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GENEROS TEXTUAIS COMO INSTRUMENTO MEDIADOR DO ENSINO DA LINGUA
PORTUGUESA
Érica Ferreira Dias, Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] Adriana Wandermurem Corrêa, Unespar – Câmpus de Campo Mourão,
[email protected] Cibele Introvini, (TIDE), Unespar – Câmpus de Campo Mourão,
[email protected] RESUMO: Este texto consiste num estudo realizado a partir das práticas desenvolvidas no Projeto de Intervenção Pedagógica em Língua Portuguesa, promovido pelo colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná, Campus de Campo Mourão, com estudantes do 5° ano do Ensino Fundamental. Objetivamos mostrar como a metodologia pautada no uso da cartilha e do livro didático apresenta-se falha, explicitar concepções de linguagem adotadas para o ensino e discutir encaminhamentos metodológicos diferenciados, voltados aos gêneros textuais. Para tanto, partimos da seguinte indagação: Quais conhecimentos são necessários ao professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, especificamente na área de Língua Portuguesa, para desenvolver uma prática pedagógica que alfabetize e ensine ortografia aos seus alunos? Para a análise utilizaremos a concepção de linguagem enquanto interação. As contribuições teórico-metodológicas terão como referência os seguintes autores: Marcuschi (2008), Cagliari (2000; 2005) e Travaglia (2002). Com este trabalho, contribuímos com algumas reflexões sobre o processo de aprendizagem da linguagem escrita tendo em vista a importância da mediação docente. Palavras-chave: Gêneros textuais. Língua Portuguesa. Linguagem escrita. INTRODUÇÃO
No ano de 2012 iniciou um Projeto de Intervenção Pedagógica em Língua Portuguesa
desenvolvido na UNESPAR/Campus de Campo Mourão, direcionado a estudantes dos anos iniciais do
Ensino Fundamental matriculados em escolas públicas da cidade de Campo Mourão/Pr. Este artigo é
resultado das pesquisas e práticas desenvolvidas no ano de 2014 com alunos do 5º ano. Durante as
aulas de reforço foram desenvolvidas atividades diferenciadas daquelas trabalhadas em sala de aula, as
quais foram elaboradas e planejadas partindo das dificuldades dos alunos, na Língua Portuguesa (LP),
mais especificamente, na produção textual, objetivando a criticidade dos mesmos, a socialização, o
hábito pela leitura e a apropriação da função social da escrita.
O trabalho inicialmente apresenta uma breve discussão sobre a importância dos gêneros
textuais para o processo de ensino-aprendizagem, em seguida trazemos uma retrospectiva histórica do
livro didático dentro do contexto brasileiro, considerando que o Livro Didático (LD) pertence ao
espaço escolar há muito tempo, motivado pelas transformações que a sociedade vem sofrendo, nas
esferas políticas, sociais, econômicas e tecnológicas. Subsidiados por essas explanações, recorremos a
alguns textos escritos e reescritos por uma estudante do 5° ano do Ensino Fundamental, a fim de
discutirmos as principais dificuldades apresentadas pela estudante, em relação à ortografia, gramática,
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estruturação e interpretação de texto, tendo como referência teórica autores como Marcuschi (2008),
Cagliari (1998) e Possenti (1996).
AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
A teoria é o que sustenta o trabalho do professor, pois lhe dá subsídios para interpretar,
analisar e propor encaminhamentos metodológicos. Considerando tal afirmação, apresentaremos as
três concepções de linguagem que norteiam o trabalho do professor de Alfabetização e Língua
Portuguesa.
Segundo Travaglia (2002), a primeira concepção corresponde a da Linguagem como
Expressão do Pensamento, que tem sua correspondência na gramática teórico-normativa. A segunda
concepção é a da Linguagem como Instrumento de Comunicação, cuja correspondência é a gramática
descritiva. A terceira concepção, assumida dentro da pesquisa, é da Linguagem como processo de
interação, a qual possui uma natureza sócio-histórica e admite autor e leitor como sujeitos de uma
relação de atribuição de sentidos ao texto. Esta concepção tem sua correspondência na gramática
internalizada.
Travaglia (2002) enfatiza que a gramática internalizada está ligada ao saber linguístico que o
falante de uma língua desenvolve dentro do espaço em que vive. Para Possenti (1996, p. 69), a
gramática internalizada é o “conjunto de regras que o falante domina”. Portanto, quando chega à
escola, a criança é falante da língua portuguesa e, portanto, domina, ainda que no nível dos conceitos
cotidianos, a gramática. Ela consegue se expressar adequadamente e relaciona-se com os demais
sujeitos com certa liberdade, isto é, compreende e é compreendida no que fala.
De acordo com Travaglia (2002, p.23), a “linguagem é lugar de interação humana, de
interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação
de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico”. Nesse sentido, quando os seres
humanos interagem, inevitavelmente, produzem textos, e transformam-se como resultado da
apropriação de novos conhecimentos, pois ambos são tomados como sujeitos desse processo.
Na escola, professores e estudantes, considerados sujeitos no processo de ensino e
aprendizagem deveriam reproduzir tal relação. Quando, por exemplo, o professor ensina a grafia de
uma letra, ele está informando ao estudante como escrever de forma adequada. O professor tenta
descobrir, mesmo nos rabiscos, o que seu aluno quis escrever, procura entender a forma de pensar do
mesmo. Da mesma forma, quando o aluno fala, pergunta ou escreve, é ele que aponta o seu modo de
perceber e relacionar com o mundo, nessa relação o conhecimento se modifica (SMOLKA, 1987).
Segundo Smolka (1987), a teoria, que neste caso consiste na concepção de linguagem e de
educação, possibilita ao professor a capacidade de interpretar as escritas das crianças, vendo e
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reconhecendo as aproximações com a escrita convencional, sendo possível identificar que a escrita
produzida pela criança faz sentido dentro de um contexto. Para além dessa percepção, a teoria permite
que o docente planeje sua(s) possível (eis) forma(s) de intervenção pedagógica, isto é, como ensinará
para o estudante a ortografia da Língua Portuguesa e a produção de gêneros textuais, por exemplo.
OS GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DA LINGUA PORTUGUESA
O processo de alfabetização e letramento deve ocorrer de maneira indissociável de modo, que
ao mesmo tempo em que o aluno aprenda o código escrito, compreenda a função social da escrita,
sabendo, assim, aplicá-la em seu dia-a-dia. Sendo assim, os textos dos mais variados gêneros
contribuem de forma significativa para tal processo, uma vez que a linguagem se organiza a partir dos
mesmos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96, Seção III, art. 32, assegura à
criança o direito de receber uma educação adequada apropriando-se da leitura e da escrita, ou seja, de
todas as ferramentas necessárias ao seu desenvolvimento.
O documento enfatiza, ainda, que é preciso mais do que desenvolver a leitura e escrita é
necessário preparar os alunos para viverem de forma atuante na sociedade (BRASIL, 1996). Para que
tais aspectos sejam desenvolvidos, o ensino do conteúdo não deve ser trabalhado de forma
fragmentada e descontextualizada, mas sim, de forma contextualizada, como aponta a Diretrizes
Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica,
Os conteúdos disciplinares devem ser tratados, nas escolas, de modo contextualizado, estabelecendo-se, entre eles, relações interdisciplinares e colocando sob suspeita tanto a rigidez com que tradicionalmente se apresentam quanto o estatuto de verdade atemporal dado a eles (PARANÁ, 2008, p.14).
Deste modo, a proposta de produção textual a partir dos gêneros vem ao encontro da
necessidade de buscar novas metodologias para o ensino de Língua Portuguesa, em especial nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, em que muitas vezes, professores ficam presos a métodos tradicionais
como: o livro didático e cartilhas, tornando o processo de alfabetização cansativo e sem significado
para os alunos, prejudicando, assim, a leitura e escrita, formando sujeitos que não conhecem sua real
funcionalidade (MARCUSCHI, 2008.). Como corrobora Smolka (1996, p. 69), a alfabetização “[...]
implica desde sua gênese, a constituição do sentido. Desse modo, implica, mais profundamente, uma
forma de interação com o outro pelo trabalho da escrita”. Sendo assim, o professor precisa elaborar
atividades significativas para as crianças, não trabalhar com palavras isoladas, sem significado. Desta
forma, os gêneros textuais, desde que trabalhados de forma contextualizada, abordando problemáticas
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pertinentes à vida do estudante, contribuem, assim, não só para a aquisição da gramática, mas para a
formação do cidadão.
Por serem produzidos histórico e socialmente, os gêneros são diversos, sendo assim, difícil de
classificá-los. Estes atuam como uma forma de controle social, por exemplo, dita regras para trabalhos
científicos, ensaios, teses, quase que impõem certo modo de fazer ciência. Como afirma Marcuschi
[...] o meio em que o ser humano vive e no qual ele se acha imerso é muito maior que o seu ambiente físico e seu contorno imediato, já que está envolto também por sua história, sua sociedade e seus discursos. A vivência cultural humana está sempre envolta em linguagem e todos os textos sitiam-se nestas vivências estabelecidas simbolicamente. Isto é um convite claro para o ensino situado em contextos reais da vida cotidiana. (MARCUSCHI, 2008, p 173),
Diante disso, o ensino a partir dos gêneros textuais possibilita aos alunos conhecer o mundo
que os rodeia, pois, de acordo com Marcuschi, (2008, p. 154), “[...] é impossível não se comunicar
verbalmente por algum gênero, assim como é impossível não se comunicar verbalmente por algum
texto”. Há diferentes finalidades para os gêneros e estes são utilizados diariamente em nosso cotidiano,
cabendo ao professor apresentá-los para os alunos, e mais do que isso, explicar sua função sócio-
histórica, além de ajudá-los a interpretar e reconhecer os gêneros na sua vida cotidiana.
Segundo Marcuschi, (2008), apesar de a leitura ocorrer dentro de um contexto social, e sua
importância ser evidente, grande parte da população não sabe como utilizá-la. A sociedade é
bombardeada com novas informações a cada dia, novas tecnologias e apenas o livro didático não é
capaz de desenvolver as competências necessárias para viver de forma atuante na sociedade, além do
que, o livro didático tem contribuído para a perpetuação da ideologia dominante, como veremos.
RETORNO ÀS ORIGENS
A história do livro didático no Brasil começa em 1929, quando foi criado um órgão específico
para legislar sobre políticas do livro didático, denominado Instituto Nacional do Livro (INL). Em
1938, foi criada a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), através do decreto-lei n°1.006, de
30/12/38, que estabeleceu condições para produção, importação e utilização do livro didático. O papel
dessa comissão seria manter o controle político-ideológico dos conteúdos abordados no livro didático
em vez de desempenhar uma função didática. Como afirma Freitag:
Para comprovar a validade dessa afirmação, basta tomar como exemplo a criação, em 1938, da comissão de Livro Didático. Essa medida permaneceria incompreensível, se analisada isoladamente. Reexaminada à luz da política educacional do Estado Novo e das funções dessa política para a estabilização da ditadura Vargas, a Comissão e sua forma de atuar passam a ter sentido. A criação da Comissão insere-se me um rol de medidas visando a reestruturação e o controle
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ideológico de todo o sistema educacional brasileiro. Nesta ocasião, foi simultaneamente introduzido o ensino de moral e cívica em todos os níveis, expandindo o ensino industrial e profissionalizante (destinado à a classe operária) [...]. (FREITAG et al,1989, p. 24)
Na década de sessenta, houve um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência
Norte-Americana para o desenvolvimento Internacional (USAID) que permitiu a criação da Comissão
do Livro Técnico e Livro Didático (COLTED). Essa comissão tinha o papel de coordenar as ações
referentes à produção, edição e distribuição do livro didático. Porém, as razões verdadeiras eram
outras, conforme explica Freitag:
O que os funcionários e assessores do MEC descreviam como ajuda da USAID era denunciado por críticos da educação brasileira como um controle americano do mercado livreiro, especialmente do mercado do livro didático. Esse controle garantia por sua vez o controle, também ideológico, de uma fatia substancial do processo educacional brasileiro. (FREITAG et al,1989, p. 14 e 15)
O papel da escola, no período compreendido a partir das décadas de 60 e 70, era formar o
indivíduo para o mercado de trabalho, atendendo às exigências da sociedade industrial e tecnológica.
O Livro Didático servia como ferramenta para esse processo de ensino, já que era todo pautado em
materiais instrucionais sistematizados.
Em 1971, o COLTED e o convênio com MEC/USAID foram extintos. O Instituto Nacional
do Livro (INL) passou a desenvolver o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental
(PLIDEF) e assumiu as atribuições administrativas e de gerenciamento dos recursos financeiros. No
ano de 1976, foi extinto o INL e a Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME) ficou
responsável pela execução dos programas do livro didático. Nesse período, parte dos alunos ficou sem
receber o material didático devido à falta de recurso financeiro do MEC para produzir livros
suficientes para atender a todos os estudantes.
Nos anos que seguiram, outras leis vieram a estabelecer medidas, objetivando atender às
transformações que a escola e a sociedade necessitavam, uma delas foi incluir o professor no processo
de seleção do livro didático (1983 e 1985). Em 1996, teve início o processo de avaliação pedagógica
dos livros inscritos no Programa Nacional do Livro Didático o qual permanece até hoje. No ano de
1997, o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) foi ampliado e o MEC passou
a adquirir livros didáticos para todas as séries do Ensino Fundamental. Atualmente, o governo federal
possui outros dois programas que também são desenvolvidos com o auxílio do livro didático, sendo
que um é voltado para o ensino médio - Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio –
PNLEM -, criado em 2004, e o outro para jovens e adultos - Programa Nacional do Livro Didático
para a Alfabetização de Jovens e Adultos – PNLA -, criado em 2007.
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Uma das questões mais relevantes sobre o livro didático é a função que desempenhou e
continuará desempenhando no espaço escolar, que é a de perpetuar a ideologia da classe dominante,
seja de forma explícita ou implícita. É o que diz Freitag:
Até agora são poucos os críticos da ideologia do livro didático que se dão conta de que a ideologia está implícita também, e talvez mais radicalmente, na forma de apresentação do livro (seu aspecto físico, suas gravuras, método de apresentação escolhido, a forma de programação do texto e do aprendizado, o tom confidencial das instruções etc.). (FREITAG et al,1989, p. 85)
A problemática do implícito é o mascaramento que o manual didático sofre, ou seja, reveste-se
o livro de textos dos mais diversificados gêneros, com temas atuais, com propostas político-
pedagógicas ditas interacionistas, mas que, em sua essência, permanecem nos moldes tradicionais,
reproduzindo a ideologia dominante.
Deste modo, a escola é o principal instrumento de perpetuação da mesma, exemplo disso, é que
ao chegar à escola o professor simplesmente desconsidera a maneira de falar e escrever do aluno, pois
para ele não é adequada. Sendo esta apenas mais uma forma de se evidenciar as desigualdades sociais.
O professor vê o ensino da norma padrão como se fosse a única aceitável, é preciso sim trabalhar com
a norma culta, no entanto sem desvalorizar o conhecimento de mundo do aluno adquirido em suas
relações sociais (SOARES, 1986).
Considerando a artificialidade com que a escola trata o ensino da Língua Portuguesa aos falantes
da mesma, assinala Soares que:
Para os alunos pertencentes às classes dominantes, essa “didática do reconhecimento” tem como efeito, o aperfeiçoamento do conhecimento [...], que já possuem, da língua “legítima”; para os alunos pertencentes às camadas populares, essa “didática do reconhecimento” não ultrapassa seus próprios limites, porque, na aprendizagem da língua, reconhecer não leva a conhecer. Em outras palavras: a escola leva os alunos pertencentes às camadas populares a reconhecer que existe uma maneira de falar e escrever considerada “legítima”, diferente daquela que dominam, mas não os leva a conhecer essa maneira de falar e escrever, isto é, a saber produzi-la e consumi-la. (SOARES, 1986, p. 63)
Como afirmou Soares, o ensino torna-se artificial para aqueles que não dominam a norma
culta e a mesma não fará sentido se no processo de ensino-aprendizagem a criança não entender como
ela se constitui e como será empregada no seu cotidiano. Como corrobora Smolka (1996), a
alfabetização “[...] implica desde sua gênese, a constituição do sentido. Desse modo, implica, mais
profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho da escrita”. Lembrando que, o
ensino de Língua Portuguesa nas séries inicias foi e ainda é pautado, mais na forma do que no
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conteúdo. O aluno aprende a desenhar letras, palavras, escrever parágrafos, mas não sabe interpretar
de forma crítica o que está lendo ou produzindo (SMOLKA, 1996, p. 69).
Desde as séries iniciais, o professor deve criar situações reais para o aluno realizar suas
produções textuais, porém o ensino ocorre de forma descontextualizada e fragmentada. Desse modo
não cumpre o seu papel social, tendo em vista, que a escola além de ensinar os conteúdos acumulados
historicamente pela humanidade deve formar cidadãos críticos, que atuem de forma participativa na
sociedade. Sendo assim, a proposta de trabalho durante as aulas de reforço proporciona aos alunos o
contato com gêneros que estão presentes em seu cotidiano. Alguns desses trabalhos analisaremos a
seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Temos desenvolvido um trabalho de intervenção pedagógica, em 2014, com estudantes do
quinto ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de Campo Mourão. As crianças
são indicadas pela escola, a partir das recomendações da professora regente da turma, e da pedagoga,
considerando suas necessidades na disciplina de Língua Portuguesa, em especial: dificuldades na
leitura e na escrita.
Quando iniciamos o trabalho, embora tenhamos um breve parecer da escola, realizamos uma
investigação para identificarmos o que cada estudante sabe sobre a Língua Portuguesa e podermos
planejar o que seria trabalhado com cada um. O texto abaixo, imagem1, foi o primeiro produzido por
R., de 12 anos.
De acordo com a Teoria Histórico Cultural ancorada nos trabalhos de Vigotsky (2004), Luria
(1979,1988), Leontiev (1978) e seus seguidores, a mediação, como uma ação intencional, possibilita o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores e, como consequência, o desenvolvimento dos
conceitos científicos na criança em idade escolar, contudo, deve-se levar em consideração o
conhecimento prévio do aluno. Dessa forma, alguns questionamentos devem servir como referência
para o início do trabalho de leitura e produção textual: Vocês sabem o que são gêneros textuais? O que
é um manual de instruções? Onde e como podemos utilizá-lo?
O contexto de produção refere-se a uma solicitação feita pela coordenadora da atividade
partindo da apresentação oral de uma história de “alienígena” que visitava a Terra e não sabia como
comer pão.
Inicialmente, os estudantes falaram para o “alienígena”, que foi interpretado por uma das
integrantes do projeto, como deveria proceder para conseguir se alimentar. Os alunos foram
percebendo que era preciso haver uma ordem cronológica, para que a tarefa se completasse,
perceberam, ainda, a importância de instruir com riqueza de detalhes para que o outro entenda o que
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queremos expressar. Posteriormente, foi sugerido aos alunos que realizassem um manual de
instruções, como segue:
Imagem 01 – Manual de instruções (1-Você tem que cortar o pão/ 2-pegar a margarina/ 3-com a faca você vai fechar o pão e comer) Fonte: Arquivo do Projeto de Intervenção Pedagógica em Língua Portuguesa
Podemos observar nessa primeira produção textual que o estudante está alfabetizado e não há
erros de ortografia. A criança organiza as ideias de forma cronológica, porém o texto não corresponde
ao gênero sugerido, manual de instruções, pois ainda faltam informações. Assim, esclarecemos sobre o
uso e o funcionamento desse gênero de texto, procurando levar o aluno a entender que os gêneros têm
uma função, um manual de instruções que não explica detalhadamente o que deve ser feito não está
atingindo o seu objetivo. A segunda produção de texto apresentou-se como podemos observar na
imagem 02:
Imagem 02 – Manual de instruções (1- você tem que pegar a faca/ 2- abrir o pão no meio/ 3- colocar o pão na mesa/4- pegar o poti com a mão e abrir/ 5- pege a faca pace na manteiga com a faca/ 6- (paçar) passar no meio do Pão/ 7- fecha o pão e comer) Fonte: Arquivo do Projeto de Intervenção Pedagógica em Língua Portuguesa
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Na segunda produção de texto, podemos observar alguns erros de ortografia nas palavras: poti
(pote), pege (pegue), pace (passe), paçar (passar). Segundo Cagliari (1998), conhecendo as hipóteses
que levaram o aluno a grafar de tal maneira o professor tem um respaldo para discutir com o mesmo,
sanando a dúvida de vez. Segundo Cagliari (1998), os erros acima podem ser são vistos
costumeiramente nas escritas das crianças, e correspondem à presença da fala oral na escrita (poti) e à
escolha indevida de qual letra usar (pege, pace, paçar), pois, nesse segundo caso, o estudante faz uma
análise adequada do fonema. Isso ocorre porque uma letra pode representar vários sons, “isto obriga os
alunos a fazerem escolhas a todo instante. Acertará algumas e errará outras, até que, confrontando o
que fez com o estabelecido pela ortografia, comece a grafar as palavras corretamente (CAGLIARI,
1998, p. 277).
Contudo, para o gênero sugerido, “manual de instruções”, o texto ainda apresenta-se
inadequado. Porém podemos observar que R. procurou detalhá-lo mais que na primeira tentativa. Após
nova intervenção realizada por uma integrante do projeto, solicitou-se que a aluna fizesse nova
produção, como podemos observar na imagem 03:
Imagem 03 – Manual de instruções (1- abra a torneira com uma mão/ 2- lave a mão/ 3- ceque as mãos/ 4- pegea faca com a mão direita/ 5- com a outra mão pege a pão que esta na mesa/ 6- corte o pão comloque a faca na mesa/ 7- pege a margarina com as duas mão/ 8- abra a margarina/ 9- coloque uma da mão na tampa da margarina e puche para cima/ 10- coloque a margarina e a tanpa na mesa/ 11- pege a faca com uma da mão com a outra você segura a margarina e pace a faca sobre a margarina/ 12- sigure o pão pace a faca na margarina que esta no pão/ 13- coloque... Fonte: Arquivo do Projeto de Intervenção Pedagógica em Língua Portuguesa
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O texto acima consiste num recorte da terceira produção da criança. Ao voltarmos o olhar para
o gênero proposto na atividade, percebemos que na terceira vez que o texto foi reescrito, a aluna
conseguiu-se atender aos critérios inerentes ao gênero manual de instruções. Quanto à ortografia, o
texto apresenta erros voltados aos seguintes aspectos: presença da fala oral na escrita (sigure),
segmentação (pegea), escolha indevida de qual letra usar (puche, pace, pege, ceque) e nasalização
(tanpa).
As dificuldades encontradas nas produções textuais correspondem às mesmas encontradas no
início da alfabetização. O que nos leva a pensar que o método da cartilha apresenta falhas, uma vez
que um aluno alfabetizado não teria dúvidas em escrever palavras como “pegue” ou “segue”. Para que
tais erros sejam sanados, deve-se trabalhar a leitura dos mais diferentes gêneros textuais e a produção
textual. E a partir da própria produção levar o aluno a reconhecer e refletir sobre os erros cometidos.
Como afirma Cagliari,
[...] o professor alfabetizador deve trabalhar, sempre que possível, com textos, os alunos também devem estar sempre envolvidos com a problemática da linguagem, analisando-a dentro de um contexto real de uso, ou dentro da própria linguagem, como é o caso do estudo das relações entre letras e sons. Isso faz com que os alunos passem da habilidade de produzir textos orais para a habilidade de produzir textos escritos; da habilidade de produzir textos no estilo da fala do dia-a-dia para habilidade de produzir textos segundo as exigências escolares e culturais. (CAGLIARI, 1998 p. 209).
As produções dos alunos além de mostrar ao professor o que aprendeu, direcionam a prática
docente, manter, alterar ou aprimorar a sua prática, para assim contemplar as necessidades intrínsecas
ao processo de leitura e escrita do seu aluno. Muitas vezes ao corrigir o texto dos alunos o professor
apenas soluciona o erro, escrevendo a palavra de maneira correta, evitando assim, questionamentos.
Esse momento seria ideal que o professor mediasse a correção de modo a levá-los a refletir sobre
aquele erro.
O tipo de correção adotada pelo professor interfere na aprendizagem do aluno, se ao corrigir o
texto dos alunos o professor apenas solucionar o erro, escrever a palavra de maneira correta, evitará
assim, questionamentos este por sua vez, não se vê no papel de quem tem de ler o texto para encontrar
problemas, uma vez que isso já foi realizado por quem é de direito [...]”. O professor precisa levar o
aluno a refletir sobre os erros, para não correr o risco de apenas decorar regras ortográficas. O autor
afirma ainda que quando o professor faz as correções no texto, ou as aponta, ao passar a limpo, o aluno
não modifica nada além que o sugerido. A reescrita não deveria ser a mera correção ortográfica, mas é
o que na maioria das vezes ocorre. O professor precisa atuar como mediador, direcionando como deve
ser a reescrita, quais aspectos do texto precisam ser melhorados e não realiza-la para os alunos.
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As produções dos alunos além de mostrar ao professor o que aprendeu, direcionam a prática
docente, manter, alterar ou aprimorar a sua prática, para assim contemplar as necessidades intrínsecas
ao processo de leitura e escrita do seu aluno. Muitas vezes ao corrigir o texto dos alunos o professor
apenas soluciona o erro, escrevendo a palavra de maneira correta, evitando assim, questionamentos.
Esse momento seria ideal que o professor mediasse a correção de modo a levá-los a refletir sobre
aquele erro.
Desta forma, não basta o professor alicerçar o ensino apenas no aspecto gramatical, e deixar de
lado a coerência, coesão, os sentidos presentes no texto. O trabalho de escrita e reescrita exige tanto do
professor quanto do aluno. Do professor que ao analisar os textos produzidos, deve desenvolver uma
abordagem que consiga atender as dificuldades seja na escrita, leitura ou interpretação. Do aluno que a
cada abordagem estará aprendendo mais sobre o funcionamento da língua.
Como observado nos textos analisados neste trabalho, a intervenção do professor foi de
fundamental importância, pois sozinho, o aluno não conseguiria identificar o motivo do erro.
Diferentemente do que ocorre nas escolas, quem realizou a primeira revisão foi a aluna, ao terminar de
escrever cada texto a mesma foi incumbida de identificar os possíveis erros e circular, para
posteriormente, junto com a professora levantar hipóteses e sanar de vez as dúvidas.
Outra questão relevante consiste na diferenciação do que é alfabetização e do que é aprender
ortografia. De acordo com os textos apresentados da estudante R., podemos assinalar que a mesma
está alfabetizada, está desenvolvendo sua competência de produtora de textos escritos e necessita ser
esclarecida sobre alguns conteúdos relacionados à ortografia.
Nesse sentido, o trabalho desenvolvido neste projeto, com esta estudante especificamente,
deve ser orientado no sentido de fazer com que esta criança leia e produza diferentes gêneros de
textos, bem como reflita sobre algumas regras convencionadas sobre a escrita, a que denominamos
ortografia, para que a mesma seja capaz de decidir acertadamente qual letra deverá usar em
determinada palavra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar sua vida escolar a criança já é falante da Língua Portuguesa. Isso significa que
produz textos orais com qualidade suficiente para se fazer entendida. Na escola, esta criança deverá
aprender a sistematizar os conhecimentos que já possui, conceitos cotidianos sobre a língua e
transformá-los em científicos. O professor desempenha um papel fundamental no processo de
apropriação dos conhecimentos científicos. É por meio da mediação desempenhada por ele que o
estudante compreenderá em que consiste o simbolismo da escrita, como e por que escrevemos, quais
são as regras convencionadas, etc. Consideramos relevante apontarmos duas questões discutidas ao
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longo deste texto e que nos remetem ao questionamento levantado sobre quais conhecimentos são
necessários ao professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, especificamente na área de Língua
Portuguesa, para desenvolver uma prática pedagógica que alfabetize e ensine ortografia aos seus
alunos: a primeira diz respeito à apropriação da escrita e a segunda corresponde ao trabalho docente.
No que diz respeito à primeira questão, duas ações distinguem-se no momento da apropriação
da linguagem escrita: alfabetizar e ensinar ortografia. Alfabetizar corresponde a ensinar o simbolismo
da escrita, o mecanismo da escrita alfabética, os símbolos alfabéticos. Ensinar ortografia corresponde a
apontar as convenções da escrita estabelecidas histórica e socialmente. O que comumente ocorre nos
anos iniciais do Ensino Fundamental é que essas ações são tomadas como similares. A falta de
discernimento, por parte do professor, pode provocar equívocos no momento de analisar as produções
dos estudantes.
Assim, quando há a compreensão do que consiste alfabetizar e ensinar a ortografia, a análise
empreendida pelo professor sobre a escrita do aluno deve ser direcionada no sentido de compreender
as reflexões que os estudantes fazem sobre o sistema de escrita, ou seja, o que pensam quando
escrevem, porque usam determinada letra e não outra, para, num outro momento, planejar quais ações
serão necessárias para escolher adequadamente quais letras usar. A percepção sobre a produção do
estudante só será possível se o professor se dispuser a trabalhar com produção de textos espontâneos,
uma vez que opção pela cartilha/livro didático acaba por “engessar” as possibilidades de uso da língua
ao considerar somente uma única forma de escrever como correta, a ortográfica.
Isso nos remete à segunda questão: o trabalho docente. Toda ação docente está fundamentada
numa concepção de educação, de linguagem. Cabe ao professor tomar consciência de qual concepção
norteia seu trabalho, para desenvolvê-lo com coerência. A opção por trabalhar na perspectiva dos
gêneros textuais justifica-se pela natureza social da mesma. Por meio dos gêneros é possível ensinar a
Língua Portuguesa de modo menos artificial, isto é, utilizar-se de situações reais em que a criança
precisará escrever textos que são/serão usados fora da escola. Além disso, o estudo dos diversos
gêneros de textos proporciona maior e melhor conhecimento acerca dos conteúdos escolares, se
comparados aos textos produzidos especificamente para a alfabetização, inseridos nos livros didáticos.
Finalmente, os textos espontâneos apresentados nesse artigo sinalizam para uma prática
docente que proporcione reflexões sobre a língua que a criança ainda não foi capaz de fazer. Embora
alfabetizada, ainda lhe é necessário compreender alguns conhecimentos sobre ortografia, como, por
exemplo, relações letra/som, fonema/grafema, para que a mesma escolha a letra correspondente, ou
mesmo a juntura das palavras, isto é a segmentação adequada.
IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014
ISSN 1981-6480
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