GARCIA CANCLINI. ores e Cidadaos (RES)

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Resenha do livro: Consumidores e Cidadãos. Autor: Nestor Garcia Canclini ISBN:857108159x No prefácio do livro o autor já nos adianta um pouco sobre o tema da globalização como um processo de fracionamento articulado do mundo e de recomposição de suas partes. O que o autor nos diz é que a globalização não é um simples processo de homogeneização, mas sim de reordenamento de diferenças e igualdades. Canclini expõe sua teoria dizendo que a América Latina foi “inventada” pela Europa, num processo de conquista e colonização iniciado pela Espanha e Portugal, mas o que acontece nos dias de hoje é que nosso vínculo é mais com os Estados Unidos. E, muitas vezes, essa transferência de vínculo da Europa para os Estados Unidos é vista como uma passagem de um exercício sociopolítico para uma submissão socioeconômica, pois, para muitos autores, através de nossa relação com a Europa aprendemos a ser cidadãos e através de nossos vínculos com os Estados Unidos aprendemos a ser consumidores. É inegável que nossas relações econômicas e culturais com os EUA impulsionaram um modelo de sociedade no qual muitas funções do Estado foram substituídas por corporações privadas - as identidades se organizam, hoje, cada vez menos em torno de símbolos nacionais e passam a se formar a partir do que propõe Hollywood. Mas, para o autor, essa concepção é insuficiente e simplista para explicar as atuais transformações na articulação daquilo que todos temos de cidadãos e de consumidores. Para Canclini esse processo pode ser entendido como uma despolitização em relação aos ideais de democracia liberal e Iluminista ou, pode-se pensar, como postulou Appadurai que a noção política de cidadania se expandiu ao incluir direitos de habitação, saúde, educação e apropriação de outros bens em processos de consumo. É nessa perspectiva que o autor tenta reconceitualizar o consumo ao invés de enxergá-lo somente como simples cenário de gastos inúteis, mas, como um espaço que serve para pensar e, no qual, se organiza grande parte da racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica nas sociedades. Introdução: Consumidores do séc XXI, Cidadãos do séc XVIII Esse livro tenta entender como as mudanças na maneira de consumir alteraram as possibilidades e as formas de exercício da cidadania. Parece-nos que, junto com a degradação da política e a descrença em suas instituições, outros modos de participação se fortaleceram. Os sujeitos perceberam, atualmente, que muitas de suas perguntas como, por exemplo, aquelas relacionadas à questão de pertencimento têm suas respostas localizadas no consumo privado de bens e nos meios de comunicação de massa. O autor inicia esse capítulo colocando em discussão a questão do próprio e do alheio e nos mostra que essa é uma oposição que começa a se desfigurar na contemporaneidade devido a alguns fatores tais como, a luta geracional do que é necessário e desejável além do fato de que

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Resenha do livro: Consumidores e Cidadãos. Autor: Nestor Garcia Canclini ISBN:857108159x No prefácio do livro o autor já nos adianta um pouco sobre o tema da globalização como

um processo de fracionamento articulado do mundo e de recomposição de suas partes. O que o

autor nos diz é que a globalização não é um simples processo de homogeneização, mas sim de

reordenamento de diferenças e igualdades. Canclini expõe sua teoria dizendo que a América

Latina foi “inventada” pela Europa, num processo de conquista e colonização iniciado pela

Espanha e Portugal, mas o que acontece nos dias de hoje é que nosso vínculo é mais com os

Estados Unidos. E, muitas vezes, essa transferência de vínculo da Europa para os Estados Unidos

é vista como uma passagem de um exercício sociopolítico para uma submissão socioeconômica,

pois, para muitos autores, através de nossa relação com a Europa aprendemos a ser cidadãos e

através de nossos vínculos com os Estados Unidos aprendemos a ser consumidores. É inegável

que nossas relações econômicas e culturais com os EUA impulsionaram um modelo de sociedade

no qual muitas funções do Estado foram substituídas por corporações privadas - as identidades se

organizam, hoje, cada vez menos em torno de símbolos nacionais e passam a se formar a partir do

que propõe Hollywood. Mas, para o autor, essa concepção é insuficiente e simplista para explicar

as atuais transformações na articulação daquilo que todos temos de cidadãos e de consumidores.

Para Canclini esse processo pode ser entendido como uma despolitização em relação aos

ideais de democracia liberal e Iluminista ou, pode-se pensar, como postulou Appadurai que a

noção política de cidadania se expandiu ao incluir direitos de habitação, saúde, educação e

apropriação de outros bens em processos de consumo. É nessa perspectiva que o autor tenta

reconceitualizar o consumo ao invés de enxergá-lo somente como simples cenário de gastos

inúteis, mas, como um espaço que serve para pensar e, no qual, se organiza grande parte da

racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica nas sociedades.

Introdução: Consumidores do séc XXI, Cidadãos do séc XVIII

Esse livro tenta entender como as mudanças na maneira de consumir alteraram as

possibilidades e as formas de exercício da cidadania. Parece-nos que, junto com a degradação da

política e a descrença em suas instituições, outros modos de participação se fortaleceram. Os

sujeitos perceberam, atualmente, que muitas de suas perguntas como, por exemplo, aquelas

relacionadas à questão de pertencimento têm suas respostas localizadas no consumo privado de

bens e nos meios de comunicação de massa.

O autor inicia esse capítulo colocando em discussão a questão do próprio e do alheio e nos

mostra que essa é uma oposição que começa a se desfigurar na contemporaneidade devido a

alguns fatores tais como, a luta geracional do que é necessário e desejável além do fato de que

hoje, os objetos perderam sua relação de fidelidade com os territórios originários. Hoje, a cultura é

um processo de montagem multinacional, uma articulação flexível de partes.

Mas, o que diferencia a internacionalização da globalização? A internacionalização foi o

processo de abertura de fronteiras geográficas de cada sociedade para incorporar bens materiais e

simbólicos das outras. Já a globalização pode ser vista como uma interação funcional de

atividades culturais e econômicas diversas. O autor nos mostra, também, como que a globalização

ultrapassa a questão de homogeneizar as culturas locais. O que acontece, muitas vezes, é que

muitas diferenças nacionais persistem, porém, o consumo, para obter maiores lucros, converte as

diferenças em desigualdades. O autor nos mostra, também nesse capítulo, que para vincular

consumo com cidadania precisamos desconstruir algumas concepções como, por exemplo,

àquelas ligadas ao fato de relacionarmos o consumo sempre a um ato irracional. Para o autor

quando selecionamos os bens e nos apropriamos deles definimos o que consideramos

publicamente valioso, assim como, os modos de nos integrarmos e nos distinguirmos na

sociedade. Vale colocar que essa visão de consumo atrelado ao exercício da cidadania tem a ver

com os estudos sobre “cidadania cultural” (realizados nos EUA) que falam que ser cidadão não

tem a ver apenas com os direitos reconhecidos pelos aparelhos estatais para os que nasceram em

determinados lugares, mas também, com as práticas sociais e culturais que dão sentido de

pertencimento. O autor compartilha, portanto, o interesse de se abrir à noção estatizante de

cidadania a essa diversidade cultural, mas unida sempre à luta por uma reforma estatal.

Para Canclini os meios eletrônicos, que fizeram irromper as massas populares na esfera

pública, deslocaram o desempenho da cidadania em direção às práticas de consumo. Segundo o

autor, foram estabelecidas outras formas de entender as comunidades, de se informar, assim

como, de conceber e exercer seus direitos. O público passou a recorrer aos rádios e à Tv para

conseguir aquilo que as instituições cidadãs não proporcionavam mais. A partir dessa constatação

o autor se coloca a seguinte questão: Será que ao consumir não estamos fazendo algo que

sustente, nutre e constitui uma nova forma de ser cidadãos? Segundo o autor usamos, nos

dias de hoje, o termo sociedade civil para legitimar as manifestações mais heterogêneas de

grupos, organismos não governamentais, empresas privadas e até de indivíduos. O autor

reconhece, assim, o deslocamento de cenários onde se exercia a cidadania – do povo para

sociedade civil.

No final desse capítulo o autor expõe que seu livro pode ser considerado um trabalho que

se situa no meio do caminho entre uma investigação e um conjunto de ensaios. Os três primeiros

capítulos nasceram de estudos empíricos sobre consumo cultural realizados na cidade do México e

os quatro capítulos da segunda parte falam de como se organiza e se reestruturam as questões de

identidade nessa época de industrialização da cultura, integração supranacional e livre comércio.

Cidades em Globalização

• O Consumo serve para pensar:

Canclini abre esse capítulo se perguntando o que significa o consumo. Ele responde a

sua pergunta da seguinte maneira: O consumo é o conjunto de processos socioculturais em que se

realizam a apropriação e os usos dos produtos. Mas, segundo Manuel Castells, o consumo é o

lugar onde os conflitos entre classes, originados pela desigual participação na estrutura produtiva,

ganham continuidade em relação à apropriação e distribuição de bens. Porém, devemos admitir,

também, que no consumo se constrói parte da racionalidade integrativa e comunicativa de uma

sociedade. No fim o autor nos apresenta a visão mais apocalíptica do que é o consumo – àquela

de Mary Douglas e Baron Isherwood.

Os autores acima citados enxergam o consumo como um processo ritual cuja função

primária consiste em dar sentido ao fluxo rudimentar dos acontecimentos. Para eles, comprar

objetos, pendurá-los ou distribuí-los pela casa acaba assinalando um lugar de ordem além de

atribuir funções na comunicação com os outros – são recursos para se pensar o próprio corpo e as

interações incertas com os demais. Segundo Douglas e Isherwood consumir é tornar inteligível um

mundo onde o sólido se evapora. Por isso, as mercadorias além de serem úteis para expansão do

mercado, reprodução da força de trabalho e para nos distinguirmos dos demais e nos

comunicarmos com esses, elas servem para pensar! E é nesse jogo entre desejos e estruturas que

as mercadorias e o consumo servem também para ordenar politicamente cada sociedade. O

consumo é um processo em que os desejos se transformam em demandas e em atos socialmente

regulados.

Vivemos, hoje em dia, num tempo de fraturas e heterogeneidade, de segmentações e

comunicações fluidas dentro de cada nação. Mas, em meio a essa heterogeneidade os seres

humanos encontram códigos que os unificam. Porém, esses códigos são cada vez menos os de

etnia, de classe ou nação que nascemos. O que vemos hoje em dia são comunidades

internacionais de consumidores.

O autor coloca, porém que não são as estruturas dos meios (rádio, tv ou vídeo) que

causam achatamento cultural e a desativação política. E, tampouco devemos atribuir simplesmente

à diminuição da vida pública e ao retiro familiar da cultura eletrônica o desinteresse pela política.

Canclini fecha seu pensamento colocando que somente através da reconquista criativa dos

espaços públicos é que o consumo poderá ser um lugar de valor cognitivo útil para pensar e agir

significativamente e de forma renovadora na vida social.

• Narrar o multiculturalismo

Nesse capítulo o autor propõe uma discussão sobre o estado atual do multiculturalismo e

seu funcionamento nos estados culturais urbanos. Ele coloca que a cidade o interessa não só

como objeto de conhecimento, mas também como cenário onde se imagina e se narra. O primeiro

ponto a ser abordado pelo autor é aquele que diz respeito ao fato dos relatos do multiculturalismo

estarem cindidos entre as teorizações acadêmicas e os movimentos sócio-políticos. O que vemos

hoje é uma oposição entre o discurso construtivista dos estudos culturais e as doutrinas

fundamentalistas dos movimentos étnicos e nacionais. De acordo coma visão fundamentalista os

habitantes de um certo espaço deveriam pertencer a uma única cultura homogênea e ter uma

identidade fixa.

Já na concepção construtivista a identidade é entendida como uma construção imaginária

que se narra e não como uma essência atemporal que se manifesta. A globalização parece ter

diminuído a importância dos acontecimentos fundadores e dos territórios que sustentavam a ilusão

de identidades a-históricas e ensimesmadas. Canclini coloca que as cidades atuais não podem ser

narradas, descritas ou explicadas como no início do século e nos apresenta a figura do flaneur

como àquele que “flana” pelos itinerários urbanos como um modo de se entreter associado a

mercantilização moderna e a espetacularização no consumo. Sendo assim, o autor enxerga as

grandes cidades como o cenário em que melhor se manifesta o declínio das metanarrativas

históricas e das utopias que imaginaram um desenvolvimento humano ascendente e coeso através

do tempo. O que se observa nas grandes cidades é o encolhimento do presente mesmo quando

essas se encontram carregadas de signos do passado.

O autor fecha o capítulo discorrendo sobre a dificuldade atual em se narrar a vida nas

cidades e diz que essa se assemelha a um videoclipe, pois, para ele, andar pelas cidades significa

misturar músicas e relatos diversos. Para ele, ser um bom leitor da vida urbana significa se dobrar

ao ritmo e gozar de visões efêmeras. Ele conclui o capítulo colocando um questionamento: Em

nossas metrópoles dominadas pela desconexão, atomização e falta de sentido podem existir

histórias?

Subúrbios pós-nacionais

• As identidades como espetáculo multimídia

Nesse capítulo o autor coloca um dos maiores desafios para se repensar a identidade e

cidadania nos tempos atuais: estudar o modo como são produzidas as relações de continuidade,

ruptura e hibridização entre sistemas locais e globais, tradicionais e ultramodernos. Ele discorre

também sobre a identidade como uma construção que se narra.

O autor explica que os meios de massa foram agentes de inovações tecnológicas que nos

sensibilizaram para o uso de aparelhos eletrônicos ao mesmo tempo em que unificaram os

padrões de consumo com uma visão nacional. Ele diz que, com a circulação cada vez mais livre e

freqüente de pessoas, capitais e mensagens, passamos a nos relacionar, cotidianamente, com

muitas culturas o que faz com que nossa identidade não pudesse mais ser definida por uma

comunidade nacional. Nessa perspectiva, as nações se convertem em cenários multideterminados,

onde diversos sistemas culturais se interpenetram e se cruzam.

Num segundo momento, desse mesmo capítulo, o autor trata da questão do regional e do

global e nos mostra que o regional persiste principalmente nas artes, na literatura, no rádio e no

cinema como fontes do imaginário nacionalista. O autor fecha o capítulo colocando que a reflexão

atual sobre cidadania e identidade precisa se situar em relação a vários suportes culturais e não só

ao folclore e discursividade política como ocorreu nos nacionalismos do séc XIX. Uma teoria das

identidades e da cidadania atualmente deve se levar em conta os modos diversos com que essas

se recompõem nos desiguais circuitos de produção, comunicação e apropriação da cultura.

• América Latina e Europa como subúrbios de Hollywood

Neste capítulo o autor discorre sobre a reunião do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e

Comércio) que aconteceu em Dezembro de 1993 no qual 117 países se reuniram para aprovar a

maior liberalização econômica da história. Mas, esse acordo quase fracassou devido a sérios

conflitos entre EUA e Europa no que diz respeito a acordos relacionados à televisão e cinema. Os

EUA exigiram livre circulação para seus produtos audiovisuais, enquanto os Europeus buscaram

proteger seus meios de comunicação, sobretudo o cinema. As divergências derivaram de duas

maneiras de se conceber a cultura. Para os EUA, os entretenimentos devem ser tratados como

negócio e na Europa como “arte”.

Num segundo momento desse capítulo o autor discute sobre a crise no cinema. Ele diz

que essa já não pode ser vista como uma questão interna de cada país, mas, como parte

integrante de tensões entre liberdade de mercado, qualidade cultural e modos de vida específicos.

Canclini destaca também, que nos dias de hoje, a redefinição de identidades nacionais não é feita

apenas pelo cinema, rádio e tv, mas pelo conjunto das “vias de comunicação”.

Para fechar o capítulo ele nos incita a pensar que para que essas questões entrem ao

menos na agenda eleitoral e de negociações internacionais, seria necessária uma mobilização

coordenada de artistas, produtores e afins. Canclini acha o fato de não existir algo como

associação de consumidores de cultura na América Latina um fato alarmante que diz respeito a

nossa falta de proteção como telespectadores. Ele se questiona se ainda é possível produzir, criar

e eleger como cidadãos ou nos contentarmos a uma modesta liberdade de zapping.

• Do Público ao privado: A americanização dos espectadores.

Nesse capítulo o autor discorre sobre a atual crise do cinema e se questiona se o mesmo é

feito hoje para o público ou para os empresários? Ele abre o capítulo colocando que o futuro do

multiculturalismo não depende apenas das políticas de integração nacional e internacional. Parece

que os hábitos e gostos dos consumidores condicionam sua capacidade de se converterem em

cidadãos – o desempenho dos sujeitos como cidadãos se constitui em relação aos referentes

artísticos e comunicacionais, às informações e entretenimentos favoritos.

Num segundo momento o autor trata especificamente da crise do cinema e nos mostra que

a mesma pode ser devido à competição com a televisão e outras formas de mídia audiovisual.

Mas, ele aponta para contradição de que apesar da crise no cinema, hoje se assiste a mais filmes

do que em qualquer outra época. Com o vídeo, a forma de se ver cinema foi modificada, pois se

passou das salas para a intimidade doméstica.

Segundo o autor o vídeo e a tv ampliaram a democratização igualitária, pois, diferente de

teatros e museus a disseminação de canais de tv e videoclubes, com uma programação

homogênea permite aos receptores de grandes e pequenas cidades acesso a um repertório

cinematográfico quase idêntico. Porém, essa “unificação nacional” através do cinema é paradoxal,

pois, diferentemente das políticas educacionais culturais do sécXX, que buscaram construir uma

identidade comum do mexicano em torno de símbolos nacionais ,temos quase que 80% dos filmes

que circulam em vídeo de origem americana.

Para concluir seu pensamento em torno da temática da crise do cinema o autor trabalha,

através de pesquisa, a diversificação dos gostos e a cidadania. Ele nos mostra que entre todas

essas mudanças, a principal parece ter sido da transferência da cena política para os meios

eletrônicos. A partir dessa constatação tem-se pretendido explicar o consenso das maiorias em

torno dos governantes devido ao apogeu, vivido nos tempos atuais, da ação espetacular e da

fascinação por um presente sem memória no cinema e na televisão. O autor acredita que o estudo

sobre as mudanças nos hábitos do público demonstra que as soluções para o cinema devem ser

pensadas também da perspectiva dos receptores, combinando-se a oferta em salas, na tv e em

videoclubes.

Políticas Multiculurais e integração através do mercado:

Esse capítulo é uma reelaboração e ampliação do trabalho apresentado no Fórum Vísion

IberoAmericana 2000, realizado pela Unesco, em Cartagena das Índias (Colômbia) entre 16 e 18

de Março de 1994.

Negociação, Integração e Desconexão.

• Negociação da identidade nas classes populares?

Neste capítulo Canclini trata da questão das negociações nos tempos atuais. Ele abre o

capítulo dizendo que os processos de negociação constituem recursos chaves para se redefinir o

que é identidade, classe e popular e diz que seu pensamento em relação ao tema se ocupa mais

da dimensão cultural das negociações do que da política. Ele concentra seu discurso nas questões

da vida cotidiana e na interação entre políticas culturais e receptores populares.

Para ele a subordinação da ação política e a espetacularização pela mídia reduziu a

importância dos partidos, dos sindicatos, das greves e manifestações públicas e de massa, ou

seja, das instâncias em que as negociações podiam ser efetuadas. O autor nos mostra que hoje

em dia já não podemos considerar os membros de cada sociedade como elementos de uma

cultura homogênea com uma identidade distinta e coerente. Hoje vemos uma conversão dos

patrimônios simbólicos tradicionais aos mercados econômicos. ]

As noções de classe e de luta de classes serviram, assim, para pôr em evidência o fato da

identidade modificar-se de acordo com as mudanças históricas na forças produtivas e nas relações

de produção. Nos tempos de hoje o popular deixou de ser definido como uma série de traços

internos ou por um repertório de conteúdos pré-industriais. O popular deixou de se caracterizar por

sua essência e passou a se caracterizar por sua posição em relação às classes hegemônicas.

• Como se expressa hoje a sociedade civil.

O autor fecha o livro com esse capítulo e nos mostra que suas críticas em relação às

ações do governo e às análises das mudanças socioculturais buscaram pensar a incapacidade das

políticas atuais em absorver o que está acontecendo hoje na sociedade civil. Canclini coloca que,

mesmo depois de quarenta anos da apropriação da cena pública pelos meios de comunicação

eletrônicos, os ministérios da cultura ainda continuam com seus olhares focados nas belas artes. E

desta forma parece que os cenários do consumo, como as culturas urbanas, que poderíamos

chamar de bases estéticas da cidadania de hoje, ficam esquecidos. O autor aponta, assim, para a

necessidade de repensarmos hoje as políticas e as formas de participação - o que significa ser

cidadãos e consumidores. O que merece destaque hoje é a tentativa de reconceber o público. Na

visão do autor, a esfera pública reconstitui-se simultaneamente na tensão entre o Estado e a

sociedade civil.

O desafio atual parece ser, portanto, revitalizar o Estado como representante do interesse

público, como árbitro ou assegurador das necessidades coletivas de informação, recreação e

inovação, garantindo que essas não sejam sempre subordinadas à rentabilidade comercial.

Parece-nos assim que esse cenário indica oportunidades e limites para se trabalhar num espaço

público sociopolítico alternativo.

O que acontece, hoje em dia, é que as macroempresas reordenaram o mercado de acordo

com os princípios da administração global e criaram uma espécie de “sociedade civil mundial”

subordinando a ordem social a interesses privados. As sociedades civis aparecem cada vez menos

como comunidades nacionais, entendidas como unidades territoriais, lingüísticas e políticas para

se manifestarem principalmente como comunidades hermenêuticas de consumidores - como um

conjunto de pessoas que compartilham gostos e afinidades. Mas, ainda não é possível sabermos

quais serão as conseqüências da cidadania resultante da participação crescente mediante o

consumo.

Para fechar o livro o autor expõe a necessidade urgente de repensarmos o real e o

possível na pós modernidade, de distinguirmos a globalização da modernização seletiva, assim

como, reconstruir, a partir,da sociedade civil e do Estado um multiculturalismo democrático.