perguntar para Alish. — respondeu Angela,

e deixou a pasta no tapete perto de seus pés. — Vamos dar uma pausa, certo? Dez

minutos?

— Mas acabamos de começar. — disse Thorny.

A saída de Angela pela porta foi rápida e repentina. Phoebe ouviu o eco de

seus saltos sobre o reluzente azulejo do outro extremo do corredor.

— O que foi isso? — perguntou Thorny. — O que mordeu ela?

— Pergunto-me se eu poderia melhorar. — disse Karen.

Phoebe levantou seu copo e se deu conta que ainda tinha a marca de

pêssego dos lábios de Karen na pele, desvanecendo pouco a pouco como as

imagens na tela de uma televisão.

— Eu..., deveria..., fazer..., primeiro. — disse Colette. Kevin, tão imóvel como

um manequim no futon estava perto de Karen, assentiu.

— Me parece que..., a ciência ainda..., não avançou muito. — respondeu

Tommy.

— Você acha? — disse Karen. — Nos deixarão ver Sylvia?

— Eu irei perguntar. — respondeu Tommy sacudindo a cabeça. — E

Tayshawn também.

— Talvez também tenham uma van branca na parte de trás. — comentou

Adam, e Phoebe lhe lançou socos mentais nas costas quando o garoto se levantou

para pegar um suco.

Ouvem os saltos de Angela no piso do corredor.

— Ei, Thorny. — disse Karen, com olhos brilhantes. — Antes que ela volte

você quer ir a uma festa depois do baile de boas-vindas?

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CAPÍTULO 27

Pete viu Julie ao lado do garoto morto esperando com os livros apertados

contra o peito, enquanto o Zumbi pegava seus livros do armário, primeiro um e

depois o outro. Apoiada na parede com os tornozelos cruzados, olhou para Pete e

lhe soprou um beijo. Pete soltou um monte de palavrões e retrocedeu um passo.

— Te dão vontade de jogar, verdade? — lhe disse Stavis no ouvido. — A

mim também.

Pete balançou a cabeça como se espantasse um mosquito. Enfim, não era

Julie. Claro que não era Julie, porque Julie estava morta e enterrada a um

quilometro de distância. Aquela era a senhorita Pantynegros, e sua expressão de

entusiasmo enquanto esperava o Zumbi lhe dava tanto nojo quanto a miragem de

sua namorada morta.

Williams disse algo a Pantynegros e a garota soltou uma risadinha coquete,

baixando os olhos com fingida timidez.

Sim, sei onde encontrá-la Pantynegros, pensou Pete.

— Tinha que ser ilegal que um garoto como esse e uma garota como essa

estivessem juntos.

— Porque se aborrece em falar, Stavis? — perguntou Pete no momento em

que Williams fechava seu armário, Pete deu-se conta que o Zumbi roçava Phoebe

ao passarem juntos pelo corredor.

Estava procurando padrões, igual quando vigiava a casa dos Talbot. No fim

começariam a surgir. A sexta aula parecia ser seu momento de encontro da

semana, sentavam juntos na carteira de Tommy antes da aula de álgebra, iam e

voltavam juntos dessa aula e depois percorriam o corredor antes de cada um ir à

outra classe. Ainda assim a informação era inútil.

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Stavis estava magoado, ou tão magoado como podia ficar um garoto

gigantesco.

— Pete, eu só queria dizer que...

— Deixa, vamos para a aula.

Pete compartilhava quase todas as suas aulas com Stavis, era muito mais

esperto, mas Stavis se esforçava bastante, pois os dois estavam em aulas com um

nível ligeiramente mais alto que as aulas de apoio. Iam a aula de Inglês, onde

tinham que compartilhar a sala com alguns inúteis. Pete sabia que podia sair

daquelas aulas se desejasse, mas para que? Nunca estaria no nível de Pantynegros

e sua amiga Rosita Mcmelones, com um cômodo emprego esperando na empresa

do pai quando acabasse a universidade. Não tinha sentido esforçar-se tanto.

Olhou para cara redonda de Stavis, que estava enrugada em pleno processo

de concentração. Recordou-se mentalmente que tinha que ser mais brando com o

garoto, como Harris que se sentava atrás, Stavis era uma das únicas pessoas com

quem podia contar.

— Então, é esse? — perguntou Stavis com um sussurro teatral.

— Sim, ou ele ou a noiva cadáver.

— É o que saiu correndo a pernadas do bosque, não?

— Ele mesmo. — respondeu Pete, muito irritado para tratá-lo como

merecia.

De qualquer forma tinha a lista, a levava em sua carteira para todas as

partes. Depois de expulsar o ruivo morto do bairro, Willians parecia a escolha

óbvia. A Zumbi vagabunda podia ficar para o final; certamente ninguém sentiria

saudades. Pete imaginava que poderia fazer mais danos aos garotos vivos se

primeiro se encarregasse de seus amigos mortos. Poderia dar uma surra no

franzino Harrowwood (coisa que já tinha feito) sempre que quisesse, seja nos

treinos ou no vestiário. Pete sorriu, pensando no bloqueio que havia falhado contra

o Ballouville, seu defensor enorme poderia dar uma de bom menino. Ficou no

banco o resto do jogo.

Havia uma grande faixa de cartolina sobre o arco do corredor onde

anunciava a data e horário do baile de boas-vindas. Ocorreu-lhe que teriam que

esperar uma semana para a celebração de Halloween, tendo em conta que muitos

dos estudantes viriam fantasiados.

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267

— Vamos ao baile afinal? — perguntou Stavis.

— Não, tenho um plano melhor.

— Sério? Qual?

— Ouvi sobre uma festa, e vamos de penetras.

Por isso era bom ter um linguarudo como Harrowwood nos vestiários, um

tipozinho que tinha que usar a língua para compensar suas deficiências. Thorny

havia começado a se vangloriar sobre a pós-festa que ocorreria depois do baile, de

que não haveria muita gente convidada e blá, blá, blá... Adam havia lhe lançado um

olhar assassino, mas já era muito tarde.

Pete alcançou Harrawwood no estacionamento e lhe arrancou toda a

história sobre a festa a base de tapas.

— Que festa? — tapa

— Não sei nada sobre festa alguma. — tapa. — Os Zumbis estão montando

uma festa para a maioria que não pode ir ao baile. Se nem se quer vão ao colégio...

— Aonde? — perguntou Pete, mas era a única pergunta que Thornton não

sabia a resposta.

— Não quiseram me dizer. — respondeu o rapaz. — Supõe-se que tenho

que seguir o Layman. Já tenho tentado um par de vezes.

— Se estiver mentindo saberei Thorny. — ameaçou Pete. — Juro que

acabará em festas com eles para sempre.

— Não minto. — o medo nos olhos do garoto disse a Pete tudo o que ele

precisava saber. — Te juro.

— Uma festa de Zumbis. — respondeu Pete, imaginando-se em uma casa

cheia de hambúrgueres de vermes e imaginando depois a mesma casa queimando.

— Não.

— Sim. — respondeu, vendo como acendiam as chamas e a fumaça que se

espalharia pela luz da lua. Estava sorrindo quando chegaram à aula. Pensava

chegar um pouco antes que o resto da manada, o que seria fácil, já que para os

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fracassados não interessava a pontualidade. Só tinha outra estudante que

contemplava a lousa enquanto a professora passava o apagador pela superfície

acinzentada; tinha o olhar mais vazio do que se estivesse na escola aos domingos.

— Eca. — Stavis disse.

Pete lhe sorriu e piscou. Depois agarrou-lhe pelos ombros.

— Depois nos falamos; cara. — lhe disse e foi sentar-se com a garota.

— Boas. — saudou-lhe sorrindo. — Tenho escutado que haverá uma grande

festa depois do baile.

Colette virou-se com uma velocidade de um ventilador meio parado e

tentou esboçar um sorriso, mas para Pete, de repente, parecia ter todo o tempo do

mundo.

Phoebe deu um pulo quando um gato gritou como se houvessem lhe pisado

na cauda. Gargoyle saltou da cama e começou a lhe ladrar todo um repertório.

Aquele som sobrenatural era a forma que seu computador avisava quando

Margi entrava na Internet. O nome Pinkytheghost apareceu ao lado do avatar rosa

ao estilo Gasparzinho que se agitava como um lençol estendido junto a primeira

mensagem de Margi na noite.

Comprei meu vestido hoje. Já tem o seu?

Phoebe mandou Gargoyle se calar, ele estava olhando o céu com um

grunhido grave, mais simpático do que ameaçador.

Yeap, respondeu Phoebe.

Prometeu-me que iríamos vestidas de preto. Teu vestido é preto?

Phoebe suspirou, Margi teclava como falava, depressa e sem parar. Ela

estava lendo a última postagem de supostamentemorto.com e estava tentando

decidir como entender aquilo. Porque, ao contrário dos muitos temas sobre os

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garotos com DFB que tratava, aquele era muito pessoal para ela. O titulo de

entrada do blog que Tommy havia publicado poucas horas antes era do Baile de

Boas-Vindas.

Não, escreveu.

Traidora, respondeu Pinkytheghost, e acrescentou: O meu tampouco.

Phoebe sorriu e tentou não lhe fazer caso durante alguns minutos, para ver

se sua amiga encontrava outro entretenimento pela rede.

O que está fazendo? Perguntou Pinky/Margi. A teoria de Phoebe não

funcionou.

Voltou para a entrada do blog e leu o que Tommy havia escrito.

Vou ao Baile de Boas-Vindas do meu colégio. Tenho um encontro de

verdade, e quando digo de verdade me refiro a uma garota de verdade,

que respira, de fator biótico tradicional.

Phoebe franziu o cenho e baixou o volume de Bronx Casket Company que

estava escutando em seu MP3, no caso de seus pais entrarem em seu quarto. Não

queria que eles vissem a tela.

Está aí? Escreveu Pink/Margi.

Não, respondeu Phoebe. Seus pais não importavam, não queria que Margi

lesse o blog. Nem Adam, nem Karen, nem ninguém mais. Imaginou Tommy

circulando pela festa, acenando aos seus amigos mortos e lhes dizendo: — Ei,

olhem todos, esta é minha namorada de fator biótico tradicional. — E esquecia seu

nome.

Não zoa..., escreveu Margi. Meu amiguinho peludo está aí?

Phoebe observou o amiguinho peludo de Margi, que voltou a se estirar na

cama.

Saudações de Ga;, escreveu e voltou ao blog.

O baile será nosso primeiro encontro. Já fomos ao cinema no shopping.

Já foi também na minha casa e conheceu a minha mãe. Minha mãe

gostou muito dela..., e eu também.

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Isto e logo começará a me escrever poemas, pensou Phoebe com o coração

acelerado, e não só pela música. Queria ligar para o Tommy (Tommy ou Faith) e

pedir que retirasse o que tinha escrito. E se o bando de fanáticos que seu pai temia;

lessem aquilo? E se os anônimos da van branca, vigiassem o blog? Não, sentia-se

incômoda com aquilo, de certo modo, era como se um garoto subisse na mesa no

meio do refeitório para declarar seu amor a uma garota que mal conhecia.

Brega. Muito brega.

Beijinhos para meu amiguinho peludo; enviou Margi.

Phoebe bufou; o que fez que o amiguinho peludo levantasse a cabeça de sua

almofadinha peluda. Ela o olhou e lhe assegurou que não se passava nada.

— Mas estaria bem se nossa amiga se calasse de uma vez — comentou entre

dentes. Gargoyle voltou a sua posição de descanso, decepcionado.

O que pode significar a um garoto com diferente fator biótico (um

Zumbi) que gosta de uma menina com fator biótico tradicional? E o que

significaria se a garota viva gostasse dele também? Será que os céus se

abririam? O falcão ouviria a sua falconer28?

Phoebe esfregou os olhos. Aquilo era um pouco enigmático para Tommy,

que era bastante literal, salvo quando especulava sobre a conspiração Zumbi que

se estendia pelo país.

O que está escutando? Enviou Margi. Quando Phoebe respondeu que BBC, a

resposta de Margi foi rápida, apesar de ter mudado o tamanho da fonte e ter

colocado em vermelho.

Não! Eu tb! Telepatéticas!

Sim, pensou Phoebe, não muito emocionada.

Não é que se passará. Não é que se passará algo. Não é como se uma

multidão de pessoas com fator biótico tradicional com mentes menos

abertas arrastarão meu corpo pelo ginásio e me atearão fogo. Só quero

de verdade ir a esse baile com ela. Sei apenas que quando estou com ela,

há momentos, embora sejam breves, em que me sinto menos como um

Zumbi. Há vezes que por um instante esqueço-me que estou morto, que

28 Criador e treinador de Falcões.

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271

já não respiro e que meu coração não bombeia sangue pelas minhas

veias.

Esqueço essas coisas quando estou com ela. Acredito que se dançarmos

juntos uma só vez, quase volto a me sentir vivo de novo.

Phoebe notou que seus olhos enchiam-se de lágrimas, mas parou para

respirar de forma regular para afastá-las.

Que bom que não me sinto nada pressionada, pensou, e uma lágrima escapou

caindo na tecla de espaço do teclado. Sorriu e secou seus olhos.

Havia várias mensagens na caixa de entrada de comentários do dia. O

primeiro era de um leitor chamado BRNSAMEDI666, com todas as letras

maiúsculas: — VENDIDO!

Está claro que os tradicionais não são os únicos que vão se divertir; pensou

Phoebe, lembrando a raiva pura na cara de Sorriso (de Takayuki) quando Adam e

ela entraram na Casa Assombrada.

Como se esperasse o momento oportuno; outra mensagem de

Pinkytheghost apareceu: Ainda está brigada com Lelo Man? :(

Phoebe franziu o cenho, se desconectou e foi sentar-se na cama ao lado de

Gar, que virou-se na esperança de receber carinho em sua barriga. Parecia mais

fácil que responder a pergunta de Margi.

— Está atrasado. — disse Pete, deixando que Stavis entrasse em seu quarto

pela garagem. Tinha todo o porão da casa para ele (um grande rancho), enquanto

sua mãe e o Banana ocupavam os cômodos de cima. No porão havia três habitações

para seu uso: o dormitório, a sala de exercícios e a sala de recreação, que tinha uma

televisão de plasma de trinta e seis polegadas, presente de seu querido papai.

Stavis se dirigiu ao pequeno refrigerador no canto e abriu uma lata de cerveja sem

pedir permissão.

Pete levantou o Fuzil que tinha escondido atrás do sofá e apontou com ele

na cabeça de Stavis, enquanto este se voltava.

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O garoto soltou um palavrão e retrocedeu tropeçando até trombar com o

refrigerador, derramando um quarto da lata de cerveja.

— Tranquilo, estúpido. — disse Pete, baixando a arma. — Quase se cagou.

— Foda-se Pete, quase me mata de susto!

— Tranquilo, desfruta da sua cerveja.

Pete o observou respirar fundo e tentou não rir. Os olhos de Stavis se

esbugalharam do tamanho de discos de hóquei.

— Me passa uma. — lhe pediu, com a intenção de lhe distrair antes que lhe

urinasse nas calças.

— De onde pegou isto? — lhe perguntou TC, entregando a lata para Pete

com muita precaução, como se temesse que qualquer movimento em falso

acabasse com ele. — É do seu padrasto?

— Porra, não. O Banana não gosta de armas. Pensa que deveriam proibi-las,

já sabe.

— De quem é? De onde você pegou?

— É um calibre 22. Tem um cara da nossa rua que a usa para disparar nos

guaxinins que saem do bosque e reviram seu lixo.

— E ele te vendeu ou alguma coisa assim?

— Não sabe que a peguei — respondeu Pete, sorrindo

— Não acredito. — comentou TC, tragando o resto da cerveja, e Pete lhe

disse que pegasse outra.

— Dessa vez vamos somente nós dois. — acrescentou. — Harris deu para

trás.

Stavis desabou no sofá, afastou o X-box da mesa de centro e deixou ali sua

cerveja.

— O último foi nojento. — disse e Pete viu que passava a mão pelo seu

cabelo, que estava cortado quase zero. — Não imaginava que esses Zumbis

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273

tivessem tanta porcaria dentro. Foi como se amassasse uma melancia apodrecida

ou algo assim.

— Ou algo assim. — repetiu Pete. Stavis ruborizou e começou a suar. —

Está comigo nisto, não?

— Claro que sim, Pete. — respondeu ele, e soltou um arroto bastante

potente para tirar até o pó da tela de plasma. — Já sabe.

— Tenho que saber TC, porque vou acabar com outro deles. Willians é o

ganhador.

— Eu sei cara, eu sei. Estou contigo.

— Não são pessoas TC. Você sabe, não?

— Quem sabe o que são.

— Ninguém cara. Disseram no noticiário que acreditam que seja uma

espécie de parasitas que se metem no cérebro e controla seus corpos mortos. Pode

ser que sejam perigosos. — adicionou Pete, bebendo sua cerveja. — Ficam numa

casa do outro lado do lago.

— Como formigas. — disse Stavis soltando outro arroto.

— Sim, como formigas. Estavam todos ali, então preciso saber que tenho as

costas cobertas. Se Pantynegros ou qualquer outro tentar atrapalhar, terá que se

encarregar deles por mim.

Pete se pôs nervoso somente com o pensamento. Williams era como o líder

extra-oficial dos garotos mortos, igual Pete era o líder extra-oficial de quase todo o

secundário. Se Williams caía, seria bastante fácil se desfazer dos outros, e assim

também se desfaria de Julie. Era como se tivesse saído de seus sonhos para entrar

em sua realidade, lhe havia visto duas vezes desde o incidente no corredor.

— Eu te cobrirei as costas, cara. — disse Stavis, batendo sua lata com a de

Pete.

Perdedor; pensou, mas em voz alta falou: — Genial, cara. já sabe que te

agradeço.

Olhou Stavis e bebeu de sua lata, pensando na ideia de contar tudo sobre

Julie; como haviam se conhecido, o que haviam feito; como havia morrido. Pensou

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em contar tudo, mas Stavis arrotou tão forte a ponto de arrancar a pintura das

paredes.

Pete suspirou perdendo a coragem de contar seus segredos mais profundos.

— Cara; vamos juntos? Te pego às sete e meia.

— Sete e meia. — aceitou TC.

— Vai com a Sharon, não? — perguntou Pete sorrindo. — Já sabe que é uma

puta.

— Oinc, oinc. — disse TC, e Pete riu ao ver que lançava-se a imitar gemidos

cada vez mais obscenos.

— Já sabe que não vamos ter tempo para isso, certo? Temos que deixar as

garotas e ir para a casa dos Zumbis antes que termine a festa, compreende?

— Ahh... — respondeu TC, ainda suarento, com cara de decepção.

— Não se preocupe. — respondeu Pete. — Te conseguirei um encontro com

uma garota de verdade, uma das minhas amigas de Noreich.

— Sim! — exclamou TC, aproximando-se para brindar com Pete, que

deixou. O garoto amassou a cerveja com aqueles dedos grossos e pequenos, e

deixou a lata como se fosse um papel amassado. — Olhe, roubou algumas balas

também?

— Não. — respondeu Pete, entre risadas. — Comprei uma caixa no Wal-

Mart.

— No Wal-Mart, que bom.

— Sim. — respondeu Pete, pegando o controle remoto. Havia comprado

uma caixa inteira de balas, mas só pensava em usar uma.

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CAPÍTULO 28

No fundo Phoebe queria ir de preto. Margi e ela haviam jurado que

nunca participariam de nenhum dos ridículos bailes e acontecimentos sociais que a escola patrocinava no decorrer do ano, mas, por outro lado, tinham o desejo secreto de que, ao menos, alguém quisesse sair com elas. Tinham concordado, sem muito entusiasmo, que se alguma vez fossem, seria com vestidos vaporosos de tafetá negro, com véus e tudo. Irmãs estranhas até o fim.

Phoebe deu a volta diante do espelho que cobria a porta de seu armário,

admirando a forma em que o tecido brilhante (branco e sedoso) estreitava e marcava sua cintura, para depois cair sobre seus quadris.

Voltou-se para olhar-se de frente, contente de ter escolhido no final o

vestido branco. O negro lhe caia genial, mas ir ao encontro com um garoto morto vestida para um funeral não parecia o mais apropriado. Tampouco precisava da avalanche de comentários de seus pais. O pior que tinha aguentado até o momento era o de seu pai quanto ao decote do vestido, que supôs que era mais baixo do que gostaria. Felizmente guardou as piadas sobre a noiva de Frankenstein que com certeza lhe Zumbiam a cabeça como vespas inquietas.

Examinou-se dos pés a cabeça antes de desafiar-se a um duelo de olhares

com seu reflexo. Tinha a pele pálida, porém não doente; não era tão perfeita e uniforme como a de Karen, tampouco apresentava o tom azulado de sua amiga embaixo de certos tipos de luzes. Phoebe era esbelta e apesar de não ter um tipo tão sensacional como o de Karen, era no mínimo atrativa. Jogar frisbee no pátio da escola lhe havia ajudado a dar algumas curvas que a ela pareciam perigosas, e havia adquirido uns braços definidos e pernas que pareciam em falta por ter passado todo seu tempo livre escrevendo poemas góticos.

Olhou-se no espelho no profundo de seus olhos, que eram de um tom castanho esverdeado. Gostava de pensar que tinha veias douradas, e, se as velas de seu quarto tilintavam de forma correta, assim era.

Deu-se conta de que era bonita, na verdade, podia até ser muito bonita. A ideia formou um nó em sua garganta. Quando se afastou da imagem da

bonita garota no espelho, foi para seu caderno roxo de capa peluda e sua caneta que sempre tinha sobre sua escrivaninha; abriu o caderno na primeira página em branco e se pôs a escrever.

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— A limusine foi embora quando o motorista se deu conta que meu filho era um garoto com DFB. — lhes disse Faith, desculpando-se. — Parece que os meninos terão que ir de PT Cruiser.

Phoebe escutou-a falar na cozinha enquanto descia as escadas. Seus pais

estavam de pé ao lado falando com Faith e seu filho Zumbi, que também parecia incomodado. Estava com um traje azul e gravata. Faith a viu chegar e seu rosto se iluminou.

— Phoebe, querida, está preciosa! Preciosa de verdade! — Obrigada. — murmurou. Tinha tanta maquiagem que não era possível

distinguir o rubor na face, mas não havia nada o que fazer pela cor que se estendia por seu pescoço e peito.

— Ela não está linda, Tommy? — perguntou Faith. Tommy se limitou a

olhar Phoebe fixamente. A garota ruborizou, embora lhe devolvesse o olhar. O traje lhe caía muito

bem, a forma em que caía sobre os ombros largos acentuava a força e a calma que para ela era muito atrativa. Tommy sorriu. Pelo canto do olho Phoebe viu que seu pai abria a boca e se preparava para envergonhá-la.

— Eu dirijo. — disse, surpreendendo inclusive ele mesmo. — Se os garotos

não se importarem, claro. Phoebe, espantada por sua repentina generosidade, balançou a cabeça, e

seu pai sorriu. — Que mal educados que somos. Podemos oferecer algo para beber, Sra.

Williams? Café? — Café, sim, muito obrigada. — respondeu ela sorrindo, e ofereceu a mão

primeiro ao pai de Phoebe e depois a sua mãe. — Sou Faith, e acredito que não conhecem meu filho, Tommy.

— Não. — respondeu o pai de Phoebe. — Embora o tenha visto jogar

futebol. Tommy deu um passo a frente e estendeu-lhe a mão. — Sr. Kendall. — cumprimentou, e Phoebe observou cada vez mais

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fascinada. Deu-se conta que seu pai provavelmente nunca havia tocado uma pessoa com DFB. Inclusive sua mãe se atreveu a lhe dar a mão.

— Tommy. — disse seu pai. — Faith, porque não entram um pouco?

A obrigatória sessão de fotos foi incômoda, e Phoebe via que as mãos de sua mãe tremiam enquanto disparava a câmera digital.

Também notou que tiraram poucas fotos. Faith se pôs a disparar como uma

louca com sua câmera até que Tommy comentou que era hora de irem. O pai de Phoebe convidou Faith a acompanhá-los, mas ela ficou com a mãe

de Phoebe para compartilhar um café com biscoitos, um doce que Phoebe odiava, mas que Margi adorava. Ou melhor dizendo, que Margi adorava dar a Gargoyle, que orbitava ao redor da mesa da cozinha com cara de coitado. Phoebe beijou sua mãe e abraçou Faith, que piscou um olho quando se voltou para despedir-se na porta.

Os garotos entraram no grande assento de trás do carro do Sr. Kendall e

riram educadamente de suas piadas de motorista. Ela perguntou-se se, de algum modo, havia tido sorte de sair com um garoto com DFB em vez de um normal, porque sabia que, se tratasse de um vivo, seu pai estaria interrogando-o sem parar, interessado em sua linhagem, seu endereço, o lugar de trabalho de seu pai e o que gostava de fazer em seu tempo livre. Com Tommy havia um muro de silêncio, e seu pai era muito educado para rompê-lo.

— Phoebe me disse que deixou a equipe de futebol. Uma pena; estava indo

muito bem. — Obrigado Senhor. — Me chame de Sr. Kendall. — Obrigado Sr. Kendall. — respondeu Tommy, e piscou lentamente para

Phoebe que sorriu. — Imagino que não foi fácil para você colocar o uniforme sabendo que

haveria certa..., oposição. — Queria jogar..., isso fez com que fosse muito mais fácil. — Fez bem, muito bem. — afirmou o pai de Phoebe, e Phoebe desejou que

dirigisse um pouco mais rápido para chegar ao baile antes de dizer algo estúpido. — E porque saiu então?

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Muito tarde, pensou a garota. — O mundo..., não estava preparado para que um de..., nós..., jogasse na

equipe escolar. Ao menos demonstrei que..., podia fazer. — Acredito que é uma verdadeira lástima e uma injustiça. Deve ser muito

frustrante para você. — Ser..., um Zumbi..., costuma ser frustrante. — respondeu Tommy. — Então, gostam que lhes chamem de Zumbis? — Oh, olha. — interveio Phoebe. — É um cervo, o que há no terreno dos

Palmer? — É que, não sei, parece bastante negativo usar esse nome — continuou seu

pai, sem fazer caso. — Zumbi. Os Zumbis nunca tem sido os bons nos filmes, pelo que me recordo, então duvido que o termo os faça ganhar pontos no terreno político, entende o que digo?

Phoebe fechou seus olhos com força. Dirija mais rápido, pensou, tentando

lhe mandar uma mensagem telepatética a seu pai. Sem sucesso, como sempre, parecia ser imune.

— Não há cruzes queimando. — disse o Sr. Kendall. — E não vejo frutas podres. Suponho que seja um bom sinal.

— Obrigada por nos trazer papai. — respondeu Phoebe, saindo do carro

como pôde. Havia vários carros estacionados onde o ônibus costumava recolher os alunos todos os dias. Viam-se grupos de estudantes conversando, com jaquetas esportivas e cobertas de laços, sapatos brilhantes e polidos ao máximo.

— Divirtam-se garotos. — disse seu pai, enquanto Phoebe lhe dava um

rápido beijo na bochecha. — Quase me esqueço, como vão voltar da festa depois? O coração de Phoebe caiu-lhe aos pés e esperou que ele não notasse. Havia

se esquecido da festa e, como o serviço de limusines não queria transportar Zumbis, os planos haviam ido por terra. Ao falar do baile com seus pais, havia omitido o pequeno detalhe de que se tratava de uma festa com os garotos com DFB.

Phoebe abriu a boca para responder, mas Tommy lhe interrompeu.

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— Chamaremos Adam Layman, Sr. Kendall. Ele nos levará a festa, espero

que não se importe. — Adam, hein? Vai ficar meio apertado em sua caminhonete. — Nós nos arranjaremos; Sr. Kendall. Posso ir na traseira. — Não suje seu traje. Certo, garotos divirtam-se. — Adeus, papai. — continuou Phoebe, esperando que não se desse conta de

como estava aliviada. Pode ser que Adam fosse o único garoto na face da terra que seu pai confiava, certamente porque Adam tinha ataques aleatórios de pura bondade, como limpar a entrada da casa quando o Sr. Kendall estava viajando e assistir filmes com Phoebe ou comer a sopa de cebola da Sra. Kendall. Adam era o favorito ao posto de genro (apesar da óbvia natureza platônica de sua relação com Phoebe), o único problema era que desgostava da ideia de ter que compartilhar os netos com o PDT.

— Volte para casa antes da meia-noite, certo? Não quero que vire uma

abóbora. — Sim, papai. — Boa noite, Sr. Kendall. Alegro-me de tê-lo conhecido finalmente. Seu pai lhe deu a mão novamente, e Phoebe notou que o movimento lhe saía

de forma natural, sem a vacilação da primeira vez que o havia tocado. Algo era algo.

— Eu também Tommy. Divirtam-se. Viram se afastar e Tommy sorrindo; ofereceu-lhe o braço. — Minha mãe tinha razão, está linda. — Você também está muito bonito, Tommy. — respondeu Phoebe aceitando

seu braço. Caminharam em direção a entrada. — Sério que o Adam vai nos levar? — Sim, tudo bem? — Sim, mas talvez eu congele na traseira da caminhonete. Adam e eu não

estamos nos falando. — Ele me comentou algo. Na verdade ele me disse..., que era você que não

estava falando com ele. Ela afastou a vista, pensar em Adam a deixava triste, e não queria estar

triste esta noite. Teria gostado de mostrar seu vestido para Adam antes que

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Tommy chegasse, para que ele lhe dissesse algo bonito e lhe admirasse sem mais. Sempre podia contar com Adam para que a admirasse sem complicações.

Para, pensou. Apertou o braço de Tommy, parecia de pedra. Os grupos de

estudantes que se agrupavam junto a porta se voltaram para olhá-los, alguns sem prestar muita atenção no resto dos que chegavam. Phoebe pensou que estariam mais interessados em criticar seu vestido do que criticar seu acompanhante. Entraram na escola sem problemas, e Tommy não parecia mais incômodo do que a maioria dos garotos que tiravam as camisas engomadas e as gravatas apertadas.

Tommy deu suas entradas a um dos seguranças na porta do ginásio. O

ginásio escuro estava enfeitado com serpentinas e globos, e havia vários focos de luz que apontava os estudantes que dançavam na pista baixa montada para a ocasião. Umas bolas de luz apareceram sobre os braços de Phoebe, projetadas por uma grande bola de espelhos que haviam colocado no teto. O ar cálido do interior cheirava a colônia.

Era o primeiro baile da escola que Phoebe ia e tudo lhe parecia maravilhoso.

Viram a Sra. Rodriguez conversando com a diretora Kim junto a um grupo de pais e professores que protegiam a bacia de ponche. A diretora os viu e se aproximou depois de se desculpar com a Sra. Rodriguez, que os saudou com a mão. Phoebe lhe disse olá.

— Karen e Kevin já chegaram; Tommy. — disse a diretora Kim. — Espera algum outro amigo?

— Adam..., e Thorn já estão aqui. — respondeu — Se foi capaz de juntar..., o

dinheiro..., para pagar o ingresso. — Sinto muito, me referia... — respondeu a diretora, sorrindo com timidez. — Se referia aos meus amigos mortos. — interrompeu ele. Phoebe lhe

apertou o braço. — Tommy; já conversamos antes. Sabe que me parece bem que venha

qualquer estudante. Sabe que faço apenas o que posso para garantir a segurança de todos em Oakvale High.

— Eu sei. Vi os..., carros de polícia..., no estacionamento. — Sempre temos policiais quando há um baile. — Estaduais? O sorriso da diretora não vacilou. Phoebe teve a impressão que Tommy

estava chateando-se, impressão que se confirmou quando o garoto afastou o olhar. — Não virá ninguém dos..., outros.

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— Obrigada, Tommy. E, somente para recordar alguns pontos essenciais de nossa conversa, já que percebo esqueceu-se: se aparecer algum manifestante, o retiraremos daqui rapidamente, a sua acompanhante e todos os demais garotos com DFB que estejam no ginásio — Tommy assentiu, e a diretora Kim sorriu com genuíno carinho. — Bem, agora vão se divertir.

— O que foi isso? — perguntou Phoebe quando a diretora se afastou.

Tommy se soltou dela e deixou suas mãos caírem para roçar as suas. — Quando nos..., ajudaram... depois do assassinato de Evan. — respondeu,

referindo-se as sessões obrigatórias com o psicólogo na escola. — A diretora e um par de advogados que haviam tido que passar todos os membros do grupo de estudantes Zumbis me perguntou o que íamos..., fazer. Disse-lhes que viveria..., minha vida e continuaria trabalhando. Disse-lhes que você e eu iríamos juntos ao baile. Disse-lhes que você e eu..., dançaríamos.

Phoebe assimilou as palavras. — Mas ela temia que houvesse um protesto, não? — Ou algo pior. Prometi..., que iríamos embora ao primeiro sinal..., de

problemas. — Então converter-se em uma abóbora é uma possibilidade real. — disse

Phoebe suspirando. — Como? — Dá na mesma. Phoebe viu Karen atrás de Tommy, estava na borda da pista de dança,

movendo-se com uma elegância que qualquer pessoa viva invejaria. Usava um vestido azul que colava-se ao corpo, com um cinto amarelo amarrado na cintura. Quando girava, coisa que fazia frequentemente, a barra do vestido subia a uma altura quase indecente e deixava suas assombrosas pernas a mostra. Kevin estava de pé diante dela com um traje negro estilo saco e uma horrível gravata de cor marrom, movendo-se e balançando os braços a cada sétima e oitava nota. O braço esquerdo parecia mover melhor que o direito.

— Olha! — disse Phoebe, mas Tommy já caminhava para eles. — Olá, garotos. — saudou Karen, no momento em que um conjunto de luzes

prateadas passava por seu rosto, depois que a bola de espelhos refletiu. — Phoebe, está impressionante. E que bom par encontrou. — seus olhos pareciam mais cristalinos, brilhavam como estrelas embaixo das deslumbrantes luzes do salão.

— Obrigada, Karen. — respondeu Phoebe — Acho que você é a garota mais

linda que eu já vi na minha vida.

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Karen riu, acariciando-lhe o braço com uma mão que deslizava ao ritmo da música.

— É um encanto. Apenas tentando trazer de volta a vida meu acompanhante

— afastou a mão da pele de Phoebe, que notou um formigamento onde a havia tocado.

Depois fez um gesto languido que embarcava todo resto dos dançarinos —

E a todos os garotos na intenção de deixá-los mortos. — Bom, a verdade é que está linda..., de morrer. — repôs Tommy. — Muito gracioso. — respondeu ela, piscando. — Você tampouco está mal. A experiência de Phoebe em tais assuntos era bastante limitada, mas lhe

dava a impressão que estavam flertando diante dela. — De morrer. — adicionou Kevin, e todos gargalharam. Karen agarrou Phoebe pela mão. — Dança comigo. — lhe pediu, e ela o fez. Margi chegou uns vinte minutos depois com um vestido rosa com adereços

negros: laços negros atrás, um cinto negro e sapatos negros. Levava uma flor negra presa em seu cabelo rosa.

O vestido era ajustado e favorecedor, se para o pai de Phoebe seu decote

havia parecido atrevido, não teria deixado Margi sair de casa com o que levava vestido. Phoebe achou que estava genial, e também a Norm, a julgar pela forma que secava o suor da testa com a mão a cada minuto.

— O carro do Norm não queira funcionar em casa. — explicou Margi. —

Meu pai teve que ajudar. — Norm Lathrop parecia desgarrado e nervoso atrás dela, nadava em seu traje e tinha os olhos muito abertos atrás das grossas lentes de garrafa.

Phoebe abriu a boca para responder, mas Margi foi mais rápida e aguda. — Nada de brincadeiras, por favor! Tenho o resto da minha vida para

aguentá-las. — Phoebe riu e a abraçou. — Norm, estes são alguns amigos que te falei. Já conhece Phoebe. Tommy, Karen e Kevin, estão todos mortos.

Phoebe ficou pasma, mas Kevin cumprimentou-o e Karen lhe lançou um

beijinho sem deixar que a brusca apresentação de Margi os incomodasse. Tampouco deixaram de dançar.

Norm devolveu a saudação e esticou o braço para aceitar a mão de Tommy e

sacudi-la como se fosse uma serpente com intenção de matá-lo.

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— Com cuidado, Norm. — lhe disse Tommy. — Nos rompemos..., facilmente. — Meu Deus; sinto muito! — exclamou Norm, soltando a mão como se

tivesse sido mordido. Margi lhe deu um tapa no ombro. — São piadistas, Norm, relaxe. Então colocaram uma música conhecida no baile, e Margi começou a se

contorcer, roçando Phoebe com os quadris e depois ao pobre Norm, que parecia a ponto de derreter aos seus pés.

— Lembre-se do que te disse Normie: quando está comigo, tem que dançar. Norm fez o que pôde e conseguiu meter-se no irregular círculo de amigos

para praticar seus movimentos ao lado de Kevin, certamente porque supõe-se que não podia parecer torpe ao seu lado. Phoebe sorriu ao pensar no equivocado que estava.

Meia hora depois ela estava ofegante e suando, enquanto seus amigos

pareciam tão frescos e ativos como sempre; no caso de Kevin, não era muito para se dizer, mas Karen e Tommy estavam ótimos.

Ela se desculpou e foi em busca de uma cadeira com o resto dos estudantes.

O DJ colocou um rap muito popular com um ritmo agressivo, assim a garota se alegrou de ter escolhido aquele momento para se sentar como uma covarde.

Achou uma cadeira, e observou como Tommy e Karen compartilhavam uma

brincadeira, movendo-se quase, mas não tão bem assim, ao compasso da música..., igual a maioria dos estudantes vivos. Kevin sorria de orelha a orelha, fazia o que podia, mas somente recebia um ou outro empurrão de Norm, que dançava cada vez mais com atrevimento... ou com maus espasmos, segundo quem olhava. Margi saudou Phoebe com a mão e riu de algo que Karen disse, enquanto esta última executava um sinuoso movimento que, sem dúvida, podia devolver a vida aos mortos.

Não sabia se estava alegre ou triste em momentos como aqueles, então

decidiu que um pouco dos dois. Ao menos estavam ali há quase uma hora e ninguém havia lhes lançado sangue de porco.

Olhou ao seu redor em busca de Adam, surpresa por não ter visto ainda seu

enorme corpo desajeitado sobre o resto dos estudantes. Nem havia vestígio de seu nome. Adam era muito bom para perder tempo com uma tonta devoradora de balas como ela.

Falando de tempo perdido, desejava não ter se desentendido com ele. Não

estava sendo justa. Ademais, havia passado apenas uma semana de sua explosão e já estava com saudades. Ele não gostava de estar em um baile e nem sequer viu-o compartilhar uma piada juntos.

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— Olá, Phoebe. — disse uma voz grave atrás das notas altas e de seus

pensamentos, era Harris Morgan, o colega de Martinsburg, o garoto que havia feito sangrar o nariz no bosque, deu um passo em direção a ela. — Olá, — repetiu.

— Me deixa em paz. — respondeu Phoebe tentando se levantar, mas ele se

colocou em sua frente, assim teria que lhe roçar se quisesse sair. A cadeira estava contra a parede e não podia ir a nenhuma parte. — Não é isso. — ele disse. — Então o que é? — se chamasse Tommy, será que ele ouviria por cima da

risada de Karen? Se calhar estaria tão entusiasmado observando Karen, embriagado pelo sutil aroma de lavanda que desprendia da pele da garota morta quando girava.

— Só queria falar com você para lhe advertir. — Fala. — Acredito que Pete e TC estão tramando algo. — Sério? Estão gabando-se de seu primeiro serviço? — seu tom era

depreciativo, mas tinha a certeza de que Martinsburg (e certamente o imbecil que estava em sua frente) eram os responsáveis pela destruição definitiva de Evan Talbot.

Decidiu que chamaria Tommy, aconteça o que acontecer. Se Harris

inventava algo, se levantaria e lhe daria um empurrão com todas as suas forças. Morgan sacudiu a cabeça e levantou os braços.

— Não, não, acredito que estão planejando algo sério. Vão machucar alguém. Seus amigos e você.

— E porque se importa? — ela perguntou, levantando-se e afastando seu

corpo. Já o havia derrubado antes e podia voltar a fazer, com vestido bonito ou sem ele. Depois iria embora e deixaria que todos os Zumbis vivos e mortos se divertissem como quisessem.

— Só queria avisar, nada mais. — respondeu Morgan, sacudindo a cabeça.

Depois se virou para partir. — Olhe, está aqui? Pete e o grandão? Estão no baile? — Vão vir. Ficaram olhando-se por um tempo, até que Harris afastou o olhar e voltou

ao grupo de estudantes que davam voltas na pista de dança.

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Phoebe desabou na cadeira e não se deu conta de que haviam posto umas

luzes mais tênues para a primeira canção lenta do DJ. — Phoebe. — lhe chamou alguém. Era Tommy, e parecia incomodado pela

primeira vez àquela noite, abrindo passo entre os garotos que fugiam da pista de dança enquanto outros entravam. — Quer..., dançar comigo?

Phoebe sorriu e aceitou sua mão.

— Que nojo. — disse Holly. Adam viu ao que se referia: Tommy Williams levando Phoebe para a pista para dançar uma música lenta, uma canção antiga de Journey. A reação de Adam foi distinta, mas não compartilhou com ela. — O que acontece com a sua amiga? — perguntou Holly. Adam pensou que se tratava de um plano para que lhe tirasse para dançar, só que estava indo muito mal. Nem se molestou em responder. Observou Thorny tirar sua garota, que não parava de soltar risadinhas, para dançar. Embora Haley Rouker fosse do terceiro, era uns trinta centímetros; mais alta que Thorny. A garota era estrela do lançamento da equipe Lady Badgers e Adam tinha a impressão de que formavam um casal estupendo, ao menos pela personalidade. Ela era muito atlética, embora tímida, enquanto Thorny fazia todo o possível por ser atlético e era uma das pessoas menos tímidas que conhecia.

Thorny havia tentado aproximar-se de Adam, mas Holly se colocava difícil

porque não o aprovava, nem a sua acompanhante. A garota preferia estar com gente como Tori Stewart e Pete Martinsburg, que acabavam de chegar ao baile a cinco minutos.

Adam viu como Phoebe colocava suas mãos sobre os ombros de Williams e

como o garoto morto apoiava suas mãos nos quadris de Phoebe. Queria afastar a vista, mas não podia tirar-lhes os olhos de cima.

Parece contente, pensou. — E porque essa garota vai querer dançar com um garoto morto? —

perguntou Holly, que era perfeitamente capaz de manter uma conversa consigo mesma, como bem sabia Adam. — Eu me surpreendo que deixem entrar aqui os mortos, é asqueroso. Esse garoto dança como um bicho pisoteado. E a garota...

— Olhe; Holly. — Sim, Adam? — ela perguntou, levantando o olhar. Ao ver que estava na

expectativa, Adam sentiu-se um pouco culpado, embora não o suficiente para

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mudar de ideia. — Acredita que Tori possa te levar para casa? Não me sinto muito bem,

acredito que vou embora. Não esperou a resposta, simplesmente se voltou e a deixou ali de pé, com

seu bonito vestido amarelo, boquiaberta e muda.

— Bom, já fizemos o ato de presença. Vamos. — disse Pete. — Olhe; o que se passa com o Zumbi? — perguntou TC, lhe dando uma

cotovelada nas costelas. TC apontava Williams, que dava voltas lentamente pela pista com

Pantynegros. Sharon e Tori soltavam risadas atrás dele, e Pete se arrependeu de lhes dar a garrafa de licor durante a viagem.

— Quer ir tocar-lhe os narizes? — perguntou TC alto o bastante para se

fazer ouvir acima da música. — Agora não, pronto. Não era somente Williams. A seu lado estava a Zumbi cadela e outro garoto

Zumbi da lista, que se movia como um bicho se retorcendo. — Então, garotas. — disse voltando-se para Tori, porque Sharon não tinha

muito boa pinta. — TC e eu temos que fazer uma parada que não contávamos. Tori fez beicinho, cambaleando um pouco quando foi lhe beijar. Pete lhe deu

um beijo e notou o sabor do licor de menta em seus lábios. TC e Sharon se engancharam como um par de polvos fazendo luta livre. Pete se perguntou se haviam acabado com a garrafa inteira.

— Aonde vão, garotos? — perguntou Tori. — Missão especial. — respondeu ele. — Temos que fazer uma brincadeira com alguém. — adicionou TC,

soltando-se de Sharon — Vamos ac... — Pegar mais bebida. — disse Pete, e olhou TC firme o suficiente como se

fosse acabar com sua bebedeira a golpes. Ele fechou a boca e soltou Sharon. — Nos vemos depois. — concluiu Pete, dando outro beijo em Tori.

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Quando iam, Pete viu Adam do outro lado do salão, aproximando-se deles;

Adam os viu e parou em seco. Pete sorriu e apontou o dedo como se fosse uma pistola para Layman, e o

grandão pôs uma cara de quem recebeu um soco no estômago. Pete piscou um olho e apertou o gatilho imaginário, fingindo que lhe disparava na cabeça, depois saiu dali com TC.

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CAPÍTULO 29

O plano era se encontrar com Adam na rua as dez, mas Phoebe não o

havia visto a noite toda. Seu par estava ali em um canto com duas animadoras de

torcida. O que estaria acontecendo?

— O que fazemos se Adam não vem? — perguntou a Tommy, que dançava

ao seu lado em um círculo composto por Karen, Kevin, Margi e Norm.

— Ele veio. Já o vi conversando com sua acompanhante.

— Não o vi a noite toda. E é difícil ele passar despercebido. ― de fato não

passava despercebido para ela de qualquer jeito, havia estado procurando-o a

noite inteira, desejando que estivesse ali dançando ao seu lado. Não o imaginava

dançando, mas gostaria de vê-lo.

— Norm tem..., carro. — respondeu Tommy. — Thorny também. A sua

garota não me lembro.

— Vou ver se Adam está lá fora. — disse ela. — Agora mesmo.

Oakvale seguia a regra de não permitir que saíssem do baile para evitar o

mau comportamento de alguns no estacionamento, mas a diretora Kim amava os

garotos tão bem educados e nerds como Phoebe, então após cinco minutos de

negociações saiu correndo dali. Havia uma garota sentada nas escadas de pedra

chorando baixinho e observando os policiais que vigiavam o lugar. Viu alguns

carros estacionados na esquina, e um deles era a caminhonete do PDT. Adam

estava retraído no assento, admirando o céu noturno.

Encontrá-lo ali sentado, tão firme e confiável, fez com que deixasse de se

sentir zangada com ele.

Correu para a caminhonete o mais rápido que pode; chamando-lhe.

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Ele baixou o vidro e o volume do seu CD do Van Halen.

— Olá, Phoebe. — lhe saudou com entusiasmo.

— O que aconteceu?

— Perdi minha acompanhante.

— Sério?

— Sério. Gostei do vestido, parece a luz da lua. Fantasmal. Pode ser que

esteja espectral. Brilhante.

— Adulador. — respondeu ela sorrindo. — Obrigada.

Olharam-se em silêncio durante um momento e era estranho para Phoebe a

distância que se notava entre eles. Quase tinha se esquecido o quão dura e estúpida

havia sido com ele.

— Olha, Adam...

— Sinto muito, Phoebe. — ele interrompeu. Adam era tão grande, tão

seguro de si mesmo e tão maduro, que sempre lhe havia parecido muito maior que

ela. No entanto, em seus olhos podia perceber algo, um ponto vulnerável que nunca

havia visto antes.

— Não, Adam, eu fui...

— Esqueça. — disse ele sacudindo a cabeça. — E não se preocupe. Mas será

melhor que vá ficar com seus colegas mortos, porque estes policiais têm tentado

me assediar algumas vezes.

— Assediar? — repetiu Phoebe, rindo. Era como se os fortes braços de seu

amigo houvessem lhe retirado um peso das costas. — Sério que tem te assediado?

— Sim senhora; assediado, como tenho dito.

— Tem um vocabulário muito bom para quem não terminou o Morro dos

Ventos Uivantes.

— Já terminei — respondeu ele, sacudindo o livro que tinha no assento. —

Sou um homem culto.

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— Bom para você.

— Sem dúvida. E, olhe, sobre o assédio era brincadeira. Divirta-se o quanto

queira. Parecia que estava tendo um bom momento.

Havia algo estranho no seu comentário, mas Phoebe não conseguiu

identificar. O que tinha visto, e ela não?

— Sim, é verdade, os garotos mortos também. Tinha que ver como dançava

o Kevin.

— Eu vi. Dança melhor que eu.

— Eu duvido. Ainda mais depois do caratê e O morro dos ventos uivantes.

Prosa romântica e elegância? Será o terror das meninas na pista de dança.

— Yep.

Algo para se preocupar, agia como na noite em que havia pedido para

jogarem Frisbee e não tinha aceitado compartilhar o que o incomodava. No

entanto, ela o conhecia bem o bastante para dar-se conta de que, por mais que lhe

incomodasse, não partilharia, somente contaria no seu tempo..., se alguma vez o

fizesse.

— Tudo bem. — disse ela, e deu duas palmadas na porta da caminhonete. —

Irei perturbar um pouco ali fora e começar a festa.

— Genial, nos vemos daqui a pouco.

— Até mais.

Estava subindo as escadas quando seus amigos saíram em grupo do prédio.

Os ombros de Kevin se moviam e se agitavam como se o ritmo estivesse

impregnado nele para sempre. Tommy se adiantou para falar com ela.

— Margi disse que Norm gostaria de nos levar. Disse que Norm..., tem

inclusive..., menos atitudes sociais que a maioria dos Zumbis. — explicou o garoto,

imitando na última parte a forma rápida de falar de Margi.

— Que Deus te abençoe. — comentou Phoebe, observando Karen cutucar o

pobre Norm por algo que o garoto tinha dito. — Mas Adam está ali.

— Oh, eu vou com Adam! — exclamou Karen, despedindo-se com a mão. —

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291

Os vejo na Casa Assombrada..., ou não.

Kevin pareceu não se importar, era como se tentasse fazer a perfeita versão

Zumbi da dança do robô, um espetáculo muito estranho sem música, então Phoebe

seguiu Tommy e os demais até o carro de Norm.

Phoebe olhou para trás uma vez e viu Karen entrar praticamente aos pulos

na caminhonete.

Será bom para ele, pensou, embora, na realidade, não estivesse segura. Não

estava nada certa do que pensar a respeito.

Norm era um motorista muito precavido (e muito menos hábil) que Adam, e

provavelmente levar um par de Zumbis no assento de trás o deixou nervoso, mas

geralmente não o convidavam para as festas, então conseguiram chegar. Chegaram

justo quando Adam e Karen subiam as escadas da varanda.

Phoebe foi a primeira a subir e viu Mal, cujo enorme corpo tapava a entrada

da porta, saudando-os com um absurdo movimento de quatro dedos.

— Como..., foi..., o..., baile? — ouviu-o perguntar.

— Genial. — respondeu Karen, agarrando a mão de Adam para colocá-lo

para dentro. — Ninguém nos lançou garrafas, nem pedras, nem sequer nos

insultaram. É possível que Kevin..., tenha pisado no dedo gordo de uma menina,

mas isso foi o mais violento da noite.

No lado de dentro os mortos dançavam seguindo o ritmo de uma música no

volume máximo que ressoava por toda a casa. Phoebe nunca havia visto antes

tantos Zumbis juntos. Devia haver ao menos duas dezenas de garotos balançando-

se e sacudindo-se embaixo dos enfeites e luzes, e isso somente na entrada e no

salão.

— Gostou? — perguntou Karen, soltando-se de Adam por um momento. —

Pedi ao meu pai para comprar as luzes. E olha a bola de discoteca. Não é..., bonita?

— Um grande trabalho Karen. — respondeu Phoebe. Viu Colette dançando

sozinha em um canto. Lembrava uma hippie extasiada de uns dos filmes de

Woodstock que seu pai a havia; forçado a ver há alguns anos.

Karen não esperou uma resposta e agarrou Adam para levá-lo ao centro do

Clube Morto e dava voltas ao seu redor, fazendo que a bainha de seu vestido se

elevasse de forma provocativa. Para surpresa de Phoebe, Adam começou a

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movimentar os braços e pernas.

— Minha mãe. — disse Norm, que estava tão pálido quanto os garotos

mortos na sala.

— Respira fundo. — aconselhou Tommy. — Te apresentarei..., a todos.

Tommy lhes apresentou algumas pessoas que estavam na entrada, a

maioria inexpressiva, e ao parecer pouco interessadas neles.

A música era incessante, mas as luzes estroboscópicas percorriam o lugar

em ondas intermitentes, o que fazia com que os dançarinos parecessem mais

torpes e estranhos. A imagem confundia Phoebe. Saudou e apertou um par de mãos

frias, embora tivesse a impressão que alguns Zumbis não estavam muito contentes

em vê-la. Por outro lado, Tommy sim parecia muito feliz, presumiu ela.

Talvez sejam as luzes e a música, pensou.

Alguém agarrou Tommy pelo ombro.

— Tayshawn! — exclamou Phoebe. — Com está?

Ao invés de responder Phoebe, o garoto falou diretamente com Tommy.

— Takayuki..., quer falar..., com você. — disse. — Cada dia..., chegam..., mais.

Phoebe viu que Tommy passava de festivo a sério em um milésimo de

segundo.

— Onde está? — perguntou. — Lá em cima? — Tayshawn assentiu, e

Tommy se voltou para ela. — Volto em um instante.

Phoebe o viu subir as escadas escuras, imaginando Takayuki pendurado de

cabeça para baixo dentro de um armário de um dos quartos.

Brrr; pensou e voltou a contemplar os dançarinos. Semicerrava os olhos

cada vez que chegava a luz brilhante. Quase todos se moviam, embora fosse difícil

saber se se divertiam, porque a maioria deles mantinha sua expressão

imperturbável enquanto se retorciam e sacudiam-se. A exceção era Colette, que

cada vez sorria com mais naturalidade. Estava no canto conversando com Margi e

Norm.

Thorny chegou com sua acompanhante quando Tayshawn descia as

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escadas, sozinho.

— Tayshawn! — exclamou, levantando a mão para bater. — Como está,

cara?

Tayshawn o deixou com a mão pendurada e seguiu andando pela a pista de

dança para o outro quarto, onde estava a equipe de som.

— Não viu. — disse Thorny, justo antes de ver Phoebe. — Olá Phoebe,

conhece Haley Rourke? — perguntou, conduzindo Haley ao interior da habitação. A

garota parecia aterrorizada. Phoebe lhe disse olá, mas ela não moveu nem um

músculo.

— Thorny. — lhe disse Phoebe ao ouvido. — Tinha lhe contado que haveria

um monte de garotos com DFB?

— Hã? — respondeu ele, movendo os braços ao som de uma canção que

começava a tocar. — Eu deveria ter dito?

A garota se dispôs a responder, mas viu Tommy e Takayuki descendo as

escadas. Tak seguiu caminhando para a porta principal.

— Está tudo bem? — perguntou Phoebe a Tommy.

— Sim, estão chegando..., mais garotos. Alguns..., para a festa. Outros..., para

ficar.

— Isso é bom, não? Quanto mais, melhor. — queria perguntar sobre

Takayuki, mas não o fez.

— Sim, embora pudessem fazer com que se..., fixassem em nós.

— Não é isso que quer? Que se fixem?

— Ao que se refere?

— Ao blog. A jogar futebol e as demais coisas. Sua intenção não era chamar

atenção para sua causa?

Estava a ponto de adicionar e sair com uma garota tradicional, mas não fazia

falta, porque o sentimento era óbvio; parecia flutuar entre eles durante todas suas

conversas.

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— É..., importante que..., as pessoas entendam nossa situação. — respondeu

ele, após um momento. — O que acontece conosco.

— E isto ajudará?

— Se calhar, mas nem todos vêem..., as mesmas oportunidades que eu.

— Tak?

— Sim. E Tak..., não está sozinho.

Naquele momento tocou uma balada, e muitos dos Zumbis presentes ou

não, se dirigiram aos seus pares. Phoebe viu alguns Zumbis, um deles um garoto

com um traje muito grande, juntar-se em um torpe abraço.

Norm estava um pouco inclinado para apoiar a cabeça no ombro de Margi,

de maneira que algumas pontas rosa do cabelo da garota se misturava as

extremidades do cabelo do garoto e se mexia com os olhos fechados. Haley Rourke

se aferrava a Thorny, que era muito mais baixo, como se fosse a última tábua livre

em um mar agitado.

Olhou Tommy, que examinava a habitação vendo como sua gente se

abraçava embaixo da luz apagada da bola de discoteca que tinha acima. Convidou-a

para dançar como se ocorresse no ultimo momento.

— É melhor irmos a algum lugar para continuar conversando?

— Esta casa..., está cheia de Zumbis. — respondeu ele, conseguindo fingir

uma expressão de nojo que lhe fez sorrir.

— Certo.

— Um passeio pelo bosque? Como quando nos conhecemos?

— Como quando nos conhecemos. Boa ideia, embora faça um pouco de frio.

Tommy lhe deu sua jaqueta, e ela notou um sutil aroma que a princípio lhe

custava reconhecer, mas que era Z, a colônia que haviam comprado no shopping...

O perfume para o homem morto ativo.

Saíram pela porta de trás, em direção ao bosque.

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Adam deu a volta com delicadeza em sua parceira de dança e pôde olhar

pela janela do salão e ver Tommy e Phoebe entrarem no bosque de Oxoboxo. Karen

o agarrava com força. O garoto conteve a respiração quando desapareceram por

trás das árvores, tragados pela escuridão. Perguntou-se se aquilo era o que se

sentia ao estar morto.

Espero que saiba o que faz; Pheeble, pensou. Não, espera, espero que não

tenha nem ideia do que fazer. Espero que...

— Ela não sabe, não é? — perguntou Karen, rompendo o fio de seus

pensamentos.

— O que?

Os olhos de diamantes de Karen brilhavam como estrelas.

— Phoebe. — continuou. — Não sabe o que sente por ela, certo?

— Não, como você sabe?

— Sou telepatética. — respondeu a garota, encolhendo os ombros. Baixou

as ásperas mãos de Adam, seu corpo parecia vaporoso e frágil, e seus ossos como

de um pássaro. Karen apertou o rosto contra o peito de Adam: — Na realidade é

por uma combinação de fatos: sua linguagem corporal; a forma que a olha quando

está com ela; a forma em que a observa quando ela não sabe que está olhando; sua

expressão quando não está com ela; como suaviza essa cara séria que tem quando

conversam. Essas coisas.

— Ah, minha cara séria. Sempre me trai.

— Adam, escuta. — insistiu ela, olhando fixamente com aqueles olhos

capazes de cortar diamantes. — Não espere morrer para amar.

— Grande conselho. O que quer dizer exatamente?

— Quero dizer que tem que encontrar um momento oportuno para lhe dizer

o que sente.

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— O momento oportuno para ela ou para mim?

— O momento oportuno, no geral. — ela respondeu, e Adam notou o sutil

movimento de sua delicada estrutura óssea debaixo de suas mãos. Olhou pela

janela, onde as sombras pareciam se mover entre as árvores.

— E Tommy?

— Tommy é Tommy. — respondeu ela rapidamente. — E o que você sente

não é problema do Tommy, não? — adicionou Karen. Adam pareceu notar algo

estranho em sua voz.

— E seus sentimentos? Sente algo por Tommy?

— Sinto algo por muitas pessoas. — respondeu ela, rindo e o abraçando

novamente. — Gente morta, gente tradicional, de todos...

— É uma garota especial, Karen. — disse Adam rindo e lhe acariciou o

cabelo. Sem pensar, colocou uma mecha atrás de sua orelha com a ponta dos dedos

e inclinou-se para lhe dar um beijo na bochecha. Foi um ato impulsivo que apenas

se deu conta ao notar a fria e suave pele em seus lábios, só então recordou quem

era e o que ela era.

— Oh. — disse Karen. — Oh, obrigada, Adam.

As reluzentes estrelas de seus olhos brilharam novamente, como se não se

limitasse em apenas refletir a luz, mas sim projetá-las.

— Não, obrigado a você. — respondeu ele, lhe dando um abraço e soltando-

a.

A canção se tornou mais frenética, e ele abriu passo entre os mortos em

direção a porta dos fundos.

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CAPÍTULO 30

Pete não acreditava em sua boa sorte. Embora TC estivesse meio bêbado

e cheirasse licor de menta, haviam conseguido encontrar o lugar depois de um

curto passeio pelo bosque, depois de deixar o carro escondido aonde iam se

encontrar com as garotas. As estradas que rodeavam Oxoboxo estavam repletas de

desvios sem saída, e ele conhecia todos.

Acabavam de chegar quando apareceu a caminhonete destroçada de Adam e

um segundo carro, no qual iam Pantynegros e Williams. Para divertir-se, tinha

sacado a arma e havia apontado para o grande Zumbi na varanda, bem na cabeça,

para ser mais exato, no Zumbi que parecia ter um pedaço de vela derretida sobre

os ombros.

Pop, pensou Pete, depois apontou para Karen e Adam enquanto subiam as

escada. Então, TC esteve a ponto de delatá-los com um forte arroto.

— Cale-se idiota. — disse Pete entre dentes.

— Que? — perguntou TC, sorrindo. — A música está no máximo e, de todos

os modos, ninguém vai nos ouvir.

Pete tinha vontade de romper sua cabeça com a coronha da arma, de socar

sua cara sorridente. Voltou-se e vi que Tommy já havia percorrido metade das

escadas e estava no centro de um grupo de pessoas. Pantynegros estava com ele,

junto com os garotos de sempre. Também um tonto que lembrava vagamente de

ter sacudido em algumas de ocasiões.

Apontou para Tommy. Enquanto os demais sonhavam acordados com o

muito que se divertiriam no grande baile da escola, ele havia passado a semana

disparando em latas e a diferentes bichos do bosque atrás de sua casa. Inclusive na

chaminé dos Talbot, só para retirar o pó.

Tinha o dedo sobre o gatilho, sem apertar.

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Na cabeça, pensou, entrecerrando os olhos.

— Porque não atirou? — perguntou TC quando Williams entrou na casa.

Pete suava, notava as axilas e o pescoço umedecidos. TC e ele tinham trocado de

roupa e usavam jeans e sapatos escuros para a missão.

— Não tinha uma visão limpa, estúpido. — respondeu, apoiando as costas

em uma árvore.

— Então, o que fazemos?

— Esperamos.

— Mas tenho que urinar. — respondeu TC, choramingando.

— Pois vá urinar! Mas não faça barulho!

TC se afastou arrastando os pés com a elegância de um alce.

Depois esperaram, viram chegar o girino do Harrowwood e sua garota

girafa, e depois um cara com pinta de Heavy com um exagerado sorriso de

felicidade saiu e se meteu no bosque na direção oposta. Pete achou seu rosto

familiar.

— Era isso um Zumbi? — perguntou TC.

— Não sei, talvez.

— Olha! — exclamou TC, levantando-se de um salto.

— Que?

— Acabaram de sair pela porta de trás!

— Quem? Williams? — perguntou Pete, pegando a arma do chão antes de

levantar-se.

— Sim, e a garota gótica! Meteram-se no bosque.

— Ok, tem que ter um caminho por aqui. Nós nos moveremos entre as

árvores até que os encontremos. Quando os alcançar, você pega a Julie e eu estouro

os miolos do garoto morto.

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— Sem problema. — respondeu TC, mas Pete já estava em marcha, olhando

a casa a cada três passos, no caso de mais amantes Zumbis decidirem sair para dar

uma volta a luz da lua.

— Olhe. — disse TC enquanto davam a volta. — Quem é Julie?

Pete tencionou um músculo da mandíbula, mas não respondeu.

A luz da Lua não ajudava muito, porque sua luz refletida projetava uma

tenebrosa penumbra através dos ramos nus das árvores, mas não queria pedir a

Tommy que lhe desse a mão. Não sabia que sinal devia lhe enviar. Já estava vestida

em sua jaqueta, perfumada com Z, e com esse sinal já bastava, apesar que na

realidade, somente significava que tinha frio.

— Os saltos estão pesados para o bosque. — disse, parando para retirar os

sapatos.

— Nem as meias. — respondeu Tommy, ela estava de acordo, mas não

parecia boa ideia retirá-las. O garoto emitia um brilho tênue. — Te contei alguma

vez como morri? — Phoebe negou com a cabeça, embora não estivesse muito

segura se podia vê-la. — Em um acidente de carro. Meu pai dirigia. Um motorista

bêbado passou um farol vermelho e..., bateu em nós. O bêbado sobreviveu, mas

matou o meu pai. — ouviu um ruído que devia ser de uma risada seca ou um

suspiro; difícil saber no escuro. — E a mim também.

— Sinto muito.

— Meu pai morreu instantaneamente. Eu demorei um pouco mais. Uma de

minhas costelas havia perfurado um pulmão, então acabei..., afogando-me em meu

próprio sangue.

— Tommy, isso é horrível.

— Não foi um passeio pelo campo, não. — respondeu ele. Pegou sua mão e a

levou até um banco de pedra que havia junto da trilha. Ela deixou que lhe guiasse.

— Foi a noite, em um..., cruzamento diante de uma grande igreja. Via o campanário

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através do parabrisa destroçado. Demos várias voltas e acabamos em frente a esse

campanário. Levantei o olhar e..., rezei para que meu pai continuasse vivo. Recordo

de rezar por isso porque sabia que eu não tinha esperanças e não queria que minha

mãe ficasse sozinha. — Phoebe apertou sua mão, sem se importar com os sinais

que pudesse enviar. Tommy nunca lhe havia parecido tão vulnerável. — O

primeiro que pensei quando..., voltei foi que Deus havia se equivocado. Pensava:

Não Deus, eu não, meu pai. Eu te pedi para salvar o meu pai.

— Faith deve ter se alegrado muito quando voltou. — disse Phoebe.

—Dallas Jones já havia ficado..., famoso e ela disse que sabia que eu...,

voltaria.

— Faith tem fé. — disse Phoebe. — E você?

— Voltar explica..., certas coisas. E converte outras..., em um mistério. Algum

dia..., tentarei..., te contar.

Phoebe sentiu-se com calor. Afastou o rosto para olhar o bosque escuro,

mas ele apertou sua mão com força.

— Porque acredita que os... Zumbis..., como Karen e você são tão diferentes

dos demais? Quero dizer, porque pode correr e jogar futebol e Karen pode dançar e

beber café, enquanto a pobre Sylvia lhe custa até andar? Sua morte foi tão violenta

como de qualquer outro.

— Acreditava que fosse óbvio.

— Certo, mas eu sou um pouquinho lenta. Por quê?

— Por amor.

— Por amor? — repetiu ela, desejando poder ver melhor seu rosto.

— Por amor. Vivo com minha mãe, que me ama. Karen tem seus pais e sua

irmã. Os pais de Evan o amavam..., de maneira incondicional. É a única diferença

entre os outros garotos como Colette. Seus pais fugiram da cidade quando

retornou.

— Sim. — disse Phoebe, surpresa e envergonhada por não ter percebido o

vínculo. — Sylvia? Tayshawn?

— Sylvia estava em St. Jude, junto com Colette e Kevin, e agora estão

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melhorando com a Fundação. Em St. Jude cuidam deles, mas eu não chamaria de

amor. Tayshawn ficou um tempo..., com sua avó em Norwich, mas não funcionou.

Phoebe tinha o pulso a mil por hora enquanto buscava a resposta correta.

Embora quisesse dizer-lhe algo, algo que o aliviasse, a única resposta que lhe

ocorria era a única que não estava preparada para dar. Tinha a impressão que

Tommy era consciente disso.

— Somente..., acreditava. — disse. — Acreditava que..., se..., se conhecia uma

garota..., uma garota de verdade..., que me amasse..., me beijasse..., melhoraria...,

muito mais.

Lá vamos nós outra vez, pensou Phoebe, voltando-se para ele. Havia dito

uma garota, não Phoebe, sim uma garota.

— Tommy...

— Eu sei. Acredite..., sei..., o que te peço.

Voltou-se e olhou em seus estranhos olhos, e ela pensou que podia ver toda

a dor e sofrimento no mais profundo de seu olhar. Toda a dor e sofrimento de

alguém que havia morrido tão jovem, antes de experimentar as coisas que os

jovens vivem.

— Acredito. — repetiu, aproximando-se mais dela. — Que se te..., beijasse...

Phoebe abriu a boca para responder, mas escutou um ruído no bosque,

atrás deles, e notou que alguém levantava atrás do banco.

Estava a ponto de beijá-lo, pensou Pete. A cadela da Julie estava a ponto de

entregar-se a este cadáver infestado de vermes.

— Como pôde Julie? — sussurrou quando saiu a vista, a poucos metros

deles. Havia enviado Stavis por trás, de modo que se dirigia ao esconderijo de Pete

quando ouviu um tropeção. Mas Williams e Julie estavam tão entretidos em seu

encontro íntimo que nem se quer haviam se dado conta até que fosse tarde demais.

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— Pete. — disse ela, com a voz aguda e assustada, lutando contra Stavis. O

garoto viu como tentava lhe dar um chute na canela ou mais acima, mas Stavis lhe

colocou os joelhos nas costas.

Pete levantou a arma e apontou no centro da cabeça do Zumbi, que ficou ali

parado, olhando com os olhos vazios.

— Pete, por favor. — disse a garota. — Estávamos...

— Calada. — lhe ordenou Pete.

— Pete, por favor, isso é...

— Te disse para calar a boca! — gritou Pete, afastando a arma do Zumbi e

apontando para ela. A garota abriu muito os olhos e parou de se mexer.

— Olhe; Pete. — disse Stavis. — O Zumbi..., acredito que o Zumbi...

— Você também, Timothy Colé. — lhe interrompeu Pete. Somente usava o

nome completo de Stavis quando queria obediência instantânea. — Ponha-a para

baixo e fecha a boca de uma vez. Vem aqui, não quero que respingue em você.

Stavis obedeceu rapidamente, tropeçando nos ramos caídos.

Pete a observou olhar seu amante Zumbi, o insulto definitivo. Estava

cansado dos que riam dele em seus sonhos, dos que riam dele quando despertava.

Certamente já estava infectada com a enfermidade Zumbi e, se a deixava partir,

infectaria mais pessoas.

O cano da arma tremeu, mas se obrigou a permanecer firme. Ela lhe olhou

aterrorizada.

Na cabeça, pensou. Era a única forma de acabar com os mortos-vivos.

— Eu te queria. — sussurrou. E apertou o gatilho.

Adam dava voltas pelas ervas mortas do pátio traseiro, tentando decidir se

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era o momento oportuno e o que devia dizer.

Olhe Pheeble, pensou, antes que beije esse cara morto aí, deveria saber uma

coisa: para mim é algo mais que os jogos com o Frisbee e as brincadeiras tontas sobre

meu vocabulário. Significa mais para mim que mil palavras, embora passasse reto

por você nos corredores durante quase todo tempo que temos estudados juntos. E,

Pheeble, se tenho que fazer, eu escutarei aos Restless Dead, Zombicide, os Drumming

Mummies; o que seja, me visto de preto e queimarei incenso, caso seja necessário. Irei

deixar que leiam as cartas de tarot para mim e prestarei atenção na Daffy como se

fosse incrivelmente interessante e inteligente, ao invés de um loro louco. Pode fazê-lo,

Pheeble... Phoebe...

Então ouviu um golpe em seco e o grito de Phoebe.

Correu pelo caminho chamando-a a gritos. A princípio acreditava que

Tommy havia feito algo que não devia, mas então viu Phoebe de pé com Tommy e

Pete Martinsburg em frente a eles, apontando-lhes uma arma.

Apontando para Phoebe.

Correu chamando-a a gritos. Correu tão depressa como lhe permitiu suas

pernas.

Ouviu a tranquila voz do mestre Griffin em sua cabeça: Concentre-se, dizia. O

que fará com esse poder?

Chegou até Phoebe justo quando Pete apertava o gatilho.

Quando tudo terminasse e Phoebe se encontrasse de novo rodeada por

pessoas que a queria bem, recordaria o momento de vacilação de Tommy. Pode ser

que suas extremidades mortas não tiveram o tempo de resposta necessário para

correr e ajudá-la, mas, quando o olhou, Tommy Williams, o líder do movimento

Zumbi clandestino, havia vacilado.

Pete Martinsburg vacilou, por isso tardou em apertar o gatilho.

Adam não vacilou em absoluto, e por isso caiu.

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CAPÍTULO 31

O disparo rompeu o silêncio do bosque. Pete viu que alguém se pôs na

frente de Julie e se dobrava como se uma equipe invisível o derrubasse.

Adam. Havia atirado em Adam Layman.

— Meu Deus, Pete. — gritou Stavis, olhando com surpresa e medo no seu

rosto gordo. Saiu correndo pelo bosque.

Pantynegros gritou o nome de Adam e se deixou cair ao seu lado.

Pete voltou a apontar, mas depois lançou a arma nos arbusto e se pôs a

correr. Correu sem pensar, tropeçando e quase rompendo o joelho em um toco

baixo; correu até descobrir um dos muitos caminhos sinuosos que rodeavam o

bosque de Oxoboxo como serpentes de borracha. Com a respiração entrecortada,

freou um pouco sem deixar de trotar, queimando os miolos para averiguar como

chegar até o carro. Não tinha nem ideia de onde estava.

— Já..., vai..., da festa? — perguntou uma voz atrás dele.

Voltou-se; era o cara que havia saído antes da casa, e Pete por fim recordou

onde o havia visto: era o Zumbi do dia em que havia deixado partir a cadela morta.

O tipo feliz, o heavy. Viu o brilho das correntes que se penduravam nas calças de

couro.

— Que se..., foda. — respondeu Pete. O outro se limitou a sorrir enquanto se

aproximava.

Pete virou e tropeçou em uma pedra. Rodou para colocar-se de boca para

cima, e o Zumbi se inclinou sobre ele, fazendo que gravasse em seu cérebro a

imagem de sua cara destroçada.

— Acredita que eu ia te..., matar? — lhe perguntou o Zumbi com sua voz

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rouca de réptil; o cabelo escuro lhe caia como tentáculos de uma medusa. — A

morte..., não é para você. A morte é..., um presente.

Pete viu que sorria, embora pudesse ver todos os dentes. Aí foi quando

começou a gritar.

Phoebe caiu de joelhos na terra junto ao corpo de Adam, rasgando a borda

do bonito vestido branco ao fazê-lo. Adam havia se jogado como se houvesse se

lançado em cima de um ser invisível.

Havia caído sem respiração e seu grande corpo parecia desinflar-se ao cair

no chão.

— Adam? Oh, meu Deus. Adam, você está bem?

Estava passando suas mãos, e apalpava braços e ombros em busca de

feridas, mas, quando chegou ao peito, viu que uma flor rosada se estendia pelo

centro da camisa.

— Adam! — gritou. — Adam, me escuta? — Tommy estava ajoelhado ao seu

lado, com uma mão no ombro do garoto, que havia começado a tremer. Adam abriu

e fechou a boca, e se colocou os olhos em branco. Tossiu, e um fio de sangue

apareceu na comissura de seus lábios.

Phoebe apertou a mancha da camisa com as mãos tremendo e pediu a Deus

para ajudar a manter a vida dentro de Adam, dentro de seu corpo até que a ajuda

chegasse.

— Entrou em estado de choque. — disse Tommy.

Phoebe sentia como se a vida de seu amigo escapasse entre os dedos.

— Não Adam! Não se vá! Por favor, Deus! Não se vá Adam!

Então os olhos de Adam se abriram e a olhou, abriu a boca para falar.

Tentava dizer algo, mas se afogava, e ela o deteve.

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— Shhh, a ajuda esta a ponto de chegar.

Ele sorriu, e Phoebe viu que a luz abandonava seus olhos; uma convulsão

enorme percorreu o corpo, e Adam morreu.

Phoebe conteve o lamento. Adam não se movia.

— Não vá. — se ouviu dizer entre soluços, embora parecesse como se

estivesse vendo de fora, como se houvesse abandonado seu corpo ao mesmo

tempo em que Adam o seu. Olhou-se, derrubada sobre ele, estremecida pelo

pranto.

Tommy se ajoelhou ao seu lado, com o rosto oculto pelas sombras.

Olhou ao seu redor, mas Adam (seu espírito) não estava por nenhuma parte.

Então Tommy tocou seu braço e voltou ao seu corpo. A mancha seguia se

estendendo por sua camisa branca.

Ouviu vozes se aproximando pelo caminho, mas era tarde: Adam havia ido.

Os mortos se reuniram ao redor de Phoebe. Karen, Colette, Mal e Tayshawn,

e os que não conhecia (a garota queimada e a garota com um braço só) haviam

formado um circulo ao redor de Tommy e ela, que continuavam ajoelhados ao lado

do corpo sem vida de Adam. Era como um funeral, mas ao contrário, já que os que

rodeavam estava todos mortos e ela, a única pessoa viva, estava a ponto de acabar

embaixo da terra.

Ao vê-los ali, tão quietos e silenciosos como as árvores, quis gritar que lhe

ajudassem, que usassem todos os estranhos poderes que tivessem para trazer

Adam de volta.

Viu Margi entre os mortos digitando um número no celular com as mãos

tremulas.

— Como podem ficar aí parados? — perguntou Phoebe, olhando a Colette, a

Mal. Tentou levantar Adam colocando o braço dele em seu pescoço, mas era muito

pesado. — Por que não me ajudam? Karen, por favor!

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Ouviu Margi falando no telefone e tirou o braço de Adam com esperança

renovada, recordando que havia muitos policias ali ao lado na porta da escola. O

departamento de bombeiros de Oakvale sempre respondia as emergências a toda

velocidade. Voltou a suplicar, levantando o olhar, quando Takayuki se meteu entre

seus colegas mortos.

— Por favor! — repetiu, tremendo enquanto Tommy tentava ajudar a

sentar Adam. — Por favor, ajudem-me!

— Já vem. — disse Margi, entre lágrimas.

Karen se aproximou e se ajoelhou, colocando uma mão sobre o ombro de

Phoebe. Seus olhos de diamante brilhavam como estrelas distantes ao por a outra

mão sobre o centro da mancha vermelha na camisa de Adam.

— Tenho certeza que pode fazer algo, Karen. — lhe suplicou Phoebe. —

Pode, não é? Pode ajudá-lo?

Karen pestanejou, apagando por um instante as estrelas, e sacudiu a cabeça.

— Sinto muito, Phoebe. Sinto de coração.

Pela cabeça de Phoebe passaram mil respostas: a raiva foi a primeira, queria

estapear Karen, lhe dar uma bofetada, chamá-la de mentirosa; depois quis abraçá-

la e aferrar-se a ela até que a polícia chegasse para levar o cadáver de Adam.

— O..., tenho. — disse Tommy, e Phoebe deixou que o depositasse de novo

sobre a terra com muita delicadeza.

— Não. — respondeu. Tinha que ter alguma esperança. A polícia estava a

caminho, poderiam reanimá-lo.

Sem saber que outra coisa fazer, abraçou Adam, tentando mantê-lo

aquecido.

Adam abriu os olhos.

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Parecia notar a chuva nas bochechas, mas quando clareou a vista e pode

observar melhor, inclusive na penumbra, comprovou que era Phoebe que chorava

sobre ele.

A observou, e ela conteve seu pranto.

— Adam?

Ele sorriu e soltou uma piada tonta sobre o mau herói que era: duas viagens

ao bosque para salvá-la e as duas vezes acabava com o rabo no chão.

Phoebe sorriu e começou chorar com mais força. Adam se deu conta de que

estava um pouco enjoado pelo golpe, porque o que tentava dizer e o que acabava

saindo eram coisas completamente diferentes.

Ela o mandou se calar e pôs um dedo em seus lábios. Era curioso o quente

que resultava seu dedo em comparação com os lábios de Karen. Tentou fazer outra

brincadeira, mas não havia recuperado a respiração, então só pôde deixar escapar

alguns arquejos entrecortados. Não era nada, o haviam deixado sem respiração

muitas vezes no campo. Tinha que esperar e relaxar.

Além do mais, não gostava de ver Phoebe chorar. Levantou a mão direita

com a intenção de limpar as lágrimas e, curiosamente, moveu a mão esquerda.

Contemplou como sua mão estremecia e voltava a cair imóvel sobre seu peito. O

peito úmido. O peito empapado.

Tentou mover a mão da umidade, mas não lhe obedecia. Phoebe lhe afastou

as mãos em um gesto que, certamente pretendia reconfortá-lo, embora ao ver as

mãos de sua amiga coberta de sangue, seu sangue, o efeito não foi o desejado.

Pete; pensou. O imbecil.

Phoebe seguia chorando. Adam se deu conta de que havia mais gente ao

redor. Tommy e Karen estavam ao seu lado. Daffy estava com o celular, ao que

parece não era capaz de se calar por um minuto.

Viu que Daffy também chorava, e Karen, quase. Karen olhos de estrela, esse

seria seu novo apelido. Seus olhos pestanejavam como pequenas lanternas na

escuridão do bosque de Oxoboxo. Claro que não poderia chorar de verdade,

embora Phoebe insistisse que tinha visto ela soltar uma lágrima no funeral de

Evan.

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Pobre Evan; pensou, porque gostava daquele moleque.

Então Adam imaginou o porquê de todos chorarem, e abriu a boca para

dizer-lhes para não se preocuparem. — Estou bem. — disse, ou tentou dizer, já que

isso não foi o que os demais ouviram.

— Shhh. — disse Phoebe, e se inclinou sobre ele para abraçá-lo. Teria sido

fantástico se não tivesse o corpo todo adormecido. — Não tente falar — sussurrou

ela, aproximando os lábios do ouvido dele.

Tentou de todas as formas antes que pudesse dizer o que sabia que ia dizer,

mas o ruído que saiu era como um largo bufar afogado.

— Está morto, Adam. — sussurrou Phoebe.

Embora o garoto tentasse virar-se, sua carne não estava disposta a permitir.

Ouviu como a voz dela se entrecortava ao tentar dizer as seguintes palavras. —

Pete te matou.

A verdade o golpeou com a mesma força de uma bala. Primeiro pensou em

protestar, em dizer-lhe que se equivocava, embora no fundo de seu coração

soubesse, no fundo de um coração que já não batia, sabia que ela tinha razão.

— Te amo, Phoebe. — disse, enquanto ela chorava, mas o único que saiu de

sua boca foram uns ruídos estranhos, afogados, nada parecidos ao linguajar

humano.

Phoebe ficou ali com ele até que chegou a polícia. Seu bonito vestido branco,

já não era nem branco, nem bonito. A barra estava rasgada e suja, e o sangue de

Adam o cobria por completo. Adam havia recebido a bala no peito porque Pete

apontava a cabeça de Phoebe. A ideia teria que lhe dar medo, mas só podia pensar

em Adam e no diferente que seria entre eles a partir daquele momento.

Enquanto o via ali deitado, sem piscar, tentando em vão formar palavras

que ela pudesse compreender, o único no que pensava era o mau que havia sido os

dias em que havia passado sem lhe falar.

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Chorava, não podia parar e, embora fosse absurdo, sabia que algumas de

suas lágrimas eram por aqueles dias perdidos. Desejava poder rebobinar até o

último momento juntos na Casa Assombrado e não haver dito as coisas que disse.

A maioria dos Zumbis se dispersou pelo bosque, fundindo-se com a

paisagem como fantasmas enquanto as luzes e sirenes da polícia iluminaram a

escuridão. Phoebe os viu desaparecer, recordando a noite em que os haviam

resgatado, depois de surgir da escuridão do bosque como se fosse parte dele.

Tommy e Karen ficaram com os garotos com fator biótico tradicional até a

chegada da polícia. Colette ficou com Margi, e se abraçaram quando Margi

terminou de ligar pelo celular. Haley disse que sabia algo de reanimação, mas todos

sabiam que não serviria de nada: Adam já havia morrido e revivido.

Embora não estivesse segura, Phoebe tinha a impressão de que quase

nenhum garoto com DFB havia regressado tão depressa. Somente havia estado

morto por alguns minutos, os minutos mais largos da vida de Phoebe, mas talvez

aquilo fosse motivo de esperança. Talvez seu veloz regresso das faces da morte

significaria que alcançaria o controle da sua voz e seu corpo mais depressa que

alguns dos outros. Talvez.

Tommy tentou consolá-la, mas ela não queria que a consolassem. Margi e

Karen tentaram falar com ela, tampouco queria falar.

Adam havia aparecido correndo para salvá-la, e não uma, mas sim duas

vezes. Ao vê-lo ali, olhando-a e tentando falar, supôs que havia chegado sua vez de

salvá-lo. Respirou fundo e secou os olhos com a sangrenta manga do vestido, o

vestido que a ele parecia feito da luz da lua.

Pouco depois chegou a ambulância e os paramédicos que colocaram Adam

na maca enquanto ele se retorcia e tossia sons ininteligíveis.

Durante todo o processo, Phoebe somente podia pensar em uma coisa: em

trazê-lo de volta. Em trazer de volta tudo o que fosse possível.

Fim

Page 311: Geração Morta

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PRÓXIMO LIVRO DA TRILOGIA

KISS OF LIFE

Créditos Tradução:

Carol

Silmara

Thábata

Steρhanie

Hay

Kelli

Revisão:

Hay

Revisão Final:

Thábata

Formatação:

Hay

Page 312: Geração Morta

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"All Creatures of the night get together After Dark"