Gabinete do Desembargador Norival Santomé · CIVIL - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DOAÇÃO - ART. 1.176...
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APELAÇÃO CÍVEL N.° 66285-10.1992.8.09.0137 (9290662854)
COMARCA DE RIO VERDE
APELANTE TANYA MARTINS BARBOSA E OUTROS
APELADA VANILDA ARANTES FONSECA
RELATOR Desembargador NORIVAL SANTOMÉ
VOTO
Conforme relatado, cuida-se de Apelação Cível interposta
por TÂNYA MARTINS BARBOSA e seu cônjuge DANILO MORAIS
LACERDA, ANA MARIA DE CARVALHO MARTINS SOUZA e seu
cônjuge JOSÉ ROBERTO DE SOUZA, CRISTINA MARTINS BARBOSA
TIVERON e seu cônjuge ANDRÉ BATISTURA TIVERON, e MÁRCIA
APARECIDA CARVALHO, todos devidamente qualificados, em ataque à
sentença de fls. 359/364, em sede da qual o MM. Juiz de piso houve por bem
dar procedência ao pedido estampado na proemial da Ação Declaratória de
Nulidade e, consequentemente, declarar nula as escrituras das doações
realizadas em favor das herdeiras legítimas em desproveito da autora, ora
apelante.
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Relembro que a autora, ora apelada, alega em sede de sua
peça vestibular, ser filha concebida em virtude de uma relação extraconjugal de
sua genitora com Remy Martins, e que este, em setembro/1990, mediante
escritura pública, doou todo o seu patrimônio para suas três filhas legítimas.
Irresignados com o julgamento proferido pelo ilustre
Magistrado a quo, o qual houve por bem julgar procedente a demanda proposta,
as beneficiárias da doação operada, juntamente com seus cônjuges, interpõem o
presente apelo, buscando a reforma do decreto judicial digladiado.
Em sede de preliminar alegam a impossibilidade jurídica do
pedido em virtude de que a intenção da autora, ora apelada, seria de receber
adiantamento de quota-parte da herança de seu genitor. Aduzem que tal
pretensão é vedada pelo atual Ordenamento Civil, e que também o era na época
de vigência do Código de Beviláqua.
Bravejam os apelantes, ainda em sede de preliminar de
mérito, a ausência de interesse processual da autora, ora apelada, sob a
argumentação de que no momento do ajuizamento da ação em análise, o doador
ainda era vivo, o que, segundo defendem, fulmina a pretensão demonstrada na
peça de ingresso.
Verberam que “o direito brasileiro não permite discutir ato
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volitivo, consubstanciado em doação, enquanto viverem os doadores, sob pena
de estar se admitindo discussão sobre herança de pessoa viva”.
A despeito de tais fundamentações, verifico não proceder a
insurgência dos recorrentes.
Induvidoso que o herdeiro prejudicado em virtude de doação
do patrimônio aos demais co-herdeiros, possui legitimidade para ajuizar ação
anulatória, ainda que o doador esteja vivo, haja vista que tal doação se mostra
inoficiosa.
Washington de Barros Monteiro, (in “Curso de Direito
Civil”, 5º vol., 29ª edição, pág. 127), referindo-se ao art. 1.176 do CCB, anota
que “o reconhecimento da inoficiosidade pode ser pedido em vida do doador;
(...), o legislador pátrio imprimiu ao direito do herdeiro lesado a nota de
atualidade e não de mera expectativa; consumada a doação inoficiosa, pode ele
ingressar em juízo imediatamente com a competente ação de redução”.
Entende-se, por doação inoficiosa, aquela operada em favor
de um ou mais descendentes, em detrimento de outro(s), naquilo que ultrapassa
a parte que podeira o doador dispor por mera liberalidade.
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Neste sentido vejamos a etiqueta legal inserta no art. 549 do
Código Civil, in verbis:
“Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”.
Calha transcrever a lição de Paulo Luiz Netto Lôbo (in
Comentários ao Código Civil, Editora Saraiva, vol. 6, fls. 332/333):
“Cuida o artigo da chamada doação inoficiosa. Ninguém pode dispor, mediante doação, de mais da metade de seu patrimônio. Esse é o limite proporcional adotado pelo direito brasileiro, configurado na chamada parte disponível, ou seja a parte que o doador pode livremente doar a parentes ou a terceiros. A outra metade, indisponível, constitui a legítima dos herdeiros necessários”.
De mais a mais, observo que a pretensão deduzida em sede
de peça rompante pela autora/apelada, em verdade, não é a antecipação de sua
quota-parte na herança de seu genitor, mas tão somente a declaração de nulidade
das escrituras das doações operadas em seu desproveito.
Neste ponto, pois, imerece acolhimento as preliminares em
análise, haja vista que a pretensão da autora, tal como demonstrado alhures,
reveste-se de possibilidade, ainda que em abstrato, dentro do ordenamento
jurídico vigente, bem como resta caracterizado o interesse processual.
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A esse respeito merecem destaques o seguintes julgados:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURIDICO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 515, § 3º DO CÓDIGO PROCESSUAL CIVIL. DOAÇÃO INOFICIOSA. ANULAÇÃO. 1- (...) 2- NÃO HÁ ÓBICE LEGAL QUE IMPEÇA O ASCENDENTE A FAZER DOAÇÕES AO DESCENDENTE, DESDE QUE SEJA RESPEITADA A LEGÍTIMA DOS DEMAIS HERDEIROS, TENDO EM VISTA SER ESTA INTANGÍVEL. 3- TEM O HERDEIRO PREJUDICADO LEGITIMIDADE PARA AJUIZAR AÇÃO ANULATÓRIA, AINDA QUE O DOADOR ESTEJA VIVO, TENDO EM VISTA A CONSTATACAO DA DOAÇÃO INOFICIOSA. 4- PARTINDO DO FATO DE QUE A DOAÇÃO FEITA EM VIDA, EFETUADA POR ESCRITURA PÚBLICA É INOFICIOSA, JÁ QUE BENEFICIOU EM DEMASIA OS HERDEIROS LEGÍTIMOS, PREJUDICANDO O FILHO RECONHECIDO, DEVE A MESMA SER ANULADA. 5- A APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENCA CASSADA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE." (TJGO, 4ª Câmara Cível, Dra. Sandra Regina Teodoro Reis, AC 118432-3/188, DJ de 07/04/2008)
CIVIL - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DOAÇÃO - ART. 1.176 DO ANTIGO CÓDIGO CIVIL - PORPOSITURA EM VIDA DO DOADOR – POSSIBILIDADE. A ação de anulação de doação inoficiosa, com fundamento no art. 1.176 do antigo Código Civil, também pode ser proposta em vida do doador, pelo prejudicado, a fim de garantir a legítima dos herdeiros, inclusive por não envolver qualquer situação sucessória.(20000210015409APC, Relator SÉRGIO BITTENCOURT, 4ª Turma Cível, julgado em 12/04/2004, DJ 09/08/2005 p. 125)
Alegam os recorrentes, antes de adentrar à argumentação de
mérito, que a autora, ora apelada, quando do ajuizamento da demanda não
contou com a outorga marital de seu então cônjuge; e que a esposa, hoje viúva,
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do Sr. Remy Martins, autor da doação objeto do litígio, não foi citada na
presente demanda.
Novamente imerece acolhimento as argumentações dos
insurgentes.
Isso porque a outorga marital ou uxória, é exigida para os
casos em que um dos cônjuges oferece bens do casal em garantia, ou quando
aliena ou onera bens imóveis comuns àqueles, portanto, quando o ato a ser
praticado por um dos cônjuges coloca em risco o patrimônio pertencente a
ambos.
Sendo assim, para o ajuizamento da presente ação anulatória
de escritura de doação, em que não se percebe nenhuma gravação de ônus no
que tange ao bens que compunham o patrimônio do casal, dispensável é a
autorização ou outorga por parte do então cônjuge da autora.
Quanto à ausência de citação da cônjuge meeira do primeiro
requerido, Sr. Remy Martins, autor da doação e pai da requerente/apelada, tenho
que novamente carece de razão as manifestações deduzidas pelos recorrentes.
Isso porque o objeto da ação anulatória, qual seja a doação
inoficiosa levada a termo pelo ascendente em favor das filhas legítimas e em
detrimento da filha havida da relação extraconjugal, não inclui a cônjuge meeira
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do doador e genitora das requeridas, razão pela qual, por ser parte
manifestamente ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, incabível a
alegação de nulidade por ausência de sua citação.
De mais a mais, calha observar que a autora, ora recorrida,
busca a declaração de nulidade com relação à doação da parte indisponível do
patrimônio pertencente ao seu genitor, nada requerendo, portanto, no que tange
à quota-parte da esposa e meeira daquele.
É de se ver, inclusive, que os pedidos estampados na inicial
limitam-se à quota parte deixada pelo genitor da apelada e das apelantes, senão
vejamos:
“Cabe observar que a pretensão da requerente, é tão
somente quanto a 50% da doação, ou seja quanto a parte
pertencente ao seu pai, isto porque os outros 50%, pertencia
a mãe dos donatários.” (fl. 04, 2º§).
“Procedência da ação, para declarar por sentença a
relação jurídica ora encarecida, decorrente do
reconhecimento da paternidade da requerente e, via de
consequência, alunar o ato jurídico acoimado de nulo, para
determinar a inclusão desta como beneficiária na doação de
50% do patrimônio doado pelo requerido Remy Martins as
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requeridas, na proporção de ¼ como sua cota parte”.
Verifico, destarte, que a pretensão deduzida em sede de peça
vestibular pela requerente, ora apelada, não encampa a quota patrimonial
pertencente à Sra. Maria Isabel, cônjuge do de cujus e doador Remy Martins.
Em assim o sendo, não reconheço que a ausência de citação
da Sra. Maria Isabel culmine de nulidade o decreto judicial vituperado, razão
pela qual hei por bem afastar mais esta preliminar alegada em sede recursal.
Novamente em sede de preliminar, alegam os insurgentes
que a citação da Sra. Cristina Martins Barbosa, como sucessora das partes
Alzira Maria Martins Barbosa e Túlio Babosa Cabral se mostrou inoficiosa.
Verifico, todavia, que ao contrário do que tentam convencer
os recorrentes, a Sra. Cristina Martins Barbosa foi devidamente citada, ex vi da
Certidão exarada pelo Oficial de Justiça à fl. 290. A despeito de realmente haver
erros meramente materiais da expedição do referido mandado citatório, tais
erros não são passíveis de anular aquele ato processual, que acabou por cumprir
de forma satisfatória a finalidade a que se destinava.
No que tange à suposta ausência de citação da Sra. Cristina
para ingressar ao feito na qualidade de herdeira, por estirpe, do Sr. Remy, para,
querendo, apresentar contestação, não há como se acolher tal tese. É que o 1º
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requerido, Sr. Remy, foi devidamente citado e quedou-se inerte quanto à
oportunidade de se contrapor aos pedidos inaugurais, sendo, destarte, revel no
caso em apreço.
Demais disso, o condutor do feito, atendendo a petitório
atravessado pela autora, e atento à necessidade de se evitar futuras alegações de
nulidade, determinou a citação, por edital, de todos e quaisquer possíveis
herdeiros do falecido, conforme se verifica da decisão de fl. 311 e edital de fls.
315/316.
Destarte, verifico desmerecer acolhimento a preliminar ora
analisada.
Alegam os recorrentes, ainda em preliminar de mérito, a
nulidade da citação da Sra. Tânya Martins Barbosa, como herdeira de Alzira
Maria Martins Barbosa e Túlio Babosa Cabral.
Verifico, todavia, não prevalecer as deduções dos
insurgentes, isso porque, a bem da verdade, os réus que faleceram durante o
trâmite processual já haviam em muito contestado os pedidos inaugurais, e
mais, após o advento do falecimento daqueles, foram devidamente citadas e
intimadas suas herdeiras, seja pessoalmente ou via edital, com consequente
nomeação de curadora.
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Insurgem-se ainda os descontentes, quanto à alegada falta de
nomeação de curador especial para os supostos herdeiros de Alzira, Túlio e
Remy, defendendo, assim, a nulidade do decreto judicial.
Novamente sem razão os recorrentes, haja vista que
inexistem, ou ao menos não restou comprovada a existência desses herdeiros, o
que, por consectário lógico, impossibilita nomear-lhes curador especial.
Finalmente, como última preliminar de mérito, aduzem que o
decreto judicial digladiado se reveste de nulidade em virtude da ausência de
citação dos cônjuges das herdeiras, por estirpe, quais sejam: Tânya Martins
Barbosa e Cristina Martins Barbosa.
Não merece acolhimento tal alegação haja vista que a citação
dos cônjuges é necessária quando a ação versar sobre direitos reais, o que
verifico não ser o caso.
Pelo contrário, o que se pretendeu com a ação em análise é a
simples declaração de nulidade de escritura de doação, por ser esta
reconhecidamente inoficiosa, não se enquadrando, destarte, na previsão do art.
10, §1º do Digesto Processual Civil.
Vencidas as preliminares levantadas, passo à análise do
mérito recursal.
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Pois bem.
Verberam os recorrentes que o Magistrado de piso incorreu
em equívoco ao enfrentar a matéria como se se tratasse de anulação de escritura
de compra e venda; que não houve oportunidade para os herdeiros colacionarem
os bens deixados pelo falecido; que a sentença deve ser reformada sob pena de
se autorizar interferência, pelo Poder Judiciário no ato volitivo do doador; que a
doação é válida e caracteriza adiantamento de legítima; que os honorários
sucumbenciais devem ser calculados sobre a meação pertencente ao de cujus; e
que não há razão de ser na condenação ao pagamento da curadora especial
nomeada.
Primeiramente, no que tange à alegação de que o MM. Juiz
de piso enfrentou a matéria de forma equivocada, é imperioso destacar que o
sentenciante em momento algum tratou o caso como se contrato de compra e
venda fosse, mas tão somente utilizou da ferramente da analogia para
fundamentar o seu posicionamento com relação à nulidade da escritura de
doação levada a termo.
Demais disso não prospera a alegação de que o Poder
Judiciário, na forma como especificado no decreto objeto do presente recurso,
estaria interferindo no ato volitivo do doador. Isso porque a doação da parcela
indisponível do patrimônio, feita a determinados descendentes, e em detrimento
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de outros, caracteriza-se como ato nulo, ainda que presente a boa-fé dos
envolvidos.
A esse respeito calha transcrever o teor do art. 549 do CPC:
“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”
Quanto à oportunidade de colacionar os bens deixados pelo
espólio como forma de melhor resolver a perlenga instaurada, observo que
durante o tramite processual em primeiro grau de jurisdição, os requeridos
visaram a dispensa de sua realização, o que obsta, nessa esfera recursal, o
atendimento do pleito deduzido, sob pena de se possibilitar que os apelantes se
valham da própria torpeza.
Neste ponto, e com relação à invalidade da doação operada,
adoto na íntegra a fundamentação esposada pelo Magistrado primário, em honra
aos princípios da economia e celeridade processual, ancorado no permissivo
instituído pelo art. 210, Parágrafo único do Regimento Interno do TJ-GO, razão
pela qual passo a transcrevê-la:
“Embora o pedido tenha sido ajuizado em 1992, a sucessão
foi aberta em 2000 (fls.212), ano em que faleceu o pai da agravante. Rege-se,
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pois, pelo Código Civil de 1916, cujo art. 1.786, dispunha: 'os descendentes,
que concorrerem à sucessão do ascendente comum, são obrigados a conferir as
doações e os dotes, que dele em vida receberam.
A pretensão das contestantes de serem dispensados de trazer
à colação os imóveis que lhes foi doado por seu pai quando vivo, foge do
comando da lei, a qual exigia (arts. 1.788 e 1.789, CC/1916), como faz o atual
CC/2002 (arts. 2005 e 2006), que a dispensa seja dada, de forma expressa, em
testamento ou no próprio título que institui a liberalidade.
Segundo o art. 1.171. do CC/1916, a doação dos pais aos
filhos importa adiantamento de legítima. E a legítima é a parte do patrimônio a
que fazem jus os herdeiros necessários.
O art. 1.722, do CC/1916, dispunha que a legítima
corresponde à metade dos bens que o inventariado possuir ao falecer,
acrescida das doações feitas aos descendentes, regra que foi reproduzida no
art. 1.846, do CC/2002, que assegura, também, o direito à legítima ao dispor
que pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da
herança, constituindo-se a legítima.
Segue-se que o doador pode dispor, livremente, sobre a
metade do seu patrimônio, a qual é considerada pela lei disponível.
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E, ainda que possua herdeiros necessários, a lei autoriza a
dispensa da colação, desde que os bens doados provenham da parte disponível
do patrimônio e não a exceda, computado o valor dos bens ao tempo da
doação.
Caso o doador disponha sobre mais da metade do seu
patrimônio, e tenha herdeiros necessários, tal doação será considerada
inoficiosa, na parte que ultrapassar a metade disponível.
Contudo, a dispensa de colacionar o bem doado não pode
ser presumida. Impõe-se, para que seja considerada válida, que conste
expressamente no testamento ou no título de liberalidade, além de observar a
regra do art. 1.788, do CC/1916, ou seja, que o bem doado tenha saído da
parte disponível do patrimônio do doador, pena de nulidade da doação (art.
1.176, CC/1916 e art. 549, CC /2002)
A escritura pública de doação com reserva de usufruto, ao
dispor que o doador transferiu todos os seus bens mantendo apenas o usufruto
deles para a sua subsistência revela que a doação ultrapassa a parte disponível
em testamento, e assim não dispensa as contestantes de colacionarem os
imóveis recebidos por doação quando aberta a sucessão hereditária do doador.
Isto porque quando o donatário for filho do doador, a
doação importa antecipação de legítima. E deverá, nessa hipótese, o herdeiro,
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no processo de inventário, trazer à colação o bem (ou a importância
respectiva), para igualar as legítimas. Pouco importa se constou expresso que
a doação não excedeu a metade disponível que será examinada no processo de
inventário.”
Observo que no presente caso o genitor da autora, antes de
reconhecê-la espontaneamente como filha, realizou a doação da integralidade de
seu patrimônio às outras descendentes, o que demonstra, de forma cristalina, a
intensão de prejudicar aquela, deixando-a à margem dos bens que teria direito
quando da abertura da sucessão hereditária.
Corroborando esse entendimento, transcrevo:
CIVIL. DOAÇÃO INOFICIOSA. NULIDADE. PROTEÇÃO DA LEGÍTIMA. 1. Consubstanciou-se, no caso vertente, a chamada doação inoficiosa, na medida em que a liberalidade, promovida pelo doador, ultrapassou sua metade disponível. A alienação gratuita procedida pelo doador alcançou a metade disponível dos herdeiros necessários, no caso, os descendentes, mostrando-se passível de nulidade por esses, já que detêm a legítima. 2. Apelação e recurso adesivo não providos.(TJDFT, 20060110413725APC, Relator FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, julgado em 01/12/2010, DJ 07/12/2010 p. 142)
CIVIL. INVENTÁRIO. COLAÇÃO. PEDIDO DE EXCLUSÃO DE METADE DO ÚNICO BEM ARROLADO. DOAÇÃO. AUSÊNCIA DE ANÚÊNCIA DOS DEMAIS HERDEIROS E DISPOSIÇÃO SUPERIOR A QUE PODERIA SER DISPOSTO EM TESTAMENTO. NULIDADE. I - Nos termos do que determina o art. 1.176 do Código Civil de 1916, em vigor à época da celebração do negócio jurídico, nula é a doação quanto à parte que exceder a de que o doador, no momento da
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liberalidade, poderia dispor em testamento.II - Ainda que tal nulidade só incida sobre a parte que excedeu aquela que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, tal circunstância não se mostra hábil a impedir que o imóvel seja levado à colação, por força do que dispõe o art. 1.786 do CC/1916. III - Nos termos do art. 1.132 do CC/16, os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam com aludida liberalidade.IV - (...). VII - Negou-se provimento ao recurso.(TJDFT, 20090020067928AGI, Relator JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, 6ª Turma Cível, julgado em 26/08/2009, DJ 02/09/2009 p. 80)
No âmbito deste Sodalício destaco, mutatis mutandis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO E PARTILHA. DOAÇÃO. BENS EXCLUÍDOS DO INVENTÁRIO. COLAÇÃO. VALOR DOS BENS COLACIONADOS. CONFLITO DE NORMAS. ARTIGO 1.014, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTIGO 2.004 DO CÓDIGO CIVIL. DIREITO INTERTEMPORAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.787 DO CÓDIGO CIVIL. DOAÇÃO INOFICIOSA. INOCORRÊNCIA. 1 - O autor da herança pode dispor de seus bens em vida desde que observe a porção disponível do seu patrimônio. 2 - Os bens doados em vida devem ser colacionados para se igualar a legítima dos herdeiros necessários. 3 - O Código de Processo Civil, artigo 1.014, parágrafo único, dispõe que os bens devem ser colacionados no valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão, ao passo que o Código Civil, artigo 2.004, estabelece que os bens colacionados devem ser computados pelo valor existente à época da liberalidade. 4 - Diante do conflito de normas aplica-se a regra de direito intertemporal do artigo 1.787, do Código Civil, segundo a qual aplica-se a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Logo, se a morte do autor da herança ocorreu após a vigência do novo Código Civil, aplica-se para a colação a regra do artigo 2.004 do Código Civil, devendo os bens doados em vida serem colacionados pelo valor correspondente ao tempo da liberalidade. 5 - Caracteriza-se a doação inoficiosa se os bens doados ultrapassarem a quota que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento, o que não ocorre no caso vertente, visto que ao tempo da doação os bens
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transferidos não ultrapassavam a metade do patrimônio do doador. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Fausto Moreira Diniz, AI 97480-06.2010, Dj de 13/10/2010)
APELACAO CIVEL. ACAO DECLARATORIA C/C ANULATORIA DE ESCRITURA PUBLICA DE DOACAO. NAO OBERVADA RESERVA DA LEGITIMA. DOACAOINOFICIOSA. NULIDADE DA DOACAONA PARTE QUE EXCEDEU A PARTE DISPONIVEL. I - A DOACAO, PARA QUE SEJA VALIDA, NAO PODE EXCEDER A 50 % DO PATRIMONIO DO DOADOR QUANDO EXISTIREM HERDEIROS NECESSARIOS, A FIM DE PROTEGER A LEGITIMA DOS SUCESSORES, A LUZ DO DISPOSTO NO ARTIGO 1721 DO CODIGO CIVIL DE 1916. ESSA VERIFICACAO DEVE SER FEITA EM RELACAO AO PATRIMONIO DO DOADOR EXISTENTE NA DATA DA LIBERALIDADE, CONSOANTE ARTIGO 1.176 DO MESMO DIPLOMA LEGAL. II - COMPROVANDO QUE A DOACAOEXCEDEU A PARTE QUE PODERIA DISPOR O DOADOR, JA QUE DOADO EM SUA INTEGRALIDADE O UNICO QUE POSSUIA, IMPOE-SE RECONHECER A NULIDADE DA DOACAONA PARTE CONSIDERADA INOFICIOSA, EM BENEFICIO DOS HERDEIROS APELACAO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, 1ª Câm. Cível, Rel. Des. Luiz Eduardo de Souza, AC 136148-1/188, DJ de 27/07/2009)
Vejamos o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
DIREITO CIVIL. DOAÇÃO INOFICIOSA. NULIDADE NO TOCANTE À PARTE QUE ULTRAPASSA A PARCELA PATRIMONIAL DE QUE O DOADOR PODERIA DISPOR EM TESTAMENTO NO MOMENTO DA LIBERALIDADE. CCB. ART. 1.790. PROCESSOCIVIL. HONORÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA/STJ. ENUNCIADO Nº 7. RECURSO DESACOLHIDO. I - A doação a descendente, naquilo que ultrapassa a parte de que poderia o doador dispor em testamento, no momento da liberalidade, é de se qualificada inoficiosa e, portanto, nula. Circunstâncias do caso concreto que incrementam a violação da legítima dos autores, pela forma como concretizada a doação. II - Não se tratando de impugnação ao critério legal adotado na fixação dos honorários
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advocatícios, mas de mera insurgência quanto ao montante arbitrado, incide, em princípio, a vedação do enunciado sumular nº 7, deste Corte. (STJ, REsp 86518 / MS, Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 03/11/1998)
Quanto aos honorários da curadora especial, arbitrados pelo
doutro Juiz de piso no importe de R$ 500,00 (quinhentos reais), tenho que
imerece reparos a deliberação judicial primária, porquanto vislumbro, do
compulso do caderno processual, que aquela desincumbiu de forma satisfatória
o seu munus, manifestando-se de forma tempestiva, bem como comparecendo à
audiência designada.
De mais a mais, levando-se em consideração o empenho
daquela profissional, assim como atento ao princípio da razoabilidade e a
dignidade da profissão, não vejo como afastar a remuneração da curadora, nem,
tampouco reduzir a verba que lhe foi concedida.
Consigno, outrossim, que a defesa apresentada por curador
especial refere-se tão somente à matéria de direito, haja vista que este, por não
possuir conhecimentos acerca da matéria fática ligada à questão objeto do
litígio, fica impossibilitado de aventa-la.
Sendo assim, não vejo razões suficientes para afastar a
condenação dos requeridos, ora apelantes, ao pagamento dos honorários da
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curadora especial.
Com relação à insurgência manifestada quanto à antecipação
da tutela, deferida pelo Julgador primário em sede de sentença, novamente não
vejo como acolher a tese defendida pelo recorrente.
É que a medida antecipatória pode ser deferida em sede de
sentença com o intuito de se preservar o imediato cumprimento da medida
judicial, o que, caso contrário, somente poderia ser atingido com o advento da
coisa julgada, que no mais das vezes, delonga tempo capaz de prejudicar o
exercício do direito em litígio.
Doutro tanto, tenho que o MM. Juiz sentenciante bem
observou a longevidade do feito, que hoje se aproxima de 20 (vinte) anos, bem
como a ausência de anotação de apontamento de feito repercusório nas margens
dos registros dos imóveis.
Ante a possibilidade de antecipar os efeitos da sentença, tal
como determinado pelo presidente do feito na instância singela, e por
vislumbrar a presença dos requisitos autorizadores da medida, é que tenho por
bem manter o decisum, nesta parte, tal como lançado.
Por fim, quanto à alegação de que os honorários foram
equivocadamente arbitrados pelo MM. Juiz a quo, verifico merecer guarida a
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tese defendida pelos recorrentes.
É que os insurgentes, outrora requeridos, foram condenados
solidariamente ao pagamento da verba honorária, que restou arbitrada em 15%
(quinze por cento) do valor da legítima pertencente à autora, que por sua vez foi
fixado em 25% (vinte e cinco por cento) do valor dos dois imóveis.
Destaco que o valor atribuído aos honorários advocatícios
merece ser mantido, vez que atende à etiqueta legal inserta no art. 20, §3º do
Digesto Processual Civil.
O equívoco reside, a meu ver, na fixação da legítima
pertencente à autora, que se deu no patamar de 25% do valor dos imóveis.
Assiste razão aos apelantes quando aduzem que “a apelada
é filha tão-só de Remy, ou seja, aquela não herda sobre a meação de Maria
Isabel de Carvalho Martins, que era cônjuge de Remy”.
Ora, se os imóveis, antes do advento da doação, pertenciam
ao Sr. Remy Martins e sua então esposa, a Sra. Maria Isabel, é de se concluir
que aquele patrimônio era de cunho comum do casal. Em assim o sendo, a Sra.
Maria Isabel, na condição de meeira, faz juz a parte daqueles imóveis, restando
à autora, assim como às demais herdeiras, concorrerem ao quinhão pertencente
ao cônjuge varão.
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Destarte, a verba honorária, qual seja de 15%, deve incidir
sobre 25% não do valor dos dois imóveis, mas sim sobre a quota parte
pertencente ao falecido genitor, Sr. Remy Martins.
Ao teor do exposto, já conhecido o recurso, DOU-LHE
PARCIAL PROVIMENTO, tão somente para reformar a sentença com
relação a incidência do honorários advocatícios, nos termos alhures
consignados, mantendo-a no mais, por estes e por seus próprios fundamentos.
É como voto.
Goiânia,
Desembargador NORIVAL SANTOMÉRelator
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APELAÇÃO CÍVEL N.° 66285-10.1992.8.09.0137 (9290662854)
COMARCA DE RIO VERDE
APELANTE TANYA MARTINS BARBOSA E OUTROS
APELADA VANILDA ARANTES FONSECA
RELATOR Desembargador NORIVAL SANTOMÉ
CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA DE
DOAÇÃO. INOFICIOSA. LEGITIMIDADE.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
INTERESSE DE AGIR. CITAÇÃO DO CONJUGE DO
DOADOR. HONORÁRIOS DO CURADOR ESPECIAL.
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA EM SEDE DE
SENTENÇA. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. I – Entende-se por doação inoficiosa
aquela operada em favor de um ou mais descendentes, em
detrimento de outro(s), naquilo que ultrapassa a parcela que
o doador poderia dispor por mera liberalidade. II - O
herdeiro prejudicado, em razão de doação inoficiosa, possui
legitimidade para ajuizar ação anulatória, ainda que o doador
esteja vivo. II – O pedido de anulação de escritura de doação
inoficiosa é juridicamente possível e não induz à antecipação
de quota-parte na herança do genitor do autor da demanda,
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Gabinete do Desembargador Norival Santomé
mas tão somente a declaração de nulidade daquela. III –
Comprovada que a doação excedeu a parte que poderia
dispor o doador, já que doada a integralidade de seu
patrimônio, é de se reconhecer a nulidade daquele ato. V – O
curador especial nomeado para defender os direitos do réu
citado via edital, faz jus à percepção de honorários, os quais
devem ser arbitrados levando-se em consideração o empenho
profissional, assim como o princípio da razoabilidade e
dignidade da profissão. VI – Pode o magistrado, em sede de
sentença, antecipar os efeitos da tutela, a fim de preservar o
imediato cumprimento da medida judicial. VII – Merece
reforma parcial a sentença primária, vez que fixou de forma
equivocada o valor da quota parte da herdeira prejudicada
pela doação inoficiosa, para fins de arbitramento dos
honorários advocatícios. APELAÇÃO CONHECIDA E
PARCIALMENTE PROVIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de
Apelação Cível nº 66285-10, acordam os integrantes da 4ª Turma Julgadora da
6ª Câmara Cível, por unanimidade, em CONHECER E PARCIALMENTE
PROVER o apelo, nos termos do voto do Relator.
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Presidiu a sessão o Desembargador Jeová Sardinha de
Moraes.
Votaram com o Desembargador Norival Santomé, o
Desembargador Jeová Sardinha de Moraes e o Dr. Eudelcio Machado Fagundes
substituto do Desembargador Camargo Neto.
Esteve presente à sessão a ilustre Procuradora de Justiça
Dra. Laura Maria Ferreira Bueno.
Goiânia, 14 de junho de 2011.
Desembargador NORIVAL SANTOMÉ
Relator
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