Geonovas Número 28

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Edição 2015

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A globalização da Geologia

À primeira vista, este título parece uma autorreferência. O objeto da Geologia não é afinal o estudo do globo terrestre? A verdade é que foram os próprios geólogos que assumiram nos anos 60-70 o termo Tectónica Global para designar o novo paradigma da tectónica de placas, reconhecendo a sua capacidade (até aí ausente) de fornecer uma explicação dos fenómenos e da história geológica à escala do globo. Originalmente, a Geologia cingia-se ao estudo da “pequena Terra” (a geologia da minha terra, da minha região ou do meu país). O topo da escala de perceção do objeto geológico não ia além da bacia sedimentar ou da cadeia orogénica. Confinados ao domínio continental (que não representa mais do que 1/3 da superfície terrestre), os geólogos

concentravam-se nas observações de campo, na amostra de mão e no levantamento da carta geológica, ou na extrapolação (sempre incerta) das suas observações de superfície para os mundos escondidos, aos quais a Geologia (ciência do observável) não tinha acesso. O triunfo da nova escala de perceção - a escala do planeta - aniquilou o sonho de que a paciente cartografia geológica da superfície terrestre permitisse chegar um dia a uma Teoria da Terra empiricamente fundada. O potencial do novo objeto da Geologia – o estudo da “grande Terra” – só se revelou verdadeiramente com a criação de uma nova estrutura de investigação denominada “Ciências da Terra”. Outro termo ambíguo. De facto cabem nesta designação todas as antigas ciências da natureza como a Física, a Química, a Biologia e até a Astronomia; as próprias Ciências Humanas têm interações com as ciências da Terra que se expressam exemplarmente no âmbito da Geografia. No plano científico fundamental, que visa essencialmente compreender e explicar os fenómenos naturais, a Terra, a grande e a pequena Terra, pode ser estudada por físicos, químicos e biólogos. Já o era, com base em disciplinas clássicas como a Geofísica ou a Geoquímica. As velhas fileiras da formação universitária (cf. Departamentos Científicos) impedem contudo uma integração adequada destes domínios do saber capaz de superar o reducionismo das visões disciplinares isoladas. No âmbito das Ciências da Terra, hoje faz tão pouco sentido falar da Geologia como um domínio disjunto da Física, como conceber uma Geofísica ou uma Geoquímica que não se inscrevam na Geologia. Isolar estes domínios do saber, colocá-los em competição em vez de os integrar, aprofunda o reducionismo gerado pela criação das fileiras disciplinares universitários que sucedeu no século XIX ao ecletismo das “luzes”. Reduz o potencial das “Ciências da Terra” para enfrentar os desafios do século XXI, nomeadamente a sua capacidade de gerar profissionais capazes de estudar soluções para os problemas complexos que decorrem das necessidades de gestão de recursos, da mitigação dos desastres naturais e da emergência de um desenvolvimento ambiental economicamente sustentável. Neste plano, cabe aos geólogos profissionais da geologia aplicada e das engenharias a capacidade de encontrar soluções para problemas concretos. Não se trata agora de compreender e explicar os fenómenos da natureza mas de resolver problemas concretos, com os conhecimentos disponíveis no momento, quer os fenómenos estejam bem explicados ou não, o que implica a tomada de decisões com base num conhecimento incompleto. Nada disto é possível sem que se cultivem abordagens multi e interdisciplinares inovadoras. Não basta porém fomentar a criação de novos saberes, é necessária uma nova atitude.

António Gomes Coelho Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 3 a 31, 2015 3

História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento

tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal1

Investigador colaborador do Laboratório Nacional de Energia e [email protected]

J. Tomás Oliveira

Resumo

No presente trabalho faz-se um resumo da evolução do conhecimento geológico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal, centrado nas contribuições originais relativas às sucessões estratigráficas dos Domínio do Pulo do Lobo, Faixa Piritosa, Grupo do Flysch do Baixo Alentejo e Sector Sudoeste de Portugal. Tecem-se ainda considerações de natureza geodinâmica e paleogeográfica, no contexto da sua integração na Cadeia Varisca Europeia.

Palavras-chave: Geofísica, Biozonas de miosporos, tectono-estratigrafia, bacias sedimentares, Cadeia Varisca.

Abstract

This work is a resume of the main scientific developments that appeared since the sixties of the last century, focused mostly on the lithostratigraphic sequences of the Pulo do Lobo, Pyrite Belt, Baixo Alentejo Flych Group and SW Sector of Portugal domains of the South Portuguese Zone (SPZ), Portugal. Five main sedimentary basins are recognized: an epicontinental sea in the Pyrite Belt and SW Portugal and a deep basin in the Pulo do Lobo domain, during the upper Devonian, the latter superimposed on a accrecionary prism related to a subduction towards the Ossa Morena Zone; a volcanic belt in the Pyrite Belt and a mixed shaly-carbonate plataform in SW, during the Mississipian and Lower Pensilvannian; a foreland basin during late Mississipian and the Pensilvannian. A comparison study between the SPZ and Southwest England showed several similarities among these regions in which the stratigraphy, volcanism and tectonic style are concerned. Both regions may have been part of the same sedimentary realm, situated at the margins of the Avalonia terrane after its integration in the Laurussia supercontinent.

Key words: Geophysics, Miospores biozones, tectonostratigraphy, sedimentary basins, Varisca Chain.

1Este texto constitui a expressão escrita da palestra que apresentei durante a homenagem que o Grupo de Geologia Es-trutural da Sociedade Geológica de Portugal me prestou na reunião anual de 2014, no Centro de Ciência Viva de Estremoz, então com o título: Evolução do conhecimento da Zona Sul Portuguesa, em Portugal, em termos de tectono-estratigrafia.

Introdução

O conhecimento geológico da Zona Sul Portu-guesa (ZSP) evoluiu significativamente a partir do início da década de sessenta do século passado, na sequência de várias teses de doutoramento realiza-das por jovens geólogos estrangeiros, e da activi-dade de empresas de pesquisa mineira. A instalação de uma delegação do Serviço de Fomento Mineiro,

em Beja, na década de cinquenta, foi também fac-tor determinante, posto que o seu pessoal técnico realizou, a partir de então, a prospecção sistemática da Faixa Piritosa, com recurso a modernas técnicas da geologia, geofísica e geoquímica, que atingiram o seu ponto alto com a identificação da anomalia gravimétrica que conduziu à descoberta da mina de Neves Corvo. Os geólogos desta brigada, para além do trabalho de cartografia geológica em áreas

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Lobo, Faixa Piritosa, Grupo do Flysch do Baixo Alentejo e Sector Sudoeste (Oliveira, 1990, Fig. 1).

Uma perspectiva diferente é apresentada por Ribeiro et al. (1990),que dividem a Zona Sul Por-tuguesa em dois terrenos distintos: o Terreno do Pulo do Lobo, constituído pelo Domínio do Pulo do Lobo e o Terreno suspeito da Zona Sul Portu-guesa, representado pelos outros domínios. A dis-cussão destas duas perspectivas está para além dos propósitos deste trabalho. Por uma questão de sis-tematização, o avanço do conhecimento é descrito para cada um destes domínios, fazendo-se no final o seu enquadramento global num contexto paleo-geográfico.

Domínio do Pulo do Lobo

Foi Pfefferkorn (1968), quem primeiro inter-pretou este domínio como um vasto anticlinal, ten-do identificado no seu centro a Formação do Pulo do Lobo, com filitos de quartzitos muito deforma-dos, no flanco norte a Formação de Santa Iria, com xistos e grauvaques, e no flanco sul as formações de Atalaia (xistos e arenitos quartzosos) e de Gafo (xis-tos e grauvaques). Em termos regionais, as forma-ções de Pulo do Lobo e Atalaia foram correlacio-nadas com as sequências vulcânico-sedimentares da Faixa Piritosa, que designou por Grupo de Car-voeiro, atribuídas ao Devónico Superior, e as for-mações de Gafo e Santa Iria com os xistos e grau-vaques de Mértola, todos considerados do Viseano.

A estratigrafia do Anticlinal foi posterior-mente tratada por Carvalho et al. (1976) que re-conheceram nova unidade litostratigráfica no seu flanco norte, constituída por xistos e quartzova-ques, que designaram por Formação de Ribeira de Limas, paralelizada com a Formação de Atalaia.

Ambas as unidades passaram a integrar o Gru-po de Ferreira-Ficalho. Novo avanço foi alcança-do com a identificação da Formação de Horta da Torre (Oliveira et al., 1986), no flanco norte do Anticlinal, constituída por xistos negros, em parte siliciosos, quartzitos e quartzovaques, e conside-rada suprajacente e em parte equivalente lateral de Formação de Santa Iria. Esta unidade foi datada do Fameniano inferior, com base em palinomorfos, sendo este o primeiro estudo palinostratigráfico realizado em toda a Zona Sul Portuguesa Ibérica.

seleccionadas, foram encarregados de acompanhar e reportar sobre a actividade desenvolvida pelas empresas, o que lhes proporcionou vasto conheci-mento sobre a geologia regional. Foi com base nesse conhecimento e na cartografia existente nos arqui-vos de Beja, em grande parte inédita, que Vitor Oli-veira e J. Tomás Oliveira preparam a componente do Paleozóico das Folhas 7 e 8 da Carta Geológica de Portugal, escala 1:200000 (Oliveira (coord.), 1984, 1992) que vieram proporcionar uma visão global da geologia da ZSP. Relativamente à carto-grafia na escala 1:50000, em meados da década de oitenta só estavam publicadas duas cartas geológicas na Faixa Piritosa (Castro Verde e Aljustrel). A pre-paração para publicação da carta de Mértola (Oli-veira & Silva, 1990) esteve na base da elaboração dos modelos tectono-estratigráfico e estrutural para a Faixa Piritosa, que ainda hoje merecem aceitação. Mais recentemente, o conhecimento resultante da utilização das técnicas da geofísica aerotransportada e do radar, utilizadas pelas empresas mineiras, tem sido importante contributo como instrumento com-plementar da interpretação geológica.

No presente trabalho pretende-se salientar as contribuições mais significativas e inovadoras que estiveram na base do avanço alcançado na ZSP, em Portugal, em termos da estratigrafia sensulato, e das suas relações com os processos tectónicos que con-duziram à formação das bacias sedimentares que se foram gerando ao longo do tempo. Muitos dos temas tratados nestas contribuições foram poste-riormente objecto de outras abordagens científicas, cujo historial, em muitos aspectos interessante e polémico, não será analisado neste trabalho. Trata--se de um resumo necessariamente muito simplifi-cado que reflecte exclusivamente a opinião do autor.

Pelas razões apontadas, outras importantes áreas de investigação da ZSP (geoquímica, meta-morfismo, mineralizações, etc.) só serão aborda-das marginalmente neste trabalho. Porque a Faixa Piritosa tem expressão ibérica, far-se-á referência a alguns trabalhos de natureza global que com-plementem o conhecimento obtido em Portugal.

Evolução do Conhecimento

A Zona Sul Portuguesa tem sido dividida, em termos geológicos, em quatro domínios: Pulo do

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Figura 1 - Domínios geológicos da Zona Sul Portuguesa.Figure 1 - Geological domains of the South Portuguese Zone.

Mais recentemente, Pereira et al. (2006) voltaram a abordar esta problemática, agora baseados em no-vas datações palinológicas. O Anticlinal, entretan-to considerado como antiforma (Oliveira, 1990), passou a integrar as formações de Horta da Torre, Santa Iria e Represa (identificada no flanco sul) atribuídas a Fameniano superior, as Formações de Ribeira de Limas e Gafo, ao Frasniano inferior, e a Formação do Pulo do Lobo ao Devónico Inferior ou Silúrico Superior (Fig. 2). Ainda relativamen-te à história do conhecimento, deve salientar-se a identificação de rochas máficas intercaladas na Formação do Pulo do Lobo, interpretadas como basaltos metamorfizados com afinidades oceâni-cas do tipo MORB-N (Munhá, 1983) e a desco-

berta do Ofiolito de Beja-Acebuches (Munhá et al., 1986), as quais tiveram grandes implicações na interpretação geodinâmica deste domínio. Rochas máficas com afinidades oceânicas no Domínio do Pulo do Lobo vieram a ser posteriormente iden-tificadas em Espanha, na antiforma de los Ciries, Formação de Mélange Peramora (Eden, 1991).

Braid et al. (2011), baseados em datações U/Pb em zircões recolhidos nos quartzitos de Alajar, Es-panha (equivalentes à Formação Horta da Torre?) e nos quartzovaques da Formação de Ribeira de Li-mas consideram que estas unidades têm assinaturas e proveniências distintas dos recolhidos no Grupo Filito-Quartzítico da Faixa Piritosa, sugerindo as-sim que o terreno do Pulo do Lobo constitui um

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Figura 2 - Unidades litostratigráficas da antiforma do Pulo do Lobo e comparação com as da Faixa Piritosa (Pereira et al., 2006).

Figure 2 - Lithostratigraphic units of the Pulo do Lobo antiform and comparison with those of the Iberian Pyrite Belt (Pereira et al., 2006).

nos H. F. Kleyn, M. Van den Boogard, R. Elsinga e R. Wirtz, quem introduziu a moderna visão da geologia da Faixa Piritosa. Reconheceu dois com-plexos litológicos a nível regional: um designado por Grupo do Pomarão, constituído por filitos, arenitos, quartzitos e sucessões de rochas vulcâni-cas félsicas (antes consideradas como pórfiros in-trusivos) e máficas, no seu conjunto atribuídas ao Devónico, com base em raros fósseis de climení-deos e braquiópodes (na terminologia actual, este grupo corresponde à sucessão que inclui o Grupo Filito-Quartzítico e Complexo Vulcano-Sedimen-tar); outro designado por Grupo de Mértola, com

principal fornecedor de detritos para as rochas do Grupo de Mértola. Kleyn (1960) (Fig. 4), no seu estudo sobre a terminação meridional do anticlinal do Cercal, apresentou a primeira coluna estratigrá-fica estruturada da Faixa Piritosa, e Boogard (1961, 1967) fez a cartografia geológica pormenorizada do Anticlinal de Pomarão e foi o primeiro investigador a utilizar a biostratigrafia dos conodontes, o que lhe permitiu estabelecer a sucessão litostratigráfi-ca do anticlinal de Pomarão (Fig. 5), considerada como referência para toda a Faixa Piritosa Ibérica.

Importante, tanto do ponto de vista da litos-tratigrafia, como da geologia mineira, foi o tra-

bloco alóctone, derivado do supercontinente Lau-russia e introduzido entre a Zona de Ossa Morena (Gondwana) e a Faixa Piritosa (Avalonia). Esta con-clusão está em contradição com os dados da palino-logia, segundo os quais as associações de miosporos de ambos os domínios são semelhantes (Pereira et al., 2008).

Faixa Piritosa

Foi Mac Gillavry (1961) (Fig. 3), na condição de supervisor das teses de doutoramento dos alu-

xistos argilosos, grauvaques e intercalações de con-glomerados, considerado do Carbónico, com base em fósseis de goniatites e de Posidonia becheri (actual-mente Grupo do Flysch do Baixo Alentejo). Para além de, pela primeira vez, se reconhecer a impor-tância do vulcanismo na Faixa Piritosa, é interes-sante constatar neste trabalho a identificação de um cavalgamento das litologias do Grupo do Pomarão sobre as do Grupo de Mértola, perto de Mértola, sendo assim percursor da interpretação estrutu-ral que viria a confirmar-se posteriormente, bem como identificação do Grupo de Pomarão como

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balho realizado por Strauss (1965, 1970) (Fig. 6) na região da mina de Lousal, onde identificou três sequências litológicas principais: série de Coro-na (actualmente Formação de Corona equivalente à Formação Filito-Quartzítica do Grupo Filito--Quartzítico), Série da Pirite e a Série do Man-ganés (ambas correspondes ao CVS), esta última fazendo a transição para os xistos e grauvaques do então designado Culm (actualmente Formação de Mértola). A figura 6 representa a visão deste au-tor quanto à história geológica da região da mina do Lousal, em termos de estratigrafia, magmatis-mo, geologia estrutural e mineralizações. Ainda do ponto de vista da geologia das regiões mineiras merece destaque o trabalho de Leca et al. (1983, Fig. 7) onde é estabelecida a sequência estratigrá-fica do anticlinal do Rosário, em cujo extremo SE está situada a mina de Neves Corvo, que veio a tor-nar-se referência para grande parte da Faixa Piri-tosa. Fantinet (1960), realizou a cartografia geoló-

gica do anticlinal de São Francisco da Serra, onde reconheceu o Grupo Filito-Quartzítico e o Com-plexo Vulcano-Sedimentar, tendo ainda procedido ao estudo das paleocorrentes do flysch envolvente do Culm (Fantinet, 1963), tema no qual foi pionei-ro, mostrando que o transporte sedimentar se deu predominantemente para SSE, provavelmente com origem na Zona de Ossa Morena. Schermerhornn & Stanton (1969) realizaram trabalho de cartogra-fia geológica na região da mina de Aljustrel (Figs. 8 e 9) onde reconheceram a sequência litostratigrá-fica do Complexo Vulcano-Silicioso e dividiram o flysch do Culm em várias unidades, no que é consi-derado o primeiro ensaio de divisão estratigráfica desta sucessão turbidítica regional. A síntese es-tratigráfica da Faixa Piritosa Ibérica e suas relações com geologia dos domínios envolventes foi reali-zada por Schermerhorn (1971), trabalho este que foi pioneiro pela visão integradora que encerra. Na Faixa Piritosa identificou duas unidades maiores, que ainda hoje são usadas: o Grupo Filito-Quart-zítico, atribuído ao Devónico, e o Complexo Vulcâ-nico-Silicioso, considerado do Tournaisiano infe-rior. A estas unidades sobrepôs os xistos e grauva-ques do Culm, uma sucessão turbidítica cuja sedi-

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Figura 4 - Cartografia geológica da região de Odemira-São Luís (Kleyn, 1960).

Figure 4 - Geological map of the Odemira-São Luis region (Kleyn, 1960).

Figura 3 - Esquema geológico do Paleozóico Superior do Baixo Alentejo (Mac Gillavery, 1961).

Figure 3 - Geological outline of the Upper Palaeozoic of the Baixo Alentejo (Mac Gillavery, 1961).

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mentação admitiu ser progradante para SW (na li-nha do que já havia sido sugerido por Pfefferkorn).

Outro trabalho pioneiro, em termos de datação da sucessão litostratigráfica da Faixa Piritosa foi o de Cunha & Oliveira (1989), (Fig. 10), na região da Mina de São Domingos, onde, pela primeira vez em toda a Faixa Piritosa Ibérica, foi utilizada a palinostratigrafia para a datação de unidades geológicas, neste caso as formações Filito-Quartzítica e da Represa, atribuídas respectivamente ao Fameniano superior e ao Fameniano médio. Estas datações serviram de suporte para a interpretação estrutural da região (Fig. 11). A publicação dos livros “The Carboniferous of Portugal ”editado por M. J. Lemos de Sousa e J. Tomás Oliveira (1983) e “Pre-Mesozoic Geology of Iberia”editado

Figura 5 - Carta geológica do anticlinal de Pomarão e respectiva sucessão estratigráfica (Boogaard, 1967). Adaptação da cartografia realizada por Boogaard, 1967. In: Carvalho et al. (1976), Livro-guia das excursões geológicas na Faixa Pirito-sa Ibérica. III Reunião de Geologia do Sudoeste do Maciço Hespérico da Península Ibérica, Huelva-Beja”. Separata do

Tomo LX, Com. Serv. Geol. Portugal, 1976.Figure 5 - Geological map of the Pomarão anticline and corresponding stratigraphic succession. Adapted from Boogard´s mapping, 1967. In: Guide book of the geological field trips in the Iberian Pyrite Belt. III Meeting on the Geology of SW Hesperian Massive, Iberiam Pyrite Belt, Huelva-Beja. Separate of

Tomo LX, Com. Serv. Geol. Portugal, 1976.

por Dallmeyer R. D., Martinez Garcia E. (1990), representa também avanços significativos. O primeiro destes livros é importante porque, para além de apresentar nova síntese do Carbónico marinho na ZSP por J. T. Oliveira, contém o trabalho pioneiro de Munhá (1983) sobre o magmatismo da Faixa Piritosa, considerado bimodal e associado a crusta extensional, constituindo este trabalho outro importante marco histórico na evolução do conhecimento na ZSP. Destaque para o modelo estrutural estabelecido para a ZSP, por Ribeiro & Silva (1983) onde pela primeira vez é reconhecida a relação entre a deformação tectónica na Faixa Piritosa e a sedimentação turbidítica do flysch da Formação de Mértola (Fig. 12), e se propõe a existência de um descolamento basal indutor da

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Figura 6 - História geológica da região da mina do Lousal (Strauss, 1965). Versão em espanhol da tese de Strauss, (1970), Mem. Inst. Geol. Minero Espanha, 70.

Figure 6 - Geological story of Lousal mine region (Straus, 1965). Spanish version of Strauss´s PhD thesis, (1970) Mem. Inst. Geol. Minero España,

Figura 7 - A sucessão litostratigráfi-ca da Faixa Piritosa, compreendida

entre Panoias-Castro Verde-Rosário (Leca et al. 1983)

Figure 7 - The Pyrite Belt lithostratigraphic succession between Panoias- Castro Verde-

Rosário (Leca et al. 1983).

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Figura 9 - Esquema estratigráfico da região de Aljustrel (Scher-merhorn & Stanton,1969).

Figure 9 - Stratigraphic scheme of the Aljustrel region (Schermer-horn & Stanton, 1969).

Figura 10 - Perfil estratigráfico da secção exposta numa barreira do caminho-de-ferro, a sul da Mina de São Domingos e

respectiva datação palinológica (Cunha & Oliveira, 1989).

Figure 10 - Stratigraphic column of a sectiom exposed in a railway cut, south of Mina de São Domingos

and palynological dating (Cunha & Oliveira, 1989).

Figura 8 - Cartografia geológica da região da mina de Aljustrel

(Schermerhorn & Stanton, 1969).Figure 8 - Geological map of the Aljustrel mine region

(Schermerhorn & Stanton, 1969).

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tectónica pelicular (thin skinned) varisca que afectou a Faixa Piritosa (Fig. 13) O segundo livro tornou-se muito popular porque proporciona uma visão integradora da ZSP, nele se inserindo os trabalhos inovadores de Oliveira (1990), na área da tectono-estratigrafia da Faixa Piritosa (Figs. 14 e 15) e de Silva et al. (1990), na área da geologia estrutural. Uma interpretação diferente para a génese do vulcanismo da Faixa Piritosa foi mais recentemente apresentada por Onezime et al. (2003) que consideram ser o vulcanismo do tipo calco-alcalino, associado a uma zona de subducção situada algures a sul da Faixa Piritosa.

Estes avanços foram conseguidos com base na síntese cartográfica da Faixa Piritosa, elaborada por V. Oliveira e J. T. Oliveira, publicada nas Folhas 7 e 8 da Carta Geológica de Portugal, na escala 1:200000 (Oliveira, et al., 1984, 1992) bem como nos traba-lhos de realização Carta Geológica de Mértola, na es-cala 1:50000, por Oliveira & Silva (1990) (Fig. 16).

Os estudos palinostratigráficos assumiram im-portância decisiva a partir do final da década de noventa, merecendo referência especial o traba-lho de Zélia Pereira na datação de toda a sucessão do Sector SW da ZSP (ver adiante) e da região da mina de Neves-Corvo (Oliveira et al., 2004, Figs. 17 e 18), que esteve na base da apresentação de um novo modelo estrutural para esta mina (Fig. 19). Com este trabalho, provou-se definitivamente que a Palinostratigrafia constitui um instrumento mui-to importante para a datação das unidades da Fai-xa Piritosa, o que tem vindo a ser concretizado no apoio à cartografia geológica e a outros projectos de investigação. A investigação palinostratigráfi-ca prosseguiu até à actualidade, existindo actual-mente um controle biostratigráfico bastante deta-lhado da sucessão litostratigráfica de toda a Faixa Piritosa portuguesa (Oliveira et al., 2006, 2013), (Fig. 20). O assunto foi objecto de uma publica-ção específica (Pereira et al., 2007), posteriormente desenvolvido nas Memórias Geológicas do INETI (Pereira et al., 2008). Referência para a idade de Givetiano recentemente identificada na Formação de Corona do Grupo Filito-Quartzítico, na re-gião NW da Faixa Piritosa, o que constitui a ida-de mais antiga até agora obtida para este Grupo em toda a Faixa Piritosa Ibérica. (Pereira et al., 2010).Duas outras áreas científicas têm vindo a assumir

crescente importância no avanço do conhecimen-to da Faixa Piritosa. São elas: a vulcanologia físi-ca, de que é exemplo o trabalho desenvolvido por Carlos Rosa e a geocronologia U/Pb em zircões, por Diogo Rosa, com aplicação ainda algo restri-ta, mas com grande potencial de desenvolvimento.

Quanto ao vulcanismo físico, merece destaque o trabalho realizado na Serra Branca (Rosa et al., 2006), em Albernoa (Rosa et al., 2004, Fig. 21) e em Neves-Corvo (Rosa, 2006; Rosa et al., 2008, Fig. 22), neste último com controlo biostratigráfico das várias associações de fácies vulcânicas identificadas.A geocronologia U-Pb, com base no estudo de zir-cões, tem vindo a ser aplicada às rochas félsicas da Faixa Piritosa Ibérica. As primeiras datações em Portugal foram efectuadas por Barrie et al. (2002) na Lagoa Salgada e Aljustrel, e por Rosa et al. (2008) no Cercal, Caveira, Azinheira de Barros, Alber-noa, Serra Branca, Chança. As idades mais antigas foram obtidas nas rochas félsicas do anticlinal do Cercal (374 Ma) e as mais recentes pertencentes às rochas félsicas de Los Frailes, Espanha. A projec-ção das idades conhecidas com os locais de amos-tragem levou a que fosse sugerido que o vulcanismo da Faixa Piritosa se terá desenvolvido progressiva-mente de SW para NE (Rosa et al., 2008) (Fig.23). As datações mais recentes obtidas na antiforma de Rosario (Oliveira et al., 2013) (Fig. 24) indicam cinco períodos de instalação magmática aos 354, 359, 365, 373 e 384 Ma. Ao contrário do que tem sido reportado para outras áreas da Faixa Piritosa, este estudo regista uma componente importante de grãos de zircão herdados, o que aponta para suces-sivos episódios e fusão magmática, indicando que a actividade vulcânica permaneceu activa durante 30 Ma. Esta actividade terá favorecido o desen-volvimento de células de convexão por longo tem-po, criando assim as condições apropriadas para a acumulação dos depósitos de sulfuretos maciços.

Grupo do Flysch do Baixo Alentejo

Trata-se de espessa sucessão de turbiditos, que ocupa cerca de metade da área da ZSP, a que Scher-merhorn atribuiu a designação Culm, por com-paração com as sucessões litologicamente simila-res de Inglaterra e Alemanha. Trabalho pioneiro desenvolvido por J. Tomás Oliveira na segunda

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Figura 12 - Relações estruturais entre dobramentos, carreamen-tos e sedimentação turbidítica na Faixa Piritosa

(Ribeiro & Silva, 1983). Figure 12 - Relationships between folding, thrusting and turbidite sedimentation in

the Iberian Pyrite Belt (Ribeiro & Silva, 1983).

Figura 13 - A estrutura crustal da Zona Sul Portuguesa (Ribeiro et al., 1983).

Figure 13 - The crustal structure of the South Portuguese Zone (Ribeiro et al., 1983).

Figura 11 - Interpretação estrutural da região da Mina de São Domingos, suportada pela datação palinológica (Cunha & Oliveira, 1989).

Figure 11 - Structural interpretation of Mina de São Domingos region, based on palynological dating (Cunha & Oliveira, 1989).

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Figura 14 - Esquema geológico interpretativo da geologia da Zona Sul Portuguesa entre o Devónico Superior e o Viseano (Oliveira, 1990).

Figure 14 - Interpretative geological sketch for the South Portuguese Zone between the Upper Devonian and the Visean (Oliveira, 1990).

Figura 16 - Folha 46-D Mértola da Carta Geológica de Portugal, na escala 1:50000 (Oliveira & Silva & colaboradores, 1990).

Figure 16 - Geological map, sheet 46-D Mértola scale 1:50000 (Oliveira & Silva & colaborators, 1990).

Figura 15 - Esquema geológico interpretativo da Zona Sul Portuguesa durante o Viseano superior (Oliveira, 1990). Figure 15 - Interpretative geological sketch for the South Portuguese Zone during the Visean (Oliveira, 1990).

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14 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 17 - A sucessão tectono-estratigráfica da mina de Neves-Corvo e datação das unidades litostratigráficas com base em miosporos e amonoides. (In: Oliveira et al., 2004).

Figure 17 - Tectonostratigraphic succession of the Neves –Corvo mine and dating of the lithostratigraphic units based in miospores and ammonoids. (In: Oliveira et al. 2004).

Figura 18 - Cronostratigrafia da mina de Neves-Corvo (Oliveira et al., 2004). Símbolos como na Fig. 17.Figure 18 - The Neves-Corvo mine chronostratigraphic chard (Oliveira et al., 2004). Symbols as in Fig. 17.

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 3 a 31, 2015 15

Figura 19 - Esquema interpretativo da evolução tectono-estratigráfica da mina de Neves-Corvo, em parte baseada na correlação com a sucessão estratigráfica do anticlinal de Pomarão (Oliveira et al., 2004).

Figure 19 - Interpretative sketch for the Neves-Corvo mine tectonostratigraphic evolution, partially based on the stratigraphic correlation with the Pomarão anticline (Oliveira et al., 2004).

tar estas formações com idades escalonadas entre o Viseano superior e o Moscoviano. A Formação de Mértola foi posteriormente objecto de estudopormenorizado (Oliveira, 1988) (Fig. 26) no con-texto da cartografia da Folha 46-D Mértola, tendo sido dividida em cinco membros com predomínio de grauvaques, separados por outros tantos níveis com predomínio de xistos argilosos. Os exem-plares de amonóides colhidos na área desta car-ta, bem como outros colhidos em toda a sucessão turbidítica, foram estudados por Korn (1987) no âmbito da sua tese de doutoramento. Particular-mente interessante neste estudo foi a identificação de várias espécies novas de amonóides. São claras

as afinidades entre estas associações faunísticas e as contemporâneas do Norte da Europa. Em ter-mos geodinâmicos, a área deposicional destes se-dimentos foi interpretada como bacia do tipo foreland basin.

Investigação mais recente destes sedimentos nas áreas da geoquímica, história térmica e geocronologia veio aprofundar o seu conhecimento. Os estudos geoquímicos realizado por Rodrigues et al. (2008), Fernandes et al. (2008, 2010) e por Jorge et al. (2013) vieram trazer luz sobre a proveniência dos sedimentos e paleogeografia. A análise petrográfica modal (Fig. 27), e a assinatura em elementos maiores e em traço (Fig. 28,) sugerem que a área fonte dos sedimentos do GFBA terá sido um sistema arco vulcânico continental/margem activa, provavelmente situado na margem da Zona de Ossa Morena, com contribuição de uma crusta continental mais antiga, particularmente marcada na Formação da Brejeira, situada na

metade da década de setenta conduziu à divisão da sucessão do Grupo do Flysch do Baixo Alente-jo (GFBA) em três unidades litostratigráficas, as formações de Mértola, Mira e Brejeira (Oliveira et al., 1979), (Fig. 25). O estudo dos amonóides en-contrados nas unidades constituintes permitiu da-

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16 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 20 - Datação das unidades litostratigráficas dos ramos norte e sul da Faixa Piritosa com base em miosporos (Oliveira et al., 2006, 2013).

Figure 20 - Palynological dating of the North and South Pyrite Belt branches, based in miospores (Oliveira et al., 2006, 2013).

Figura 21 - Facies vulcânicas identificadas na área da mina de Neves-Corvo.

(Rosa, 2006; Rosa et al., 2008). Figure 21 - Volcanic facies identified in the Neves-Corvo mine

region. (Rosa, 2006, Rosa et al., 2008).

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 3 a 31, 2015 17

placa Avalónia (Jorge et al., 2013), (Fig. 29).O estudo das idades U-Pb em zircões detríticos do Grupo do GFBA mostra que os sedimentos das for-mações de Mértola e de Mira têm o mesmo espectro de idades, com o pico de c. 330 Ma, enquanto na Formação da Brejeira o pico da idades é de c. 615 Ma. Além disso, na Formação da Brejeira não há zircões com idade inferior a 350 Ma e existe uma população importante de 900-1100 Ma, que não está presente nas outras formações (Rodrigues et. al., aceite para publicação). Segundo estes auto-

res, os sedimentos das formações de Mértola e de Mira terão tido a sua fonte predominantemente na margem da Zona de Ossa Morena e, em menor escala, na própria ZSP, enquanto os sedimentos da Formação da Brejeira terão sido originários do terreno Meguma-Avalónia, confirmando assim as conclusões obtidas por Jorge et al. (2013), com base em dados geoquímicos e petrográficos. Na figura 30 consta o modelo deposicional proposto para o Grupo do Flysch do Baixo Alentejo: a) sedimen-tação turbidítica progradante para SW durante o Serpukoviano acompanhando o empilhamento tectónico indutor de subsidência, e consequen-te aumento da bacia foreland e da génese de um alto fundo (forebulge); b) este alto fundo, durante o Baskiriano inferior, terá atingido elevação sufi-ciente para constituir uma barreira física que im-pediu a progradação da sedimentação. Por detrás desta barreira gerou-se uma sub-bacia onde se de-positaram os sedimentos da Formação da Brejeira, provindos do terreno Meguma-Avalónia. Com a continuação da compressão tectónica, o depocen-tro desta sub-bacia migrou para SW, acabando por afundar a plataforma onde se tinham depositado os sedimentos do Sector SW (Rodrigues et al., 2015).

O estudo sistemático das paleotemperaturas no GFBA e nas unidades do Sector SW, com base dos índices de reflectância da vitrinite, mostra que as temperaturas evidenciam valores homogéneos, in-dependentes das unidades estratigráficas e da pro-

Figura 23 - A progressão do vulcanismo no espaço e no tempo, na Faixa Piritosa Ibérica (Rosa et al., 2008).Figure 23 -The Iberian Pyrite Belt volcanic development in time and space (Rosa et al., 2008).

Figura 22 - Interpretação do vulcanismo na região de Albernoa. Adaptado de (Rosa et al., 2004).

Figure 22 - Volcanism interpretation in the Albernoa region. Adapted from (Rosa et al., 2004).

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18 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 24 - Idades U-Pb do vulcanismo félsico da antiforma de Rosário e correlação com a sequência estratigráfica da mina de Neves-Corvo (Oliveira et al., 2013).

Figure 24 - U-Pb isotopic ages in felsic volcanics of the Rosário antiform and correlation with the Neves-Corvo mine stratigraphic sequence (Oliveira et al., 2013).

Figura 25 - Esquema geológico do Sul de Portugal, com

identificação das unidades componentes do Grupo

do Flysch do Baixo Alentejo (Oliveira et al., 1979).

Figure 25 - Geological outline of South Portugal with identification

of the Baixo Alentejo Flych Group lithostratigraphic units (Oliveira et al., 1979).

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 3 a 31, 2015 19

Figura 26 - Cartografia geológica do flysch da Formação de Mértola, na região de Mértola (Oliveira, 1988).Figure 26 - Geological map of the Mértola Formation flysch, Mértola region (Oliveira, 1983).

Figura 27 - Proveniência dos grauvaques das formações de Mértola, Mira e Brejeira, em te-mos de representação triangular QtFL e Qm-FLt (Qt- quartzo monocristalino; Qm-quart-zo policristalino; F- feldspatos; L-fragmentos

líticos; Lt-total de fragmentos líticos (Jorge et al., 2013).

Figure 27 - The Mértola, Mira and Brejeira Fms graywacke provenance in terms of QtFL e QmFLt triangular

representation (Qt- monocrystalline quartz; Qm-polic-rystaline quartz ; F- feldspars; L-lithic fragments; Lt-total

lithic fragments (Jorge et al., 2013).

Figura 28 - Geoquímica dos sedimentos do Grupo do Flysch do Baixo Alentejo. Diagrama triangular La-Th-Sc. Símbolos:

A- arco vulcânico oceânico; B- arco vulcânico continental; C-margem continental activa; D-margem continental passiva

(Fernandes et al., 2008).Figure 28 - Sediments geochemistry of the Baixo Alentejo Flysch Group.

La-Th-Sc triangular diagram. Symbols: A-oceanic volcanic arc; B-continental volcanic arc; C- active continental margin; D-passive continental margin

(Fernandes et al., 2008).

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20 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 29 - Projecção das rochas siliciclásticas da Formação da Brejeira no diagrama Th/Sc versus Zr/Sc. CCS- Crusta Continental Superior; PAAS- Post

Archean Average Shale. Adaptado de Fernandes et al. (2010).

Figure 29 - Projection of the Brejeira Formation siliciclastic rocks in the Th/Sc versus Zr/Sc diagram. CCS- Upper Continental Crust;

PAAS-Post Archean Average Shale. Adapted from Fernandes et al. (2010).

Figura 30 - Modelo deposi-cional para o Grupo do Flysch

do Baixo Alentejo entre o Serpukoviano e o Moscovia-no (adaptado de Rodrigues et

al., 2014).Figure 30 - The Baixo Alentejo

Flysch Group depositional model from Serpukovian to Moscovian time (adapted from Rodrigues et al.,

2014).

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 3 a 31, 2015 21

Figura 32 - Perfil estratigráfico das Formações de Murração e Quebradas,

Sector SW da Zona Sul Portuguesa (Oliveira et al.,1985).

Figure 32 - Stratigraphic logs of the Murração and Quebradas formations, SW Sector of the

South Portuguese Zone (Oliveira et al., 1985).

Figura 31 - Esquema ilustrativo da homogeneização das paleotempe-raturas na Zona Sul Portuguesa (Fernandes et al., 2012).

Figure 31 - Illustrative sketch of the paleotemperatures homogenization in the South Portuguese Zone, between the upper Visean and the Lower Permian

(Fernandes et al., 2012).

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fundidade das amostras estudadas (McComarck et al., 2006; Fernandes et al., 2012). Na figura 31 mos-tram-se vários perfis esquemáticos ilustrativos da evolução tectónica e termal das unidades das ZSP: a) No Viseano superior, rápida subsidência (>2 km) e início da deposição turbidítica (Forma-ção de Mértola). Deformação varisca compres-siva na antiforma do Pulo do Lobo e na Fai-xa Piritosa. Deposição de argilas e carbona-tos (Formação de Murração) no Sector SW; b) A sedimentação turbidítica e subsidência conti-nua no Serpukoviano-Baskiriano inferior (Forma-ção de Mira). Deformação varisca propaga-se para SW. Deposição de argilas e carbonatos no Sector SW; c) Durante o Baskiriano-Moscoviano, deposição dos turbiditos da Formação da Brejeira que pro-gradam para SW, cobrindo os sedimentos da pla-taforma do Sector SW. Deformação compressiva varisca continua com empilhamento tectónico que progressivamente provoca elevação topográfica, iniciando-se o aquecimento advectivo, que consti-tui o principal mecanismo de transferência de ca-lor. Durante o Kasimoviano - Gzeliano - Pérmico

Inferior a cadeia Varisca atinge o máximo de altitu-de. O aquecimento advectivo homogeniza as tem-peraturas através da ZSP (Fernandes et al., 2012).

Sector Sudoeste

O conhecimento da estratigrafia deste impor-tante sector da ZSP limitou-se, durante muito tem-po, ao trabalho realizado por Sousa (1919), que re-conheceu na região da Carrapateira três conjuntos de fácies marinhas: inferior, largamente constituí-do por xistos cinzentos, atribuído ao Tournaisiano; intermédio, no qual os carbonatos são dominantes, atribuído ao Viseano; superior, predominantemen-te constituído por xistos e grauvaques, considerado do Namuriano. A revisão das faunas encontradas confirmou as idades anteriores (Delepine, 1957). A estratigrafia da região mereceu alguma atenção por parte de Schermerhorn (1971), que sugeriu ser esta uma área mais elevada na bacia sedimentar. Foi só no final da década de setenta que a sequência estratigráfica começou a ser tratada de modo mais organizado, sintetizada nos trabalhos de Oliveira et

22 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 33 - Perfis estratigráficos realizados no Sector SW da ZSP (Pereira, 1999).Figure 33 - Stratigraphic logs across the SW Sector of the South Portuguese Zone (Pereira, 1999).

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Figura 35 - A progradação da sedimen-tação turbidítica na Formação da Brejei-ra, balizada pelas biozonas de miosporos

(Pereira, 1999).Figure 35 - Turbidite progradation in the Brejeira

Formation marked by miospore biozones (Pereira, 1999).

Figura 34 - Biozonas de miosporos reconhecidas nas unidades litoestratigráficas do Sector SW da ZSP (Pereira, 1999).Figure 34 - Miospore biozones identified in the lithostratigraphic units, SW Sector of the South Portuguese Zone (Pereira, 1999).

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24 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 37 - Esquema ilustrativo (perfil transversal) da evolução do orógeno Varisco do SW da Península Ibérica. A - Crescimento inicial da subducção e do arco vulcânico associado; B - desenvolvimento da

bacia back-arc; C - Fecho da bacia back-arc seguido de obducção; D - renovação do crescimento do arco vul-cânico por subida do gradiente geotérmico; E-início

da colisão orogénica; F-final da colisão orogénica (Quesada et al., 1998).

Figure 37 - Sketch of the Variscan Orogen evolution (transversal profile) in SW Iberia Peninsula. A - Growth of the

subduction and associated volcanic arc; B - Back-arc basin devel-opment; C - Back-arc closure followed by obduction; D - Renew-ing volcanic arc growth induced by the upward moving geothermic

gradient (Quesada et al., 1998).

Figura 36 - Evolução geodinâmica da ZSP: A - Durante o Devónico Superior (pre-Fameniano): oceano entre a ZSP e ZOM, subducção, colisão oblíqua e obdução parcial: B - Durante o Fameniano e Carbónico Infe-rior: subducção, colisão e início da extensão crustal na Faixa Piritosa; C - Durante o Viseano superior ao Vest-efaliano inferior-deformação transpressiva progradante para SW induzida pela reactivação da subducção (tipo A)

e génese da cintura orogénica arqueada (Silva et al., 1990).

Figure 36 - The South Portuguese Zone geodynamic evolution: A - During the Upper Devonian (pre- Famennian): ocean between the SPZ and OMZ, subduction, oblique collision and partial obduction; B - During the Famennian and Lower Carboniferous: subduction, collision and beginning of the Pyrite Belt crustal extension; C - During the upper Visean to lower Westphalian, transpressive deformation prograding to SW induced by the subduction reactivation (Type A) and genesis of the

orogenic belt (Silva et al., 1990).

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al. (1979, 1985) (Fig. 32), e mais pormenorizada através da cartografia geológica que veio a integrar a carta geológica da Bordeira (Ribeiro et al., 1987). Destes trabalhos resultou a descrição formal das unidades litostratigráficas reconhecidas na região, designadamente: Formação de Pedra Ruiva (xistos e quartzitos), do Devónico Superior; Formação de Bordalete (xistos argilosos e siltitos dominantes), do Tournaisiano; Formação de Murração (calcá-rios e calcoxistos) do Viseano; Formação de Que-bradas (xistos negros e calcários), do Namuriano.

A investigação palinostratigráfica realizada por Zélia Pereira em meados da década de noventa, no âmbito da sua tese de doutoramento, representa im-portante avanço científico, tendo aqui reconhecido grande parte das biozonas existentes entre o De-vónico superior e o Moscoviano, com a particulari-dade de estarem bem enquadradas com macrofau-nas (Pereira, 1999), (Fig. 33, 34 e 35). A sequência

estratigráfica deste sector passou assim a ser refe-rência obrigatória no contexto da geologia da ZSP.

Geodinâmica e Paleogeografia

A identificação do Ofiólito de Beja-Acebuches (Munhá et al., 1986) representa um avanço cientí-fico determinante, já que veio proporcionar a ela-boração do primeiro modelo geodinâmico para o ramo sul da Cadeia Varisca Ibérica, à luz da tec-tónica de placas (Silva et al., 1990) (Fig. 36). Este modelo inicial foi posteriormente refinado, agora com a informação mais rigorosa resultante do es-tudo pormenorizado das componentes portuguesas e espanhola do ofiólito (Quesada et al., 1994) (Fig. 37). O esquema paleogeográfico regional da ZSP (Fig. 38) mostra o desenvolvimento sucessivo de duas bacias distintas durante o Devónico superior, um mar epicontinental na Faixa Piritosa e Sector

Figura 38 - Paleogeografia da ZSP durante o Devónico Inferior a Médio (a), entre o Devónico Superior e o Viseano supe-rior (b) e durante o Bashkiriano-Moscoviano (c) (Oliveira et al., 2006, 2010).

Figure 38 - Sketch of the South Portuguese Zone paleogeography during the Lower to Middle Devonian (a), between the Upper Devonian and the upper Visean (b) and during the Bashkirian to Moscovian (Oliveira et al., 2006, 2010) .

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26 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 39 - Comparação entre as sucessões litoestratigráficas entre a ZSP e o Sudoeste de Inglaterra (Oliveira & Quesada, 1998).

Figure 39 - Comparison of lithostratigraphic successions between the SPZ and South England (Oliveira & Quesada, 1998).

Figura 40 - A posição da ZSP no contexto da cadeia Varisca. SPZ, Zona Sul Portuguesa; BALG, Ofiolito

de Beja-Acebuches; RTZ, Zona Reno-Hercínica; VF, Frente Varisca; 1, sentido da progradação

(Oliveira & Quesada, 1998 ).Figure 40 - The SPZ within the context of the Variscan Chain. SPZ, South Portuguese Zone ; BALG , Beja-Acebuches Ophiolite; RTZ,

Reno-Hercynian Zone; VF, Variscan front; 1, sense of progradation (Oliveira & Quesada, 1998).

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 3 a 31, 2015 27

Sudoeste (na margem do terreno Avalónia já inte-grado no supercontinente Laurussia), e uma bacia mais profunda no domínio do Pulo do Lobo, esta sobreposta a um prisma acrecionário (Fig. 38a). Durante o Devónico terminal e Mississipiano de-senvolveu-se extensa cintura vulcânica na Faixa Pi-ritosa e uma plataforma carbonatada mista no sector SW (Fig. 38b), após o que estes domínios passaram a integrar sucessivamente uma bacia do tipo fore-land preenchida por sedimentos clásticos profun-dos do tipo flysch, progradantes para SW (Fig. 38c).São numerosos os trabalhos que, no contexto da cadeia Varisca, relacionam a ZSP com as bacias car-boníferas da região SW da Inglaterra e com a bacia do Rhur na Alemanha. Estas correlações careciam, contudo, de base científica rigorosa que só o avanço do conhecimento da SZP veio proporcionar. To-das estas bacias têm história geológica semelhante, marcada pela sedimentação em plataformas silici-clásticas, localmente recifais, no Devónico, vulca-nismo bimodal associados à ruptura extensional destas plataformas no Devónico superior e Missis-sipiano, inversão tectónica compressiva na sequên-

cia da qual se acumulou espessa sedimentação tipo flysch em bacias tipo foreland basin, a partir do Pensil-vaniano, ao que se seguiu sedimentação continen-tal em bacias parálicas, ricas de depósitos de carvão, no Pensilvaniano superior. O estudo comparativo entre da ZSP e o Sudoeste de Inglaterra (Olivei-ra & Quesada, 1998) (Fig. 39) pôs em evidência várias semelhanças entre estas regiões, no que diz respeito às sequências estratigráficas a partir do Devónico Inferior, nomeadamente a existência de basaltos oceânicos no Devónico (Ofiolito de Li-zard e anfibolitos do Pulo do Lobo), vulcanismo predominantemente bimodal entre o Devónico superior e o Viseano superior, sedimentação tur-bidítica tipo flysch, a partir do Viseano superior, que na Inglaterra passa a sedimentação continen-tal no Namuriano (actual Bashkiriano) e que em Portugal se prolonga até ao Moscoviano superior. Tendo por base este estudo, os autores propu-seram um esquema global para a posição da ZSP no contexto da cadeia Varisca europeia (Fig. 40).

Mais recentemente, a identificação do Terreno Finisterra a ocidente da Península Ibérica permi-

Figura 41 - Reconstrução paleogeográfica e geo-dinâmica da cadeia Varisca na parte ocidental da Península Ibérica durante a transição Devónico Su-perior-Carbónico Inferior (360-350 Ma). PTFAZ, Transformante Porto-Tomar- Ferreira do Alente-jo; FNT, Terreno Finisterra; IOMZOS, Sequên-cias Ofilolíticas Internas da Zona de Ossa Morena; BAOC, Ofiólito de Beja-Acebuches; PTBC, Zona de Porto-Tomar-Badajoz-Cordova; Am, Armori-ca; CAT, Terreno Alóctone Continental do NW da

Península (Ribeiro et al., 2007).Figure 41 - Paleogeographic and geodynamic reconstruction of the Variscan Chain in Western Iberia Peninsula during the Up-per Devonian-Lower Carboniferous transition (360-350 Ma). PTFAZ, Porto-Tomar-Ferreira do Alentejo Transform; FNT, Finisterra Terrane; IOMZOS, Ossa Morena Zone Internal Ophiolite Successions; BAOC , Beja- Acebuches Ophiolite; PTBC, Porto-Tomar-Badajoz-Cordova milonitic belt; Am, Ar-

morica; CAT, Allocthonous Continental Terrane of NW Iberia (Ribeiro et al., 2007).

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28 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

tiu a elaboração de um modelo interpretativo para a parte ocidental da cadeia Varisca europeia (Ribeiro et al., 2007). A reconstrução paleogeográfica pro-posta inicia-se no Câmbrico durante o qual é iden-tificada a transformante Porto-Tomar-Ferreira do Alentejo que separava dois ramos do oceano Rheic.

Segue-se uma história complexa, com o início do fecho do oceano Rheic, a abertura de bacias oceânicas marginais, entre as quais a de Beja-Ace-buches, a colisão continental iniciada com o cho-que entre Finisterra e Ossa Morena, com o conse-quente fecho da bacia de Beja - Acebuches, a que se seguiu a colisão entre a Avalónia e o Gondwa-na (Zona de Ossa Morena e Zona Centro Ibérica) de que resultou o prisma acrecionário do Pulo do Lobo, no Devónico Médio a Superior. Na figu-ra 41 está representada a situação paleogeográfica da Zona Sul Portuguesa no Carbónico Inferior.

Conclusões

A curta história que aqui se conta teve o seu início na década de sessenta do século passado quando o conhecimento da geologia da parte por-tuguesa da ZSP começou a atingir níveis cientifi-camente aceitáveis em vários domínios. No caso concreto da estratigrafia, o trabalho centra-se es-sencialmente nas contribuições originais que fo-ram surgindo nas várias disciplinas da área da es-tratigrafia, com ênfase na cartografia geológica, litostratigrafia, sedimentologia, paleontologia, palinologia e, mais recentemente, na petrologia e geoquímica sedimentar, geocronologia isotópica e evolução da matéria orgânica. Como consequên-cia destes estudos, realça-se a contribuição que deram para o conhecimento das bacias sedimen-tares, da paleogeografia e da geologia estrutural.Esta história também não deve ser lida como o es-tado da arte actual destas matérias. Se fosse esse o objectivo deste trabalho, teria de ser feita a análi-se crítica da evolução do conhecimento relativa a cada uma das disciplinas acima indicadas, trabalho este cuja extensão teria a dimensão de um livro.

Apesar dos avanços científicos alcançados, exis-tem ainda muitas dúvidas e incertezas que deve-rão ser objecto de futuras investigações. Refe-rem-se em especial algumas: 1 - O domínio do Pulo do Lobo representa uma antiforma que in-

corpora um prisma acrecionário gerado no De-vónico Inferior a Médio, ao qual se sobrepôs uma bacia sedimentar no Devónico Superior; ou representa um terreno alóctone no seu con-junto, situado entre o Gondwana e a Avalónia? 2 - Na Faixa Piritosa, haverá que se encontrar a expressão cartográfica da lacuna estratigráfi-ca do Tournaisiano, com grande expressão regio-nal; interpretar o vulcanismo, no que respeita às condições geodinâmicas que estiveram na sua gé-nese; explicar a extensão generalizada em toda a Faixa Piritosa da fácies ”borra de vinho” e sili-ciosas, e o seu significado paleogeográfico; anali-sar a eventual importância e extensão da suposta, mas ainda não provada, tectónica gravitacional; 3 - obter melhor caracterização paleogeográ-fica da ZSP no contexto da Cadeia Varisca.

Agradecimentos

A minha contribuição na narrativa histórica aqui contada, ao longo de quarenta anos de actividade, só foi possível graças à colaboração que me foi oferecida por numerosos colegas e amigos, de entre os quais devo sa-lientar os seguintes: Vitor Oliveira que me introduziu na problemática da geologia da Faixa Piritosa, de cuja colaboração acabou por resultar, entre outras activida-des, a coordenação conjunta da publicação das Folhas 7 e 8 da Carta Geológica de Portugal na escala 1:200000; António Ribeiro com quem aprendi o essencial da geo-logia estrutural, me “empurrou” para a cartografia do então Culm, agora GFBA, e das regiões da Carrapatei-ra e Faixa Piritosa, e me incentivou a apresentar o meu doutoramento; José Brandão Silva, pela colaboração na preparação da Folha 46-D Mértola da Carta Geológica de Portugal, na escala 1:50000, tendo a cartografia do vale do Guadiana servido de base para a sua tese de dou-toramento; Zélia Pereira, em quem incuti o gosto da in-vestigação palinostratigráfica, actualmente investigadora de mérito reconhecido a nível nacional e internacional; Paulo Fernandes, introdutor dos estudos sobre matu-ração da matéria orgânica na ZSP, com quem partilho muitas ideias sobre a geologia da ZSP; João Matos, o su-cessor de Vitor Oliveira no LNEG - Beja, um geólogo multifacetado cuja disponibilidade para realizar traba-lho em equipa é amplamente reconhecida. Uma pala-vra muito especial para os colegas e amigos alemães Eva Paproth, Manfred Horn (já falecido) e J. Kullmann, em

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 3 a 31, 2015 29

cuja companhia parti muita pedra na região da Carrapa-teira, em busca dos macrofósseis que ajudaram a estabe-lecer a coluna estratigráfica deste importante domínio da ZSP. Finalmente, exprimo o meu apreço e amizade para com os técnicos Júlio Barroso, José Romão e José Leal, cuja competência técnica foi determinante na conclusão dos vários projectos de cartografia em que participámos.

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Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

Noel Moreira1* & Rui Dias2

1 Centro de Geofísica de Évora (CGE), Laboratório de Investigação de Rochas Industriais e Ornamentais da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora (LIRIO-ECTUE), Pólo de Estremoz da Universidade de Évora, Convento das Maltezas,

7100-513 Estremoz, Portugal 2 Departamento de Geociências da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora, CGE, LIRIO-ECTUE e Centro de Ciência Viva de

Estremoz, Pólo de Estremoz da Universidade de Évora, Convento das Maltezas, 7100-513 Estremoz, Portugal * autor correspondente: [email protected]

Resumo

A interacção entre o Ciclo das Rochas e o Ciclo Tectónico é inegável, sendo que a compreensão dos processos associa-dos à génese das rochas só pode acontecer quando integrada no Ciclo Tectónico. Esta interacção é particularmente rele-vante quando está em causa a génese de rochas metamórficas e magmáticas, uma vez que as mesmas só podem ser geradas, à escala regional, quando por acção da tectónica. No caso concreto do metamorfismo regional, os processos associados ao Ciclo Tectónico desenvolvem nas rochas estruturas que, pela sua análise geométrica e cinemática, permitem compreender os fenómenos actuantes e consequentemente a evolução geodinâmica de uma região. A compreensão das inter-relações conceptuais permite o entendimento da história evolutiva de Portugal Continental; de facto a generalidade do território nacional revela a presença de uma antiga cadeia de montanhas (Cadeia Varisca), actualmente desmantelada pela acção dos processos relacionados com a dinâmica externa e interna do nosso planeta.

Palavras-chave: Ciclo das Rochas, Ciclo Tectónico, Estruturas geológicas, Evolução geodinâmica.

Abstract

The interaction between Rock Cycle and Tectonic Cycle is undeniable. To understand rock genesis an integrated view with the Tectonic Cycle processes is necessary. This interaction is particularly important in metamorphic and magmatic rocks genesis, because they can only be generated at a regional scale due the action of tectonic processes. Concerning regional metamorphism, the Tectonic Cycle induces the formation of geological structures. The geometric and kine-matic analysis of these structures allows to understand the phenomena that have been active and, consequently, the geodynamic evolution of any region. The design of this conceptual approach allows understanding of the geoevolutionary history of Portugal, showing the presence, in most of the territory, of an ancient mountain chain, now destroyed due the action of external and internal dynamic processes of the planet.

Key Words: Rock Cycle, Tectonic Cycle, Geological structures, Geodynamic evolution.

Introdução

Um geólogo estrutural, quando colocado fren-te a uma rocha deformada, tende a observar as es-truturas presentes na mesma, tentando explicar as suas observações baseando-se nos princípios básicos da geologia. Muito do trabalho deste geocientista é realizado através do trabalho de campo, com obser-

vação, descrição e catalogação de diversas estruturas que, no seu conjunto, permitam compreender e re-tratar os processos que levaram ao desenvolvimen-to das mesmas e, consequentemente, das próprias rochas que as contêm. Aliás, o par rocha-estrutura é fulcral no entendimento da estreita ligação entre o Ciclo das Rochas e o Ciclo Tectónico. O traba-lho de campo, só por si, é muitas vezes insuficiente

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para a completa compreensão da complexa relação entre os diversos processos associados à geodinâ-mica interna. Consequentemente, este trabalho deve ser acompanhado/complementado por fer-ramentas diversas, entre as quais se destacam as modelações laboratoriais (análoga ou numérica), que permitem a percepção e representação destes processos à escala de tempo humana, mas tam-bém por outras áreas do saber geológico, como sejam a geoquímica ou a petrologia, entre outras.

Este trabalho pretende sintetizar algumas das re-lações entre os dados estruturais e as considera-ções de cariz geodinâmico propostas, integran-do-as no contexto dos Ciclos das Rochas e Tec-tónico. Estas relações são geralmente clarifica-das com exemplos relacionados com a evolução geodinâmica do Território Continental Portu-guês, com especial foco no Soco Varisco Ibérico.

Estruturas geológicas como chave para a com-preensão da Tectónica de Placas

As estruturas geológicas podem ser agrupa-das em diferentes categorias, sendo a sua inter-pretação dependente da sua natureza; estas po-dem ser divididas em três categorias principais: contacto, primárias e secundárias (Davis & Rey-nolds, 1996). A diferenciação entre estas cate-gorias de estruturas está directamente relacio-nada com os processos envolvidos na sua génese. As estruturas de contacto incluem, como o pró-prio nome indica, relações geométricas en-tre duas ou mais unidades/corpos rochosos, podendo ser subdivididas em contactos de-posicionais, intrusivos ou de corte/fractura. As estruturas primárias podem definir-se como características geométricas e texturais desenvolvi-das durante o processo de formação do corpo ro-choso onde estão incluídas (Fig. 1A). A título de exemplo destaca-se, desde logo, a estratificação ou as figuras de fluxo (e.g. flute cast), relacionadas directamente com os processos que estão na ori-gem das rochas sedimentares (Nichols, 2009). As estruturas primárias são também comuns nas rochas magmáticas, onde se podem identifi-car estruturas relacionadas com as condições em que as rochas se formaram. Neste tipo de rochas

pode incluir-se, a título de exemplo, a presença de texturas vesiculares ou em almofada em lavas ou fluxos magmáticos em rochas plutónicas (Da-vis & Reynolds, 1996). Estas estruturas são essen-ciais para a compreensão dos processos genéticos que levam à génese destas duas famílias de rochas. Por fim, as estruturas secundárias abrangem configurações geométricas e texturais origi-nadas após a génese das rochas sedimentares e magmáticas, geralmente associadas com proces-sos de deformação e metamorfismo que, mui-tas vezes, surgem articulados (Fig. 1B). Aqui in-cluem-se estruturas como dobras, veios, folia-ções, lineações, falhas e zonas de cisalhamento (vide capítulo seguinte; Davis & Reynolds, 1996).

A correcta interpretação das estruturas geo-lógicas é fulcral para a compreensão dos proces-sos que levam à sua génese e, consequentemen-te, no conhecimento da tectónica de placas, uma vez que grande parte dos processos por elas res-ponsáveis podem ser vistos à luz do Ciclo Tectó-nico. Para tal, os geólogos baseiam geralmente as suas observações, a colheita de dados e as suas in-terpretações nos princípios básicos da Geologia.

Um destes princípios enuncia que a genera-lidade dos sedimentos depositados em bacias se-dimentares originam camadas horizontais. Por isso, quando se observam camadas sub-horizon-tais, é possível concluir que não houve deforma-ção após a deposição; com efeito, as excepções são muito pouco frequentes e associadas a situações muito particulares de sedimentação. Pelo mesmo motivo, quando observamos uma dobra afectan-do diferentes camadas sobrepostas pode afirmar--se que a actuação de forças levou à distorção da forma original das camadas. Assim, para que uma sucessão sedimentar inicialmente horizontal se apresente dobrada ter-se-á de invocar a presença de forças capazes de deformar rochas, sendo qua-se sempre necessário recorrer à ação Tectónica de Placas para explicar a génese destas estruturas.Para a compreensão de uma qualquer sequência do-brada, esta deve começar por ser descrita e analisada no que respeita à sua geometria e cinemática. Con-siderando um outro princípio básico, o princípio da sobreposição das camadas, sabe-se que numa su-cessão de estratos não deformados, os mais antigos

34 Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas; Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

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se encontram na base da sequência e os mais recen-tes no topo. Contudo, quando se observam dobras macroscópicas no campo a ideia de topo e base da sequência raramente se consegue obter apenas pelo conteúdo faunístico dos estratos. Aqui é essencial a observação de estruturas primárias (quando ocor-rem) na análise das estruturas secundárias; algumas estruturas primárias podem mostrar as relações entre base e topo de uma sequência (Figs. 1A e 2).A título de exemplo, considera-se uma torrente se-dimentar, de carácter heterogéneo no que respeita à granularidade dos elementos constituintes. Quando a mesma se deposita em ambiente aquático, tenderá a organizar-se granulometricamente, sendo que os elementos mais grosseiros depositar-se-ão na base da camada e os mais finos no topo da mesma; a este fenómeno dá-se o nome de granotriagem (Fig. 1A4

e 2). A presença de uma sucessão estratos com este tipo de estrutura permite compreender a polari-dade da sequência e, consequentemente, quando a mesma se encontra dobrada classificar a dobra quanto à sua polaridade em Anticlinal ou Sinclinal.

A granotriagem é apenas uma de muitas estruturas primárias que permitem determinar a polaridade de uma sequência sedimentar (Fig. 2). A presença, por exemplo, de estruturas biogénicas (como cruziana ou Skolithos), de fluxo ou de carga permitem também estabelecer a polaridade da sequência (Fig. 2). Os Skolithos, muito comuns nas

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 33 a 45, 2015 35

Figura 1 – Diversidade de estruturas geológicas reconhecidas em unidades metassedimentares do Maciço Ibérico. (A) Exemplos de estruturas primárias – (A1) Icnofósseis do género Cruziana (NW de Espanha); (A2) Icnofósseis do género Skolithos (Ordovícico da Apúlia); (A3) figuras de fluxo, com figuras de arraste e Flute casts (Grupo do Flysch do Baixo Alentejo, litoral SW de Por-tugal); (A4) granotriagem em sequências tur-bidíticas do Grupo do Flysch do Baixo Alentejo (os círculos de maiores dimensões indicam a base da camada). (B) Estruturas secundárias associa-das a processos de deformação – (B1) boudins em níveis de metagrauvaques, com os locais de maior estiramento (necks) evidenciados pela presença de veios de quartzo (Almograve, Grupo do Flysch do Baixo Alentejo); (B2) dobras assimétricas em rochas calcossilicatadas (Barragem do Caia, NE Alentejano); (B3) famílias de cisalhamen-tos conjugados com veios de quartzo en-echelon (Almograve, grupo do Flysch do Baixo Alentejo);

(B4) Estruturas delta à microescala (Abrantes, micaxistos granatíferos).

Figure 1 - Geological structures recognized in metasedimentary units of the Iberian Massif. (A) Examples of primary structures - (A1) Cruziana ichnofossils (NW Spain); (A2) Skoli-thos ichnofossils (Ordovician, Apulia); (A3) flow figures, with aspects of drag and flute casts (Baixo Alentejo Flys-ch Group ,SW Portugal coastline); (A4) sorting in turbidite sequences of the Baixo Alentejo Flysch Group (the larger circles indicate the base layer). (B) secondary structures as-sociated with deformation processes - (B1) boudins in meta-greywacke levels, with necks evidenced by the presence of quartz veins (Almograve, Baixo Alentejo Flysch Group); (B2) asymmetric folds in calc silicate rocks (Caia Dam, NE Alentejo); (B3) families of conjugated shears with quartz veins en-echelon (Almograve, Baixo Alentejo Flysch

Group); (B4) delta micro scale structures (Abrantes, mica garnetiferous).

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sequências do Ordovícico de Portugal (e.g. Sá et al., 2005; 2011), são estruturas que representam uma construção habitacional em galeria que se desenvolve perpendicularmente à superfície do substrato, com forma geralmente cónica (e.g. Key, 2014). Estas estruturas de origem biogénica apresentam-se como bons critérios para identificar o topo da bancada, apresentando aí formas circulares, que são interpretadas como sendo a extremidade do habitáculo, ou seja, a saída para o meio externo; contudo, por vezes estes seres perfuram mais do que uma camada, podendo aparecer marcas circulares no topo e na base da camada, dificultando a determinação da polaridade da sucessão. A deflexão das laminações internas dos leitos e a forma cónica dos Skolithos são também critérios a ter em conta na análise da polaridade.

A análise de estruturas à micro- e mesoescala e das suas relações geométricas pode permitir o seu

Figura 2 – Quadro esquemático de síntese com estruturas sedimentares que permitem aferir sobre a polaridade de uma sequência sedimentar (adaptado de Nichols, 2009).

Figure 2 - Schematic synthesis framework with sedimentary structures to define the polarity of the sedimentary sequence (adapted from Nichols, 2009).

entendimento das estruturas à macroescala e, em última instância, compreender a relação destas es-truturas com a edificação de uma antiga cadeia de montanhas, actualmente desmantelada, ou mesmo à génese de um supercontinente que posterior-mente se fragmentou. Estas relações revelam-se fundamentais para a compreensão da Tectóni-ca de Placas (actual e do passado) e consequente-mente da dinâmica associada ao Planeta Terra.

Zonas de Cisalhamento e estruturas associadas; o que elas nos dizem?

Qualquer corpo, quando sujeito a um campo de tensões, pode variar a sua forma (i.e. distorção), posição e/ou orientação (i.e. rotação e/ou transla-ção), adoptando uma configuração distinta da sua forma inicial; a esta propriedade dá-se o nome de deformação (e.g. Fossen, 2012). A deformação das

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rochas não se distribui geralmente de forma ho-mogénea nos corpos rochosos, sendo comum que a mesma se concentre em zonas planares que acomo-dam a deformação entre blocos relativamente rígi-dos (e.g. Passchier & Trouw, 2005; Fossen, 2012). Estas zonas tabulares, de espessura variável, apre-sentam geralmente deformação não-coaxial, com predomínio da deformação dúctil, que reflecte o deslocamento contínuo entre os dois blocos rígidos que a delimitam, sendo usualmente denominadas de zona de cisalhamento (Fig. 3A). A sua deforma-ção leva ao desenvolvimento de fabrics, estruturas e paragéneses minerais que reflectem as condições de pressão e temperatura, o tipo de escoamento, bem como sua a cinemática (Passchier & Trouw, 2005).Associado a zonas de cisalhamento dúcteis geram-se comummente rochas metamórficas foliadas, com evidências de intensa recristalização e deformação plástica e na qual há alteração da dimensão (geral-

mente diminuição) dos grãos constituintes da rocha inicial (e.g. Sibson, 1977; Passchier & Trouw, 2005; Fossen, 2012). A esta tipologia de rochas dá-se o nome de milonitos (e.g. Sibson, 1977, Fig. 3A).Até pela sua definição, as zonas de cisalhamento parecem apresentar uma relação genética com fa-lhas. As zonas de cisalhamento, desenvolvidas em profundidade, apresentam por vezes evidências su-perficiais da sua actuação: as falhas. Contudo, im-porta referir que a existência de falhas não implica a existência de uma zona de cisalhamento em pro-fundidade, podendo a mesma estar apenas relacio-nada com questões tectónicas locais e superficiais.

As falhas são assim situações particulares de zo-nas de cisalhamento, com características próprias, desenvolvidas em regimes superficiais com defor-mação frágil (Fig. 3A, Fossen, 2014). As falhas po-dem ser definidas como estruturas planares discre-tas (i.e. onde a espessura da zona de maior defor-

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Figura 3 – A) - Modelo sintético da conexão entre falha, gerada em ambientes frágeis (superficiais), e zona de cisalha-mento, de carácter dúctil. A transição entre estas duas zonas é gradual e depende de vários factores, tais como gradiente geotérmico e composição mineralógica da crosta. No caso de crostas continentais dominadas pela presença de granitos, essa passagem desenvolve-se entre os 10 e 15 km (adaptado de Fossen, 2012). B) - Esquema exemplificativo da relação entre variações da orientação de uma zona de cisalhamento transcorrente à macroescala e a sua cinemática (adaptado de Kearey et al., 2009). (1) - génese de estruturas em flor negativas associadas a inflexões que provocam extensão local; (2) génese de

zonas constritivas locais e consequente formação de estruturas em flor positivas. Figura 3 - A) - Synthetic Model connection between fault generated in fragile environments (surface), and shear zone, ductile character. The transition between these two regions is gradual and depends on various factors such as geothermal gradient and mineralogical composition of the crust. In the case of continental crust dominated by the presence of granite, this passage develops between 10 and 15 km (adapted from Fossen, 2012). B) - Diagram of the rela-tionship between changes in direction of transcurrent shear zone at the macroscale and its movement (adapted from Kearey et al., 2009): (1) negative flower structures genesis associated with inflections which bring about local extension. (2) - genesis of local and consequent formation of positive flower structures

constricting areas.

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mação é normalmente negligenciável), predomi-nantemente frágeis, que concentram a deformação, separando blocos nos quais a deformação não se faz sentir. Associado aos planos de falha formam-se geralmente rochas associadas à sua actividade, no-meadamente brechas de falha e cataclasitos (Fig 3A). Verifica-se que, em profundidade (i.e. em regiões onde a pressão litostática e a temperatura são maio-res), os materiais rochosos, quando sujeitos a de-formação, não apresentam uma descontinuidade brusca como acontece com as falhas referidas an-teriormente. Com efeito, a deformação deixa de se concentrar num “plano” passando a haver uma área mais larga na qual os materiais sofrem deformação, desenvolvendo-se assim uma zona de cisalhamento. As profundidades de transição entre a deformação dúctil e a deformação frágil são variáveis, dependen-do do gradiente geotérmico e da composição mi-neralógica da crosta (Fossen, 2012). Considerando uma crosta essencialmente granítica, a profundi-

dade de transição ocorre normalmente entre os 10 e os 15 Km (Scholz, 1988; Fossen, 2012, Fig. 3A).

As falhas e as zonas de cisalhamento podem ser descritas tendo em conta a sua geometria e a sua cinemática, ou seja, a movimentação relativa entre os blocos. A descrição destas características é fulcral para a compreensão e interpretação da dinâmica das mesmas.

No caso da deformação mais frágil, a identi-ficação cinemática baseia-se muitas vezes no re-jeito de estruturas prévias, como sejam cama-das guia ou filões anteriores, tendo como base o principio da intersecção, e a sua relação com es-truturas lineares presentes no plano de falha (es-trias). Outras estruturas como sigmóides, fendas en-echelon e estruturas do tipo Riedel podem ser também utilizadas como critérios cinemáticos.

No caso da deformação dúctil, a diversidade das estruturas é ainda maior. A multiplicidade de critérios relativos à cinemática das zonas de cisa-

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Figura 4 – Quadro resumo representando os principais indicadores cinemáticos reconhecidos numa zona de cisalhamento (adaptado de Passchier & Trouw, 2005).

Figure 4 - Table summarisingthe main kinematic indicators recognized within a shear zone (adapted from Passchier & Trouw, 2005).

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lhamento advém do facto de este processo estar intimamente relacionado com os processos me-tamórficos e, consequentemente, com o aumento da pressão e temperatura. O crescimento de no-vos minerais, a génese de estruturas planares (e.g. foliação, que só muito raramente se associam a zonas de falhas) e lineares (e.g. lineação de estira-mento) ou a deformação de estruturas e minerais prévios fazem com que o espectro de estruturas criadas seja mais alargado (Fig. 4). Assim, para um entendimento da génese e evolução de uma qual-quer zona de cisalhamento, é necessário um estudo aprofundado a todas as escalas destas estruturas.

Na maioria dos casos a interpretação de uma zona de cisalhamento à escala de um orógeno não é linear, sendo necessário o estudo cuidadoso a di-versas escalas (desde a micro- à macroescala), uma vez que a mesma pode apresentar particularidades pontuais que não representam a sua dinâmica geral. Considera-se, a título de exemplo, uma zona de cisalhamento com movimentação transcorrente (i.e. onde os blocos adjacentes se deslocam essen-cialmente segundo a horizontal), com inflexões da direcção ao longo do seu traçado, como represen-tado na figura 3B. A interpretação desta estrutu-ra só pode ser realizada quando compreendida no seu todo, uma vez que modificações locais na sua orientação geral poderão induzir em erro, osten-tando pontualmente cinemáticas distintas da sua cinemática geral devido às heterogeneidades lo-cais induzidas pelas inflexões dos planos de falha/zonas de cisalhamento (Kearey et al., 2009). Estas heterogeneidades podem induzir a génese local de zonas compressivas (restraining bends) e, conse-quentemente, a génese de estruturas de encurta-mento com a eventual formação de estruturas com componente cavalgante (e.g. estruturas em push-up ou estruturas em flor positivas) ou de zonas ex-tensivas (releasing bends) que podem gerar estrutu-ras com cinemática normal e consequentemente à possível génese de bacias (e.g. bacia de pull-apart ou estruturas em flor negativas). Contudo, es-tas especificidades observadas localmente não re-flectem na realidade a componente transcorren-te dominante em toda a zona de cisalhamento.

A análise detalhada das estruturas geológicas associadas a falhas e zonas de cisalhamento revela--se assim fulcral para uma correta interpretação da

sua dinâmica e, naturalmente, para a compreen-são da evolução geodinâmica de uma qualquer re-gião do globo, uma vez que estas estruturas se as-sociam espacialmente a todos os limites de placas.

Do fundo dos oceanos ao núcleo de uma cadeia de montanhas; do Ciclo das Rochas ao CicloTectónico

O reconhecimento da diversidade litológica permitiu que fossem distinguidos, desde muito cedo, três tipos de rochas (sedimentares, magmá-ticas e metamórficas), muito antes da compreensão dos processos associados à formação de cada um dos três tipos, algo que só aconteceu posteriormente.A percepção dos processos que levam à génese das rochas permitiu a individualização de dois impor-tantes sistemas naturais, que funcionam de for-ma cíclica e cooperativa: o Ciclo Hidrológico e o Tectónico. A sua actuação conjunta, concomitante com a gravidade e os processos de ajustamento isos-tático, provoca, ao longo do tempo geológico, uma movimentação dos materiais geológicos da super-fície para locais mais profundos na crosta terres-tre e até mesmo do manto, sendo posteriormente trazidos novamente para a superfície; este proces-so cíclico implica alterações físicas e químicas das rochas; de facto ao serem transportadas para locais diferentes daqueles onde se formaram, as rochas são sujeitas a condições de pressão, temperatura e ambiente químico diferentes das que existiam ini-cialmente. Ao conjunto de processos que são res-ponsáveis por este trânsito litológico designou-se de Ciclo das Rochas (Fig. 5A). Com efeito, a ação do Ciclo Tectónico em conjugação com os proces-sos geológicos associados ao Ciclo Hidrológico (em especial a destruição dos relevos e a deposição dos materiais daqui resultantes) obrigam uma perma-nente modificação da superfície da Terrestre. A interacção entre os Ciclos Hidrológico e das Ro-chas é facilmente reconhecível pelo senso comum (ou pelo menos uma fracção desta interacção), o que o ditado “Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura” enfatiza bastante bem. Contudo, a interacção entre os Ciclos das Rochas e o Tectónico envol-ve processos menos perceptíveis e palpáveis, uma vez que acontecem a escalas temporais distintas da escala humana (e.g. Dodick & Orion, 2003; Dias

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Figura 5 – A) - Representação esquemática do Ciclo das Rochas, mostrando diversos processos associados à génese das três tipologias de rochas existentes. B) - Diagrama de fácies metamórficas, assinalando o traçado de um gradiente geotérmico de 25ºC/Km (circulo azul representa a profundidade de 7 km e 175 ºC de temperatura). C) - Representação esquemática

do Ciclo Tectónico e a sua relação temporal com as principais famílias de rochas. Figure 5 - A) - Schematic view of the Rock Cycle, showing various processes associated with the genesis of the three types of existing rocks. B) - Diagram of

metamorphic facies, indicating the layout of a geothermal gradient of 25 °C / km (blue circle represents the depth at 7 km and 175 ° C temperature). C) - Schematic representation of the Tectonic Cycle and its temporal relation to the main rock families.

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& Cardoso, 2005; Bonito et al., 2010); as zonas activas tectonicamente são uma exceção, pois aí o intenso tectonismo e vulcanismo refletem-se no quotidiano das populações, tornando percetível parte desta extensa interação. Com efeito, embo-ra estes processos se desenrolem no seu conjun-to a velocidades extremamente baixas e períodos longos para os nossos sentidos, eles são marca-dos por eventos catastróficos (i.e. muito intensos e de curta duração) como os sismos e as erupções.

Todavia, a interacção entre os Ciclos Tectónico e das Rochas é bastante mais vasta. Apesar de mui-

tas vezes se dissociar totalmente os Ciclos Tectó-nico e Hidrológico, fazendo uma correspondência directa entre o Ciclo Hidrológico e as rochas se-dimentares e entre o Ciclo Tectónico e as rochas metamórficas e magmáticas, esta correspondência deve ser feita com cautela sob pena de se perder a visão dinâmica e integrada do Ciclo das Rochas.

A transição entre os diversos campos repre-sentados no Ciclo das Rochas é gradual. Toda-via, para que o mesmo pudesse ser sistematizado, houve necessidade de considerar uma divisão ar-tificial entre os conjuntos de processos activos em

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cada um dos ambientes (Fig. 5A). Esta aborda-gem de sistematização, que facilita a compreen-são de muitos fenómenos, cria limites estanques entre processos (e consequentemente entre tipos de rochas) que não têm significado na Natureza.

No caso concreto das rochas sedimentares, estas formam-se na generalidade dos casos em bacias de sedimentação, que são alimentadas por cursos de água que transportam consigo sedimentos e elementos químicos provenientes da meteorização física e química de rochas emersas, bem como restos mortais de seres vivos. Apesar da génese destas rochas estar directamente associada ao Ciclo Hidrológico, a existência de depressões na crosta terrestre, onde ocorre a sedimentação dos materiais transportados pelos agentes da dinâmica externa, encontra-se geralmente associada à Tectónica de Placas. É também fundamental realçar que os grandes relevos que ao serem erodidos vão alimentar as bacias de sedimentação; de facto são eles próprios fortemente condicionados pela tectónica. Considerando as grandes bacias oceânicas como as principais bacias de sedimentação à escala global, é intuitivo que os processos que levam à oceanização estejam directamente relacionados com o Ciclo Tectónico (Fig. 5C). Outras tipologias de bacias (como sejam as bacias de pull-apart anteriormente referidas) encontram-se também elas controladas por processos associados essencialmente à dinâmica interna, o que mostra a interacção entre a génese desta tipologia de rochas e o Ciclo Tectónico. A interacção entre metamorfismo e deformação é também um dos pontos fulcrais na compreensão do Ciclo das Rochas; contudo, estes conceitos são muitas vezes abordados separadamente, tornando-se um constrangimento à compreensão dos processos geodinâmicos.

A título de exemplo, considerar-se-á que uma bacia oceânica (as planícies abissais apresentam profundidades entre 3000 e 6000 m; Lowrie, 2007) poderia ser totalmente preenchida por se-dimentos, empilhando um total máximo próximo de 7000 m (considerando subsidência da bacia as-sociada à isostasia inerente ao facto de estarmos a substituir água do mar com densidade próxima de 1 por sedimentos com uma densidade média superior a 2,5 g/cm3). Admitindo um gradiente geotérmico médio de 25 ºC/Km (Kearey et al., 2009), as tem-

peraturas na base da sequência sedimentar atingi-riam um máximo próximo dos 175 ºC, temperatu-ra muito próxima da transição entre rochas sedi-mentares e rochas metamórficas (Fig. 5B). Como tal, as temperaturas e pressões actuantes nas zonas mais profundas das bacias sedimentares permitem no máximo gerar rochas metamórficas de muito baixo grau, excluindo-se assim a formação de ro-chas metamórficas de médio e alto grau, bem como a fusão das rochas e subsequente génese de rochas magmáticas. Desta forma, apenas recorrendo aos processos de espessamento e/ou estiramento litos-férico, directamente enquadrados no Ciclo Tec-tónico, se torna possível a compreensão do Ciclo das Rochas, principalmente no que respeita à gé-nese de rochas magmáticas e metamórficas (Fig. 5).

Para que uma sucessão sedimentar depositada numa bacia sedimentar (oceânica) venha a sofrer metamorfismo de carácter regional ter-se-á, por isso, que invocar a presença do Ciclo Tectónico e, consequentemente, o binómio metamorfismo-de-formação. A génese das rochas metamórficas só é possível num planeta activo do ponto de vista tectóni-co, onde a variação da pressão e temperatura neces-sária para desencadear os processos metamórficos, resulta quase sempre de um espessamento de mate-riais rochosos associado aos processos orogénicos.

Na verdade, o espessamento crustal encontra--se, na maioria dos casos, associado a limites de placas do tipo convergente. A convergência entre dois blocos continentais, separados entre si por uma bacia oceânica, caracterizada pela presença de sequências sedimentares sub-horizontais, mais ou menos espessas, obriga a que haja uma dimi-nuição da extensão da bacia e, como tal, os estratos inicialmente sub-horizontais vão sofrer encurta-mento. Esta convergência leva frequentemen-te a que as tensões compressivas máximas sejam subhorizontais (e não subverticais como acontece quando a tensão litostática é predominante), ge-rando nas rochas uma série de estruturas geológi-cas (e.g. dobras e falhas) que permitem o espessa-mento vertical da sucessão e consequente aumento da pressão e temperatura nas zonas mais profun-das das sequências sedimentares. Estes processos de deformação poderão induzir um conjunto de transformações físicas e químicas nas rochas, no estado sólido, ao longo do tempo, transformando-

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-a numa rocha distinta da inicial; daqui resulta a génese de rochas metamórficas à escala regional. Se o incremento de temperatura associado ao espes-samento crustal continuar, as rochas poderão fun-dir total ou parcialmente, dando origem a magmas que poderão cristalizar em profundidade (rochas plutónicas) ou à superfície (rochas vulcânicas).

Quando se observa a distribuição global de ro-chas magmáticas recentes à escala global, sejam elas vulcânicas ou plutónicas, verifica-se que o ar-ranjo não é de todo aleatório; estas tipologias de rochas encontram-se directamente associadas a limites de placas (na maioria dos casos divergen-tes ou convergentes). Da mesma forma, tendo em conta o princípio das causas actuais, a existência de grandes volumes de rochas deste tipo em pe-ríodos passados deverão estar associadas a grandes eventos tectónicos, com uma íntima relação com os limites de placas. No capítulo seguinte, abor-dar-se-á o caso concreto de Portugal Continental, uma vez que a simples observação da sua geologia como um todo, mostra uma geohistória comple-xa, que só pode ser entendida quando enquadra-da amplamente no contexto do Ciclo Tectónico. Do Ciclo Tectónico à Geologia de Portugal; uma visão diferente de um mapa geológico

É usual a subdivisão de Portugal continental em grandes unidades morfotectónicas: Maciço Ibérico (ou Hespérico), Orlas Meso-Cenozóicas Meridio-nal (ou do Algarve) e Ocidental (ou Lusitaniana) e Bacia do Tejo e do Sado (Fig. 6A, Ribeiro et al., 1979; Ribeiro, 2013a). Esta divisão reflecte na verdade diferentes momentos no que respeita à evolução geodinâmica de Portugal; cada uma destas unida-des apresenta características litológicas, estruturais e cronológicas distintas entre si. O Maciço Ibérico apresenta-se zonado, sendo por sua vez subdividi-do em zonas com características tectono-estrati-gráficas, metamórficas e magmáticas próprias (Fig. 6B, e.g. Lotze, 1945; Julivert et al., 1974; Ribeiro et al., 1979). Contudo, em todas estas zonas há um denominador comum: a presença de abundantes rochas metamórficas, muitas vezes associadas a um intenso magmatismo (Fig. 6C, Dias et al., 2013 e

referências inclusas). Tendo em conta o referido nos capítulos anteriores, a ocorrência destas tipo-logias de rochas só poderá ser compreendida tendo em conta a associação com o Ciclo Tectónico, que terá induzido a formação de uma cadeia orogéni-ca associada a um forte espessamento crustal, algo que não acontece, por exemplo, nas Orlas Meso--cenozóicas, onde as rochas são maioritariamente sedimentares, o que permite inferir que nunca es-tiveram associadas a nenhum processo orogénico.

Desde logo, se se considerar a distribuição es-pacial e abundância de rochas magmáticas plutóni-cas, bem como o grau metamórfico ostentado pelas rochas ante-Mesozóicas, é possível colocar em evi-dência um zonamento interno no Maciço Ibérico (e.g. Ribeiro, 2013b). Com efeito, denota-se um sector central, no qual predominam as rochas íg-neas e metamórficas de mais alto grau (Zonas Cen-tro Ibérica, Ossa-Morena e Oeste Astúrico-Leo-nesa), ladeado por litologias de muito baixo grau metamórfico, e com menor volumetria de rochas magmáticas, nas regiões mais externas do referido maciço (Zona Cantábrica, apenas representada em Espanha, e Zona Sul-Portuguesa; Figs. 6B e C).

Enquadrando este facto no contexto do Ci-clo Tectónico torna-se evidente a presença de uma geohistória complexa, bem distante senso-rial e temporalmente. Na verdade, o Maciço Ibé-rico constitui um segmento de uma extensa cin-tura orogénica antiga, com cerca de 1000km de largura por 8000km de comprimento, que se estende desde o Cáucaso aos Apalaches e às mon-tanhas Ouachita nos Estados Unidos (e.g. Matte, 2001; Nance et al., 2012). O sector europeu des-ta cintura orogénica designou-se de Cadeia Oro-génica Varisca Europeia (Fig. 6B, e.g. Ribeiro & Sanderson, 1996), sendo que o Maciço Ibérico representa o fragmento mais ocidental desta cin-tura orogénica na Europa, contemplando rochas com idades ante-mesozóicas (Ribeiro et al., 1979).

Os processos que deram lugar a esta cintura orogénica tiveram lugar durante o Paleozóico (e.g. Matte, 2001; Moreira et al., 2014), sendo o resultado da abertura e fecho do Oceano Rheic, que culmina com a colisão entre três grandes placas – Gondwana a Sul e Laurência e Báltica a Norte

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Figura 6 – A) - Unidades morfotectónicas da Península Ibérica (adaptado de Ribeiro et al., 1979). B) - Cadeia Varisca Europeia, colocando em evidência os principais Maciços Variscos Europeus, bem como o zonamento interno do Maciço Ibérico (adaptado de Ribeiro et al., 1979; Martínez Catalán, 1990; Matte, 2001; Ribeiro & Sanderson, 1996). C) - Mapa geológico simplificado do território continental português, pondo em evidência a presença de um intenso plutonismo no Centro e Norte de Portugal, envolvido por rochas metamórficas (adaptado de Carta Geológica de Portugal à escala

1:1000000 do LNEG (2ª edição), 1968).Figure 6 - A) - Mmorphotectonic units of the Iberian Peninsula (adapted from Ribeiro et al., 1979). B) - European Variscan chain, highlighting the main European Variscan massifs, as well the internal zonation of the Iberian Massif (adapted from Ribeiro et al., 1979; Martínez Catalán, 1990; Matte, 2001; Ribeiro & Sanderson, 1996). C) - Geological map of Portugal, simplified, highlighting the intense plutonism in Central and Northern Portugal,

surrounded by metamorphic rocks (adapted from Geological Map of Portugal 2nd edition, at scale 1: 1000000 of LNEG, 1968).

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e uma série de blocos continentais menores que bordejavam o bordo setentrional do Gondwana (e.g. Ribeiro et al., 1979; 2007; Matte, 2001; Nance et al., 2012). Este processo de colisão de placas culmina com a formação do Supercontinente Pangeia no Carbonífero.

Os processos geodinâmicos associados ao fe-cho do Oceano Rheic, com início no Devónico in-ferior (e.g. Moreira et al., 2014), e posterior coli-são continental são responsáveis pela deformação e metamorfismo das unidades de idade ante-me-sozóica identificadas no Maciço Ibérico (Fig. 6C) e consequente espessamento crustal, bem como pelo intenso plutonismo do Paleozóico superior (Devónico superior ao Pérmico), bastante bem re-presentado no Centro e Norte de Portugal (Dias et al., 2013 e referências inclusas). A presença de estruturas geológicas secundárias a todas a esca-las, desde a micro- à macroescala, articulada com metamorfismo e magmatismo reconhecido em todo o Maciço Ibérico, permite assim compreen-der os fenómenos relacionados com a génese da cadeia orogénica Varisca. Estas estruturas permi-tem deduzir a sequência de acontecimentos, como são exemplo os episódios tectonometamórficos e magmáticos, mostrando assim a estreita rela-ção entre o Ciclo Tectónico e o Ciclo das Rochas.

Por fim, a erosão da cadeia orogénica referida, associada à recuperação isostática, acaba por trazer à superfície e subsequentemente até ao afloramen-to, materiais que se geraram em ambientes profun-dos, no núcleo de uma cadeia de montanhas. Desta forma, é possível a sua visualização destes materiais, tornando o Maciço Ibérico um verdadeiro labora-tório ao ar livre. Isto mostra que “Se o presente é a chave para o passado”, baseado no Princípio do Ac-tualismo, não é menos verdade que “O passado pode ser a chave para o presente”, visto permitir estudar níveis crustais inferiores, actualmente à superfí-cie, possibilitando assim uma maior compreensão dos fenómenos actuantes em cadeias de montanhas recentes como sejam os Himalaias ou os Andes.

Após a génese da Pangeia no Paleozóico supe-rior, a evolução do Território Continental Portu-guês durante o Meso-Cenozóico irá ser profunda-mente condicionada pelos Ciclos de Wilson Alpino e Atlântico (e.g. Kullberg et al. 2013, Terrinha et

al., 2013). Com efeito, a base do Mesozóico (Triá-sico) é caracterizado pela presença de sedimentos continentais resultantes da erosão dos terrenos que constituem o Orógeno Varisco, marcando o início do estiramento litosférico que irá culmi-nar com a fragmentação da Pangeia. Este proces-so leva à génese das Bacias Meso-cenozóicas me-ridional e ocidental, onde se depositam espessas séries sedimentares, às quais se associa magmatis-mo pontual, bem como outras bacias sedimenta-res de reduzidas dimensões (e.g. Bacia de Santiago do Cacém). Esta transição entre as fases colisionais associadas ao Ciclo Varisco e as fases distensivas associadas ao Ciclo Atlântico é bem marcada pela célebre discordância angular do Telheiro (estrutu-ra de contacto), onde as unidades sedimentares de idade triássica assentam de forma discordante so-bre as carboníferas deformadas (Ribeiro, 2013c).

A cuidada observação das estruturas geológi-cas revela-se assim como uma peça chave na com-preensão da evolução geodinâmica de um qualquer lugar no nosso planeta, permitindo assim a carac-terização dos principais processos actuantes que levaram à sua actual configuração. Estas estruturas mostram também uma interdependência de pro-cessos entre os Ciclos Tectónico e das Rochas, que podem e devem ser vistos de forma integrada para a melhor compreensão da evolução do sistema Terra. Agradecimentos

Noel Moreira agradece à Fundação Calouste Gul-benkian pelo financiamento do trabalho, através do “Programa Estímulo à Investigação 2011” e à Fundação para a Ciência e Tecnologia pela bolsa de doutoramen-to de referência (SFRH/BD/80580/2011). Os auto-res agradecem também ao financiamento atribuído ao Centro de Geofísica de Évora, através do contrato com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PEst-OE/CTE/UI0078/2011). Os autores agradecem aos reviso-res pelos seus comentários que incrementaram a quali-dade do manuscrito. Bibliografia

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Caracterização petrográfica das rochas gnaisso-migmatíticas de Madalena-Lavadores (Vila Nova de Gaia)

D. C. A. Silva1, E. Rodrigues1, H. C. B. Martins2* & M. A. Ribeiro2,

1 Universidade do Porto, DGAOT, R. Campo Alegre, 4169-007 Porto, Portugal 2 Universidade do Porto, DGAOT, CGUP, R. Campo Alegre, 4169-007 Porto, Portugal

* autor correspondente: [email protected]

Resumo

As rochas gnaisso-migmatíticas aflorantes no litoral de Madalena-Lavadores (Vila Nova de Gaia) estão enquadradas numa faixa metamórfica, adjacente ao maciço granítico sin-tectónico do Porto no seu bordo ocidental, tendo sido pos-teriormente intruída pelo granito pós-tectónico de Lavadores. Nesta faixa metamórfica de carater gnaisso-migmatitico afloram rochas diversas diatexíticas (leucocratas, mesocratas e leuco a mesocratas) e rochas metatexíticas. As primeiras predominam no litoral de Lavadores e as segundas ocorrem em associação com diatexitos leuco a mesocratas no litoral de Madalena. A individualização destas litologias foi obtida através de alguns aspetos de campo, nomeadamente estruturas e variação composicional. O estudo petrográfico subsequente permitiu detalhar as variações composicionais, texturais e mi-croestruturais e estabelecer a sua relação com os processos de migmatização. Os diatexitos leucocratas apresentam fabric em geral isotrópico e textura heterogranular, enquanto os metatexitos evidenciam uma textura orientada marcada pela biotite restítica, que define a foliação metamórfica preservada. A anisotropia pontual, em algumas rochas diatexíticas, é marcada por estruturas schlieren resultantes de fluxo magmático. A mica branca tardia que ocorre em grandes placas não orientadas resulta de processos de back-reaction, típicos de rochas migmatíticas.

Palavras-chave: Diatexito, Metatexito, Petrografia, Microestrutura.

Abstract

The gneiss-migmatite rocks that outcrop in the Madalena-Lavadores coast line, in Vila Nova de Gaia, are part of a metamorphic belt, adjacent to the western border of the sin-tectonic massif of Porto. This metamorphic belt was later intruded by the post-tectonic Lavadores Granite and is characterized by diatexitic rocks (leucocratic, mesocratic and leuco-mesocratic) and metatexitic rocks. The first rocks predominate in Lavadores coast line and the last occur in association with the leuco-mesocratic diatexitos in Madalena. Lithological and petrographic studies of the metatexite and diatexite rocks were developed. The characterization of these rocks deduced through the studies of field features, namely structures and compositional variation. The subsequent petrographic study allowed to detail textural and microstructural variation and their relationships with migmatization processes. The diatexites present generally an isotropic fabric and heterogranular texture, while the metatexites show an anisotropic texture marked by restitic biotite, which defines the preserved metamorphic foliation. The occasional anisotropy in some diatexites is marked by schlieren structures resulting from magmatic flow. The late white mica which occurs in large non-oriented plates results from back-reaction processes, typical of migmatites.

Key words: Diatexite, Metatexite, Petrography, Microstructure.

Introdução

As rochas gnaisso-migmatíticas caracterizam-se por uma enorme diversidade litológica, quer em termos composicionais quer em termos estruturais e texturais. Esta diversidade manifesta-se sobretudo

à escala macro- e mesoscópica, em afloramentos de elevada complexidade, mas também de grande in-teresse do ponto de vista petrogenético. Embora os principais aspetos dos maciços migmatíticos sejam caracterizados à escala de afloramento, o seu estudo petrográfico é fundamental, porque permite deta-

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lhar características composicionais e microestrutu-rais das duas componentes (ígnea e metamórfica) destas rochas de natureza mista. A caracterização petrográfica de cada uma delas é necessária e crucial para o esclarecimento dos processos petrogenéti-cos envolvidos (Vernon, 2011; Sawyer et al., 2011).

Neste trabalho apresenta-se a descrição da di-versidade litológica das rochas gnaisso-migma-títicas da zona costeira de Madalena-Lavadores, na zona litoral de Vila Nova de Gaia, e detalha-se o estudo petrográfico das diferentes litologias. Contexto Geológico

A zona costeira do Porto e de Vila Nova de Gaia, do ponto de vista geotectónico, foi considerada como correspondendo à fronteira entre a Zona Centro-Ibérica (ZCI) e a Zona de Ossa-Morena (ZOM), definida pela Zona de Cisalhamento Por-to-Tomar (ZCPT) de orientação NNW-SSE (Ri-beiro et al., 1980), apresentando cinemática direita predominante (Ribeiro et al., 2013). Mais recen-temente esta zona de cisalhamento foi considerada como o limite oeste do Terreno Ibérico, na frontei-ra com o Terreno Finisterra (Ribeiro, 2013, Romão et al., 2013). Outros autores consideram a ZCPT como uma zona de desligamento direito (strike-slip shear zone) tardia na evolução geodinâmica do Oró-

geno Varisco (Pereira et al., 2010; Martinez Catalán et al., 2014). Na zona costeira de Vila Nova de Gaia, entre as praias de Lavadores e Madalena (Fig. 1), aflora uma faixa, estreita e irregular, de rochas me-tamórficas, com grande heterogeneidade litológica, incluindo rochas gnaisso-migmatíticas, metassedi-mentos pelíticos (micaxistos e quartzo-micaxistos) e anfibolitos (Sant’Ovaia et al., 2008; Ribeiro et al., 2010, 2011). Este maciço metamórfico constitui o encaixante no bordo ocidental do maciço graníti-co de Lavadores, e apresenta litologias diversas de carácter gnaisso-migmatítico, nomeadamente me-tatexitos e diatexitos. A deformação Varisca, mais evidente nos setores onde predominam as rochas gnaisso-migmatíticas de caráter metatexítico está materializada numa geometria de carácter cisa-lhante direito (Ribeiro et al., 2010, 2011). Segun-do a cartografia mais recente sobre a área (Carta Geológica de Portugal à escala 1:500000, 1992), no bordo SW, o granito de Lavadores – Madalena é intrusivo em rochas gnaisso-migmatiticas, atribuí-das posteriormente à Unidade de Lourosa (Chami-né et al., 2003). Estudos petrográficos e isotópicos sobre rochas desta unidade na região de Olivei-ra de Azeméis sugerem migmatização contempo-rânea da última fase Varisca (Santos et al., 2012).

A diversidade litológica do sector em estudo tem vindo a ser posta em evidência. Na Praia das Pedras Amarelas, em Lavadores, afloram sobretudo rochas diatexíticas, com predominância de rochas leuco-cratas, ainda que tendo associadas de modo subor-dinado rochas mesocratas de granularidade fina e com predomínio de biotite (Ribeiro et al., 2010, 2011). Nas praias da Madalena (Madalena Norte e Madalena Sul) são predominantes as rochas meta-texíticas (Ribeiro et al., 2011). Segundo estes auto-res, as texturas dos diatexitos e dos metatexitos estão associadas a estruturas mesoscópicas compatíveis com deformação dúctil de carácter cisalhante, atri-buída aos últimos episódios de deformação dúctil da Orogenia Varisca (Ribeiro et al., 2011). A dife-renciação do paleossoma, leucossoma e mesossoma

Figura 1 – Esboço geológico da área estudada (modificado de Sant’Ovaia et al., 2014).

Figure 1 - Geological outline of the study area (modified of Sant’Ovaia et al., 2014).

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durante o processo de migmatização implicou a se-gregação e/ou injeção sin-cinemática dos fundidos.

O granito biotítico pós-tectónico de Lava-dores (Martins et al., 2011) é intrusivo no maciço metamórfico, apresentando uma idade de insta-lação de 294±3 Ma (Martins et al., 2014). A sua instalação é pós-cinemática e controlada por es-truturas transtensivas na dependência da ZCPT (Sant’Ovaia et al., 2008; Ribeiro et al., 2011).

Descrição litológica

Nas rochas gnaisso-migmatíticas da zona costei-ra de Madalena-Lavadores distinguiram-se duas litologias: rochas diatexíticas, preponderantes nas Praias de Lavadores (nomeadamente na Praia das Pedras Amarelas) e rochas metatexitícas, predomi-nantes nas Praias de Madalena Norte e Madalena Sul.

Os diatexitos são leucocratas a mesocratas, por variação composicional e textural, por ve-zes marcando um bandado evidente, sem foliação ou com uma foliação incipiente. Macroscopica-mente identificaram-se quartzo, feldspatos, bio-tite e mica branca, esta em cristais de grandes di-mensões, minerais comuns a todos os diatexitos.

Em Lavadores, na Praia das Pedras Amare-las (Fig. 1) individualizaram-se de modo evidente dois tipos de diatexitos: os leucocratas e os meso-cratas (Fig. 2a, b). Nos leucocratas são frequen-tes zonas mais escuras, nodulares, que por vezes marcam a foliação, cuja orientação média é N115º; 85ºS. Estes nódulos, também ocorrem ainda nos diatexitos mesocratas, mas são menos evidentes.

Os diatexitos leucocratas apresentam textura fina, não porfiróide e isotrópica a anisotrópica. Os diatexitos mesocratas apresentam textura fina hete-rogranular, com tendência porfiróide, e exibem es-truturas schlieren e de fluxo magmático. Os diatexitos mesocratas são intrusivos nos leucocratas (Fig. 2c).

Nas praias da Madalena, embora aflorem com maior expressão cartográfica as rochas metatexí-ticas, os diatexitos ocorrem em lentículas e veios intrusivos nos metatexitos (Fig. 2d). Estes diatexi-tos são leuco a mesocratas e com textura um pou-co mais grosseira que os descritos anteriormente em Lavadores, para além de mostrarem tendência

porfiróide mais evidente (Fig. 2e). Os metatexi-tos, que afloram na Madalena, têm uma cor mais escura e um fabric anisotrópico marcado por um bandado composicional, que é constituído por bandas com predominância de minerais félsicos, quartzo e feldspatos, e bandas escuras essencial-mente biotíticas. Esta biotite é interpretada como sendo restítica, dado que marca a foliação origi-nal do protólito, que se encontra mais ou menos bem preservada (Silva et al., 2014). O bandado é irregular e ondulado, tendo-se obtido as se-guintes atitudes para a foliação: N105°; 75°SW a N125°; 80°SW-90°. A foliação e o bandado com-posicional apresentam-se frequentemente dob-dos, evidenciando-se dobras ptigmáticas (Fig. 2f).

Descrição petrográfica

DiatexitosA observação microscópica dos diatexitos leuco-

crataspermitiu a identificação, na generalidade, de um fabric isotrópico e uma textura heterogranular (Fig. 3a). Em contraste, os diatexitos mesocratas apresentam textura heterogranular, observando--se uma certa orientação preferencial, marca-da sobretudo por cristais de cordierite e alguns cristais de plagioclase (Fig. 3b). Os nódulos ob-servados nos diatexitos de Lavadores apresentam textura fina e são constituídos por quartzo, felds-pato potássico, plagioclase e cordierite, de hábi-to anédrico (Fig. 3c). Estes minerais apresentam bordos de intercrescimento e por vezes desen-volvem-se texturas mirmequíticas no feldspato.

Os diatexitos das praias da Madalena, leuco a mesocratas, apresentam em geral textura heterogranular, e o fabric é geralmente isotrópico (Fig. 3d). No entanto, por vezes observaram-se texturas marcadas por biotite restítica, em alinhamentos irregulares e convolutos definindo estruturas schlieren (Fig. 3e). A estrutura convoluta e os arcos poligonais desenhados pela biotite, reproduzem eventualmente o fabric restítico preservado. O alinhamento dos megacristais de feldspato e dos agregados lenticulares de quartzo é paralelo a estas estruturas, sugerindo uma herança da anisotropia do protólito. Algumas amostras

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Figura 2 – Aspetos macroscópicos dos diatexitos e meta-texitos de Lavadores e Madalena. (a) diatexito leucocrata

(Lavadores); (b) diatexito mesocrata (Lavadores); (c) encrave de diatexito leucocrata em diatexito mesocrata

(Lavadores); (d) intrusão de diatexito em metatexi-to (Madalena); (e) diatexito de tendência porfiróide

(Madalena); (f) metatexito exibindo dobras ptigmáticas (Madalena).

Figure 2 - Macroscopic aspects of the Lavadores and Madalena diatexites and metatexites. (a) leucocratic diatexite (Lavadores); (b) mesocratic diatexite (Lavadores); (c) xenolite of leucocratic diatexite in the mesocratic diatexite (Lavadores); (d) intrusion of diatexite in metatexite (Madalena); (e) porphyritic diatexite (Madalena); (f)

metatexite with ptygmatic folds (Madalena).

evidenciam microfilonetes paralelos, preenchidos por plagioclase, feldspato potássico e algum quartzo em pequenos cristais (Fig. 3d). Este tipo de microfilonetes são considerados como uma das microestruturas típicas de rochas migmatíticas (Vernon, 2011). Metatexitos

Os metatexitos apresentam uma textura orienta-da marcada principalmente pela a direção da bioti-te restítica, que define a foliação metamórfica pre-servada (Fig. 3f). Estes exibem filonetes de quartzo concordantes com a foliação (Fig. 3f). Observaram--se, pontualmente, faixas nodulares de tendência heterogranular, constituídas essencialmente por minerais félsicos e por granada intercrescida com esses minerais, bem como rara biotite (Fig. 3g).

Quer nos diatexitos quer nos metatexitos estão presentes os seguintes minerais: quartzo, felds-pato potássico, plagioclase, biotite, mica branca, clorite, minerais opacos e zircão. Os diatexitos leucocratas de Lavadores apresentam cordierite, minerais do grupo do epídoto, óxidos de ferro e escassamente pode ocorrer hercinite. A com-posição mineralógica dos diatexitos mesocratas difere da dos leucocratas por apresentarem an-daluzite, apatite, rútilo e biotite em maior per-centagem, para além dos minerais já referidos.Nos metatexitos e diatexitos das praias da Ma-dalena estão presentes, ainda, o rútilo, a apati-te e a esfena-leucoxena; ocorre também a mica branca sob a forma de grandes cristais. Em al-gumas amostras de diatexitos da Madalena sur-

ge turmalina e nos nódulos leucocratas dos me-tatexitos, como já referido, ocorre granada.

Verifica-se a existência de duas gerações de quartzo, plagioclase, feldspato potássico e bio-tite em todas as amostras de diatexitos e de me-tatexitos. Os cristais de 1ª geração do quartzo são de maior dimensão e estão em geral alterados. Os minerais da geração mais tardia, encontram-se pouco alterados, com hábito anédrico, por ve-zes subédrico, com bordos de intercrescimento, preferencialmente na envolvente dos megacristais mais precoces. O quartzo ocorre sempre em aglo-merados heterogranulares e como inclusões, sen-do de destacar a frequente ocorrência de quartzo goticular, incluso na maioria dos minerais, in-cluindo o próprio quartzo (Fig. 3h). Este aspec-to microestrutural é também considerado como indicador de rochas migmatíticas (Vernon, 2011).

O feldspato potássico e a plagioclase ocorrem como cristais e megacristais; estes últimos estão ge-ralmente alterados e são poicilíticos, por vezes com formas arredondadas. A cordierite ocorre maiori-

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tariamente pinitizada,associada à biotite, e os mine-rais opacos e a mica branca, a preencher espaços in-tergranulares e interpenetrada por outros minerais.A biotite pode ocorrer com hábito esquelético (biotite 1) (Fig. 3i), por vezes com agulhas de rúti-lo, ou em pequenos cristais anédricos a goticulares associados à andaluzite, à cordierite e à hercinite (biotite 2) (Fig. 3i). A clorite ocorre localmen-te a substituir a biotite. O zircão e a apatite en-contram-se como cristais individuais de pequena dimensão ou inclusos na cordierite. A andalu-zite é escassa apresentando por vezes textura ra-diada (Fig. 3i). Os minerais do grupo do epídoto estão associados à saussuritização da plagioclase.Ocorre ainda uma moscovite tardia não orientada, constituindo placas de grande dimensão, bem vi-síveis macroscopicamente, porém mais abundantes nas litologias migmatítcas da Madalena.

Considerações finais

É importante destacar, que os litótipos me-tamórficos estudados são gnaisses, dado que apre-sentam bandado composicional e textural, mas não resultaram de um processo de gnaissificação por deformação no estado sólido de rochas isotrópicas. Os aspectos texturais descritos põem em evidência a ausência de sub-granulação dos cristais de quartzo, o que implica que os seus protólitos não teriam sido

Figura 3 – Microfotografias das amos-tras estudadas. a - aspeto textural do diatexito leucocrata (NX); b - aspeto

textural do diatexito mesococrata (NX); c - nódulos dos diatexitos de Lavadores (NX); d - diatexito com microfilonetes

(extremidades assinaladas pelas setas vermelhas) (NX); e - schlieren biotítico

no diatexito (N//); f - aspeto textural dos metatexitos (NX); g - aspeto textural da

granada (Gr) (N//); h - quartzo goticular (Qz) incluso em feldspato potássico (Fk) (NX); i - biotite esquelética (Bt I) adja-cente a andaluzite com textura radiada,

associada a biotite goticular (Bt II)) (N//).

Figure 3 - Photomicrographs of the samples. a - textural aspect of the leucocratic diatexite (NX);

b - textural aspect of the mesocratic diatexite (NX); c - nodules in the Lavadores diatexites (NX);

d - diatexite with microfilonites (ends indicated by the red arrows) (NX); e - schlieren biotitic in the

diatexite (C //); f - textural aspect of the metatexites (NX); g - textural aspect of the garnet (Gr) (N //); h - goticular forms the quartz (Qz) included in the potassium feldspar -Fk- (NX); i - skeletal biotite (I Bt) adjacent to andalusite with radiated texture

associated goticular biotite (Bt II)) (// C).

granitos deformados. De facto, estamos na presença de rochas gnaisso-migmatíticas, caracterizadas por bandado composicional e textural (bandado gnáissi-co) gerado em condições de alta temperatura e baixa pressão (fácies anfibolítica), em condições de fusão parcial de metapelitos. A não observação de silima-nite pode ser explicada ou pela sua moscovitização em condições retrógradas ou pelos baixos valores barométricos a que se verificou a migmatização.A orientação estrutural é em geral incipiente, mas define uma anisotropia nos diatexitos, quer nos leucocratas quer nos mesocratas. Segundo Sawyer (2008), esta orientação de minerais tabulares e lamelares, nomeadamente plagioclase e micas, é adquirida durante o deslocamento do fluxo num estado magmático e submagmático. A anisotro-pia mais ou menos evidente em algumas rochas diatexíticas quer por orientação preferencial do quartzo e feldspato quer por estruturas schlieren, marcadas por biotite restítica, foi interpretada como resultante de fluxo magmático. A mica bran-

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ca que ocorre em grandes placas é interpretada como tardia e originada por back-reaction promovida pelos fluidos resultantes da cristalização.

No sector estudado, embora sejam eviden-tes as características diferenciadoras das litologias gnaisso-migmatíticas analisadas, foram observa-dos aspetos transicionais quer à escala macro quer à escala micro, de natureza estrutural, textural e mineralógica. A presença de granada “esqueléti-ca” intercrescida com minerais félsicos exclui a sua interpretação como restítica uma vez que a grana-da de origem metamórfica, resultante de blastese, tem normalmente tendência euédrica (Vernon, 2011) e surge associada à biotite. Tendo em conta a composição mineralógica das rochas e a tipologia desta granada pode-se considerar a mesma como sendo um mineral peritético, resultando de uma reação de fusão incongruente da biotite, de ro-chas pelíticas e/ou quartzo-pelíticas. A paragénese descrita, nomeadamente a grande abundância de biotite e a não observação de silimanite apontam para condições de fusão a baixa pressão (próximo de 2 a 3Kb) e T variando entre 700 e 750 ºC.

Agradecimentos

Este trabalho integra-se nas atividades do GEORE-MAT-CGUP, financiado pelo programa Pest-OE/CTE/UI0039/2014 e foi desenvolvido no âmbito do Estágio de 1º ciclo/Lic.ª em Geologia, das duas primeiras auto-ras. Os autores agradecem os importantes contributos dos dois revisores, José Romão e Martim Chichorro. Carta Geológica de Portugal à escala 1500000, 1992, Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa.

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54

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Abstract

The ocurrence of trilobites fossils in the top of the Ribeira da Laje Formation (RLF, Upper Ordovician) in Mação (Portugal) is here reported for the first time. The studied assemblage shows low diversity, and it is exclusively made of dalmanitids, Crozonaspis dujardini and Dalmanitina sp. The studied assemblage suggests a Berounian age for the RLF, thus corroborating assignments to this age based on chitinozoans and brachiopods, and undermining the Hirnantian stratigraphical positioning obtained by means of lithostratigraphic correlation.

Trilobites da Formação Ribeira da Laje do Berouniano de Mação (Ordovícico Superior, Portugal)

S. Pereira1,2,3,*, M. Pires2, C. M. da Silva1 & C. A. Sá3,4

1Departamento de Geologia e Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-016 LisboaUniversidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Departamento de Física, ECT, Rua Romão Ramalho n.º 59, Évora

2Arcodere, Unipessoal Lda., Rua da Sociedade 2, 2350-030 Torres Novas3Departamento de Geologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real5 UNIARQ,

Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa4Centro de Geociências, Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra

*autor correspondente: [email protected]

Resumo

Reporta-se a ocorrência de trilobites no topo da Formação Ribeira da Laje (Ordovícico Superior) de Mação. A asso-ciação apresenta baixa diversidade, sendo composta por dalmanitídeos, nomeadamente Crozonaspis dujardini e Dalmanitina sp. Os resultados obtidos sugerem idade berouniana, corroborando idades similares obtidas com base em quitinozoários e braquiópodes e lançando dúvidas sobre a idade hirnantiana obtida mediante correlação litostratigráfica.

Palavras-chave: Dalmanitídeos, Katiano, Grupo Rio Ceira, norte-Gondwana.

Key words: Dalmanitids, Katian, biozones, Rio Ceira Group, North-Gondwana.

Introdução

A Formação Ribeira da Laje (FRL) foi estabele-cida por Young (1988) no flanco norte do sinfor-ma Amêndoa-Carvoeiro (Romão, 2000; Romão, 2006), sendo reconhecida na Zona Centro-Ibérica também nas regiões de Moradal-Fajão, Vila Velha de Rodão (Metodiev & Romão, 2008; Metodiev et al., 2009) e Penha Garcia (Young, 1988; Sequeira et al., 1999).

Compreende uma sequência regressiva cons-tituída por argilitos micáceos intercalados com arenitos bioturbados e quartzitos maciços, corres-pondendo à parte superior da unidade “Schistes à

Orthis Berthoisi” de Delgado (1908), primeiro autor a estudar as sequências de idade ordovícica desta re-gião e que atribuiu, genericamente, estes níveis ao “Ordovícico superior”.

Os trabalhos de Cooper (1980), Young (1985, 1988) e Romão (2000) permitiram detalhar a da-tação da FRL, tendo estes autores atribuído esta formação ao Hirnantiano, por correlação litos-tratigráfica com as unidades do Grupo Rio Ceira do sinclinal de Buçaco. No entanto, as associações de quitinozoários (Vaz et al., 2010) e braquiópodes (Colmenar et al., 2013) sugerem idade Berouniano médio a superior (escala regional mediterrânica). Também o trabalho cartográfico de Metodiev et al.,

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(2010) permitiu reconhecer na região de Fajão--Moradal a FRL estratigraficamente infra jacente a uma unidade vulcano-sedimentar (“Formação Santa Luzia”) atribuída por estes autores ao Kra-lodvoriano (Formação Porto de Santa Anna sensu Young, 1985, 1988), corroborando idade infe-rior a este andar regional para estes níveis. Des-ta forma, a sincronia considerada entre a FRL e o Grupo Rio Ceira da região de Buçaco, inequi-vocamente Hirnantiano (Young, 1988; Romão, 2000; Lopes et al., 2011), é colocada em causa. Neste trabalho é pela primeira vez descrita e discutida a associação de trilobites do topo da FRL. O estudo desta associação permitiu reforçar o posicionamen-to cronostratigráfico da FRL no Andar Berouniano. Enquadramento geográfico e geológico

O material em estudo provém de um aflora-mento (coordenadas 39º38’37. 6’’N, 8º03’28. 2’’W) da Formação Ribeira da Laje, localizado no limite norte do distrito de Santarém (Por-tugal), concelho de Mação, no estradão flores-tal que liga a povoação de Chão de Lopes Peque-no à localidade de Fonte de Amêndoa (Fig. 1).

As rochas ordovícicas da região de Mação estão inseridas no Sinforma Amêndoa-Carvoeiro loca-lizado no bordo sudoeste da Zona Centro-Ibérica (ZCI; Fig. 2b). Esta estrutura é constituída por

três sequências litostratigráficas separadas por duas discordância angulares: o Grupo Beiras, uma se-quência monótona quilométrica que intercala xis-tos e metagrauvaques desde o Proterozoico até ao Câmbrico inferior; o Grupo Vale do Grou, uma sequência transgressiva caracterizada por litolo-gias conglomeráticas e areno-arcósicas, atribuída ao Câmbrico superior; e uma sequência metas-sedimentar paleozoica pós-Câmbrico, que inclui materiais com idades desde o Ordovícico Inferior (Tremadociano) até ao Devónico Inferior (Romão, 2000; Romão et al., 2013). Estas sequências são in-truídas por corpos graníticos pré-orogénicos, oro-génicos e tardi a pós-orogénicos que resultaram de processos associados ao ciclo Varisco. Estes proces-sos foram responsáveis pela deformação observada nos metassedimentos que estão afetados por um metamorfismo de grau baixo a muito baixo, pró-prio de condições epizonais (Romão et al., 2013).

A FRL (30-50 m) foi definida por Young (1985, 1988) na região de Mação, no vale da Ri-beira da Laje, junto à povoação de Sanguinheira, no flanco norte do Sinforma Amêndoa-Carvoeiro. Na localidade tipo, a FRL inicia-se por um hori-zonte conglomerático ao qual se seguem pelitos micáceos intercalados em arenitos bioturbados e quartzitos impuros, que aumentam progressiva-mente de frequência e espessura para o topo da sucessão (Romão, 2006). O seu limite superior

Figura 1 - Localização geográfica do afloramento em estudo. Figure 1 - Geographic location of the studied outcrop.

56 Trilobites da Formação Ribeira da Laje do Berouniano de Mação (Ordovícico Superior, Portugal)

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corresponde a superfície erosiva marcada por um horizonte centimétrico de brecha conglomerá-tica ferruginosa (Romão, 2000). No entanto, ao longo da sua extensão geográfica, a FRL apresen-ta variações laterais significativas de litofácies e espessura (Young, 1985, 1988; Romão, 2000). Young (1988) definiu o Membro Serra do Amial (informalmente sugerido por Cooper, 1980) para incluir a parte superior da FRL (quartzi-tos maciços impuros). No entanto, face ao de-suso e à não inclusão deste membro na proposta

litostratigráfica mais recente para a região (Ro-mão, 2000, 2006), neste trabalho considerar-se--á apenas a divisão litostratigráfica “Formação”.

No setor em estudo (Fig. 2a), a FRL apresenta uma espessura de cerca de 30 m. É caracterizada por uma sequência regressiva que se sobrepõe a um nível areno-ferruginoso pertencente ao topo do Membro Serra de Cadaveira da Formação Cabeço do Peão. A parte inferior é constituída essencial-mente por arenitos esbranquiçados de grão médio, ocasionalmente bioturbados. Na parte superior,

Figura 2 - (a) – Mapa geológico esquemático dos afloramentos ordovícicos portugueses (a verde), do Sinclinal de Amên-doa-Carvoeiro da área em estudo (adaptado de Romão, 2006). (b) – Log estratigráfico simplificado da Formação Ribeira da Laje (Romão, 2000) no setor em estudo com indicação do posicionamento estratigráfico do afloramento em estudo e

dos níveis fossilíferos estudados por Colmenar et al., 2013; Cl, Cl-10 e CL-20). (c) – Legenda de (a) e (b).

Figure 2 - (a) – Geological sketch map showing outcrops of Ordovician rocks in Portugal (left, in green) and geological map of the Amêndoa-Carvoe-iro Syncline with position of the fossil locality (adapted of Romão, 2006). (b) – Schematic lithostratigraphic column of the Ribeira da Laje (Romão 2000) Formation in the studied locality with the stratigraphic position of the studied outcrop and of the fossiliferous horizons studied by Colmenar et al.,

2013; Cl, Cl-10 and CL-20). (c) – Legend of (a) and (b).

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 55 a 63, 2015 57

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predominam quartzitos impuros maciços com in-tercalações silto-pelíticas a topo, próximo do con-tacto erosivo com os diamictitos suprajacentes da Formação Casal Carvalhal. O conteúdo macrofos-silífero da FRL é escasso, tendo apenas sido refe-ridos para esta formação fragmentos de fósseis de braquiópodes, briozoários e ?equinodermes (You-ng, 1988; Romão, 2000; Colmenar et al., 2013).

A FRL foi considerada por Young (1985, 1988) o equivalente lateral do Grupo Rio Ceira da região de Buçaco, tendo este autor proposto que a parte inferior se correlaciona com a Formação Ribeira do Braçal e a parte superior com a Formação Ribeira Cimeira (partim). Foi com base nesta correlação que Young (1985, 1988) e Romão (2000) propuseram uma idade Hirnantiano para a FRL. No entanto, os dados biostratigráficos das associações de bra-quiópodes (Colmenar et al., 2013) e quitinozoá-rios (Vaz, 2010; Vaz et al., 2010) da FRL indicam uma idade Berouniano, significativamente mais antiga que a obtida mediante correlação estratigrá-fica com o Grupo Rio Ceira da região de Buçaco. A FRL ter-se-á depositado em ambientes de ener-gia variável, que intercalariam fluxos deposicio-nais de elevada energia com períodos de baixo hi-drodinamismo. Há progradação para o topo para ambiente de shoreface (Romão, 2000). As varia-ções laterais de fácies e espessura da FRL indicam que o seu depósito foi condicionado pela paleo-topografia preexistente, com zonas deprimidas e soerguimentos (Young, 1985; Romão, 2000).

Todo o material estudado provém do topo da FRL e pertence a níveis onde foi detetada a biozona de quitinozoários Acanthochitina barbata (Vaz, 2010), correspondente ao Berouniano superior (escala regional mediterrânica, Bergström et al., 2009). Análise tafonómica

Young (1985, 1988) e Romão (2000) admiti-ram que os macrofósseis existentes na FRL ocor-rem exclusivamente nos níveis conglomeráticos, interpretando-os como material remobilizado de unidades subjacentes. Por esse motivo, os autores referidos não tiveram em consideração as indica-ções biostratigráficas que deles pudessem advir. No entanto, a análise tafonómica efetuada por Col-menar et al. (2013) sugere que os fósseis de bra-

quiópodes da parte inferior da FRL constituem uma associação autóctone a subautóctone, indi-cadora de idade Berouniano. Por outro lado, Vaz (2010) recolheu quitinozoários dos níveis pelíticos e siltíticos da FRL em diferentes setores da região de Mação, tendo obtido espécimes bem preser-vados que considerou não serem remobilizados.

Os fósseis de trilobites agora estudados não pro-vêm de níveis conglomeráticos, mas de intercalações silto-pelíticas identificadas no topo da FRL. Estão preservados sob a forma de moldes, os quais estão perfeitamente individualizados da matriz, não apre-sentando evidências de remobilização. Com base no resultado das experiências realizadas por Miku-lic (1990), o facto de a orictocenose ser unicamente constituída por cefalões sugere que ocorreu seleção hidrodinâmica como resultado de transporte post mortem. O mau estado de preservação do material de-ve-se sobretudo ao transporte sofrido. As diferen-ças existentes entre o sedimento do molde interno e o da matriz, observadas em alguns exemplares são aqui interpretadas como exclusivamente biostra-tinómicas, dada a heterogeneidade do sedimento destes níveis e a ausência de sinais de reelaboração. Sistemática

O material estudado pertence à coleção priva-da de um dos autores (Miguel Pires - CMP) e está transitoriamente depositado na Faculdade de Ciên-cias da Universidade de Lisboa.

Classe Trilobita Walch, 1771Ordem Phacopida Salter, 1864Subordem Phacopina Richter, Richter & Struve, 1959Superfamília Dalmanitidoidea Vodges, 1890Família Dalmanitidae Vodges, 1890Subfamília Dalmanitininae Destombes, 1972Género Crozonaspis Henry, 1968Espécie-tipo: Crozonaspis struvei Henry, 1968 do Do-brotiviano inferior (Darriwiliano da escala cronos-tratigráfica global) da parte superior da Formação Postolonnec da Península de Crozon, França.

Crozonaspis dujardini (Rouault, 1847)Fig. 2 - (a)-(c) e (e)-(g)

SinonímiaCitam-se os principais trabalhos sobre a espécie e referências à sua ocorrência em Portugal. Para lista

58 Trilobites da Formação Ribeira da Laje do Berouniano de Mação (Ordovícico Superior, Portugal)

Page 61: Geonovas Número 28

de sinonímia mais extensa consultar Hammann (1974) e Henry (1980).*1847 Phacops dujardini Rouault, p. 320; pl. 3,

fig. 5.1853 Phacops dujardini, Rouault – Salter in Ribeiro,

p. 159.1856 Dalmanites dujardini Rouault – Verneuil &

Barrande, p. 977; est. 26, fig. 6.1856 Dalmanites phillipsi Barrande – Verneuil &

Barrande, est. 26, fig. 5.v 1870 Dalmanites dujardini, Barr. e Vern. (non Rou.) Delgado, p. 23.1878 Dalmanites dujardini, Rou. – Mallada,

p. 17-18, est. 2, fig. 3.1891 Dalmanites dujardini, Rou. – Peixoto, p. 80. vp 1897 Dalmanites dujardini Rou.

– Delgado, p. 28.v 1908 Dalmanites dujardini Rou.– Delgado,

pp. 31-33, 39-42, 51, 57, 80, 87-88.1967 Kloucekia (Phacopidina) dujardini

(Rouault 1847) – Coates, pp. 88-90; figs. 5f-5h, 6a-6d.

p 1968 Kloucekia (Denckmannites) praecursorn. sp. – Pillet & Robardet, pp. 26-27; est. 2, figs. 2a-2b (non 2c).

1973 Kloucekia dujardini (Rouault 1847) – Clarkson & Henry, pp. 113-117; figs. 7-9.

1973 Kloucekia? dujardini (Rouault, 1847) – Robardet et al. p. 122 (partim); est.18, figs.7-8, 14.

1974 Crozonaspis? dujardini (Rouault 1847) – Hammann, pp.68-70, figs. 20, 26; est. 4, figs. 60-66.

1980 Crozonaspis dujardini (Rouault 1847) – Henry, pp. 157-160; figs. 75-76, 87D-88; est. 40, figs. 2, 6, 11; est. 42, figs. 3-7; est. 46, figs. 3-4, 8-9.

1982 Crozonaspis dujardini – Romano, p. 97.1984 Crozonaspis dujardini (Rouault) –

Rábano, tab. I. v 1985 Crozonaspis dujardini (Rouault, 1847)

– Young, p. 437-438.1995 Crozonaspis cf. dujardini – Romão et al.,

p. 124.2000 Crozonaspis cf. dujardini – Romão,

qdr. 2.4.

MaterialQuatro cefalões incompletos (moldes inter-

nos: CMP0037a; CMP0039a; CMP0040a; CMP0042a/moldes externos:CMP0037b; CM-P0039b; CMP0040b; CMP0042b); dois craní-

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 55 A 63, 2015 59

deos incompletos (moldes internos: CMP0038; CMP0041a/molde externo: CMP0041b).

DescriçãoCefalão de contorno ogival, mais largo (trans-

versal, tr.) que comprido (sagital, sag.) (o com-primento corresponde a cerca de 65 % da largu-ra total medida ao nível do bordo posterior), de convexidade moderada. Em vista lateral, o ponto mais elevado situa-se na zona mediana da glabe-la, ao nível dos extremos adaxiais de S3, estando os olhos posicionados à mesma altura. Glabela trapezoidal a pentagonal. Os sulcos dorsais têm um traçado retilíneo divergente em sentido an-terior, definindo entre si um ângulo de cerca de 40º, são profundos e amplos (tr.) e estão defi-nidos até perto do limite anterior do cefalão. A largura glabelar basal é cerca de 50 % da largu-ra glabelar máxima, medida ao nível do lóbulo frontal, sendo que a primeira medida representa cerca de 35 % da largura cefálica total. A glabela apresenta três pares de sulcos glabelares. O par S1 é o mais profundo, definido por sulcos amplos (sag.), mais profundos que os sulcos dorsais, e é ligeiramente oblíquo em direção posterior, for-mando um ângulo de cerca de 125º com o sulco dorsal. S1 não bifurca nos seus extremos inter-nos nem é transglabelar, sendo a distância entre os extremos adaxiais do par S1 cerca de 40 % da largura glabelar medida a esse nível. Os lóbulos L1 são subretangulares. Os pares S2 e S3 são mui-to superficiais, sendo por vezes apenas percetíveis nos moldes externos. Os sulcos S2 têm uma dis-posição transversal, sendo ligeiramente convexos em relação à zona anterior, estreitos (cerca de 65 % da largura de S1), estando os seus extremos in-ternos na mesma linha exsagital que os extremos internos de S1, e não atingem os sulcos dorsais. O par S3 é oblíquo em direção posterior, de traçado subretilíneo (apenas com ligeira inflexão ao nível do seu terço abaxial), sendo o sulco glabelar mais largo (cerca de 180 % da largura de S1). Os seus extremos distais situam-se em posição ligeira-mente mais adaxial que os de S2 e S1, e a distância exsagital destes aos extremos internos de S2 é um pouco menor que a distância exsagital dos extre-mos internos de S2 aos de S1. O lóbulo frontal glabelar, embora pouco definido, tem forma de losango e é um pouco mais largo (tr.) que com-prido (sag.). Está ornamentado pelas impressões auxiliares (sensu Henry, 1980), grânulos subcir-

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60 Trilobites da Formação Ribeira da Laje do Berouniano de Mação (Ordovícico Superior, Portugal)

Figura 3 - Crozonaspis dujardini (Rouault, 1847) da Formação Ribeira da Laje, Berouniano (Ordovícico Superior) de Mação, Portugal. (a), (b) e (c), vista dorsal de molde interno e correspondente molde externo de cefalão em latex, com pormenor da granulação do lóbulo frontal (c); (e) e (f), vista dorsal de molde externo de cefalão incompleto com detalhe da pequena ponta genal (seta, (f)); (g), vista dorsal de molde interno esfoliado de cefalão. Dalmanitina sp. da Formação Ribeira da Laje, Berouniano (Ordovícico Superior) de Mação, Portugal. (d), vista dorsal de molde interno de fragmento cefálico. Barra

em (a), (b) e (g)= 4mm; (d)= 5mm; (c),(e)= 2mm; (f)= 0,5mm. Figure 3 - Crozonaspis dujardini (Rouault, 1847) from the Ribeira da Laje Formation, Berounian (Upper Ordovician), Mação, Portugal. (a), (b) and (c), cephalon, dorsal view of an internal mould (a), corresponding external mould (latex cast – (b)) and detail of frontal lobe ornamentation (c); (e) and (f), incomplete cephalon, dorsal view of an external mould, with detail of the little genal spine (arrow, (f)); (g), exfoliated cephalon, dorsal view of an internal mould. Dalmanitina sp. from the Ribeira da Laje Formation, Berounian (Upper Ordovician), Mação, Portugal. (d), cephalic fragment, dorsal view

of an internal mould. Bar in (a), (b) and (g)= 4mm; (d)= 5mm; (c),(e)= 2mm; (f)= 0,5mm.

culares dispersos e grandes, mais abundantes anteriormente, que se observam nos moldes in-ternos (Fig. 2c). A margem anterior do cefalão tem um prolongamento apical estreito (Fig. 2a).

Os olhos são médios e reniformes, esten-dendo-se desde o limite anterior dos lóbu-los L1 até S3. Superfícies visuais não preserva-das completamente. Índice ocular A/G e A/Gn (sensu Struve, 1958) de 39 % (A/G) e 32 % (A/Gn), respetivamente. A distância entre o extre-mo posterior do lóbulo ocular e o sulco posterior genal é de 30 % do comprimento total ocular.

Ramos anteriores da sutura facial não pre-servados. Ramos posteriores da sutura facial sigmoidais, de traçado retilíneo até ao sul-co do bordo lateral, com um ângulo de cer-ca de 40º em relação à linha sagital cefálica, abaxial ao qual se encurvam em direção poste-rior, cortando as margens laterais ao nível de S2.

ObservaçõesEmbora o estado de preservação seja deficien-

te, a observação das características diagnósticas da espécie, nomeadamente, o contorno ogival do cefalão (com prolongamento apical estreito na região anterior, Fig. 2g); os sulcos dorsais retilí-neos, divergindo segundo ângulo de cerca de 40° entre si; o par S1 muito marcado, S2 e S3 quase impercetíveis; as impressões auxiliares do lóbu-lo frontal glabelar (Fig. 2c); o índice Augen de 39 % (A/G) e 32 % (A/Gn); o número de linhas dorsoventrais da superfície visual (21) e o traça-do sigmoidal dos ramos posteriores da sutura fa-cial, cortando as margens laterais ao nível de S2, permitem-nos identificar C. dujardini. Um dos espécimes ostenta (Fig. 2f) a minúscula ponta ge-nal descrita por Hammann (1974) em espécimes espanhóis e, posteriormente, apenas observada num único exemplar em França (Henry, 1980).

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 55 a 63, 2015 61

Género Dalmanitina Henry, 1968Espécie-tipo: Phacops socialis Barrande, 1846[=Dalmanitina (Dalmanitina) socialis]; parte média e inferior da Formação Letná, Berouniano, República Checa.

Dalmanitina sp.Fig. 2 - (d)

MaterialUm cefalão incompleto (molde interno: CMP-0038).

DescriçãoOs sulcos dorsais estão bem marcados, tor-

nando-se um pouco mais divergentes anterior-mente a S1 e sofrendo ligeira inflexão no con-tacto com S3. Definem entre si um ângulo que aumenta de cerca de 40º para 45º. S1 profundo, estreito (exsag.), de traçado oblíquo em direção posterior, formando um ângulo de cerca de 135º com o sulco dorsal. Os lóbulos L1 são subqua-drados, redondeados e inflados. Os pares S2 e S3 são muito superficiais, sendo por vezes ape-nas percetíveis nos moldes externos. Os olhos são médios, estendendo-se desde S1 até muito pró-ximo de S3. Superfícies visuais não preservadas. ε situa-se a uma distância transversal dos sulcos dorsais equivalente à largura de S1. Ramos an-teriores da sutura facial não preservados. Ramos posteriores da sutura facial sigmoidais, recurvan-do anteriormente após o ponto ε até cerca de um terço do comprimento dos olhos e encurvando em direção posterior abaxialmente, cortando as margens laterais ao nível de S1. O bordo poste-rior genal aumenta de comprimento em direção abaxial e está definido por um sulco amplo (ex-sag.) e moderadamente profundo. Pontas genais dirigidas para fora, estreitas, aciculares, de sec-ção subcircular, formando um ângulo de cer-ca de 110º com o bordo posterior da fixigena. Observações

A forma quadrangular de L1, a posição do lóbulo palpebral com limite posterior oposto a S1, o percurso do ramo posterior da sutura fa-cial e a ponta genal alongada e estreita, formando um ângulo ténue com o bordo lateral externo do cefalão (Fig. 2d), permitiram a atribuição des-te exemplar ao género Dalmanitina. Optou-se por usar nomenclatura aberta dado o estado fragmen-

tário do material. Dadas as características diag-nósticas, bem como o tamanho relativo do olho, trata-se provavelmente de Dalmanitina (D.) acuta Hammann, 1971, espécie identificada no Ordo-vícico Superior de Espanha (Hammann, 1974) e França (Henry, 1980) e que ocorre na Formaçã-Cabeço do Peão, subjacente aos níveis em estudo.

Discussão e conclusões

Embora anteriormente não tenha sido refe-rida a presença de fósseis de trilobites na FRL, a reinterpretação do trabalho de Delgado (1908) e a consulta da sua coleção estratigráfica (Museu Geológico do LNEG, Lisboa), permitiu iden-tificar a Camada 18 (Delgado, 1908, p. 87), do clássico Corte de Bando dos Santos ao Pico do Ar, como correspondente aos níveis em estudo neste trabalho. Assim, Delgado (1908, p. 87) foi o primeiro e único autor até ao presente tra-balho a mencionar a ocorrência de trilobites na FRL, identificando unicamente Crozonaspis du-jardini e acrescentando “(…) quelques mauvaises glabelles.” No presente trabalho corrobora-se a identificação de Delgado (1908) e acrescenta-se à associação a ocorrência de Dalmanitina sp. A pre-sença de C. dujardini no topo da FRL, espécie co-nhecida apenas no Berouniano da Península Ibé-rica e de França (Hammann, 1974; Henry, 1980), reforça o posicionamento cronostratigráfico des-ta unidade no Berouniano, sugerido também pe-los fósseis de quitinozoários (Vaz, 2010; Vaz et al., 2010) e de braquiópodes (Colmenar et al., 2013). Este posicionamento cronostratigráfico da FRL coloca em causa não só a sua atribuição ao Hir-nantiano com base na correlação litostratigráfica (Young, 1988) com o Grupo Rio Ceira da região de Buçaco, mas também a sincronia entre estas unidades. Outra das implicações de uma idade berouniana da FRL será a alteração do posiciona-mento da importante lacuna estratigráfica ante-riormente colocada entre as formações Cabeço do Peão e Ribeira da Laje (Young, 1985, 1988; Ro-mão, 2000), a qual deverá existir afinal entre as formações Ribeira da Laje e Casal Carvalhal (Ro-mão et al., 2013 indicaram a existência de uma dis-cordância cartográfica entre estas formações mas considerando uma lacuna temporal significativa-

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62 Trilobites da Formação Ribeira da Laje do Berouniano de Mação (Ordovícico Superior, Portugal)

mente inferior). Esta lacuna incluirá o Kralod-voriano e a parte inferior do Hirnantiano (escala regional mediterrânica, Bergström et al., 2009).Os mais recentes dados cronostratigráficos da FRL deverão ser considerados nas análises da evolução geodinâmica da Zona Centro-Ibéri-ca, nomeadamente nas análises paleogeográficas deste setor no Ordovícico Superior. A deposição da FRL terá ocorrido antes do Kralodvoriano, podendo ajudar a compreender o contexto pa-leotopográfico que condicionou o depósito da Formação Porto de Santa Anna (Berouniano su-perior-Kralodvoriano), apenas reconhecida nas regiões de Buçaco e Fajão-Moradal. Agradecimentos

Ao Museu Geológico de Lisboa, na pessoa do seu diretor, Miguel Magalhães Ramalho, pelo aces-so concedido às coleções. Ao Nuno Vaz (UTAD) pela discussão sobre a estratigrafia da região. À Cristina Pires pelo apoio no trabalho de campo. SP é finan-ciada pela FCT (SFRH/BD/73722/2010).

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Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

V. Pais1*, S. Almeida1, I. Andrade1 & J. Pessoa1

1Universidade de Lisboa; Faculdade de Ciências; Departamento de Geologia; Centro de Geologia; Campo Grande; 1749- 016, Lisboa*autor correspondente: [email protected]

Resumo

Foram estudados ostracodos e microfácies de 10 amostras de uma unidade calcário-margosa do Cenomaniano médio de Lousa-Salemas (Loures, Portugal). Foram identificados um total de 10 taxa de ostracodos com características salobras e marinhas. Nas microfácies conheceram-se macro e microfósseis que em conjunto com a informação recolhida dos ostra-codos, permitiram inferir a existência de um paleoambiente lagunar com baixo hidrodinamismo e taxa de sedimentação elevada.

Palavras-chave: Ostracodos, Microfácies, Paleoambiente, Cenomaniano médio, Lousa-Salemas.

Abstract

Ostracods and microfacies of 10 samples from a limestone-marl unit of middle Cenomanian age from Lousa-Salemas (Loures, Portugal) were studied. A total of 10 taxa of brackish and marine ostracods were recognized. Within the microfacies macro and microfossils were identified which, along with data collected from ostracods allowed to infer the existence of a lagoonal paleoenvironment with low hydrodynamics and high sedimentation rate.

Key words: Ostracods, Microfacies, Palaeoenvironment, midium Cenomanian, Lousa-Salemas.

Introdução

No âmbito da disciplina de Projecto de final da licenciatura em Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, estudou-se a parte basal (17 m) de um corte com 90 m de extensão, loca-lizado ao longo de um troço de estrada em Lou-sa-Salemas (Loures), no qual aflora uma unidade calcário-margosa, representativa do Cenomaniano médio.

O Cenomaniano da região de Lisboa foi car-tografado por Zbyszewski (1964) e a sua nomen-clatura atualizada por Manuppella et al. (2011), tendo sido recentemente objecto de estudos mais específicos, nomeadamente sobre ostracodos (e. g. Cabral et al., 2008, 2014; Boavida, 2013).

Enquadramento geológico e estratigráfico

A secção estudada encontra-se na região de Lisboa pertencendo ao concelho de Loures, fre-guesia de Lousa, tendo como coordenadas geo-gráficas N 38º 53’ 06,01’’; W 9º 11’ 56,66’’. Encontra-se limitada a Este pela povoação de Salemas e a Oeste pela ribeira de Lousa (Fig. 1).

A sucessão estudada integra-se no conjun-to de unidades de plataforma carbonatada desig-nadas originalmente por “Belasiano” (Choffat, 1886 in Manuppella et al., 2011), o qual compreen-de 4 níveis litostratigráficos, correspondentes às atuais unidades formais de Rey (1992): dois do Albiano médio a superior (Formação de Galé), dois do Cenomaniano inferior e médio (For-

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Figura 1 – Enquadramento geográfico da região. Figure 1 –Geographical setting.

mação de Caneças); sobre este conjunto assen-ta ainda uma sucessão carbonatada representativa do Cenomaniano superior (Formação de Bica).

A área de Lousa insere-se especificamente na Formação de Caneças, “Nível com Ilymatogyra pseu-doafricana” constituído na base por alternâncias de calcários margosos nodulares, margo-calcá-rios e margas com ostreídos (“Exogyra”= Ilymatogyra); no topo ocorrem sequências de estratos com es-truturas em plaquetas pertencentes ao “Nível com Harpagodes incertus” e constituídas por calcá-rio amarelado, nodular e localmente dolomíti-co. A transição é evidenciada pelas associações de fósseis e não pela litologia. A articulação das fá-cies presentes sugere a presença de um paleoam-biente lagunar, um contexto de plataforma inter-na, onde alternavam períodos imersos e emersos, com salinidade variável (Manuppella et al., 2011).

Em Cabral et al. (2008), embora o principal objecto de estudo sejam os ostracodos, o Ceno-maniano médio de Lousa, no seu todo, é também caracterizado quanto à associação de foraminífe-ros bentónicos: Praealveolina cf. brevis Reichel, 1936, Praealveolina aff. cretacea d’Archiac, 1837, Praealveolina aff. tenuis Reichel, 1936, Biconcava bentori Hamaoui and Saint-Marc, 1970, Biplanata peneropliformis Ha-

maoui and Saint-Marc, 1970, Pseudedomia drorimen-sis Reiss, Hamaoui and Ecker, 1964, Pseudorhipidio-nina casertana De Castro, 1965, Nummoloculina regularis Phillipson, 1887; e algas calcárias presentes, sendo o primeiro grupo o definidor da biostratigrafia da unidade. No conjunto da região de Lisboa-Sintra, em geral, segundo Berthou (1984) a base do Ceno-maniano médio corresponde a um primeiro banco calcário, com 2 a 3 m de espessura, com Praealveo-lina iberica Reichel, 1936, Praealveolina brevis Reichel, 1936, Praealveolina simplex Reichel 1936 e Pseudedomia drorimensis Reiss, Hamaoui & Ecker, 1964. A sec-ção em estudo localiza-se mais acima do banco re-ferido. A presença de dasicladáceas abundantes é marcada por Salpingoporella hasi Conrad, Radoicic & Rey, 1976, e Salpingoporella melitae Radoicic, 1967. Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin, 1976), es-pécie de ostracodo, manifesta-se num segundo conjunto, bem como Ilymatogyra pseudoafricana (os-treído) e, num nível superior, Praealveolina creta-cea Reichel, 1936. No topo ocorrem o gastrópode Harpagodes incertus (d’Orbigny, 1843) e, ocasional-mente, o amonóide Turrilites costatus Lamarck, 1801.

A secção em estudo (17 m – Fig. 2) compreen-de uma sucessão com alternância entre calcários compactos e marga, litótipo mais brando, am-

66 Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

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bos com um tom bege a acinzentado. A presença de plaquetas calcárias em níveis margosos é mui-to comum, sendo em alguns níveis de geometria ondulada, associadas a possíveis ripple-marks. Na base e perto do topo visualiza-se calcário nodular.

A sucessão engloba conteúdo fossilífero rico e constante, constituído por bivalves (alguns iden-tificados como ostreídos), braquiópodes, gas-trópodes, ostracodos, foraminíferos e algas cal-cárias. Estão presentes estruturas sedimentares, como pelóides e oóides, crostas ferruginosas, plaquetas ondulantes e níveis tempestíticos (base do nível LS8) representados por grande acumu-lação bioclástica, com micro-superfícies erosivas.Mais a topo a rocha encontra-se dolomitizada e, quanto à porosidade, esta varia desde muito fraca a média, sendo considerável (cavernosa) no topo. Na sucessão em causa (17 m) foram estudados so-

bretudo os ostracodos, inseridos na classe Crustacea e que se desenvolvem em quase todos os ecossiste-mas aquáticos, desde marinho a lacustre (Rodri-guez-Lázaro & Ruiz-Munoz, 2012), servindo como indicadores biostratigráficos, paleoambientais e pa-leoclimáticos (e. g. Babinot, 1980; Whatley, 1988).De modo complementar, fez-se ainda um estudo das microfácies de onde se extraíram informações so-bre os restantes grupos de organismos micro e ma-crofósseis, salinidade e hidrodinamismo do meio. Métodos e técnicas de estudo

Na recolha das amostras teve-se em conta a fi-nalidade destas. Para o estudo dos ostracodos fo-ram recolhidas amostras margosas para poste-rior desagregação, correspondentes aos níveis 4 (base-médio), 7, 8 (médio) e 10 (base), iden-

Figura 2 – Corte litostratigráfico da secção estudada.Figure 2 – Litostratigraphic LOG of the studied section.

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tificadas respectivamente como LS4BM, LS7, LS8M e LS10B. Para a análise de microfácies fo-ram recolhidas amostras de todos os níveis, ex-ceptuando o nível 4, que é totalmente margoso.

As amostras foram pesadas de forma a ser obtido um valor próximo de 300 g; em LS8M, devido à grande quantidade de plaque-tas calcárias, excedeu-se um pouco este valor.Após colocação na estufa a 50 ºC, para secagem total, as amostras foram embebidas em petróleo comercial (para iluminação) durante 24h, ten-do sido posteriormente mergulhadas em água (até desagregação total) e lavadas através duma série de crivos de malhas 2 mm, 0,5 mm, 0,150 mm e 0,0063 mm, com água corrente abundante.Completada a lavagem, cada fração foi colocada em pequenos gobelets, respetivamente identifica-dos, inseridos de novo na estufa até secagem to-tal. Procedeu-se então ao quarteamento da fracção 0,150 mm em cada amostra, uma vez que é nesta que se concentram a maior parte dos ostracodos.

Por fim, foi realizada a triagem de ostracodos em cada amostra, separando-os previamente por morfotipos e tamanho (separação de formas juvenis e adultas), valvas e carapaças, fragmentos e outros organismos, com o auxílio de uma lupa binocular. Foram contados todos os exemplares (consideran-do-se 1 indivíduo = 1 carapaça ou 1 valva) e calculadas as relações carapaças/valvas e jovens/adultos, esta última apenas para a espécie Fossocytheridea merlensis.

MicrofáciesPara a obtenção e estudo das lâminas delgadas

recorreu-se a processos standard, com os equipa-mentos existentes no Departamento de Geologia e Centro de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

ResultadosSistemática dos ostracodos

Os exemplares encontravam-se relativamente bem preservados, possibilitando a identificação a nível do género/espécie com a ajuda da bibliografia disponível, sendo a principal: Andreu (1981, 1991); Babinot (1971, 1980); Babinot & Colin (1976, 1983) Boavida (2013); Cabral (1995). Seguiu-se a classificação sistemática de Hartman & Puri (1974).

Reino ANIMALIA Linnaeus, 1758Filo ARTHROPODA Siebold & Stannius, 1845Sub-filo MANDIBULATA Clairville, 1798Classe CRUSTACEA Pennant, 1777Sub-classe Ostracoda Latreille, 1802Ordem Podocopida Müller, 1894Sub-ordem Platycopina Sars, 1866 Super-família Cytherelloidea Sars, 1866Família Cytherellidae Sars, 1866 Género Cytherella Jones, 1849

Cytherella cf. postangulata Babinot, 1980, fig. 3a-b

1980 Cytherella postangulata Babinot, p. 60 est. 2, figs 6-11

Material106 carapaças e 19 valvas - LS7.

DescriçãoCarapaça sub-oval de grande dimensão. Valva

direita maior que a valva esquerda, com a linha de maior altura ligeiramente deslocada para o bordo posterior. Bordo dorsal convexo, não ocupando o comprimento total da carapaça; bordo ventral con-vexo; bordos anterior e posterior arredondados, com extremidade posterior nítida. Superfície das valvas sem ornamentação.

Distribuição estratigráfica e paleogeográfica Cenomaniano médio e superior da Provença,

França (Babinot, 1980); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Cytherella sp.1 Boavida, 2013 Fig. 3c-d

2013 Cytherella sp.1 Boavida, p. 31, est. 1, figs. 4-6

Material80 indivíduos (carapaças e valvas) – LS7, LS8

DescriçãoCarapaça sub-rectangular alongada de grande di-mensão. Valva direita maior que a valva esquerda, recobrindo-a totalmente. Linha de maior altura deslocada para o bordo posterior; maior compri-

68 Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

Page 71: Geonovas Número 28

Figura 3 - Exemplares de ostracodos presentes na secção, fotografados a microscópio electrónico de varrimento. C, carapaça; VLD, vista lateral direita; VLE, vista lateral esquerda; VD,vista dorsal; F, fêmea; M, macho. Escala, barra = 100μm. a - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, VLD; b - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, VLE; c - Cytherella sp.1 Boavida 2013 (LS7), C, VLD; d - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, VLE; e - Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 (LS8M), C, VLE; f - Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 (LS8M), C, VD; g - Dolocytheridea iberica Andreu, 1981 (LS7), C, VLE; h - Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin, 1976) (LS8M), C, VD; i - Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin, 1976) (LS8M), C, VLD; j - Parakrithe ? sp.1 (LS7), C, VLE; k - Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi (Babinot, 1971)

(LS7), C, VLD, F; l - Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi (Babinot, 1971) (LS7), C, VLE, M; m - Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, 1981 (LS7), C, VLD; n - Paracypris sp.1 Boavida 2013 (LS7), C, VLE.

Figure 3 – Specimens photographed in S.E.M.. C, carapace; RLV, right lateral view; LLV, left lateral view; DV, dorsal view; F, female; M, male. Scale: bar = 100μm. a - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, RLV; b - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, LLV; c - Cytherella sp.1 Boavida 2013 (LS7), C, RLV; d - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, LLV; e - Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 (LS8M), C, LLV; f - Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 (LS8M), C, DV ; g - Dolocytheridea iberica Andreu, 1981 (LS7), C, LLV; h - Fossocytheridea merlensis ( Babinot & Colin, 1976) (LS8M), C, DV; i - Fossocytheridea merlensis ( Babinot & Colin, 1976) (LS8M), C, RLV; j - Parakrithe ? sp.1 (LS7), C, LLV; k - Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi ( Babinot, 1971) (LS7), C, RLV, F; l - Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi ( Babinot, 1971) (LS7), C,

LLV, M; m - Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, 1981 (LS7), C, RLV; n - Paracypris sp.1 Boavida 2013 (LS7), C, LLV.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 65 a 77, 2015 69

Page 72: Geonovas Número 28

mento situado na meia altura. Bordos dorsal e ven-tral sub-rectilíneos a ligeiramente côncavos; bor-dos anterior e posterior arredondados. Superfície das valvas sem ornamentação.

Distribuição estratigráfica e geográficaCenomaniano médio de S. João das Lampas

(Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Sub-ordem Podocopina Sars, 1866 Super-família Cytheroidea Baird, 1850 Família Cytheridae Baird, 1850Género Perissocytheridea Stephenson, 1938

Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981fig.3e-f

1981 Perissocytheridea? estribeirensis Andreu p. 126, est. 1, figs. 12-16

2013 Perissocytheridea estribeirensis – Boavida, p. 33, est. 1, figs. 8-13

Material146 carapaças – LS4BM, LS7

DescriçãoCarapaça de pequena dimensão. Linha de maior

altura deslocada para o bordo anterior; Dimorfismo sexual presente: fêmeas com carapaça sub-triangu-lar, bordo dorsal convexo com ângulos cardinais não muito acentuados, bordo ventral; machos com ca-rapaça mais alongada e sub-rectangular, com bordo dorsal côncavo e ângulos cardinais pouco acentua-dos. Bordo ventral muito irregular. Bordos ante-rior e posterior arredondados em ambas as formas, sendo o posterior mais agudo com extremidade bem definida. Superfície das valvas com ornamentação reticulada e presença de sulco médio sub-vertical.

Distribuição estratigráfica e geográficaCenomaniano inferior de Varge Mondar,

Sintra (Andreu, 1981); Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Família Cytherideidae Sars, 1925Género Dolocytheridea Triebel, 1938

Dolocytheridea iberica Andreu, 1981

1981 Dolocytheridea iberica Andreu p.143, est. 2, figs. 1-7

1995 Dolocytheridea (Puracytheridea) iberica Andreu, Cabral, p. 176, est. 10, figs. 1-5

2013 Dolocytheridea iberica Andreu – Boavida, p.36, est. 3, figs. 1-5

Material66 carapaças – LS7

DescriçãoCarapaça sub-oval a sub-rectangular. Valva es-

querda maior que a valva direita, recobrindo-a to-talmente. Linha de maior altura deslocada para o bordo anterior; maior comprimento no 1/3 da altu-ra da carapaça. Bordo dorsal convexo, não ocupan-do o comprimento total da carapaça; bordo ventral sinuoso; bordo anterior arredondado; bordo pos-terior assimétrico. Dimorfismo sexual visível: ma-chos mais alongados. Superfície das valvas sem or-namentação.

Distribuição estratigráfica e geográfica Albiano inferior a terminal de S.Julião –

Praia de Vide; Albiano inferior a terminal e Cenomaniano inferior de Cacém, Sintra (Andreu, 1981); Albiano superior terminal de Foz de Falcão-Magoito (Cabral, 1995);Cenomaniano inferior de Varge Mondar, Vale Covo e Bombarral (Andreu, 1981); Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Género Fossocytheridea Swain & Brown, 1964

Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin, 1976) Fig. 3h-i

1976 Sarlatina merlensis Babinot & Colin p.164, est. 2 figs. 8-17, est.3, figs. 1-12

2003 Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin) – Tibert, Colin, Leckie, Babinot, p. 211, est. 1 figs D-G

2013 Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin) – Boavida, p. 34, est. 2, figs. 1-10

Material 2634 indivíduos (carapaças e valvas) - LS4BM, LS8M e LS10B.

DescriçãoCarapaça sub-oval a sub-rectangular, alongada e

de grande dimensão. Valva esquerda maior que val-va direita recobrindo-a totalmente (bem visível em

70 Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

Page 73: Geonovas Número 28

vista dorsal). Linha de maior altura deslocada para o bordo anterior; maior comprimento na meia altura da valva. Bordo dorsal sub-rectilínio, arredondado, não ocupando o comprimento total da carapaça; bordo ventral rectilínio; bordos anterior e poste-rior arredondados. Dimorfismo sexual bem marca-do, machos mais alongados e de dimensões maiores.

Distribuição estratigráfica e geográficaCenomaniano de Berbiguières, Dordogne, SW

de França (Babinot & Colin, 1976); Cenomania-no médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Família Krithidae Mandelstam, 1960Género Parakrithe Van Den Bold, 1958

Parakrithe? sp. 1 Fig.3j

2013 Parakrithe? sp. 1, Boavida, p. 38, est. 3, figs. 10-13

Material3 carapaças – LS7

DescriçãoCarapaça sub-oval, alongada. Valva esquerda

maior que valva direita. Linha de maior altura des-locada para o bodo anterior; maior comprimento na meia altura da valva. Bordo dorsal convexo com ân-gulos cardinais bem marcados; bordo ventral rectilí-nio; bordo anterior arredondado, bordo posterior arredondado com extremidade central pontiaguda, fazendo um ângulo com a união ao bordo ventral.Dimorfismo sexual não visível nos exemplares em causa. Superfície da carapaça sem ornamentação.

Distribuição estratigráfica e geográficaCenomaniano médio de S. João das Lampas

(Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Família Trachyleberididae Sylvester-Bradley, 1948Género Paracaudites Deltel, 1962Sub-género Dumontina Deroo, 1966

Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi (Babinot, 1971) Fig. 3k-l

aff. 1971 Dumontina grekoffi n. sp. Babinot p. 239, est. 1, figs. 3-8, est. 2, figs 1-2

aff. 1978 Dumontina aff. grekoffi Babinot, Andreu, p. 217 est. 28, figs. 7-11

aff. 2013 Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi Babinot, Boavida, p. 42, est.4, figs. 10-17

Material358 carapaças – LS7

DescriçãoCarapaça sub-triangular a sub-rectangular. Valva

esquerda maior que a valva direita. Linha de maior altura ligeiramente deslocada para o bordo anterior. Maior comprimento nos 2/3 da altura da carapaça. Bordos dorsal e ventral sub-rectilínios a convexos, parcialmente encobertos por costilha e friso, res-pectivamente. Bordo anterior arredondado, bordo posterior sub-triangular.Dimorfismo sexual presente: fêmeas com carapaça sub-triangular de pequena dimensão;Machos com carapaça sub-rectangular de grande dimensão. Carapaça com ornamentação apresentando frisos marginais no bordo ventral e anterior; tubérculo ocular presente.

Distribuição estratigráfica e geográficaCenomaniano superior de Bouches-du-Rhô-

ne, França (Babinot, 1971); Cenomaniano inferior de Vale Covo, Bombarral (Andreu, 1981); Ceno-maniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, 1981 Fig. 3m

1978 Dumontina juliensis Andreu p. 218, est. 27, figs. 10-13,16

1995 Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, Cabral, p. 243, est.23, figs. 1-5

2013 Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, Boavida, p. 44, est. 5, figs. 1-3

Material14 carapaças - LS7.

Descrição Carapaça sub-rectangular de pequena dimen-

são, mais pequena comparativamente com Para-

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 65 a 77, 2015 71

Page 74: Geonovas Número 28

caudites (Dumontina) aff. grekoffi, tornando a carapaça desta espécie mais baixa e alongada. Valva esquerda maior que a valva direita. A linha de maior altura encontra-se ligeiramente deslocada para o bordo anterior; maior comprimento nos 2/3 da altura da carapaça. Bordo dorsal rectilíneo não ocupan-do o comprimento total da carapaça; bordo ventral sub-rectilíneo; bordo anterior arredondado; bor-do posterior sub-triangular. Superfície das valvas com ornamentação: frisos, costilhas e dentículos.

Distribuição estratigráfica e geográficaAlbiano inferior a superior de S. Julião – Praia

de Vide; Cenomaniano inferior de Vale Covo e Bombarral (Andreu, 1981); Albiano superior ter-minal de Foz de Falcão-Magoito (Cabral, 1995); Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Super-família Cypridoidea Baird, 1845Família Candonidae Kaufmann, 1900 Género Paracypris Sars, 1866Paracypris sp.1 Boavida, 2013 Fig. 3n2013 Paracypris sp.1 Boavida p. 51, est. 6, figs. 6-8

Material408 carapaças – LS7, LS8M, LS10B

DescriçãoCarapaça sub-triangular, alongada. Valva es-

querda maior que valva direita. Linha de maior altura deslocada para o bordo posterior; maior comprimento nos 2/3 da altura da carapaça. Bor-do dorsal convexo não ocupando o comprimento total da carapaça; bordo ventral rectilínio; bordo anterior arredondado; bordo posterior com extre-midade pontiaguda deslocada para bordo ventral. Dimorfismo sexual não visível nos exemplares em causa. Superfície da carapaça sem ornamentação.

Distribuição estratigráfica e geográficaCenomaniano médio de S. João das Lampas

(Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Microfácies

Foram seguidas as classificações composicio-nal de Folk (1959) e textural de Dunham (1962). As amostras estudadas correspondem predomi-nantemente a biomicrite wacke a packstone, cujos

principais EFOC identificados foram ostraco-dos, foraminíferos (textularídeos, miliolídeos e rotalídeos), moluscos e algas calcárias. Em algu-mas amostras foi possível ainda identificar extra-clastos (sobretudo quartzo) e pelóides. (Fig. 4). Discussão

Com a realização da triagem e contagem dos os-tracodos nos 4 níveis margosos, foram identificados 4188 indivíduos, contabilizadas 3901 carapaças e 287 valvas, sendo claramente dominantes as carapaças. Analisando os 4 níveis de forma individual, a amos-tra LS4BM apresenta uma quantidade menor de in-divíduos, cerca de 178 e, LS10B maior quantida-de, com 1653. LS7 e LS8M apresentam 888 e 1469 exemplares, respectivamente.

A espécie mais abundante é Fossocytheridea merlensis, da qual se contabilizou um total de 2368 indivíduos nas quatro amostras analisadas. As duas outras es-pécies também abundantes, a seguir a Fossocytheridea merlensis, são Gen. Ind. sp.1 e Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi, com 370 e 358 indivíduos recolhidos, respectivamente. A espécie menos abundante, com apenas 3 indivíduos contabilizados, é Parakrithe ? sp.1No estudo das microfácies foram identificados vários microfósseis e macrofósseis (em geral fragmentos), sendo predominantes os moluscos, tanto gastrópodes (todas as amostras à exceção de LS5B, LS5T e LS7) como bivalves (LS2B, LS2TM, LS5B e LS5T), ostracodos (em todas as amostras), foraminíferos (textularídeos - LS2TM, LS3, LS5B, LS5T e LS9; miliolídeos - LS2TM, LS8 e LS9 e rotalídeos raros, presentes provavelmente devido a transporte), equinodermes (LS2B, LS2TL, LS2TM, LS3, LS5B, LS5T, LS7 e LS9) e algas calcárias (LS2TM, LS3, LS7 e LS9).

Paleoecologia

A informação obtida com o estudo dos ostra-codos e microfácies, permitiu reconhecer um pa-leoambiente lagunar restrito, salobro, com in-fluências marinhas periódicas.

A parte basal da sucessão apresenta um registo fossilífero tipicamente marinho, com presença de fragmentos de equinodermes, comuns em zonas margino-litorais, bentónicos, não tolerando varia-

72 Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

Page 75: Geonovas Número 28

ções de salinidade (esteno-halinos) (e.g. Domínguez et al., 2009). As evidências de textularídeos mos-tram salinidade normal a reduzida, dependendo também da temperatura e profundidade (e.g. Luc-zkowska, 1974). As dasicladáceas, algas fixas, boas indicadoras de paleoambiente sugerem baixo hi-drodinamismo, salinidade normal, não tolerando variações desta, associadas à zona mais superficial da zona fótica em meio marinho interno (e.g. Basson & Edgell, 1971). Evidencia-se, entre os níveis LS2 e LS3 um paleoambiente deposicional de laguna marinha, passando alguns metros acima a um pa-leoambiente transicional com predominância mais salobra, onde a biodiversidade é mais restrita (nível LS4), coincidindo com o primeiro aparecimen-to de ostracodos da espécie Fossocytheridea merlensis. Um novo período de influência marinha é marca-do pela presença de dasicladáceas e equinodermes,

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 65 a 77, 2015 73

Figura 4 – Microfotografias do conteúdo fossilífero. D, Dasicladáceas; L, fragmentos de bivalves; T.A., tubos de anelídeos; M, Miliolídeos: O, Ostracodos; V, fragmento vegetal; F.A., foraminífero aglutinado; Ost., Ostreídos; E, fragmentos de equinodermes; B.I., bivalve não identificado. Escala: barra, 1 mm. a - nível LS2TM: observação de fragmentos de ostreídos, ostracodos (carapaças e valvas), um miliolídeo, fragmentos de bivalves e algas calcárias (dasicladáceas), fase de ligação micrite (x50); b - nível LS2TM: observação de fragmentos de bivalves e dasicladáceas, fase de ligação micrite (x50); c - nível LS2TM: observação de dasicladáceas, fragmentos de bivalves e porosidade (rara) (x50); d - nível LS2TM: foto geral. Observação de fragmentos de ostracodos, tubos de anelídeos, fragmento de vegetal (indiferenciado) (x25); e, nível LS3: observação de um foraminífero aglutinado (x50); f - nível LS5T: vista geral. Observação de fragmentos de bivalves (indeterminados e ostreídos) (x10); g - nível LS6: vista geral de um ostracodito (x10); h - nível LS6: vista geral de um ostracodito (x20).

Figure 4 – Details of fossils and microfossils in thin section. D, Dasycladales; L, bivalve fragments; T.A., annelid tubes; M, Miliolids; O, Ostracods; V, plant remains; F.A., agglutinated foraminifera; Ost., Oyster; E, echinoderm fragments; B.I., unidentified bivalve. Scale: bar = 1 mm. a - LS2TM: ostracods, one miliolid, bivalve fragments and calcareous algae; micrite binding phase (x50); b - LS2TM: bivalve fragments and dasycladales; micrite binding phase (x50); c - LS2TM: dasycladales, bivalve fragments (x50); d - LS2TM: observation of ostracod’s fragments, annelid tubes, plant remains (undifferentiated) (x25); e - LS3: observation of agglutinate foraminifer (x50); f - LS5T: general view. Observation of bivalve fragments (undetermined and oysters) (x10); g - LS6: general view of an ostracodite (x10); h - LS6: general view of an ostracodite (x20).

Page 76: Geonovas Número 28

evitar que as valvas se separem. Com uma elevada taxa de sedimentação, o substrato é suave e a maior parte das carapaças atinge níveis fundos, devido ao seu peso, preservando-se então as carapaças.Com base na relação entre o número de carapaças e valvas da espécie Fossocytheridea merlensis verificou--se maior quantidade de carapaças nos níveis LS7, LS8M e LS10B indicando baixo hidrodinamismo e elevada taxa de sedimentação do meio, contraria-mente ao nível LS4BM onde o número de valvas era superior revelando um meio de maior hidro-dinamismo, levando a remobilização sedimentar e favorecendo a desagregação das valvas (Fig. 5).

Relação jovens/adultos

Para o estudo da relação jovens/adultos apenas se utilizaram os exemplares da espécie Fossocytheridea merlensis, visto ser a única que apresentava popula-ção adulta e jovem, facilmente identificável (Fig. 6).

Verificou-se que o número de carapaças adultas é superior ao número de carapaças de jovens. Se-gundo De Decker (2002) isto deve-se, provavel-mente, às variações do meio que são mais favoráveis à preservação das carapaças adultas em detrimento das carapaças jovens, uma vez que estas são mais fi-nas e mais frágeis, resistindo menos aos processos diagenéticos e deixando, assim, menor registo nas formações geológicas. Por outro lado, poderá tam-bém ser explicado o predomínio das carapaças adul-tas devido à actividade de correntes de fundo que transportam carapaças de dimensões menores, uma vez que após a morte do ostracodo, estas apresen-tam a mesma resistência hidrodinâmica que as par-tículas sedimentares do fundo da coluna de água.

Conclusões

A sucessão analisada ter-se-á depositado em meio predominantemente lagunar restrito, salo-bro, de baixo hidrodinamismo mas com taxa de sedimentação elevada (informação inferida através da abundância significativa de carapaças de Fosso-cytheridea merlensis) e com influências marinhas pe-riódicas indicadas pelo aparecimento de Paracypris sp.1, Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi, Paracaudites (Dumontina) juliensis, dasicladáceas e equinodermes em alguns níveis. É de salientar ainda que, du-

com uma diminuição de hidrodinamismo. É feita a passagem para um paleoambiente tipicamente salo-bro sendo a espécie Fossocytheridea merlensis dominante, comum em meio margino-litoral ou marinho res-trito (Babinot & Colin, 1976; Tibert et al., 2003). Um novo período de influência predominantemen-te marinha é marcada pelo surgimento de equino-dermes e textularídeos.

A grande quantidade de ostracodos, provavel-mente da mesma espécie, presentes uns metros aci-ma, e sem grande diversidade de outros organismos, sugere novo paleoambiente tipicamente salobro, com baixo hidrodinamismo. A presença dos gé-neros Paracypris e Paracaudites mais acima sugere novo paleoambiente mais marinho, com equinodermes presentes. O género Paracypris é típico de ambiente marinho profundo (Van Morkhoven, 1963) poden-do ser encontrado até à zona infralitoral (Andreu, 1991), e o género Paracaudites é comum em platafor-ma, sendo Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi uma es-pécie de transição entre recife e plataforma interna, associado a calcários de rudistas (Babinot, 1980).

O género Fossocytheridea, revela transição de natu-reza mais salobra e grande quantidade de miliolí-deos sugere ambiente lagunar hipersalino. Novo surgimento de dasicladáceas e equinodermes aponta para nova passagem mais marinha, e por fim veri-ficam-se dois períodos deposicionais intercalados, um salobro, mais restrito, registado pela presença de Fossocytheridea merlensis na componente margosa, e outro mais marinho, registado pelas plaquetas carbonatadas onde se observaram dasicladáceas. A presença de Paracypris sp.1 (espécie marinha, me-nor quantidade) encontrada juntamente com Fos-socytheridea merlensis (espécie salobra, maior quanti-dade) pode ser explicada pelo transporte de Para-cypris para o interior da laguna através de períodos em que houve uma pequena influência marinha.

Relação carapaças/valvas

Segundo Oertli, (1971), quando um ostracodo morre, as suas valvas separam-se devido à intensa actividade bacteriana, que destrói os músculos e os ligamentos. Assim, surgem duas situações: quan-do a taxa de sedimentação é lenta, o substrato está consolidado e apenas parte dos indivíduos mor-tos atinge um nível suficientemente fundo para

74 Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

Page 77: Geonovas Número 28

Figura 5 – Relação carapaças/valvas dos ostracodos das amostras estudadas.

Figura 5 – Ostracods carapaces/valves relation from studied samples.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 65 a 77, 2015 75

Figura 6 – Relação entre a presença de adultos e juvenis de Fossocytheridea merlensis (ostracodo).Figura 6 – Adult and youth relation in ostracod’s Fossocytheridea

merlensis.

Figura 7 – Evolução paleoambiental da secção em estudo. A - Através do estudo de ostracodos; B - Através do estudo de

microfácies.Figura 7 – Paleoenvironmental evolution of the studied

section. A - From ostracod’s study; B - From microfacies study

Page 78: Geonovas Número 28

rante a deposição em meio lagunar restrito e sa-lobro, ocorreram eventos tempestíticos (Fig. 7).

Agradecimentos

Às Professoras Maria Cristina Cabral e Ana Cristi-na Azerêdo (Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa), pelo conhecimen-to transmitido e apoio ao longo do projecto de licen-ciatura, bem como à realização deste artigo. À Cynthia Mourão (Departamento de Geologia, FCUL) pela ajuda fornecida na execução das lâminas delgadas. À Vera Lo-pes (Departamento de Geologia, FCUL) e Rute Coim-bra (IDL, FCUL), pelos conhecimentos informáticos fornecidos. Ao Departamento de Geologia e ao Cen-tro de Geologia, ambos da FCUL, pelos equipamen-tos disponibilizados para a realização deste trabalho.

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Page 80: Geonovas Número 28

78

Page 81: Geonovas Número 28

Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

S. Neves1*, J. F. Borges2, B. Caldeira2, P. Moita3, J. Pedro4 & R. Boaventura5

1 Universidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Laboratório Hercules, Rua Romão Ramalho n.º 59,Évora2 Universidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Departamento de Física, ECT, Rua Romão Ramalho n.º 59, Évora

3 Universidade de Évora, Laboratório Hercules, Departamento de Geociências, ECT, Rua Romão Ramalho n.º 59,Évora4 Universidade de Évora, ICT-Instituto Ciências da Terra, Departamento de Geociências, ECT, Rua Romão Ramalho n.º 59,Évora

5 UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa

*autor correspondente: [email protected]

Resumo

Os métodos de interpretação de refração sísmica têm vindo a ser desenvolvidos ao longo dos anos em paralelo com o aumento da capacidade de cálculo numérico. Inicialmente, foi desenvolvido o método tempo de intercepção, seguido por outros métodos mais robustos. A refracção sísmica tem sido aplicada em diversas áreas, nomeadamente em engen-haria civil, ambiente, prospecção de petróleo, e arqueologia. Neste artigo são avaliados os resultados obtidos por alguns métodos, nomeadamente, o método tempo de intercepção, Plus-Minus, GRM e tomografia sísmica. Demonstra-se que é possível aplicar todos os métodos, dependendo unicamente do grau de exigência do objectivo, que pode passar pelo nív-el de resolução, ter em conta ou não a variabilidade lateral de velocidade, ou o tempo de realização das tarefas tanto em campo e como no processamento. São ainda apresentadas as vantagens e desvantagens para cada método bem como alguns pormenores de processamento e técnicas de aquisição de dados no campo.

Palavras-chave: Geofísica, Refração Sísmica, Tomografia Sísmica.

Abstract

The refraction methods have been developed over the years in parallel with increasing numerical computation. Initially, intercept time method was devel-oped, followed by other more robust methods. Seismic refraction has been applied in several areas, particularly in civil engineering, environment, oil drilling and archaeology. This article reviews the results obtained by other methods, namely intercept time, plus-minus GRM and seismic tomography. It demonstrates that it is possible to apply all methods, depending solely on the degree of the objective requirement: such as the level of resolution taking into account whether or not lateral the variability of seismic P waves velocity, or the completion time of tasks both in the field as in processing. Also presents the advantages and disad-vantages for each method and some details of data processing and acquisition techniques in the field.

Key words: Geophysics, Seismic Refraction Survey, Seismic Tomography.

1. Introdução

A refracção sísmica é um método de quantifica-ção de algumas propriedades físicas do interior da Terra através de medidas indiretas de certos parâme-tros. Neste artigo a propriedade que se caracteriza é a velocidade das ondas sísmicas P (também desig-nadas por ondas volúmicas compressionais). Estas ondas são geradas artificialmente através de fontes sísmicas, e as vibrações do terreno por estas pro-duzidas são detectadas e registadas à superfície por geofones, ligados a um equipamento de aquisição

designado por sismógrafo, sendo posteriormente sujeitas a interpretação. O estudo das ondas sísmi-cas P através do método de refração sísmica permite estimar a estratigrafia geológica do local de estudo, sendo possível determinar a espessura de cada cama-da e as respectivas velocidades das ondas sísmicas P. O estudo da propagação das ondas sísmicas ne-cessita de uma fonte sísmica que pode ser natural (sismos) ou artificial (martelo, vibrações induzidas pelo ambiente, AWD (Acelerated weight drop), espingar-da sísmica ou explosivos). A dimensão do modelo de velocidades obtido a partir das ondas P (quer em

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comprimento, quer em profundidade) depende do comprimento do array, pois as ondas que penetram mais profundamente no meio, são aquelas regista-das nos geofones localizados nos estremos do array.

A fonte sísmica pode ser alterada mediante o objectivo do trabalho. Para arrays de grande com-primento é necessária uma fonte sísmica energéti-ca, como o caso de fontes sísmicas AWD ou explo-sivos. Estas fontes introduzem um maior impacto no solo, de modo que a onda sísmica percorra todo o array e seja registada de forma clara em todos os geofones. Para arrays de pequenas dimensões (< 60 m) normalmente é utilizado o martelo ou espin-garda sísmica, pois a energia requerida é menor.

A propagação das ondas sísmicas P obedece à lei de Snell-Descartes, segundo a qual, quando uma onda sísmica encontra uma interface que separa dois meios com velocidades diferentes, vai originar ondas reflectidas e transmitidas. Quando uma onda passa de um meio com menor velocidade para um meio com maior velocidade (o que frequentemente ocorre no interior da Terra), existe um ângulo de incidência para o qual o ângulo de transmissão é de 90º. Nestas condições, a incidência é designada por incidência crítica e a propagação da onda sísmica ocorre ao longo da interface de separação entre os dois meios. A este ângulo designa-se de ângulo crí-tico (i

c), podendo ser obtido pela seguinte equação:

21sin VVic = . Sendo que V1 representa a velocidade

das ondas sísmicas P na camada superior (camada 1), enquanto V

2 representa a velocidade das ondas

sísmicas na camada inferior (camada 2). Quando os ângulos de incidência são maiores que 90º não existe raios transmitidos. Note-se que a aplicação prática desta lei obriga a que as velocidades das on-das sísmicas têm que ser necessariamente crescentes em profundidade, o que representa uma limitação deste método para os casos em que existem camadas de baixa velocidade. Por outro lado, a aplicação des-te método implica que existam contrastes significa-tivos entre as velocidades das diferentes camadas.

A primeira onda a ser registada pelos geofo-nes é designada de onda directa, e corresponde à onda que viaja entre a fonte sísmica e os geofones através da camada superfícial. Enquanto as outras ondas são designadas de ondas refractadas. A lei de Snell-Descartes mostra que existe uma incidência crítica para a qual a onda refractada viaja ao longo

da interface com velocidade do meio inferior (ve-locidade mais elevada). Esta energia retorna à su-perfície através das ondas refractadas criticamente.

Com base nestes princípios físicos foram desen-volvidas metodologias que permitem determinar a velocidade de propagação das ondas sísmicas P, e espessura das diferentes camadas que compõem o subsolo. Pretende-se com este trabalho comparar os resultados de várias metodologias de refração sísmi-ca, nomeadamente, tempo de intercepção (Redpa-th, 1973), Plus-Minus (Hagedoorn, 1959), Generalized Reciprocal Method – (Palmer, 1980) e tomografia de refração sísmica (Seehan et al., 2005; Lecomte et al., 2000; Watanabe et al., 1999; Schuster & Quintus--Bosz, 1993). De seguida serão apresentados alguns aspectos teóricos em que se baseiam os quatro mé-todos referidos, posteriormente, são apresentadas aplicações dos métodos em estudo a um caso de es-tudo, o caso da anta do Belo, localizada na região de Monforte, onde foram realizados 3 arrays. Finalmen-te, são apresentadas as comparações dos resultados dos diferentes métodos e conclusões do trabalho. 2. Aspectos teóricos dos métodos de interpre-tação de refração sísmica

Os métodos de interpretação de refração sísmica baseiam-se na determinação dos tempos de chegada das ondas sísmicas (Redpath, 1973), ou na determinação da propagação da frente de onda que obedece ao Princípio de Huygens A maioria dos métodos de interpretação de refração sísmica baseia-se na determinação dos tempos de chegada das ondas sísmicas, visto que esta metodologia requer menor esforço computacional, enquanto a outra metodologia requer maior esforço computacional, devido ao nível de complexidade das equações físicas e dos algoritmos envolvidos.

Os métodos de interpretação de refração sísmi-ca têm vindo a evoluir com o aumento progressi-vo da capacidade de computação numérica. Ini-cialmente, August Schmidt em 1888, apresentou o gráfico que representa o tempo de chegada das ondas sísmicas em função da distância ao recep-tor. Em 1899, G. K. Knott, apresentou a teoria sobre a propagação das ondas sísmicas nas interfa-ces entre camadas, e em 1910, A. Mohoravicic ve-rificou que as ondas sísmicas P e S têm diferentes

80 Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

Page 83: Geonovas Número 28

cial e uma semi-infinita). Este parâmetro indica a chegada da onda refractada proveniente da cama-da inferior. Note-se que, para este caso em parti-cular, só é necessário realizar um tiro, dado que o modelo de velocidades é discreto, plano e paralelo.

A espessura da camada superficial (z1) é dada

pela seguinte equação:

( )( )211

1 sincos2 VVVTZ ii−= ,

onde, Ti é o tempo de intercepção, em segun-

dos, V1 é a velocidade de propagação das sísmi-

cas na camada 1 e V2 é a velocidade de propaga-

ção das ondas sísmicas na camada 2, em m/s. A camada 2 representa o meio semi-infinito, ra-zão pela qual não apresenta espessura finita.

O modelo de várias camadas com interface horizontal plana é uma generalização do modelo anterior. Neste modelo, o número de segmentos de recta é igual ao número de camadas (Fig. 2(a)). O segmento de recta que se encontra junto à posição do tiro, representa a camada superficial (velocidade baixa), enquanto o segmento de recta que se encontra mais longe da posição do tiro representa a camada mais profunda (velocidade mais elevada). A espessura da camada 1 é dada por:

( )( )211

1 sincos2 VVVTz ii−=

enquanto para as camadas 2 e 3 são dadas por:

( ))cos(sin2 321

222 VVVTz −∆= e,

( ))cos(sin2 431

333 VVVTz −∆= , em que:

232 ii TTT −=∆ e,

343 ii TTT −=∆ ,Onde Ti

J é o tempo de intercepção relativo ao

segmento de recta j. Para avaliar a inclinação da interface entre ca-

madas é necessário realizar dois tiros, sendo estes posicionados nas extremidades do array. O pri-meiro tiro é designado de tiro directo, enquanto o tiro realizado na extremidade oposta é desig-nado de tiro inverso. Se os tempos de intercep-ção do tiro directo (T

i,

DIR) e do tiro inverso (T

i,

INV),

são iguais, a interface é horizontal plana (modelo

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 79 a 92, 2015 81

fases de onda. Para além deste facto, ele postulou que a velocidade de propagação das ondas sísmi-cas aumenta em profundidade. Com base nestes princípios foi desenvolvido o método tempo de in-tercepção, que parte do princípio que o subsolo é composto por camadas planas e paralelas. Os con-ceitos teóricos onde este método se baseia foram posteriormente apresentados por Redpath, 1973. Posteriormente, foram desenvolvidos os métodos Plus-Minus (Hagedoorn et al., 1959) e GRM (Palmer, 1980), que utilizam os tempos recíprocos (tempos de chegada a um dado receptor dos tiros direto e inverso) e se adaptam a refractores irregulares.

Actualmente, a tomografia de refração sísmica (Seehan et al., 2005; Lecomte et al., 2000; Watanabe et al., 1999; Schuster & Quintus-Bosz, 1993), ape-sar de apresentar maior complexidade na fase de aquisição e interpretação de dados, tem vindo a ser cada vez mais utilizada pela à sua versatilidade e ca-pacidade de representar com maior precisão e realis-mo os modelos geológicos, oferecendo, deste modo, maiores possibilidades de interpretação (Palm-er, 2010; Mendes et al., 2008, Mari et al., 2012).

Tempo de intercepção

O presente método baseia-se na determinação dos tempos de propagação das ondas sísmicas no terreno. Onde, através da Lei de Snell-Descar-tes e de relações trigonométricas é possível esti-mar a velocidade de propagação das ondas sísmi-cas nas diferentes camadas, bem como as respec-tivas espessuras, correspondente a um modelo de interface horizontal plana. Para obter o modelo de velocidades é necessário representar em grá-fico os tempos de chegadas das ondas sísmicas P em função da distância aos receptores, sendo esta representação designada por gráfico T-X ou dro-mocrónica. Este gráfico é composto por segmen-tos de recta após a regressão linear, e a velocidade é determinada para cada segmento de recta, pelo inverso do declive, sendo que o número de cama-das é dado pelo número de segmentos de recta.

O tempo de intercepção (Ti) é a ordenada na ori-

gem da recta cujo declive é 1/V2 (a figura 1 ilustra a situação de um modelo de velocidades composto por duas camadas planas e paralelas, uma superfi-

Page 84: Geonovas Número 28

Figura 1 – Modelo de velocidades de duas camadas com interface horizontal plana.

Figure 1 – Velocity model for two flat horizontal layers.

Figura 2 – a - Modelo de várias camadas com interfaces horizontais planas.

Figure 2- a - Velocity model for several flat horizontal layers.

82 Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

Figura 2 – b - Modelo de 2 camadas com interface plana inclinada.

Figure 2- b - Velocity model of two layer with flat dip interface.

Page 85: Geonovas Número 28

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 79 a 92, 2015 83

original), caso contrário, a interface entre cama-das é inclinada, sendo o seu declive calculado por:

onde V1 é a velocidade da camada 1, obtida pela mé-

dia entre a velocidade aparente V1,DIR

e V1,INV

. Quan-do V

1,DIR e V

1,INV são diferentes, existe variação lateral

de velocidade. Este método omite essa informação, atribuindo assim, uma velocidade média à camada superficial. V

2,DIR é a velocidade aparente da camada

2 obtida do tiro directo, enquanto V2,INV

é a veloci-dade aparente da camada 2 obtida do tiro inverso. As velocidades aparentes são determinadas a partir do gráfico T-X pelo inverso do declive do segmento de cada recta, após regressão linear aos tempos de chegada das ondas sísmicas (Fig. 2 (b)). Após a de-terminação das velocidades aparentes e do declive da interface, a velocidade da camada 2 é dada por:

Note-se que na equação anterior, a velocidade de propagação das ondas sísmicas tem em conta a inclinação da interface entre camadas. Ao ter-se em conta a inclinação, o percurso das ondas sísmicas é adequado ao modelo teórico de velocidades de camadas com interface inclinada. 2.2 Plus-Minus

O método Plus-Minus foi desenvolvido por Hage-doorn (1959) e baseia-se nos princípios físicos do método anterior. Hagedoorn (1959) introduziu um novo conceito na metodologia original, designado, tempo de atraso (Delay times). Este conceito permite calcular a variação da velocidade ao longo do array com base nos dados obtidos através de dois tiros realizados nas extremidades do mesmo. E assim, é possível estimar as velocidades das ondas sísmicas bem como a espessura de cada camada por debaixo de cada geofone. É comum, neste método utilizar--se dois tiros afastados (Tiro

O,DIR e Tiro

O,INV), isto

é, a contabilizar de cada extremidade, os tiros são posicionados a metade do comprimento do array (Fig. 3). Estes tiros possibilitam a utilização da me-todologia Phantom Arrival (Hagedoorn, 1959), per-mitindo assim, aferir com maior precisão a veloci-dade do meio semi-infinito bem como a profundi-dade do mesmo. A Figura 3 apresenta o esboço do referido array, sendo L o comprimento do array, d

1

é a distância entre o tiro directo (ponto A) e o pri-meiro geofone, e d

x é o afastamento entre geofones.

O tempo de atraso calculado no tiro A (DTA) é

definido pela diferença temporal entre o trajecto AB e o trajecto A’B, resultando a seguinte equação:

.

Ao se relacionarem os tempos dos trajectos com a espessura da camada (z

A), obtém-se:

( ) ( ) 21 tancos. ViziVzT cAcAA −=∆ ,

em que o parâmetro ic é o ângulo crítico, e V

1 e V

2

são as velocidades das ondas sísmicas P para as ca-madas 1 e 2, respectivamente.

Para calcular o tempo de atraso para o caso do geofone na posição D (DT

D), é necessário deter-

minar os tempos de propagação das ondas sísmi-cas entre os pontos ABFG, ABCD, e GFED. Na figura 4 são apresentados todos os parâmetros in-tervenientes no cálculo, nomeadamente, o tempo total de propagação da onda sísmica (T

T), o tempo

que a onda sísmica demora a percorrer o meio en-tre o tiro G e o geofone D (T

GD), e o tempo que

a onda sísmica demora a percorrer o meio entre o tiro A e o geofone D (T

AD). Os restantes parâ-

metros foram referidos nos pontos anteriores.Aplicando o método Plus obtém-se o atraso para

o geofone na posição D,

,

Este procedimento é realizado para os restan-tes geofones. De seguida, é determinada a veloci-dade das ondas sísmicas para cada camada do mo-delo de velocidades através do método Minus

. Ou

seja, a velocidade da primeira camada é dada pela

onda directa (através do declive do primeiro seg-mento de recta após regressão linear (1/V

1). As ve-

Page 86: Geonovas Número 28

Figura 3 – Disposição dos tiros no array.Figure 3 – Shots displacement inside of array.

84 Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

locidades das restantes camadas são obtidas atra-vés do parâmetro: T

SD-T

S’D. Isto é, são representa-

das as diferenças entre os tempos de chegada das ondas sísmicas provenientes do tiro directo e in-verso (Tiro

DIR e Tiro

INV), para o geofone D, sen-

do posteriormente realizada a mesma tarefa para os restantes geofones. O numero de segmentos de recta é igual ao número de camadas. Note-se que, a variação do declive dos segmentos de recta reflecte a variação lateral da velocidade do meio.

Obtidos todos os tempos de atraso segundo o método Plus, e as velocidades bem como o núme-ro de camadas através do método Minus, é possível estimar a espessura perpendicular com a inter-face das camadas (z

1) através da seguinte equação:

12

21

22

VVVVz

T DD

−=∆

No presente artigo é apresentado um modelo de-finido por duas camadas. No entanto, esta metodo-logia permite caracterizar mais do que duas camadas.Note-se que a maior limitação deste método deve-se a curvatura da interface entre duas camadas, que deve ser pequena comparada com a profundidade, e a in-clinação da interface deve ser menor que 10 graus.

2.3 GRM

O método Generalized Reciprocal Method, vulgarmen-te conhecido por GRM foi desenvolvido por Pal-mer (1980). O desempenho deste método tem sido estudado por alguns autores (Seisa, 2007; Leung, 2003, 1995; Sjorgen, 2000; Whiteley, 2006), onde avaliam o parâmetro distância óptima XY (distância entre pares de geofones para a qual as on-das sísmicas emergem do mesmo ponto refractor) e as suas implicações no modelo de velocidades final.

O GRM avalia os tempos de propagação ob-tidos por um par de geofones afastados a várias

Figura 4 – Trajectos dos raios sísmicos através do método Plus-Minus.

Figure 4 – Seismic raypath from Plus-Minus method.

distâncias entre si (XY=0,2,4,. (metros)), enqua-drados dentro do array (Fig. 5). Esta análise é rea-lizada através da função de análise de velocidade:

onde TAY

representa o tempo que a onda sísmica de-mora a percorrer o meio entre o ponto A (posi-ção do tiro directo) e o ponto Y (geofone Y), T

BX

representa o tempo que a onda sísmica demora a percorrer o meio entre o ponto B (posição do tiro inverso) e o ponto X (geofone X). T

AB é o tempo

que a onda sísmica demora a percorrer entre a po-sição do tiro directo (A) e a posição do Tiro in-verso (B), designando-se também por tempo total.Assim, o resultado da função de análise de veloci-dade é um conjunto de funções T

V que variam se-

gundo os valores atribuídos ao parâmetro XY. Os valores atribuídos ao parâmetro XY variam entre

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 79 a 92, 2015 85

o espaçamento entre geofones e o comprimen-to do array. Ao representar-se todas as funções no gráfico que relaciona o tempo com a distância ao receptor, torna-se possível avaliar qual o parâme-tro XY óptimo para proceder ao próximo passo no processamento. Segundo Seisa (2007), o parâme-tro XY óptimo é aquele que apresenta a função de análise de velocidade com o declive mais suave. As velocidades aparentes (V’) são determinadas atra-vés dos declives da função de análise de velocidade.

De seguida, são obtidas as funções tempo-dis-tância para o mesmo conjunto de pares de geofones (XY) utilizados na análise anterior:

.

A função TG óptima é identificada pela maior

irregularidade do declive, isto é, entre todas as funções de tempo-distância definidas pelo con-junto de valores arbitrados XY, aquela que ter o declive mais acidentado é a função óptima.

Escolhido o parâmetro óptimo XY atra-vés da função de análise de velocidades e da fun-ção tempo-distância, de seguida é calculada a velocidade média entre a superfície do terre-no e a camada refractada através da equação:

.

A espessura de cada camada por debaixo de cada geofone é dada por:

22''

−−

−= VVVVTz G .

A figura 5 apresenta um esquema sobre os trajec-tos das ondas sísmicas avaliados pelo método GRM.

2.4 Tomografia de refração sísmica

Com o aumento da capacidade de cálculo e a evolução dos métodos de interpretação, a tomo-grafia sísmica de refração tem vindo a ser cada vez mais utilizada como alternativa aos métodos tradi-cionais. Ao contrário dos métodos descritos ante-riormente, este método não se baseia em modelos estratificados, mas sim, em modelos em que se as-sumem gradientes de velocidades, permitindo as-sim, determinar as variações laterais e em profun-

didade de velocidade. Trata-se, portanto, de uma vantagem relativamente a aos métodos anteriores.

A tomografia sísmica permite estimar o mode-lo de velocidades das ondas sísmicas determinan-do os tempos de propagação das ondas sísmicas, através da resolução da equação eikonal (Schus-ter et al,. 1993) por diferenças finitas (Lecomte & Podvin, 2000). O método da tomografia sís-mica requer o maior número de tiros, dado que, no processo de inversão do modelo de velocida-des, são requeridos muitos dados, já que o nú-mero de parâmetros a inverter para a obtenção do modelo de velocidades é muito superior ao dos métodos anteriores, e depende da resolução do modelo de velocidades que se pretende obter.

O processamento inicia-se com a tarefa comum a todos os métodos de refração sísmica, determina-ção dos tempos de chegada das primeiras ondas sís-micas. De seguida, é calculado o modelo de veloci-dades inicial. Existem diferentes métodos para gerar um modelo de velocidade inicial, sendo mais utili-zado o método do gradiente vertical de velocidade (Seehan, 2005), ou os métodos Plus-Minus (Hage-doorn, 1959), GRM (Palmer, 1980), ou VIRT (Vi-sual interactive ray trace) (Whiteley, 2004). Neste artigo é utilizado o método gradiente vertical de velocida-de para obter o modelo inicial. Após a determina-ção do modelo inicial de velocidades, os trajetos das ondas sísmicas são obtidas considerando a primeira zona de Fresnel. A primeira zona de Fresnel é de-finida por um elipsóide concêntrico que define o volume do padrão de radiação, e se existir obstácu-los entre o emissor e o receptor, os sinais apresen-

Figura 5 – Trajecto dos raios sísmicos segundo o método GRM.

Figure 5 – Seismic raypath from GRM method.

Page 88: Geonovas Número 28

86 Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

tam uma defasagem de 0 a 180 graus. (Watanabe, 1999). Em cada iteração, os erros temporais são utilizados para ajustar o modelo de velocidade, mi-nimizando as diferenças entre os tempos calculados e os observados. Note-se que nem sempre o menor erro significa o resultado melhor, por isso, deve-se sempre confrontar o modelo obtido com o conhe-cimento existente acerca da geologia, e se possível, utilizar outros métodos, tais com como, sonda-gens, ou outros métodos geofísicos apropriados.

A inversão tomográfica é realizada através de um programa computacional, no qual se tem em conta a posição dos tiros e geofones, a topogra-fia, os tempos de chegada observados das ondas sísmicas, o modelo inicial de velocidades, entre outros parâmetros que controlam o processo de inversão. O tempo de computação aumenta com o aumento de dados. Neste artigo foi utilizado o programa Rayfract (Rayfract, 2001) para reali-zar o tratamento tomográfico de refração sísmica.

Atualmente, existem vários estudos sobre o melhoramento dos resultados da inversão dos da-dos de refração sísmica, quer ao nível da intro-dução de modelos a priori mais detalhados, quer ao nível da melhoria dos algoritmos de inversão.

A maioria dos métodos de inversão só tem em conta os tempos de chegadas das ondas sísmicas, o que possibilita obter resultados num curto inter-valo de tempo e não incluem o conteúdo espec-tral nem a forma de onda na inversão dos dados. A não utilização de informação mais completa que é possível extrair dos dados prende-se essencial-mente com a complexidade dos algoritmos neces-sários para incluir esses dados, e com o aumento do tempo de computação necessário para os processar.

3. Comparação dos métodos de interpretação de refração sísmica3.1 Enquadramento geral

Foram realizados na propriedade do Belo em Monforte, concelho de Portalegre, 3 arrays de refra-ção sísmica com objectivo de comparar os resulta-dos obtidos através dos métodos de refração sísmica descritos no ponto anterior. Foram utilizados 3 ar-rays com 42 geofones (L1, L2, e L3), que detectam as vibrações verticais do terreno, com frequência própria de 45 Hz, espaçados de 50 cm entre si. Os

arrays L2 e L3 estão separados de 3,0 e 6,0 m em relação ao array L1, respectivamente. Como fon-te sísmica foi empregue um martelo de cerca de 9 kg. Foram realizados um total de 17 tiros por li-nha (nº. de tiros adequados aos diferentes métodos empregues), sendo o primeiro tiro realizado a 25 cm do primeiro geofone, e depois os seguintes 14 tiros foram espaçados a 1,50 m em relação ao an-terior, até alcançar o tiro 15 na posição 21,00 m. Os últimos dois tiros foram realizados a 10,50 m das extremidades do array (tiros afastados). A figura 6 apresenta a disposição do equipamento no ter-reno, sendo que L representa o comprimento do array, T

1 é a posição do tiro 1, T

O1 é a posição do tiro

afasto 1 em relação ao array, d1 é a distância entre

o tiro 1 e o primeiro geofone, dx é o afastamen-

to entre geofones. Os arrays estão alinhados de Sul para Norte, sendo apresentados mais pormenores do seu posicionamento global no capítulo seguinte.

O sismógrafo é da marca PASI e modelo AN-TEO. A taxa de amostragem foi de 0,250 ms, e a janela temporal de registo foi de 120 ms. Este equipamento permite digitalizar o sinal jun-to de cada geofone e a transmissão dos dados entre geofone e sismógrafo é feita em forma-to digital, evitando-se as inerentes interferên-cias e contribuindo, deste modo, para a obten-ção de formas de onda com boa razão sinal/ruído. 3.2 Enquadramento geológico e topográfico

A área de Monforte localiza-se nos domínios NE da Zona de Ossa-Morena, sendo caracteriza-da pela presença do Maciço de Santa Eulália, que corresponde a uma intrusão de granitos varis-cos tardi a pós-orogénicos. Trata-se de uma es-trutura com forma elíptica, alongada segundo a direção E-W, que ocupa cerca 400 km2 e que intrui e metamorfiza por contacto unidades me-tassedimentares do Proterozóico e do Paleozói-co inferior (e.g. anfibolitos, gneisses e metape-litos). Na área de Monforte o maciço correspon-de a um granito róseo de grão médio a grosseiro.

O modelo digital do terreno do local de estudo (Fig. 7 (a)) foi obtido através do Laser Scanner 3D Faro Focus. Este equipamento permite mapear tri-dimensionalmente objectos com precisão de 2 mm. O equipamento tem uma lente rotativa que projec-

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 79 a 92, 2015 87

ta um raio laser e determina posições em todas as direcções, em que o alcance é dependente da re-solução atribuída pelo utilizador. Determinadas as coordenadas (num referencial local) são retiradas fotografias através de uma máquina fotográfica de alta precisão instalada no equipamento, sendo as-sim, atribuída a cor na escala RGB a cada ponto.

No local (Belo-Monforte) foram realizadas cin-co aquisições de dados, tendo-se realizado o regis-to das várias aquisições (acção que permite juntar várias aquisições numa única nuvem de pontos) no programa comercial Scene (Scene, 2014). Após, aplicação de filtro de imagem e selecção da área de estudo, foi criado um ficheiro com a nuvem de pontos no formato ASCII XYZ. As coordena-das obtidas pelo Laser Scanner 3D estão orienta-das para Norte. Contudo, o valor de cada coorde-nada corresponde a um referencial local definido pelo próprio equipamento. Para transformar as coordenadas iniciais em coordenadas UTM glo-bais, foi determinado o ponto X

0 no referencial

local, e posteriormente corrigido através da coor-denada obtida por GPS para o mesmo ponto.

Os dados finais da nuvem de pontos foram pro-cessados no programa Surfer v.11, tendo-se utiliza-do o método de interpolação kriging simples (com passo da malha de 20 x 20 cm, e parâmetros de kri-gagem por defeito do programa Surfer) para gerar o modelo digital do terreno (Fig. 7 (a)). A figura 7 (b) apresenta os perfis topográficos, alinhados dos arrays (L1, L2, L3). O ponto xi representa o início do array. 3.3 Aplicação dos métodos de refração sísmica

A nomenclatura apresentada neste capítulo para as sub-figuras da figura 8 tem em conta, o nú-

Figura 6 – Esquema de disposição do array no campo.

Figure 6 – Scheme of array displacement at field.

mero do array (L1, L2, e L3), e a metodologia de re-fração que foi utilizada (a – Tempo de intercepção; b – Plus-Minus; c – GRM ; d – Tomografia sísmica).

Em todos os arrays foram realizadas correc-ções estáticas, isto é, em todos os arrays foram in-troduzidas as coordenadas topográficas obtidas através do modelo digital do terreno (Fig 7b).Para aplicar o método tempo de intercepção (ca-pítulo 2.1), foi utilizado apenas o tiro de extre-midade em cada array (T1). Depois de identifica-dos todos os tempos das primeiras chegadas das ondas sísmicas, foram determinadas o número de camadas bem como as respectivas velocida-des Os dados foram importados para o progra-ma Surfer v.11, onde foram gerados os modelos de velocidades das ondas P, estando os resultados apresentados na figura 8 (L1-a); (L2-a); (L3-a).

Verifica-se que este método é bom para ob-ter uma estimativa de velocidade das ondas sís-micas P do meio através de um procedimen-to simples e rápido. No entanto, considera uma simplificação drástica ao considerar camadas pla-nas e paralelas, simplificação que nem sempre se adequa aos modelos geológicos reais. Para além da limitação referida, a variação lateral de velo-cidade não é contemplada, dado que a velocidade de cada camada é obtida por ajuste (regressão li-near) aos tempos de chegada das ondas sísmicas. Para o método Plus-Minus utilizaram-se quatro tiros, dos quais dois tiros foram realizados nas extremida-des do array, e os restantes foram tiros afastados de 10,50 m. O processamento dos dados foi realiza-do no programa Winsism V.14 (Winsism, 2013), o qual utiliza a metodologia referida no capítulo 2.2. Após a determinação dos modelos de velocidades, os ficheiros com os resultados foram exportados

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88 Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

Figura 7 – a - Modelo digital do terreno.Figure 7 – a - Digital model of terrain.

Figura 7 – b - Perfis dos arrays L1, L2 e L3. Figure 7 – b - Array profiles from L1, L2, and L3.

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 79 a 92, 2015 89

para o programa Surfer v.11, onde foram gerados os modelos de velocidades, com recurso a interpolação através do método kriging simples, com o passo de grelha de 5 x 5 cm. Os resultados deste método são apresentados na figura 8 (L1-b); (L2-b); (L3-b).

Verifica-se que o método Plus-Minus ajusta--se melhor a variabilidade estratigráfica da geo-logia (figura 8 (L1-b); (L2-b); (L3-b)) que o método tempo de intercepção (figura 8 (L1-a); (L2-a); (L3-a)). Deste modo, obtém-se uma boa estimativa das interfaces entre camadas ao lon-go do array. Contudo, é de salientar que este mé-todo está limitado a interfaces com suaves decli-ves (inferiores a 10 graus), o que poderá consti-tuir uma limitação importante pois poderá for-necer modelos de velocidades menos precisos.

As velocidades das ondas P obtidas pelo méto-do Plus-Minus (figura 8 (L1-b); (L2-b); (L3-b)) são semelhantes às obtidas pelo método anterior (figu-ra 8 (L1-a); (L2-a); (L3-a). A variabilidade late-ral de velocidade não é contemplada neste método.Note-se que este método permite obter uma boa estimativa do modelo de velocidades com recurso a apenas quatro tiros. Isto permite optimizar os re-cursos no terreno para uma maior rentabilidade de trabalho. Para além deste ponto, deve-se salientar que nem sempre é possível aplicar este método de-vido ao comprimento do array, visto que necessita do um comprimento superior ao comprimento da linha de geofones e por vezes pode ser condicio-nado por barreiras físicas, ou um nível elevado de ruído, o que impossibilita a correcta determinação do tempo de chegada das primeiras ondas sísmicas.

Relativamente ao método GRM foram utilizados os mesmos tiros que no método anterior (4 tiros), bem como o programa de processamento. A me-todologia utilizada pelo programa Winsism V.14 (Winsism, 2013) está descrita no capítulo 2.3. O parâmetro óptimo XY que suavizou melhor a fun-ção de análise de velocidade foi de 2 m. Depois de obtidos os ficheiros ASCII XYZ foram importa-dos no programa Surfer v.11, de modo a gerar os modelos de velocidades, interpolados pelo método de kriging simples, com o passo de malha de 5 x 5 cm e com parâmetros de krigagem por defeito do programa Surfer v.11 (Fig - 8 (L1-c); (L2-c); (L3-c)). Verificou-se que este método permite avaliar

com maior rigor interfaces entre camadas com um maior nível de irregularidade topográfica (Fig. 8 (L1-c); (L2-c); (L3-c)). É de salientar que a de-terminação de bons resultados está directamente relacionada com o parâmetro XY óptimo. Caso este parâmetro não seja o mais adequado, o resultado poderá vir afectado de artefactos gerados pelo mé-todo (Leung, 1995).

Comparando os resultados obtidos pelo mé-todo GRM (Fig. 8 L1-c; L2-c; L3-c) com os re-sultados dos métodos anteriores, verifica-se que as velocidades das ondas P são semelhantes. Re-lativamente ao mapeamento das camadas, ve-rifica-se que existe boa concordância das mes-mas, excepto no caso L2-b e L2–c, onde o mé-todo GRM estima uma profundidade maior, bem como um maior nível de irregularidade da inter-face entre a segunda camada e o meio semi-infi-nito, por comparação com o método Plus-Minus.

Um facto importante, mas não considerado neste estudo por motivos económicos, para os mé-todos Plus-Minus e GRM é o controlo de velocidade da camada superficial (de baixa velocidade). De-ve-se realizar sempre tiros no interior do array de modo a determinar a velocidade correta da camada superficial. Se a velocidade da camada superficial é erradamente determinada, a profundidade das ca-madas subjacentes são afectadas desse erro. O pro-cessamento da tomografia sísmica foi realizado no programa Rayfract (Rayfract, 2001). Foram utili-zados 15 tiros, todos eles localizados dentro do array (Fig. 6), sendo estes, afastados entre si de 1,50 m. A metodologia utilizada neste programa está des-crita no capítulo 2.4. O resultado da tomografia sísmica foi exportado directamente para o Surfer v.11, onde foram gerados os modelos de velocida-des iniciais, os gráficos de convergência dos raios sísmicos, bem como os modelos de velocidades fi-nais das ondas P (Fig. 8 (L1-d); (L2-d); (L3-d)). Foram utilizadas 100 iterações para cada dispositi-vo, tendo-se obtido erros RMS de 2,7 %, 3,0 % e 3,0 % para os arrays L1, L2, e L3, respectivamente

Verificam-se que os resultados obtidos pela to-mografia (Fig. 8 (L1-d); (L2-d); (L3-d)) são se-melhantes com os métodos anteriores. As principais gamas de velocidades das ondas P são equivalentes. No entanto, a distribuição espacial das camadas é

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90 Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

diferente. Deve-se ao facto que a inversão dos da-dos baseia-se inicialmente num modelo de gra-diente vertical, o que influência o resultado final.

É de salientar que, tanto nos perfis de tomogra-fia sísmica como nos métodos Plus-Minus e GRM, existem zonas que têm a mesma assinatura, ou seja, zonas que têm depressões, ou elevações no mesmo intervalo de distância, como é o caso da assinatura compreendida entre a distância 10 e 18 m. Note-se que este método requer a realização de um número elevado de tiros. Quanto menor for o espaçamento entre os tiros, melhor é a resolução do modelo de velocidades. O programa Rayfract (Rayfract, 2001) recomenda que os tiros sejam realizados num má-ximo de três em três geofones. Uma desvantagem

deste método é o elevado tempo que é necessária para realizar um perfil sísmico, que advém da rea-lização de realização de numerosos tiros. Por outro lado, o facto das interfaces não serem bem identi-ficadas devido à natureza do método, faz com que seja desejável o emprego de um dos métodos an-teriormente descritos (Plus-Minus ou GRM) para descriminar de forma clara a estrutura geológica em camadas. Existem outras desvantagens da tomo-grafia: a não unicidade do modelo obtido, ou seja, existem diversos modelos que justificam os mesmos dados observáveis, e a introdução de artefactos nu-méricos nos resultados, que deverão ser evitados.

A tomografia não tem em conta modelos de camadas, mas gradientes de velocidades e ob-

Figura 8 – (L1-a; L2-a; L3-a) - Modelo de velocidades obtido através do método tempo de intercepção para os arrays L1, L2 e L3, respectivamente. (L1-b; L2-b;L3-b) - Modelo de velocidades obtido pelo método Plus-Minus para os arrays L1, L2 e L3. (L1-c; L2-c; L3-c) - Modelo de velocidades determinado segundo o método GRM para os arrays L1, L2 e L3.

(L1-d; L2-d; L3-d) - Modelo de velocidades obtido através de tomografia sísmica para os arrays L1, L2 e L3.Figure 8 - (L1-a; L2-a; L3-a) Velocity model obtained from intercept times for arrays L1, L2 and L3. (L1-b; L2-b; L3-b) Velocity model obtained by Plus Minus method for array L1, L2 and L3. (L1-c; L2-c; L3-c) - Velocity model calculated by GRM method for arrays L1, L2, L3. - (L1-d; L2-d;

L3-d) - Velocity model obtained from seismic tomography for arrays L1, L2 and L3.

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 79 a 92, 2015 91

tém portanto melhores resultados quando o meio geológico apresenta essas características. Regiões onde o subsolo apresenta variações contínuas de velocidade na vertical, os métodos tomográficos obtêm melhores resultados desde que seja utiliza-do um bom modelo à prori. Zonas onde o subsolo apresenta na vertical variações bruscas de veloci-dade, que se assemelham a camadas estratificadas, o método GRM apresenta melhores resultados. As zonas de alteração, por exemplo são por isso mais favoráveis à aplicação de métodos tomográficos, enquanto zona sedimentares são mais propícias à aplicação de métodos como o Plus-Minus ou o GRM.

Note-se que o local de estudo está bastante al-terado à superfície face ao maciço rochoso, o que implica que o meio apresente baixas velocida-des. A camada superficial (camada 1), apresen-ta velocidades das ondas sísmicas P compreendi-das entre os 200 e 400 m/s. A segunda camada tem velocidades compreendidas entre os 1000 e os 1200 m/s. Enquanto a última camada cor-responde ao meio semi-infinito, tem velocida-des compreendidas entre os 1800 e os 2200 m/s, correspondendo ao maciço granítico alterado. 4. Conclusão

Pretendeu-se com este trabalho comparar os re-sultados de várias metodologias de refração sísmica, de modo, a determinar quais os parâmetros que se deve ter em conta na escolha de um determinado método.

Verificou-se que o método tempo de intercep-ção é rápido e simples de obter uma estimativa da velocidade das ondas P. Contudo, ao nível do ma-peamento das interfaces entre camadas é bastante limitado (Fig. 8 (L1-a); (L2-a); (L3-a)). Relativa-mente ao método Plus-Minus, foram obtidos resulta-dos que demonstram que o método determina com boa precisão as velocidades das ondas sísmicas bem como as interfaces entre camadas (Fig. 8 (L1-b); (L2-b); (L3-b)). No entanto, também se verificou que este método tende a suavizar as interfaces entre camadas devido ao princípio que está subjacente. De modo a evitar esta limitação, as interfaces entre camadas não devem ser superiores a 10º, caso con-trário os resultados podem não ser os mais adequa-dos. Os resultados do método GRM (Fig. 8 (L1-c);

(L2-c); (L3-c)) são compatíveis com os resultados dos métodos anteriores. Para além que este método permite obter com maior detalhe as interfaces en-tre camadas. Foi verificado que este método é mui-to sensível ao parâmetro óptimo XY, pelo que este método deve ser utilizado com cuidado. Um even-tual erro na escolha no parâmetro óptimo XY resul-ta um modelo de velocidades desajustado (Leung, 1995). Tanto o método Plus-Minus como o método GRM foram obtidos com recurso apenas a quatro tiros, isto demonstra as potencialidades destes mé-todos em termos de tempo/resolução do modelo de velocidades. No entanto, para controlar adequada-mente a velocidade da camada superficial (de baixa velocidade), devem efectuar-se tiros no interior do array, de modo a eliminar a introdução de erros no cálculo da profundidade das camadas subjacentes.

A tomografia sísmica é uma ferramenta extre-mamente poderosa para avaliar variações laterais e em profundidade de velocidades (Fig. 8 (L1-d); (L2-d); (L3-d)). Verificou-se que o modelo ini-cial de velocidades à priori influência fortemente o modelo de velocidades final. A tomografia sís-mica baseia-se em gradientes de velocidades en-quanto os restantes métodos baseiam-se em mo-delos de camadas, pelo que os métodos tomográ-ficos funcionam melhor onde a velocidade varia contínuamente com a profundidade, como zonas de alteração de rochas graníticas, por exemplo.Saliente-se, a existência de zonas entre cama-das onde a tomografia sísmica e os métodos Plus--Minus e GRM apresentam a mesma assinatu-ra topográfica, sendo o caso do array L1 que está compreendido entre a distância 10 e 18 m.

A camada superficial (camada 1) apresenta velo-cidades das ondas sísmicas P de 200 a 400 m/s, a camada 2 apresenta velocidades compreendidas en-tre os 1000 e os 1200 m/s, e a camada correspon-dente ao meio semi-infinito apresenta velocidades entre os 1800 e os 2200 m/s. As espessuras são variáveis dependo do array e do método utilizado.

Demonstrou-se que todos os métodos de refra-ção sísmica são aplicáveis, dependendo unicamente do objectivo a que se pretende. Todos os métodos apresentam vantagens e desvantagens, deste modo, deve-se escolher o método mais apropriado para o objectivo do trabalho e em função da geologia ex-pectável na zona de estudo.

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92 Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

5. Agradecimentos

Este trabalho foi cofinanciado pelo Fundo Euro-peu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do INALENTEJO, no âmbito do projecto IMAGOS – Inovative Methodologies in Archaeology, Archaeometry and Geophysics – Optimizing Strategies X APOLLO – Archaeological and Physical On-site Laboratory – Lif-ting Outputs), operação n.º ALENT-07-0224-FE-DER-001760 e referência 8BI/APOLLO/2013 e pelo projeto MEGAGEO PTDC /EPH-ARQ/3971/2012.

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Page 95: Geonovas Número 28

Magnetometria e georadar aplicados à arqueologia O caso da Horta da Torre

1Universidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Laboratório Hercules, rua Romão Ramalho, 59, 7000, Évora2 Universidade de Évora, Departamento de Física, Centro de Geofísica de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, 7000, Évora

*autor correspondente: [email protected]

Resumo

Pretende-se com este trabalho identificar estruturas arqueológicas na Horta da Torre, através da aplicação dos métodos de georadar (GPR) e de magnetometria (gradiente magnético vertical). Após a aquisição e processamento dos dados, fo-ram realizadas as interpretações dos resultados obtidos por cada método bem como a interpretação conjunta. Verificou-se a existência anomalias magnéticas coincidentes com fortes reflectores identificados nas imagens de GPR, bem como a existência de zonas em que só foram identificadas por um dos métodos. Comprovaram-se os resultados obtidos pelas téc-nicas geofísicas com os factos da escavação arqueológica.

Palavras-chave: magnetometria, georadar, arqueologia, geofísica.

Abstract

The aim of this work is to identify new archaeological structures through the use of ground penetrating radar (GPR) and magnetometry (vertical magnetic gradient). After acquisition and data processing, the interpretations were done for each method separately and jointly. It was verified that there are magnetic anomalies and strong reflectors on coincident sites and at other sites anomalies identified by only one method. Both kinds of anomalies can reveal archaeological structures. The results obtained through geophysical methods were confirmed by archeological excavations.

Key words: magnetic survey, ground penetration radar, archaeology, geophysics.

1. Introdução

A villa Romana da Horta da Torre está locali-zada na freguesia de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira (Fig. 1). Esta villa foi localizada nas prospeções para a carta arqueológica em 1999 (Carneiro, 1999). Antes das escavações, eram vi-síveis três núcleos de estruturas: a “Mesquita”, em forma de U; um tanque romano, designado “Ba-nho”; e por fim a “Torre”, uma estrutura em arco (ábside). Estas estruturas foram evidenciadas em 2005 a partir de duas sondagens, no entanto as mesmas encontram-se consideravelmente afecta-das devido à actividade agrícola (Mendes, 2013).

Em 2012 voltaram a realizar-se mais sonda-gens, que confirmaram a qualidade dos elementos estruturais. E verificou-se que a suposta “Torre” afinal é uma estrutura em dupla ábside que co-

roa um “stibadium” (esta zona é um local no-bre da sala de recepções da villa, figura 2 – área A). Estas estruturas são típicas das villas roma-nas do século IV e V. Nesta estrutura também fo-ram encontrados tubos de descarga para o inte-rior da estrutura, o que indica que nela existiam jogos de água e fontes. Foi escavada outra área onde foi descoberta uma estrutura arqueológica (Fig. 2 – área B) que poderá fazer parte da villa.Pretende-se com este trabalho identificar o desen-volvimento das estruturas arqueológicas inicialmen-te descobertas, de modo orientar futuras escavações.Antes da prospeção geofísica, foram delimita-das potenciais áreas onde as estruturas arqueo-lógicas visíveis podem-se desenvolver (Fig. 2).Deste modo, foram planeadas algumas áreas regu-lares de prospeção geofísica em torno destas estru-turas. A geofísica aplicada é a área de estudo que fa-

S. Neves1*, R. J. Oliveira1, J. F. Borges2 & B. Caldeira2

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 93 a 98, 2015 93

Page 96: Geonovas Número 28

Figura 1 - a - Mapa geológico da região estudo (LNEG-LGM, 2010) com indicação da localização dos trabalhos apre-sentados neste estudo. Ortognaisses graníticos e metassienitos peralcalinos (σ). Paleozóico, Câmbrico: metaconglomer-

ados, filitos, quartzofilitos, metavulcanitos ácidos a básicos e peralcalinos (ε1), Metacalcários (ε

1c).

b - Localização da zona de estudo em Mapa do Google EarthTM.Figure 1 – a - Geological map of the study area(after LNEG-LGM, 2010) with indication of the location of the works presented in this study. Granitic

orthogneiss and peralkaline metassienitos (ε1). Paleozoic, Cambrian: metaconglomerates, phyllites, quartzofilitos, metavulcanitos acids to basic and peral-

kaline (ε1), limestones (ε

1c). b - Location of the study area from Google EarthTM map.

Figura 2 – Identificação das estruturas arqueológicas visíveis e planeamento das áreas de prospeção.Figure 2 – Identification of archaeological structures and survey planning.

94 Magnetometria e georadar aplicados à arqueologia – o caso da Horta da torre

Page 97: Geonovas Número 28

culta informação acerca das propriedades físicas dos solos. Estas propriedades estão associadas a deter-minados tipos de solos, ou materiais enterrados por consequência da atividade humana. As propriedades físicas são determinadas através das técnicas geofísi-cas com recurso a equipamento físico especializado, de modo a responder a um determinado objetivo. A aplicação das técnicas da geofísica à arqueolo-gia é uma ferramenta extremamente útil para a gestão das tarefas dos arqueólogos em campo. As técnicas da geofísica aplicada permitem identifi-car estruturas arqueológicas, visto que as referi-das estruturas são contrastantes com o meio que as rondeia, e por isso, desenvolvem uma anomalia onde se encontram, sendo facilmente detetadas.

2. Aplicação das técnicas geofísicas2.1 Enquadramento geológico

O local de estudo está situado na zona de Ossa Morena (ZOM), nomeadamente no sec-tor de Alter do Chão-Elvas (Araújo et al., 2013). A figura 1 (a) apresenta o extrato da carta geoló-gica de Portugal (LNEG-LGM, 2010) do local de estudo, enquadrado no continente português (fig.1 b). Segundo a carta geológica de Portu-gal, na zona afloram ortognaisses graníticos, me-tassienitos peralcalinos (σ), e metaconglemera-dos, filitos, quartzofilitos, metavulcanitos ácidos a básicos e pecalcalinos (ε1) e metacalcários (ε1

c).

2.2 Georadar (GPR)

A primeira fase da prospecção geofísica na Hor-ta da Torre começou com um levantamento de georadar. Foi utilizado o equipamento GSSI SIR-3000, com antena de 400 MHz, tendo sido todo o equipamento acoplado a um “kart” (veiculo de transporte do equipamento de registo e antenas). Foram realizadas aquisições segundo perfis in-dividuais paralelos, com um afastamento entre si de 25 cm e enquadradas numa grelha previamen-te definida e georeferênciada por GPS diferencial (dGPS), o qual permite uma precisão centimé-trica na localização geográfica do levantamento.O processamento dos dados foi realizado com o programa GPR-SLICE (software que permite a

interpretação 3D dos dados de GPR recolhidos no levantamento).

Foram realizadas operações de correcção de po-sição, remoção de ruído de fundo, desconvolução, filtragem, ganho, e aplicação da transformada de Hilbert. Esta cadeia de processamento permitiu construir um modelo tridimensional do subsolo.

A figura 3 apresenta três cortes horizontais do modelo tridimensional obtido através do GPR-SLICE a diferentes profundidades. As zonas mais escuras representam zonas de maior reflectividade para os pulsos da onda electromagnética utilizados, que no âmbito deste trabalho são interpretados como podendo indicar estruturas arqueológicas. A razão pela qual estas reflectividades estão associ-adas a estruturas arqueológicas deve-se a descon-tinuidades produzidas por superfícies de contac-to entre materiais onde há contraste na constante dieléctrica. Esse contraste dielétrico é equivalente a um coeficiente de reflexão que, consoante o seu valor, determina a percentagem de energia radiante que é reflectida nesse local e detectada na antena. De uma forma mais simples, pode-se imaginar as descontinuidades referidas como correspondendo a estruturas enterradas com propriedades físicas contrastantes com as do meio onde se encontram.

Na figura 3 são evidentes duas zonas com for-tes reflectores que se mantêm em profundida-de (zona 2 e 3). Os reflectores da zona 1 desa-parecem a partir da profundidade de 66 cm, o que pode indicar que a estrutura termina an-tes dessa profundidade. A zona 4 apresenta re-flectores a partir da profundidade 45 cm, o que pode indicar o início de uma nova estrutura.

2.3 Magnetometria

Na segunda fase da prospeção foi utilizada a magnetometria. Para tal, foi utilizado um magne-tómetro Gem Systems, GSM-19, com disposição em gradiente vertical (dois sensores que registam o valor absoluto do campo magnético terreste, a par-tir do qual se obtém o gradiente vertical do cam-po magnético). Os sensores foram montados num “kart”, tendo sido dispostos de 80 cm entre si, com o sensor inferior a 20 cm do solo. Foram marca-das no terreno 3 grelhas com diferentes dimen-

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 93 a 98, 2015 95

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sões, de modo a cobrir a zona de estudo. Dentro das grelhas foram marcados alinhamentos, afas-tados entre si de 50 cm. As amostras foram geo-referenciadas através do GPS do magnetómetro.Os dados foram processados através de rotinas de cálculo, tendo-lhes sido aplicado o seguin-te tratamento: correcção de posição, despiking (eliminação de spikes), e destripe (Ciminale & Loddo, 2001; Eder-Hinterleinter et al., 1996).

A figura 4 apresenta o resultado da magneto-metria bem como a interpretação da mesma. As zonas mais claras representam anomalias mag-néticas negativas, enquanto as zonas mais escuras estão associadas a anomalias magnéticas positivas. A anomalia magnética de valor nulo é representa-da pela cor cinzenta. As anomalias de maior valor absoluto podem estar associadas a estruturas ar-queológicas. O motivo pelo qual estas anomalias podem estar relacionadas com estruturas arqueo-lógicas, deve-se ao facto que existe contraste entre o meio e o objeto que está a produzir essa anoma-lia, e ao estar inserido num contexto arqueológi-co assume-se que esta anomalia terá caracter ar-queológico. É necessário ter atenção a anomalias com valores extremamente elevadas, visto que estas anomalias podem estar associadas a outros tipos de objetos (não arqueológicos), nomeadamen-te pequenos objetos metálicos dispersos no solo.

Na figura 4 estão representados os alinhamen-tos relativos às anomalias magnéticas que poderão

estar relacionados com estruturas arqueológicas. A zona de estudo contém perturbação do sinal mag-nético, ou seja, a atividade agrícola desenvolvida ao longo dos tempos destruiu parte das estruturas arqueológicas localizadas mais à superfície, espa-lhando os seus elementos, o que origina pertur-bações nos registos magnéticos, e por vezes im-possibilitam a correcta interpretação dos dados. 2.4 Interpretação

O resultado da conjugação dos resultados ob-tidos (interpretações dos dados GPR e da magne-tometria) é apresentado na figura 5. Nesta figura é possível identificar duas zonas (Z1 e Z2) em que existe coincidência nas anomalias detectadas pelos dois métodos (anomalias magnéticas e fortes reflec-tores), o que torna mais plausível a existência de es-truturas com potencial arqueológico nesses locais.É possível verificar que os alinhamentos dos re-flectores mais intensos bem como das anoma-lias magnéticas estão alinhados ou são perpen-diculares às estruturas arqueológicas existentes. 2.5 Validação dos resultados da geofísica com os factos após a escavação arqueológica

Após a escavação realizada no verão de 2014 pelos arqueólogos no local de estudo, foi pos-sível comprovar as estruturas arqueológicas de-

Figura 3 – Cortes horizontais (depth-slice) do modelo tridimensional à profundidade de: A) 33 cm, B) 45 cm, C) 66 cm.

Figure 3 – Depth slices from the 3D model at the following depths: (a) 33 cm, (b) 45 cm, (c) 66 cm.

96 Magnetometria e georadar aplicados à arqueologia – o caso da Horta da torre

Page 99: Geonovas Número 28

tetadas pelas técnicas da geofísica. A estrutura arqueológica mais evidente é a A2, B2, C2 (no-menclatura utilizada no resultado do GPR para identificar possíveis estruturas arqueológicas – (fig. 3). A figura 6 apresenta a estrutura arqueo-lógica referida após a escavação, onde é visível um alinhamento estrutural do edifício escavado.Deste modo, comprovou-se que as técnicas geo-físicas podem facultar informações importantes para a localização das estruturas arqueológicas, na gestão das operações de escavação e redução dos custos da mesma, bem como o desenvolvi-mento de metodologias aplicadas à arqueologia.

É de salientar, que as estruturas arqueológicas são alvo de deteorização natural ou induzida pela ativi-

Figura 4 – Gradiente magnético vertical (nT/m).Figure 4 – Vertical magnetic gradient (nT/m).

dade humana (trabalhos agrícolas, catástrofes, ou reorganização urbana), e por isso as estruturas nem sempre apresentam a sua forma original, pelo con-trário, normalmente estão dispersas (devido a der-rubes), o que aumenta a dificuldade de interpretar corretamente as anomalias geofísicas, e traduzi-las numa boa interpretação geo-arqueológica. Assim, é necessário recorrer a diferentes técnicas geofísi-cas de modo a minimizar erradas interpretações, e utilizar metodologias de processamento adequadas.

3. Conclusão

Verificou-se que existem duas zonas cujos resultados obtidos pelos dois métodos – GPR

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 93 a 98, 2015 97

Figura 5 – Interpretação dos resultados de georadar e do gradiente magnético.Figure 5 – Interpretation from GPR and magnetic gradient results.

Page 100: Geonovas Número 28

e Gradiometria magnética – são coinciden-tes, o que reforça os indícios de existirem es-truturas arqueológicas nesses mesmos locais. Foram identificadas zonas com potencial arqueo-lógico através de um só método. Contudo, deverão ser alvo cruzamento de métodos para compreender melhor o tipo de estruturas presentes. Comprovou--se os resultados obtidos pelas técnicas da geofísica através de escavação arqueológica. Nomeadamente, a estrutura identificada pelo GPR (A2, B2, C2), sendo esta apresentada na figura 3, sendo poste-riormente comprovada através de escavação (Fig. 6).

Foi possível verificar que o solo está bastan-te contaminado pelos elementos das estrutu-ras arqueológicas caoticamente distribuídas pelo terreno devido à actividade agrícola que por ve-zes atinge maiores profundidades ou por der-rubes que afectam as estruturas e que por vezes impossibilita a correta interpretação dos dados.

4. Agradecimentos

Este trabalho foi cofinanciado pelo Fundo Euro-peu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do INALENTEJO, no âmbito do projecto IMAGOS –

Inovative Methodologies in Archaeology, Archaeometry and Geophysics – Optimizing Strategies X APOLLO – Archaeological and Physical On-site Laboratory – Lif-ting Outputs), operação n.º ALENT-07-0224-FE-DER-001760 e referência 8BI/APOLLO/2013.

Agradece-se a colaboração do arqueólogo André Carneiro (Universidade de Évora) e da geofísica Teresa Teixidó (Universidade de Granada, Espanha).

Bibliografia

Araújo, A., Almeida, J. P., Borrego, J., Pedro, J. Oli veira, J. T., 2013. As regiões central e sul da Zona de Ossa Morena. Geologia de Portugal, Escolar Editora, 509 -

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LNEG-LGM., 2010. Carta geológica de Portugal à es-cala 1/1000000, edição 2010, Lisboa.

Figura 6 – Exemplo de estrutura arqueológica identifica pelas técnicas geofísicas.Figure 6 – Example of archeological structure identified by geophysics methods.

98 Magnetometria e georadar aplicados à arqueologia – o caso da Horta da torre

Page 101: Geonovas Número 28

Estudo geoarqueológico de georradar e magnetometria no povoado do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja)

1Centro de Geofísica de Évora & Laboratório Hercules, Rua Romão Ramalho nº 59, Évora*autor correspondente: [email protected]

Resumo

O presente trabalho tem como objectivo mostrar os resultados preliminares do estudo de prospecção geoarqueológica realizado no povoado do Outeiro do Circo. O trabalho consistiu no cruzamento de dois métodos de prospecção geofísi-ca: georradar e magnetometria. Para concretizar o objectivo da missão realizaram-se ensaios dos dois métodos em áreas distintas. O processamento dos dados registados permitiu identificar estruturas enterradas, interpretadas como vestígios da muralha que rodeava o povoado e de edifícios que terão existido no seu interior. Essas estruturas serão em breve con-firmadas pelas escavações arqueológicas em curso.

Palavras-chave: Georradar, magnetometria, geoarqueologia, processamento digital de dados.

Abstract

The present work intends to show the preliminary results of the geoarchaeological prospecting carried out in the hamlet of Outeiro do Circo. The work consisted in the joint use of two geophysical prospection methods, GPR and magnetometry. For that purpose surveys both methods were performed distinct areas in distinct areas. The processing of the data allowed the identification of buried structures, interpreted as traces of the wall that surrounded the town and buildings that existed there. The archaeological excavations in progress will soon confirm the presence of these structures.

Key words: Ground Penetrating Radar, magnetometry, geoarchaeology, digital data processing.

Introdução

O local de estudo, Outeiro do Circo, é um po-voado do final da Idade do Bronze (séculos X a VII a.C.), localizado em Mombeja (a oeste de Beja), entre as latitudes 8,00ºW e 8,01ºW, e as longi-tudes 38,03ºN e 38,04ºN. Durante a década de 1970 foram realizadas prospecções arqueológicas envolvendo datações, que permitiram considerar o local como um grande povoado fortificado da Idade do Bronze Final (Parreira, 1977; Parreira & Soa-res, 1980). O elemento físico de maior destaque corresponde a uma linha de muralhas que deli-mita o povoado quase na totalidade da sua exten-são, definindo uma área de cerca de 17 ha (Serra & Porfírio, 2012). No sector sudeste, a muralha

é dupla, ao longo de cerca de 400 m (Parreira & Soares, 1980). Trabalhos mais recentes de fotogra-fia aérea permitiram actualizar a extensão da mu-ralha dupla, para cerca de 1 km (Serra & Porfírio, 2012). Neste sector é provável que exista uma en-trada do povoado, ladeada por dois bastiões junto ao muro exterior, havendo interrupção da muralha dupla (Serra et al., 2008; Serra & Porfírio, 2013).

A próxima etapa dos trabalhos arqueológicos a realizar no Outeiro do Circo consiste em reali-zar escavações no sector central da área delimita-da pela muralha, na zona de maior altitude, onde se pensa que poderão ter existido os edifícios do povoado. Antes de se proceder a essa escava-ção foi realizado o estudo de prospecção geofísica que este artigo descreve, em alguns locais sugeri-

R. J. Oliveira1*, S. Neves1, B. Caldeira1 & J. F. Borges1

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 99 a 103, 2015 99

Page 102: Geonovas Número 28

dos pelos arqueólogos. Os métodos usados foram georradar e magnetometria. Todas as áreas estu-dadas foram cartografadas com GPS diferencial.

Ensaios geofísicos

Os dois métodos geofísicos utilizados foram rea-lizados nas três áreas sob estudo de forma a tornar possível o estabelecimento de comparação entre re-sultados. Para tal, o contorno das áreas foi marcado com cordas. O levantamento de dados foi feito so-bre perfis paralelos também marcados com cordas. As áreas 1 e 2 possuem forma quadrada, com 35 m e 30 m de aresta, respectivamente. A área 3 possui 50 m de comprimento e 10 m de largura (Fig. 1).

Para o ensaio de georradar utilizou-se o equi-pamento GSSI SIR-3000, com uma antena de 400 MHz, configurado para um alcance de cer-ca de 1,5 m (alcance temporal de 50 ns), monta-da num carte equipado com odómetro. O levan-tamento de dados foi feito no modo zig-zag, com distância entre perfis de 0,25 m nas áreas 1 e 2 e de 0,5 m na área 3. Na área 1 apenas se realiza-

ram alguns perfis (4 m x 35 m), de forma a con-firmar a existência da muralha no local. O trata-mento dos dados obtidos nos ensaios foi realizado com o programa GPR-SLICE, tendo-se aplicado as seguintes operações: correcção da posição, re-moção do ruído de fundo, desconvolução, filtro passa-banda, ganho e transformada de Hilbert (Goodman & Salvatore, 2013; Oliveira et al., 2014).

O ensaio de magnetometria foi realizado com um magnetómetro de precessão protónica overhau-ser (Gem Systems GSM-19, com sensibilidade de 0,022 nT). O modo de aquisição de dados aplicado visou a determinação do gradiente magnético ver-tical sobre perfis. Para isso foram usados dois sen-sores em disposição vertical distanciados de 80 cm, medindo, cada um deles, o valor absoluto do cam-po magnético terrestre local, a partir do qual é pos-teriormente calculado o valor do gradiente vertical do campo magnético. Os sensores foram montados num carte e a distância entre o solo e o sensor infe-rior é de 20 cm. O ensaio é automaticamente geor-referenciado com o GPS integrado no equipamen-to de aquisição. O tratamento dos dados obtidos foi

Figura 1 - Localização geográfica das áreas de estudo.Figure 1 - Geographical location of the study areas.

100 Estudo geoarqueológico de georradar e magnetometria no povoado do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja)

Page 103: Geonovas Número 28

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 99 a 103, 2015 101

Figura 2 - Resultados para a área 1. Lado esquerdo - tomogramas obtidos de cortes horizontais do modelo tridimension-al (z=14,91 m e z=23,85 m). Observam-se reflectores que definem uma forma linear, devendo corresponder aos vestígios da muralha que deverá existir neste local. Lado direito - anomalias de gradiente magnético vertical. Observam-se as mes-

mas estruturas identificadas nos tomogramas e verifica-se que existe continuidade espacial das estruturas.Figure 2 - Results for Area 1. Left - tomograms obtained from horizontal cuts of three-dimensional model (z = 14.91 m e z = 23.85 m). Reflectors are

observed that define a linear fashion, and should match the remains of the wall that should exist in this location. Right side - vertical gradient magnetic anomalies. They observed the same structures identified in the tomograms and it appears that there is spatial continuity of structures.

Figura 3 - Resultados para a área 2. Lado esquerdo - tomogramas obtidos de cortes horizontais do modelo tridimen-sional (z=16,87 m e z=26,85 m). Observam-se reflectores que definem uma forma circular, devendo corresponder aos

vestígios dos torreões que deverão existir neste local. Lado direito - anomalias de gradiente magnético vertical. Há corre-spondência com as estruturas identificadas nos tomogramas.

Figure 3 - Results for the area 2. Left side - tomograms obtained from horizontal cuts of three-dimensional model (z = 16.87 m e z = 26.85 m). Reflectors are observed that define a circular shape and should match the remains of turrets that should exist in this location. Right side - vertical gradient magnetic

anomalies. There is correspondence with the structures identified in tomograms.

Page 104: Geonovas Número 28

102 Estudo geoarqueológico de georradar e magnetometria no povoado do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja)

realizado com o programa MAGY (Neves, 2015) e as operações utilizadas consistiram em correcção de posição, filtragem de impulso de resposta infinita (IRR) e despiking, para eliminação de spikes (Cimina-le & Loddo, 2001; Eder-Hinterleinter et al., 1996).

Resultados e interpretação

Após o processamento dos dados, segundo as metodologias acima mencionadas, obtiveram-se imagens que permitem analisar as áreas de estudo em profundidade.

No caso do georradar, obteve-se um mapa de reflectividades onde se observam anoma-lias devidas à presença de reflectores, isto é, es-truturas com constante dieléctrica diferente do meio envolvente, ou descontinuidades do meio.

No caso da magnetometria, obteve-se um mapa de anomalias magnéticas, positivas e negativas, em que os valores absolutos mais elevados pode-rão corresponder a estruturas enterradas. As ano-malias magnéticas que correspondem a estruturas enterradas devem-se a contrastes dos valores de

susceptibilidade magnética entre as estruturas e o meio envolvente. Na área 1 é possível observar, nos resultados para os diferentes métodos, es-truturas que poderão corresponder a vestígios da muralha, que deverá ser dupla neste local (Fig. 2). Existe coerência entre os resultados de georradar e de magnetometria dado que se identificam as mes-mas estruturas lineares nos mesmos locais.

Na área 2, nos resultados dos dois métodos, observam-se reflectores e anomalias magnéticas que definem estruturas de forma circular (Fig. 3), que poderão corresponder aos torreões que podem ter existido neste local. A diferença de di-mensão e forma que se observa nos dois métodos pode dever-se a derrubes dos vestígios das estru-turas que provocam uma deformação espacial.

Na área 3, os resultados de georradar permi-tem inferir a existência de estruturas lineares e circulares, que poderão corresponder a vestí-gios de edifícios do povoado (Fig. 4). Os resul-tados de magnetometria permitem concluir que, no local, existem anomalias magnéticas, fruto de estruturas enterradas, no entanto, há falta de

Figura 4 - Resultados para a área 3. Lado esquerdo: tomogramas obtidos de cortes horizontais do modelo tridimen-sional (z=15,44 m, z=23,93 m, z=46,32 m e z=83,37 m). Observam-se reflectores que definem formas lineares (even-

tuais vestígios de muros ou edifícios) e circulares (prováveis vestígios de edifícios). Lado direito: anomalias de gradiente magnético vertical. Nota-se que a área estudada possui anomalias magnéticas, no entanto existem bastantes perturbações

consequência da falta de contraste provocada pelo excesso de argila cozida no local.Figure 4 - Results for area 3. Left side: tomograms obtained from horizontal cuts of three-dimensional model (z = 15.44 m, z = 23.93 m, z = 46.32 m e z = 83.37 m). Reflectors are observed that define linear forms (traces of walls or buildings) and circular (probable traces of buildings). Right side: vertical gradient magnetic anomalies. Note that the studied area has magnetic anomalies, there is however quite disorders result of lack of contrast caused by excess

clay baked in place.

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contraste entre a fonte da anomalia e o meio ad-jacente, provavelmente devido à ocorrência em grande quantidade de fragmentos de argila cozida e de contaminantes no local de estudo (metais). Conclusões

Após a realização dos ensaios de georradar e magnetometria às mesmas áreas de estudo, com o objectivo de comparar os resultados dos dois mé-todos, é possível comprovar que ambos permitem a identificação de estruturas enterradas. Todavia, existem limitações que condicionam os resultados, nomeadamente as fracas condições da superfície (depressões, vegetação abundante e solo argiloso que dificulta a propagação de ondas electromag-néticas), no caso do georradar, e a contaminação por metais e por fragmentos de argila cozida, no caso da magnetometria. Com os presentes resul-tados comprova-se a existência de estruturas en-terradas no Outeiro do Circo que poderão cor-responder a vestígios arqueológicos do povoado.

Agradecimentos

Este trabalho foi co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do pro-grama INALENTEJO, no âmbito do projecto IMAGOS – Inovative Methodologies in Archaeology, Archaeome-try and Geophysics – Optimizing Strategies X APOLLO – Archaeological and Physical On-site Laboratory – Lif-ting Outputs (ALENT-07-0224-FEDER-001760), do

Laboratório HERCULES (UÉvora). Um agradecimen-to aos arqueólogos responsáveis pelos estudos actuais no Outeiro do Circo, Miguel Serra e Eduardo Porfírio (Palimpsesto, Lda.).

Bibliografia

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 99 a 103, 2015 103

Page 106: Geonovas Número 28

104

Page 107: Geonovas Número 28

PERC, CRIRSCO e UNFC Classificação e relatórios standard sobre recursos e reservas minerais

Carlos M. P. Almeida1*, Stephen Henley2 & Ruth Allington3

1PERC, Secretary General2Resources Computing International Ltd, Matlock, United Kingdom

3GWP Consultants LLP, Charlbury, United Kingdom#Membros do Comité Executivo do PERC

“Pan-European Reserves & Resources Reporting Committee” (PERC)*autor correspondente: [email protected]

Resumo

Os sistemas CRIRSCO e UNFC são reconhecidos internacionalmente para a preparação de relatórios standard (padro-nizados) de classificação de recursos e reservas de minerais sólidos. Os modelos standard da CRIRSCO, que incluem entre outros o PERC, o JORC e o CIM, foram desenvolvidos para a apresentação de relatórios de carácter público de empresas cotadas em bolsa. Utilizam terminologia adequada e consistente, e constituem uma garantia de qualidade para o cálculo de recursos e reservas minerais. As diferenças entre os relatórios da família CRIRSCO são pequenas, diferindo apenas nos regimes regulatórios conforme o país onde são utilizados O modelo da UNFC foi desenvolvido para fornecer um sistema totalmente inclusivo, para poder ser usado na inventariação de recursos minerais e nas políticas sobre esses mesmos recur-sos. Estes dois sistemas estão interligados, visto que o CRIRSCO fornece especificações detalhadas para as correspondentes categorias da UNFC. Esta contribuição descreve a história e utilização destes dois sistemas.

Palavras-chave: PERC, CRIRSCO, UNFC, recursos, reservas.

Abstract

CRIRSCO and UNFC (United Nations Framework Classification) are two internationally recognised standard systems for classification and reporting of reserves and resources of solid minerals. Despite a common perception that these are in competition, they are in fact closely linked, and they address different sets of requirements. The CRIRSCO standards, which include PERC, JORC, and the Canadian CIM standard among others, were developed for public reporting by companies listed on stock exchanges to provide a consistent terminology as well as quality assurance in company estimates of mineral resources and reserves. The underlying objective is protection of the public (in this case investors) by ensuring that the reports produced use consistent terminology and core content so that they can be understood, and that those who prepare public disclosure reports are competent to do so and are prepared to take personal responsibility for their own work. There are minor differences among the CRIRSCO standards as a result of differing regulatory regimes in the countries in which they are used, but all share identical core definitions and classification. The United Nations classification was developed to provide an all-inclusive system that could be used for mineral inventories and minerals policy planning by governments and companies alike. Where the two systems overlap, CRIRSCO provides the detailed specifications for the corresponding UNFC categories. This paper outlines the history and use of the two systems.

Key words: PERC, CRIRSCO, UNFC, resources, reserves.

Introdução

Os recursos e reservas de depósitos minerais têm sido estimados de forma sistemática há déca-das. Todavia, a expansão da indústria mineral a ní-vel internacional, e o crescente envolvimento dos mercados de capital nos financiamentos de projetos mineiros a partir das décadas de 80 e 90 do século

passado, tornou clara a necessidade de sistematizar e regular esta área de negócio. O primeiro sinal de aviso surgiu em 1970-71 quando ocorreu a desco-berta de um grande depósito mineral de níquel pela companhia Poseidon na zona Ocidental da Austrá-lia, que veio despoletar uma forte onda especulativa criando enormes flutuações na bolsa de valores por parte dos especuladores, baseadas em informações

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 105 a 110, 2015 105

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de cálculo de recursos minerais não consubstancia-das. Outro caso muito mais sério, foi o da fraude praticada pela companhia Bre-X, em 1997, quan-do anunciou a descoberta de um depósito aurífero gigantesco na Indonésia, baseando essa descoberta em informação proveniente da análise de testemu-nhos de sondagem que foram previamente “salga-dos”, ou seja, enriquecidos artificialmente antes de serem enviados para laboratório. Em ambos os ca-sos (e em muitos outros de menor escala de grande-za) os investidores foram vítimas de fraude perden-do somas avultadas do seu capital. As organizações profissionais de geólogos e de engenheiros de mi-nas em todo o mundo decidiram que era necessário tomar medidas adequadas para racionalizar e regu-lar os relatórios sobre recursos e reservas minerais. As primeiras iniciativas vieram do Reino Unido e levaram a uma cooperação Pan-Europeia com a parceria entre o Instituto de Geólogos da Irlanda (IGI) e a Federação Europeia de Geólogos (EFG).

O CRIRSCO

O CRIRSCO, (“Committee for Mineral Reserves In-ternational Reporting Standards”), constituído em 1994 segundo os auspícios do Conselho de Institutos de Mineração e Metalurgia (CMMI), foi instituído como um grupo de organizações representativas, responsáveis pelo desenvolvimento de códigos e li-nhas guia para a elaboração de relatórios sobre re-cursos minerais na Australásia (JORC), no Canadá (CIM), no Chile (Comisión Minera) desde 2004, na Europa (PERC), na Rússia (NAEN/OERN) desde 2011, na África do Sul (SAMREC) e nos USA

(SME). O valor adicionado de todas as companhias listadas nas bolsas de valores dos países acima men-cionados corresponde a mais de 80 % de todas as companhias com capital na indústria da mineração.

De acordo com estas instituições, foram de-finidas duas categorias principais: Recursos Mi-nerais e Reservas Minerais, com as respectivas subcategorias denominadas como Recursos Mi-nerais Medidos, Indicados e Inferidos e ain-da as Reservas Minerais Prováveis e Provadas. Esta classificação pode ser observada na figura 1.

Todos os relatórios standards elaborados de acor-do com as normas do CRIRSCO seguem as mesmas diretrizes e princípios, para além de utilizarem a mesma classificação. O âmbito do CRIRSCO in-clui os recursos minerais sólidos, nomeadamente (minerais metálicos, gemas, matérias primas em concentrados, agregados, minerais industriais e minerais energéticos, como o carvão e o urânio.

A sua missão principal é a de promover inter-nacionalmente as melhores práticas para a elabora-ção dos relatórios públicos relativos aos resultados da exploração (entenda-se prospecção e pesquisa) de recursos e reservas minerais. Pretende-se al-cançar consenso internacional quanto à elabora-ção dos relatórios standard, encorajando consis-tentemente a alta qualidade dos mesmos através da exigência e manutenção dos standards relacio-nados com a Pessoa Competente (Competent Person).

A tabela 1 sintetiza a lista actual de organiza-ções membro e das respectivas associações pro-fissionais. que têm representação no CRIRSCO.

Classificação Quadro das Nações Unidas (UNFC)

A Classificação Quadro relativa aos recursos mi-nerais das Nações Unidas (UNFC) é anterior à do CRIRSCO e a sua criação teve um propósito dife-rente. O desenvolvimento da UNFC iniciou-se em

Figura 1 - A classificação standard do CRIRSCO usada atualmente por todos os relatórios standards alinhados

com o CRIRSCO.Figure 1- The CRIRSCO standard classification now used by all re-

porting standards that are aligned with CRIRSCO.

106 PERC, CRIRSCO e UNFC: Classificação e relatórios standard sobre recursos e reservas minerais

Page 109: Geonovas Número 28

Tabela 1: Relatórios Standards Nacionais de Recursos Minerais e Organizações Membro.

Table 1- National Minerals Reporting Standards and their Sponsor Organisations.

Os países listados na seguinte tabela estão presentemente representados no CRIRSCO. As Organizações Membro têm uma influência directa na forma e no conteúdo dos relatórios nacionais standards, contudo poderão ser mais ou menos activos

nos assuntos dos comités nacionais.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 105 a 110, 2015 107

Page 110: Geonovas Número 28

Figura 2 - Classificação Quadro das Nações Unidas (UNFC).Figure 2-The United Nations Framework Classification.

cional para Minerais em 2006, que está disponível no seu website. O CRIRSCO funciona como uma estrutura consultiva, sem a componente de autori-dade fiscalizadora, contando com os seus membros constituintes para assegurar regulação e disciplina através de supervisão elaborada a nível nacional.

Deve ser realçado o facto de não existir qual-quer tipo de conflito entre o CRIRSCO e a UNFC, isto porque a classificação CRIRSCO fornece por si só as especificações para as corresponden-tes categorias que integrama a classificação UNFC.

A UNFC não comporta, contudo, o concei-to de “Competência”, ou seja, não define o que é uma Competent Person (pessoa responsável pelas es-timativas), nem fornece diretrizes que indiquem o guião para a elaboração e redacção deste tipo de relatórios. Outra distinção entre o CRIRS-CO e a UNFC é que esta classificação inclui as definições de material “Não Descoberto” e “Não Económico”, que não pode ser incluído num re-latório alinhado com a classificação CRIRSCO.

Na comparação entre ambas as classificações destaca-se que a CRIRSCO é bidimensional, com eixos definidos para o conhecimento geológico e para os fatores de modificação, enquanto a outra,

1990 por intermédio da UNECE (Comissão Eco-nómica das Nações Unidas para a Europa), que deu continuidade ao mandato global promovido pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas. A classificação UNFC (Fig. 2) é bem mais complexa e extensa do que a do CRIRSCO, abarcando ain-da os recursos petrolíferos e o carvão, sendo que o seu objectivo principal é o de fornecer um mé-todo standard para uso governamental e intergover-namental no âmbito da regulação e da estatística.

A Classificação UNFC é uma sistematização ge-nérica para recursos minerais sólidos, petróleo e gás. Deve ser enfatizado que esta classificação não é, nem representa um relatório público standard; de facto, não existem princípios básicos como os que existem num relatório standard e como tal não é reconhecida pelos reguladores dos mercados. Em 1999 foi alcançado um acordo com a Comis-são Económica para a Europa das Nações Unidas (UNECE), que esteve desde 1992 a desenvolver uma Classificação Quadro para Reservas e Recur-sos Minerais (UNFC). A semelhança entre os vá-rios códigos de relatórios standard e suas diretrizes, permitiu ao CRIRSCO desenvolver um modelo tipo de um Código de Relatório Standard Interna-

108 PERC, CRIRSCO e UNFC: Classificação e relatórios standard sobre recursos e reservas minerais

Page 111: Geonovas Número 28

UNFC, é tridimensional, com eixos para o conhe-cimento geológico, viabilidade do projeto e viabili-dade socioeconómica.

Relatórios Standard da Família CRIRSCO: o exemplo PERC

No ano de 1991, em Londres, foi publicado pela Instituição de Mineração e Metalurgia (IMM) um código simples, com a intenção de ser utilizado para a elaboração de relatórios sobre recursos e re-servas minerais de projetos de companhias / em-presas listadas na bolsa de valores.

Este código evoluiu rapidamente e convergiu com o JORC da Austrália e outros relatórios standard.

O código “Pan-European Reserves & Resources Reporting Committee” (PERC) foi preparado com o envolvi-mento ativo e apoio da EFG, da “British Geological So-ciety” (BGS), do IGI (Irish Geological Institute) e do IMM (Institute of Mining and Materials). Foi designado sim-plesmente de “The Reporting Code”, onde a intenção era a de que fosse um relatório standard para a Europa, com potencial para se poder tornar num relatório standard internacional utilizado em todo o mundo.

O código PERC foi criado em 2008 e a sua atualização foi publicada em 2013. O PERC é reco-nhecido pela Autoridade Europeia de Segurança de Mercados (ESMA) sendo válida a sua utilização em todas as bolsas de valores europeias. Também é re-conhecido pelos reguladores canadianos, podendo ser utilizado no âmbito do contemplado no sistema de relatórios canadiano (“National Instrument 43-101”).

A Pessoa Competente (Competent Person)

O que é que faz com que os relatórios stan-dard alinhados com o CRIRSCO sejam muito mais do que uma simples classificação? È o fac-to de que os relatórios são preparados e assina-dos por uma Pessoa Competente. Ou seja, uma Pessoa Competente ao assinar um relatório toma a responsabilidade pelo seu próprio conteú-do, quer seja contratada para produzir o relató-rio como um técnico independente- ou como um empregado de uma companhia / empresa.As qualificações supra referidas, são as da Pessoa Competente, acrescidas como já foi referido prin-

cipalmente pela sua relevante experiência que for-necem ao utilizador do relatório produzido uma segurança intrínseca da sua veracidade e credibili-dade. A definição de Pessoa Competente que é res-ponsável pela apresentação de um relatório standard do CRIRSCO está descrita no PERC Standard 2013 da seguinte forma:

A Pessoa Competente é um profissional in-dustrial, registado ou licenciado por uma entidade profissional reconhecida (incluin-do organizações profissionais reconhecidas mutuamente e internacionalmente) com características de disciplina de processos de credenciação e com capacidade para suspen-der ou expulsar um dos seus membros.A Pessoa Competente deve possuir pelo me-nos um mínimo de cinco anos de experiência de trabalho num determinado tipo de mine-ralização ou depósito mineral sobre a qual irá elaborar o relatório, considerando ainda a sua actividade que desenvolveu nessa área. Corpos profissionais e membros reconheci-dos de acordo com o standard que cumprem com estes requisitos listados na Europa e no resto do mundo.A definição de “Pessoa Competente” está também sujeita a restrições ou condições adicionais que sejam requeridas pelas bol-sas de valores ou autoridades reguladoras de mercado.

Os Membros de corpos profissionais reconhe-cidos por entidades públicas (listados em ane-xo no Standard) carecem como requisito de uma qualificação de nível terciário de qualificações, onde se inclui um diploma universitário, bem como anos de experiência na indústria mineira.

É esperado que uma Pessoa Competente seja por norma um geólogo com vista a produzir re-latórios de Exploração de Recursos Minerais (Prospecção e Pesquisa), podendo ser ainda qua-lificado em outros campos associados com a en-genharia de minas ou tratamento de minérios.

No cerne do processo de acreditação existe o conceito do “peer review” em conjunto com o papel da organização profissional. A Federação Euro-peia de Geólogos é aceite por todos os CRIRSCO standards, como uma organização profissional re-conhecida, e o título de Euro Geólogo (EurGeol) estabelece que o técnico é uma potencial Pessoa

.

.

.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 105 a 110, 2015 109

Page 112: Geonovas Número 28

Competente. De modo a poder exercer o título de Pessoa Competente, num contexto de um de-terminado depósito mineral, deverão obrigatoria-mente satisfazer o critério de ter experiência re-levante. Isto é descrito pela afirmação pessoal do técnico na declaração incluída no relatório, que está sujeito a fiscalização, sendo que deste modo a Pessoa Competente deverá ser capaz de con-substanciar a prova da sua experiência referindo--se a projetos anteriores que tenha participado.

Falsas declarações das condições necessárias para ser Pessoa Competente, serão sempre uma brecha que incorrerá contra o Código de Éti-ca ou Código de Conduta da organização profis-sional a que pertence a Pessoa Competente. Estas não conformidades poderão levar a ação discipli-nar por parte das organizações profissionais con-tra qualquer um dos seus membros que se procla-mam como Pessoas Competentes, quando de fac-to a sua experiência, qualificação e qualidade de trabalho estão aquém do requerido pelo standard.

Conclusões

Uma questão importante e várias vezes co-locada, surge quando se procura elencar qual será o melhor standard para um determinado objetivo:

. O CRIRSCO ou o UNFC? . Ou no caso de se utilizar o CRIRSCO qual será o melhor standard a adotar?

Ao preparar um relatório para uma com-panhia listada numa bolsa de valores, a esco-lha do standard é feita pelo regulador dessa bolsa de valores: normalmente qualquer dos relató-rios standard alinhados com o CRIRSCO é neces-sário. Na União Europeia, por exemplo, a es-colha recaí pela lista de todos os relatórios stan-

dard reconhecidos e alinhados com o CRIRSCO.As deliberações sobre a descrição e garantia de qua-lidade são independentes das decisões sobre a clas-sificação a adotar:

. O CRIRSCO refere-se à descrição e à garantia de qualidade e classificação;. A UNFC (2009) requer documentação

prévia e necessidade da concordância dos utilizadores na descrição dos itens da garantia de qualidade.

A UNFC fornece uma metodologia de forma a incorporar nos relatórios informação publicada da indústria (utilizando a classificação CRIRSCO) em bases de dados, inventários minerais, entre outros, a ser utilizada pelos governos e ONG`s.

Os standards CRIRSCO requerem que toda a publicidade da declaração de recursos tenham prospetos credíveis que viabilizem a sua extração económica. Os relatórios não deverão incluir ne-nhum inventário de supostas mineralizações, não esquecendo a componente económica, que não se-jam suportadas por provas geológicas adequadas.

O planeamento a curto e médio prazo deve uti-lizar os recursos e reservas minerais reportados de acordo com os relatórios standard do CRIRSCO como uma base sólida e confiável com vista a criar um modelo financeiro. O planeamento a longo prazo poderá simplesmente migrar para a classifi-cação UNFC, com a inclusão da estimação do po-tencial mineral, sendo que estes não poderão ser reportados publicamente. Bibliografia

PERC-http://www.percstandard.euEFG-http://www.eurogeologists.deCRIRSCO-http://www.crirsco.comUNFC-2009-http://www.unece.org/energy/se/reserves.html

110 PERC, CRIRSCO e UNFC: Classificação e relatórios standard sobre recursos e reservas minerais

Page 113: Geonovas Número 28

A utilização da radiação de sincrotrão no estudo de materiais geológicos; breve abordagem sobre experiências recentes de

um grupo de utilizadores

T. P. Silva1*, J. P. Veiga2, D. de Oliveira1, M. J. Batista1, D. Rosa3 & M. O. Figueiredo1,2

1 LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P., Unidade de Recursos Minerais e Geofísica, Estrada da Portela-Zambujal, Alfragide, Apartado 7586, 2610-999 Amadora, Portugal

2 CENIMAT/I3N – Centro de Investigação em Materiais, Departamento de Ciência dos Materiais, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universi-dade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica, Portugal

3 GEUS – Geological Survey of Denmark and Greenland, Department of Petrology and Economic Geology, Øster Voldgade 10, 1350 København K, Danmark

* autor correspondente: [email protected]

Resumo

Apresenta-se uma súmula dos resultados obtidos em experiências de espectroscopia de absorção de raios-X (XANES, X-Ray Absorption Near-Edge Spectroscopy) realizadas no sincrotrão europeu ESRF (European Synchrotron Radiation Facility) para estudo do comportamento mineroquímico do índio, estanho, rénio e tungsténio em amostras geológicas e para caracterização do selénio em detritos mineiros.

Palavras-chave: Radiação de sincrotrão, materiais geológicos, espectroscopia, XANES; ESRF.

Abstract

A summary is presented of X-ray absorption spectroscopy results (XANES, X-Ray Absorption Near-Edge Spectroscopy) recently obtained at the ESRF (European Synchrotron Radiation Facility) concerning the minerochemical behavior of indium, tin, rhenium and tungsten in geological samples and addressing the environmental situation of selenium in old mining wastes.

Key words: : Synchrotron radiation, geological materials, spectroscopy, XANES; ESRF.

1. Introdução

A radiação de sincrotrão tornou-se nos últimos anos uma poderosa ferramenta analítica em muitas áreas de estudo. São exemplo, a Física, Química, Geologia, Materiais, Ambiente, Arqueologia, Bio-logia, Medicina entre outras, tanto pela qualidade e diversidade das técnicas analíticas disponíveis, como pela contínua otimização dos meios instrumentais. A utilização da radiação de sincrotrão por par-te de investigadores portugueses já tem algumas décadas (Figueiredo, 2012), usando primeiro as

instalações de BESSY (Berliner Elektronenspeicherring--Gesellschaft für Synchrotronstrahlung m.b.H.) em Berlim, Alemanha (p.e. de Groot et al., 1992) e do LURE (Laboratoire pour l’Utilisation du Rayonnement Electromagnéti-que, já encerrado) em Orsay, França (p.e. Figueire-do et al., 1993) e posteriormente, do ESRF (European Synchrotron Radiation Facility), em Grenoble, França.

Um sincrotrão é uma infra-estrutura de investigação de grandes dimensões constituída, entre outros, por um anel (booster synchrotron) onde são acelerados eletrões e por um anel de armazenamento onde estes são injetados (no caso do ESRF, com

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 111 a 119, 2015 111

Page 114: Geonovas Número 28

300 e 844 m de perímetro, respetivamente). Ao longo do anel de armazenamento encontram-se dispositivos onde os eletrões, previamente acelerados (até uma energia de 6 GeV, no caso do ESRF), são defletidos por campos magnéticos. Nesse processo é emitida radiação eletromagnética tangencialmente à trajetória dos eletrões, a qual engloba os raios-X. A “luz” assim produzida (synchrotron radiation, SR) é encaminhada para a estação experimental, designada por linha (beam line).

O ESRF tem mais de 40 linhas disponíveis para a realização de diferentes experiências. Cada linha tem características instrumentais diferen-ciadas em termos da gama de energias disponí-veis, do das dimensões do feixe na amostra (de 100x100 μm2 a menos de 1x1 μm2 para microa-nálise), e das técnicas analíticas disponibilizadas.Portugal é Membro Científico Associado do ESRF desde Novembro de 1997 (http://www.fct.pt/apoios/cooptrans/esrf/), à semelhança de mais de 20 países da UE, contribuindo para os custos anuais de operação com cerca de 1 % do orçamento total. A atribuição de tempo de feixe processa-se atra-vés de concurso semestral mediante submissão de propostas de experiências devidamente fundamen-tadas, posteriormente avaliadas e classificadas por comissões científicas internacionais. Esta Gran-de Instalação Europeia suporta integralmente a deslocação e estadia de 3 pessoas por experiência aprovada para tempo de feixe. As equipas de uti-lizadores são constituídas por investigadores ex-perientes em aplicações da radiação de sincrotrão e por outros que se iniciam na utilização de equi-pamento tão complexo. De referir que o chamado “cientista da linha” - perito do ESRF na instru-mentação e no software disponível - dá apoio duran-te a realização das experiências. As características únicas da radiação de sincrotrão (brilho intenso, coerência do feixe primário, elevada resolução em energia), aliadas ao facto de permitir executar es-tudos pontuais e análises não destrutivas, muitas vezes simultâneas, facultando a utilização poste-rior do mesmo provete de amostra, tornam estas Grandes Instalações muito procuradas em vasta gama de domínios científicos. Iremos focar-nos nos estudos efectuados no ESRF onde têm decor-

rido as experiências espectroscópicas mais recen-tes no âmbito da análise de materiais geológicos.

2. Experimental2.1 Materiais geológicos

A quantidade de amostra necessária para os ensaios é diminuta; um pequeno fragmento, ou a amostra reduzida a pó, podem ser irradiados entre duas folhas de Kapton (fita adesiva estável a altas temperaturas). Por vezes faz-se uma pas-tilha prensada, misturando a amostra com nitre-to de boro em proporções calculadas para me-lhorar a qualidade dos resultados experimentais.

Todas as amostras e padrões (minerais ou pro-dutos sintéticos) são estudados previamente num laboratório por difração de raios-X (DRX), com recurso a um equipamento com fonte de raios-X convencional, para diagnose da(s) fase(s) mine-ralógica(s) presentes e escolha de amostras repre-sentativas para a experiência a realizar no ESRF.

Nos casos de estudo que a seguir se descrevem foram analisadas amostras de sulfuretos polime-tálicos provenientes da Lagoa Salgada (Faixa Piri-tosa Ibérica, Iberian Pyrite Belt – IPB), detritos mine-rais depositados junto à antiga fábrica do enxofre da Achada do Gamo na mina abandonada de S. Domingos (também da Iberian Pyrite Belt, IPB), frag-mentos de molibdenite de diversas proveniências e detritos da mina da Panasqueira. Utilizaram-se como compostos modelo, fragmentos de minerais ou produtos sintéticos (óxidos e/ou sulfuretos) que configuravam várias coordenações e estados de oxidação conhecidos para o elemento em estudo.

2.2 Técnicas espectroscópicas

A espectroscopia de absorção de raios-X (X-ray Absorption Spectroscopy, XAS - an element-specific technique) tem sido amplamente utilizada no estudo de ma-teriais geológicos (Henderson et al., 1995); é uma técnica que reflecte o estado de ligação dos electrões no átomo absorvedor de radiação X, em dependên-cia do mineral carreador do elemento em estudo.

Quando a energia do feixe incidente é suficiente para excitar electrões de um nível interno do áto-

112 A utilização da radiação de sincrotrão no estudo de materiaisgeológicos Breve abordagem sobre experiências recentes de um grupo de utilizadores

Page 115: Geonovas Número 28

mo, observa-se um salto abrupto no espectro de absorção, seguido de detalhes com caracter osci-latório que se vão distanciando da descontinuida-de. Quando os electrões excitados provêm do nível interno 1s (nível n=1), este salto energético (edge) designa-se por descontinuidade K (Fig. 1); para saltos de níveis electrónicos externos, as desconti-nuidades desmultiplicam-se – por exemplo, L

1, L

2

e L3

para o nível n=2, como se ilustra na figura 1.Normalmente distinguem-se duas zonas no

espectro de absorção (Fig. 2): uma região estreita próxima da descontinuidade (X-ray Absorption Near--Edge Structure, XANES), seguida de outra mais am-pla (Extended X-ray Absorption Fine Structure, EXAFS). A região XANES pode apresentar detalhes preceden-do a descontinuidade (pre-edge details) e estender-se até cerca de 50 eV, enquanto a região EXAFS apre-senta oscilações de absorção que podem alongar-se até 1000 eV (Aksenov et al., 2006). A análise da re-gião XANES faculta informação sobre a geometria de coordenação do átomo em estudo e permite de-duzir o respectivo estado de oxidação formal como adiante se mostrará; comparativamente, e através de programas de computação apropriados, a região EXAFS permite obter informação sobre as distân-cias a que se encontram os átomos vizinhos mais próximos e o seu número, conhecida a sua natureza.

Nos exemplos recentes que se relatam, recolhe-ram-se espectros XANES de diversas descontinui-dades de absorção: L

2 e L

3 do In, L

3 do Sn, K do Se, e

L1 e L

3 do Re e do W.

3. Casos de estudo recentes3.1 O índio e o estanho em sulfuretos polimetá-licos da Lagoa Salgada

O índio é um metal escasso que tem sido ulti-mamente muito procurado e utilizado nos chama-dos “dispositivos de alta tecnologia”, pelo que se tornou importante a sua recuperação no decurso

Figura 1 – Esquema da evolução da absorção em função da energia, mostrando as descontinuidades K, L1, L2 e L3

(adaptado de Rehr & Albers, 2000).Figure 1 – Schematic view of Absorption vs Energy graph where the edges K, L1,

L2 and L3 are shown (adapted from Rehr & Albers, 2000).

de procedimentos de mineração. É um elemento calcófilo que ocorre disperso nos sulfuretos poli-metálicos e raramente forma minerais específicos, sendo recuperado principalmente na extração do zinco a partir da esfalerite, ZnS (p.e. http://www.mining-technology.com/projects/kidd_creek/).

Tendo como objectivo contribuir para esclarecer o alojamento do índio em sulfuretos complexos, visando assim o estudo da sua especiação, proce-deu-se no ESRF à realização de várias experiências de espectroscopia de absorção aplicadas a amostras de sulfuretos polimetálicos provenientes da Lagoa Salgada. As primeiras experiências decorreram em 2008 na linha ID-21 (Fig. 3), tendo-se recolhido espectros XANES na descontinuidade L

3 do índio

(3730 eV), tanto nas amostras minerais como em padrões seleccionados (Figueiredo & Silva, 2009).

Em 2009, iniciou-se um estudo similar sobre o estanho nas mesmas amostras, beneficiando da aplicação de um novo software analítico desenvolvido no ESRF (PyMca) e que permitiu o ajuste e a des-convolução dos espectros de fluorescência de raios--X (FRX), particularmente útil no caso de amostras com teores vestigiais em índio. Os espectros FRX ajudaram a seleccionar os pontos mais promissores da amostra quanto ao teor em índio para se coligi-rem espectros XANES (Figueiredo & Silva, 2010).

Numa experiência realizada em 2010, deu-se especial atenção à possível interferência decorren-te da proximidade das energias correspondentes às descontinuidades L

2 do índio e L

3 do estanho, ideal-

mente a 3938 eV e 3929 eV, respectivamente (Fig. 4). Recorrendo a uma metodologia de microsco-pia (scanning X-ray microscopy, SXM), recolheram--se mapas topoquímicos a energias seleccionadas imediatamente antes e depois da descontinuidade L

3 do índio, para selecção dos pontos a irradiar na

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 111 a 119, 2015 113

Page 116: Geonovas Número 28

Figura 2 – Espectroscopia de absorção: exemplo de um espectro XAS, onde se destacam as regiões

XANES e EXAFS.Figure 2 – Absorption spectroscopy: example of a XAS spectrum with

the regions XANES and EXAFS assigned.

114 A utilização da radiação de sincrotrão no estudo de materiaisgeológicos Breve abordagem sobre experiências recentes de um grupo de utilizadores

Figura 3 – Vista geral do arranjo instrumental da linha ID-21 do ESRF.

Figure 3 – General view of the instrumental set-up of beam line ID-21 at the ESRF.

Figura 4 – Comparação do espectro XANES obtido para o composto InF3 (descontinuidades In L3 & L2) com o espectro da descontinuidade Sn L3 de uma amostra de sulfuretos poli-

metálicos da Lagoa Salgada.Figure 4 – XANES spectra collected from the synthetic compound InF3 and from the Lagoa Salgada sample: comparison between In L2-

edge and Sn L3-edge.

Page 117: Geonovas Número 28

amostra (Silva et al., 2012; Figueiredo et al., 2012). Observou-se um andamento semelhante para os espectros XANES do índio e do estanho recolhidos na descontinuidade L

3 (Fig. 5), apresentando dois

detalhes s1 e s

2 (shoulders) perto desta descontinuida-

de e uma absorção precedente (white line, Cauchois & Mott, 1949) no caso do índio, sugerindo uma provável ligação metálica In-In em nanodomínios, para além do espectável In3+ em coordenação tetraé-drica na esfalerite (Figueiredo et al., 2010, 2012).

3.2 O selénio em detritos da mina de S. Domingos

O selénio é um elemento de ocorrência natu-ral, libertado para o ambiente através da minera-ção, da indústria e mesmo da agricultura. Apesar de ser um nutriente essencial para os seres hu-manos, animais e microrganismos, este elemen-to torna-se tóxico em concentrações ligeiramente superiores aos níveis nutricionais. No ambien-te, pode exibir vários estados de oxidação: desde o anião seleneto Se2- até ao catião Se6+, incluindo Se4+ e o selénio elementar Se0. O teor de 900 ppm de selénio encontrado em detritos da velha fábri-ca do enxofre junto à antiga mina de S. Domin-gos (Batista et al., 2011), despoletou o estudo da especiação do selénio e da natureza da(s) fase(s) carreadora(s) nestes materiais, numa perspectiva de remediação sustentável. Assim, em 2013 reco-lheram-se espectros XANES da descontinuidade K do selénio (12658 eV) na linha BM-25A (Fig. 6).

Beneficiando das facilidades instrumentais desta linha, foi ainda possível caracterizar as fa-ses presentes através de difracção de alta resolução (HRPD, High-Resolution Powder Diffraction). Os espec-tros obtidos para os óxidos usados como compostos de referência reproduzem-se na Fig. 7, mostran-do que o valor máximo de energia para a “white line” responde eficazmente à valência formal das espécies catiónicas do selénio: Se4+ (selenito, geralmente em coordenação piramidal) e Se6+ (selenato, em coor-denação tetraédrica). A Fig. 8 compara os espec-tros XANES coligidos para os minerais modelo de selenetos (Se2-) - clausthalite (PbSe), guanajuati-te (Bi

2Se

3) e uma galena rica em selénio, Pb (S

1-x-

Sex) - com os espectros obtidos para as amostras de

detritos mineiros. Os resultados espectroscópicos (Figueiredo et al., 2014b) apontam para a presença

de vários estados de oxidação nestas últimas amos-tras: selenitos assinalados em todas elas e selene-tos bem representados nas amostras 3-3 e 3-4, não se tendo identificado a presença de selenatos.

3.3 O rénio em molibdenites e em detritos mineiros (S. Domingos)

O rénio é um metal ainda mais escasso do que o índio mas com múltiplas aplicações inovadoras. Ocorre na natureza principalmente carreado pela molibdenite (MoS

2) que pode conter teores signi-

ficativos de tungsténio e rénio. Uma contribuição para a recuperação deste metal passa pela compreen-são do seu comportamento mineroquímico no mi-neral carreador, promovendo assim a valorização dos recursos minerais (Silva et al., 2013b, 2014). O estudo do estado de ligação do rénio na molibdeni-te teve início em 2011 através de uma experiência na linha BM-23 (Fig. 9). Espectros XANES recolhi-

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 111 a 119, 2015 115

Figura 5 – Comparação dos espectros XANES da descontinui-dade L3 do In e do Sn recolhidos da mesma amostra da Lagoa Salgada: destacam-se os detalhes de absorção (s1 e s2, separados

por cerca de 10 eV) e uma absorção assinalada a verde precedendo a descontinuidade (white line).

Figure 5 – In and Sn L3-edge XANES spectra collected at selected points of a Lagoa Salgada sample. A “white-line” before the edge (assigned in green) and

two shoulders (s1 & s2 separated by ~10 eV) are observed.

Page 118: Geonovas Número 28

116 A utilização da radiação de sincrotrão no estudo de materiaisgeológicos Breve abordagem sobre experiências recentes de um grupo de utilizadores

Figura 6 – Arranjo instrumental da linha BM-25A.Figure 6 – General view of the instrumental set-up of beam line BM-25A.

Figura 7 – Espectros XANES da descontinuidade K do Se coligidos de compostos modelo.

Figure 7 – Se K-edge of oxide model compounds.

Figura 8 – Espectros XANES da descontinuidade K do Se obtidos de selenetos e amostras de detritos mineiros.

Figure 8 – Se K-edge of selenide minerals and mine waste samples.

Page 119: Geonovas Número 28

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 111 a 119, 2015 117

Figura 9 – Arranjo instrumental da linha BM-23.Figure 9 – General view of the instrumental set-up of beam line BM-23.

dos na descontinuidade L3 do rénio (10535 eV) em

fragmentos de molibdenite de várias proveniências possibilitaram uma primeira abordagem ao modo de alojamento do rénio neste mineral. Na figura 10 compara-se o espectro XANES obtido para o

Re numa molibdenite da Austrália, com o espectro obtido para o tungsténio no composto WS2

, onde o ião W4+ assume coordenação prismática à seme-lhança do ião Mo4+ na molibdenite. A correspon-dência dos detalhes aponta para uma substituição aleatória rénio-molibdénio (com Re4+ assumindo também coordenação prismática) e não para a for-mação de nanofases (Figueiredo et al., 2013b; Silva et al., 2013a). O teor muito baixo de Re nas moli-bdenites portuguesas estudadas não permitiu a ob-tenção de um espectro XANES de boa qualidade.

Comparativamente, os espectros obtidos a partir de detritos da mina de S. Domingos recolhidos junto à antiga fábrica do enxofre da Achada do Gamo coa-dunaram-se com ligações Re-O por analogia com espectros recolhidos de compostos sintéticos usa-dos como modelo (Figueiredo et al., 2013a, 2014d).

3.4 O rénio e o tungsténio em detritos da mina da Panasqueira

A última experiência de espectroscopia efectua-da por este grupo de utilizadores no ESRF (Junho de 2014, linha BM-25A), foi focalizada na análi-se das descontinuidades de absorção L

1 e L

3 do ré-

nio (respectivamente a 12527 e 10535 eV) e do tungsténio (12100 e 10207 eV), como contribui-ção para uma futura recuperação sustentável des-tes metais a partir de resíduos acumulados na mina da Panasqueira. Os primeiros contributos foram

Figura 10 – Espectros XANES da descontinuidade L3, do Re numa molibdenite da Austrália e do W no composto sintético

WS2.Figure 10 – Re L3-edge XANES spectrum obtained from a rhenium-rich mo-lybdenite sample, compared with the W L3-edge XANES spectrum collected from

synthetic WS2.

Page 120: Geonovas Número 28

já apresentados a congressos da especialidade sob a forma de poster (Figueiredo et al., 2014a, 2014c).

4. Conclusão

Está em curso a caracterização espectroscópica pormenorizada do(s) estado(s) do tungsténio e do rénio em detritos mineiros com o objectivo de deli-near uma estratégia de recuperação deste metal es-casso (Re) com tão elevado valor económico. Entre-tanto, os resultados apresentados ilustram desde já a pertinente contribuição da radiação de sincrotrão para a caracterização de materiais geológicos e re-síduos mineiros, em particular no tocante a metais de ocorrência vestigial e grande relevância econó-mica (e.g. In e Re), e a elementos com implicações ambientais significativas como é o caso do selénio.

Agradecimentos

Este trabalho é um contributo do Projecto INCA (refª PTDC/CTE-GIN/67027/2006) financiado pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e do pro-jecto MinReMol (refª EXPL/AAG-REC/0978/2012) financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Factores de Competitividade (COMPETE: FCOMP-01-0124-FEDER-027516) e por Fundos Na-cionais através da FCT. Os autores afiliados ao CENI-MAT/I3N agradecem o suporte da FCT através do Pro-jecto Estratégico LA25-2013-2014 (refª PEst-C/CTM/LA0025/2013-14). Agradece-se ainda o suporte finan-ceiro da UE para a realização de experiências no ESRF entre 2008 e 2014, bem como o apoio dos cientistas das linhas utilizadas: ID-21 (refª EC-290, EC-450, EC-628 e EC-806), BM-23 (refª CH-3421) e BM-25A (refª EV-13 e ES-128).

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118 A utilização da radiação de sincrotrão no estudo de materiaisgeológicos Breve abordagem sobre experiências recentes de um grupo de utilizadores

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120

Page 123: Geonovas Número 28

Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

J. V. Lisboa1,*, R. Sardinha1, A. Oliveira1 & J. F. Carvalho1

1 1 Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Apartado 7586 – Alfragide, 2610-999 Amadora, Portugal*autor correspondente: [email protected]

Resumo

Na região de Torres Vedras – Bombarral ocorrem importantes depósitos de argila comum, que foram cartografados amostrados e caraterizados em termos composicionais e cerâmicos. Resultou um mapa litológico evidenciando os recursos de argila identificados. As argilas ocorrem preferencialmente no topo da sequência detrítica do Titoniano e são silto-argi-losas, ilítico-cauliníticas ou caulinitico-ilíticas. A homogeneidade composicional e tecnológica das amostras sugere acen-tuada continuidade lateral e vertical de fácies dos corpos argilosos. As propriedades e comportamento cerâmico conferem às argilas aptidão para o fabrico de cerâmica de construção, depois de lotadas. A cartografia realizada é acompanhada por colunas tipológicas nas áreas de maior potencial reconhecido permitindo a perceção da tipologia das argilas aí ocorrentes. Estimou-se na área de ocorrência dos depósitos de argila, um volume de 125 Mm3 deste recurso.

Palavras-chave: Argila, recurso, coluna tipológica, cerâmica de construção.

Abstract

Important deposits of common clay occur in the Torres Vedras - Bombarral region. These deposits were mapped and sampled for compositional and ce-ramic characterization, from which resulted a lithological map evidencing the clay resources. The clays occur preferentially at the top of the Tithonian detritic sequence. They encompass clayey silts, with an illite-kaolinite or kaolinite- illite composition. The compositional and technological homogeneity of the samples suggests that the clay bodies have important lateral and vertical facies homogeneity. The properties and ceramic behaviour of the studied clays make them suitable for the ceramic construction manufacture, after adequate blending. The resulting map presents the typological columns which concern areas of higher resources potential. This enables the knowledge of the clays typology, which occur there. In the clay deposits occurrence area, it is estimated a resource volume of 125 Mm3.

Key words: Clay, resource, typological column, construction ceramics.

1. Introdução

A região de Torres Vedras – Bombarral cons-titui uma das principais áreas do país com po-tencial de recursos argilosos para cerâmica de construção (Lisboa, 2014; Sardinha, 2013), o qual é manifesto pela importante atividade afeta a este sector da indústria extrativa. As matérias--primas são as argilas comuns (vermelhas) do Ju-rássico Superior e da base do Cretácico Inferior.

Um anterior projeto de prospeção na pre-sente área envolveu reconhecimento geológico e amostragem de argilas (Pereira, 2003), mas os

trabalhos foram interrompidos. Considerando a importância dos recursos em argila nesta região a nível local e nacional, pretendeu-se dar conti-nuidade àquele projeto, daí resultando o presen-te estudo de cartografia e caraterização de argilas comuns da região de Torres Vedras - Bombarral.

1.1. Aspetos de produção

A extração intensiva de argila vermelha para cerâmica de construção constitui uma atividade tradicional na região de Torres Vedras – Bombarral, desde o segundo quartel do século XX, tendo-

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 121 a 140, 2015 121

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se a maior parte das cerâmicas em atividade na área, instalado nas décadas de 60 e 70 (Fig. 1).

As fábricas de cerâmica atualmente com maiores produções, Torreense e Lusoceram, localizam-se na área de Outeiro da Cabeça, concelho de Torres Vedras e fabricam telha e acessórios, tijolo furado, face à vista e abobadilha. As outras fábricas em la-boração na área, Cerâmica Avelar (Ramalhal), Ce-râmica Outeiro do Seixo (Campelos), no concelho de Torres Vedras e, Cerâmica da Floresta, no con-celho de Cadaval, produzem tijolo e abobadilha, e têm menor dimensão.

A opção pelo fabrico de tijolo e abobadilha está relacionada geralmente com aspetos industriais e económicos e não com a própria qualidade da ma-téria-prima. A área estudada dista cerca de 70 km de Lisboa, o que faz com que esteja relativamente próxima do principal mercado consumidor de pro-dutos de cerâmica de construção.

Tal como na maioria dos núcleos produtores tradicionais de cerâmica vermelha do país, a pro-dução sofreu uma forte retração, sobretudo a partir

de 2007. O volume da matéria-prima total extraída dos barreiros das 5 principais cerâmicas da região em 2003 foi da ordem de 2 M t (Pereira, 2003), baixando para 0,8 M t em 2010 e 2011. A produção total do conjunto das fábricas de cerâmica em labo-ração na área será próxima de 1 M t.

2. Enquadramento geológico

A região estudada integra-se no sector cen-tral da Bacia Lusitaniana, sub-bacia de Bombar-ral (Kullberg et al., 2006), onde afloram uni-dades litostratigráficas do Jurássico Superior e Cretácico (Fig. 2). Confina com as sub-bacias de Turcifal, a sudoeste, e de Arruda, a sudes-te, através da Falha de Torres Vedras-Monte-junto (Montenat et al., 1988; Kullberg, 2006).

Outros acidentes maiores recortam esta região segundo as direções NNE-SSW e NNW-SSE (Fig. 2). Os orientados segundo NNE-SSW, associados às fases extensionais mesozóicas, terão sido reati-vados em desligamento esquerdo durante a com-

Figura 1 - Enquadramento da área com rede viária, atividade extrativa e localização das unidades cerâmicas ativas e inativas (limite da área estudada a amarelo).

Figure 1 - Area frame with roads, quarrying activity and location of active and inactive ceramic plants (the yellow line limits the studied area).

122 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

Page 125: Geonovas Número 28

pressão Alpina (Ribeiro et al., 1990). De entre es-tes acidentes destaca-se a Falha de Lourinhã, que se presume representar a continuação para sul da estrutura diapírica de Caldas da Rainha. Os orientados segundo NNW-SSE terão funciona-do como desligamentos direitos pós-Cretácicos.A sub-bacia de Bombarral abrange duas macrose-quências estratigraficamente distintas (Kullberg et al., 2006): à inferior correspondem sedimentos si-liciclásticos margino-litorais, associados a margas e calcários, do Jurássico Superior e ocupa a mais vas-ta área; a mais recente, em descontinuidade sobre a anterior é constituída por sedimentos siliciclásti-cos essencialmente fluviais, do Cretácico Inferior. Os depósitos jurássicos fazem parte da Forma-

ção de Lourinhã, atribuída ao Titoniano (Hill, 1988 in Kullberg et al., 2006) e que na sub-bacia de Bombarral apresenta espessura muito variá-vel, entre 600 a 1100 m (Hill, 1988; Leinfelder & Wilson, 1989; Rocha et al., 1996). Esta forma-ção é constituída, na parte inferior, por sequên-cias de margas, calcários margosos e calcários de-tríticos ricos de bivalves. A parte superior com-preende sequências de depósitos siliciclásticos margino-litorais, associados a margas e calcários.

De acordo com o reconhecimento geológico, é a parte superior da Formação de Lourinhã que aflora. Litologicamente está representada essen-cialmente por arenitos finos a grosseiros (exibin-do estratificação horizontal, entrecruzada e outras

Figura 2 - Enquadramento geológico da região de Torres Vedras – Bombarral. Adaptado da Carta Geológica de Portugal à escala de 1/1000000 (LNEG, 2010). A, Holocénico; Q, Quaternário, N1 + N2, Neogénico, fi, filão básico; CVL,

Cretácico Superior; K1, Cretácico Inferior; J3, Jurássico Superior; J2, Jurássico Médio; J1, Jurássico Inferior; TJ1, Triásico Superior.

Figure 2 - Geological setting of the Torres Vedras - Bombarral region. Adapted from the Geological Map of Portugal on the 1/1000000 scale (LNEG, 2010). A, Holocene; Q, Quaternary; N1 + N2, Neogene; fi, basic vein; CVL, Upper Cretaceous; K1, Lower Cretaceous; J3, Upper Jurassic; J2,

Middle Jurassic; J1, Lower Jurassic; TJ1, Late Triassic.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 121 a 140, 2015 123

Page 126: Geonovas Número 28

figuras de canal) com calhaus rolados, possuin-do intercalações lenticulares de siltitos e argilitos mais ou menos siltíticos, que apresentam tona-lidades que vão do vermelho arroxeado ao casta-nho amarelado e cinzento (Fig. 3). No geral, as camadas apresentam estratificação inclinada para os quadrantes sul, com pendores inferiores a 10°.

A unidade terá sido depositada em áreas del-taicas ou aluviais e em linhas de água meandri-formes, em que os acarreios siliciclásticos tive-ram origem nos quadrantes ocidental e orien-tal da bacia (Montenat et al., 1988; Hill, 1988).Sobre a Formação de Lourinhã assentam discordan-temente depósitos da Formação de Serreira (Tito-niano? - Berriasiano Inf ?) (Rey, 1992, 1999) e do Grupo de Torres Vedras (Berriasiano Superior a Ap-tiano) (Rey, 1993), não abrangido por este estudo.Durante o Cretácico Inferior, o Maciço Hespé-rico, a Este, constitui a principal fonte de sedi-mentos clásticos devido ao seu levantamento e erosão, mas com importante contribuição do horst marginal granito-gnáissico da Berlenga, a Oes-te (Montenat et al., 1988; Kullberg et al., 2006).Os reconhecimentos de campo confirmam as ob-

Figura 3 - Aspeto característico da Formação da Lourinhã com tonalidades vermelhas dominantes e alternância de corpos argilosos e areníticos, no barreiro da Cerâmica Torreense, na área de A-dos-Cunhados.

Figure 3 - Characteristic aspect of Lourinhã Formation showing dominant red hues and alternating clay and sandstone bodies in the clay pit of Cerâmica Torreense (A-Dos-Cunhados area).

servações de Rey (1993) que afirma que a Forma-ção de Serreira é constituída por alternâncias de conglomerados e arenitos cinzentos, amarelos e vermelhos, exibindo estratificação entrecruzada e interestratificados com argilitos mais ou menos siltíticos, vermelhos e violáceos (Fig. 4). Os depó-sitos, característicos de ambiente fluvial meandri-forme (30 m de espessura), organizam-se em se-quências fluviais granodecrescentes com espessura de 2 a 5 m e, litologicamente, não diferem substan-cialmente da Formação de Lourinhã, subjacente.

4. Metodologia

As tarefas empreendidas para cumprir os objeti-vos propostos compreenderam, compilação da in-formação existente, trabalho de campo e trabalho laboratorial.

Os estudos no terreno envolveram a identifica-ção e cartografia (escala 1:25000) das sequências de níveis argilosos, com descrição de perfis litoló-gicos, em locais considerados importantes para a compreensão e definição da geologia e da coluna sedimentar. Nos perfis estudados colheram-se 13

124 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

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amostras de fácies argilosas da Formação da Lou-rinhã (A1 a A14, exceto A11) e uma da Formação de Serreira (A11), para caracterização químico--mineralógica e tecnológica tendo em conside-ração a sua articulação sequencial. A informação litostratigráfica, mineralógica e tecnológica, para cada perfil foi reproduzida através de colunas tipo-lógicas (Carvalho et al., 2000) na carta elaborada. Para a digitalização da cartografia e edi-ção do mapa litológico e de recursos argilo-sos da área de Torres Vedras – Bombarral uti-lizou-se o package ArcGIS versão 9.3 da ESRI.

Os procedimentos laboratoriais são indis-pensáveis para a classificação tipológica das ar-gilas e foram realizados no Laboratório do LNEG (Unidade de Ciência e Tecnologia Mi-neral), de acordo com normas nacionais, inter-nacionais ou próprias do mesmo Laboratório.

A análise mineralógica semi-quantitativa das amostras integrais, previamente secas (40 ºC) e moídas num moinho de ágata a dimensão de grão inferior a 74 µm, e da respetiva fração inferior a 2 μm foi estimada por difração de raios X (DRX), a partir das áreas dos picos das reflexões basais

ponderadas por fatores empíricos (Schultz, 1964; Thorez, 1976; Brindley & Brown, 1980). Os di-fractogramas dos pós das amostras foram obtidos num espectrómetro Philips PW 1380. Este apa-relho é composto por um gerador PW 1830, go-niómetro PW1820 e contador de impulsos PW 1710. Utilizou-se uma ampola de Co de 2700 W (PW2256/20). Os dados e leitura foram processa-dos com o software PW1877 Automatic Powder Di-ffraction version 3.6 h (condições operativas: di-ferença de potencial 40 kV, intensidade 40 mA). Esta análise foi complementada pela análise térmica gravimétrica e diferencial. Para o estudo das amos-tras foram utilizados cerca de 15 mg de amostra em pó crivada a 200 mesh e seca a uma temperatura de 40 ºC. Os termogramas foram obtidos num ana-lisador térmico diferencial e ponderal Shimadzu, que permite obter as curvas ATD e ATG simulta-neamente. O programa Informatic Analysis permi-tiu obter e tratar os registos na forma gráfica. A taxa de aquecimento foi 10 ºC/min até à temperatura de 1200 ºC, em atmosfera oxidante. Foram utilizados termopares de Pt e Rh (com 10 % Pt). O padrão de referência utilizado foi a alumina calcinada e as

Figura 4 - Aspeto da Formação de Serreira, no barreiro da Cerâmica da Floresta, área de Outeiro da Cabeça.Figure 4 - Characteristic aspect of Serreira Formation at Cerâmica da Floresta clay pit (Outeiro da Cabeça area).

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 121 a 140, 2015 125

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curvas de calibração foram efetuadas com sulfato de cálcio. Para a identificação das reações, recorreu-se às transformações sofridas por cada espécie mineral de acordo com Blazek (1972) e Mackenzie (1957).

A análise química (elementos maiores) das amostras (A2, A4, A6, A7, A8, A10, A14), previa-mente moídas num moinho de ágata a 200 mesh foi realizada por espectrometria de fluorescência de raios X (FRX) em discos vítreos obtidos por calcinação dessas amostras com fundente (mistu-ra de meta e tetraborato de lítio) na proporção de 1:10, num espectrómetro sequencial Panalytical – PW 2404 equipado com uma ampola de ródio (4 kW) e monocronómetro (condições operativas: di-ferença de potencial 40 kV, intensidade 60 mA). Para cada amostra, os valores da perda ao rubro (PR) traduzem a perda de massa da amostra por calcinação (1050 ºC) durante 1 hora. A exatidão e precisão são, respetivamente, 1 % e 5 %, em geral, para todos os elementos maiores (Oliveira, 2010).

O pH foi determinado pelo método de elétrodos seletivos de acordo com o procedimento interno do laboratório, com base na norma E203 (1967), uti-lizando um medidor de pH Sentron 2001 (calibra-ção a 20 °C). Para a realização dos ensaios foram utilizados 20 g de uma amostra moída a 60 mesh, posteriormente misturada com 50 ml de água des-mineralizada, previamente fervida. São feitas duas medições por amostra: ao fim de 1 minuto e após intervalo de 15 minutos, para estabilização do pH.Para o estudo da distribuição de tamanho dos grãos nas amostras foi primeiro efetuado um cor-te (via húmida), utilizando o peneiro de malha 355 μm; a fração inferior a 355 μm analisou--se num granulómetro Coulter LS 130 (módulo de líquidos) e a fração superior a 355 μm (quan-do > 10 %) foi sujeita a peneiração (via seca), se-gundo normas E 239 (1970) e ASTMD 422-63 (reaprovado em 2002). O índice de plasticidade (IP) foi calculado com base nos limites de Atter-berg segundo a Norma Portuguesa NP-143 (1969).Após moagem da argila a 60 mesh, pesaram-se cerca de 2 kg de material. Posteriormente adicionou-se água e misturou-se, manualmente, até se obter uma pasta homogénea. Por amostra, foram prensados 15 provetes de secção trapezoidal (2,3 x 2 x 1,5 cm) e 12 cm de comprimento, que foram marcados com uma bitola de 10 cm e numerados. Os 15 provetes

foram divididos em 3 lotes, sendo cada lote encaminhado para os ensaios após secagem e após cozedura a temperaturas de 850, 950 e 1050 ºC.

A estimativa da resistência mecânica à flexão (RMF) dos provetes das amostras realizou-se de acordo com procedimento padrão do laboratório do LNEG, baseado na norma ASTM C 689/93, usando um tensómetro Zwick Z010 com uma célula de carga de 2 kN para RMF em seco. Condições operativas: 10cm espaçamento entre as lâminas de apoio e a ve-locidade de carregamento de 10 mm/minuto. Após cozeduras cerâmicas a 850, 950, 1050 ºC, o pro-cedimento foi baseado na norma ASTM C 674/88, com as mesmas condições de funcionamento do tes-te em seco, mas com uma célula de carga de 10 kN.Os valores de retração linear verde/seco (Ret.

v/s) e

total (Ret.tot

), após cozeduras (850, 950, 1050 ºC), foram obtidos com base na norma ASTM C 326/82.

A determinação da capacidade de absorção de água (Abs.

água) às mesmas temperaturas efe-

tuou-se segundo especificação E216 (1968).Para a classificação das argilas nas colunas tipo-lógicas foi considerada a mineralogia das amos-tras integrais e os parâmetros tecnológicos: gra-nulometria, IP, RMF, Ret.

v/s, Ret.

total e Abs.

água

a 900 ºC. Quanto à cor, as argilas são averme-lhadas não apresentando variações relevantes.

5. Resultados e discussão5.1. Caracterização granulométrica

As amostras evidenciam uma acentuada ho-mogeneidade dimensional do grão enqua-drando-se no silte argiloso (Shepard, 1954). Excetua-se a amostra A3, que se posicio-na no campo da argila silto-arenosa (Fig. 5).A análise das curvas de distribuição granulomé-trica cumulativa (Fig. 6) revela por um lado que a maioria das amostras tem composições mediana-mente graduadas e calibração baixa, e por outro lado que a graduação e calibração são relativamen-te homogéneas. Também podemos observar que a percentagem de elementos de diâmetro esférico equivalente (d.e.e.) superior a 50 µm é, em geral, inferior a 20 %. E que a maioria das amostras tem 50 % das partículas com d.e.e. máximo entre 6 e 15 µm. O sector da curva correspondente à fra-ção inferior a 1 um é na maioria, pouco inclina-

126 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

Page 129: Geonovas Número 28

do, denotando boa graduação, mas com contributo muito reduzido das frações granulométricas infe-riores àquela dimensão. Ao nível da distribuição granulométrica das amostras distinguem-se dois conjuntos diferindo apenas ligeiramente, no grau de calibração (fig. 6). Verifica-se também dife-renciação no grau de calibração em níveis suces-sivos da coluna sedimentar, indicando variações de condições de energia aquando da deposição.

5.2. Caracterização mineralógica

As composições mineralógicas dos materiais es-tudados (tabela 1) mostram a predominância dos filossilicatos, na maioria das amostras em per-centagem superior a 50 %, sendo o quartzo o mi-neral predominante nos minerais não argilosos. Globalmente e em termos médios, as amos-tras são constituídas em proporções próxi-mas, por caulinite e quartzo, com predomínio da caulinite e em menor quantidade por ilite/mica, que se apresenta em percentagens bastan-te homogéneas (x

m=15 ± 2 %). A caulinite reve-

la uma maior dispersão que a ilite/mica (Fig. 7). Foram detetados vestígios de interestratificados

de ilite/esmectite em 4 amostras. Relativamen-te a outros minerais acessórios não argilosos, o feldspato alcalino ocorre em todas as amostras em percentagens significativas (x

m = 8 ± 3 %), assim

como os óxidos de ferro, geralmente sob a forma de óxidos e hidróxidos também em percentagens elevadas (x

m = 8 ± 2 %). Na composição minera-

lógica semiquantitativa da fração argila (< 2 µm) há naturalmente um enriquecimento nos mine-rais argilosos das amostras, os quais não diferem substancialmente dos minerais identificados nas amostras integrais correspondentes (tabela 1). As argilas são ilítico-cauliníticas ou caulinítico-i-líticas. Entre outros minerais argilosos observados, os interestratificados de ilite/esmectite ocorrem na quase totalidade das amostras, em muito peque-na quantidade e, a esmectite e clorite, apenas na amostra A14. Esta composição diferenciada das outras amostras sugere deposição em condições ambientais diversas, provavelmente com caracte-rísticas de maior confinamento. Relativamente aos minerais não argilosos, os feldspatos estão quase ausentes nesta fração, mas o quartzo, tem uma re-presentação ainda significativa, assim como os mi-nerais de ferro, sob a forma de óxidos e hidróxidos.

Constata-se um aumento mais significativo da proporção de ilite relativamente à caulinite, em relação aos valores da fração integral, o que im-plica que parte importante da ilite se concentra na fração argila. Da análise da correlação entre estes minerais e as frações granulométricas areia, silte e argila, constata-se correlação positiva e nega-tiva, respetivamente, entre a caulinite na fração menor que 2 µm (r = 0,87) e caulinite na fração entre 2 e 63 µm (r = -0,36); as correlações de ilite/mica com fração menor que 2 µm e fracção entre 2 e 63 µm, são respetivamente, r = -0,61 e r = 0,77. As relações observadas indicam con-centração da caulinite na fração menor que 2 µm e preferencial da mica na fração de 2 a 63 µm. 5.2.1. Interpretação das curvas obtidas por aná-lise térmica diferencial e gravimétrica

Durante a cozedura, as transformações térmicas ocorridas são relativamente homogéneas.

Figura 5 - Diagrama ternário (Shepard, 1954) da distribuição dimensional do grão dos materiais

amostrados.Figure 5 - Classification of sampled sediments based on

sand-silt-clay ratios (Shepard,1954).

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 121 a 140, 2015 127

Page 130: Geonovas Número 28

Tabela 1 - Composição química (FRX), dos elementos maiores (%) das amostras integrais; composição mineralógica semiquantitativa (DRX) das amostras totais e fração inferior a 2 µm; propriedades tecnológicas cerâmicas. LL- limite de

liquidez, LP- limite de plasticidade; Vest.- vestígios.

Table 1-chemical composition (FRX), of larger elements (%) of samples integrals; semiquantitative mineralogical composition (DRX) of the total samples and fraction of less than 2 μm; ceramic technological properties. LL-liquidity limit, LP-plasticity limit; Vest-traces.

128 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

LP 27,92 25,63 22,23 29,63 24,87 30,09 23,89 41,16 25,79 29,35 33,96 30,32 23,60 30,19IP 19,05 14,19 13,80 25,42 14,29 19,71 12,52 26,56 16,36 24,06 20,79 17,76 14,94 16,72

Page 131: Geonovas Número 28

Exemplificativamente apresentam-se os gráficos correspondentes a uma amostra com elevada com-ponente quartzosa, caulinítico-ilitica (A3) e outra predominantemente caulinítica (A10) (Fig. 8). A ocorrência de um primeiro pico endotérmico a temperatura inferior a 100 ºC, correspondente à libertação de água higroscópica, precede outros até próximo de 200 ºC durante o qual se dá a conti-nuação da libertação de água adsorvida. Os efeitos endotérmicos manifestam-se através de picos mais ou menos intensos na dependência da composição, respetivamente, mais ou menos ilítica das amostras. Não são percetíveis picos duplos, característicos da esmectite, devido aos teores vestigiais deste mine-ral. A perda de massa relacionada com a libertação da água higroscópica e adsorvida varia entre 0,76 % (amostra A2) e 3,35 % (amostra A8). Em todos os termogramas, é observável uma reação endotér-mica entre 294 ºC e 311 ºC, explicada pela desi-droxilação de hidróxidos de ferro que confirma os

elevados teores de ferro que estas argilas contêm. A perda de massa registada nesta reação, consideran-do a totalidade das amostras, não ultrapassa 0,5 %.Entre 496 – 508 ºC verificam-se picos endotérmi-cos correspondentes à reação de desidroxilação dos minerais argilosos. O comportamento termodife-rencial das amostras neste intervalo é influenciado pela relação do teor em ilite/mica e caulinite, com temperaturas mais elevadas e picos mais intensos nas amostras mais cauliníticas (Fig. 8B). As perdas de massa de 1,92 % (A3) a 3,25 % (A10), ocorren-tes entre 436 e 557 ºC e atribuídas à desidroxila-ção, confirmam as observações baseadas nas curvas termodiferenciais. Existe uma marcada correlação entre a caulinite e a ilite/mica e, as perdas de mas-sa verificadas naquele intervalo de temperatura.

Os picos endotérmicos verificados em todas as amostras entre 567 – 572 ºC, exceto em A8, relati-vo à transformação quartzo α→β, a 573 ºC, eviden-ciam o teor elevado de quartzo, na generalidade dos

Figura 6 - Curvas de distribuição granulométrica das amostras estudadas.Figure 6 - Cumulative grain size curves of the samples.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 121 a 140, 2015 129

Page 132: Geonovas Número 28

materiais em estudo. Não são percetíveis variações acentuadas nos termogramas diferencial e gravimé-tricos após a reação de transformação do quartzo.

A percentagem de perda total de massa entre 5,28 % (A13) e 10,62 % (A8), aumenta com o en-riquecimento em minerais argilosos e a redução di-mensional do grão, concordante com um material argiloso com baixa percentagem de elementos gros-seiros (> 63 µm). 5.3. Caracterização química

Nos resultados da análise química por FRX (tabela 1), os conteúdos de sílica (valor médio de 59,92 % ± 3,09) e alumina 19,08 % ± 1,49, re-fletem a relativa homogeneidade a nível mine-ralógico, nomeadamente o teor de quartzo e os teores de minerais argilosos e micáceos. Os va-lores mais elevados de Al

2O

3 ocorrem nas amos-

tras mais argilosas, em especial cauliníticas, caso do máximo observado na amostra A10 (22,2 %).A razão SiO

2/Al

2O

3 é em geral elevada (x

m = 3,16),

concordante com composições ricas em quart-zo e feldspatos e compatível com o tipo de argi-las em estudo (argilas comuns). Os teores de fer-ro total são elevados (min = 6,01 %; max = 8,25 %) e enquadrados nos valores expetáveis em argi-las comuns (x

m= 7,38 %). Admite-se que parte do

ferro se encontre sob a forma de óxidos e hidró-xidos amorfos e criptocristalinos, e na rede cris-

talina dos minerais argilosos, nomeadamente da ilite, montmorilonite, clorite, interestratificados e feldspato, já que não foram claramente identi-ficados minerais de ferro nos diagramas de DRX.Os teores reduzidos de CaO e MgO refletem a au-sência de minerais carbonatados, gesso ou talco. Os teores mais elevados de MgO estarão relacionados com a presença de pequenas quantidades de esmec-tite ou interestratificados deste grupo de minerais (amostra A14 e A4).

O K2O é o componente alcalino predominante,

devido à componente ilítica das amostras e aos teo-res frequentemente significativos de feldspato-K. Nos difratogramas não foi reconhecido rútilo ou anátase, devendo os valores de TiO

2 estar rela-

cionados com a estrutura cristalina da moscovite, caulinite e possivelmente, vestígios de rútilo asso-ciado ao quartzo. Os teores de titânio são próxi-mos de 1 % ou ligeiramente superiores, pelo que podem influir na cor da argila (Santos, 1975).Os valores da PR refletem a composição argi-losa e também os hidróxidos existentes. Ten-dem para valores inferiores nas amostras sili-ciosas e ilíticas e, aumentam quando a percen-tagem dos minerais argilosos, sobretudo cauli-nite, aumenta relativamente à dos não argilosos.

Os valores de pH (tabela 1) apresentam homoge-neidade elevada. O valor médio (x

m = 7,40 ± 0,24)

é ligeiramente superior ao normal em argilas ce-râmicas (em geral, 4 a 6), o que se explicará pela

Figura 7 - Diagrama ternário baseado nas características mineralógicas das amostras integrais estudadas:

Minerais não argilosos / Caulinite / Ilite + interestratificados.

Figure 7 - Ternary diagram based on the mineralogical characteristics of the whole samples: non-clay minerals / kaolinite /

illite + interstratified clay minerals.

130 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

Page 133: Geonovas Número 28

presença de pequenas quantidades de sais solúveis.Os catiões dos elementos suscetíveis de troca na es-trutura dos minerais argilosos variam essa capaci-dade de troca, condicionando propriedades como a plasticidade e a viscosidade (Kirsch, 1968), pelo que se analisou a eventual influência do pH nas propriedades tecnológicas através das correlações verificadas. Para a correlação negativa verificada entre o pH e os limites de consistência e IP (r

pH-LL=

-0,61; r pH-LP

= -0,47; r pH-IP

= -0,67) poderá con-tribuir a maior quantidade relativa de caulinite, em que as forças de atração entre partículas provocam floculação quando o pH é baixo (Gori, 1994). Pelo

contrário, verifica-se correlação positiva entre pH e a Abs.

água às três temperaturas (0,41< r <0,56).

5.4. Propriedades e comportamento cerâmico5.4.1. Propriedades relacionadas com distribui-ção dimensional do grão, limites de consistência e plasticidade

As matérias-primas argilosas utilizadas na ce-râmica estrutural englobam uma vasta gama de distribuições dimensionais de grão, que têm uma particular influência nos processos de moldagem e secagem dos corpos cerâmicos, bem como nas suas

Figura 8 - Diagramas de ATD/ATG exemplificativos das amostras estudadas aquecidas até 1200 ºC (amostras A3 e A10).Figure 8 - ATD / ATG diagrams of the studied samples heated to 1200 °C (A3 and A10 samples).

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 121 a 140, 2015 131

Page 134: Geonovas Número 28

propriedades mecânicas após cozedura (Dondi et al., 1998). Projetaram-se os pesos das classes gra-nulométricas das amostras, consideradas no dia-grama de Winkler (1954), verificando-se que parte significativa das amostras cai fora dos campos de aplicabilidade definidos (Fig. 9). Da interpretação direta do diagrama deduz-se um défice, da gene-ralidade das amostras, simultaneamente em fra-ção argila e areia e que, a aplicação dos materiais representados em cerâmica de construção impli-caria, na sua maioria, lotação com outras argilas.

A facilidade de conformação das pastas, bem como a aptidão destas à extrusão, são também fatores fundamentais para a caracterização cerâmica. Nes-

te sentido, o IP é frequentemente utilizado como guia indicativo para o conhecimento da trabalha-bilidade e extrudabilidade dos materiais argilosos.

Na tabela 1 figuram os limites de consistência de Atterberg e os índices de plasticidade das amostras estudadas. As amostras foram projetadas no diagra-ma de trabalhabilidade de argilas (Bain & Highley, 1978) verificando-se que a generalidade das amos-tras terá uma trabalhabilidade aceitável (fig. 10). A amostra A8 apresenta limite de plasticidade acima do campo de trabalhabilidade aceitável e a que cor-responderá uma retração crescente, o que se verifica (tabela 1). As amostras foram também projetadas no diagrama de Casagrande (1932) com os campos de-

Figura 9 - Diagrama de Winkler (1954) com a classi-ficação tecnológica de matérias-primas para cerâmi-

ca estrutural: 1- tijolo maciço; 2- tijolo furado; 3- telha; 4- tijoleira.

Figure 9 - Winkler diagram (1954) for the technological classifi-cation of bodies for structural clay products: 1- solid bricks; 2- ver-

tically perforated bricks; 3- roofing tiles; 4- thin-walled hollow bricks.

Figura 10 - Diagrama de trabalhabilidade de argilas adaptado de Bain & Highley (1978): aceitável (retângulo maior) e ótima

(retângulo interno).Figure 10 - Clay workability chart (after Bain and Highley, 1979): acceptable

(large rectangle) and optimum (inner rectangle).

132 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

Figura 11 - Diagrama de Casagrande com os domínios relativos à extrusão de matérias-pri-mas cerâmicas segundo Gippini (1969): A-óti-mo, B-satisfatório; a linha a corresponde a uma fronteira empírica que separa as argilas in-orgânicas (acima da linha) dos siltes inorgânicos e solos orgânicos; a linha b faz a separação entre

os materiais com baixa e elevada plasticidade.Figure 11 - Casagrande diagram with domains regard-ing the extrusion of ceramic raw materials according Gippi-ni (1969): the great, B-satisfactory; the line corresponds to an empirical border separating the inorganic clays (above the line) of silts, inorganic and organic soils; the line b makes the

separation of the materials with low and high plasticity

Page 135: Geonovas Número 28

finidos por Gippini (1969). Verifica-se que a gran-de maioria das amostras se situa abaixo da linha a e no campo da extrusão ótima e satisfatória (Fig. 11). 5.4.2. Resistência mecânica à flexão e retração linear após secagem

Admite-se que os fatores mais determinantes nos valores da RMF sejam a natureza mineralógica, tamanho relativo dos grãos e o consequente empa-cotamento. Relativamente à RMF em seco (tabela 1), os valores calculados são moderados (x

m = 31 ±

9 kg/cm2). Os valores mais baixos da RMF corres-pondem preferencialmente às amostras mais are-nosas (A2 e A3, tabela 1).

De acordo com Santos (1975), a RMF em seco (valor médio = 31 kg/cm2) satisfaz os valores míni-mos exigidos para o fabrico de tijolo (RMF

seco > 15

kg/cm2) e em parte das amostras os exigidos para o fabrico de telha (RMF

seco > 30 kg/cm2). Os valores

obtidos não satisfazem no entanto, os mínimos de referência mencionados por Martins (2007, tabela 2).

A retração que um corpo argiloso sofre, quer após secagem, quer após cozedura, depende sobretudo da mineralogia e distribuição granulométrica, sendo normalmente superior quando as argilas são mais plásticas e apresentam maior quantidade de partículas de dimensão coloidal. No conjunto, os valores de Ret.

v/s das amostras são moderados a altos

(xm=8 ± 2 %) e ligeiramente superiores aos valores

de referência em Martins (2007, tabela 2). Os valores mais elevados deste parâmetro podem estar relacionados, com a maior quantidade de minerais argilosos, principalmente ilite, dado esmectite e interestratificados serem negligenciáveis ou muito pouco significativos. Importa referir que os valores obtidos para a RMF em seco têm de ser considerados

subestimados, pois os provetes ensaiados foram extrudidos num aparelho sem dispositivo de vácuo. Este condicionamento também se reflete na obtenção de valores mais elevados da retração linear, embora a sobrestimação dos valores desta propriedade seja, relativamente à RMF, em geral, menos significativa.

5.4.3. Resistência mecânica à flexão, retração linear e capacidade de absorção de água após cozedura cerâmica (850 ºC, 950 ºC e 1050 ºC)

Os valores de RMF após cozeduras cerâmicas da totalidade das amostras evidenciam heterogeneidade, ao contrário da registada para os valores de RMF em seco, onde as variações são menos significativas, para a mesma população. Os minerais argilosos têm uma importância crucial neste parâmetro, que se reflete particularmente através das correlações positivas RMF

950 – IP e RMF

1050 – IP.

Os valores obtidos para a RMF850

(xm

= 61 kg/cm2) satisfazem para algumas amostras (Tabe-la 1), os valores mínimos exigidos, segundo San-tos (1975), para o fabrico de tijolo (RMF

cozido >

55 kg/cm2, amostras A8, A9, A10 e A14) e até de telha (RMF

cozido > 65 kg/cm2, amostras A8, A9,

A10 e A14). Esses valores de referência são ul-trapassados para a generalidade das amostras a 950 ºC (x

m = 127 kg/cm2), exceto amostra A13.

Após cozedura a 850 ºC verifica-se que os va-lores médios de retração seco-cozido são, em geral, baixos (x

m = 1 %), com incremen-

tos médios semelhantes (1 %) às temperatu-ras crescentes (950 ºC, 1050 ºC, tabela 1). As cozeduras cerâmicas dos materiais estudados pro-porcionam para as temperaturas ensaiadas, produtos finais com porosidade decrescente, com médias de Abs.

água, entre 15,6 % (850 ºC) e 12,6 % (1050 ºC).

Tabela 2 - Valores de referência em pastas

cerâmicas para o fabrico de tijolo, abobadilha

e telha (Martins, 2007).

Table 2-ceramic paste Reference Values for the manufacture

of bricks, blocks, and tile (Martins, 2007).

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 121 a 140, 2015 133

Page 136: Geonovas Número 28

Os valores observados devem-se, principalmente, às suas características granulométricas, frequen-temente com baixa percentagem de fração argila. A diminuição da Abs.

água a temperaturas crescentes

é também influenciada pela presença significativa de minerais de ferro “amorfos” que atuando como fundentes contribuem para a vitrificação. No do-mínio da cerâmica de construção, considerando os valores médios obtidos para esta propriedade, os materiais ensaiados têm aptidão para produzir tijolo e abobadilha necessitando, na generalidade, de ser lotados com outras argilas para o fabrico de telha ou outros produtos cerâmicos mais nobres. Analisando comparativamente o comportamento das amostras, relativamente à RMF, Ret.

tot e Abs.

água, às temperaturas de cozedura ensaiadas, verifi-

ca-se (Fig. 12):A RMF tem um incremento diferenciado, de 100 ºC (seco) a 1050 ºC. Até 850 ºC, constatou-se que a maioria das amostras tem variação reduzida de RMF, indicando que a esta temperatura, a fase vítrea formada é

ainda incipiente, tendendo depois a ter forte aumento a 950 ºC e a 1050 ºC. Por outro lado, nas amostras onde o aumento de RMF foi mais pronunciado ocorre no intervalo 850 a 950 ºC (A3 e A6), com variação menos relevante entre 950 e 1050 ºC, existiria já a 950 ºC, uma fase vítrea importante.A retração seco-cozido manifesta um incre-mento ligeiramente superior no intervalo 850-950 ºC, devido à maior influência da desidroxilação de hidróxidos de ferro e mi-nerais argilosos.A redução de Abs.água tende a apresentar in-crementos contínuos entre 850 e 1050 ºC, traduzindo a formação de vidro e da muli-te (esta geralmente a temperatura superior a 1000 ºC), com preenchimento de vazios. Tal como para os ensaios realizados após se-cagem, também após cozeduras os valores obtidos têm de ser considerados subestima-dos no caso da RMF e sobrestimados para a retração linear e Abs.água. A maior probabi-lidade de ocorrência de heterogeneidades na

Figura 12 - Propriedades cerâmicas após cozedura das amostras na região de Torres Vedras – Bombarral. a) RMF, b) Ret.

tot, c) Abs.

água

Figure 12 - Ceramic properties of the samples after firing. a) Bending strength (RMF), b) Total shrinkage (Ret.tot

), c) Water absorption (Abs.water

).

134 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

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Page 137: Geonovas Número 28

extrusão e conformação poderá contribuir também para a variação elevada, particular-mente na RMF. Considerando que às vezes a diferença de valores obtida segundo os dois métodos se aproxima de 50 % e que os va-lores obtidos são geralmente satisfatórios, as argilas ensaiadas podem considerar-se no conjunto, como argilas de qualidade para cerâmica de construção.

5.5. Cartografia dos recursos argilosos

A cartografia geológica dos níveis argilosos da região teve como objetivo a representação dos re-cursos observados e inferidos. As características li-tológicas textura, mineralogia e cor constituíram o principal critério para a definição das litótopos re-presentados, tendo em consideração as unidades li-tostratigráficas, cujos limites geológicos se adapta-ram ao critério cartográfico seguido neste trabalho.

Também a investigação laboratorial forneceu in-dicações composicionais quanto aos níveis argilosos identificados, contribuindo para a aferição da se-quência cartografada. Maximizou-se a informação existente representada no mapa, delimitando, áreas de ocorrência provável de recursos em argilas, não aflorantes, mas com elevada probabilidade de exis-tirem a profundidades de exploração economica-

mente viáveis (< 10 m, dependendo da topografia). Estas áreas definiram-se por: correlação estratigrá-fica de afloramentos assinalados ou não assinalados (por ausência de expressão cartográfica), sondagens (Lusoceram) e, informação indireta, local (Fig. 13).

Os litótopos cartografados compreendem depó-sitos siliciclásticos e argilosos, ocorrentes em níveis ou camadas, organizados em cinco unidades infor-mais:

Depósitos aluvionares – depósitos fluviais recentes, constituídos por lodos siltosos e cascalheiras, na base; encontram-se relacio-nados com as principais linhas de água (rios Grande, Corga, Real e Alcabrichel), poden-do atingir cerca de 20 m de espessura (Ma-nuppella et al., 1999);Areias e cascalheiras – englobam corpos sedimentares predominantemente arenosos acastanhados a amarelados, apresentando às vezes níveis com conchas, e cascalheiras. Integram os depósitos do Plio-Plistocénico e Plistocénico, onde se incluem terraços flu-viais;Arenitos e conglomerados avermelhados – arenitos finos a grosseiros e conglomera-dos, com matriz argilosa e cor predominante avermelhada. Podem ocorrer intercalações

Figura 13 - Extrato do Mapa Li-tológico e de Recursos Argilosos da Região de Torres Vedras – Bombarral, na zona de Outeiro da Cabeça ilustrando uma área de

ocorrência de argila sub-superficial a

profundidade inferior a 10m.Figure 13 - Extract of the lithology and clay resources map in the region of Torres Ve-dras - Bombarral, illustrating an area

of occurrence of subsurface clay depth < 10 m, at Outeiro da Cabeça area.

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 121 a 140, 2015 135

Page 138: Geonovas Número 28

lenticulares de siltes e argilas com diferen-tes tonalidades, mas sem potencial cerâmi-co devido à limitada continuidade lateral e/ou vertical. Correspondem a fácies grossei-ras da Formação de Lourinhã e da Formação de Serreira, constituindo recurso geológico com potencial para agregados para constru-ção civil;Argilas – este litótipo corresponde aos cor-pos argilosos, com representação cartográfi-ca. Integram as fácies argilosas da Formação de Lourinhã e Formação de Serreira. Nas ar-gilas destaca-se a sua tipologia, discutida no ponto 5.6;Arenitos e conglomerados de cores cla-ras – esta litofácies integra arenitos finos a grosseiros predominantes, feldspáticos, de cor dominante branca, amarelada a acin-zentada, às vezes com laivos ferruginosos e com algumas intercalações de argilas areno-sas pouco espessas, com calhaus dispersos,

também de cores claras e níveis conglomerá-ticos. Este litótipo compreende as unidades litostratigráficas do Grupo de Torres Vedras. As argilas que o integram não têm aptidão para cerâmica de construção, mas os areni-tos cauliníferos têm potencial em caulino e eventualmente para grés. Destaca-se também o potencial dos arenitos, em agregados para construção civil.

A cartografia efetuada teve como resultado um mapa de recursos em argila da região Bombarral – Torres Vedras (escala 1:50000), que constitui tam-bém uma carta previsora de potencialidade (Fig. 14).

5.6. Tipologia

No mapa de recursos argilosos elaborado figuram as colunas tipológicas dos perfis elaborados onde se efetuou amostragem (Fig. 15). A coluna tipológica corresponde a um conceito mais abrangente que a coluna litostratigráfica ou a litológica, já que além

Figura 14 - Representação do mapa de recursos em argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral (ver fig. 15).

Figure 14 - Representation of the common clays resource map in the Torres Vedras - Bombarral region (see Fig. 15).

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136 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

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de identificar as litofácies, define-as em função das suas afinidades mineralógicas e tecnológicas (Car-valho et al., 1999, 2000; Lisboa, 2009; Lisboa et al., 2013). Os corpos argilosos nas áreas de exploração têm geralmente espessura entre 5 – 10 m. As argi-las caracterizam-se mineralogicamente, por serem caulinítico-quartzo-ilíticas, silto-argilosas, apre-sentando teor significativo de óxidos de ferro nos minerais não argilosos. A fração silte é dominante, sendo a fração areia a mais variável. Quanto à tec-nologia dos materiais, a plasticidade é geralmente média a elevada (12,5 < IP < 26,6 %); após coze-dura a 950 ºC, as propriedades tecnológicas atin-gem em geral, valores satisfatórios para cerâmicos de construção, fato mais evidente na RMF, con-sequência nomeadamente do grau de vitrificação atingido. A tipologia que apresentam aponta para uma utilização no sector do tijolo e abobadilha e também da telha, ainda que necessitando correção. A observação das colunas tipológicas, não permite tirar ilações relativamente a tendências composi-cionais ou tecnológicas das argilas, nomeadamen-te em termos geográficos. Nos perfis, os níveis de argila apresentam relativa homogeneidade, embora localmente na sequência sedimentar, se observe di-ferenciação nos corpos argilosos. Nas áreas de Ou-teiro do Barro e Outeiro da Cabeça, distinguem-

-se duas camadas ou níveis argilosos separados por uma camada arenítica e conglomerática (Fig. 15A).

Nível argiloso superior – argilas vermelhas com laivos esbranquiçados, às vezes siltosas e com níveis areníticos. Nível argiloso inferior – argila cinzenta es-verdeada, siltosa, micácea, passando a argila avermelhada na base e nível arenítico. Esta diferenciação é também manifesta nas ca-racterísticas cerâmicas das argilas (RMF, IP, Abs.

água), revelando melhor aptidão, o nível

argiloso inferior. 5.7. Estimativa de recursos

A reduzida expressão dos afloramentos argi-losos em grande parte da área, explica as escassas manchas cartográficas de argilas assinaladas. Esta circunstância dificulta a estimativa de recursos de argila, formulada de acordo com a morfologia e geometria dos corpos argilosos. Através do pro-grama ArcMap do package ArcGis determinou-se a área dos afloramentos argilosos cartografados, mais as áreas de ocorrência provável de argilas não aflo-rantes, referidas em 5.5. Foram subtraídas as áreas já exploradas pelas cerâmicas. Para estimar o volu-me de argilas consideraram-se as espessuras médias dos níveis argilosos observadas nas áreas de ocor-

Figura 15 - Colunas tipológicas representativas de áreas com potencial reconhecido em argilas na região de Torres Vedras – Bombarral.

Figure 15 - Typological columns representing areas with recognised potential in clay resources in the region of Torres Vedras -. Bombarral.

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rência dos afloramentos, que para o efeito foram divididos em sectores relativamente homogéneos quanto à referida espessura dos níveis argilosos.Estima-se um volume total mínimo de recursos ar-gilosos na área estudada da ordem de 125 Mm3 que correspondem a 250 Mt (densidade considerada = 2). O total de argilas até agora extraído nas zonas já exploradas (recuperadas ou não) e em explora-ção, embora elevado é pouco significativo ao nível global, dada a volumetria de recursos estimados.Em síntese, se considerarmos os valores atuais do consumo de matéria-prima nas unidades cerâmi-cas da área em estudo (90000 a 400000 t/ano e um total de cerca de 1 Mt), os recursos estimados permitem antever reservas efetivas, para muitas décadas de laboração, daí se comprovando a rele-vância dos recursos em argila vermelha na região de T. Vedras – Bombarral, a nível nacional. Além das áreas de afloramentos consideradas, não se exclui a possibilidade de existência de depósitos significativos, ainda não reconhecidos, especial-mente a norte de Campelos nas margens do rio Grande, onde se verificaram algumas ocorrências.

6. Conclusões

Os afloramentos de argilas comuns na região de Torres Vedras – Bombarral definem uma fai-xa segundo NE-SW, que abrange a parte superior da Formação da Lourinhã e a Formação de Ser-reira. Por este facto infere-se que os principais depósitos de argilas ocorrerão preferencialmen-te no topo da sequência do Titoniano. Verifica--se uma homogeneidade muito significativa nas características composicionais e propriedades da generalidade das argilas amostradas, diferen-ciando-se a argila colhida na área de Adão Lobo. Este facto sugere uma acentuada continuida-de lateral e vertical de fácies para os corpos ar-gilosos e, consequentemente, a mesma prove-niência, assim como ambiente de sedimentação.

A norte, na área da Adão Lobo, os processos que levaram à formação das argilas terão obedecido a di-ferentes condições sedimentares e/ou diagenéticas, como evidencia a presença de esmectite e clorite.Relativamente à aptidão cerâmica das argilas, as ca-racterísticas composicionais e tecnológicas avalia-

138 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

das indicam a aplicação na cerâmica de construção.

Estas matérias-primas apresentam geralmen-te deficiência em areia, a qual pode ser suprida através do aproveitamento dos níveis areníticos intercalares, sendo adequadas para o fabrico de tijolo, abobadilha, alvenaria em geral, e telha. A cartografia realizada é acompanhada por colu-nas tipológicas nas principais áreas de ocorrência conhecidas permitindo uma imediata perceção da tipologia das argilas ocorrentes e tem tam-bém como mais-valia a representação de man-chas de ocorrência sub-superficial de argilas.O volume calculado de recursos em argila (125 Mm3) constitui uma estimativa grosseira, no entanto, em-bora o montante de reservas correspondentes seja inferior, esse volume faz da região de Torres Ve-dras – Bombarral, uma das mais importantes para a indústria do barro vermelho, a nível nacional.

Agradecimentos

Aos revisores agradecemos as correções e sugestões apresentadas, que contribuíram para o aperfeiçoamen-to do trabalho.

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Biotecnologias para a exploração ambientalmente sustentável de recursos geológicos

A. J. S. C. Pereira1* & P. V. Morais2

1 CEMUC. Departamento de Ciências da Terra, Universidade de Coimbra - [email protected] CEMUC, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra - [email protected]

*autor correspondente: [email protected]

Resumo

Este trabalho apresenta algumas potencialidades da utilização da biotecnologia em mineração, em particular a que se refere à utilização de microrganismos como ferramentas para biolixiviação de minérios ou bioadsorção e biomineralização de metais em meio aquoso. Para o efeito discute-se um caso de estudo relativo ao uso de bactéria da espécie Rhodanobacter sp estirpe A2-61 no controlo do urânio em águas residuais geradas na antiga área mineira da Urgeiriça.

Palavras-chave: Geomicrobiologia, Exploração mineira, Urânio, Rhodanobacter sp. A2-61, Urgeiriça.

Abstract

The main goal of this study is to show the potential use of biotechnological approaches in mining, in particular those related to the use of microorganisms as tools for the bioleaching of ores or biosorption and biomineralization of metals in aqueous medium. A case study is discussed showing the use of a bacterial strain (Rhodanobacter sp strain A2-61) to the removal of uranium from waste water generated in the former mining area of Urgeiriça.

Key words: Geomicrobiology, Exploitation, Uranium, Rhodanobacter sp. A2-61, Urgeiriça .

Introdução

Os recursos naturais são vitais para o funcio-namento das sociedades humanas e o seu consu-mo aumenta proporcionalmente com o nível de desenvolvimento económico. Estima-se que nos últimos 30 anos o consumo dos recursos mine-rais, metais e combustíveis fósseis tenha aumen-tado cerca de 30 %, o que corresponde a quase 40000 milhões de toneladas/ano (FOE, 2014). Para se ter uma ideia da dimensão do volume em causa, e como analogia, refira-se que isto cor-responderá aproximadamente a 110 edifícios de dimensão equivalente ao Empire State de Nova York, assumindo uma massa de 365000 toneladas para cada um dos edifícios (Behrens et al., 2007).

Naturalmente, o consumo não é uniformemen-te distribuído por todos os países mas, pelo con-trário, fortemente centrado nos que apresentam melhores indicadores económicos. O espaço eu-

ropeu onde Portugal se insere é, pelo nível do seu desenvolvimento, um expressivo consumidor de recursos que, na sua maior parte, provêm de outros continentes. O baixo custo destas matérias-primas no passado recente bem como a crescente preocu-pação ambiental dos cidadãos europeus, conduziu a progressiva redução na produção interna na maior parte dos países da União Europeia e, concomi-tantemente, a uma cada vez maior dependência de fontes externas de abastecimento de materiais vitais ao seu desenvolvimento.

A inversão da situação, com um aumento das cotações das matérias-primas no mercado interna-cional aliado à utilização das mesmas pelos países produtores para consumo interno e, por conse-quência, a uma redução acentuada na oferta, fez soar as campainhas de alarme nas instâncias eu-ropeias que tomaram, finalmente, consciência da situação de dependência externa de recursos essen-ciais ao seu funcionamento. Esta situação de de-

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pendência coloca a Europa numa posição frágil, ex-pondo-a à utilização dos recursos geológicos como arma geopolítica por alguns dos países produtores.

Para tentar reverter a situação descrita, as au-toridades europeias procuram agora impulsionar o retorno da indústria mineira, centrando esses incentivos em toda a cadeia de valor das matérias--primas, do reconhecimento e prospeção de recur-sos até à deposição final em aterro. Em paralelo, pretende-se que essas atividades sejam ambien-talmente sustentáveis, desiderato nem sempre fá-cil de atingir. Uma vez que existem cada vez mais preocupações ambientais a condicionar as decisões no espaço europeu estas questões podem, em úl-tima análise, constituir-se como um travão à ex-pansão da indústria mineira, se esta continuar a apostar apenas em tecnologias convencionais. Estas últimas têm a vantagem de estar já devida-mente consolidadas mas, em muitas situações, não conseguem responder na plenitude às limi-tações impostas pela actual legislação ambiental.

Uma forma de compatibilizar as necessidades da indústria mineira com as preocupações ambientais poderá passar pela utilização de técnicas com base na utilização de microrganismos como a seguir se dá conta com apresentação de um caso presentemen-te em estudo na antiga área mineira da Urgeiriça.

A geomicrobiologia como suporte ao desenvolvimento de novas tecnologias de exploração mineira

A geomicrobiologia é um campo de investiga-ção que tem vindo a crescer fortemente nos últi-mos anos tentando, como área interdisciplinar da ciência resultante da combinação de geologia e mi-crobiologia, estudar o papel dos microrganismos e processos microbianos em processos geológicos e geoquímicos e vice-versa. Esta área inclui a inves-tigação da ação dos microrganismos em ambientes tão diversos como os ambientes naturais extremó-filos (hostis à vida), quentes, salinos ou ácidos, ou ainda ambientes com contaminação de diferentes metais. As bactérias possuem uma diversidade de metabolismos que lhes permite tirar partido e viver em ambientes considerados adversos à vida. Devi-do a esta diversidade metabólica bacteriana, uma alternativa às tecnologias tradicionais de explora-ção mineira pode ser o uso de biotecnologias, em particular as técnicas que assentam na utilização de

bactérias, isoladamente ou em comunidades espe-cíficas. Para tal, seria necessária a criação de ferra-mentas compostas por bactérias capazes de lixiviar de forma selectiva os metais do minério, por um processo designado por biolixiviação ou biosolubi-lização. Outras estratégias biotecnológicas podem ser direcionadas para a extração seletiva dos metais de soluções por um processo passivo, independente de energia, conhecido como biossorção, ou atra-vés de um processo activo, dependente de energia, conhecido como bioacumulação (Ehrlich, 2006) (Fig. 1). Os microrganismos na sua actividade po-dem também mudar o estado de oxidação dos me-tais modificando a sua solubilidade. Os processos de biomineralização ocorrem quando os microrga-nismos promovem a reacção de substâncias como fosfato, ou cálcio, ou mesmo sulfato com os me-tais formando, por exemplo, carbonato de cálcio.

A lixiviação pode ocorrer em consequência da acção microbiana direta ou indireta. Os micror-ganismos envolvidos na biolixiviação têm normal-mente várias características em comum. Uma é a capacidade para produzir o ferro férrico e ácido sulfúrico, necessários para degradar os minerais e facilitar a recuperação dos metais. Acresce ainda a capacidade para crescer com base num metabolis-mo autotrófico, a tolerância ao ácido e a resistência ao(s) metal(ais) solubilizados (Rawlings, 2005).A biossorção descreve a absorção microbiana de es-pécies metálicas através de mecanismos físico-quí-micos. As espécies solúveis de metal são imobiliza-das pela célula microbiana através de mecanismos não metabólicos (Francisco et al, 2011). Contri-buem para esta adsorção os grupos funcionais dos biopolímeros da célula como por exemplo, os po-lissacarídeos da membrana ou mesmo as proteínas e o DNA. Os processos ativos microbianos mais importantes para a imobilização dos metais in-cluem a bioprecipitação e a biorredução-biooxida-ção dos metais. A bioprecipitação ocorre quando o metabolismo microbiano altera o microambiente à volta das células criando condições favoráveis para a precipitação de iões metálicos. A biorredução ocorre, por exemplo, em consequência da utiliza-ção dos iões metálicos oxidados como aceitadores de eletrões no final da cadeia respiratória em mi-crorganismos capazes de respirar anaerobiamente. No caso da biooxidação os iões metálicos reduzidos são utilizados pelos microrganismos como dado-res de eletrões em estratégias metabólicas de qui-

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Figura 1 - Ilustração dos processos de interacção entre os microorganismos e os metais.Figure 1 - Illustration of the interaction processes between microbes and metals.

miolitotrofia. Estes processos podem levar à bioa-cumulação dos metais no interior das células que passam a ter uma concentração maior do metal no seu interior quando comparada com o ambiente.

Todos estes mecanismos de interação entre os mi-crorganismos e os metais podem ser utilizados para desenvolvimento de tecnologias para (1) remoção de metais de efluentes industriais aquosos, (2) recu-peração de metais a partir de lixiviados aquosos de processos industriais, e (3) biorremediação de águas superficiais e águas subterrâneas contaminadas.

No caso da mineração, a utilização de micror-ganismos pretende a substituição dos agentes quí-micos por biológicos assegurando uma mineração ambientalmente mais sustentável em que os minei-ros tradicionais seriam substituídos por comunida-des bacterianas (biomineiros).

Caso de aplicação na área da biorremediação: uso de microrganismos no controlo de águas re-siduais na antiga área mineira da Urgeiriça

Caracterização da área mineira

A exploração desta mina, considerada em dada altura como um dos mais importantes jazigos da Europa, começou em 1913 e, incialmente, o obje-tivo era apenas a extracção de rádio. No início da década de cinquenta do século XX o enfoque da

exploração passou a ser o urânio tendo sido con-truída na mesma altura a oficina de tratamento químico (OTQ) com capacidade instalada para produção de 125 toneladas anuais de U

3O

8. A ex-

ploração, inicialmente por lavra subterrânea con-vencional, passou a efectuar-se, no início da década de setenta do século XX, por lixiviação estática in situ, técnica que foi abandonada em 1991. Os li-cores eram recolhidos nos pisos inferiores sen-do depois bombeados até à superfície, para obter o concentrado de urânio. Durante a operação da OTQ foram produzidas cerca de 4 400 toneladas de óxido de urânio, sendo 25 % a partir de miné-rios da própria mina e 75 % de minérios oriundos das outras 60 minas que foram exploradas em di-versos locais da região centro (Nero et al., 2003).

Os estéreis do tratamento mineiro eram en-viados, por bombagem, para duas barragens (ba-cias de rejeitados). Existiam ainda outras duas escombreiras de menores dimensões, associa-das a alguns dos poços de exploração (6 no total). A interacção entre as águas pluviais, a mina sub-terrânea e os depósitos de resíduos possibilitou a transferência de metais e radionuclídeos com con-sequente degradação da qualidade da água bem como o transporte dos contaminantes para o exte-rior da área mineira (Pereira et al., 2003; 2006).

Para minimizar estes impactes foi contruído um sistema de controlo das águas residuais para co-

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lecta, transporte e tratamento físico-químico em instalação adequada. Após esta fase a água passava por um tempo de residência em lagoas para indu-zir a sedimentação da matéria sólida (precipitados químicos e matéria detrítica) antes de ser devolvida ao ambiente. De acordo com o plano de requali-ficação ambiental da área mineira da Urgeiriça, a decorrer desde 2000 e da responsabilidade de em-presas do universo EDM, foram já recuperados os diversos depósitos de resíduos e reconstruído o sis-tema de controlo de águas residuais (DGEG-EDM, 2011). A mina subterrânea encontra-se, presen-temenrte, inundada tendo um ponto de descarga das águas subterrâneas no local do antigo poço 4.

Interacções entre bactérias e urânio

São poucos os ambientes que não conseguem ser colonizados pelas bactérias. O urânio não é considerado um elemento com elevada toxicidade química. No entanto, é um elemento radioativo, aliás, como os isótopos que se geram na extensa ca-deia de decaimento, o que exige das bactérias que colonizam ambientes onde ocorrem aqueles isó-topos capacidade de lidar com a radioatividade.

A interação entre os microrganismos e o urânio induz impacto na forma e na distribuição do mes-mo elemento no ambiente. As bactérias podem uti-lizá-lo como aceitador final de eletrões numa ca-deia respiratória tendo neste caso um metabolismo anaeróbio (Lovely & Phillips, 1992). Assim, o urâ-nio oxidado, na forma U (VI), presente no ambien-te, pode ser reduzido a U (IV). A modificação do estado de oxidação do urânio faz com que este ele-mento passe de altamente solúvel e móvel na forma oxidada para um estado muito menos solúvel quan-do na forma reduzida. Esta atividade dos microrga-nismos pode ser vista como ferramenta de biorre-mediação, por limitar a mobilidade efetiva do ião. Investigações recentes na área da Urgeiriça mostra-ram a presença de um número elevado de micror-ganismos nas águas residuais e em lamas do trata-mento químico destas mesmas águas, metabolica-mente ativos, capazes de interagir com urânio por diferentes mecanismos.

O número de bactérias cultiváveis recuperadas em meio de cultivo com 2 mM de U (VI) variou entre 1,0 x 102 e 2,8 x 103 bactérias por ml. Ain-da na Urgeiriça, num ambiente que recebe águas contaminadas do interior da mina, foram isoladas

70 estirpes bacterianas resistentes a urânio, en-tre elas uma bactéria, que pelo seu perfil de resis-tência foi estudada mais em pormenor, a estirpe Rhodanobacter A2-61 (Chung et al., 2014).

A estirpe de A2-61 mostrou ser resistente para além do U a alguns elementos como o As (na forma de arsenato e de arsenito), Cu, Sb e Zn . Segundo a análise filogenética com base no gene que codifica o RNA ribossómico 16S, esta estirpe está relacionada com as espécies do género Rhodanobacter, R. thiooxidans e R. denitrificans. A primeira estirpe foi isolada de biofil-me que se desenvolveu sobre partículas de enxofre, e a segunda do subsolo de um depósito de resíduos nucleares, onde os sedimentos estão contaminado com grandes quantidades de ácido, nitrato, radioi-sótopos metálicos e outros metais pesados (Fig. 2).A estirpe Rhodanobacter A2-61 em condições labora-toriais é capaz de remover cerca de 120 μM de U (VI), quando cultivada num meio com baixa con-centração de nutrientes, em condições aeróbias, na presença de 500 μM U. Esta estirpe é altamente inovadora por conseguir remover U (VI) em condi-ções aeróbias e acumulá-lo no interior da célula, na forma de nanopartículas de U reduzido (Sousa et al., 2013). Durante este processo de biomineralização a estirpe remove também do ambiente o elemen-to fosfato, ou seja na presença de U (VI), a estirpe remove fósforo do meio de cultivo e acumula-o na célula. Isso não acontece se a estirpe crescer na au-sência de U. O fósforo acumulado vai ser usado na estrutura em que a célula imobiliza urânio, criando um complexo U-fosfato. A caracterização enzimáti-ca da estirpe mostra a presença de enzimas com ati-vidade fosfatase as quais podem estar envolvidas na libertação do fosfato, que ligando U, permite pre-cipitá-lo no interior da célula. Nestas condições, forma-se um mineral semelhante a meta-autunite, com origem em processos biológicos (mineral bio-génico). No presente, os trabalhos prosseguem no sentido de verificar a possibilidade de construir uma estação piloto na Urgeiriça para remoção e imo-bilização do urânio presente na água com suporte em biofiltros colonizados pela bactéria estudada.

Agradecimentos

Os autores agradecem as facilidades concedidas pela Empresa de Desenvolvimento Mineiro. Ana Paula Chung, Tânia Sousa e Romeu Francisco participaram

144 Biotecnologias para a exploração ambientalmente sustentável de recursos geológicos

na obtenção de dados práticos.

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Figura 2 - A - Dendrograma filogenético com base na comparação das sequências do gene 16S rRNA de estirpes do género Rhodanobacter isoladas de A2 (Poço das Cobras) e todas as estirpes representantes do grupo filogenético. A árvore

foi criada usando o método de neighbor-joining. Os números na árvore indicam as percentagens de de bootstrap, derivados de 1000 repetições. Barra de escala, representa uma substituição de nucleótidos inferida por 100 nucleótidos.

B - Perfil de resistência a metais da estirpe Rhodanobacter A2-61, ao longo de 10 dias de incubação. Número de cruzes proporcionais à quantidade de material biológico produzido.

Figure 2 - A - Dendrogram based on phylogenetic comparison of sequences from the genus Rhodanobacter 16S rRNA gene isolated strains A2 (Snake Pit) all strains and representatives of the phylogenetic group. The tree was created using the neighbor-joining method. The numbers in the tree

indicates the percentage of bootstrap replicates derivatives 1000. Scale bar represents a nucleotide substitution inferred from nucleotide 100. B - Resistance profile of the metal strain Rhodanobacter A2-61 over 10 days of incubation. Number of crosses proportional to the amount of produced biological

material.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 141 a 146, 2015 145

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Page 149: Geonovas Número 28

Património mineiro da Serra de Arga - Minho

R. Alves1* & C. Leal Gomes1

1Centro de Investigação Geológica, Ordenamento e Valorização de Recursos, Departamento de Ciências da Terra, Escola de Ciências, Universidade do Minho

*autor correspondente: [email protected]

Resumo

A Região da Serra d’Arga apresenta grande diversidade litológica, de depósitos minerais e mineralizações metálicas (Au, Ag, Sn, Nb-Ta, W, Zn, Li), razão pela qual tem sido palco de vários ciclos de aproveitamento extractivo. Destes subsistem diversos vestígios mineiros na paisagem, na organização do território e na memória colectiva das comunidades. O fun-cionamento mineiro passado revelou ainda um importante património natural - geológico e, bem assim, se expressa num conjunto diversificado de vestígios classificáveis como património cultural e industrial mineiro.

Muito embora nesta região as evidências associadas ao aproveitamento de recursos minerais se reconheçam desde o Paleolítico, e ainda com grande incidência na época romana, este trabalho analisa vestígios relativos ao séc. XX, dos quais persistam referências documentais e testemunhos da vivência mineira.

No estudo usaram-se métodos multidisciplinares de análise, obtendo: 1) a discriminação de indícios de depósitos fi-lonianos explorados e da implantação das áreas intervencionadas e/ou do edificado; 2) a dispersão espacial de vestígios da actividade extractiva, segundo os principais períodos de intervenção (pela análise documental de arquivos e por inquérito sociológico). A sistemática efectuada e a organização segundo divisões geomineiras regionais permitiu deduzir, respecti-vamente, faixas e campos mineiros que sustentam uma adequada fundamentação para a avaliação do interesse patrimonial mineiro e geológico associado.

Palavras-chave: Região mineira da Serra d’Arga, Património mineiro, Sistemática das divisões geomineiras regionais, Faixas e Campos mineiros.

Abstract

The Serra d‘Arga Region is characterized by a great diversity of ore and industrial minerals deposits. The overall set of metallizations includes Au, Ag, Sn, Nb-Ta, W, Zn and Li. Owing to this metalliferous diversity and potentiality the region has been the target for several exploration cycles and mining activities since pre-historical times, which remnants are still very present not only in the traditions and cultural heritage of the local resident people, but also in a lot of material remarks, natural and antropic, and ancient sites where industrial mining heritage and some of its most peculiar remains and assets, are preserved.

Evidences of mining activities date from Paleolithic times. Afterwards they were strongly diversified, in what concerns the remarks of Roman activities and some post Medieval-Age thecnologies. However, the main goal of the present study is the mine exploitation occurred during de XX century. The approach fol-lows an analytical perspective dedicated to documental references of technical and administrative nature, which are remaining in state and private-companies archives and museums. The local people collective memoir was accessible through opinion survey, planned interviews and inquiries to ancient miners and some known old, still-living, members of the ancient mining population. The material assets remaining in site or preserved in museological context were also consid-ered and studied using analytical geology and mining archaeology procedures.

This multidisciplinary approach allowed: 1) the discrimination of the technological remains and geological exposures of the affected ore deposits as well as the systematics of the mining areas and its remaining edification remarks; 2) the description of space dispersion of the mining activities according to the main mining cycles (recognized in field after documental analysis and sociologic inquiries).

This systematics, and the study of the regional geological and mining organization, allowed the definition of geological corridors favorable to mineral exploitation and related mining fields, which sustain an adequate background for the evaluation of mining potentialities and the regional value of natural and industrial-archaeological heritage.

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Key words: Serra d’Arga Mining Region, Mining heritage, Regional geological systematic studies and geomining divisions, Geological corridors and Mining fields.

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1. Introdução

No Norte de Portugal as áreas mineiras con-cessionadas entre 1836 e 1992 ocupam um ter-ritório vasto, no qual se inclui a Região da Serra d’Arga, em extensão muito significativa. Desde o início do séc. XXI, algumas daquelas áreas vêm sendo alvo de programas de recuperação ambien-tal (DL n.º 198-A/2001) e, simultaneamente, de prospecção, pesquisa e exploração mineira. Em sobreposição espacial de interesses e programas de intervenção sobre esse espaço mineiro inclui-se ainda a inventariação, classificação e valorização do património, com vista a um adequado orde-namento das diferentes apetências territoriais.

Atendendo aos diplomas e disposições legais vi-gentes, a classificação patrimonial em espaço mi-neiro abrange tanto a componente cultural (edifí-cios, arquivos técnicos, valores imateriais), pela Lei n.º 107/2001, de 08/09/2001, como a compo-nente natural (objectos e locais com singularidade geológica - geomorfológica, paleontológica, mine-ralógica, petrológica, estratigráfica, tectónica, hi-drogeológica, pedológica - com reconhecido valor científico, educativo, estético e cultural), explicita-da no Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24/07/2008.

São várias as regiões mineiras com interesse pa-trimonial referíveis ao Norte do país. Destacam-se algumas pelos vestígios de mineração romana como: Jales, Tresminas (Vila Pouca de Aguiar); Penedo-no; Serra de Sta. Justa e Fojo das Pombas (Valongo) (Couto, 2002); Banjas (Gondomar-Paredes) (Car-valho & Veiga Ferreira, 1954); Latadas (Mirandela); Poço das Freitas (Boticas) Martins, 2005); Castro-mil (Paredes) (Lima et al., 2005). Outras regiões têm interesse patrimonial mineiro pela actividade económica e desenvolvimento social que evidencia-ram, sobretudo no decurso do séc. XX: Argozelo (Vimioso) (Brandão, 2002); Ervedosa (Vinhais) (Fernandes, 2008); Moncorvo (Custódio & Cam-pos, 2002); Pejão (Castelo de Paiva) (Vasconcelos da Rocha, 1997); Arouca (Vilar, 1998; Leal da Silva, 2011); Vale do Vouga (Águeda) (Vitorino, 2000).

À Região da Serra d’Arga estão dedicados di-versos trabalhos de investigação que a tornam um objecto bem referenciado tanto no que respeita ao conhecimento geológico, dos recursos base (Leal Gomes, 1986, 1994, 1995; Leal Gomes & Gas-

par, 1992, 1993; Dias & Leal Gomes, 2007; Dias, 2012), às formas de impacte ambiental associado ao espaço mineiro (Valente & Leal Gomes, 1998, 2001; Alves, 2007, 2014), como no que concer-ne ao património intrínseco (Lima & Leal Gomes, 1998). O próprio orónimo “Arga” pode ser atri-buído à derivação e conversão dos termos latino e arcaico, respectivamente aurea e aurega, que evi-denciam o aproveitamento, desde a antiguidade, de recursos auríferos nesta região, tal como tem sendo observado em diversos estudos dedicadas a lavras antigas (Cotelo Neiva & Chorot, 1945; Car-valho & Veiga Ferreira, 1954; Martins, 2008).

Neste trabalho atende-se ao interesse patrimo-nial, nas suas duas componentes - natural e cultu-ral -considerando objectos naturais expostos e in-dícios materiais (móveis e imóveis) e imateriais do funcionamento mineiro na Região da Serra d’Arga. As áreas de exploração em apreço dedicaram-se es-sencialmente aos metais Fe, Sn, W, Au/Ag, Nb-Ta e Ti, tendo muitas delas obtido alvará de concessão (cerca de 170 áreas), no período entre 1876 e 1968. Recorrendo a metodologias diversificadas, evi-denciaram-se, neste estudo, elementos de aná-lise sobre o passado mineiro d’Arga que fun-damentam o seu elevado interesse patrimonial.

2. Metodologia

O levantamento e análise documental dos pro-cessos mineiros reunidos nos Arquivos Históri-cos-Mineiros da DREN (Porto) e do LNEG (Al-fragide, Lisboa) aplicaram-se a todas as concessões atribuídas na Região Mineira d’Arga. Produziu-se uma base de dados com informação organizada em 3 grupos de apreciação:

Informação técnico-científica: “relatórios de reconhecimento de mina” (situação e acesso, geo-logia e jazigo, plano da lavra, demarcação topográfi-ca); “plano de lavra” (memória descritiva incluin-do as opções de preparação e traçagem do depósito, método de desmonte, transporte e extracção, ven-tilação e esgoto, entivação e iluminação, instalações mineiras, do pessoal e logística e orçamentos); plantas e cortes das oficinas de preparação e diagra-ma de tratamento mineralúrgico (plantas, cortes e alçados); cartografia mineira antiga (mapas de lo-

148 Património mineiro da Serra de Arga - Minho

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calização e demarcação mineira, plantas e cortes das áreas de desmonte; plantas de avanço dos trabalhos);

1) Informação jurídico-administrativa: re-gistos de manifesto mineiro; pedidos de concessão (provisória e definitiva, trans-missão e arrendamento); pedido de director técnico; elementos de caracterização do con-cessionário; ofícios, autos de visita, reclama-ções e inquéritos de averiguação;

2) Documentos de produção, fiscalidade e segurança: produção anual, guias de circu-lação de minério, acidentes de trabalho, for-mulários de seguros.

Concretamente, da informação técnico-cientí-fica, os elementos descritivos dos relatórios e ilus-trações em mapas referíveis a depósitos filonianos (atitude, possança e extensão) tiveram tratamento mais aprofundado. Os valores de direcção e incli-nação dos filões foram sujeitos a projecção e aná-lise estrutural aplicada. Foram ainda consultados, no que respeita à produção mineira do distrito de Viana do Castelo, os Mapas de Liquidação dos Im-postos de Minas, publicados na Série II dos Diários do Governo relativos ao período de 1918 a 1960.

Os elementos decorrentes do reconhecimento remoto do espaço mineiro, por Imagens Satélite (FlashEarth - Microsoft Coorp., 2009 ou Goolge Earth™, 2006), foram confrontados em itinerários de con-firmação, no terreno, e inventariados todos vestí-gios. Deste trabalho, resultou uma carta dos ves-tígios do funcionamento mineiro passado, aten-dendo à discriminação dos seguintes elementos:

1) Escavações: poços, trincheiras, sanjas, gale-rias, cortas a céu aberto, valas em placers;

2) Instalações: de transporte e rolagem (ca-minhos e estradões mineiros, guinchos, li-nhas de carris tipo “decauville”); edifícios de apoio (forja, carpintaria, serralharia, cen-tral eléctrica, armazém, paiol); edifícios de tratamento (oficinas manuais de separação hidrogravítica, oficinas mecânicas de sepa-ração e beneficiação, fornos de ustulação); armazenamento e conduta de água (tanques de acumulação e tanque de decantação de lamas, canais, açudes); edifícios de apoio social (casa da direcção, escritório, casa do guarda, casa da malta ou dormitório, canti-na, cozinha ou refeitório e sanitários);

3) Escombreiras: áreas de acumulados ou áreas de dispersão de resíduos; coberto ve-getal correspondente.

Segundo o modelo geral de inquérito sociológico (Pires de Lima, 1971), foram realizadas entrevistas a antigos trabalhadores mineiros da Região da Serra d’ Arga, de natureza semi-directiva, feita com base num guião (detalhado em Alves 2007, 2014). Os re-sultados da análise de conteúdo do conjunto das en-trevistas apoiaram (ou permitiram conciliar) a com-preensão da informação documental e a dispersão espacial de vestígios de actividade mineira passada.

3. Enquadramento geográfico e geológico

A Região da Serra d’Arga (enquanto unidade geográfica de apetência mineira) abrange os mu-nicípios de Ponte de Lima, Viana do Castelo, Ca-minha, Vila Nova de Cerveira e Paredes de Coura, no distrito de Viana do Castelo (Fig. 1). A sobre-posição e análise combinada de cartas topográfi-cas, geológicas, da hidrografia e ocupação do solo, com os polígonos correspondentes às antigas áreas de concessão mineira permitiu reconhecer os as-pectos mais singulares da Região Mineira no que respeita à geomorfologia, dispersão demográfica e mineira, dos depósitos minerais e dos lineamen-tos estruturais que lhe estão associados.

Os relevos mais importantes estão dispostos paralelamente à linha de costa e constituem uma barreira a ventos húmidos do Atlântico. Na figu-ra 1 sobressaem, a par das elevações com cumes por vezes aplanados, os vales encaixados com ver-tentes de forte declive. Os interflúvios, mal con-servados, reflectem um grande desgaste de anti-gas superfícies de aplanamento dado o encaixe da rede hidrográfica ao longo da fracturação. Esse relevo intermédio resulta da profunda alteração das rochas granitóides que permitiu a evolução de vertentes e a constituição de depressões fecha-das até se constituírem vales alargados com confi-guração em bacias alveolares (Freitas et al., 2015).

A modelação das encostas é marcada pelas forma-ções metamórficas mais coerentes – metapsamíticas – e por afloramentos filonianos aplito-pegmatíticos e quartzosos.Estes afloramentos originam a policro-mia, em tons claros, observada na paisagem serrana

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 147 a 181, 2015 149

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Figura 1 - Representação da Região Mineira da Serra d’ Arga. Bases cartográficas: Carta Topográfica de Portugal na escala 1:25000 (IGeoE, cf./d), Folhas: 6 (Vila Nova de Cerveira), 7 (S. Pedro da Torre - Valença), 14 (Caminha), 15 (Paredes de Coura), 27 (Vila Praia de Âncora), 28 (Ponte de Lima), 40 (Viana do Castelo), 41 (Geraz do Lima). Carta Geológica de Portugal, na escala 1:50000, Folhas: 1-C Caminha (Teixeira & Assunção, 1961) e 5-A Ponte de Barca (Teixeira et al., 1972) e na escala 1:200000, Folha 1 (Pereira et al., 1989). Carta Mineira de Portugal na escala 1:500000 (SIORMINP, LNEG, s/d). Modelo digital do terreno estabelecido com base na Carta Hipsométrica de Portugal, na escala 1: 1000000

(APA, s/d).Figure 1- Cartographic representation of the Serra d’Arga Mining Region. Portuguese Topographic Map (scale 1:25000), Sheets: 6, 7, 14, 15, 27, 28, 40 and 41 (IGeoE, cf./d). Portuguese Geological Map (scale 1:50000), Sheets: 1-C and 5-A (SGP, cf./d); (scale 1: 200000) Sheet 1. Portuguese

Mining Map (scale 1:500000) (SIORMINP, LNEG, s/d). Digital terrain model based on Hypsometric Map, scale 1: 1000000 (APA, s/d).

não vegetada. Sobre eles incidiram as principais actividades de mineração podendo observar-se áreas de dispersão de blocos desmontados e fragmenta-dos, zonas de escavação mineira e escombreiras.

As duas bacias hidrográficas principais corres-pondem ao Rio Minho (com o Rio Coura como afluente principal) e ao Rio Lima (com o Rio Es-torãos como afluente principal). O Rio Âncora de-fine uma bacia hidrográfica de menor importân-

cia cuja nascente se situa na cota mais alta da Serra d’Arga. De entre as bacias hidrográficas que mais influenciaram e foram influenciadas pelas activi-dades mineiras destaca-se a do Rio Lima. Este rio possui um leito largo, com um padrão de drenagem dendrítico muito condicionado pela neotectónica e magnitude de caudal elevada (Freitas et al., 2015).

As características geomorfológicas influenciam muito a aptidão agrícola e florestal da região (Fig. 2). Em vales e encostas menos inclinados situam-se as zonas com mais alta aptidão naqueles atributos as quais, por vezes, acompanham as áreas minei-ras. A distribuição dos assentamentos populacio-

nais actuais mais importantes está afastada das áreas mineiras, muito embora ao povoamento mais dis-perso, alguns núcleos pareçam desenvolver-se em torno de minas de referência, sobretudo para o Sn.

As vias de comunicação estruturantes (estradas nacionais e municipais) estabeleceram-se segun-do antigos traçados de utilização mineira, ligando principais jazigos e concessões (Fig. 2). A maior extensão de áreas com estatuto de protecção da na-

tureza na Região da Serra d’Arga não se sobrepõe aos perímetros mineiros, com excepção da zona das Argas a Santa Justa (Fig. 2). Na compartimen-tação tectono-estratigráfica geral da cadeia Varis-ca, a Região mineira da Serra d’Arga inclui-se no sector Galiza- Trás-os-Montes (terrenos situados a E do carreamento de Orbacém e a W do desliga-mento Vigo Régua), em que as rochas granitóides são atribuídas à estruturação da Zona Centro Ibé-rica (terrenos a W do carreamento de Orbacém).

Aos terrenos silúricos que afloram na região Dias (2012) atribuiu um cenário de rifting intra--continental, acompanhado de manifestações vul-

150 Património mineiro da Serra de Arga - Minho

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Figura 2 - Cartas de Uso do Solo: Aptidão Agrícola e Florestal, na escala 1:50000 (DRAEDM, 2012); Edifícios, na escala 1:25000 (IGeoE, cf./d), Estradas, na escala 1:10000 (EP&IGP, 2012) e Sítios Protegidos, na escala 1:25000

(ICNB, 2012).Figure 2 -Land use maps: Agricultural and forestry suitability, scale 1:50000 (DRAEDM, 2012); building distribution, scale 1:25000; roads, scale

1:10000 (EP&IGP, 2012); overlap between terrestrial Natura 2000 network and national designated sites, scale 1:25000 (ICNB, 2012).

cânicas e exalativas fortemente afectadas por pro-tometassomatismo alcalino, favoráveis à génese de pré-concentrações metalíferas de W, Au e Fe. Estas concentrações tanto ocorrem dispersas nas sequên-cias metavulcanosedimentares, como concentradas em níveis estratóides, com afinidade vulcanogé-nica mais marcada e com maior pré-concentrações metalíferas (Dias & Leal Gomes, 2007; Dias, 2012). As formações de referência (portadoras de minera-lização singenética, remobilizada ou não) incluem um conjunto de litologias exóticas (metavulcanitos félsicos, anfibolitos, turmalinitos, rochas calcos-silicatadas, liditos e xistos negros e rochas de apa-

rência gneissica, quartzo-feldspáticas), que podem ser encaradas como metalotectos. Alguns Autores referem-se a estas formações como camadas-guia ou bancadas de referência (Rocha Gomes, 1971; Leal Gomes, 1986, 1994). Os principais níveis mineralizados estarão associados à precipitação de sulfuretos (Bayer, 1969, cit por Rocha Gomes, 1985) e ocorrem com silicatos de Ca, Fe, Al e Mg, que podem assumir aspectos petrográficos similares a skarns “interestratificados” em metassedimentos (Dias, 2012). A discriminação de variedades litoló-gicas para os terrenos Silúricos (Dias & Leal Gomes, 2007 e Dias, 2012) e a identificação de anatomias

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 147 a 181, 2015 151

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fumarolianas litificadas (Leal Gomes et al., 2011) levaram à formulação da hipótese de pré-concen-tração SEDEX para os depósitos tungstíferos do domo de Covas, anteriormente atribuídas a uma génese, exclusiva, por metassomatismo de contacto (Coelho, 1993). É sobre esta mega-estrutura que se desenvolveu a mais intensa e sistemática activi-dade de prospecção (Rocha Gomes, 1985), a par da actividade mineira com maior expressão económica e industrial na Região Mineira da Serra d’ Arga.

Na evolução epigenética, os níveis mineralizados e as formações encaixantes foram submetidos a me-tamorfismo e deformação. Desta evolução persistem evidências bastante impressivas da actuação das fa-ses 2 e 3 Variscas (D2, D3), podendo relacionar-se com estas fases a remobilização metamórfico-me-tassomática das concentrações metalíferas prévias, associadas aos níveis anómalos da estratigrafia Silú-rica. São, por exemplo, veiculadores desta transfe-rência os processos de segregação metamórfica com fusão parcial incipiente que originaram, no decurso da fase D2 e interfase D2 - D3, produtos venulares pegmatóides de paragénese hiperaluminosa porta-dores de minérios de Ta, Nb, Ti e Sn (Dias, 2012). A instalação dos granitos de Santo Ovídio e de Arga é responsável por parte significativa da diversidade de corpos filonianos mineralizados, que resultam da fraccionação de magmas graníticos residuais e do metamorfismo/metassomatismo por eles originado.

Nesta filiação predominam depósitos de apli-to-pegmatito instalados em contexto exo-graní-tico, alguns fortemente diferenciados e enrique-cidos em metais raros, tais como o Sn, Nb e Ta, que determinam o carácter dominante das mine-ralizações. A especialização LCT - Li Cs e Ta - é tipomórfica dos aplito-pegmatitos mais evoluí-dos de Arga. No seu conjunto, integram o “cam-po aplito-pegmatítico” definido e descrito por Leal Gomes (1994), situado entre o carreamen-to de Orbacém (W) e o desligamento Vigo-Ré-gua (E), e intruem as formações metavulcanose-dimentares silúricas. Foi sobre estes corpos que se dirigiu o maior número de unidades de explo-ração mineira concessionada durante o séc. XX.

Nas fases finais de evolução da orogenia Varis-ca (tardi D3 a D4), geram-se estruturas de desli-gamento ou de cisalhamento transcorrente. Estas atingem os corpos mineralizados preexistentes e

manifestam reactivação polifásica e policíclica em sucessivos episódios deformacionais, constituindo locais de focagem de fluidos hidrotermais. Suge-rem, assim, concentrações elevadas de metais, re-mobilizados a partir das formações silúricas en-caixantes originando a cristalização de paragéneses complexas que incluem mineralizações diversas de Cu, Pb, W, Au, Ag, Bi (e, generalizadamente, Fe, As, Zn) em veios de preenchimento quartzoso (Leal Gomes & Gaspar 1992, 1993; Dias & Leal Gomes 2010 e Leal Gomes et al., 2011). Sobre estes corpos terá incidido a lavra romana mais conspícua, regis-tada em várias memórias descritivas dos “planos de lavra” dos concessionários que retomaram os depó-sitos, no início do séc. XX. Investigações arqueoló-gicas recentes, que atendem a vestígios mineiros de Au e Sn do séc. XX (Brochado de Almeida, 1996; Brochado, 2004; Martins, 2005; Carvalho, 2008) confirmaram a natureza destes indícios primitivos.

Os níveis e corpos mineralizados, constituí-dos no decurso da evolução primária já produti-va do ponto de vista metalífero, foram sujeitos a processos de erosão e meteorização, que vieram a produzir mobilizações detríticas, constituindo de-pósitos de tipo placer - eluvionares a aluvionares – possivelmente, desde o Terciário tardio. Nestes depósitos secundários detríticos incidiram, em grande númeno, trabalhos mineiros informais, em ciclos de retoma irregulares, não documenta-dos, ao longo do séc. XX. Mas também incidiram actividades concessionadas, complementadas, na maior parte dos casos, por uma lavra mais conse-quente sobre depósitos primários, sobretudo em fases preliminares ou no termo das explorações.

Na figura 3 ilustram-se os diferentes tipos de depósitos explorados na Região da Serra d’Ar-ga, adoptando ilustrações 3D conceptuais refe-renciadas por minas paradigmáticas: 1) Minérios de Fe em depósitos de tipo gossan em sequências metavulcanossedimentares (Senhor do Socorro, n.º 115); 2) Minérios de W em depósitos associa-dos com níveis calcossilicatados metassomáticos e exalativos de formações metavulcanossedimen-tares (Cerdeirinha, n.º 2947); 3) Minérios de Sn e Nb-Ta em aplito-pegmatíticos de tipo LCT com veios hidrotermais associados (Monteiro, n.º 1944; Dem, n.º 1172 e Balouca, s/n.º); 4) Miné-rios de W e Au em filões hidrotermal de zonas de

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Figura 3 - Esboço geológico da Região da Serra d’Arga. Simplificação da Folha 1, na escala 1:200000 (Pereira et al. 1989) e da revisão cartografia da Folha 1-C, na escala 1:50000 (Leal Gomes et al. 2008), (adapt. de Dias, 2012). Ilustração

tridimensional e conceptual dos depósitos-tipo explorados, referíveis às minas mais representativas de cada tipo (adapt. de Alves, 2014).

Figure 3 - Geological map of the Serra de Arga. Simplification from diferente suport maps: Pereira, et al., (1989) Sheet 1 (scale 1: 200000 ), and Leal Gomes, et al. (2008) reviewed propouse Sheet 1-C (scale 1: 50000) (adapt. from Dias, 2012). Three-dimensional illustrations represente

conceptual models for ore deposit types exploited in the most important old mines (adapt. from Alves, 2014).

cisalhamento (Castelhão, n.º 2241 e Cavalinho, n.º 2663); 5) Minérios de Sn, Nb-Ta, W e Au em depósitos de tipo placer (Cumieira, n.º 2137).

4. Actividade extractiva na região da Serra d’Arga4.1. Mineração pré-histórica e da Idade Antiga

A actividade extractiva nesta região remonta ao período pré-histórico, com vestígios atribuídos ao Paleolítico, as chamadas indústrias líticas. Estas de-pendiam da obtenção das matérias-primas, como quartzo, quartzito e quartzofilito, usadas como pe-dra lascada em bifaces, unifaces e triedros (Meireles &

Cunha Ribeiro, 1991-1992). Os trabalhos de Ser-pa-Pinto (1928) dedicados ao asturiense do Litoral minhoto (Estações de Moledo - Vila Praia de An-cora - Afife) referem vestígios de aproveitamento mineral no Neolítico. Também a este período já se atribui a utilização do cobre nativo através da mar-telagem, para produção de pequenos utensílios, incrementando-se a exploração mineira sobre o mesmo recurso na produção metalúrgica durante o Calcolítico e o Bronze Inicial (Jorge, 1990). Auto-res como Ferreira et al. (1999) referem o aprovei-tamento de minerais coloridos e preciosos – fos-fatos, especialmente as variedades de turquesa e

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variscite (na terminologia arqueológica designados de calaítes), entre outros minerais como moscovite, clorite e talco. A utilização do ouro também tem vestígios remotos na bacia do Rio Coura onde es-tão descritos achados arqueológicos de joalharia da Idade dos Metais (Armbruster & Parreira, 1993).

Para a época pré-romana, na área meridio-nal e ocidental do NW da Península Ibérica, está amplamente reconhecida uma região de “cul-tura castreja”, com muitos povoados (Martins, 1990), em alguns dos quais foram reconheci-dos vestígios de mineração pré-histórica e pro-to-romana (castrejas, suevas e visigóticas) no Alto Minho (Vianna, 1930; Silva & Silva, 1998).

Os vestígios de extracção e tratamentos rudi-mentares de fundição terão marcado o povoamento entre os rios Âncora e Neiva (Brochado, 2004), es-tando reconhecidos vários assentamentos popula-cionais dedicados à mineração, possivelmente para obtenção do Sn, abrangendo um período tardi-ro-mano a medieval precoce (séculos IV-IX). Carva-lho (2008) refere-se a um povoado proto-histó-rico num terraço fluvial na margem direita do Rio Lima, ocupando três plataformas “onde se dispersam ce-râmicas de fabrico indígena, tegulae, dolia, fragmentos de ânforas, mós manuais, imbríces, escória de fundição e algumas prisões de gado”. Segundo a Autora, este local fica situado no cruzamento de algumas vias secundárias romanas, a cerca de 9 km da Via XIX, o que fundamenta a lo-calização de um povoamento proto-histórico com objectivo mineiro na vertente Sul da Serra d’ Arga, vicus mineiro em Vila Mou, Ponte de Lima (idem).

As bacias dos rios Cávado, Lima e Minho têm sido objecto de aturado estudo sobre indícios de actividade mineira. Guerra (1900) já descreve ob-jectos, moedas e inscrições romanas em Meixedo, Vilar de Murteda, Tourim e Correlhã, em locais que no séc. XX foram alvo de concessão minei-ra para Sn. Não é raro que alguns dos vestígios de mineração na Antiguidade tenham sido detec-tados nos trabalhos de pesquisa e exploração mi-neira levada a cabo no séc. XX. Alguns, estão bem documentados (e ilustrados) nos “planos de lavra” das concessionárias ou nos relatórios da Circuns-crição Mineira do Norte (Lima, 2006; Martins, 2005; Alves, 2014). Por outro lado, estes indícios

terão representado pistas para acções de prospec-ção e pesquisa recentes e, bem assim, os próprios materiais reconhecidos entre escórias, desmontes e rejeitos, não raramente terão sido também alvo de exploração nas primeiras fases extractivas. Esta sobreposição de indícios mineiros da Antigui-dade e as intervenções verificadas no decorrer do séc. XX dificultam a atribuição de uma idade de-finida às galerias, trincheiras e poços mais antigos. 4.2. Mineração no Século XX

Os vestígios da actividade extractiva na Re-gião d’Arga que hoje se apresentam mais preser-vados correspondem à lavra decorrida no séc. XX, em períodos de boom (Avelãs Nunes, 2001-2002), também designados de períodos de rush mineiro (Leal da Silva, 2011) com múltiplos em-preendimentos, milhares de registos de manifes-to de descoberta, centenas de pedidos de conces-são e a mobilização generalizada de populações para centros de exploração - fenómeno mui-to comum em toda a região Norte de Portugal.

Até ao início do séc. XIX a exploração das riquezas minerais era um direito régio inalienável (Campos, 1957). Na década de 1830, com um regime liberal na administração mineira foram implementadas medidas com o intuito de reduzir a dependência e investimento do Estado e abrir a actividade ao em-preendimento privado, com expressão legal no De-creto de 13/08/1832 (Avelãs Nunes, 2001-2002). Este foi derrogado ainda na primeira metade do séc. XIX, sendo os recursos do subsolo estabeleci-dos, até hoje, como propriedade do Estado (idem).

Os diplomas legais que regulamentaram a admi-nistração mineira e, como tal, a sucessão de conces-sões atribuídas na Região d’Arga foram os seguin-tes: Lei de 31/12/1852 (apenas uma mina de Fe); Decreto de 30/08/1892 (cinco minas de W e Sn, W, Sn); Lei n.º 677 de 13/04/1917 (39 minas de W, Sn, Sn e Au; Sn e Ta, As e Sn, Sn e W); Decreto n.º 18713 de 01/08/1930 (125 minas de Sn, Sn e Au, W, Sn e Ta, Ta e Nb). Ainda entre a legislação com maior influência na concessão mineira, mas neste caso limitando-a, podem referir-se os diplomas: Portaria n.º 9.902 de 02/10/1941; Decreto-Lei n.º

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33707 de 12/06/1944 e Decreto-Lei n.º 35 445 de 03/01/1946 que respeitam exclusivamente aos sub-sectores do W e do Sn (Fig. 4). O primeiro condi-cionou o registo de explorações de W e Sn, decla-rando cativo para o Estado o território do Norte de Portugal. O diploma de 1944 decretou o bloqueio à exploração, transporte e comércio de minérios de W e Sn, e só em 1946 se decretou o seu desbloqueio.

A dependência da actividade mineira aos mer-cados associados a conflitos armados – Grande Guerra (1914 - 1918), II Guerra Mundial (1939 - 1945) e, posteriormente, a Guerra da Coreia (1950 – 1953), gerou instabilidade comercial e descon-trolo social, administrativo e fiscal. Todas as ocor-rências de W passaram, nestes períodos, a repre-sentar uma oportunidade de lavra e uma forma de riqueza em explorações legalizadas, ou não, o que levou à afluência de populações a fulcro mineiros, por mais remotos e inóspitos. Para contornar mo-ratórias estatais e bloqueios à concessão de minas de W e ao escoamento dos seus minérios, algumas empresas pediam concessão (ou averbamento) para as substâncias Nb e Ta, ao abrigo das quais se mas-carava a produção em W e Sn. Na Região da Serra d’ Arga esta foi uma estratégia recorrente, o que desencadeou posteriormente o reconhecimento efectivo da potencialidade de depósitos em miné-rios de Nb e Ta, a par do Sn (Cotelo Neiva, 1944, Soares Carneiro, 1971; Dias de Carvalho, 1986).

No início da década de 1950, após uma desvalori-zação abrupta nos mercados (Fig. 4), o deflagrar da Guerra da Coreia determinou a retoma generalizada das minas de W e Sn. Os anos de 1951/52 e 1955/56 registam picos de produção mundial de W a que se segue, novamente, um decréscimo em 1958 (Fig. 4). 4.2.1. Cronologia da concessão de minas

Em 1874 foi atribuída a primeira concessão mi-neira na região da Serra d’Arga, na vertente Sul, para minérios de Fe. Neste local, Carvalho (2008) descreve achados arqueológicos de cariz mineiro, atribuindo-os a lavra romana e pré-romana. No relatório de reconhecimento desta mina (Senhor do Socorro, Dossier n.º 115), revisto em Moura & Carvalho (1952), descrevem-se massas limoníti-

cas (muito impuras), dispersas, mas não se refe-re qualquer produção, sendo a mina abandonada um ano após a concessão, esta ainda por assina-tura real. Na década de 30 do séc. XX, para esta área um novo concessionário declarava produ-ção próxima de 10 toneladas de hematite (“com 52 % de Fe” Boletim de Minas, 1940). Este jazi-go representa o único registo conhecido nesta re-gião, associado ao modelo genético gossan ferrí-fero em sequências metavulcanossedimentares.

As primeiras concessões atribuídas no séc. XX inscrevem-se na zona de cisalhamento Argas-Cer-quido: Ribeiro do Salgueiro (n.º 609), Tapada e Gesteira (n.º 610), Cova dos Mouros (n.º 623) e, na vertente NE da Serra d’Arga. Esta zona de cisa-lhamento (Leal Gomes & Gaspar, 1992, 1993) aco-lhe veios de quartzo com sulfuretos, com minerali-zações de W, Zn, Pb, Au-Ag. Nesta altura, o W seria o principal alvo da exploração, mas algumas destas minas viriam, mais tarde, a registar produção de Sn, possivelmente obtido em zona de acumula-ção tipo placer nos terrenos planálticos onde aflo-ra a zona de cisalhamento, que também comporta mineralizações de Sn em pegmatitos graníticos.

Ainda nas primeiras décadas do séc. XX são con-cessionadas áreas situadas na vertente W da Serra d’Arga, de que é exemplo Costa das Minas (n.º 758), com produção declarada até à década de 50. Esta funcionou como sede de tratamento e entreposto de minérios das minas que viriam a surgir no vale do Rio Âncora a partir da década de 20. Posterior-mente, o designado couto mineiro do Vale do Ân-cora, que nunca chegou a ter existência legal como couto, centrava na Costa das Minas todas as áreas mineiras anexas, concessionadas a uma companhia inglesa “The Caminha Tin Mines & C.ª, Ltd.”. Pode mesmo dizer-se que, na vertente W da Serra teve prevalên-cia a administração mineira inglesa. Estas e outras concessões viriam a ser retomadas na década de 30 pelo concessionário “Armando Casimiro da Costa, Lda.”, um dos maiores empreendedores mineiros tanto da Serra d’ Arga, como de outras regiões do Norte de Portugal, entre as quais Arouca (Leal da Silva, 2011). Em 1919, ao mesmo concessionário foi atri-buído o primeiro couto mineiro na Região d’Ar-ga, o Couto Mineiro de Dem (CM n.º 6), situado

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Figura 4 - Produção mundial de W e Sn, entre 1900 e 2011 (USGS, 2012), sucessão dos quadros legais que regulamen-taram a exploração mineira ao longo do séc. XX e histograma do número de concessões mineiras atribuídas na Região da

Serra d’Arga, por ano e por substância (Mello Nogueira, Pinheiro & Garcia, 1962).Firgure 4 - W-Sn World production between 1900 - 2011 (USGS, 2012). Overview of legal frameworks in the 20th century and the mining concession

frequencies in Serra d’Arga Region, by year and substance (Mello Nogueira, Pinheiro & Garcia, 1962).

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na encosta NW da serra. Este couto incluía quatro concessões dedicadas ao Sn e W que foram poste-riormente, em 1937, transmitidas para a empresa, também inglesa, “Gold General Mining Developement, Ltd.” Dos cinco coutos mineiros concessionados na re-gião, quatro situavam-se na vertente W da Serra d’Arga, dedicados a Sn e Au, tendo sido adminis-trados por empresas inglesas em períodos distintos: Couto Mineiro de Gondar (CM n.º 24), de 1930; Couto Mineiro de Traz-Ancora (CM n.º 30), de 1938 e situado ao longo do Rio Âncora; Couto Mineiro da Aguieira (CM n.º 51), de 1952, com uma sede de tratamento mineralúrgico a SW da serra, localmente designada por “lavaria dos Verdes”.

A Sul da serra, no território correspondente às minas de Vila Mou e de Meixedo, desde os anos 20 do séc. XX, a actividade mineira esteve con-cessionada a uma companhia de capitais germâ-nicos, a “Companhia Mineira do Norte de Portugal, SARL”, dedicada a Sn e W e com produção assinalável.

A mina de Monteiro (n.º 1944), situada na ver-tente NE da Serra d’Arga, foi concessionada no final da década de 30 à “Compagnie Française des Mi-nes, SA”, que veio a controlar a mineração do Sn em toda a vertente oriental durante duas décadas. Esta mina era sede de tratamento e convergên-cia de minérios de Sn de uma dezena de peque-nas minas (com produção residual de Au, Nb-Ta).

Ainda nesta vertente Este da serra, aparecem nos anos 40 e 50 as primeiras concessões dedi-cadas a Nb e Ta, no planalto da Cumieira-Jun-queira e na serra do Formigoso, a Este de Arga.

A Norte, sobre os depósitos aluvionares com ín-dices de W e Au, do Rio Coura, a mineração in-formal, sem registos de produção ou concessão teve grande expressão. Só na década de 50 foram con-cessionados os depósitos tungstíferos do Domo de Covas, reunidos num couto já na década de 1960, Couto Mineiro de Valdarcas (CM n.º 58). Das dez minas incluídas no couto, a mina de Valdarcas (n.º 2944) era a sede de tratamento e manteve lavra activa subterrânea, até finais de 1984, tal como a mina da Cerdeirinha (n.º 2947), esta com lavra a céu-aberto. As concessões atribuídas na década de 60 do séc. XX na Serra d´Arga são, na sua maio-ria, retomas, por transmissão ou arrendamento de áreas que já tinham sido lavradas e concessio-nadas. Nesta altura surgem os pedidos de explora-

ção de minerais industriais e massas minerais, quer constituíssem resíduos das antigas minas (Azevedo 14; n.º 1658), quer fossem depósitos aplito-peg-matíticos (Bouça do Atalho, n.º 1526) ou ainda quartzosos (Bouça do Seixo Branco, n.º 3501). 4.2.2 Cronologia dos principais programas de prospecção

A partir de meados do séc. XX as acções de pros-pecção nesta região tiveram um desenvolvimento in-vulgar para o que era comum no contexto nacional. Com orientação do Serviço de Fomento Mineiro (SFM) foram levadas a cabo algumas das acções mais sistemáticas e bem documentadas tanto da cobertu-ra geofísica de média escala, como de geoquímica e, ainda, em mineralometria e registo de sondagens (La Cueva & Ramos, 1959; Barreto de Faria & Ribeiro, 1967; Rocha Gomes & Alvoeiro de Almeida, 1971).

Na vertente Norte da serra, a mega estrutura geológica sobre a qual lavrou o Couto Mineiro de Valdarcas, que passou a ser conhecida como Domo de Covas, foi então objecto de estudos dedicados à petrografia de minérios e rochas hospedeiras (Bayer,1968 cit. por Rocha Gomes, 1985), carto-grafia em pormenor (à escala 1:1000), no âmbito de um protocolo entre o estado português e a ex--Checoslováquia para o fornecimento de minérios (Janecka & Starnad, 1970 cit. por Rocha Gomes & Alvoeiro de Almeida, 1971). A par disto os resul-tados obtidos em campanhas de prospecção orien-tadas pelo SFM vieram a determinar a constituição da área cativa de Covas (Diário do Governo nº140, II Série de 18-07-1970, cit. por Rocha Gomes, 1985), captando o interesse de empresas estrangei-ras (Union Carbide e Serpa Mine - Cominco) que desenvolveram em Covas e nas áreas a SW e a Este novos programas de prospecção e pesquisa (idem).

O SFM e posteriormente o Instituto Geo-lógico e Mineiro (IGM) manteve programas de prospecção geofísica, geoquímica e mineralo-metria até finais da década de 80, sobre depó-sitos estratiformes de W relacionados com mas-sas de sulfuretos (Farinha & Rodrigues, 1988).

Na década de 1990, na vertente Este da ser-ra - faixa de Bouça do Abade – Arga de Cima - o IGM desenvolveu programas de prospecção geo-física, geoquímica e fotointerpretação, para pes-

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quisa de depósitos de metais preciosos (Farinha & Rodrigues, 1993). Na mesma área empresas do sector privado têm mantido programas diversifica-dos de prospecção, até à actualidade. A orientação da prospecção na Região da Serra d’ Arga, des-de o início de 1990 passou a considerar, de for-ma também sistemática, os depósitos de minerais industriais (quartzo, feldspato e minerais de Li), em resultado da identificação de novas ocorrên-cias minerais (ex. petalite), em depósitos até en-tão não trabalhados (Leal Gomes & Lopes Nunes, 1990; Leal Gomes, 1990). Deste tipo de jazigo, o único até agora explorado, desde 2012, situa-se a Este da Serra d’Arga, na encosta do Formigoso, declarando capacidade de produção até 50000 t/ano de materiais quartzo-feldspáticos, com mi-nerais de Li associados, essencialmente petalite.

Actualmente, a Região d’Arga está praticamente toda coberta por contractos para prospecção e pes-quisa e exploração experimental (conforme o Decre-to-Lei nº 88/90, de 16/03/1990) de metais explo-rados no passado e de materiais cerâmicos com Li. 5. Funcionamento mineiro passado – sistemáti-ca das divisões geomineiras regionais

Define-se aqui funcionamento mineiro passa-do como o conjunto das actividades mineiras re-conhecidas local ou documentalmente, referíveis às seguintes operações mineiras: prospecção e pes-quisa, traçagem, extracção, transporte, tratamento mineralúrgico e acondicionamento de resíduos. Consideram-se ainda as vivências sociais em tor-no da lavra mineira, nomeadamente os movimen-tos populares com relevo histórico local ou re-gional, a constituição e instalação de companhias e a sua relação com a comunidade e as entidades fiscais (Circunscrição Mineira do Norte, CMN) e de tutela (Direcção Geral de Minas, DGM). Na caracterização dos vestígios do funcionamento mineiro passado na Serra d’Arga atendeu-se ainda aos locais e objectos com interesse geológico associa-dos à lavra mineira, a saber: depósitos minerais; pa-ragéneses portadoras de mineralização útil; rochas hospedeiras; afloramentos de referência; acumu-lados estéreis e rejeitos de tratamento mineiro em escombreira ou dispersos segundo cursos de água. O tratamento destes elementos segundo uma siste-

mática de divisões geomineiras regionais permitiu a organização espacial de atributos de caris patrimo-nial, distinguindo a componente natural-geológica em faixas mineiras e a componente cultural-minei-ra em campos mineiros.

5.1. Discriminação de indícios e depósitos ex-plorados – faixas mineiras

Entre a documentação técnica exigida na cons-tituição de uma concessão mineira, foram selec-cionadas informações e ilustrações dos depósitos explorados, nomeadamente nos “mapas de demar-cação de perímetro de exploração” (escala 1:1000), referências de atitude, possança, paragénese e tex-tura dos minerais úteis na matriz, informações mais ou menos detalhadas nas “memórias descriti-vas” dos “planos de lavra” e nos “relatórios de avan-ço dos trabalhos”. Atendeu-se ainda, à implantação cartográfica de trabalhos de pesquisa e/ou extracção desenvolvidos até ao ano a que se referia cada mapa e relatório. Desta forma obtiveram-se dados espa-ciais e de caracterização dos depósitos explorados nas áreas concessionadas da Região da Serra d’Arga.

Estes dados de fonte documental foram confron-tados com informações de trabalhos científicos so-bre a distribuição espacial de depósitos, formações encaixantes, lineamentos regionais condicionado-res da implantação e evolução de corpos filonianos (Leal Gomes & Gaspar, 1992; Leal Gomes, 1994). Depois de uniformizada a indicação numérica da atitude dos filões, projectaram-se em estereogra-mas e os respectivos diagramas dos planos da atitude foram implantados sobre as áreas de concessão cor-respondente (fig. 5). No caso das concessões minei-ras com mais que um depósito, os planos de atitu-de dos filões foram reunidos no mesmo diagrama.

Reconheceu-se que na sua maioria, os filões explorados correspondem a corpos ou produtos litológicos associados ao sistema residual graní-tico d’Arga, concretamente ao campo pegmatítico descrito em Leal Gomes (1986, 1994). Segundo o Autor, a sua formação abrange os estádios: mag-mático, pegmatítico e metassomático originando conjuntos de pegmatitos com afinidade paragené-tica e estrutural e continuidade espacial, que a dis-tribuição dos estereogramas das atitudes dos filões parece corroborar (Fig. 6). As etapas de instalação

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do granito d’Arga foram escalonadas pelas fases de deformação Varisca em D2, D3 e D4. Aos eventos de deformação correspondem duas superfícies:

S2 dobrada e crenulada em D3 (com expressão em zonas de sombra entre maciços graníticos - superfície tendencialmente sub-horizontal a pouco inclinada);

S3 por transposição S2 → S3 (expressa em zonas de flanco relativamente ao maciço granítico d’Arga - superfície tendencialmente sub-vertical). Com base nas projecções estereográficas e na sua distribuição regional pode admitir-se que o padrão de distribuição dos filões explorados seguia a zona-lidade de deformação reconhecida para os flancos do maciço central da Serra, coincidente com zonas de intensidade variável da deformação atribuída à 3ª fase Varisca. Os filões instalados em estruturas desta fase ou estruturas de D2, eventualmente re-tomadas, apresentam morfologias que se podem sistematizar em quatro tipos, ilustrados na figura 6. Confrontando as características dos filões explo-rados com as condicionantes geológicas referidas,

foram deduzidas 7 faixas, representadas na figu-ra 7 e descritas na tabela 1. As faixas que incluem filões de maior possança e maiores teores decla-rados são: em F1 o pegmatito e filões de quartzo da mina de Cabanas (n.º 2339); em F2 o aplito e veios de quartzo associados da mina de Monteiro (n.º 1944); em F4 o aplito-pegmatito greiseniza-do da mina de Espantar (n.º 1668) e o aplito da mina de Cruz da Facha (n.º 3371) e em F7 os veios quartzosos em crack-seal e dilatacionais intra aplito--pegmatíticos da mina de Alto da Bouça das Freiras (n.º 2223), mina localmente designada de Verdes.A influência da remobilização de um stock metálico protolítico de génese vulcanossedimentar a exalativa sob os depósitos venulares hospedados nos terrenos com aquela assinatura genética é uma hipótese pro-posta por Dias (2012), que a sistemática de com-partimentação segundo faixas põe em evidência.

Todavia, nesta sistemática de faixas, não fo-ram incluídos os depósitos não filonianos, como os que estão associados a níveis calcossilicatados e exalativos das formações vulcanossedimentares. As

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Figura 5 – Distribuição de representações estereográficas dos depósitos filonianos explorados, o centro de cada estereograma corresponde ao centro da área de concessão mineira.

Figure 5 -Stereograms distribution map of filonian type deposits exploited at the Serra d’Arga Region -. The center of each stereogram coincides with the mining concession center (stereographic projection, lower hemisphere, Schmidt net).

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Tabela 1 – Sistemática dos depósitos filonianos da Região da Serra d’Arga, organizados por faixas mineiras (indicação dos filões mais importantes). Dados obtidos a partir da análise documental de “planos de lavra” e “relatórios de reconhecimento de mina” (respeitou-se a terminologia usada nos documentos técnicos; no caso de concessões com mais que um filão explorado, apenas se enuncia o filão mais trabalhado). SIMBOLOGIA: ANO – relativo ao registo do manifesto mineiro que levou à concessão; (*) Teores excepcionalmente altos em amostragens pontuais; (-) Valores não declarados; (CAS) Concentrados de cassiterite; (Au/Ag) Concentrados de ouro nativo ou electrum. DEPÓSITO-ALVO E/OU ESTRUTURAS VEICULADORAS: aplito (α), aplito-pegmatito (απ), pegmatito (π), greisen ou termo greisenizado (g), filão de quartzo

(qz); veios dilatacionais (vD), brechas (b), veios crack-seal (vCS).

Table 1 - Sistematics of the Serra d’Arga filonian-type deposit (only indicated the most important lodes) - regional divisions organized by mining corridors. Data source: “mining plans” and “mineral reconnaissance reports” (it was respected the original terminology). SYMBOLS: YEAR - mining manifest record; (*) Grade exceptionally high from specific sampling; (-) not declared; (CAS) cassiterite; (Au / Ag) native gold or electrum; ORE DEPOSIT AND/OR ASSOCIATED STRUCTERS: aplite (α), aplite-pegmatite (απ) pegmatite (π), greisen or related (g), quartz veins (qz); sheeted veins (vD), breccia

(b), crack-seal veins (vCS).

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minas de W que lavraram sobre esse tipo de depó-sito, alvo de importante empreendimento mineiro e de prospecção, desenvolveram-se na charneira do antiforme erodido - o Domo de Covas - que corresponde a uma mega-dobra mergulhante, for-mulada nas 2ª e 3ª fases Variscas com eixo maior WNW-ESE (Leal Gomes, 2010). As concentrações metálicas apresentam-se sob a forma de impregna-ções, em bancadas de reduzida possança, interes-tratificadas, desmembradas, verticalizadas pela 3ª fase Varisca e encaixadas em xistos andaluzíticos (Dias, 2012). Optou-se assim por assinalar este centro mineiro na figura 7, representado com uma elipse com eixo maior segundo direcção do eixo da mega-estrutura e centro na mina de Valdar-cas - sede do couto mineiro com o mesmo nome.

5.2. Dispersão de vestígios da actividade extracti-va - campos mineiros

Associados à informação sobre o depósito mi-neral, a que se atendeu na rúbrica anterior, e nos mesmos documentos técnicos das concessões, se-leccionaram-se dados relativos ao tipo de lavra pra-ticada (ou proposta) em cada mina. Genericamente distinguiram-se os tipos de lavra: 1) em aluvião; 2) mista (em aluvião e em trabalhos subterrâneos); 3) em trabalhos subterrâneos; 4) em desmontes a

céu aberto (fig. 8). Ressalva-se que, na maioria das concessões, a exploração de depósitos do tipo pla-cer se realizava em simultâneo, como complemen-to da produção a partir dos depósitos primários.

Para a maioria das áreas de concessão foram identificadas escavações mineiras através de ima-gens de satélite, o que facilitou a confirmação do tipo de lavra referida nos relatórios técnicos. Ain-da, nas áreas afastadas de assentamentos populacio-nais, menos vegetadas ou com incidência recente de incêndios, as imagens de satélite apoiaram a iden-tificação de edifícios e outras infra-estruturas rela-cionadas com a actividade extractiva, concessionada ou não. Desta forma, foi também possível detectar e caracterizar fulcros mineiros sem documentação ou qualquer registo técnico do tipo e extensão da lavra. 5.2.1. Das explorações não concessionadas

A actividade extractiva não concessionada na Re-gião Mineira d’Arga foi muito intensa e terá sido a mais marcante entre a memória colectiva das popu-lações alto-minhotas. Na figura 8 estão assinalados os locais mais vezes mencionados nas entrevistas que foram dirigidas a antigos mineiros (A-D). A proliferação e manutenção destas actividades coin-cidiu com os períodos de mais alta cotação, tanto do W como do Sn (Fig. 4, atrás). Como por exem-

Figura 6 – Sectores de intensidade de transposição S2 - S3 contrastante (propostos por Leal Gomes, 1994) (A) e relações geométricas entre os principais tipos de veios, relativamente à cronologia de implantação do granito de Arga, no decurso

da evolução do orógeno Varisco (B). Projecção de atitudes mais frequentes no hemisfério inferior, rede de Schmidt.Figure 6 - Stereograms of exploited deposits: distribution by sectors with different intensity of metamorphic transposition S2 - S3 (sectors proposed by Leal Gomes, 1994) (A) and geometric relationships between the main types of vein deposits, regarding the emplacement cronology during the Variscan orogeny.

(stereographic projection, lower hemisphere, Schmidt net).

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Figura 7 - Divisões geomineiras regionais (faixas mineiras deduzidas estruturalmente): Serra de Covas-Lousado-Formi-goso (F1); Vilarinho-Cabração-Seixalvo (F2); Argas-Cerquido-Sta Justa (F3); Dem-Pedrulhos-Espantar (F4); Costa das

Minas-Azevedo-Paradela (F5); Alto da Bouça da Breia-Folgadoiro-Campo da Corte (F6) e Amonde-“Verdes”- Corredouras (F7).

Figure 7 - Regional geological and mining divisions (organized in mining corridors): F1 – F7 (names considered above).

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plo, podem indicar-se: 1) em meados da década de 1920, a intensa actividade mineira nas encostas de Sta. Justa (Fig. 8D) para a exploração de vol-framite (e, subsidiariamente, cassiterite e ouro); 2) na década de 40 a volframite e uma ferberite peculiar – pseudomórfica, após scheelite - local-mente designada de “pião” foram intensamente exploradas no leito do Rio Coura (Fig. 8A), nos troços entre Covas e Vilar de Mouros e nos terre-nos marginais do rio; 3) no final da década de 20 e com retoma em meados da década de 30, e até inícios da década 40 a exploração de cassiterite foi muito intensa na área da Balouca e no curso su-perior do Rio Estorãos (Fig. 8C), bem como, na encosta setentrional da Serra d’Arga, nas minas do Dr. Gavinha (Fig. 8B), durante a década de 30.

Genericamente podem referir-se dois tipos de exploração não concessionada – com e sem en-quadramento legal. No primeiro caso tratava-se de acções decorrentes de um registo de manifesto

mineiro, trâmite introduzido na Lei de Minas de 1836 (Leal da Silva, 2013) e que se manteve nas leis de 1917 e de 1930, só derrogado na actual lei de minas (Decreto Lei n.º 90/90 de 16/03/1990) e certamente os que têm maior dispersão geográfica.

A posse de um registo de manifesto de desco-berta de uma ocorrência mineral, realizado na sede do município em causa, conferia ao manifes-tante (ou seu detentor legal) o direito de realizar pesquisas que podiam envolver os seguintes tra-balhos: galerias até 100 m de extensão; poços até 50 m de profundidade; sanjas ou cortaduras com 5 m de profundidade e furos de sonda até qual-quer profundidade (Art.º 30, III Cap. da Lei n.º 677 de 1917 e Art.º 18, III Cap. do Decreto n.º 18713 de 01/08/1930). À extensão permitida dos trabalhos de pesquisa poderiam corresponder di-versos vestígios mineiros reconhecíveis nas áreas indicadas na figura 8 (concretamente B e D). Um exemplo paradigmático, assinalado na toponí-

Figura 8 – Métodos de lavra aplicados nas concessões mineiras da Serra d’Arga, atribuição com base nos relatóri-os técnicos “planos de lavra” e “plantas e cortes dos tra-balhos” - exemplos reconhecidos em campo. Explorações a céu aberto: 1, Domo de Covas (minas de Cerdeirinha e Lapa Grande) e 2, Vila Mou (minas de Guilhufes e Rasas). Explorações subterrâneas com enchimento de vazios: 3, Argas – Cerquido (minas de Cavalinho a Cova dos Mouros); 4, câmaras e pilares de Corjães; 5, shrink-age-stopes de Escusa. Explorações subterrâneas com en-chimento parcial: 6, degraus invertidos de Sta. Justa; 7, talhadas horizontais de Monteiro; 8, talhadas horizontais de Cruz da Facha. Explorações subterrâneas com des-montes armados: 9, armações e revestimentos mistos de Mata de Vila Mou, Alto da Mina e Pinhais. NOTA: Áreas de exploração não concessionada: Rio Coura (A), “Minas do Doutor Gavinha” à Senhora das Neves (B), Balouca e vale do Rio Estorãos (C) e Santa Justa (D). Figure 8 - Mining methods in Serra d’Arga Region (identification ac-cording to technical reports) - examples recognized in the field. Mining open pit: 1, Covas Dome and 2, Vila Mou. Underground mining with-out backfill: 3, Argas - Cerquido; 4, Corjães room and pillars; 5, Escu-sa shrinkage-stopes. Underground mining with partial backfill: 6, Santa Justa rill-cut overhand stope; 7, Monteiro horizontal-cut overhand stope; 8, Cruz da Facha horizontal-cut overhand stope. Underground mining with timbering: 9, Mata de Vila Mou, Alto da Mina and Pinhais mix timber support (stulls, cribs). NOTE: Mining land without legal concession: Rio Coura (A), “ Dr. Gavinha Mines” to Senhora da Neves (B), Balouca and Estorãos River Valley (C) and Santa Justa (D).

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mia local, são as “Minas do Dr. Gavinha”, na ver-tente NW da Serra d’Arga (Fig. 8B). Relativamen-te a esta área e a outras no concelho de Caminha, para o período de 1876 a 1988, contabilizaram-se 416 registos de manifesto de diversas substâncias minerais e apenas a atribuição de 53 concessões mineiras (GEPPAV, 2013). Com estes dados pode dizer-se que apenas 12,7 % dos manifestos teriam motivado um pedido de concessão com o exigido “valor industrial” ou, que a relação entre registo de manifesto e concessão foi aproximadamente de 8 para1. A esta relação Leal da Silva (2013) designa de “produtividade do manifesto”, tendo o Autor conta-bilizado para a Região Mineira de Arouca, no pe-ríodo de 1853 a 1950, 866 registos de manifesto e 78 concessões mineiras, correspondendo a uma produtividade de 11:1 (registo de manifesto:conces-são). Esta informação pode traduzir um forte im-pulso pela descoberta do recuso mineral, promotor de grande mobilização social (Alves, 2013). Muito embora poucas iniciativas tenham desencadeado explorações concessionadas, os seus indícios si-nalizam a grande dispersão da actividade mineira.

O outro tipo de exploração não concessiona-da, sem registo documental assinalável, foi a lavra ilegal ou furtiva, localmente designada de “pilha”. Esta terá sido a mais marcante ao nível da memó-ria colectiva das comunidades próximas de fulcros mineiros – persistindo a recordação de façanhas e de figuras pitorescas dos mineiros da bonança e da desgraça. Estas explorações terão tido grande inci-dência na área A (para minérios de W e Au) e na área C (para minérios de Sn) indicadas na figura 8. No terreno, estas intervenções caracterizavam-se pela proliferação caótica de pequenos desmontes e acumulações de estéreis, hoje quase imperceptíveis. Iniciavam-se sobre índices superficiais (afloramen-tos filonianos e chapéus de ferro com mineraliza-ção-útil bem expressa e com elevada concentração), em depósitos detríticos aluvionares ou em cursos de

água de regime torrencial, com marmitas de gigan-te, cursos estes relativamente inacessíveis, onde a fiscalização não se faria sentir (Alves, 2014).

Em alguns relatórios de concessões mineiras, como da mina da Lapa Grande (n.º 2976), reco-nheceram-se indicações pontuais relativamente a este tipo de lavra (Fig. 9). Referia-se como esta comprometia o arranque das explorações conces-sionadas, dificultando a implementação de orien-tações técnicas.

5.2.2. Da exploração concessionada

A concessão mineira, tanto na legislação de 1917 (Lei n.º 677 de 13/04/1917) como na de 1930 (De-creto n.º 18713 de 01/08/1930), implicava, entre outros requisitos processuais, o registo de mani-festo de uma descoberta mineral e o período cor-respondente de pesquisa para certificar o “valor industrial do depósito” e um “plano de lavra” em conformidade com as características do depósito e do terreno onde ocorria. Consultou-se a “memó-ria descritiva” dos “planos de lavra” das concessões d’Arga, onde estão explicitadas as principais opções técnicas das várias fases da exploração mineira, que se procuraram sintetizar na tabela 2.

O reconhecimento de vestígios das explorações concessionadas beneficiou destas informações, fa-cultando o primeiro indício ou a confirmação da natureza dos vestígios mineiros. Os edifícios de tratamento e apoio à lavra e as escavações da fase de desmonte (tanto explorações subterrâneas como a céu aberto) são os vestígios mais conspícuos. Escavações mineiras documentadas – reconhe-cimento funcional e preservação de vestígios

Os depósitos filonianos pouco profundos, sub-horizontais e com maiores possanças, na sua maioria terão sido explorados a céu aberto. Como

Figura 9 – Exemplos de excertos onde se descrevem explorações do tipo “pilha”, incluídos no processo documental da concessão n.º 2976 - mina de volfrâ-

mio da Lapa Grande (1955-1992).Figure 9 - Description of the “pilha” (informal-illegal-popular mining) exploitation, documental extract from the tungsten mining reports, mining concession nº. 2976, named Lapa Grande Mine

(concessioned between 1955-1992).

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Tabela 2 – Técnicas, equipamentos e ferramentas utilizadas nas diferentes fases de exploração mineira na Região da Serra d’Arga. Dados obtidos a partir da análise documental de “planos de lavra” e “relatórios de reconhecimento de mina”

(respeitou-se a terminologia empregue nos documentos técnicos das minas que se indicam como exemplo).

Table 2 - Mining operations, methods and equipment used in. Data source: “mining plans” and “mineral reconnaissance reports” from the Serra d’Arga mines (it was respected the original terminology).

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vestígios exemplares podem referir-se em pegma-titos de tipo sill a mina de Escusa (n.º 2535) e a de Cruz da Facha (n.º 3371); em gossans, a mina de Senhor do Socorro (n.º 115) e em depósitos es-tratóides, associados a níveis calcossilicatados e de sulfuretos maciços, as minas do Domo de Covas, a primeira fase da mina de Valdarcas (n.º 2944), a mina da Cerdeirinha (n.º 2947) e a de Lapa Grande (n.º 2976). Embora os desmontes fos-sem descritos e ilustrados com avanços por meio de bancadas horizontais, este raramente se terá apli-cado. Os vestígios sugerem que a extracção con-junta de material mineralizado (minério bruto ou “tout-venant”) e rocha encaixante (de cobertura ou “overburden”) terá removido grandes volumes, sem criar patamares ou níveis de exploração, sendo o material por vezes transportado em galerias, situa-das na base dos céus abertos. Foi o caso da mina da Cerdeirinha com frentes de desmonte, bem preservadas, na encosta Norte da Serra d’Arga.Tanto a remoção, como a acumulação dos mate-riais de cobertura em zonas contíguas à exploração, representavam encargos elevados, muito negocia-dos com os proprietários limítrofes, terminando com a expropriação de terrenos – foi o caso das minas de Ribeira do Seixalvo (n.º 2236) e Mon-teiro (n.º 1944). Noutros casos, a exploração foi praticamente inviabilizada pela dificuldade de gerir a acumulação do material de cobertura re-mobilizado, como os mais diversos efluentes (la-mas, águas e fumo) que invadiam e penalizavam terrenos, culturas e cursos de água de serventia das populações. Estes eram problemas recorren-tes nas minas do Domo de Covas, de que se des-taca a mina da Cerdeirinha por estar particular-mente bem documentada e ilustrada (Fig. 10).

A exploração de depósitos de tipo placers, prati-cada em paralelo com a exploração dos depósitos primários, tinha geralmente carácter sazonal, em-pregando nessas alturas muitas pessoas, empregan-do técnicas de exploração muito rudimentares. O acesso ao depósito detrítico fazia-se com o arranque de parcelas de terreno, vulgarmente designadas de “talhões”, que se tratavam paralelamente em calei-ras ou engenhos móveis (sluices), os quais acompa-nhavam as frentes de avanço. Em depósitos aluvio-nares, drenados por cursos de água permanentes, o desmonte era feito em frentes contínuas, paralelas

e no sentido contrário aos cursos de água. Vestígios destas explorações podem ser reconhecidos na mina de Ribeiro do Salgueiro (n.º 609). A terra vegetal da cobertura era removida e depois recolocada so-bre os estéreis da lavagem, criando assim acumu-lados com características específicas da mineração e que ainda podem ser reconhecidos nas minas da Cumieira (n.º 2137) e Junqueiro (n.º 1602).

Na exploração subterrânea, as propostas apre-sentadas nos “planos de lavra” atendiam generica-mente a duas formas de desmonte: 1) em terrenos declivosos, segundo galerias em direcção no flanco de encosta, dividindo transversalmente o depósito por meio de chaminés (Castelhão, n.º2241 e Ser-ra de Sta. Justa, n.º 803); 2) em terrenos planos, segundo poços de extracção ou poço-mestre, a par-tir do qual se abriam galerias travessas e chaminés (Vilarinho 4, n.º 3091, Fonte do Cuco, n.º 2656). Estas formas de acesso – com poços e galerias – em muitas minas estão parcialmente preservadas. Estas tanto poderiam corresponder às fases de preparação e traçagem de depósitos, como às fases de extracção. Actualmente a função das escavações ou a identifi-cação da fase correspondente é difícil de atribuir dada o deficiente estado de preservação, muitas ga-lerias estão colapsadas e os poços vêm sendo soter-rados e preenchidos. Outrossim, a grande maioria de chaminés e galerias em direcção identificadas no terreno não correspondia às que se encontram pro-postas nos “planos de lavra” e projectadas nas plan-tas e cortes consultados nos processos mineiros. As fases de preparação e traçagem, as formas de acesso e a divisão do depósito correspondiam a uma exigência legal, para o “bom aproveitamento do jazigo e da indispensável e racional aplicação das regras da arte de minas” (Lei n.º 677 de 13/04/1917 e Decreto n.º 18713 de 01/08/1930). Apesar disso, os vestígios reconhe-cidos denunciam frequentemente lavra ambicio-sa, sobre o depósito e nas zonas com mais eleva-da concentração mineral. Este incumprimento do preceito legal, bem expresso em muitos vestígios mineiros, poderá atribuir-se à dimensão reduzi-da dos depósitos (atenda-se às possanças inferio-res a um metro, enunciadas na tabela 1, atrás), a uma concentração muito irregular da mineraliza-ção útil, à elevada fracturação dos terrenos e grande variação litológica das rochas encaixantes, ao cru-zamento de níveis freáticos e, ainda, à dificuldade

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Figura 10 – Ilustração fotográfica de época, apresentada no processo documental da concessão n.º 2947, Mina da Cerdeir-inha. Documento técnico designado: “Informação sobre a reclamação contra o pedido de concessão” (1954). Legenda conforme o original. “A - Rego (1) que conduz o efluente à saída duma lavaria, vendo-se grande extensão do monte baldio, sem qualquer arborização (2). B - Pormenor da fotografia 1. C - Rego (3) que conduz o mesmo efluente, recebendo águas escorridas de outro efluente (4), tudo no mesmo monte pelado (a outra vertente, cultivada e arborizada, nem interessa ao caso, nem está no perímetro florestal). D - Zona extrema da parte do baldio que interessa, vendo-se uma acentuada depressão (5), do mesmo modo nua, onde a concessionária tem soltado águas. No primeiro plano, o respectivo efluente”.Figure 10 - Photo illustration extract from the tungsten mine reports of mining concession nº. 2947, Cerdeirinha Mine (1954 - 1992). Technical report named “ Information about the complaint against the mining concession request “ (1954) Legend as the original. “A - ditch (1) leading the washery effluent, seeing large wasteland with no trees (2). B - ditch photographic detail. C – ditch (3) that conducts the same effluent, receiving another runoff effluent (4), all in the same wasteland; D - wasteland term that matters, seeing a marked depression (5) the same way with no trees, where the mining concessionaire has

unleashed residual waters, in the foreground,this refered effluent “.

no avanço por falta de meios técnicos e mecaniza-dos. Mesmo em depósitos maiores, a actividade era pouco regular, condicionada pela disponibilidade de água (para os trabalhos de avanço e o tratamen-to mineral), impondo explorações sazonais. Con-tudo, era a flutuação do preço dos minérios – es-sencialmente da cassiterite e da volframite - que mais influenciava a manutenção da lavra activa e a velocidade de avanço das frentes de desmonte.

Processamento e tratamento mineralúrgico do-cumentado – dispersão espacial de oficinas

Entre os vestígios mais importantes do trata-mento mineralúrgico de depósitos primários e pla-cers incluem-se edifícios correspondentes a oficinas ou lavarias, tanques, muros, armazéns e anexos (com diferentes graus de conservação). Também se incluem zonas de acumulação e/ou arrasto de ma-

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teriais (estéreis dos desmontes ou resíduos de trata-mento), assentamentos de terrenos para tratamento e canais ou regos escavados para condução de águas.

A selecção de zonas de tratamento de miné-rios dependia fundamentalmente da proximidade e acesso à zona de extracção de uma mina ou ao conjunto de minas que partilhavam uma mesma sede de tratamento, muito embora, factores como a proximidade aos cursos de água e o declive do terreno fossem também determinantes. Ainda, a proximidade a um centro de produção de energia e o acesso à rede eléctrica foram factores críticos na instalação e produtividade de oficinas de trata-mento mecanizadas. Note-se que a Região d’Arga era servida por uma unidade produtora de electri-cidade, a partir de uma mini-hídrica, instalada no início do séc. XX no Rio Coura, designada “Cen-tral de Covas”. As suas primeiras instalações foram entretanto desactivadas e encontram-se em estado devoluto, todavia representaram uma infra-estru-tura fundamental e decisiva no arranque e manu-tenção na actividade mineira passada desta região.

Pela consulta de plantas e cortes do edifício das la-varias e dos respectivos diagramas de tratamento, foi possível quantificar e localizar as oficinas que terão operado na Região da Serra d’Arga, cerca de meia centena (Fig. 11). Por comparação, reco-nheceram-se apenas 19 propostas de tratamento distintas, já que várias concessões apresentavam plantas e diagramas iguais, assinados pelo mesmo director técnico. Destas propostas distinguiram--se níveis de complexidade no tratamento, com diferentes equipamentos nos processos de frag-mentação, classificação e concentração. Em Alves (2014) são detalhados os vários equipamentos, agrupando as minas com diagrama similar. Aqui resumem-se apenas os processos de concentração que intervieram nas Lavarias da Serra d’Arga (Tab. 3) aproveitando as propriedades físicas e quími-cas dos minerais que permitiam a sua separação.

Nos diagramas de tratamento mais simples, asso-ciados a minas de depósitos filonianos aplito-peg-matíticos e de quartzo, os mecanismos eram ma-nuais nas várias operações: de fragmentação (mesas

Tabela 3 - Processos de concentração e propriedades intervenientes na separação de minérios das lavarias das concessões na Região da Serra d’ Arga. (Transformadora Industrial do Norte, Lda. – Preparação de Minérios, abreviada de TIN,

corresponde a uma separadora, sediada em Ponte de Lima)

Table 3 - Ore concentration methods and main differential properties (physical, physicochemical and chemical) applied in the mining plants or washeries of Serra d ‘Arga (with some exemples).

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de trituração, britadores e moinhos manuais) e de hidroconcentração (caleiras, mesas com manivela, de balanço ou oscilantes). Apenas 7 digramas apre-sentavam mesas (correspondendo a 15 lavarias), os restantes operavam apenas com caleiras. Nas opera-ções de classificação separavam-se geralmente três calibres (no intervalo de 50 até 1,2 mm) recorrendo a grades e crivos múltiplos, fixos ou móveis, vibro-classificadores, jigas ou buchas (estas designações variam nas várias memórias descritivas das lavarias).

Entre as lavarias que processaram aplito-peg-matitos destacam-se, pelos seus equipamentos bem preservados, a lavaria de Corzes (n.º 2194), a de Mata de Vila Mou (n.º 1486) e a de Monteiro (n.º 1944), designada no processo de concessão como “lavaria-piloto” e centro de tratamento de 10 ou-tras minas do mesmo concessionário. A título de exemplo, a lavaria de Monteiro, (construída em fi-nais da década de 1930), processava cerca de 6 t/h, em 6 mesas oscilantes, que viria a ser ampliada para

Figura 11 – Localização das concessões mineiras com oficinas de preparação e tratamento de minério ou lavarias, cada referência inclui a abreviatura do concessionário e do ano de atribuição da concessão (adapt. de Alves, 2014).

Figure 11 -Location map of mining concessions with ore mineral washeries or mining plants. References include abbreviated information above the mine, and the concession year award (adapt. Alves, 2014).

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8 mesas. O funcionamento era contínuo e o caudal de água necessário para o tratamento era 6 m3/h. Nos meses de estio, o processamento de minérios reduzia-se a metade, sendo apenas possível a la-boração durante 8 meses por ano. Apesar disto, as lamas e resíduos finos da lavaria causaram o asso-reamento do principal curso de água receptor dos efluentes - o Ribeiro do Salgueiro. Muito embora a concessionária tivesse construído infra-estrutu-ras de contenção dos materiais residuais finos ao longo daquela ribeira, estão documentadas várias reclamações populares contra o concessionário, se-gundo as quais o arrasto atingia o Rio Estorãos em distancias superiores a 7 km relativamente à lavaria. O material quartzo-feldspático arrastado acabou por assorear a Albufeira do Lourinhal, a 2,4 km a jusante da lavaria. Mais recentemente, foi estudada a viabilidade do aproveitamento para fins cerâmi-cos destes materiais, equacionando-se a reposição do volume de armazenamento da albufeira em cer-ca de 120000 m3 (Valente & Leal Gomes, 2001).

Os diagramas de tratamento mineralúrgico mais complexos referem-se às três lavarias que trataram materiais das minas do Domo de Covas – Valdar-cas, Lapa Grande e Cerdeirinha. Estes incluíam esquemas de fragmentação em vários ciclos, com equipamentos como britador de maxilas, granu-lador de rolos, moinhos de barras, discos, cilin-dros e bolas. A fragmentação era intercalada por operações de hidro-classificação, que admitiam vários intervalos de calibre e um maior nível de cominuição (até 0,02 mm). Eram empregues me-canismos de concentração onde se faziam intervir propriedades além da densidade, tais como a sus-ceptibilidade magnética, condutibilidade, adesão ao ar e à água (flutuação), dissolução em ácido. Segundo as memórias descritivas das lavarias da Cerdeirinha (datada de 1955) e da Lapa Gran-de (1955), as suas oficinas mecânicas, designadas de oficinas-piloto, tinham um processamento de 1,5 t/h e 2 t/h. A lavaria de Valdarcas viria a apresen-tar, já nos anos 1970, uma produtividade na or-dem de 5 t/h. Concretamente, esta última re-presenta um caso exemplar, ao nível nacional, pela especificidade do tratamento dado à schee-lite, em associação paragenética com sulfuretos. Restam poucos vestígios da oficina de Valdar-cas e dos seus anexos, tendo sido a sede de trata-

mento e as suas escombreiras recentemente alvo de reabilitação ambiental (EDM, 2005-2008).

A distinção entre estas lavarias relativamente às restantes na Serra d’Arga prende-se com a diver-sidade mineralógica dos materiais admitidos para tratamento, a quantidade de gangas de sulfuretos e óxidos de Fe, a dureza e comportamento geoquí-mico complexo do “tout-venant”. Estas paragéneses, a própria mineralização-útil, bem como, a distri-buição e disseminação nas rochas hospedeiras im-punham um tratamento exigente para controlar a cominuição e a separação das gangas sulfuretadas, que acabou por desencadear soluções inovadoras e eficazes (Cruz Moreira, 1973). O tipo de resíduos de tratamento, as escombreiras que os continham, bem como os cursos de água por onde muitos fo-ram remobilizados e dispersos, constituem mar-cas diferenciadoras dos vestígios de tratamento no que respeita à sua singularidade, como também diferenciam o impacte ambiental gerado tanto no período de funcionamento mineiro, como após o abandono da lavra. Estão dedicados a estes ambien-tes e às diversas formas de impacte reconhecidas vários trabalhos de caracterização, nomeadamente da evolução mineralógica dos resíduos, reforçan-do a singularidade associada às actividades mineiras e aos seus vestígios (Valente & Leal Gomes, 1998; Faria, Alves, Rodrigues & Leal Gomes, 2014).

Na formalização de um pedido de concessão mi-neira, o “plano de lavra” incluía uma proposta de tratamento de minérios e o projecto das instalações exteriores que se pretendiam estabelecer (Art.º 30, IV Cap. do Decreto n.º 18713 de 01/08/1930). Em empreendimentos maiores, as oficinas ou lavarias eram classificadas como “Indústrias Insalubres, Incómo-das, Perigosas e Tóxicas” sendo reguladas por diplomas legais próprios (entre os quais o Decreto n.º 8364 de 1922). Nessa classificação também se incluíam outras oficinas de preparação e beneficiação de mi-nérios, deslocadas das áreas de concessão mineira, designadas de “Separadoras”. As duas Separado-ras conhecidas, que trataram minérios das minas da Serra d’Arga, estavam instaladas em Viana do Castelo e em Ponte de Lima (Fig. 11). Nestes ca-sos os detentores legais eram também concessio-nários de várias minas na serra. Na vertente oci-dental, o concessionário – “Sociedade Mineira do Alto Minho, Lda.” – com Separadora em Viana, detinha,

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entre outras, a mina de Fonte Nova (n.º 964). Em Ponte de Lima, o imponente e singular edifício de uma Separadora - “T.I.N. - Transformadora In-dustrial do Norte, Lda. – Preparação de Minérios” era propriedade do concessionário “Entrepos-to Mineiro do Minho”, com cerca de duas deze-nas de minas na vertente oriental da serra. Estas instalações de tratamento de minérios são também parte relevante do conjunto dos vestígios do fun-cionamento mineiro e ampliam a influência que a as minas exerceram sobre a economia e arqui-tectura do espaço regional e na sua organização.Confrontando, por exemplo as cartas da rede viá-ria e do edificado (Fig. 6) e a localização de ofi-cinas de tratamento e separadoras (Fig. 11) pode assumir-se que o transporte do material extraído das minas para as respectivas sedes de tratamento teve influência sobre: o assentamento e trajecto de estradas e caminhos, e a localização de povoa-dos ou lugares próximos nas áreas mineiras. Estes aspectos de ordenamento do território regional podem considerar-se remanescências do fun-cionamento mineiro que persistiram, apesar de terem perdido o seu cariz primordial. Hoje po-dem ser retomados como rotas e centros de ob-servação e interpretação do património mineiro.

Produção mineira declarada – identificação de centros e ciclos de aproveitamento

As fontes documentais que fornecem dados so-bre produção mineira são diversas, nem sempre concordantes, ou mesmo fiéis à realidade. Con-sultaram-se três tipos de fontes: 1) processos das concessões mineiras (com poucos dados, muito circunstanciais e heterogéneos); 2) Boletins de Minas, (com listas de tributação muito comple-tas mas de publicação descontínua); 3) mapas de liquidação dos impostos de minas publicados na Série II dos Diários do Governo (com listas da tributação mineira oficial num registo contínuo, e com discriminação do imposto fixo e do impos-to proporcional estabelecidos na lei de minas).

A partir dos mapas de liquidação de impos-tos dos Diários do Governo, Alves (2014) ana-lisou os valores de produção declarada das minas da Serra d’Arga, no período de 1919 a 1958, con-siderando que o conjunto dos valores do impos-

to proporcional fornecia uma visão abrangente da produção relativa regional, delimitando áreas ou centros mineiros em diferentes períodos de apro-veitamento. Na figura 12 apresenta-se uma sínte-se comparativa da informação numérica (imposto proporcional tributado) coligida em Alves (2014).

Nesta, a escala de cor representa os índices de produção declarada correspondentes à razão entre o valor do imposto proporcional tributado de cada mina e a soma dos impostos proporcionais pagos na região mineira, por ano. Seleccionou-se o período entre 1930 e 1957 por estar abrangido pelo Decreto n.º 18713, de 01/08/1930, que reestabeleceu o imposto propor-cional em 2 % da produção, à boca da mina, e actua-lizou o imposto fixo. As minas que não liquidaram o imposto proporcional não constam na figura 12.Para o período em apreço foi possível agrupar mi-nas e coutos com base nos valores relativos da pro-dução declarada (Fig. 12):

Minas com produção muito baixa, declarada num só ano, dedicadas a diversas substâncias como As, Sn, Ta (Monte da Gávea, n.º 1553; Ponte Saim, n.º 1660; Mãos, n.º 2193; Serra de Covas 1, n.º 2196; Monte do Formigoso, n.º 2905); Minas com produção alta, declarada num ou em dois anos, anteriores a 1944, para o Sn (Candosa, n.º 1649; Boavista, n.º 2150); Minas com produção variável a alta, declarada em dois períodos distintos, dedicadas a W, Sn e Au, com picos em 1937 e 1942 (Ribeiro do Salgueiro, n.º 609; Cova dos Mouros, n.º 623; Orbacém, n.º 1674; Corredouras, n.º 1675) e picos em 1950 e 1955 (Alto da Bouça das Freiras, n.º 2223 – CM n.º 51; Gondamieiro, n.º 2670); Minas com produção variável, com dois a três anos de alta produção, entre 1940 e 44, dedicadas ao W (Serra de Sta. Justa, n.º 803) e ao Sn (Real, n.º 1684); picos em 1943 e depois em 1950 e 53 dedicadas ao Sn e W (Corzes, n.º 2194; Lobatos, n.º 2201; Castelhão, n.º 2241; Cabanas, n.º 2339);Minas com produção regular alta, em períodos de quatro a oito anos, centralizando a produção em sedes, entre 1937 e 1944, dedicadas ao Sn (Junqueiro, n.º 1602; Traz Âncora, n.º 1669 - CM n.º 30; Aguieiras

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Figura 12 - Síntese comparativa da tributação fiscal declarada para as concessões da Região da Serra d’ Arga no período de 1930 e 1957 (adapt. de Alves, 2014). Nota: entre 1944 e 1946 a exploração de W e Sn foi suspensa, sendo também suspensa a publicação dos mapas de liquidação, retomando-se a sua publicação em 1949. Simbologia: IMPOSTO FIXO, relativo à área concessionada, sem variação anual, para a manutenção legal da concessão; IMPOSTO PROPORCIONAL, corre-spondente a 2 % sobre o valor colectável dos minérios à boca da mina, sem beneficiação (conforme Decreto n.º 18713, de

01/08/1930). N.º, número do processo da concessão mineira com o (NOME); SUBST., substância(s) exploradas; ANO, corresponde ao ano de concessão (primeiro alvará).

Figure 12 - Comparative summary of the declared fiscal tax from the Serra d ‘Arga mining concessions, in the 1930-1957 period (adapt. Alves, 2014). Note: between 1944 and 1946 the exploitation of tungsten and tin was suspended, also the settlement maps was suspended too; its publication returned in 1949. Symbol: FIXED TAX, by the concession area without annual variation; PROPORTIONAL TAX, corresponding to 2 % of the taxable value of non treated ore minerals (Decree No. 18713 of 01/08/1930). No., the mining concession number; SUBST., Substance (s) exploited; YEAR, concession request

year (first license).

172 Património mineiro da Serra de Arga - Minho

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Figura 13 - Divisões geomineiras regionais (campos mineiros organizados mediante características da actividade extractiva/produtiva e seus vestígios): Serra de Covas (C1), Lousado (C2), Cabração (C3), Formigoso (C4), Junqueiro (C5), Argas (C6), Santa Justa (C7), Vila Mou (C8), Aguieira (C9), Vale do Âncora (C10), Traz Âncora (C11), Gondar (C12), Dem

(C13) e Valdarcas (C14). Figure 13 - Regional geological and mining divisions (organized in mining fields): C1 – C14 (names considered above).

Figura 14 - Síntese cartográfica da distribuição dos vestígios de fun-

cionamento mineiro passado. Figure 14 -Cartographic synthesis of the mining remarks distribution and past evidence of mining works. Legend: 1- excavations listed in “mining plans” without recognition; 2 - shallow exca-vations (<2 m), dumps with no evidence of ore minerals 3 - deep excava-tions (>2 m), dumps with visible ore minerals and without functional buildings recognition; 4 - excavations, dumps

and build-ings with functional recognition.

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10, n.º 1785); e durante a década de 1950, fundamentalmente dedicadas ao W (Vila Mou, n.º 2466; Valdarcas, n.º 2944); Minas com produção muito variável em períodos alargados, superiores a dez anos, e picos com os valores mais altos de produção regional em Sn (Fonte Nova, n.º 964; Gondar, n.º 1448 - CM n.º 24; Monteiro, n.º 1944).

Desta análise podem deduzir-se ciclos de apro-veitamento e retoma mineira, muito embora o in-tervalo temporal omita as primeiras décadas do sec. XX, em que algumas concessões terão iniciado a la-vra. Pode afirmar-se que a produção de Sn e W na Região d’Arga acompanha a evolução mundial dos mercados (Fig. 4), de forma muito directa no caso da produção do Sn, até meados da década de 1940, e no caso da produção de W na década de 1950. Podem então reconhecer-se os seguintes ciclos de aproveitamento: 1) W e Sn - exploração até 1940; 2) fundamentalmente Sn - primeira metade da dé-cada de 40; 3) retoma da exploração de W - iní-cio de 1950, com explorações pontuais de Nb-Ta e Au; 4) novo ciclo de W - final da década de 50.

Atendendo à dispersão espacial dos vestígios da actividade mineira não concessionada, à loca-lização as áreas mineiras concessionadas, e ain-da, considerando a sua cronologia tributária, foi possível delimitar 14 campos mineiros (Fig. 13), cujas características mais significativas estão resu-midas na tabela 4. Nesta indicam-se ainda as fai-xas mineiras que abrangem, naturalmente, mais do que um campo, o que salienta a dicotomia/ ou complementaridade dos diversos atributos usa-dos na sistemática das divisões geomineiras regio-nais – por um lado elementos dos depósitos mi-nerais, por outro, elementos das lavras mineiras.

5.3. Síntese tipológica dos vestígios mineiros

O mapa de dispersão de vestígios da activida-de extractiva, que consta na figura 14, foi obtido com elementos relativos aos jazigos e às explorações mineiras (concessionadas e informais), com a ca-racterização de escavações, oficinas de tratamento, resíduos e produção declarada.

A tipologia de vestígios, tanto dos indícios de depósitos e mineralização-útil, como de trabalhos mineiros, foi estabelecida com recurso a dados

documentais, análise geográfica distanciada, re-conhecimentos, levantamentos e amostragens no terreno. Assim foi possível discriminar:

escavações, escombreiras e edifícios com reconhecimento funcional; escavações profundas (> 2 m) e escombreiras com mineralização-útil e edifícios sem reco-nhecimento funcional; escavações pouco profundas (< 2 m) e escom-breiras sem evidência de mineralização-útil; trabalhos indicados em “planos de lavra” não reconhecíveis no terreno.

Esta tipologia integra tanto os indícios natu-rais dos depósitos explorados no passado (frentes de desmonte e blocos dispersos com mineraliza-ção útil), como os vestígios da actividade extrac-tiva propriamente dita, que podem ser enten-didos e consequentemente vir a ser classificados como património mineiro, discriminado na sua componente natural - geológica e na sua com-ponente cultural – tecnológica ou industrial.

A inclusão de todos os tipos de vestígios – como os considerados - em matrizes de ordenamento e gestão territorial, promove o reconhecimento do património regional, associado ao espaço mi-neiro. E ainda apoia a identificação /sinalização de indícios minerais susceptíveis de retoma num novo ciclo de aproveitamento mineiro e de focos de risco geotécnico para a segurança pública, e/ou impacte ambiental sobre solos e cursos de água.

6. Conclusões

Pode concluir-se que o funcionamento mineiro passado é gerador, per si, de património, na medi-da em que a exploração de um depósito é também a revelação de um objecto geológico singular, e a forma como decorre esse aproveitamento dei-xa vestígios que podem ser representativos de um período histórico, de uma tecnologia ou engenho peculiares, de uma tradição ou pertença colecti-va. Reconhece-se então que a uma região mineira se atribua interesse patrimonial com base no co-nhecimento sistemático e integrado dos vários ele-mentos referíveis ao seu funcionamento passado. A análise apresentada sobre a Região Mineira da Ser-ra d’Arga permitiu reconhecer dois padrões de dis-tribuição espacial de vestígios do funcionamento

1)

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2)

174 Património mineiro da Serra de Arga - Minho

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Tabela 4 - Síntese de aspectos discriminantes dos campos mineiros. SIMBOLOGIA: ANO(s) – relativos ao primeiro e último registo de manifesto mineiro no campo, que levou à concessão; SUB(S) Alvo – substâncias concessionadas (substâncias exploradas subsidiariamente); TIPO – morfologia e ocorrência relativa dos vários depósitos minerais explorados no campo mineiro: placers (P), filões (F), depósitos estratiformes (E); RELEVO – vale encaixado (Ve); Vale aberto (Va); Planalto (Pa); Encosta muito declivosa (Emd); Encosta pouco declivosa (Epd), Cumeada (Cum); ACESSO – tipo de desmonte indicado no “plano de lavra” que incluía galerias em flanco de encosta (G), poço-mestre (P); DESMONTE - métodos indicados no “plano de lavra”, que incluía céu-aberto (ca), degraus invertidos (di), degraus direitos (dd), talhadas horizontais (th), mistos (m); TRATAMENTO - número de oficinas ora mecanizadas e com energia eléctrica (n M) ora oficinas rudimentares (n R), com base nas “plantas e diagramas da lavaria”; PRODUÇÃO RELATIVA – valor máximo percentual (indicação do ano e da mina que o atingiu) relativo à produção total na Região da Serra d’ Arga (1930 -1957), com base no imposto proporcional publicado nos mapas de tributação anual (II Série, Diário do Governo); VESTÍGIOS E RUINAS – tipologia: escavações, oficinas e maquinaria com reconhecimento funcional (+++); edifícios sem reconhecimento funcional e frentes de desmonte com mineralização-útil (++); escavações indiscriminadas, sem mineralização-útil, sem edifícios (+); edifícios/ruínas sem reconhecimento funcional (-); sem vestígios mineiros

reconhecidos (x); vestígios com atribuição mineira duvidosa (?).

Table 4 - Discriminant aspects of the mining fields. SYMBOLS: Year(s) - relating to the first and last miner legal act; Relief: confined valley (Ve); Open valley (Va); Highlands (Pa); Very steep slope (Emd); Little slope (EPD), ridge (Cum); ACCESS - mining galleries (G), pit master (P); DIGGING- open-pit (ca); Open overhand stopes (di); Open underhand stopes (dd); Breast stopes(th); mix (m); MINING PLANT: with mechanical and electrical equipment(nM); rudimentar equipment(nR); RELATIVE PRODUCTION: maximum percentage (the year and the mine) related with total production in the Serra d’Arga Mining Region (between1930 -1957), based on the Proportional Tax published in the annual official tax clearance maps; RUINS AND REMARKS (typology): excavations, works and machinery with a functional recognition (+++); buildings without functional recognition and mining works with ore-mineral (++); indiscriminate excavations without ore-mineral or mine buildings (+); buildings / ruins without functional recognition (-); without

mining remarks (x); remarks with dubious attribution (?).

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mineiro – segundo campos e faixas mineiras. Estas divisões regionais representam de forma distinta as componentes do património - cultural e natu-ral. Por um lado, a organização por faixas mineiras permite uma maior apreciação da componente de condicionamento geológico – os principais linea-mentos estruturais veiculadores de mineralizações metálicas, a diversidade litológica e dos depósi-tos minerais. Por outro lado, a compartimenta-ção por campos atende sobretudo aos atributos do património cultural – industrial-mineiro, tanto na acepção material, como imaterial – permitin-do identificar as principais sedes de exploração/produção e as especificidades técnicas, adminis-trativas e da produção declarada, segundo perío-dos ou ciclos de aproveitamento e retoma mineira.

Desta sistemática em divisões geomineiras re-gionais distinguem-se elementos de apreciação que podem já ter sido alvo de classificação oficial pelo organismo que tutela o património (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueo-lógico, IGESPAR), ou ser-lhes reconhecido inte-resse patrimonial, desde que: 1) possuam reconhe-cimento científico, 2) estejam expressos em fontes documentais, técnicas ou administrativas da épo-ca; 3) persistam na memória das comunidades lo-cais, constituindo testemunho imaterial indelével.

Respeitando uma hierarquia dos atributos ti-pológicos definiram-se as classes de interesse pa-trimonial que seguidamente se enunciam e para as quais se identificam as explorações mineiras tipo-mórfica. Esquematicamente indicadas na tabela 5.

1) Património classificado – corresponde a depósitos minerais e/ou estruturas minei-ras que tenham merecido atenção classi-ficativa da entidade oficial para efeitos de atribuição do estatuto patrimonial, no do-mínio cultural (arqueologia industrial mi-neira), bem como, no domínio natural (geológico, mineralógico e da paisagem). Apenas a concessão do Monte Furado, no Domo de Covas, foi alvo de classificação como complexo mineiro da época roma-na (Decreto n.º 67/97 de 31/12/1997).

2) Património reconhecido - corresponde a depósitos minerais e/ou estruturas mineiras cuja atribuição e valor esteja cientificamente reconhecido, bem referenciado na literatu-

ra da especialidade, preservando vestígios que permitam identificar uma singularidade geológica (senso lato) e/ou infra-estruturas com função primitiva ainda discernível. São várias as explorações que se inserem nesta classe, são de realçar: na Balouca o pegmati-to com turmalinas de Li coloridas; em Cor-zes a lavaria de com equipamento bem pre-servado; em Valdarcas as galerias, edifícios e materiais dispersos junto da sede de trata-mento do couto, na Cerdeirinha as frente de desmonte, os edifícios e estradões mineiros preservados; em Fonte Nova, em Castelhão e em Cabanas as galerias, poços, socavões e locais de tratamento de minérios mais ou menos peculiares; em Arcozelo, Ponte de Lima o edifício e maquinaria de uma Sepa-radora -“T.I.N. - Transformadora Indus-trial do Norte, Lda. – Preparação de Miné-rios”; na Cumieira e em Junqueiro a área de eluviões; nas minas Cavalinho, Lagoa, Ribeiro do Salgueiro, Cova dos Mouros até à Tapada e Gestieira a zona de cisalhamento Argas-Cerquido notáveis pelos veios aflo-rantes com mineralogia rara, bem expressa tanto no depósito como em escombreira; em Vila Mou as evidências arqueológicas da pre-sença romana num possível vicus mineiro.

3) Património Inferido - corresponde a depó-sitos minerais em cujos registos de manifes-to mineiro, pedidos de concessão (provisó-rio e/ou definitivo), “planos de lavra”, re-latórios de reconhecimento e outros docu-mentos de cariz descritivo técnico-mineiro, contenham referências a vestígios arqueo-lógicos, a vários ciclos de aproveitamen-to e empreendimento com trabalhadores e infra-estruturas de apoio. Correspondem a esta classe as sedes dos coutos mineiros de Dem, Zebres e Gondar, Espantar e Rio Ancora; Aguieira e Alto da Bouça das Frei-ras (ou Verdes); Valdarcas e Cerdeirinha.

4) Património hipotético - corresponde a de-pósitos minerais que, não tendo caracte-rísticas que permitam inclui-los nas classes anteriores, são mencionados em narrativas obtidas da comunidade mineira local - ac-tual ou histórica - e nas suas manifestações

176 Património mineiro da Serra de Arga - Minho

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Tabela 5 – Explorações mineiras (concessionadas ou não) mais relevantes, apresentadas segundo as classes de interesse patrimonial definidas. Indicação do tipo de depósito mineral e correspondentes minérios explorados: VOLF – volframite e restantes mineralizações de W, tais como scheelite e ferberite; Au-Ag – mineralizações auríferas ocasionais, ouro nativo

e etectrum; CAS – cassiterite; NbTAN – niobiotantalatos.Table 5 - Most important mining áreas (concessioned or not), presented according to the defined heritage interest classes. Indication of ore-deposit type and corresponding exploited ore-minerals: VOLF - wolframite and other W mineralization, such as scheelite and ferberite; Au-Ag - occasional gold mineralization,

native gold and etectrum; CAS - cassiterite; NbTAN - niobiotantalate.

culturais ou folclore, mais concretamente no que respeita aos movimentos sociais que en-volveram muitos populares, sendo as lavras de tipo pilha um exemplo recorrente. Nesta classe podem enunciar-se áreas não conces-sionadas ou que estão anexas a concessões, como no Rio Coura, no troço contíguo às minas de Valdarcas e Fervença; a extensa área do registo correspondente às“minas do Dr. Gavinha”; ainda a concessões em que a lavra incluía uma grande comunidade de “traba-lhadores por conta própria”, os cursos de água de regime torrencial como Ribeira da Fisga ou Rio Âncora, com zonas pontuais, as “marmitas de gigante, com concentra-ção de minerais densos, incluindo o ouro.

5) Indício patrimonial - corresponde a áreas mineiras, de registo de manifesto ou conces-são, sem qualquer vestígio ou atributo geo-lógico referível, constituem apenas indício do interesse mineiro que outrora tiveram.

Na valorização do património mineiro, impor-ta considerar aspectos de caracter ambiental e da potencialidade mineira. Salienta-se o caracter geo-químico instável de algumas paragéneses minerais exploradas na região, cujos resíduos de tratamento ou frentes de desmonte expostas, que podem ser

encarados como singularidades geológicas, com interesse patrimonial, geram halos de contamina-ção capazes de depreciar a qualidade do ambiente. Outrossim, escavações e acumulados de blocos, sem controlo geotécnico, podem também eles cons-tituir um risco para a segurança das populações.A potencialidade mineira está a ser reequacionada na Região da Serra d’Arga, ainda tomando como ponto de partida depósitos e minerais-alvo explorados no passado. Aqui os vestígios constituem importantes indicadores ou até indícios de mineralizações úteis. A dicotomia património - potencialidade mineira, bem como, as diferentes formas de impacte am-biental associado à mineração são ainda atributos territoriais que distinguem esta região como chave para a intervenção da geologia no estabelecimento de sistemas de gestão territorial integrada, que in-clua em lugar de destaque o ordenamento da acti-vidade extractiva.

Agradecimentos

Ao Professor Doutor Machado Leite agradecemos as correcções ao nível dos conteúdos de engenharia de minas e tratamento mineralúrgico. O nosso reconhe-cimento e admiração pelo seu empenho genuinamen-te mineiro em qualquer das esferas em que se move.À Dra

. Paula Serrano e à Dra. Soraia Matos agradece-

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mos a disponibilização de diversificada documen-tação técnica-mineira, entre a qual os processos das antigas concessões que lavraram na região da Ser-ra d’Arga, bem como antigos relatórios de prospec-ção e pesquisa, constantes no Arquivo Histórico--Mineiro e na TECNIBASE do LNEG (Alfragide). Igualmente se agradece ao Eng.º Filipe Soutinho e En-g.º Amorim, por terem permitido pesquisa equiva-lente no Arquivo dos processos de Concessão Minei-ra, DGE-N, antiga Circunscrição Mineira do Norte. Ao Centro de Informação Geográfica da Escola Su-perior Agrária de Ponte de Lima (CIGESA), do Ins-tituto Politécnico de Viana do Castelo, nomeada-mente ao seu coordenador, Dr. Joaquim Alonso e à Dra. Sónia Santos agradecemos a cedência da infor-mação cartográfica vectorial que aqui se apresentou.Um agradecimento muito especial ao Eng. Rocha Go-mes pelo claro fio de memória com que sempre e tão generosamente nos transportou ao passado mineiro da Serra d’Arga.

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DG, 1943, Série I, n.º 3, de 5 de Janeiro: Portaria n.º 10307 - Regula as transacções sobre estanho, o abas-tecimento do mercado interno deste metal e a sua exportação - Torna obrigatório o manifesto perante a Comissão Reguladora do Comércio de Metais de todo o estanho actualmente existente e da cassiterite na posse de entidades que não sejam concessionárias de minas ou empresas com oficinas de tratamento do minério - Proíbe a exportação de cassiterite, salvo em casos especiais e mediante autorização do Minis-tro. ME: 5-6.

DG, 1941, Série I, n.º 230, de 2 de Outubro: Portaria n.º 9902 - Declara cativa, para efeitos de novos re-gistos de volfrâmio e de estanho, a área dos distritos

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 147 a 181, 2015 181

Page 184: Geonovas Número 28

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As conheiras de Vila de Rei: património geo-arqueológico associado á ocupação humana no Médio Tejo entre Proto-História e Idade Romana

Davide Delfino1*, José Romão2,3 & Filomena Gaspar4

1 Instituto Terra e Memória (ITM – Mação) / Câmara Municipal de Abrantes (Projeto MIAA)/ Grupo “Quaternário e Pré-História” do Centro de Geociências (CGeo – Universidade de Coimbra), Largo Infante D Henrique,

6120-750 Mação 2 LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P., Unidade de Geologia, Hidrogeologia e Geologia Costeira, Estrada da Portela-Zambujal,

Alfragide, Apartado 7586, 2610-999 Amadora3 Universidade Europeia, Estrada da Correia, n.º 53, 1500-210 Lisboa

4 CMA – Câmara Municipal de Abrantes, Serviços da Cultura; [email protected]*autor correspondente: [email protected] / [email protected]

Resumo

Evidências significativas de mineração de ouro aluvionar, associadas com a sua exploração nos tempos romanos e, também, provavelmente na Proto-História, ocorrem, na sua maioria, dispersas no território do Concelho de Vila de Rei, bem como nos de Abrantes e Mação. Este património geológico, mineiro e arqueológico não renovável, de apreciável in-teresse científico, pedagógico e turístico, está diretamente relacionado com o tema da pesquisa, prospeção e exploração de ouro, mas não pode ser dissociado da rede de ocupação humana que geria a sua extração e praticava o seu comércio, tendo sido descobertos nos últimos tempos diversos vestígios entre os rios Ocreza, Tejo e Zêzere. Esta realidade, marcada pelo binómio exploração de ouro e ocupação humana do território, deverá ser estudada e aprofundada, uma vez que é indis-pensável para a verdadeira rentabilização turística destes locais e lugares, numa lógica de rede de Património Cultural no Médio Tejo, dedicada à exploração do ouro da Proto-História à Época Romana.

Palavras-chave: Conheiras, Exploração do ouro, Proto-História, Idade Romana, Turismo no Médio Tejo Português.

Abstract

Significant evidences of alluvial gold mining, associated with their exploitation in Roman times and also probably in Proto-history, are scattered are scattered thoughout the territories of Vila de Rei Abrantes and Mação Municipalities. This geological, mining and archaeological heritage, not renewable, of scientific, educational and touristic interest is directly related to the topic of gold research, exploration and exploitation, but cannot be dissociated from the network of human occupation, which has managed the extraction and practiced their trade. Recently many gold traces have been discovered in the Ocreza, Tagus and Zêzere rivers. This reality, marked by the binomial gold exploration and human occupation of the territory, should be studied in-depth since it is essential for a real touristic profitability of these sites and places, within a Cultural Heritage logical network in the Middle Tagus, dedicated to the exploration of the gold from Proto-history to the Roman Period.

Key words: Conheiras, Gold mining, Proto-history, Roman Age, Tourism in Portuguese Middle Tagus.

Introdução

Na exploração de ouro distinguem-se, generi-camente, dois tipos de jazidas: as primárias, cujo depósito se gerou por acumulações sucessivas de partículas de ouro a partir de soluções que circulam em substratos rochosos encaixantes (depósitos epi-genéticos), e as secundárias, onde a aglomeração de

ouro ocorreu e foi contemporânea da formação dos próprios sedimentos que a contêm, designados por depósitos aluviais ou singenéticos (Bertolani, 1972; Park & MacDiarmid, 1982). Estas últimas jazidas são originadas em consequência da alteração de depósitos auríferos primários; enquanto os cons-tituintes minerais mais leves são dispersos pelos agentes meteóricos, o ouro, estável e com peso es-

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pecífico elevado (19,3), é transportado pelas águas nas redes de drenagem junto com as areias dos rios. Aqui, a concentração ocorre por densidade, depo-sitando-se no fundo, preferencialmente em pontos onde as águas se movimentam com mais baixa ve-locidade, nomeadamente nas curvas ou ilhotas dos rios. Nas jazidas secundárias, o ouro é facilmente obtido sob a forma de pepitas, argueiras ou pó por lavagem das areias utilizando-se bateias (Giardino, 1999). No caso dos depósitos aluvionares de anti-gas redes de drenagem compactados e já litificados, as areias auríferas precisam de ser retiradas dos afloramentos que contêm os depósitos sedimenta-res, procedendo-se primeiro à desmontagem das vertentes, prosseguindo por subsequente triagem manual para separar os seixos das areias. Só depois ocorrerá a lavagem das areias que contêm o ouro.

Os depósitos secundários de ouro ocorrem, na generalidade, no seio de estratos areno-conglo-meráticos, muitas vezes com alguma argila na sua matriz ou em horizontes de muito fraca espessura. Este tipo de depósitos, de natureza continental, são originados a partir de sedimentação de materiais que circulam ao longo de canais fluviais, sendo que o ouro se acumula preferencialmente em zonas onde existem relevos nos fundos dos rios antigos.

Entre as evidências de exploração do ouro alu-vionar no Médio Tejo português, as conheiras constituem as estruturas mais espetaculares e em maior número, estando relacionadas com jazi-das secundárias. Consistem de aglomerações de seixos empilhados uns sobre os outros que provi-eram do desmantelamento de terraços auríferos e subsequente triagem prévia à lavagem dos sedi-mentos edificados pela ação do Homem. Este tipo de vestígio, que ocorre com frequência na Penín-sula Ibérica, está normalmente associado com a mineração aurífera que ocorreu durante a Época Romana ou mesmo em tempos proto-históricos.

No Concelho de Vila de Rei existem grande parte das conheiras identificadas na região, 52 de acordo com Batata & Gaspar (2013), estando as restantes nos Concelhos de Abrantes e Mação, respetivamente, 35 (Gaspar, 2011) e 4 (Batata, 2006); foram ainda reconhecidas 3 conheiras na margem norte do rio Tejo no Concelho de Cons-tância (Batista, 2004). Salienta-se, ainda, o facto de um número significativo de conheiras pode-

rem ter ficado debaixo das águas do rio Zêzere, na albufeira da barragem de Castelo de Bode.

Os vestígios da exploração do ouro em jazidas secundárias ocorrem em formações geológicas que integram a Bacia Cenozoica do Baixo Tejo, que tem por fronteiras unidades do substrato antigo, in-cluídas no Maciço Ibérico. De facto, as conheiras são produtos residuais concentrados de unidades de natureza conglomerática (Fig. 1), que resulta-ram da decomposição das formações designadas por Conglomerados da Lousã (Romão, 2000, 2006) e por Conglomerados de Rio de Moinhos e Conglomerados de Serra de Almeirim (Barra et al., 2000). Do ponto de vista geológico, as conhei-ras encontram-se localizadas nas proximidades de cristas quartzíticas, datadas genericamente do Ordovícico ao Devónico, na estrutura em sinfor-ma de Amêndoa-Carvoeiro (Romão et al., 1998).

A região estudada, já designada como Alto Ri-batejo, é um ponto de convergência geológica e geotectónica entre Maciço Antigo de cariz me-tamórfico, Maciço Calcário Estremenho da Bacia Lusitaniana e Bacia Cenozoica do Baixo Tejo, ten-do revelado importantes evidências de povoamen-to humano e de encontro de civilizações, desde a Pré-História (Oosterbeek, 1997) até à Proto-His-tória (Delfino, 2012), atingindo mesmo a Idade Romana (Batata, 2006). É necessário conhecer a totalidade das relações entre as características geo-lógicas e geomorfológicas do território e seu po-voamento para entender as conheiras de Vila de Rei e dos concelhos limítrofes, nomeadamente o papel no circuito do ouro antigo, a importância para as sociedades antigas, a hierarquia social em pirâmide das explorações que realizavam a extra-ção do ouro dos sedimentos auríferos, entre ou-tras. De facto, é preciso entender este Património Cultural na globalidade, quer geológico-minei-ro quer arqueológico, numa lógica inter-rela-cional em rede para a sua rentabilização turística. Considerações sobre geomorfologia e geologia da região de Vila de Rei

A região do concelho de Vila de Rei localiza--se, do ponto vista geomorfológico, no bordo ocidental da Meseta ou Cordilheira Central, tam-bém designada por Maciço Ibérico ou Hespérico,

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Figura 1 - Conglomerados de Rio de Moinhos num corte recente a montante da conheira da Carreira (Milreu, Vila de Rei).

Figure 1 – Rio de Moinhos Conglomerates in a recent section located in the upstream of the conheira of the Carreira (Milreu, Vila de Rei).

imediatamente a norte do rio Tejo. Do ponto de vista geológico situa-se no bordo SW da Zona Centro-Ibérica, junto à fronteira com a Zona Ossa Morena, onde sobressai a sucessão da Bacia Cenozoica do Baixo Tejo depositada sobre as uni-dades geotectónicas do soco antigo, sendo consti-tuída por materiais culminantes da referida bacia.

A região é caracterizada por domínios mor-fológicos distintos: um, a norte do planalto que contém a crista quartzítica, que aflora logo a sul da povoação de Vila de Rei, constituindo a For-mação do Quartzito Armoricano, e outro, a sul desta mesma crista, tendo como limite meridional o acidente com desenvolvimento subparalelo á ri-beira de Codes, assinalado no Mapa Geomorfoló-gico de Portugal (Ferreira, 1947) e na Carta Neo-tectónica de Portugal (Cabral & Ribeiro, 1988). O domínio setentrional é marcado por uma super-fície de aplanação, formada essencialmente por xistos e metagrauvaques do Grupo das Beiras (350-400 m), onde emerge um relevo residual de dure-za, com forma alongada e direção NNW-SSE, que se designa de Inselberg granítico de Melriça (591 m). Salienta-se ainda, um pouco mais a norte de Mel-riça, a presença de relevos quartzíticos alinhados

com a direção WNW-ESE a NW-SE e destacados na paisagem, porém com menor altitude (450 m).

O domínio meridional ocupa os terrenos do interior do sinforma Amêndoa-Carvoeiro (Romão et al., 1998; Romão, 2006), onde se identificaram metassedimentos paleozoicos e depósitos continen-tais cenozoicos. Corresponde a um bloco tectóni-co deprimido, alinhado E-W e basculado para sul, cujo limite meridional constitui uma escarpa de 50 m, que forma degrau tectónico recuado relacionado com a falha de ribeira de Codes (Martins, 1999). Os depósitos continentais fossilizaram superfície de ero-são talhada em metassedimentos paleozoicos, da qual sobressaem inselberges quartzíticos (com 400 a 500 m de altitude) caracterizados por vertentes exteriores mais inclinadas que as interiores, que integram o flanco norte do sinforma Amêndoa-Carvoeiro, datados na generalidade da base do Ordovícico.

Neste domínio, caracterizado do ponto de vista estrutural por pequena sub-fossa dissimétrica, fo-ram identificados depósitos em leque aluvial na parte norte que constituem os conglomerados da Alofor-mação de Vila de Rei/Mação de idade vilafranquia-na (Barbosa, 1995; Romão, 2000). Estes depósitos adelgaçam para N e terminam em bisel de encontro às

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cristas quartzíticas, constituindo superfície de apla-namento que corresponde a ampla rampa com cerca de 2 % de declive. A sul, e subjacente aos conglome-rados de Vila de Rei/Mação, identifica-se a superfí-cie culminante da Bacia Cenozoica do Baixo Tejo, materializada por unidades conglomeráticas com areias auríferas, que contém grandes aglomerados de blocos de quartzito e quartzo, subrolados a rolados (conheiras), correspondendo aos produtos finais estéreis de antigas explorações mineiras a céu aber-to, cuja unidade pesquisada integra a litostratigrafia dos depósitos continentais cenozoicos do Grupo de Almeirim (Barbosa, 1995). De facto, as conheiras situam-se nos depósitos continentais cenozoicos, de constituição areno-conglomerática, designados por Conglomerados de Rio de Moinhos (Martins & Barbosa, 1992, Martins, 1999) e Conglomerados de Serra de Almeirim (Barbosa & Reis, 1996) na região de Vila de Rei e por Conglomerados de Lousa na região de Mação (Romão, 2000, 2006), sendo to-das as unidades atribuídas ao Miocénico Superior.

Ao Grupo de Almeirim está subjacente, através de uma descontinuidade erosiva de carácter regional que marca um hiato de tempo significativo, uma sucessão de 30 a 50 m de arenitos feldspáticos, maciços e mal calibrados, localmente conglomeráticos, com clastos angulosos, no geral de composição quárt-zica. Esta unidade tem sido datada do Paleogénico e designada por Arcoses da Ribeira de Boas Eiras/Monsanto (Barbosa & Reis, 1996; Romão, 2006). Para além das unidades com conglomerados aurí-feros já focadas, também foi encontrado ouro nos depósitos holocénicos de terraço (5-10 m de es-pessura) que ocorrem ao longo da ribeira de Co-des e do rio Zêzere. De facto, Oliveira (1975) e Carvalho (1975) obtiveram interessantes teores de ouro por lavagem, bateando manualmente areias da matriz conglomerática de alguns dos terraços fluviais quaternários, reconhecidos a jusante das conheiras. Foram ainda identificados nestes de-pósitos, diversos aglomerados de blocos e seixos de quartzito e quartzo sub-rolados a rolados, no geral de menor dimensão e com clastos de menor diâmetro, relativamente às conheiras já descritas.

O ouro que tem sido identificado ao longo dos tempos é proveniente da exploração de jazidas se-cundárias relativamente dispersas, donde se pode questionar quais teriam sido as suas fontes primá-

rias. A distribuição dos depósitos de ouro nas unida-des conglomeráticas do Miocénico Superior sugere que a sua localização estaria intimamente associada à rede de drenagem dessa época, em particular a zo-nas onde a velocidade de fluxo das correntes fluviais variavam significativamente. Atendendo à arqui-tetura dos depósitos, à organização sequencial e às medidas de paleocorrentes é admitido que a rede de drenagem miocénica estaria orientada, no geral, do quadrante NE para o de SW. Assim, seria de es-perar que a erosão das litologias que ocorreriam a montante dos sítios explorados fossem, eventual-mente, as fontes primárias do ouro, sendo então concentrado por densidade através do transporte pela água. Nesta perspetiva, as formações geoló-gicas com mais expressão cartográfica que pode-rão ser fonte de ouro, localizadas a montante dos depósitos secundários, correspondem aos metas-sedimentos do Grupo das Beiras e à Formação do Quartzito Armoricano. De facto, são conhecidas diversas minas em afloramentos do Grupo das Bei-ras (Góis, Castromil, entre outras de menor di-mensão) e, por outro lado, a presença de nume-rosos blocos de diversas dimensões de quartzitos da Formação do Quartzito Armoricano no seio dos depósitos explorados sugere que os afloramentos desta unidade seriam bem mais extensos e que es-tavam em desagregação durante o Miocénico, po-dendo assim ser também fonte do ouro secundário. A região aurífera do Tejo descrita pelos histori-adores antigos

Durante a Idade Romana, entre o I séc. a.C. e o I séc. d.C., alguns escritores de língua grega e latina deixaram notícias da exploração de ouro ao longo do rio Tejo português e na sua região envol-vente. Escreve o geografo de língua grega Estrabão (60 a.C. - 23 d.C.), alguns anos depois (24 a.C.): “alguns destes rios são navegáveis e ricos de areias auríferas” (Estr. Geogr. III, 4, 3-4) e ainda “Assim, os Turde-tanos, inundam com transvase de água dos lugares secos, sendo visível o pó de ouro” (Estr. Geogr. III, 2, 19-21), refe-rindo-se a fontes mais antigas, como Políbio (206 a.C. - 124 a.C.) e Posidónio (135 a.C. - 50 a.C.).

O estudioso Plínio, o Velho (23 d.C. - 79 d.C.), escrevia na Naturalis História em 77 d.C. que o ouro que se encontra no nosso mundo está lo-

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calizado junto aos rios Indo ou perto das tribos dos Citas, mas também no Tejo, na Hispânia, no Pó, na Itália, no Hebro, na Trácia, no Pactolo, na Ásia, e no Ganges, na India. Nos vales destes rios, os habitantes costumavam obter o ouro, não só a partir da separação das areias não consolida-das dos rios por densidade através da utilização de bateias, mas também de sedimentos consoli-dados, localizados junto aos rios, usando neste caso, técnicas de desmonte de vertentes para reti-rar a areia aurífera (Plin. Nat. Hist. XXXII, 21,4). O complexo de mineração aurífera romana de Vila de Rei

Após a avaliação do potencial da região para ex-ploração de ouro, procedeu-se à instalação de con-junto de infrastruturas necessárias ao seu desen-volvimento. Estas funções estavam habitualmente a cargo do exército ou de técnicos qualificados, dado que envolviam todas as estruturas relacionadas com a rede hidráulica a implantar, os desmontes mineiros, os canais de evacuação e as acumulações de estéreis. Tendo em conta as técnicas de exploração de ouro a céu aberto na Época Romana (Sánchez-Palen-cia & Orejas, 1994; Martins - Braz, 2008), os testemunhos visíveis na paisagem que incorpo-ra o território em estudo, consistem de frentes de desmonte de trincheiras, conheiras (dejetos de estéreis), estruturas em “forma de pente” for-madas pelos alinhamentos dos blocos e estruturas hidráulicas, nomeadamente barragens e canais.

Contudo, a generalidade das evidências de explo-ração aurífera no Concelho de Vila de Rei é expres-sa pela presença de conheiras, que correspondem a importantes acumulações de estéreis circunscritas a cotas relativamente baixas (tabela 1). Organizam--se em estruturas em forma de pente, uma vez que sobre o terreno ocorrem alinhamentos dos blocos, na sua maioria, de composição quartzítica que re-sultaram do desmonte das frentes de trincheiras; por comparação com as plantas das cortas do vale do Duerna e das “Médulas de Léon em Espanha, corresponderiam a corredores de escoamento das águas de lavagem, a par da existência de aterros para o desvio e condução dessas mesmas águas (Domer-gue & Herail, 1978). Estas ocorrem, na sua maioria, ao longo do baixo curso da ribeira de Codes e na

sua margem direita, porém também se encontram ao longo do rio Zêzere, junto à sua foz (Fig. 2).

O termo conheira pode ter sido originado a par-tir de duas origens diferentes e consequentemente, apresentar dois significados distintos. Assim, pode derivar da palavra latina Cos / Cotis que significa “penedo” (Romão et al., 2001), ou estar ligado ao nome do povo de Cónios (Guerra, 1996), povoa-ção cuja localização ainda não foi bem definida; admite-se que teria sido edificada provavelmente entre o Sul de Portugal, incluindo o Vale do Tejo, e a Andaluzia (Espanha). Estão associados a áreas onde afloram conglomerados areníticos consolida-dos (Conglomerados de Vila de Rei ou de Rio de Moinhos), com dimensões médias, onde a exten-são é variável desde poucas dezenas de metros até algumas centenas, como por exemplo as conheiras localizadas nos arredores de Milreu (Figs. 3, 4 e 5). Estas já foram analisadas com algum detalhe, quer do ponto de vista geológico (Barbosa et al., 1998) quer arqueológico (Batata & Gaspar, 2013).

O volume total de sedimentos extraídos das cortas mineiras a céu aberto (tabela 1), que con-têm areias auríferas, foi estimado em acerca de 33000000 m3 (ibid. 21), tendo por base a capacida-de dos cúmulos amontoados de seixos descartados ou seja das acumulações de estéreis (conheiras). Com base em avaliações de natureza qualitativa, Batata (2011) coloca a hipótese do ouro extraído ter sido entre os 1200 kg (com um mínimo de 30 mgr./m3) e os 8000 kg (com um máximo de 200 mgr./m3). Recentes avaliações dos volumes de sedi-mentos com areias auríferas exploradas permitiram realizar uma nova estimativa, porém com valores ligeiramente reduzidos quando comparados com os anteriores. De facto, Batata & Gaspar (2013) estimaram que o ouro extraído se situou entre o mínimo de 990 kg e o máximo de 6,600 kg.Para além das conheiras já focadas, foram ainda reconhecidas diversas estruturas hidráulicas no concelho de Vila de Rei. Destaca-se a presença de pelo menos duas barragens, provavelmente roma-nas: uma, junto à povoação de Quinta da Laran-jeira, da qual só restam testemunhos orais, e ou-tra, no Souto do Penedo (Batata & Gaspar, 2013); ambas localizadas mais a norte e a cotas mais altas

A barragem do Souto do Penedo (coordenadas M = 200,2 km; P = 299,0 km), situada a nordeste

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Figura 2 – Esboço da carta geológica do concelho de Vila de Rei com a localização das conheiras na margem direita da ribeira de Codes e junto ao rio Zêzere, atendendo aos dados de Batata (2013) e Romão et al. (2001).

Figure 2 - Geological map sketch of Vila de Rei municipality with the location of the conheiras on the right margin of the Codes riverside and next to the Zêzere river considering the data Batata (2013) and Romão et al. (2001).

10º. É ainda possível observar no leito da referida linha de água junto ao paredão da barragem, so-bre terrenos xisto-grauváquicos, sedimentos de granularidade muito fina e de cor escura, porém de reduzida espessura. Estes materiais foram even-tualmente depositados pelas águas que constituíam a albufeira por processos de decantação. Nesta bar-ragem, junto ao seu paredão, há evidências de su-portes e do traçado de diversos canais hidráulicos que possivelmente levariam a água da albufeira até cotas mais baixas, para ser aproveitada na desmon-tagem das vertentes da formação conglomerática e na lavagem das próprias areias auríferas (Mateus - Pereira, 2006). Apesar de alguns dos canais se en-contrarem dissimulados, foram encontrados vestí-gios de um canal com cerca de 5 km de extensão, na direção da povoação de Milreu (Allan, 1965).Contudo, relativamente às conheiras, estruturas hidráulicas (barragens e canais) não existem provas

de Milreu, constituiu um aproveitamento hidráu-lico construído pelo Homem a partir do aprovei-tamento das condições naturais já existentes no terreno; de facto, estamos na presença de uma bar-reira natural de natureza quartzítica que atravessa quase por completo a ribeira do Pisão de orien-tação próxima de N-S, sendo apenas necessários alguns muros de sustentação para a edificação da barragem. O local que foi escolhido para o pare-dão da barragem corresponde à primeira crista de quartzitos recristalizados da Formação de Quartzi-tos Armoricanos e contata com os metassedimentos xisto-grauváquicos do Grupo das Beiras (Romão et al., 2001; Romão, 2006). Esta crista, com cerca de 10 a 15 m de altura máxima e 3 a 5 de largu-ra, constitui um estreito relevo de dureza que so-bressai na paisagem da zona, sendo composta por uma sucessão de camadas sobrepostas de quartzi-tos, de direção E-W e pendor para S de cerca de

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Figura 3 - Conheira de Barroca da Água vista de sul.Figure 3 - Conheira of Barroca da Água view from south.

Figura 4 - Frente de desmonte da mina de céu aberto, localizada a montante da Conheira da Carreira.Figure 4 – Disassemble front of the open pit mine located upstream of the Conheira da Carreira.

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Figura 5 – Aglomeração de seixos aos pés da frente de desmonte da Conheira da Carreira.

Figure 5 – Pebbles agglomeration at the foot of the quarry front of the Conheira da Carreira.

de cultura material móvel para poder com a certeza absoluta atribuir estes vestígios à Época Romana.

De facto, mesmo antes dos povos romanos, as areias auríferas dos referidos conglomerados po-deriam ter eventualmente sido exploradas, porém de forma menos intensiva e menos destrutiva, já na Época Proto-histórica. Esta asserção é eviden-ciada pela relação de proximidade territorial entre conheiras e povoados amuralhados que estiveram ocupados entre a Idade do Bronze Final II (sécs. X - VIII a.C.) e a Primeira Idade do Ferro (a par-tir do VII séc. a.C.), como por exemplo em Cer-ro do Castelo (Seada). Esta relação é ainda mais evidente na ribeira do Caratão, já no concelho de Mação, entre duas conheiras e um povoado do Fi-nal da Idade do Bronze intitulado Castelo Velho do Caratão (Delfino et al., 2014). Para confirmar a relação entre as conheiras do concelho de Vila

de Rei e a exploração de ouro efetuada pelos po-vos romanos na região, os únicos dados com algum significado que podem suportar esta hipótese são:

a coincidência destes vestígios com a “ca-deia operatória” da mineração romana, que ocorreu à escala da Península Ibérica;as fontes históricas da Idade Clássica, que at-estam o aproveitamento das areias auríferas nas unidades conglomeráticas das vertentes dos vales da rede de drenagem associado ao rio Tejo e não só a partir das areias dos leitos das linhas de água, ribeiras e rios;as evidências arqueológicas que são conhe-cidas no território dos concelhos vizinhos, que integram o Médio Tejo, ligadas com à exploração de ouro direta ou indiretamente.

Evidências arqueológicas de mineração de ouro fora do concelho de Vila de Rei

No concelho de Vila de Rei não foram encon-tradas evidências arqueológicas relativas à Épo-ca Romana, com exceção, eventualmente das co-nheiras, da barragem do Souto do Penedo e de uma ponte, designada Dos Três Concelhos, que sofreu significativas alterações a partir do séc. XVIII (Batata & Gaspar, 2013). De facto, não há nenhuma evidência direta, de que quem cons-truiu as conheiras, a partir do desmonte de ver-tentes para exploração das areias auríferas, morava na região ou negociava o ouro. Porém, a dimensão das conheiras e das frentes de desmonte das trin-cheiras sugerem que a organização dos trabalhos e a arquitetura das estruturas necessárias ao des-monte fossem planificadas por especialistas e ne-cessitavam de mão-de-obra qualificada, que não vivia na região; para além disso, os trabalhos re-queriam ainda um grande número de pessoas.

Contudo, na povoação de Abrantes, que se lo-caliza no interior da bacia hidrográfica do rio Tejo e a cerca de 10 km a sul da ribeira de Codes, há provas da existência de cidade romana, composta, possivelmente, por mais do que um simples vicus. A descoberta de estátua romana em mármore (Fig. 6), datada do Séc. I d.C. (Candeias et al., 2009), junto ao porto fluvial do Rossio de Abrantes, que está localizado na margem sul do rio Tejo e hoje desativado, mas que esteve a operar até à década

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de 40 do século passado. Atendendo ao seu tama-nho (2,11 m de altura), esta só pode ser uma está-tua forense, na opinião de Luis Jorge Gonçalves, e portanto, associada com uma civitas, ou seja, a um corpo social de cidadãos, já com dimensão signi-ficativa. Atualmente, a estátua integra o espólio de arte sacra que se encontra guardada no Museu Municipal de D. Lopo de Almeida, implantado na igreja de Santa Maria do Castelo, no Castelo de Abrantes (Gonçalves & Portocarrero, 2010).

Ainda, no morro onde se situa o Castelo de Abrantes, debaixo do pavimento da Igreja focada no parágrafo anterior, foi encontrada outra estátua ro-mana, provavelmente votiva, e um pequeno tesouro de moedas do Calígula (Candeias et al., 2010). A as-sociação, estátua e moedas, sugere a possibilidade de esta área ser um local de vocação votiva ou simbólica.

A existência de uma civitas romana em Abran-tes, com diversas quintas agrícolas nos arredo-res, como é o caso do Olival Comprido (ibid.), não parece ser impossível, até pela sua liga-ção com a exploração do ouro que se pode in-tuir na provável etimologia do nome cidade atual: Abrantes> Avrantes> Aurantes (aurum = ouro).Ao longo do rio Tejo, na direção montante, exis-tem vestígios e provas de outra estrutura urbana da Época Romana. De facto, foi identificado no Vale do Junco, em Ortiga (Mação), um vicus romano (Fig. 7), que contém um complexo termal com balneá-rio, datado do Séc. III-IV a.C. (Oleiro, 1951; Horta Pereira, 1970; Carvalho, 1987; Batata, 2006). Esta estrutura deveria estar associada, provavelmente, com a mineração do ouro que teria ocorrido ao longo das ribeiras do Caratão e de Boas Eiras (Fig. 8). De facto, nas margens das ribeiras anteriores ocorrem depósitos de conglomerados areníticos (Conglomerados da Lousa) onde foram edifica-das conheiras de dimensões consideráveis (Fig. 8).

Interpretação das dinâmicas de exploração do ouro entre Proto-História e Época Romana no Médio Tejo português

Os dados sobre a quantidade de ouro explorado na Península Ibérica podem ser inferidos a partir do número de peças de ouro conhecidas e do peso de cada peça, sendo quase inexistentes evidências de extração no terreno em mina ou por bateia, quer

na Pré-História Recente quer na Proto-História.Para os períodos mais antigos, o panorama mostra que o número de peças de ouro criadas no Calco-lítico (III milénio a.C.) principiou por ser baixo, com pequenas peças e não maciças, prosseguindo com a produção de peças ainda não maciças, mas muito mais numerosas na Idade do Bronze Anti-ga e Plena (séculos XXI a XIV a.C.). Na Idade do Bronze Final (séculos XII a VIII a.C.) volta a haver menos peças, porém bastante mais maciças e pe-sadas; entre a primeira Idade do Ferro (período Orientalizante), datada dos séculos VIII a VI a.C., e a Segunda Idade do Ferro (período Ibérico), con-siderada dos séculos VI a I a.C., o peso de cada peça de ouro baixa gradualmente de forma significativa e o número de peças produzidas volta novamen-te a aumentar de forma constante (Perea, 1991).A partir da distribuição das peças de ouro no arco cronológico descrito é possível interpretar que as primeiras explorações do ouro foram provavel-mente realizadas a pequena escala nos leitos dos rios, utilizando-se a técnica de lavagem por bateia. Porém, atendendo à maior circulação de ouro no Final da Idade do Bronze, a procura atingiu pata-mar para o qual as areias dos leitos dos rios des-sa época já não eram suficientes, sendo necessário explorar areias auríferas dos paleoleitos dos rios.

O início do Império Romano é marcado pela di-nastia Júlio - Cláudia (9 a.C. - 68 d.C.), que pro-curou tanto quanto possível manter a estabilidade do peso do aureus nummus (moeda de ouro que equi-vale ao valor de 25 denarii em prata). Este objetivo obrigou à exploração sistemática dos leitos dos rios da época e dos mais antigos que continham areia aurífera, o que levou ao seu provável esgotamen-to já no início do reinado do Trajano (161 a.C.), quando o sestércio em ouro perdeu definitivamen-te a sua estabilidade em peso. De facto, o peso foi mantido quase inalterado até o reinado de Domi-ciano, havendo apenas algumas exceções, como por exemplo nos reinados de Nero (54 d.C. - 68 d.C.), Galba (68 d.C. - 69 d.C.), Otão - Vitélio (68 a.C.), Vespasiano (68 - 79 d.C.) e Tito (79 d.C. - 81 d.C.), eventualmente consequência de flutua-ções da quantidade de ouro descoberta (tabela 2).

Atendendo ao quadro apresentado sobre os dados obtidos, em particular, a partir da produ-ção de moedas, podemos considerar que o inter-

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valo de tempo máximo de exploração das areias auríferas foi durante a Época Romana; pode ter sido durante o século I d.C. e o primeiro, se-gundo e terceiro quartel do século II d.C. Assim, é de esperar que a exploração das unidades con-glomeráticas auríferas identificadas na bacia hi-drográfica do Médio Tejo Português teria atingi-do um máximo durante a referida época.

A sustentar esta hipótese está o achado de uma ponta de lança de ferro na conheira do Touro (Vila de Rei), provável testemunho da presença de soldados que estariam normalmente em ser-viço da vigilância aos trabalhos de exploração de ouro; na base da ponta está inciso o acrónimo “M.A.F.”, que segundo Batata (2006) pode sig-nificar “Marcus Aurelius Firmus”, procurador dos me-tais (procurator metallorum) em 191 d.C. na região de Valduerna (Noroeste da Península Ibérica).

Em síntese, há dados significativos, que indi-cam ocorrência e exploração do ouro local a ní-vel de gestão integrada, sobretudo áreas mineiras e montanhosas versus áreas de cidade ao longo do Tejo, quer para a Proto-História, quer para o pri-meiro período imperial Romano nos concelhos de Vila de Rei, Mação e Abrantes que integram a bacia hidrográfica do Médio Tejo Português. Valorização geo-arqueológica da exploração do ouro no Médio Tejo português

A bacia hidrográfica do Médio Tejo ocu-pa uma região marcada por numerosas evidên-cias da intensa exploração de ouro durante a Época Romana, que eventualmente foi o re-

tomar de antigas atividades mineiras que já ti-nham ocorrido em tempos proto-históricos.Na região estudada, a área de exploração de ouro pode ser repartida em duas microunidades terri-toriais com características fisiográficas, econó-micas e sociais bem distintas. Uma das unidades ocupa uma área situada a norte do rio Tejo, cons-tituída na generalidade por formações rochosas metamórficas, que é designada do ponto de vis-ta geomorfológico como Maciço Antigo. É ca-racterizada por ser uma zona montanhosa, onde a população de cariz rural e marcadamente ex-tensiva, se dedicava quase exclusivamente à agri-cultura de subsistência e à exploração do ouro.

A outra unidade territorial está na dependên-cia direta do rio Tejo, que era navegável pelo me-nos até ao vicus de Vale do Junco (Ortiga), e loca-liza-se especialmente ao longo das suas margens, em particular, nas zonas mais planas. Consti-tui uma área urbana, onde predominavam ati-vidades comerciais, na qual se destaca o trans-porte do ouro extraído dos depósitos auríferos para ser conduzido aos centros de cunhagem.Para se ter uma visão de conjunto dos vestígios geológicos e arqueológicos associados com a mi-neração do ouro durante os tempos romanos na região da bacia hidrográfica do Médio Tejo, é necessário ter em conta todos os elementos e re-cursos que foram descobertos. Nesta perspetiva, teremos que integrar todos os dados que existem no território dos concelhos de Vila de Rei (co-nheiras e barragens), de Mação (conheiras e vicus romano) e de Abrantes (conheiras e vila romana) para uma compreensão global da realidade marcada pelo binómio exploração ouro e ocupação humana do território que predominou na Época Romana.

A promoção e divulgação deste património cultural através da definição de circuitos integra-dos de turismo arque-geológico, onde seriam fo-cadas as metodologias utilizadas na exploração do

Figura 6 - Estátua em mármore encontrada em Rossio-ao-Sul-do Tejo (Abrantes) do séc. I d.C. e atualmente guardada no Museu Lopo de Almeida - Castelo de Abrantes

(fonte: Câmara Municipal de Abrantes).Figure 6 - Marble statue found in Rossio-ao-Sul do Tejo (Abrantes) of the first century I AD and actually stored in

Lopo de Almeida Museum - Abrantes Castle (source: Municipality of Abrantes).

202 As conheiras de Vila de Rei: Património geo-arqueológico associado á ocupação humana no Médio Tejo entre Proto-História e Idade Romana

Page 195: Geonovas Número 28

Figura 7 - O balneário termal do vicus romano de Vale do Junco

(Ortiga, Mação).Figure 7 – The thermal bathhouse of the roman

vicius of the Vale do Junco (Ortiga, Mação).

Figura 8 – Representação das con-heiras identificadas no Concelho de Mação implantadas sobre um esboço

do mapa geológico (Romão, 2000).

Figure 8 - Representation of the identified conheiras implemented in Mação Municipality

on a geological map outline (Romão, 2000).

ouro e a génese das conheiras, e de turismo ar-queo-natural, com visitas a civitas em Abrantes e ao vicus em Ortiga/Mação (Fig. 9), bem como o foco no importante papel que o rio Tejo desem-penhava como via de transporte entre a região e o mundo romano, na dependência direta das ativi-dades de exploração de ouro, são mais-valias para a valorização económica da região na vertente.

Considerações finais

A diversidade da paisagem e a ocorrência de nu-merosos locais onde teria ocorrido a mineração do ouro e os vestígios de aglomerados romanos, que eventualmente dariam apoio a atividades necessá-rias à sua exploração, enriquecem e valorizam o pa-

trimónio cultural da região da bacia hidrográfica do Médio Tejo.

A sua singularidade e registo, na perspetiva da compreensão da história do lugar e/ou da região e da contextualização à escala dos tempos proto-históri-cos e romanos, acrescenta valor cultural e importân-cia científica, pedagógica e socioeconómica à região.

Os locais inventariados não são renováveis e todos eles têm importância, muitas vezes signi-ficativa, podendo ser mesmo assumidos como monumentos geológicos, mineiros e arqueológi-cos. Justifica-se a sua importância por serem re-presentativos de testemunhos do passado da his-tória da Terra, raros ou mesmo únicos; de facto, apresentam interesse científico e educativo, dado que permitem o conhecimento aprofundado do

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS GEONOVAS N.º 28: 183 a 205, 2015 203

Page 196: Geonovas Número 28

local e a exemplificação dos fenómenos e proces-sos associados com as ciências naturais e sociais. A sua divulgação através de visitas ao terreno ou de folhetos ou roteiros, bem como de circuitos turísticos com guias, que testemunham a histó-ria natural e social da região, irá contribuir para o desenvolvimento do turismo da natureza. Sa-lienta-se ainda que os guias e roteiros turísticos devem conter mapas a diversas escalas, com vários itinerários pedestres, de modo a que o patrimó-nio cultural descrito seja acessível à população em geral, na qual se incluem turistas, amadores de geologia e de arqueologia, para além dos alu-nos das escolas secundárias e do ensino superior.De facto, a elaboração de itinerários, programas e publicações de promoção e divulgação sobre os locais e lugares focados, permite o crescimento de um tipo de turismo distinto do habitual, constituído por in-divíduos mais cultos e mais interessados nos valores naturais e no saber, os quais são atraídos por ativi-dades de índole cultural nas suas distintas vertentes.Outra forma de divulgação, que poderá ser usada, consiste no recurso interpretativo de tipo painel

(Dias et al., 2003), ainda com escasso desenvolvi-mento no país. Porém, esta abordagem interpre-tativa deverá ser cuidada, para que a mensagem a transmitir seja eficaz e adaptada ao público-alvo.

Em suma, a valorização dos locais e lugares men-cionados e a sua divulgação à população em geral, e turística em particular, potenciam e fomentam o desenvolvimento de atividade turística que poderá ter elevado interesse socioeconómico para o futuro da região.

Agradecimentos

Os autores agradecem a elaboração dos esboços de mapas geológicos apresentados á Secção de Cartogra-fia Digital da UGHGC do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, em particular à Dr.ª Ana Pestana.

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204 As conheiras de Vila de Rei: Património geo-arqueológico associado á ocupação humana no Médio Tejo entre Proto-História e Idade Romana

Figura 9 - O sistema integrado do ouro antigo no Médio Tejo Português.Figure 9 - The integrated system of the antique gold in the Middle Portuguese Tagus.

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Nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho Inventariação, classificação e avaliação

I. S. Azevedo*1 & M. L. Rodrigues2

1 Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Edifício IGOT, Avenida Prof. Gama Pinto, 1649-003 Lisboa2 Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Edifício da FLUL, Alameda da

Universidade, 1600-214 Lisboa*autor correspondente: [email protected]

Resumo

Este artigo propõe uma avaliação qualitativa e quantitativa do valor geopatrimonial de nascentes cársicas localizadas no bordo do Maciço Calcário Estremenho (MCE). Primeiro, identificaram-se as nascentes cársicas perenes principais, sendo a sua inventariação e classificação, relativa aos tipos de valores patrimoniais associados, realizada através do preenchimento de fichas-inventário efectuadas no campo para as exsurgências dos rios Alviela, Almonda, Lis, Alcoa, Baça, Lena, Maior e ribeira de Alcobertas. Para avaliar o seu potencial geopatrimonial foram utilizados parâmetros de avaliação do seu valor científico (raridade, representatividade, integridade e vulnerabilidade), bem como de valores adicionais que acrescentam importância às nascentes cársicas consideradas (histórico-culturais, económico-sociais, estéticos e ecológicos). Por fim, procedeu-se à apresentação de propostas de geoconservação, valorização e promoção sustentável das nascentes.

Palavras-chave: Nascentes cársicas, Maciço Calcário Estremenho, geopatrimónio, património hidrológico, geoconservação.

Abstract

This paper aims to do a qualitative and quantitative evaluation of the karst springs located at the Estremadura Limestone Massif (ELM) border. Firstly, we did the main karst springs identification, filling an inventory sheet in the field, with data that allow also the characterization, classification and evaluation of karst springs. The springs considered were those that give rise to the Alviela, Almonda, Lis, Alcoa, Baça, Lena, Maior and Alcobertas rivers, in order to assess their geoheritage potential. The evaluation was based on the scientific value (rarity, representativeness, integrity and vulnerability) as well as on additional values that can add more importance to the studied karst springs (historical and/or cultural, economic, aesthetic and ecological ones). The results allow us to propose measures for the geoconservation, rehabilitation and sustainable development of the studied springs.

Key words: Karst springs, Karst springs, Estremadura Limestone Massif, geoheritage, hydrological heritage, geoconservation.

1. Introdução

Actualmente começa a assistir-se à criação de projectos de conservação e valorização do patrimó-nio geomorfológico e geológico, principalmente em áreas protegidas e geoparques, embora o mes-mo não ocorra com o património hidrológico. De facto, o património hidrológico é, muitas vezes, integrado em estudos de hidrogeologia ou de hi-

drogeografia, denotando uma subalternização do tema que se relaciona, em termos práticos directos, com o ordenamento e gestão de recursos hídricos.

A hidrologia é uma área de investigação e apli-cação que engloba todos os fenómenos terrestres onde a água desempenha um papel fundamental. Segundo Lencastre & Franco (2010), o objecto da hidrologia é, em sentido lato, o estudo dos três do-mínios onde a água está presente: o atmosférico, o

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oceânico e o terrestre. Consideram, contudo, que é vulgar designar por hidrologia apenas o estudo do ramo terrestre. Quanto a nós preferimos englobar quer o papel da água doce quer o da água salgada ou salobra. De facto, para além dos estudos oceano-gráficos, a água salgada, por si só ou misturada com água doce é fundamental para compreender, por exemplo, o modelado litoral ou as formas nas grutas localizadas na zona entre marés. Os autores supra-citados ou Hipólito & Vaz (2011) consideraram que a hidrologia estuda a ocorrência, quantidade, dis-tribuição e circulação das águas nas terras emersas, bem como a sua qualidade (propriedades físicas e químicas) relacionada com o meio e o uso humano.

Assim, não será difícil compreender o conceito de património hidrológico, intimamente relacio-nado com o conjunto mais vasto constituído pela geodiversidade hidrológica terrestre, da qual é par-te integrante (ver Rodrigues, 2009), bem como os elementos que o constituem. A geodiversidade engloba todos os elementos abióticos existentes na Terra (emersos e submersos). De facto, tem como suporte a enorme riqueza de elementos químicos e características físicas que constituem o sustentáculo da vida no nosso planeta. Segundo Sharples (1995) a geodiversidade é o conjunto (ou diversidade) dos elementos, sistemas e processos de natureza geoló-gica (substrato rochoso), geomorfológica (formas de relevo) e dos solos. Esta definição, seguida por diversos autores (Dixon, 1995; Australian Heritage Comission, 2003; Reynard, 2005; Reynard & Co-ratza, 2007; Erikstad, 2008; Rodrigues & Fonseca, 2008 e 2009; Serrano & Ruiz-Flaño, 2009; entre outros), foi adoptada por Gray (2004) que, após uma discussão sistemática das definições apresenta-das até à publicação do seu livro, defendeu um con-ceito relativamente consensual, considerando que os componentes da geodiversidade são o conjun-to natural da diversidade de elementos geológicos (rochas, minerais e fósseis), geomorfológicos (for-mas de relevo e processos) e solos, incluindo as suas relações, propriedades, interpretações e sistemas.

Posteriormente consolidou-se uma visão mais integradora, proposta inicialmente por Kozlowski (2004) e seguida por outros investigadores, de entre os quais se destacam Serrano & Ruiz-Flaño (2007), Rodrigues & Fonseca (2008 e 2009) ou Rodrigues (2009). Estes autores introduziram,

para além dos elementos geológicos, geomorfológi-cos e pedológicos, os respeitantes à diversidade hi-drológica (com particular enfase nos que integram a hidrologia continental, ou seja, a geodiversidade hidrológica terrestre).

De uma forma sintética, Rodrigues & Fonse-ca (2008 e 2009) e Rodrigues (2009) indicam que a geodiversidade (enquanto conceito teóri-co e aplicado) é o conjunto dos elementos natu-rais abióticos (geológicos, geomorfológicos, pe-dológicos, hidrológicos ou outros) existentes num determinado espaço. Desta forma, quan-to maior for a variedade destes elementos numa dada área, maior será a geodiversidade aí patente.

No actual contexto de protecção da água, a Di-rectiva da Água da Comissão Europeia afirma mes-mo que a água não é um produto comercial como outro qualquer, mas antes um património que deve ser protegido, defendido e tratado como tal.

A geodiversidade hidrológica engloba elementos relacionados com os lugares que incluem águas sub-terrâneas (unidades hidromorfológicas) e superfi-ciais (bacias hidrográficas, lagos, rios e outras for-mas de escoamento), geossítios hídricos (cascatas, zonas húmidas, zonas de descarga e recarga difusas, etc.), áreas e nascentes termais e outros pontos de interesse hidrológico (nascentes secas por sobre-ex-ploração ou por causas naturais, nascentes fluviais ou cársicas (superficiais ou subterrâneas), como as cavidades cársicas (grutas e galerias) ou outros fenó-menos hidrológicos típicos das áreas cársicas, como as perdas, exsurgências, ressurgências ou canhões cársicos e, mesmo, zonas húmidas classificadas ou a necessitar de medidas de protecção. De facto, os geossítios hidrológicos resultam da acção da água nos seus diversos estados, com realce para o esta-do líquido, que determina os processos de erosão e acumulação fluviais, bem como para o estado sólido relacionado com o modelado glaciar e periglaciar, para além da sua influência nos grandes inlandsis.

Contudo, os rios foram os organismos que mais despertaram movimentos de preservação e con-servação pela beleza de algumas das paisagens as-sociadas ao modelado fluvial ou fluvio-cársico.Simic & Belij (2008) publicaram um interessan-te texto, que sintetiza o trabalho do Hydrology Working Group do National Geoheritage Council of Serbia, onde con-sideram que até ao presente os fenómenos e sítios

208 Nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho: inventariação, classificação e avaliação

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hidrológicos têm sido alvo de protecção apenas em casos raros, quando apresentam um valor excep-cional do ponto de vista científico, educacional ou estético, pelo que para os classificar se tem utilizado a sua raridade e representatividade. Por isso, os au-tores supracitados sugerem a necessidade de intro-duzir um novo conceito, o de “hidrodiversidade”, para centrar a discussão no património hidrológico.

Sabemos que a geodiversidade hidrológica ter-restre é fundamental para a conservação da vida e do ambiente, bem como para uma multitu-de de processos físicos e químicos que interagem com a meteorização das rochas e minerais, com o modelado que constitui as paisagens actuais e herdadas ou com os processos pedogenéticos.

Assim, o geopatrimónio, na mesma linha de ra-ciocínio adoptada para a definição de geodiversida-de, será equivalente de património natural abiótico e corresponde, segundo a definição deste termo em português (que corresponde ao de geoheritage em in-glês) proposto por Rodrigues & Fonseca (2008), ao “conjunto de valores que representam a geodiversi-dade do território”, sendo “constituído por todo o conjunto de elementos naturais abióticos existen-tes à superfície da Terra (emersos ou submersos) que devem ser preservados devido ao seu valor pa-trimonial”, incluindo, “o património geológico, o património geomorfológico, o património hidro-lógico, o património pedológico e outros já referi-dos”. A distinção entre os patrimónios geológico e geomorfológico é aqui entendida de acordo com o âmbito destas Ciências da Terra definido no Apên-dice 1 da Recomendação 2004(3) do Conselho da Europa intitulada “Philosophy and practice of geological and geomorphological conservation”. Os sítios onde é identifi-cada a existência de geopatrimónio denominam-se de geossítios que “serão todos os sítios de particu-lar interesse geopatrimonial, incluindo os sítios litológicos, estruturais, paleontológicos, minera-lógicos, geomorfológicos, hidrológicos, pedológi-cos ou outros, que apresentam um valor singular do ponto de vista científico (para a reconstituição da história da Terra), podendo ter outros valores adicionais, como são o caso do pedagógico, cultu-ral, estético, económico, ecológico ou outro” (Ro-drigues, 2009). Existem poucos estudos específi-cos e, como tal, escassas referências bibliográficas, relativos ao património hidrológico e pedológico.

Parcialmente integrado em estudos hidrogeológi-cos ou hidrogeográficos, o património hidrológi-co é, então, formado pelos elementos hidrológicos que possuem valor patrimonial (à escala regional, nacional ou internacional), pelo que devem ser preservados enquanto geopatrimónio, permitindo uma utilização sustentada desses recursos de forma a serem também disfrutados pelas gerações vindou-ras. Verifica-se que muito desse geopatrimónio ca-rece de informação adequada sobre a sua relevân-cia, sendo o seu valor desconhecido da população local e encontrando-se, na maior parte dos ca-sos, deteriorado ou completamente ao abandono.

Daí a importância de abordar este tema sobre a inventariação, classificação e avaliação das princi-pais nascentes cársicas existentes no bordo do Ma-ciço Calcário Estremenho (MCE), o maior e mais importante conjunto calcário do país, onde se lo-calizam algumas das exsurgências mais importan-tes e essenciais para o abastecimento das popula-ções locais (e não só), assim como para o conhe-cimento das reservas hídricas nacionais, sendo de extrema importância a sua preservação, valoriza-ção e promoção. Para além do seu interesse para a investigação científica, possuem elevado valor para o turismo de natureza e para o geoturismo.

2. Enquadramento geográfico e geomorfológico

O Maciço Calcário Estremenho, individualiza-do na figura 1 através da sua maior altitude relati-vamente aos terrenos circundantes, localiza-se na região central de Portugal continental, enquadra-do pelas cidades de Leiria, Alcobaça, Rio Maior, Torres Novas e Ourém. Uma parte deste maciço está igualmente sujeita a um regime de protecção da natureza através da instituição em 1979 do Par-que Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PN-SAC), em 1979, com uma área aproximada de 384 km2, correspondente à área delimitada no mapa.

O MCE corresponde a uma unidade geomor-fológica, geológica e hidrológica situada no sector leste da Bacia Sedimentar Ocidental, que, através de soerguimento tectónico, cavalga a Bacia do Tejo. É caracterizado por possuir importante carsificação superficial e subterrânea (ver, por exemplo, Mar-tins, 1949 ou Rodrigues, 1998), constituindo um grande reservatório de água de importante valor

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Figura 1 - Localização da área de estudo.Figure 1 - Location of the study area.

no âmbito do ordenamento dos recursos hídricos nacionais. Nele se regista a maior extensão de aflo-ramentos em rochas calcárias do Jurássico Médio no país (Carvalho et al., 2001), caracterizada pela sua permeabilidade devido às descontinuidades presentes nas rochas (falhas, juntas de estratifi-cação, diaclases e outras fracturas), o que influencia a ausência de cursos de água à superfície (encon-trando-se o nível freático a profundidades elevadas embora variáveis) e a existência de condutas subter-râneas (poços, galerias e grutas) responsáveis pelo escoamento da maior parte da água.

Relativamente às unidades morfológicas do MCE, este encontra-se estruturado, (segundo Ro-drigues, 1998), em: i) dois planaltos, o Planalto de Sto. António (a Sul e SE) e o Planalto de S. Mame-de (a Norte, que se liga à Plataforma de Fátima atra-vés de ressalto tectónico); ii) três relevos resultantes de estruturas anticlinais, a Serra de Candeeiros (a W, que efectua a ligação à Plataforma de Aljubar-rota), a Serra de Aire (a E, que cavalga a Bacia do Tejo ao longo dos Arrifes) e o monte de Alqueidão

(a W do Planalto de S. Mamede, abatido relativa-mente a este ao longo da falha de Reguengo do Fe-tal); iii) três depressões de origem tectónica (com estrutura em graben dissimétrico), que intercalam as unidades anteriores, como é o caso da Depres-são da Mendiga (associada às falhas da Mendiga e de Rio Maior - Porto de Mós - Batalha), que separa a Serra de Candeeiros do Planalto de Sto. António e das Depressões de Alvados e de Minde (associadas ao sistema de falhas com orientação NW-SE, que dão lugar às imponentes Costas de Alvados e de Minde), que separam o Planalto de Sto. António do conjunto formado pelo Planalto de S. Mame-de e pela Serra de Aire. Estas unidades morfoló-gicas principais do MCE são visíveis na figura 2.

Na figura 3, correspondente ao mapa de decli-ves do MCE, estão localizadas as nascentes cársicas referidas no presente trabalho. Como se verifica facilmente, estas localizam-se no bordo do MCE, embora as exsurgências dos rios Alcoa e Baça se si-tuem já na Plataforma de Aljubarrota. As restantes nascentes ocorrem a jusante de alinhamentos com

210 Nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho: inventariação, classificação e avaliação

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declive elevado, frequentemente coincidentes com acidentes tectónicos.

3. Metodologia para a avaliação das nascentes cársicas

As fases de identificação, classificação e ava-liação do património hidrológico basearam-se na metodologia proposta por Reynard et al., 2007 e Rodrigues & Fonseca, 2010, entre outros, que foi adaptada para o presente estudo. No arti-go são utilizados dados qualitativos e quantita-tivos com o objectivo de seleccionar e caracteri-zar os principais locais de interesse hidrológico.

Os locais identificados foram listados, localiza-dos em mapa e sujeitos a uma avaliação qualitativa e quantitativa aquando do preenchimento in situ da ficha-inventário dos geossítios. Este procedimento considerou três conjuntos principais de informa-

ção: o valor do elemento hidrológico identificado e classificado, a necessidade de gestão e protecção/medidas a tomar, bem como as potencialidades de uso enquanto local de interesse hidrológico. A fi-cha-inventário proposta por Rodrigues (2009) foi adaptada relativamente aos locais em estudo - as exsurgências do bordo do MCE. Esta é com-posta por um primeiro conjunto de tópicos com o objectivo de realizar o enquadramento da área em estudo (e.g., localização do geossítio, data de observação, mapa com localização). Num segun-do conjunto englobou-se a descrição do geossí-tio (e.g., tipo de acessibilidade, estado de con-servação, síntese descritiva). No último conjunto juntaram-se os dados relativos à importância do geossítio a nível de representatividade espacial (im-portância regional, nacional ou internacional), o tipo e grau de interesse/valor científico e/ou adi-cionais e as potencialidades e ameaças do geossítio

Figura 2 - Unidades morfológicas e principais acidentes tectónicos. PA-Plataforma de Aljubarrota; SC – Serra dos Candeeiros; DMend. – Depressão de Mendiga; PSA – Planalto de Sto. António; DMinde – Depressão de Minde; PF – Plataforma de Fátima; PSM – Plataforma de São Mamede; SA – Serra de Aire. FRM-PM-B – Falha de Rio Maior-Porto de Mós-Batalha; FM – Falha de Mendiga; CA – Costa de Alvados; CM – Costa de Minde; FRF – Falha do Reguengo do

Fetal; BC – Bacia do Tejo.Figure 2 - Morphological units and major tectonic accidents. PA-Plataforma de Aljubarrota; SC – Serra dos Candeeiros; DMend. – De-pressão de Mendiga; PSA – Planalto de Sto. António; DMinde – Depressão de Minde; PF – Plataforma de Fátima; PSM

– Plataforma de São Mamede; SA – Serra de Aire. FRM-PM-B – Falha de Rio Maior-Porto de Mós-Batalha; FM – Falha de Mendiga; CA – Costa de Alvados; CM – Costa de Minde; FRF – Falha do Reguengo do Fetal; BC – Bacia do Tejo.

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(potencialidades de uso, ameaças actuais ou po-tenciais, necessidade de medidas de protecção).

Terminada a fase de recolha, caracterização e avaliação dos dados relativos a cada exsurgência fo-ram efectuadas algumas propostas de conservação, valorização e promoção sustentável das nascentes cársicas localizadas no bordo do Maciço Calcá-rio Estremenho, na medida em que a área prote-gida não apresenta propostas de geoconservação.

4. Resultados e discussão

Através do trabalho de campo efectuado e do preenchimento das fichas-inventário, foi pos-sível verificar que as nascentes (ver Fig. 3) detêm um importante valor científico. Relativamente à nascente do rio Baça, temos ainda dúvidas quan-to aos processos de evolução e à sua forma actual, sendo que a exsurgência passa despercebida, uma vez que se confunde com uma qualquer ribeira.

O valor científico foi caracterizado por três parâmetros essenciais: a raridade, a representati-vidade e a integridade de cada geossítio. Contudo, é necessário saber qual o conjunto de referên-cia adoptado para a avaliação destes parâmetros.

Isto é, o valor de um geossítio não será o mesmo se adoptarmos diferentes escalas de análise: o seu significado científico diminui à medida que alar-gamos a área de referência. Será maior se uti-lizarmos comparações a nível local ou regional, diminuirá se considerarmos todos os geossítios do mesmo tipo existentes a nível nacional e pode-rá ter um valor insignificante se comparado com geossítios existentes em toda a superfície terres-tre. No limite, apenas o geossítio mais impor-tante do planeta terá um valor científico máximo.

No nosso caso utilizamos uma avaliação baseada nas nascentes cársicas existentes a nível nacional.Verificou-se que, de entre os parâmetros de avalia-ção do valor científico, a raridade é um parâmetro decisivo na diferenciação entre as nascentes cársi-cas, apesar de no MCE existir um elevado número de nascentes temporárias e mais algumas perma-nentes de reduzido caudal. A avaliação qualitativa apresentada na tabela 1 mostra que as nascentes cársicas apresentam uma raridade distribuída pelas quatro classes de valor consideradas: baixa (nas-cente do rio Baça); média (nascentes do rio Lena, do rio Maior, da ribeira de Alcobertas e do rio Lis); elevada (nascentes do rio Alcoa e do rio Almonda);

Figura 3 – Localização das nascentes cársicas.Figure 3 - Location of the karst springs.

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muito elevada (nascentes do rio Alviela). De facto, três nascentes apresentam particularidades especí-ficas que as distinguem das outras: i) os “Olhos de Água do Alviela” (Fig. 4), que mostram bem a acção conjunta de processos flúvio-cársicos, sendo a nas-cente cársica mais importante do país, pelo caudal total emitido, pelas diferentes exsurgências que os constituem (dando origem ao rio Alviela), ou pela ocorrência de perdas e ressurgências; ii) o “Olho do Moinho da Fonte” (nascente do rio Almonda, re-presentada na Fig. 5), através do qual é possível ter acesso à gruta localizada a montante da exsurgência com recurso ao espeleomergulho; iii) o “Olho da Mãe d’Água” (nascente do rio Alcoa, representada na Fig. 6), que possui uma temperatura mais elevada e maiores concentrações em sulfatos, cálcio e sódio.

O parâmetro da representatividade, incluí-do também no valor científico, é particularmente importante pois estas nascentes cársicas têm a ca-pacidade de transmitir a sua génese, forma e pro-cessos hidrológicos associados, adicionando ao valor científico características que permitem a sua utilização em actividades pedagógicas (Rodrigues, 2009). Como se pode ver na tabela 1, não é por acaso que três delas estão associadas a centros in-terpretativos, como são o Centro de Ciência Viva do Alviela, o Centro de Interpretação Subterrâneo da Gruta do Almonda ou o Eco Parque dos Mon-ges, que, para além disso, permitem uma gestão mais eficaz das exsurgências e sua envolvência. Es-tes centros, com objectivos mais direccionados para a educação e sensibilização ambiental, desenvolvem diversas actividades lúdicas para os mais novos, bem como a criação de percursos pedestres que permi-tem a interpretação in situ dos geossítios. Com ex-cepção das nascentes do rio Baça, todas apresentam uma representatividade elevada ou muito elevada.

O parâmetro da integridade apresenta um va-lor sempre elevado ou muito elevado (excepto a nascente do rio Baça), mostrando a importância destas exsurgências no panorama do relevo cár-sico português, bem como a necessidade de pro-mover um uso sustentado da sua envolvência através de programas de gestão e monitorização.

Muitas das nascentes possuem, para além do va-lor científico, valores adicionais, como o histórico--cultural (pela sua associação a lendas, superstições ou festividades), ou o valor económico relacionado

com a longa história de utilização da água pelas po-pulações locais (para a agricultura, abastecimento de água doméstica e industrial), permitindo a ins-talação de indústrias com particular necessidade de água, como são o caso da tecelagem aliada à tinturaria dos tecidos, dos curtumes, da indústria panificado-ra ou da indústria transformadora de papel (Fig. 7), que persistem até à actualidade. Contudo, a maior parte destes usos mostra a vulnerabilidade dos aquí-feros cársicos à contaminação e poluição da água (Pacheco et al., 2011), como se observa na figura 8.

Outros valores adicionais como o estético e o ecológico devem ser igualmente tidos em conta pois algumas nascentes estão inseridas em paisa-gens com elevado valor paisagístico, proporcio-nando, igualmente, a presença de espécies vege-tais particulares adaptadas aos ecossistemas, como é o caso das ripícolas. A fauna é também muito rica salientando-se, para além de espécies inse-ridas em ambientes húmidos e aquáticos, espé-cies cavernícolas raras ou únicas que devem ser protegidas (como os morcegos ou as gralhas de bico vermelho, os insectos, aracnídeos e outros animais cavernícolas endémicos, evidencian-do, por vezes, manifestações de troglomorfismo).

Na tabela 1 pode-se verificar que todas as nascentes cársicas consideradas no presente estudo possuem valores adicionais que se adicionam ao valor científi-co para conferir maior importância às exsurgências.Relativamente às potencialidades de uso (referidas por Pereira et al.(2007), todos os geossítios têm va-lor para a investigação científica, para além da maior parte ter interesse para o turismo de natureza (na sua vertente lúdica ou pedagógica), como é o caso do espeleomergulho, pedestrianismo, prática de BTT, passeios a cavalo ou de burro, bem como para a educação ambiental e acções de formação, o geo-turismo (baseado na interpretação do geopatrimó-nio), o lazer (nomeadamente o balnear), o abaste-cimento de água às populações e, mesmo, a moa-gem de cereais (Fig. 9), entre outras (ver Tab. 1).

Para definir medidas de gestão deste património hidrológico é necessário conhecer profundamente a vulnerabilidade dos geossítios (Rodrigues & Fon-seca, 2010). Por isso, o parâmetro vulnerabilidade foi também avaliado (ver Tab. 1). Nas nascentes es-tudadas, a vulnerabilidade varia entre baixa e mé-dia, tendo em consideração apenas as exsurgências

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Figura 4 - Canhão Flúvio-Cársico da Ribeira dos Amiais.Figure 4 - Fluvial-Karst Canyon of the Ribeira dos Amiais.

Figura 5 – Olho do Moinho da Fonte.Figure 5 – Olho do Moinho da Fonte.

Figura 6 - Olho da Mãe d’Água.Figure 6 – Olho da Mãe d’Água.

214 Nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho: inventariação, classificação e avaliação

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Tabela 1 – Síntese da avaliação qualitativa das nascentes cársicas estudadas no Maciço Calcário Estremenho. Classificação do valor: B - Baixo; M - Médio; E - Elevado; ME - Muito Elevado.

Table 1 - Qualitative evaluation summary of karst springs studied in the Limestone Massif of Estremadura. Value rating: B - Low; M - Medium; E - High; ME - Very High.

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e sua envolvente próxima. Contudo, foi possível verificar no local que algumas nascentes mostram sinais evidentes de poluição das águas e/ou inter-venções humanas desajustadas que modificaram parcialmente os geossítios. Nas nascentes do rio Alcoa e na nascente da ribeira de Alcobertas, a água encontra-se eutrofizada, com presença abundante de algas verdes (Fig. 10), denotando a olho nu o excesso de nutrientes fornecidos, sobretudo pelas actividades agropecuárias (com particular impor-tância dos efluentes das suiniculturas), industriais

e deposição de substâncias químicas e de resíduos sólidos, como é o caso das placas de fibrocimento detectadas nas nascentes do rio Alcoa. Relativamen-te às restantes nascentes, apesar de não apresenta-rem evidências visuais de poluição, será necessário proceder a análises regulares da qualidade da água para decidir dos seus usos potenciais. Assim, para traçar uma estratégia de gestão das nascentes cársi-cas, que permita simultaneamente a sua protecção e promoção, captando novos visitantes, é neces-sário realizar estudos sistemáticos que consubs-

Figura 7 - Fábrica da Renova associada à nascente do rio Almonda.Figure 7 - Renova factory associated to the Almonda river Spring.

Figura 8 – Abastecimento de água através da nascente da Ribeira de Alcobertas.Figure 8 - Water supply through the Ribeira de Alcobertas spring.

216 Nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho: inventariação, classificação e avaliação

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tanciem o ordenamento e valorização dos recur-sos hidrológicos do Maciço Calcário Estremenho.

A tabela 2 foi elaborada para sintetizar a in-formação fornecida na tabela 1 e permitir uma comparação mais fácil entre as diferentes nascen-tes cársicas. Para isso transformou-se a classifica-ção qualitativa das 4 classes de valor utilizadas na tabela 1 (baixo, médio, elevado e muito elevado) em pontuações quantitativas, tal como já foi uti-lizado por outros autores, nomeadamente Grand-girard (1999), Pralong (2005), Reynard (2005), Reynard et al. (2007), Pereira (2006), Rodri-gues & Fonseca (2010). A maioria considera que cada parâmetro de avaliação deve variar entre 0 e 1. Assim, aos valores considerados baixos na ta-bela 1 foi atribuída uma pontuação de 0,25, aos valores identificados como médios corresponde uma pontuação de 0,50, aos valores elevados cor-responde uma pontuação de 0,75 e, finalmente, aos valores apontados como muito elevados foi atribuída uma pontuação de 1,00 (ver Tab. 2).

Para além das duas primeiras colunas (com va-lor científico e valores adicionais) incluiu-se uma terceira sobre os valores de uso e gestão. Nesta última indica-se o número de valências existen-tes em termos de uso e gestão dos geossítios (ver descriminação na tabela 1), bem como a avalia-ção da vulnerabilidade que é fundamental para gizar medidas de geoconservação e de promoção.A análise da tabela 2 permite-nos estabelecer um

ranking das nascentes cársicas estudadas, destacan-do-se as Nascentes do Rio Alviela, que possuem 2 pontos em termos de valor científico (num má-ximo de 3 pontos) adicionados por 3,50 pon-tos obtidos nos valores adicionais (num máximo de 4 pontos), o que representa um valor total de 5,50 pontos. Além disso, é necessário considerar que não apresenta áreas de vulnerabilidade visí-veis (vulnerabilidade de 1) e que possui 9 valên-cias relacionadas com o uso e a gestão do geossítio.

Um segundo conjunto é formado pelas Nas-centes do Rio Maior, pelas Nascentes do Rio Al-monda e pelas Nascentes do Rio Lis, sendo que as primeiras obtêm uma pontuação total de 5,0 enquanto as duas últimas somam 4,75 (embora com uma estrutura distinta entre valor científi-co e valores adicionais). A este valor total acres-centam-se as valências das três nascentes, veri-ficando-se que as do rio Maior apenas contabi-lizam 3 valências, enquanto as do rio Almonda e do rio Lis apresentam valências idênticas (5).

Quanto à vulnerabilidade, as nascentes do rio Maior e do rio Almonda apresentam um valor supe-rior (1,00) à das nascentes do rio Lis que apenas pos-suem um pouco menos de vulnerabilidade (0,75).

Um terceiro conjunto é composto pelas Nas-centes do Rio Alcoa, pelas Nascentes do Rio Lena e pelas Nascentes da Ribeira de Alcobertas, sendo que as duas primeiras apresentam valores totais de 4,00, enquanto as segundas contabilizam valores

Figura 9 - Azenha em funcionamento para moagem de cereais.

Figure 9 - Watermill in operation for grinding cereals.

Figura 10 – Presença de algas verdes na nascente da Ribeira de Alcobertas.

Figure 10 - Presence of green algae in the Ribeira de Alcobertas spring.

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Tabela 2 - Síntese da avaliação semi-quantitativa das nascentes cársicas estudadas no Maciço Calcário Estremenho. Clas-sificação do valor: Baixo-0,25; Médio-0,50; Elevado-0,75; Muito Elevado-1,00.

Table 2 - Semi-quantitative evaluation summary of karst springs studied in the Limestone Massif of Estremadura. Value rating: Low-0.25; Medium-0.50; High-0.75; Very High-1.00.

218 Nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho: inventariação, classificação e avaliação

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totais de 3,75. Em termos de valências de uso e ges-tão, as nascentes do rio Lena apresentam 4 enquan-to as outras duas exsurgências apresentam 6 cada.Um último conjunto conta apenas com as Nascen-tes do Rio Baça com um valor total de 1,75 e apenas uma valência.Por último resta referir que, mesmo na actual situação das nascentes cársicas, existe a necessidade de recuperar algumas a curto prazo, de colocar painéis interpretativos junto das exsurgên-cias e ao longo dos percursos pedestres, de proceder à sensibilização ambiental dos visitantes (qualquer que seja a sua idade ou formação prévia), colocan-do avisos relativos às boas práticas (e.g., não poluir a água e área envolvente), de melhorar os acessos às nascentes evitando simultaneamente a criação de trilhos “selvagens”, de realizar uma maior fis-calização das exsurgências e áreas envolventes, de sensibilizar a população (local e visitante) quanto à importância da qualidade da água, entre outras medidas prementes.

5. Conclusões e trabalhos futuros

O estudo das principais nascentes cársicas do MCE permitiu realizar avanços no conhecimen-to deste património hidrológico. Contudo, temos consciência que constitui apenas um ponto de par-tida para o necessário conhecimento aprofundado dos recursos hídricos de valor inestimável existen-tes no MCE e, em particular, para a caracterização, conservação, valorização e promoção das nascen-tes cársicas enquanto geossítios de valor nacional.Não existindo qualquer informação sobre pro-jectos vigentes ou futuros de geoconservação e valorização do património hidrológico exis-tente no MCE, sugerimos que se desenvolvam, desde já, algumas iniciativas com vista à valo-rização das nascentes cársicas, nomeadamente:

Acções de formação e esclarecimento em centros culturais e/ou recreativos nas di-versas localidades no sentido de sensibilizar as populações e organizar grupos de volun-tários para acções de limpeza e fiscalização das nascentes, rios e respectivas margens;Acções que permitam o armazenamento e tratamento de efluentes da agropecuária, no-meadamente através de ETAR’s e medidas que

aumentem a eficiência das ETAR’s existentes;Intervenções estruturais nas explorações agropecuárias;Planos que permitam uma adequada gestão de fertilizantes agrícolas;Restrições e fiscalização, por parte das au-toridades competentes, das actividades de-senvolvidas pelas indústrias de curtumes, agropecuárias, matadouros e indústrias de transformação da pedra e do papel;Estruturas de saneamento básico nas locali-dades onde ainda se utilizam as fossas sép-ticas (frequentemente ligadas a algares que transportam os efluentes domésticos direc-tamente para a circulação subterrânea);Ac-ções de incentivo à manutenção e recupera-ção de usos tradicionais ligados às exsurgên-cias e cursos de água delas resultantes (e.g. azenhas, moagens de cereais, canais de rega, aquedutos);Projectos de criação de roteiros geoturísticos que permitam aos visitantes realizar o percurso das nascentes cársicas do bordo do MCE, incluindo a informação necessária para a sua compreensão, uma vez que não se protege o que não se conhece.Dado que neste trabalho se apresentam os primeiros resultados com vista à elaboração de uma Dissertação de Mestrado em Geogra-fia Física e Ordenamento do Território, in-titulada “Potencial geopatrimonial e geotu-rístico de nascentes cársicas do Maciço Cal-cário Estremenho”, serão ainda efectuados outros estudos relacionados, nomeadamen-te, com a avaliação quantitativa dos geossí-tios e a elaboração de roteiros geoturísticos.

Agradecimentos

Agradecemos ao revisor anónimo os comentários efectuados na primeira versão do artigo que nos permi-tiram enriquecer esta versão final.

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GEONOVASINSTRUÇÕES AOS AUTORES

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O cojunto dos revisores de cada número da re-vista constituem a respectiva Comissão Científica. Os artigos submetidos a publicação não podem ser enviados a outras revistas.

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do manuscrito não poderão ter mais de 5 palavras-chave.

f) Os artigos recebidos pela Comissão Editorial serão revistos pelo editor e por dois ou mais revisores científicos.

h) Para artigos em co-autoria, o manuscrito deverá mencionar o autor correspondente. Se a mesma não for providenciada, o autor que submeteu o artigo será considerado o autor correspondente. A submissão de arti-gos em co-autoria implica que o autor cor-respondente tem o acordo dos restantes au-tores para submeter e publicar o artigo.

3. Preparação do Manuscrito

a) A primeira página do manuscrito deverá conter o título do artigo em tamanho 16, o(s) nome(s) do(s) autor(es) em tamanho 12, a afiliação do(s) autor(es) com endereços institucionais, os telefones (ou faxes) e e-mails em tamanho 9, bem como a indicação a que autor deverá ser enviada a correspondência.

b) A segunda página deverá conter o(s) resu-mo(s) em português e em inglês seguido(s) de até cinco palavras-chave, em tamanho 10. Cada resumo deverá ser inteligível sem refe-rência ao artigo e deverá ser uma compilação objectiva das informações e interpretações originais do artigo, e não apenas uma refe-rência aos assuntos abordados.

c) O texto principal, em tamanho 12, deverá seguir-se e poderá ser dividido em secções.

d) Os agradecimentos deverão seguir o texto principal e deverão ser reunidos numa sec-ção denominada por Agradecimentos.

e) Todas as referências citadas no texto deve-rão ser organizadas por ordem alfabética no fim do texto (a seguir aos agradecimentos) e deverão estar numa secção denominada Bi-bliografia.

No texto, as referências deverão ser citadas pelo(s) nome(s) do(s) autor(es), e pela data da edição (en-tre parêntesis) como os exemplos seguintes:

Dias & Cabral (1989)Cabral (1995) (Cunha, 1987, 1992, 1996)(Raposo, 1987, 1995a, 1995b; Cunha et al., 2008).

As referências a livros devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publi-cação, o título da obra em itálico, entidade editora,

local de publicação e paginação. As referências a artigos devem mencionar o(s) nome(s) do(s) au-tor(es), seguido da data de publicação (entre pa-rêntesis), o título do artigo, o título do periódico em itálico, o volume, o número ou fascículo e a paginação. Os autores deverão consultar o último número das GEONOVAS para correcta listagem das referências.

Exemplos:Cunha, P. P., 1987. Evolução tectono-sedimentar

terciária da região de Sarzedas (Portugal). Comun. Serv. Geol. Portugal, Lisboa, 73(1/2): 67-84.

Cunha, P. P., Martins, A. A., Huot, S., Murray, A. & Raposo, L., 2008. Dating the Tejo river lower terraces in the Ródão area (Portugal) to assess the role of tectonics and uplift. Geomorphology, 102: 43– 54.

Reis, R. Pena dos & Cunha, P. P., 1989. Comparación de los rellenos terciarios en dos regiones del borde occidental del Macizo Hespérico (Portugal Central). Paleogeografía de la Meseta norte durante el Terciario. (C.J. Dabrio, Editor), Stv. Geol. Salman., Ediciones Univ. Salamanca, vol. esp. 5: 253-272.

Ribeiro, O., Teixeira, C. & Ferreira, C. R., 1967. Carta Geológica de Portugal na escala1/50.000 (folha 24D – Castelo Branco) e respectiva notícia explicativa. Serv. Geol. de Portugal, Lisboa, 24.

Romão, J., 2000. Estudo tectono-estratigráfico de um segmento do bordo SW da Zona Centro-Ibérica (ZCI) e suas relações com a Zona Ossa-Morena (ZOM). Diss. Doutoramento, Univ. Lisboa, 322.

f) Todas as ilustrações deverão ser designadas figuras. No início da frase devem ser referidas es-critas por extenso (ex: Figura 1). Dentro da frase devem ser escritas de forma abreviada (ex: Fig. 1). Os anexos deverão ser mencionados no texto, refe-rindo-se a estes como Anexo 1, etc.

g) Cabeçalhos ou rodapés não poderão ser usa-dos em qualquer circunstância.

h) Fórmulas matemáticas. As equações são ge-ralmente introduzidas como parte de frases, re-querendo pontuação. Os autores deverão provi-denciar todos os símbolos a constar na publicação.

4. Ilustrações

Todas as ilustrações (figuras, gráficos, mapas, fotos, etc…) são figuras e devem ser referidas como tal. As figuras deverão estar numeradas sequencial-mente com numerais arábicos e devem ser provi-denciadas em ficheiros separados com resolução adequada para publicação (no mínimo 300 dpi)

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Page 215: Geonovas Número 28

(submissão electrónica apenas) que não poderá ex-ceder os 4Mb cada. As figuras deverão ser enviadas com os tipos de letra a usar (Times, Arial, Helve-tica, Symbol ou Courier). As partes de uma figura devem estar indicadas como (a), (b), (c), etc., e de-vem ser referidas como tal nas legendas (ex: Fig. 5 – (a)), mas como a, b, c, etc. no texto (ex. Fig. 5d).

5. Tabelas

As tabelas devem ser enviadas num documento Word em separado. As unidades deverão ser refe-ridas uma vez nas colunas ou na legenda e não ao longo da tabela.

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6. Legendas

As legendas das figuras e tabelas devem ser apresentadas com espaçamento duplo e devem ser enviadas num documento Word em separado. As legendas devem ser providenciadas na língua origi-nal do artigo e em inglês, descrevendo brevemente o conteúdo das figuras e/ou tabelas.

7. Separatas

Serão fornecidas aos autores ficheiros pdf dos trabalhos publicados.

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Associação Portuguesa de Geólogos

A Associação Portuguesa de Geólogos foi fundada em 1976. É uma associação sócio-profissional, sem fins lucra-tivos, que congrega profissionais da Geologia que se dedicam a domínios diversificados no âmbito das Ciências

da Terra.É membro fundador da Federação Europeia de Geólogos.

É também membro da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Ciêntíficas (FEPASC).

Os objectivos da Associação Portuguesa de Geólogos são os seguintes:- Representar a profissão de Geólogo junto dos poderes públicos e privados;

- Promover a elevação, independência e prestígio da profissão;- Defender os interesses dos Geólogos e da Geologia;

- Promover o desenvolvimento científico e técnico dos seus associados;- Cooperar na preparação de leis e regulamentos relativos ao título e ao exercício da profissão;

- Aprovar um código português de deontologia profissional (Código Deontológico);- Intervir no planeamento do ensino da Geologia.

Quer receber informações sobre as atividades desenvolvidas pela APG? Envie-nos o seu endereço eletrónico para [email protected] solicitando a inclusão na nossa lista de divulgação.

Consulte como se inscrever como sócio emwww.apgeologos.pt

Associação Portuguesa de Geólogos

Morada social e Endereço PostalMuseu Geológico, Rua da Academia das

Ciências, n.º 19 - 2º1249-280 Lisboa

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Comissão DiretivaAntónio Gomes CoelhoJosé Mário C. Branco

José RomãoCarlos AlmeidaMargarida SilvaMónica SousaVítor Correia

Comissão EditorialJoão Pais (FCT/UNL)José Romão (LNEG)Rúben Dias (LNEG)Zélia Pereira (LNEG)

CapaAndreia Figueiredo

Execução gráficaCor Comum, Lda

Depósito Legal183140/02

ISSN0870-7375

Tiragem250 exemplares

PeriodicidadeAnual

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0870-7375

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