FRANCHISING E ESTABELECIMENTO FRANQUEADO · Franquia de negócio formatado 30 III – FORMAÇÃO E...
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FLÁVIO LUCAS DE MENEZES SILVA
FRANCHISING E ESTABELECIMENTO FRANQUEADO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo 2008
FLÁVIO LUCAS DE MENEZES SILVA
FRANCHISING E ESTABELECIMENTO FRANQUEADO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo 2007
FLÁVIO LUCAS DE MENEZES SILVA
FRANCHISING E ESTABELECIMENTO FRANQUEADO
Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de doutor em Direito.
Orientador: Dr. José Roberto D’Affonseca Gusmão
São Paulo 2007
Folha de Aprovação
Flávio Lucas de Menezes Silva
Franchising e o Estabelecimento franqueado
Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de doutor em Direito.
Orientador: Dr. José Roberto D’Affonseca Gusmão
Aprovada em: _____/_________________/2008.
Banca Examinadora:
Nome: Instituição:
Nome: Instituição:
Nome: Instituição:
Nome: Instituição:
Nome: Instituição:
Aos meus pais, por tudo.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é fruto de investigações acerca do instituto do Franchising. Seu ponto de
partida foi a observação dos seus meandros na prática jurídica cotidiana. Assim, cabe
agradecer a algumas pessoas que sempre estiveram presentes, quer como interlocutores para
as descobertas empíricas que a vida de advogado proporciona, quer do ponto de vista da
discussão doutrinária que a pesquisa acadêmica solicita. Inicialmente, sou grato ao meu
orientador, o professor Dr. José Roberto D’Affonseca Gusmão, pela enorme liberdade de
pensamento concedida ao longo de todo o processo de feitura e desenvolvimento deste estudo.
Sou também especialmente grato às advogadas, amigas e companheiras de trabalho; Na Ri
Lee Cerdeira, Patrícia González Baubeta, e, especialmente, Tatiana Teixeira de Almeida pelo
companheirismo e, sobretudo, pelas férteis discussões sobre o tema, que tanto contribuíram
para animar o espírito deste trabalho. Por fim, à Adriana Junqueira Arantes, pelo preparo dos
originais.
R E S U M O
A presente investigação tem por propósito o estudo do instituto do franchising
segundo perspectivas singulares. Procura-se dar conta do desenvolvimento histórico e
estrutural do instituto desde suas mais remotas origens, no Brasil e no mundo, para melhor
compreender suas formas de manifestação e suas implicações jurídicas, ao longo do tempo e
no mundo contemporâneo. Partindo de concepções filosóficas tais como o culturalismo e a
Teoria Tridimensional do Direito formulada por Miguel Reale, bem como, as teorias
vinculadas ao universo da Propriedade Intelectual, do Direito Obrigacional e da Teoria da
Empresa, este estudo intenta apreender de que modo o instituto do franchising de terceira
geração, isto é, o Business Format Franchising – objeto fulcral deste trabalho – se relaciona
com a atual sociedade de consumo, as esferas econômicas e, especialmente, com outros
institutos jurídicos a ele relacionados, tais como o know-how, o Aviamento, e,
particularmente, o Estabelecimento Empresarial, com o fito de precisar o seu Dasein no
mundo contemporâneo.
PALAVRAS-CHAVE Franchising – Propriedade Intelectual – Know-how – Aviamento – Estabelecimento Franqueado
A B S T R A C T
This dissertation intends to study the doctrine of franchising under special
perspectives. It aims to give an overview of the historical and structural development of this
precept since its remote origins, in Brazil and in other countries, to better understand its legal
forms of materialization and its legal implications, during the times and in the contemporary
era. Using philosophical conceptions, such as the doctrine named “Culturalismo” and the
“Three-dimensional Law Theory” of the author Miguel Reale, as well as the entailed theories
of the Intellectual Property knowledge; Contract Law; and the “Theory of the Company”, this
study aspires to apprehend the way the 3rd generation’s franchising principle, known as the
Business Format Franchising – main object of this dissertation - is related with the present
consumer society, the economic field and, specially, with other related legal precepts, such as
the know-how, the goodwill, and, particularly, the business establishment. It is determined to
understand the Dasein of franchising in the contemporary world.
KEY WORDS Franchising – Intellectual Property – Know-how – good will of trade – Enterprice Establishment
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO GERAL 1
PARTE I – CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O FRANCHISING 4
I – FRANCHISING E A PERSPECTIVA CULTURALISTA 4
II – CONCEITO DE FRANCHINISG 14
A. Origem 14
B. Franchising no Brasil e a perspectiva econômica 18
C. Conceito e definição legal 22
1. – Direito comparado 23
2. – Direito brasileiro 28
a. Franquia de negócio formatado 30
III – FORMAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO 39
A. Aspectos da formação do vínculo contratual 39
1. Circular de oferta de franquia 39
B. Contrato de franquia empresarial 42
1. – O contrato preliminar 43
2. – Natureza jurídica do contrato de franquia empresarial 47
3. – Classificação 52
a. Bilateral 52
b. Oneroso 55
c. Comutativo 56
d. Consensual 56
e. Formal e solene 57
f. Principal 58
g. Execução continuada 58
h. Intuitu personae 58
i. Atípico e nominado 60
j. Por adesão 61
k. Integração e colaboração 63
C. Elementos do contrato de franquia empresarial 65
1. – Marca 65
a. A marca na franquia 74
b. Trade dress 78
2. – Know-how 80
a. Aspectos gerais do know-how 81
b. O know-how e o franchising 86
c. Transmissão de know-how no franchising 88
d. O know-how transmitido na fase inicial 89
e. O know-how transmitido durante a vigência do contrato 91
f. Outros bens de propriedade intelectual na franquia 93
3. A boa-fé no franchising 98
a. A formação de rede 106
PARTE II – O ESTABELECIMENTO FRANQUEADO 113
INTRODUÇÃO 113
I – FUNDO DE COMERCIO, ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E SUA DEFINIÇÃO LEGAL À LUZ DO NOVO CÓDIGO CIVIL 116
II – NATUREZA JURÍDICA 127
A. Teoria da personalidade jurídica do estabelecimento 130
B. Teoria do estabelecimento concebido como patrimônio autônomo 130
C. Teoria da personificação da Maison de commerce titular
do estabelecimento empresarial. 131
D. Teoria do Estabelecimento como negócio jurídico – negozio aziendale. 132
E. Teoria do estabelecimento como instituição 133
F. Teorias imaterialistas 133
G. Teorias atomistas 135
H. Teorias patrimonialistas 135
III – ESTABELECIMENTO FRANQUEADO, UMA NOVA ESPÉCIE DE ESTABELECIMENTO 140
IV – ELEMENTO E ATRIBUTOS DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E DO ESTABELECIMENTO FRANQAUEADO 156
A. Bens 157
1. – Bens corpóreos 160
2. – Bens incorpóreos 163
B. Aviamento 169
C. Clientela 176
D. Ponto Empresarial 180
V – CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTABELECIMENTO
FRANQUEADO 182
A. Locação empresarial 190
CONCLUSÃO 196
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 202
SITES CONSULTADOS 214
1
INTRODUÇÃO
O Business format franchising1 é um sistema de organização empresarial
cada vez mais usual e está presente na vida de todo cidadão contemporâneo.
Constituindo-se uma prática empresarial de enorme importância no cenário
mundial, em razão do grande impacto econômico que promove no mundo
globalizado, no Brasil, tal como se verá mais adiante, a franquia do negócio
formatado vem se estabelecendo de forma crescente nas últimas décadas. Fato
que impõe ao investigador atento um corte vertical de observação, para melhor
vislumbrar a riqueza do instituto.
Assim, ao se fazer uma retomada das origens históricas do Business
format franchising, como de qualquer outro instituto jurídico, percebe-se que em
seu transcurso há uma constante necessidade e força de adaptação entre a
“letra” e o espírito do tempo que o envolve. De que modo então é possível pensar
em um desenvolvimento conceitual da franquia do negócio formatado nos
interstícios da sociedade do world-system ou sistema mundial, tal qual a formulou
Wallerstein2?
Como bem assinalou Martin Mendelsohn e a história assim o atesta, “o
franchising como conceito legal ou de marketing não é novo”3; entretanto, o world-
system é fenômeno relativamente recente para o qual ainda não se vislumbrou a
manifestação dos institutos jurídicos em sua totalidade. Assim, um enfoque
sistêmico do instituto do Business format franchising deverá reconhecer os
vínculos causais subjacentes para deles deduzir e tentar expressar seu modelo 1 Preferiu-se privilegiar na presente tese, a expressão franchising na língua inglesa em detrimento da palavra franquia – tradução considerada muito inexpressiva para ser aceita, segundo Orlando Gomes In: GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 467, acompanhado por SIMÃO F°, Adalberto, Franchising – aspectos jurídicos e contratuais. São Paulo: Editora Atlas, 1993. p. 20. Entretanto, considerando que a legislação pátria utiliza-se da expressão franquia empresarial para regulamentar o assunto e também, para atribuir maior leveza ao texto, tal expressão será utilizada, embora de forma secundária, para se referir ao instituto do franchising. 2 O world-system é uma categoria analítica que procura dar conta da totalidade envolvente do mundo contemporâneo. Estabelecida pelo sociólogo Immanuel Wallerstein, situa-se no cerne de seu pensamento crítico, que versa a respeito do capitalismo em seu nível macroscópico. Neste sentido, a visão do sociólogo enfatiza a supremacia do fator econômico na dinâmica do mundo contemporâneo. Para este estudioso não existe – conforme sói afirmar o senso comum – um mundo dividido. Wallerstein refuta a noção de “terceiro mundo”. Sustenta, ao contrário, a existência de um único mundo, regulado a partir de uma complexa série de relações econômicas, a que atribui o nome de economia ou sistema mundial, o chamado world-system. In: WALLERSTAIN, Immanuel. The modern world-system. N. York: Academic Press, 1976. pp. 7-11. 3 MENDELSOHN, Martin. A essência do franchising. São Paulo: Difusão de Educação e Cultura, 1994. p 1.
2
factual real de funcionamento e, portanto, seu valor para a sociedade da qual faz
parte.
No sistema mundial, a recente queda das barreiras comerciais, o
alinhamento dos aparelhos produtivos em grandes blocos econômicos e o
fenômeno da globalização vem, paulatinamente, mudando as estratégias de ação
das empresas. Independente do porte ou setor de atividade empresarial, sua
estratégia de operação deverá sempre levar em conta o objetivo maior da
chamada vantagem competitiva. É neste e para este contexto que se deve pensar
em uma proposta conceitual para a franquia de negócio formatado.
Portanto, a realidade cotidiana relativa ao universo da franquia empresarial
no Brasil – assim como no mundo – demonstra que não obstante o empenho de
alguns juristas e estudiosos na investigação e análise de suas peculiaridades
resta ainda glosá-lo sob uma ótica diferenciada e de caráter interdisciplinar que
inclui, necessariamente, a análise dos aspectos legais conectados ao impacto
econômico do sistema sobre questões candentes atadas à globalização
econômica e mundialização cultural atuais e, ainda, aos fundamentos filosóficos
que lhe servem de terreno.
Assim, esta investigação procurará dar conta de importantes aspectos
relacionados ao referido sistema, evidenciando inicialmente a pertinência da
doutrina culturalista na apreensão de seus fundamentos basais para, em seguida,
explorar o conhecimento das circunstâncias históricas relativas ao
desenvolvimento do instituto. Nesta perspectiva, propor um novo perfil para o seu
conceito, vinculando-o a algumas questões até agora inexploradas em sua
totalidade, bem como, pôr em evidência a forma de funcionamento em rede do
sistema de franchising, em um momento histórico em que a difusão de produtos e
serviços ocorre, necessariamente, em escala planetária, mostra-se de absoluta
pertinência.
Os capítulos que seguem aportarão de modo extensivo os elementos
relativos ao contrato de franquia do negócio formatado. De um lado, como não
poderia deixar de ser, se estudará o corpus formador do contrato de franquia; de
outro, os objetos que lhe são caros. Em particular, se estudará a marca e o know-
how, objetos centrais na constituição do referido instituto, sem os quais o contrato
de franquia se descaracterizaria por completo.
3
Prosseguindo na investigação do instituto, este trabalho propõe como
aportes teóricos, as noções relativas ao Aviamento, à clientela e ao Ponto
Empresarial, no intuito de melhor precisar a formação do Estabelecimento
Franqueado e seu caráter sui generis, a sua natureza jurídica e, assim,
compreender suas implicações de ordem legal no contexto do sistema mundial.
Mas, de que modo é possível definir o Estabelecimento Franqueado?
Ademais de sua formação, qual será o modus operandi de tal instituto na atual
sociedade? O presente estudo pretende sanar tal inquietude procurando
demonstrar o modo pelo qual o estabelecimento empresarial, tal como
regulamentado pelo Código Civil e definido pela doutrina clássica, sofreu impactos
importantes com o advento do Business Format Franchising, decorrendo disso o
surgimento desse novo estabelecimento, o Estabelecimento Franqueado. Esta
investigação busca, ainda, compreender quais as semelhanças e
dessemelhanças existentes entre este e o estabelecimento empresarial, para daí
extrair o valor do primeiro para a sociedade e suas possíveis formas de
normatização.
Deste modo, a pesquisa aqui realizada não pretende esgotar todas as
formas de compreensão do instituto em epígrafe trabalhando, porém, para lançar
novas luzes para uma melhor compreensão do Business format franchising e um
mais perfeito desenvolvimento futuro para o setor, do ponto de vista de sua
manifestação sócio-econômica e de possíveis soluções de contendas ou
pendências jurídicas.
4
PARTE I – CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O FRANCHISING
I. Franchising e a perspectiva culturalista
A história das civilizações revela que os institutos mercantis estão
presentes nas organizações sociais desde épocas remotas e, também, que
compõem importante parcela do desenvolvimento humano e das sociedades.
Remonta à Antiguidade Clássica a existência de alguns desses institutos. Embora
a tradição do franchising não encontre guarida em período tão longínquo na
história, o rigor acadêmico pede que se retroceda o olhar em busca de um
panorama que faça assentar todo o desenvolvimento das relações comerciais no
ocidente, bem como as relações jurídicas daí decorrentes4. Daí que, nos capítulos
subseqüentes se encontrem dispostos de modo extensivo, alguns dos aspectos
relativos à origem e desenvolvimento do instituto da franquia no mundo e no
Brasil, bem como, as formas pertinentes para o seu estudo e compreensão.
Como o próprio título enuncia, o escopo basal desta investigação refere-se
ao instituto da franquia de negócio formatado. Mas, de que modo é possível
compreender tal instituto em sua completude e concreção no mundo e no Brasil,
frente ao continum diário da vida contemporânea? Qual sua legitimidade e quais
as formas de estruturação quer do ponto de vista técnico-jurídico, quer do ponto
de vista de suas formas de integração ao corpus social, diante do mundo
globalizado, frente ao sistema mundial vigente?
Antes de mais, é preciso entender o instituto da franquia de negócio
formatado como um objeto da cultura moderna5, parte integrante e integradora do
4 “O novo Direito que começou a surgir naquela oportunidade apresentou, de um lado, o objetivo de contornar a insuficiência dos ordenamentos de base romanística e bárbara quanto ao tratamento das questões surgidas no comércio; e, de outro, operou em contraposição ao Direito Canônico, cujas restrições contrariavam as necessidades dos comerciantes e as condições para o desenvolvimento do comércio”. In: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial 1. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 31. 5 O surgimento do sistema em apreço data do século XIX; época em que o fomento das relações comerciais se viu intimamente ligado ao implemento da capacidade produtiva das sociedades por meio da Revolução Industrial. Conquanto a capacidade produtiva não possa ser ignorada, vale lembrar, que também o século XIX assistiu ao surgimento de novas formas de pensamento, entre as quais o liberalismo, que deflagrou diversas mudanças nos campos político e econômico.
5
sistema mundial contemporâneo, cuja presença é cada vez mais intensa nos mais
variados setores da economia, abarcando uma geografia cada vez mais ampla.
Em uma visão retrospectiva do século XX, verifica-se o paulatino aumento
da necessidade dos homens em tornar seu cotidiano mais célere. Não se trata,
como algumas linhas sociológicas proporiam, de ressaltar aspectos específicos
do desenvolvimento da cultura norte-americana na última centúria6. Os avanços
irrefutáveis dos índices demográficos em todo o planeta, a marcha das
populações rurais para os grandes centros – evidenciando o surgimento do
fenômeno “megalópole” – o desenvolvimento científico e tecnológico, a ampliação
dos setores de produção7 e, a necessidade dos grupos ou agentes econômicos
de se associar para seu estabelecimento e sobrevivência, são indicadores
eficazes da necessidade do processo de reorganização da cultura mundial, e por
extensão, do caráter imperativo e urgente da importância de sua reorganização
econômica. Além disso, a história ensina que a segunda metade do século XX –
que teve seu início, por assim dizer, com alguns anos de antecipação, em 1945
com o fim da Segunda Guerra Mundial – promoveu uma aceleração inaudita nos
processos de transformação cultural, social e econômica. Tais câmbios se fizeram
sentir com maior intensidade a partir da década dos 1970 e o fim da Guerra Fria.
O mundo apequenou-se, pois a expansão dos mass-media tornou ínfimas
distâncias outrora transatlânticas.
Tal processo de “mundialização” da cultura, nas palavras do sociólogo
Renato Ortiz, corresponde a uma civilização de economia global, cuja noção
territorial abrange a totalidade dos territórios do planeta8. Deste modo, o espaço
urbano – centro de reorganização da cultura, e por extensão, da economia – toma
outra estatura. O consumo ocupa lugar preponderante nas relações sócio-
econômicas refletindo o dinamismo das forças que operam no mercado mundial:
6 A ideologia da americanização parece estar presente tanto em algumas correntes sociológicas de inclinação marxista que entendem o processo de globalização ou mundialização da cultura como um processo de americanização dos usos e dos costumes, como nas observações de caráter apologético, lançadas pelos próprios norte-americanos. Ainda que divirjam, a ideologia americanista e a crítica ao imperialismo norte-americano parecem partir das mesmas concepções metodológicas de aculturação. 7 Desde o advento da Revolução Industrial vê-se um crescimento incessante dos setores produtivos. O progresso técnico, sua principal característica, possibilitou a produção em massa de produtos e bens materiais. 8 ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994. p. 31.
6
intensificam-se as lutas por novos espaços, os negócios ganham velocidade9. No
que respeita ao consumo verifica-se uma convergência do padrão de gosto dos
consumidores. Em Tókio ou Pequim, Buenos Aires ou Cairo, Rio de Janeiro, São
Raimundo Nonato no Piauí ou Praga no leste europeu verifica-se, por parte do
mercado consumidor, a busca pelos mesmos produtos e serviços. Moscovitas,
londrinos e sorocabanos compartilham de uma mesma marca de cosméticos ou
dos mesmos serviços de lavagem automática de roupas, sem ter conhecimento
da origem dos produtos e serviços de que fazem uso.
Daí que a concepção de uma estrutura empresarial definida a partir da
idéia de “rede” ganhe plena legitimidade na contemporaneidade10. Compreender o
franchising como um sistema de rede, com uma dinâmica orgânica, de potencial
expansível à totalidade do território mundial – a existência de um mercado de
consumo mundial exige uma padronização de produtos e serviços – é
compreender o seu Dasein11 ou o “estar aí” do sistema; isto é, seu modo de
integração ao sistema mundial.
Contudo, definir o instituto do Business format franchising como um objeto
da cultura moderna não é questão de simples enunciação, dado que “cultura” é,
de per si, conceito dos mais controversos. Com efeito, o termo “cultura” é
polissêmico admitindo, portanto, amplitude de significados. Em seu sentido
habitual implica a formação espiritual do homem elevando o gosto e a inteligência
à dimensão do universal. No campo das Ciências Humanas, da Sociologia em
particular, o termo “cultura” opõe-se à idéia de natureza e está associado ao
complexo de realizações técnicas, artísticas e às tradições de uma dada
coletividade. No campo filosófico, a idéia de cultura está intimamente vinculada às
categorias dialéticas de análise; diz Kant: “Produzir num ser racional esta aptidão
geral aos fins que lhe aprazem (portanto, em sua liberdade) é a cultura”12. Foi, no
entanto, a partir dos estudos antropológicos que o vocábulo adquiriu significado
ainda maior representando tudo aquilo que o ser humano veio constituir como
9 Na sociedade do world-system há uma espécie de universalização do mercado, dado que setores cada vez mais alargados da população têm acesso às relações de consumo. 10 Aqui se faz breve referência à idéia de rede como fundamento último do sistema de franchising, aspecto que será desenvolvido em momentos posteriores deste estudo. 11 Toma-se aqui, de empréstimo, o sentido atribuído por Heidegger ao termo Dasein. O “estar aí”. Neste caso, o “estar aí no mundo” do instituto da franquia de negócio formatado no mundo atual. 12 KANT, Immanuel. “Crítica do Juízo Teleológico”. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1997. p. 228.
7
patrimônio histórico da espécie, transmitido de uma geração a outra. É, pois,
sobretudo do pensamento antropológico – aliado às perspectivas do pensamento
filosófico13 – que decorre a doutrina do Culturalismo que aqui se evoca para a
discussão de algumas das questões relativas ao Business format franchising e
suas vinculações com o mundo contemporâneo.
Ora, Culturalismo é a corrente de pensamento que vem se desenvolvendo
no Brasil desde os anos 1940 e que tem em Miguel Reale seu mais profícuo
expoente14. Nessa perspectiva, seu pensamento assenta-se no impacto da cultura
no processo de conhecimento do ser humano, suas condicionantes e
conseqüências, o primeiro entendido como um impacto que atua por meio de uma
relação complementar no processo subjetivo-objetivo do conhecimento humano.15
... a questão do conhecimento não pode se reduzir a uma relação puramente lógica entre ser cognoscente e realidade cognoscível, porquanto um e outra se situam ab initio em um contexto cultural, alargando-se, desse modo, o espectro da transcendentalidade.16
Tal complementaridade entre sujeito e objeto e a dialética que se
estabelece entre ambos seriam as condições a priori para o conhecimento, afirma
o jus-filósofo pátrio.17
Miguel Reale afirma ainda, que é a experiência que possibilita a existência
e desenvolvimento das culturas18. Como se verá nos capítulos ulteriores é o
instituto em apreço, a franquia de negócio formatado, parte integrante e também
integradora da cultura, do fazer das sociedades no mundo contemporâneo,
constituindo-se, simultaneamente, elemento da experiência e da cultura destas
mesmas sociedades19. Se, como afirma Reale, “...a condicionante cultural põe-se
13 De conformidade ao pensamento de Wittgenstein, “A filosofia tem por objetivo tornar claros e delimitar rigorosamente os pensamentos que, de outro modo, são, por assim dizer, perturbadores e vagos.” In: WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. Lisboa: Calouste-Gulbenkian, p. 52. 14 Foi Tobias Barreto, figura cimeira da Escola de Recife, quem antecipou, nas últimas décadas do século XIX, a hipótese culturalista no Brasil. 15 REALE, Miguel. Cinco temas do Culturalismo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000. p. 25 e ss. 16 Idem. Ibidem. p. 25. 17 Não se trata, aqui, de uma formulação dialética nos termos propostos pela tradição hegeliano-marxista em que, por superação dos contrários, chega-se a uma síntese para a apreensão do verdadeiro. Trata-se, antes, de atribuir um caráter complementar e indissociável entre sujeito e objeto. 18 REALE, Miguel. Experiência e Cultura. Campinas: Bookseller, 2000. 2ª ed. p. 195 e ss. 19 Não se pode esquecer, contudo, que o histórico da franquia empresarial aponta para uma origem do instituto muito remota no tempo. As alíneas dedicadas à retomada das origens históricas da franquia tornarão mais evidentes as relações existentes entre o franchising e a teoria culturalista proposta por Miguel Reale.
8
transcendentalmente na raiz do ato de conhecer”20, o seu conhecimento
demanda, então, um reconhecimento de seu “estar no mundo da cultura”, seu
Dasein.
Neste ponto, merece novamente guarida o pensamento de Reale,
conquanto, desta feita, do ponto de vista mais estrito da filosofia do Direito. Como
bem assinala Ives Gandra Martins, para Miguel Reale, o direito resulta da
apreensão do fato, valorizado na norma21. Nisto difere Reale do normativismo
jurídico, em especial das propostas da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen,
cuja tônica central reside na compreensão do caráter científico do Direito, tão
somente a partir do conhecimento das normas jurídicas e de sua estruturação
lógico-formal22. Por certo, não se trata de combater a visão kelseniana naquilo
que ela tem de valioso e indiscutível para o conhecimento científico e rigoroso do
teor normativo jurídico; trata-se, especialmente, de evidenciar que a idéia
fundamentada na dialética da complementaridade entre fato, valor e norma
(dialética da complementaridade), proposta pelo filósofo e jurista brasileiro Miguel
Reale, constitui a mais pertinente perspectiva filosófica para a compreensão do
Business format franchising.
Em sua obra Lições Preliminares do Direito, o jus-filósofo brasileiro ensina
que,
...onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.); um valor que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor.23
No contexto mundial emergente já não cabe mais o modelo “fordista”,
calcado exclusivamente na produção de mercadorias em larga escala. Importa
que tais mercadorias sejam difundidas (marketing, identificação de marcas, etc.) e
consumidas. O sistema de produção e o de consumo co-existem na sociedade
atual; daí o crescimento significativo do uso de instrumentos contratuais no âmbito
20 REALE, Miguel. Cinco temas do Culturalismo. Op. cit. p. 30. 21 MARTINS, Ives Gandra da Silva. “A tridimensionalidade realiana”. In: Revista do Advogado. São Paulo: AASP, N° 61. 2000. 22 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 33 e ss. 23 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1974. p. 74.
9
empresarial – são as relações contratuais que atribuem normas de conduta entre
as partes que integram o sistema. Espelho de seu tempo, o Business format
franchising é uma forma de organização empresarial em rede que dá ao pequeno
empresário – e o histórico do instituto o comprova – a possibilidade de montar seu
negócio sem recorrer a improvisos que pouco se coadunam à profissionalização
crescente, à necessidade de replicação das tecnologias e à difusão
mercadológica exigidas pelo mercado globalizado, em constante metamorfose, do
mundo contemporâneo.
Daí que se possa afirmar que o sistema de produção, de difusão de
mercadorias e serviços e o consumo integrem de forma indissociável um mesmo
conjunto de práticas sociais e econômicas, no qual a franquia de negócio
formatado se encontra plenamente inserida. Não se trata, tão somente, de atribuir
um lugar ao instituto no seio da excelência do discurso jurídico ou acadêmico,
mas antes, de discernir de que tal modelo de funcionamento empresarial,
fundamentado em um alto conhecimento empresarial aplicado, em uma
organização alcançada por meio de um longo processo de “tentativa e erro”,
traduz o espírito do seu tempo.
Com efeito, o chamado período “fordista”, que corresponde, mais
precisamente, à segunda metade do séc. XIX e parte do XX – até a 2ª Guerra)
desenvolveu 3 diferentes modos de atuação empresarial:24
a) De estrutura funcional, voltada para a satisfação do mercado
doméstico, que se caracterizava por um modelo de produção centralizado;
b) De estrutura divisional, na qual as divisões de produto operavam
como empresas autônomas, alcançando uma demanda particular e doméstica;
contudo, o sistema de avaliação empresarial permanecia centralizado;
c) De estrutura matricial, esta surgida a partir dos anos 60, que
combinava elementos dos dois modelos anteriores, levando em conta mercados
estáveis e/ou variáveis buscando um equilíbrio entre ambos.
Entretanto, a crise econômica dos 1970 demonstrou um esgotamento do
sistema de produção rígida, em série, caracterizador dos modos de produção
24 MILES, R.E. & SNOW, C.C. Organizational strategy, structure and process. Nova York: Mac Grow-hill, 1978.
10
anteriormente descritos, pois o mercado consumidor passa a exigir melhor
qualidade e diversidade de produtos, o que leva à uma flexibilização do modo de
produção e comercialização, tanto dos serviços como dos produtos. Em tal
contexto, o emprego e a gestão do conhecimento adquirem relevo e superam as
questões relativas ao capital que caracterizaram o período anterior.
A concentração do capital que caracterizou todas as relações econômicas
do ocidente desde pelo menos 1879, com o advento da Revolução Francesa,
cede lugar a parcerias, o que resulta em uma modificação nas formas de
organização empresarial, cuja atenção, agora se volta para a necessidade do
aumento de competitividade, de desenvolvimento da profissionalização e a
planificação do alto conhecimento e gestão empresarial, que possam competir em
um mundo excessivamente mutável.
Segundo Castells25 (1996) no mundo atual não há a possibilidade de uma
empresa sobreviver de forma autônoma e auto-suficiente. Há uma espécie de
interdependência empresarial, o que provocou uma mudança no foco
organizacional empresarial, daí advindo o modelo de rede para a gestão
empresarial, tal como ocorre no sistema de franquia de negócio formatado.
Por cambiante que seja o mercado, no entanto, é o caráter estável e
perene das marcas e do know-how, por exemplo, que cria o liame entre as
empresas e o consumidor. Além disto, no mundo atual o consumidor não procura
apenas produtos tangíveis para a satisfação de suas necessidades, procura
também um pacote de conveniências e vantagens. Hoje, há outro modelo de
consumo em curso: o consumidor busca processos de identificação. O bem-estar
do consumo advém do reconhecimento, da identificação do consumidor com o
produto, serviço ou modo de atendimento26.
No caso da franquia de negócio “formatado” – objeto de estudo deste
trabalho – há uma “verticalização” dos processos de reconhecimento e
identificação do público consumidor com cada uma das unidades franqueadas.
Tal processo se dá em virtude das características atinentes ao instituto, tais como
a licença de uso de marca, padrão arquitetônico uniforme do estabelecimento
25 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 123. 26 ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. Op. cit. pp. 128-129.
11
empresarial, constância nos métodos de operação do negócio e, especialmente, o
know-how.
Mas, porque o know-how pode ser visto como uma das pedras angulares
do sistema de franchising? Quais os pontos de intersecção que tal instituto
mantém com os índices de desenvolvimento econômico e social no mundo
globalizado? Daniela Zaitz, doutrinadora brasileira contemporânea atenta às
marcas de seu tempo, expõe com precisão o lugar que o know-how ocupa, hoje,
na economia global. Para esta pesquisadora, a velocidade das inovações
tecnológicas surgidas a partir do século XIX vem promovendo radicais mudanças
no estilo de vida das sociedades. Surge, então, a necessidade peremptória de
sua circulação, muito embora os procedimentos legais que regem as formas de
implemento social das novas tecnologias nem sempre alcancem a mesma
velocidade de evolução. Ora, a roda do sistema tem de girar para que o progresso
siga o seu caminhar. Assim, afirma Daniela Zaitz:
Em certos setores industriais, incluindo aqueles em que os
desenvolvimentos tecnológicos são mais dinâmicos, o mecanismo de proteção
oferecido pelas patentes é de eficácia limitada. Isso decorre, dentre outros
motivos, do fato de o objeto de determinada tecnologia não permitir proteção
adequada pelo sistema de patentes ou, ainda, porque a velocidade da evolução
tecnológica é incompatível com os procedimentos legais para a obtenção de
direitos de propriedade industrial. Nessas áreas, em que grande parte do
progresso atual se concentra, o know-how é instrumento essencial para o
crescimento econômico.27
No mundo atual o know-how é peça de fundamental importância para o
bom desenvolvimento das esferas econômicas28. Tal como se verá em detalhe
nos capítulos a seguir, know-how é um conjunto de conhecimentos, práticas,
experiências e habilidades pessoais – elemento intelectual, portanto – dotadas de
valor econômico e, objeto de segredo, cujo caráter transitivo define sua essência.
Transitivo, uma vez que é especificidade do know-how a sua transmissibilidade.
27 ZAITZ, Daniela. Direito e know-how (uso, transmissão e proteção dos conhecimentos tecnicos ou
comerciais de valor econômico. Curitiba: Juruá Editora, 2005. p. 15. 28 FRIGNANI, Aldo. Factoring, Leasing, Franchising, Venture capital, leveraged buy-out, hardship clause,
coutertrade, cash and carry, merchandising, know-how, securitization. Turim: G. Giappichelli. 1996. p. 507 e ss.
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Transitivo também, porque é de sua transmissibilidade que decorre seu valor
econômico e seu valor social, uma vez que a possibilidade de transmissão de
conhecimentos e inovações tecnológicas implica na promoção do
desenvolvimento econômico e um maior e melhor crescimento do bem-estar
humano. A transmissão ou circulação de tecnologias possibilita a exploração do
conhecimento por diferentes nações, independentemente do grau de
desenvolvimento em que estas se encontrem. Deste modo, o know-how se
apresenta como uma alternativa de desenvolvimento econômico para os países
menos desenvolvidos ou em desenvolvimento29 compondo aquela esfera integral
e totalizadora do sistema mundial.
Assim, em consonância às formulações de Daniela Zaitz, é possível um
reconhecimento do know-how como valor, segundo a perspectiva da Teoria
Tridimensional do Direito de Miguel Reale30. Ademais, pode-se afirmar que o
know-how é fato – ainda segundo o entendimento de Miguel Reale – uma vez
que, para que se possa apreender sua importância social e valor econômico é
necessário que se proceda a uma observação da realidade circundante a fim de
compreender suas formas de manifestação. O instituto está presente nos
diferentes setores de produção econômica: o industrial, o comercial, entre outros.
É de sua existência fática que se pode deduzir seu valor para as sociedades
contemporâneas. Assim, fato e valor caminham juntos, são aspectos inter-
penetrantes de um mesmo instituto: o know-how.
Ora, sendo o know-how um elemento do desenvolvimento intelectual
humano, transmissível a outrem e dotado de valor econômico e social é processo
natural procurar entendê-lo em suas vinculações com as práticas negociais
extemporâneas à atividade estritamente industrial, entre as quais o instituto do
franchising. Dando voz uma vez mais ao pensamento de Daniela Zaitz, entende-
se que é possível
... incluir no conceito de know-how também, conhecimentos de caráter comercial, inclusive de caráter administrativo e de gestão de empresa. Efetivamente, muitas vezes os conhecimentos comerciais têm valor ainda superior àqueles industriais e podem também apresentar a característica de serem secretos. Assim sendo, não há porque negar a
29 ZAITZ, Daniela. Ibidem. pp. 21-22 e 61-74. 30 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. Op. cit. p. 74.
13
existência do know-how comercial, desde que o mesmo tenha valor econômico e seja relativamente secreto31.
Evidencia-se, deste modo, como o know-how se integra, do ponto de vista
filosófico, ao instituto do franchising. Sua análise pormenorizada fará perceptível o
seu “estar aí” para com o mundo contemporâneo – do ponto de vista extrínseco –
e para com o próprio instituto da franquia – do ponto de vista intrínseco. Tal modo
de integração entre os variados perfis integradores do franchising e a chamada
sociedade de consumo ou de massa, cujo exemplo utilizado neste momento é o
know-how, pode ser verificado em vários dos outros aspectos e elementos que
congregam o instituto da franquia empresarial, dando cabida à investigação e
estudo deste último em seus modos de manifestação na atualidade.
31 ZAITZ, Daniela. Ibidem. p. 38.
14
II – CONCEITO DE FRANCHISING
II.A. Origem
Tal como se disse anteriormente, não é possível traçar uma analogia
perfeita entre o moderno instituto da franquia do negócio formatado e alguns
institutos mercantis mais antigos, tal como ocorre com inúmeros outros institutos
jurídicos de natureza diversa à do franchising. Mesmo assim, há autores que
encontram as primeiras referências à ele em práticas que remontam ao período
da Antiguidade Clássica e, posteriormente, à Idade Média, no âmbito da Igreja
Católica.
No Estado Romano o seu surgimento é atribuído à figura dos chamados
publicanos; particulares que exerciam a função de agentes do fisco -
encarregando-se do lançamento e arrecadação de tributos mediante pagamento
de determinada quantia ao tesouro ou àqueles que arrendavam os bens do
fisco32. Para melhor desenvolver sua atividade, os citados publicanos se
associavam criando as societates publicanorum, que tinham por função não
apenas a arrecadação de tributos, mas também, a exploração de outros contratos
vinculados à ordem pública. Este modelo organizacional criado para a
arrecadação de tributos assemelhava-se a uma forma de concessão de funções
públicas e também a uma forma rudimentar de franquia33.
Embora essa forma de substituição tenha caído em desuso no período da
Roma Imperial – século V em diante – seu ressurgimento pôde ser notado na
Idade Média, durante o feudalismo, sob a forma de uma concessão oferecida pela
Igreja Católica aos senhores de terras, para cobrança do dízimo dos fiéis, e
posterior repasse. Como forma de remuneração, a Igreja autorizava aos
suseranos a retenção de parte do valor arrecadado34.
E ao que parece, a Idade Média foi responsável pela consolidação
terminológica que viria, de certo modo ou com derivações, acompanhar o instituto
32 MARTINS DA SILVA, Américo Luiz. Contratos comerciais. Vol. II. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. p. 343 e ss. 33 Idem. Ibidem. p. 343 e ss. 34 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e Direito. São Paulo: Editora Atlas, 1997. p. 27 e ss.; MARTINS DA SILVA, Américo Luiz. Ibidem. p. 343 e ss.
15
até a atualidade35. O termo franchising é derivado do inglês franch que, por sua
vez, advém de franc, originário das cidades francas que recebiam essa
denominação porque nelas os comerciantes obtinham o privilégio do não
pagamento de tributos aos Reis, aos Senhores Feudais e à Igreja Católica, que
detinham o direito sobre a circulação de pessoas e mercadorias dentro de seus
limites territoriais36.
Assim, da raiz etimológica francesa franc derivaram o verbo franchiser e o
substantivo franchisage37. E como assenta Felizardo Barroso, o verbo franchiser
ou franquear significava
... conceder autorização de abandono de uma servidão. Neste sentido, os senhores feudais concediam lettres de franchise a algumas pessoas (principalmente ligadas à área financeira), outorgando-lhes certa liberdade, em detrimento de sua própria autoridade38.
Já na opinião de Martin Mendelsohn, o nascedouro do instituto é associado
ao sistema pub-tied house, criado no século XII em Londres, que consiste
basicamente no controle da cerveja comercializada em bares, por determinada
cervejaria da época, caracterizando-se como uma espécie de franquia bastante
rudimentar 39.
De outro lado, há juristas que consideram que o instituto do franchising
também foi utilizado no último momento medieval na esfera do desenvolvimento
de ultramar, como afirma Maria de Fátima Ribeiro. Para esta jurista portuguesa –
modificando um pouco o espectro de atuação do referido modelo implantado nos
feudos medievais – o período marcado pela expansão ultramarina teria se
caracterizado por aportar uma espécie de “franqueamento de marca” – ou de
nação – proposto pelas coroas européias, em nome do qual os exploradores das
35 HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. São Paulo: VERBO/EDUSP, 1977. pp. 76-81. 36 LEITE, Roberto Cintra. Franchising na criação de novos negócios. São Paulo: Editora Atlas, 1991. p. 27 e ss.; RIBEIRO, Ana Paula. O Contrato de Franquia (Franchising) no direito interno e internacional. Lisboa: Tempus Editores. p. 18 e ss.; BARROSO, Luiz Felizardo. Ibidem. p. 28. 37 Waldírio Bulgarelli distingue ainda as derivações da expressão franch, esclarecendo que franchising, como particípio presente, significa um complexo de atividades destinado a desencadear processos de venda e distribuição em escala; franchise, substantivo, é o acordo – contrato (franchise agreement); franchisor, substantivo, designa o empresário que cede o uso da marca ou produtos, etc; franchisee, substantivo, é o empresário que se compromete a utilizar a marca, vender os produtos, prestar os serviços etc. In: BULGARELLI, Waldírio. Contratos Mercantis. São Paulo: Editora Atlas, 1999. p. 530. 38 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e Direito. Op. cit. p. 28. 39 MENDELSOHN, Martin. A essência do Franchising. Op. cit. p. 21.
16
terras de além-mar receberam subsídios para a realização de suas viagens de
conquista e anexação de novos territórios40.
Luiz Felizardo Barroso traça um paralelo entre essas expedições marítimas
e uma relação de franquia, destacando que naquelas
...os reis (franqueadores) franqueavam navios (o estabelecimento) e os aprestavam (os aprestos, ou apetrechos eram as respectivas instalações) para que, em nome do reino, sob suas armas (suas marcas), os navegadores (comandantes – master franqueados ou subfranqueadores) buscassem novas terras (hoje novas unidades franqueadas para incorporação à rede – isto é, ao reino), novos produtos (especiarias) e, por fim, mais riquezas (a lucratividade sempre tão almejada por qualquer empreendimento)41.
A despeito da limitações existentes em se remontar ao passado distante as
práticas comerciais que apresentam alguns traços semelhantes aos do moderno
franchising é possível entrever que tal instituto, restrito ao âmbito da iniciativa
privada e em caráter de colaboração42, mais próximo ao que existe hoje, surgiu
por volta do ano 1860, nos Estados Unidos da América – país considerado de
forma irrefutável como o verdadeiro berço do franchising, com a atuação da
Singer Sewing Machine43. Detentora de uma marca de grande penetração no
mercado, a Singer procurou expandir sua atividade por meio do licenciamento do
direito de uso de sua marca e de suas técnicas de gerenciamento e vendas, em
troca da participação dos seus licenciados nos resultados.
Inicialmente, o instituto não encontrou evolução rápida, uma vez que exigia,
para seu melhor funcionamento, uma modernização dos sistemas de transporte e
de comunicação, ainda indisponíveis à época. Porém, o final do século XIX
assistiu a uma ampliação do sistema de franquia quando, também nos Estados
Unidos, empresas como a General Motors e a Coca-Cola criaram uma nova
modalidade de relações empresariais na qual licenciavam, ademais do direito de
40 RIBEIRO, Mª de Fátima. O contrato de franquia. Coimbra: Editora Almedina, 2001. pp. 11-13. 41 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e Direito. Op. cit. p. 27. 42 Neste sentido, tal compreensão aproxima-se da propositura de Fábio Ulhoa Coelho quando este leciona que: “Através de um contrato de colaboração, o contratado (mandatário, comissário, representante, concessionário ou franqueado) se obriga a colocar junto aos interessados as mercadorias comercializadas ou produzidas pelo contratante (mandante, comitente, representado, concedente ou franqueador) observando as orientações gerais ou específicas por este fixadas.” In: ULHOA COELHO, Fábio. Manual de Direito
Comercial. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. 12ª ed. p. 419. 43 “The technique of franchising is generally thought to have started in the USA when, following de Civil War, the SINGER Sewing Machine Company established a dealer network”. In MENDELSOHN, Martin. The guide to franchising. Londres: Cassel, 1996. 5ª ed. p. 19 – 20.
17
uso da marca, o direito de fabricação do produto, posteriormente identificada
como franquia industrial e que será abordada em capítulo adiante.
Algumas décadas depois, a concepção de franchising passou por novas
modificações, principalmente após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), que
propiciariam um grande avanço para o instituto. Naquele período, os soldados
americanos que retornavam ao seu país necessitavam, em caráter emergencial,
encontrar uma posição no difícil cenário econômico do pós-guerra e grandes
empresários viram no franchising uma oportunidade para incrementar as
possibilidades de escoamento de seus produtos por meio de uma rede de
distribuição e de uma ocupação eficiente do território potencial para
comercialização. O sucesso no ingresso de ex-combatentes norte-americanos e
até mesmo de civis no sistema de franquia deveu-se, em boa medida, à utilização
de um sistema mais estruturado e capacitado que permitia o ingresso de pessoas
sem experiência anterior no segmento a ser explorado.
E é através desse sistema estruturado, denominado Business Format
Franchising, que a partir de 1955 o sistema de franquia empresarial toma maior
impulso, com o surgimento daquela que viria a ser uma das maiores
representantes mundiais deste sistema: a rede de lanchonetes Mc Donald’s; para
muitos um sinônimo de franchising. Parece correta a assertiva daqueles que
associam tal marca ao sistema, vez que, a empresa Mc Donald’s foi a
responsável pela criação de uma das maiores redes de fast food do mundo,
dando início ao estabelecimento dos métodos e diretrizes elementares
caracterizadores do atual sistema de franquia empresarial ou franchising.
A expansão mundial do sistema ganha velocidade a partir dos anos 1970,
época de grande desenvolvimento econômico, apesar das crises políticas e da
crise do petróleo que a marcaram. No Japão, o sistema se fortalece com o
advento de uma legislação específica, similar à Lei Royer44 francesa e com a
iniciativa do Ministério da Indústria e Comércio Exterior, que criou em 1972 a
Japan Franchise Association, instituição encarregada de promover o
44 Também conhecida como Lei Doubin.
18
desenvolvimento do franchising no país, embora o sistema já existisse de forma
incipiente desde a década anterior45.
Nos países da União Européia, houve uma acentuada expansão,
notadamente na França e Inglaterra, convertendo o velho continente em uma das
grandes regiões de desenvolvimento do setor46. A América Latina apresenta um
desenvolvimento mais significativo do franchising, também no transcorrer da
década de 1970, tendo como figuras de maior expressão o México e o Brasil.
II.B. Franchising no Brasil e a perspectiva econômica
A investigação das origens do sistema de franquia empresarial no Brasil
deixa manifesta a dificuldade para a obtenção de dados históricos que apontem
com exatidão o desenvolvimento do instituto no país em seus primeiros anos de
existência, pois nenhum órgão tinha interesse em sua fixação e crescimento.
Acrescente-se a este cenário que, naquele momento, várias das redes utilizavam
nomes diferenciados para o mesmo tipo de negócio jurídico47, o que pode ser
explicado pela ausência de legislação própria e pelo desconhecimento do sistema
de franchising48. De fato, no Brasil e no mundo, o sistema de franquia de negócio
formatado antecede o surgimento de qualquer legislação específica.
Há dados que noticiam o surgimento do Business format franchising no
Brasil, mesmo que em estágio bastante incipiente, nos anos 1910, quando um
fabricante de calçados, Arthur de Almeida Sampaio, propôs a alguns de seus
representantes comerciais a instalação de lojas, com seus próprios investimentos,
a serem identificadas com a marca Calçados Stella, que à época possuía grande
apelo popular49. Posteriormente outras redes de franchising apareceram, como é
o caso da Ducal – pouco lembrado por ter sua expansão prematuramente
interrompida por questões financeiras – , mas é nos anos 1970 que o franchising
45 DÍEZ CASTRO, E. C. & GONZÁLEZ, J. L. G. Práctica de la franquicia. Madrid: Mcgraw-hill, 1998. pp. 11-12. 46 Idem. Ibidem. p. 11 e ss. 47 Na época, as relações de franchising eram formalizadas por contratos celebrados com nomes diversos, tais como: parceria comercial, licença de uso de marca, concessão de distribuição exclusiva de produtos e serviços, entre outros. 48 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e Direito. Op. cit. p. 33. 49 No negócio proposto, Luiz Felizardo Barroso identificou três pressupostos de uma franquia moderna: “...escolha correta dos franqueados; descentralização administrativa e financeira, e trabalho debaixo de
uma mesma marca..” In: Idem. Ibidem. p. 32.
19
dá as primeiras mostras de desenvolvimento sistemático no Brasil, com o
surgimento de redes como Mister Pizza, Yázigi, Boticário, Água de Cheiro, Mc
Donald’s, entre outras.
Na opinião de alguns juristas, como Américo Luiz Martins da Silva, a
expansão do franchising no Brasil é atribuída ao fenômeno dos Shopping-
Centers50 – que também têm o seu marco inicial na década dos setentas51 –
enquanto outros a associam com a chegada da rede de fast food Mc Donald’s;
não obstante esta tenha iniciado suas atividades no país operando unidades
próprias52.
O crescimento do franchising em território nacional também é atribuído, na
opinião de Jorge Pereira Andrade53, ao advento do Plano Cruzado, em 1986, que
limitou os rendimentos das aplicações financeiras a 0,5% ao mês como ”solução”
para conter os altos índices inflacionários da época, redirecionando investidores
para outras áreas, entre elas, o franchising. Desta forma, assim como ocorreu em
outras partes do mundo, o desenvolvimento desse sistema foi fortemente
influenciado pelo revés econômico-financeiro enfrentado naquele momento.
A chegada dos anos 1990 foi especialmente significativa para o instituto da
franquia empresarial, dado que o advento das políticas de abertura econômica
possibilitou o ingresso de empresas franqueadoras estrangeiras no país, muitas
das quais de grande relevo para o crescimento do setor. O referido processo de
abertura da economia trouxe enormes desafios para as empresas nacionais que a
partir daquele momento, e para não perder o seu mercado, tiveram de se
profissionalizar tornando-se mais competitivas.
50 MARTINS DA SILVA, Américo Luiz. Contratos comerciais. Op. cit. p. 347. 51 Tal como informa Glória Cardoso de Almeida Cruz: “O surgimento dos shopping centers, em 70, fez com que o varejo fosse elevado para mais um estágio. O comércio passava a ser direcionado e o consumidor passou a exigir a sua especialização. Como a especialização é uma das características do sistema de franchising, essas mudanças de valores vieram beneficiar em muito a venda no varejo.” In: CRUZ, Glória C. A. Franchising. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1993, 2ª edição. p. 7. 52 A estratégia de lançar-se inicialmente com lojas próprias foi justificada, à época, pelas restrições legais para a remessa de royalties para o exterior. In: BARROSO, L. F. Franchising e Direito. Op. cit. p. 32. 53 ANDRADE, Jorge Pereira. Contratos de franquia e leasing: Lei nº 8955/1994, Resolução nº 2309/1996.
Lei nº 9307/1996 (Arbitragem).Op. cit. pp. 15-16.
20
Contudo, um dos principais marcos do período foi, sem dúvida, a criação
de uma lei específica para a franquia empresarial no Brasil54 - Lei nº 8.955, de 15
de dezembro de 1994, originária do Projeto de Lei nº 318/1991 apresentado pelo
então deputado Magalhães Teixeira55. Nesse aspecto, muito embora a Lei nº
8.955/1994 receba críticas de doutrinadores de grande peso56, deve-se considerar
que a regulamentação da franquia no país, naquele momento, trouxe uma valiosa
segurança aos investidores, o que contribuiu de forma decisiva para impulsionar o
setor favorecendo o crescimento da economia do país.
Dados recentes revelam que apesar do crescimento de redes de franquia
ser mais acentuado em outros países - permanecendo os Estados Unidos em
posição de liderança em volume de negócios e número de redes e unidades
franqueadas - o desempenho do franchising no Brasil é bastante positivo.
Segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), enquanto o crescimento
do Produto Interno Bruto em 2005 foi de 2,3%; o crescimento do setor de
franquias no mesmo período chegou a 13,3%, o que justifica que em pouco mais
54 Antes da Lei Especial em referência, as relações de franchising eram regidas pelo complexo de normas existentes, em especial o Código Civil, o Código Comercial, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Propriedade Industrial. 55 Em seu percurso histórico, a legislação brasileira relativa à atividade da franquia empresarial contou com dois Projetos de Lei anteriores: o Projeto de Lei nº 1526/1989, do deputado Ziza Valadares, e o Projeto de Lei nº 167/1990, do senador Francisco Rolemberg; ambos arquivados em razão de um generalizado desinteresse, naquele momento, por sua divulgação e propositura. 56 Nesse sentido, Cláudio Vieira da Silveira aduz: “(...) Inicialmente, verifica-se na redação do preâmbulo da Lei, que de forma equivocada e incorreta, o legislador pátrio deu um sentido restritivo à Lei, dizendo que a mesma dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising), quando o correto e juridicamente adequado, seria o legislador ter dito que a Lei dispõe sobre o sistema de franquia empresarial (franchising). Isto porque a franquia empresarial (franchising) é um sistema de comercialização de produtos e/ou serviços associada a marcas e patentes. A franquia empresarial, portanto, é um moderno e vitorioso sistema de distribuição de produtos e serviços que pode ter uma influência positiva no desenvolvimento econômico de qualquer país, mesmo durante períodos de recessão. Assim, seja como conceito legal ou dentro de qualquer outra definição jurídica, a franquia empresarial não pode ser confundida com um simples contrato, como erroneamente interpretou o nosso legislador.” In: SILVEIRA, Cláudio V. Franchising – guia prático. Curitiba: Editora Juruá, 2001. p. 251 e s.. De modo complementar, o Prof. Fábio Ulhoa Coelho explica que o objetivo da Lei “foi o de disciplinar a formação do contrato de franquia” e não o contrato de franchising. Com razão, a norma estipula as formalidades que precedem à celebração do contrato e os preceitos que deverão reger a elaboração de um instrumento que estabelece as regras que nortearão a relação contratual propriamente dita. Tal instrumento é denominado “Circular de Oferta de Franquia”, cuja expedição e entrega aos candidatos interessados em qualquer franquia tornou-se obrigatória. Deste modo, queda claro que ao elaborar a Lei de Franquia Empresarial, o legislador brasileiro inspirou-se, a exemplo do legislador francês ao criar a Lei Doubin, no sistema americano conhecido como disclosure, expressão que advém do termo latino disclaudere, cujo significado é abrir, tornar público, tornar conhecido, revelar-se. In: ULHOA COELHO, Fabio. “Considerações sobre a Lei de Franquia”. Revista ABPI nº 16, São Paulo: ABPI/PW editores. Maio/junho, 1995. p. 15.
21
de quatro décadas de existência, o franchising tenha sido responsável por 25%
das vendas realizadas no varejo no país57, número bastante expressivo.
Hoje, o Brasil já ocupa o sexto lugar mundial em número de empresas
franqueadoras e em quantidade de franquias – é Marcus Rizzo58 quem aponta
para o dado concreto da existência de 1.109 franqueadores e 85.971 franqueados
em todo o Brasil no exercício de 2005 –, sendo responsável pela criação de mais
de 530.000 empregos diretos, segundo os dados da ABF59.
Uma explicação para a rápida absorção brasileira deste conceito de
negócio é o próprio cenário sócio-econômico vivido no Brasil recente. De acordo
com o Ministério do Trabalho, houve uma redução de 1,8 milhões de postos de
trabalho nas grandes incorporações apenas nos treze últimos anos. Diante de tal
situação, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos no período do pós-
guerra, inúmeros desempregados encontraram no franchising uma opção de se
tornar donos de seu próprio negócio, sem a exigência de experiência anterior no
segmento eleito e com maiores chances de sobrevida.
Isto porque, segundo pesquisa elaborada pelo Sebrae no último trimestre
de 2006, a taxa de mortalidade das empresas no Brasil é 49,9% nos dois
primeiros anos de atividade60, passando para 56,4% em três anos de existência e
59,9% em quatro anos de atividade; enquanto que, nos casos de empresas
franqueadas, esta taxa cai para 17 pontos percentuais61, diferença bastante
significativa.
Diante de números tão reveladores no campo econômico, o prognóstico de
especialistas mais entusiastas, que apostam na idéia de que o franchising não
alcançou o seu ápice – entre os quais é possível destacar o jurista Fábio Ulhoa
Coelho que afirma que “o crescimento do sistema de franquias, no Brasil, é
notável e promissor”62 – parece acertado.
Mas é, sobretudo, a mudança de hábitos de um público consumidor
crescente e cada vez mais homogêneo que induz o avanço do sistema. A 57 http://www.portaldofranchising.com.br. Acesso: 05/02/07. 58 RIZZO, Marcus. Franchise o negócio do século. Itu: Ed. Rizzo Franchise, 2006. p. 13. 59 http://www.portaldofranchising.com.br. Acesso: 05/02/07. 60 http://www.sebrae.com.br/br/mpe%5Fnumeros/mortalidade_empresas.asp. Acesso em 05/02/07. 61http://sebrae.com.br/revsb14/temasdecapa/franquias/reducaodamortalidade+taxa+mortalidade+franquia Acesso em 05/02/07. 62 ULHOA COELHO, Fabio. “Considerações sobre a lei de franquia.”. Revista ABPI. Op. cit. pp. 15-16.
22
padronização dos produtos no setor de alimentação ou vestuário, entre outros que
são ofertados ao público, expressam o mecanismo de organização da sociedade
atual. A rapidez com que o sistema vem se desenvolvendo nas últimas décadas
é, com efeito, fruto das novas estruturas geo-econômicas impostas pelo contexto
mundial contemporâneo, que se caracteriza por alterações significativas na
divisão territorial do trabalho, mas particularmente, nas alterações de padrão do
consumo e gosto. Tal circunstância tende a definir novos perfis produtivos e
econômicos nos mais variados países, para que estes possam atender às
demandas de consumo e inserir-se na chamada economia globalizada63.
Assim, fica claro que apesar das dificuldades em se montar um painel
uniforme das origens e evolução histórica do sistema de franquia empresarial no
país, é possível afirmar que este é resultado do exercício da criatividade humana
e dos fatos da vida em sociedade que exigem sua disciplina pela Lei; para fazer
eco tanto das palavras de Miguel Reale em suas formulações a propósito da
tridimensionalidade do Direito como das de Rubens Requião, quando este se
refere de modo específico à regulamentação das relações mercantis:
A história testemunha que o mercador é seguido pelo jurista: o comerciante cria sua técnica e o jurista, pelo método indutivo, investiga os fatos, formula os princípios e delineia a teoria. Surge, então, o instituto jurídico moderno, com suas regras que visam assegurar e definir a licitude de tal prática.64
De fato, é a pluralidade da experiência jurídica concreta – desta feita, o
desenvolvimento histórico do instituto do franchising – que oferece ao aplicador
do Direito a possibilidade de encontrar soluções satisfatórias às demandas
suscitadas pela sociedade e seus desdobramentos.
II.C. Conceito e definição legal
A fim de estabelecer os nexos existentes entre as definições conceituais
propostas na doutrina e legislação brasileiras, assim como nas alienígenas,
63 DUPAS, Gilberto. “A lógica da economia global”. In: Revista de Estudos Avançados. São Paulo: USP/IEA, V. 12, n° 34, 1998. p. 153 e ss. 64 REQUIÃO, Rubens. “Contrato de franquia comercial ou de concessão de vendas”. In: Revista dos
Tribunais 513/41. São Paulo: RT Editores, 1978. p. 44.
23
convém aportar as diversas definições oferecidas em estudos sobre o instituto,
para, em seguida oferecer sua definição conceitual.
II.C.1. Direito Comparado
O franchising é um instituto dinâmico e complexo, fato que impõe
dificuldades ao seu manejo conceitual. Porém, tal circunstância o torna mais
instigante, especialmente, diante da impossibilidade de restringir a pesquisa aos
aspectos puramente jurídicos, pois, como se sabe, a criação e desenvolvimento
do instituto são frutos da dinâmica sócio-econômica do mundo contemporâneo.
Tal afirmação pode ser confirmada no confronto entre o conceito estabelecido
para o instituto e a definição legal dada ao franchising em diversos países.
Nos Estados Unidos, apesar da legislação de alguns estados da federação
versarem sobre o assunto, a maioria deles não cuidou de regulamentar o instituto
do franchising, limitando-se à inclusão do princípio da boa-fé no Código Comercial
Uniforme Americano, de 1987, que diz:
Impõe um dever de boa-fé não só na execução do contrato, como na forma de cobrança das obrigações assumidas pelas partes. Boa-fé significando honestidade objetiva e observância de padrões razoáveis de comercialização e equilíbrio entre as partes na condução do negócio.65
Deste modo, a conceituação jurídica do franchising de maior expressão nos
Estados Unidos pode ser extraída das entidades vinculadas ao instituto, como é o
caso da definição fornecida pela International Franchise Association (IFA)66, maior
e mais antiga entidade mundial deste ramo de negócios, sediada em Chicago, e
que considera uma franchise operation:
… a contractual relationship between the franchisor and franchisee in which the franchisor offers or is obliged to maintain a continuing interest in the business of the franchisee in such areas as know-how and training; wherein the franchisee operates under a common trade name, format and/or procedure owned or controlled by the franchisor, and in which the franchisee has or will make a substantial capital investment in his business from his own resources.67
65 SAAVEDRA, Thomaz. Vulnerabilidade do Franqueado no Franchising. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005. p.171. 66 A International Franchising Association (IFA), entidade sediada nos EUA, atua desde o início da década de 1960 e proporciona aos seus associados o necessário apoio para questões éticas, jurídicas e educacionais nas áreas afins ao sistema de franchising. 67 MENDELSOHN, Martin. Op. cit. p. 5.
24
A definição da IFA, todavia, é bastante criticada por especialistas de peso,
destacando-se dentre eles Martin Mendelsohn, que pondera:
This definition is concise and quite comprehensive, yet at the same time it leaves many questions unanswered and omits features which should be included. For example, it refers to the franchisee making an investment in his own business, yet nowhere does it say that the franchisee must own his business. This point, which is a fundamental feature of a franchise, is implied rather than asserted. Another fundamental feature which is omitted is the payment of fees or other consideration by franchisee to franchisor.68
O conceito escolhido pela IFA guarda semelhanças com a definição
consolidada pela British Franchise Association (BFA), para quem franchising é
A contractual licence granted by one person (the franchisor) to another (franchisee) which: (a) permits or requires the franchisee to carry on during the period of the franchise a particular business under or using a specified name belonging to or associated with the franchisor; (b) entitles the franchisor to exercise continuing control during the period of the franchise over the manner in which the franchisee carries on the business which is the subject of the franchise; (c) obliges the franchisor to provide the franchisee with assistance in carrying on the business which is the franchisees´s business, the training of staff, merchandising, management or otherwise); (d) requires the franchisee periodically during the period of the franchise to pay to the franchisor sums of money in consideration for the franchise or for goods or services provided by the franchisor to the franchisee; and (e) which is not a transaction between a holding company and its subsidiary (as defined in Section 154 of the Companies Act 1948) or between an individual and a company controlled by him69.
Da mesma forma, na Itália, destaca-se a definição apresentada pela
Associação Italiana de Franchising que enfatiza a técnica de marketing objetivada
no franchising:
Il franchising è una tecnica di marketing secondo la quale il licenziante (franchisor) contro compenso anche dilazionato, fornisce in via continuativa al licenziatario (franchisee) tutta la sua esperienza tecnico-commerciale acquisita in una determinata attività imprenditoriale, nonché l´uso del marchio e della sua insegna70.
Com efeito, a influência das diversas entidades vinculadas à atividade de
franquia empresarial também marcou presença na Europa, local em que foi
68 Idem. Ibidem. pp. 9-10. 69 MENDELSOHN, Martin. Ibidem. pp. 9-10. 70 FAUCEGLIA, Giuseppe. Il franchising: profili sistematici e contrattuali. Milano: Dott A. Giuffrè Editore, 1988. p. 2.
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proposta a criação dos códigos deontológicos71, que embora se constituam
documentos extralegais, indicam o comportamento almejado para o sistema.
Assim, a Comissão Belga de Distribuição conceitua o instituto franchising como
um
... sistema de colaboração entre duas empresas diferentes, porém ligadas por um contrato em virtude do qual uma delas concede a outra, mediante pagamento de uma quantia e sob condições bem determinadas, o direito de exploração de uma marca ou fórmula comercial representados por um símbolo gráfico ou um emblema, assegurando-lhe ao mesmo tempo ajuda e alguns serviços regulares destinados a facilitar essa exploração72.
Tendo em vista a definição da Comissão Belga, entende-se que a franquia
se desenvolve por meio de uma relação contratual em que o franqueador concede
ao franqueado o uso de um bem imaterial que se consubstancia, primordialmente,
na marca e no auxílio, ou assistência, para explorar um determinado negócio.
Há ainda, dentre os Códigos Deontológicos, elaborações conceituais mais
extensas, como a estabelecida pela Federação Européia de Franchising, em que
o conceito de franquia empresarial é definido da seguinte maneira, in totum:
Franchising define-se como um método de colaboração contratual entre duas partes juridicamente independentes e igualadas: de uma parte uma empresa franqueante, a franchiseur; de outra parte uma ou mais empresas, a(s) franchisee(s). No que concerne à empresa franqueante, implica: a propriedade de uma razão social, nome comercial, siglas ou símbolos de comércio (eventualmente de marcas de fábrica) ou de serviços, de know-kow, colocados à disposição de uma ou várias empresas franchisees, o controle de um conjunto de produtos e/ou serviços apresentados de maneira original e específica que devem ser adotados e utilizados pelo franchisee. Essas maneiras repousam sobre um conjunto de técnicas comerciais específicas, que já foram experimentadas antes, e que são continuamente desenvolvidas e verificadas no que concerne a seu valor e eficácia. O principal objetivo em entabular um contrato de franchise entre duas partes é o de promover benefícios aos franchiseur e aos franchisees, combinando recursos humanos e financeiros sem que possa afetar a independência de cada uma das partes. Todo contrato de franchise implica um pagamento efetuado sob qualquer forma que seja, do franchise (sic) ao franchiseur em reconhecimento aos serviços consubstanciados no fornecimento do nome, na maneira de comerciar, tecnologia e know-
71 Código Deontológico é um conjunto de normas e deveres dirigidos a uma coletividade profissional, para guiar o exercício de sua profissão a partir de uma perspectiva ética. Portanto, em um documento desta índole não se faz referência, necessariamente, à como são de fato as coisas, mas, a como deveriam ser e quais são os valores que deveriam iluminar a prática profissional diária. Não se trata de estabelecer qual a melhor técnica ou como funciona este ou aquele material, trata-se, antes, de definir o que está adequado e o que não está adequado; isto é, aquele comportamento que independentemente de suas conseqüências é mais correto dentro dos limites de uma determinada atividade profissional. 72 RIBEIRO, Mª de Fátima. Op. cit. p. 109.
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how. Franchising é, por conseguinte, mais que um contrato de venda ou de concessão ou um contrato de licença, visto que as duas partes aceitam, umas e outras, obrigações em respeito recíproco, formando uma célula estável numa relação comercial convencional. Um contrato de franchise repousa sobre a confiança mútua e as partes buscam, todo momento, evitar os mal-entendidos dentro da relação recíproca e com o público em geral. O franchiseur garantirá a validade de seus direitos, sobre a marca, insígnia, siglas, slogan, etc e assegurará às empresas franchisees a concessão pacífica de se colocarem à sua disposição.73
A definição proposta pela Federação Européia de Franchising é bastante
dilatada e prevê algumas questões desnecessárias à elaboração do conceito de
franchising, como a abordagem dos objetivos do contrato, que escapam a uma
estrita definição conceitual do instituto.
Por outro lado, em alguns países encontram-se leis especiais que regulam
as relações de franquia, como se pode inferir do caso espanhol em que, de
acordo com a “Ley de Ordenación del Comércio Minorista”, capítulo VI, artigo 62,
§ 1º, no qual se verifica :
§ 1º La actividad comercial en régimen de franquicia es la que se lleva a efecto en virtud de un acuerdo o contrato por el que una empresa, denominada franquiciadora, cede a otra, denominada franquiciada, el derecho a la explotación de un sistema propio de comercialización de productos o servicios.74
A doutrina espanhola tal como afirma Gabriel Alejandro Rubio, optou por
uma definição mais ampla, segundo a qual o franchising
Es un contrato de colaboración empresarial, atípico con tipicidad social, generalmente celebrado por adhesión a cláusulas predispuestas, por el cual el otorgante (franquiciante o franchisor) ofrece un método o sistema comercialización de bienes o prestación de servicios comprobadamente exitoso, a multiplicidad de tomadores (franquiciados o franchisees), para que estos elaboren, distribuyan o prestan servicios bajo el amparo de la marca, nombre comercial o designación del primero, por lo que pagará un canon y/o otras prestaciones adicionales.75
A seu turno, a Comissão das Comunidades Européias assinala em seu
Regulamento 4087/1988 que franquia se define como,
73 MARTINS DA SILVA, Américo Luiz. Op. cit.. p. 351. 74 http://www.juridicas.es/base_datos/uvigo/l7-1996.t3.html#a62. Acesso em 17/03/2007. 75 Rubio, Gabriel Alejandro. “El derecho de daños frente a una realidad del mundo de los negocios: el contrato de franchising”. In: Revista de la Facultad. Córdoba: Facultad de Derecho y Ciencias Sociales, Vol 6, nº 1. 1998. p. 548.
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... un conjunto de derechos de propiedad industrial o intelectual relativos a marcas, nombres comerciales, rótulos de establecimiento, modelos de utilidad, diseños, derechos de autor, know-how o patentes, que deberán explotarse para la reventa de productos o la prestación de servicios a los usuarios finales.
Ainda destaca-se, na França, a Lei Doubin, de 31 de dezembro de 1989,
que apesar de não se prestar à regulamentação do franchising de maneira
exclusiva, uma vez que versa sobre contratos e concorrência de um modo geral,
tem a sua base na obrigação de divulgação de informações ou disclosure, sob
influência do Full Disclosure Act (Lei de Transparência Total) americano de 1979.
Nesse diapasão, discorre Vivian Lara dos Santos Silva:
... a Lei Doubin, que rege indiretamente diferentes formas organizacionais, como concessões, cooperativas e franquias, estabelece a obrigação legal do franqueador em fornecer a todos os seus potenciais franqueados um documento informático a respeito da rede – similar à Circular de Oferta de Franquia estipulada pela legislação brasileira76 – priorizando, porém, as informações a respeito do tipo do franqueador e da atividade por ele exercida, não entrando no mérito do perfil ideal do franqueado, nem tampouco dos direitos e deveres das partes77.
Deste modo, a Lei Doubin resolveu definir o franchising como:
Toute personne qui met à la disposition d’une autre personne un nom commercial, une marque ou une enseigne, en exigeant d’elle un engagement d’exclusivité ou de quasi-exclusivité pour l’exercice de son activité, est tenue préalablement à la signature de tout contrat conclu dans l’intérêt commun des deux parties de fournir à l’autre partie un document donnant des informations sincères, qui lui permette de s’engager en connaissance de cause.78
Como se pode apurar, o instituto do franchising foi introduzido em diversos
países, nos quais se encontra uma diversidade de conceitos que, em comum,
guardam a concepção de colaboração empresarial e sua natureza híbrida ou
mista, ou seja, entendendo o sistema a partir de sua estrutura compósita, formada
por mais de uma espécie contratual.
76 A aplicação da obrigação full disclosure no Brasil será abordada nos capítulos subseqüentes. 77 SANTOS SILVA, Vivian Lara dos. Ambiente institucional e organização de redes de franquias: uma
comparação entre Brasil e França. Tese de Doutorado. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2004. p. 66. 78 Article L. 330-3 du Code de Commerce (dit Loi Doubin).
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II.C.2. Direito Brasileiro
No Brasil, a primeira definição que se deve ter em conta foi proposta por
Orlando Gomes, no início da década de 1990, quando o jurista baiano conceituou
o instituto como a:
... operação pela qual um empresário concede a outro o direito de usar a marca de um produto seu com assistência técnica para a sua comercialização, recebendo, em troca, determinada remuneração.79
Orlando Gomes destacou, ainda, a similitude entre o contrato de
franchising com outros negócios jurídicos, tais quais a concessão exclusiva, a
distribuição, o fornecimento e a prestação de serviços, concluindo que o primeiro
constitui um:
... novo método comercial destinado a poupar a abertura de filiais e despesas, pois deve ser independente o comerciante que é licenciado para explorar a marca. A nova técnica exige uma rede de distribuição para não se tornar anti-econômica. 80
Destacando essa rede de distribuição, Rubens Requião vê na franquia uma
forma eficaz, inteligente e econômica de lidar com a lei da divisão do trabalho,
uma vez que nela o franqueador estabelece um sistema organizacional com
outras empresas franqueadas em uma espécie de “quase parceria” que se
encarrega do comércio varejista ou da prestação de serviços81.
Entre os doutrinadores pátrios que se dedicaram à formulação conceitual
do instituto da franquia empresarial também se destaca Fran Martins, cujo texto
referencia:
Baseados nos elementos que nos fornecem os métodos de comercialização pela franquia podemos conceituar esta como o contrato que liga uma pessoa a uma empresa, para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de comercializar marcas ou produtos de sua propriedade sem que, contudo, a esses estejam ligadas por vínculo de subordinação. O franqueado, além dos produtos que vai comercializar, receberá do franqueador permanente assistência técnica e comercial, inclusive no que se refere à publicidade dos produtos82.
79 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 1990. 12ª edição. pp. 528-529. 80 Idem. Ibidem. pp. 528-529. 81 REQUIÃO, Rubens. “Contrato de franquia e concessão comercial”. Bauru: Revista Forense. Vol. 267 p. 120. 82 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998. p. 486 e ss.
29
Seguindo percurso semelhante Carlos Alberto Bittar procurou dar enfoque
especial à assistência técnica oferecida pelo franqueador, conforme se vê da
citação a seguir transcrita:
O franchise é, portanto, contrato que importa na concessão a outrem de uso de direito intelectual, para inserção em produtos comercializáveis, com ou sem autorização para fabricação, acompanhada da técnica correspondente. Desse modo, abrange o contrato de serviços de assistência na montagem do negócio; na administração correspondente, no marketing e na publicidade. Reveste-se de caráter complexo, distanciando-se dos demais contratos associativos, inclusive o de licensing, ou de licença simples para uso de marca, que a tanto se restringe. No franchise, ao revés, há um mix [sic] de obrigações assumidas pelo franchisor, que lhe confere, assim, controle sobre a atividade do franchise, em cujo resultado econômico participa, sob regime de fiscalização própria. 83
Também merece registro, comprovando a orientação de disseminação da
franquia, o conceito criado pelo Conselho de Desenvolvimento Comercial por
ocasião da distribuição do folheto explicativo (Franquia ao alcance do pequeno e
médio empresário), no qual foram enumeradas as vantagens deste tipo de
negócio para franqueador e franqueado, ressaltando que:
Franquia é um sistema de distribuição de bens e serviços, pelo qual o titular de um produto, serviço ou método, devidamente caracterizado por uma marca registrada, concede a outros comerciantes, que se ligam ao titular, por relação contínua, licença e assistência para exposição do produto no mercado.
... ao conceder a licença ao franqueado, o franqueador liga-se a ele de maneira permanente e contínua, mas sem relação empregatícia de qualquer grau. Cada franqueado autônomo tem seu capital, seu estabelecimento e sua organização.84
Houve evidente preocupação do Conselho em demonstrar a independência
do franqueado, mas ainda assim referido conceito deixava de abarcar diversos
elementos tidos como essenciais nas franquias modernas. Com efeito, as
definições lançadas no período refletiam o modelo então predominante,
denominado tradicional ou de primeira geração85, cujos contratos de franquia
83 BITTAR, Carlos Alberto. Contratos comerciais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 211. 84 Conselho de Desenvolvimento Comercial (MID). “Franquia ao alcance do pequeno e médio empresário.” In: Caderno nº 2. 85 Na opinião de Vivian Lara dos Santos Silva, esse modelo tradicional de franquia compreende as franquias de primeira e segunda geração, que são distintas porque nas de primeira geração, “as unidades franqueadas representam canais alternativos de distribuição dos produtos e/ou serviços franqueados e não exclusivos como nas de segunda geração.” In: SANTOS SILVA, Vivian Lara. Op. cit. p. 56.
30
invariavelmente limitavam-se à cessão de uso de marca e alguma assistência
técnica por parte do franqueador aos seus franqueados.
II.C.2.a. A franquia de negócio formatado
As citações doutrinárias evidenciam que a maior parte dos autores não
incluía em sua formulação conceitual, o know-how – muitas vezes confundido
com a forma organizacional do negócio franqueado ou assistência técnica
coligada -, sendo referido instituto mais difundido entre os autores modernos86,
dentre os quais se destaca José Cretella Neto, segundo o qual franquia é
O contrato de natureza mercantil, firmado entre franqueador e franqueado, que tem por objeto a cessão temporária e onerosa de um conjunto de direitos materiais e intelectuais, de propriedade exclusiva do franqueador, para o franqueado, que se obriga à comercialização de produtos e/ou serviços, consoante um sistema próprio e único de rede de marketing e distribuição, estabelecido conforme as determinações e padrões do franqueador, remunerando-o, de forma única ou periódica, pela cessão dos referidos direitos e/ou pela transferência do know-how técnico, comercial e operacional, e também pela assistência técnica e mercadológica que prestará, pelo período do contrato87.
Desenhando uma visão mais próxima da seara econômica, Vivian Lara dos
Santos Silva define franchising como uma relação
regida pelo contrato de franquia, caracterizado por cláusulas mais ou menos padronizadas, em que o franqueador acorda em transferir a seus franqueados o direito de uso e exploração de sua marca na produção e/ou venda de produtos e/ou serviços, por um período de tempo determinado e em uma região geográfica específica. Adicionalmente, o franqueado também pode se beneficiar da oferta por parte do franqueador de programas de treinamento e reciclagem, além de outros serviços, como assistência técnica e comercial contínuas. Em contrapartida, tipicamente o franqueador recebe uma soma monetária fixa inicial (taxa de franquia) acrescida de uma parcela das vendas da unidade franqueada, usualmente sob a forma de taxas variadas, caso dos royalties, taxa de publicidade, etc. Adicionalmente, o franqueado também pode contribuir com outros ativos, como recursos financeiros, habilidade gerencial ou conhecimento sobre mercados locais.
Deste modo forma-se uma rede em que franqueador e franqueado se associam sob a motivação de ganhos bilaterais no uso compartilhado de ativos tangíveis e/ou intangíveis, muitos dos quais específicos à relação – como capital, produtos e/ou serviços comercializados na rede, além da marca e/ou de todo conhecimento adquirido na atividade
86 FERNANDES, Lina. Do contrato de franquia. Op. cit. p. 52.; BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e
Direito. Op. cit. p. 39; SIMÃO F°, Adalberto. Franchising: Aspectos Jurídicos e Contratuais. Op. cit. p. 35. 87 CRETELLA NETO, José. Do contrato internacional de franchising. Op. cit. p. 41.
31
franqueada, em termos das práticas organizacionais e administrativas de gestão”88.
De acordo com esse conceito, o franchising caracteriza-se,
primordialmente, pela licença de know-how do franqueador ao franqueado,
sistema em que todos os aspectos relacionados ao planejamento,
implementação, operação e administração do negócio são oferecidos àqueles que
ingressam no empreendimento, independentemente do conhecimento prévio que
eventualmente possuam a respeito do negócio a ser contratado.
Mas, sem dúvida, uma das definições que contextualizam de forma mais
coesa o modelo de sistema vigente foi a proposta por Jorge Pereira Andrade:
...franquia é o conceito pelo qual uma empresa industrial, comercial ou de serviços, detentora de uma atividade mercadológica vitoriosa, com marca notória ou nome comercial idem (franqueadora), permite a uma pessoa física ou jurídica (franqueada), por tempo e área geográfica exclusivos e determinados, seu uso, para venda ou fabricação de seus produtos e/ou serviços mediante uma taxa inicial e porcentagem mensal sobre o movimento de vendas, oferecendo por isso todo seu know-how administrativo, de marketing e publicidade, exigindo em contra-partida um absoluto atendimento a suas regras e normas, permitindo ou não a subfranquia89.
Com efeito, tal conceituação dá conta de uma segunda geração de
franquia90 que foi amplamente difundida como Business Format Franchising, no
Brasil traduzido por “franquia do negócio formatado”. Esta consiste em um
sistema de gestão empresarial estruturado a partir de um modelo “formatado”, ou
seja, um modelo já desenhado, testado e estabelecido. Nela o franqueador –
detentor de marca consolidada, know-how, identidade corporativa, etc – transfere
88 SANTOS SILVA, Vivian Lara dos. Ambiente institucional e organização de redes de franquias: uma
comparação entre Brasil e França. Op. Cit. pp. 18-19. 89 ANDRADE, Jorge Pereira. Contratos de Franquia e Leasing. São Paulo: Editora Atlas, 1998, 3ª edição. pp. 20-21. 90 Para boa parcela dos doutrinadores, há várias gerações de franquia, podendo-se citar como exemplo as definições propostas pela IFA que sugerem a existência de três gerações; a saber: a Tradicional, o Business
format franchising e a Franquia de Conversão. Há autores, entre os quais o consultor brasileiro Marcelo Cherto, que chegam a vislumbrar até mesmo seis diferentes gerações de franquia. No entanto, as diferenças existentes entre uma geração de franquia e outra, embora confirmem a evolução que o instituto percorre, fortalecem o pensamento daqueles que defendem a existência de apenas dois gêneros do franchising - Franquia Tradicional e Franquia do Negócio Formatado, haja vista que todas as gerações se contextualizam em uma ou outra descrição.
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a seus franqueados toda a competência desenvolvida em tudo o que diz respeito
à implantação e operação do negócio, geralmente objetivando o varejo91.
Ao analisar o Business Format Franchise, Adalberto Simão Filho afirma:
Este gênero de franchise é uma conseqüência da própria evolução do instituto, no qual há uma relação estreita e completa entre franqueador e franqueado cumpridores de uma série de regras impostas pela formatação do pacote de franchise. Essas regras visam à homogeneização da rede com o fim de beneficiar não só o sistema de operação comerciado, como também o consumidor final. Essa possibilidade existe justamente em função da formatação levada a efeito pelo franqueador em seu negócio, sistema este que é cedido em caráter oneroso ou gratuito ao franqueado para operação do franchise.92
Mas, na esteira do pensamento de Luiz E. A. Bojunga, o Business Format
Franchising constitui modelo mais aprimorado se comparado ao tradicional, pois
na Franquia de Negócio Formatado é atribuição do franqueador realizar e
oferecer a análise e estudos do potencial do ponto de venda a ser explorado pelo
franqueado, assistência na implementação do negócio, fornecimento de manuais
operacionais, entre outros benefícios, tudo respaldado em comprovado sucesso
anterior. É a franquia formatada a “que mais se desenvolve e a que apresenta as
maiores vantagens tanto para franqueados como para franqueadores93.
Amparado nas definições de franquias de segunda geração, não é
qualquer negócio passível de se tornar um uma franquia. É comum que empresas
de consultoria especializadas no segmento realizem profundas análises
chamadas “estudos de franqueabilidade” para determinar se um negócio é
multiplicável ou não. Quer dizer, procura-se verificar se o negócio reúne as
qualidades e características que indiquem que aquele estabelecimento ou
negócio empresarial pode ter seu modelo reproduzido e transmitido a outros
empresários.
A avaliação de franqueabilidade, de acordo com o consultor Marcelo
Cherto, deve considerar critérios como: experiência de mercado, imagem da
empresa perante sua clientela, forma como o negócio se compara à concorrência,
viabilidade financeira da operação, acessibilidade à operação por terceiros
91 REDECKER, Ana C. Franquia Empresarial. Op. cit. p. 59. 92 SIMÃO F°, Adalberto. Franchising: aspectos jurídicos e contratuais.Op. cit. p. 43 93 BOJUNGA, Luiz E. A. “Natureza jurídica do contrato de franchising”. In: LEX: Jurisprudência dos
Tribunais de Alçada Civil de São Paulo, 24 (124), (nov/dez 1990). p. 13.
33
(complexidade, capital necessário, habilidades mínimas do candidato, dentre
outros), viabilidade de replicação dos padrões e sistemas, existência de know-
how aplicável, potencial de expansibilidade da rede e ponderação do risco do
negócio94.
Em outras palavras, munido desta disposição, o empresário deve examinar
se a atividade do seu estabelecimento empresarial (lavagem de roupas, venda de
hambúrgueres ou outros) é franqueável, o que compreende a análise de diversos
elementos: capacidade de reprodução do negócio por terceiros (franqueados)
com mesmo sucesso que o original, setor de mercado, capacidade de atrair
franqueados interessados com o perfil mais adequado, dentre outros, para se
certificar se o seu negócio é franqueável95.
Além disso, o empresário que se dispuser a “formatar” o seu negócio e
transferir o seu modelo para outro(s) empresário(s), deverá assumir uma nova
atividade empresarial totalmente diferente do negócio reproduzido. É justamente a
atividade de “franqueamento” do negócio, responsável pela transmissão do know-
how e pelo acompanhamento da vida do estabelecimento franqueado.
De fato, através dos treinamentos iniciais ao novo franqueado e à sua
equipe, do auxílio na escolha do ponto do estabelecimento franqueado, da
orientação de estoque inicial, contratação de mão-de-obra, administração geral e
financeira, marketing, treinamentos continuados, consultoria de campo,
convenções com os franqueados da rede, e mais uma série infindável de
atividades, o franqueador vai orientar e controlar a vida do negócio reproduzido,
enquanto durar o contrato de franquia, deixando de ocupar-se de forma exclusiva
com o estabelecimento original e passando agora a cuidar da multiplicação da
sua rede.
Ainda, é de fundamental importância para a consolidação do negócio a
implementação de uma ou mais unidades pilotos nas quais serão testados novos
produtos e práticas operacionais e onde serão oferecidos os treinamentos aos
franqueados e suas equipes. É nas unidades pilotos que se comprova a validade
dos padrões e formatos estabelecidos para a rede de franquia. Com efeito, o
94 Palestra proferida no curso Programa de formação de executivos de franchising do Instituto Franchising, em dezembro de 2002. 95 MENDELSOHN, Martin. The guide of franchising. Op. cit. p. 62 e s.
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modus operandi estabelecido pelo franqueador se traduz no seu know-how, fruto
de todo conhecimento acumulado no segmento mercadológico em que atua e
para o qual este deverá tomar as devidas precauções de padronização e proteção
dos bens, no intuito de preservar a perspectiva de lucro futuro para o indivíduo
que almeje adentrar naquela franquia, bem como, para toda a rede que se
formará a partir do estabelecimento empresarial de origem.
O estabelecimento empresarial pode ter por atividade empresarial a venda
de cafés ou de pacotes turísticos, a fabricação de refrigerantes, ou ainda, a
prestação de serviços da mais variada ordem, entre outros. O franchising, por seu
turno, tem por objeto a multiplicação de um mesmo estabelecimento empresarial.
Tal multiplicação, porém, não poderá ser aleatória. Deverá, outrossim, obedecer
àquele formato pré-testado e de eficácia comprovada no estabelecimento
empresarial de origem, garantindo também a padronização da rede de franquia.
É o rigor da formatação do Business Format Franchising que garante a
padronização; e a padronização, por sua vez, é a garantia da qualidade dos
serviços e produtos oferecidos pela rede a todo o mercado consumidor. Vem a
tempo o pensamento de Tatiana Teixeira de Almeida:
Se levarmos em conta que a multiplicação de determinado negócio por terceiros requer a padronização de procedimentos de forma que possam ser reproduzidos por aquele que não conhece os segredos do empreendimento, a formatação da franquia ganha relevância ainda maior, já que é o processo pelo qual são levantados e padronizados os sistemas e processos envolvidos na franquia.96
Assim, ao entrever segurança quanto ao sucesso do negócio, o empresário
procura replicar o modelo de tal estabelecimento; isto é, multiplicar a sua forma de
atuação econômica no mercado. É fato que a franquia de negócio formatado,
assim como qualquer outro negócio, possui um risco intrínseco. Contudo, o
sistema aponta grande adequação para o sistema econômico vigente nos dias
atuais.
Tanto por isso, não parece acertada a decisão do legislador brasileiro
quando, ao promulgar a Lei nº 8.955/94, recepcionou ambas as formas de
96 ALMEIDA, Tatiana T. “know-how: o segredo do negócio” In: MENEZES, Flávio L. S. et alli. O direito
do franchising: as melhores práticas do mercado, (fascículos). São Paulo: ADC editora. 2004.
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franquia, tradicional e do negócio formatado, conforme interpretação extraída do
seguinte dispositivo, in verbis:
Art. 2º. Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também, ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. (grifei)
E praticamente o mesmo conceito de franchising foi adotado pela
Associação Brasileira de Franchising97, conforme definição extraída de seu
Código de Auto-Regulamentação de Franquia, in verbis:
Sistema pelo qual um Franqueador cede ao Franqueado o direito de uso de marca, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócios ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício98. (grifei)
Mas, para a larga maioria de especialistas, o declínio do modelo da
Franquia Tradicional é inegável, como se verifica na avaliação elaborada por
Francine Lafontaine:
The other type of franchising, “product and trade name franchising” or “traditional franchising”, is in decline. It is characterized by franchise dealers who “concentrate on one company’s product line and to some extent identify their business with that company” (U.S. Department of Commerce, p.1 (1988)). It is limited to car dealers, gasoline service stations, and soft-drink bottlers. The number of outlets in these sector declined from 262,100 to 149,313 between 1972 and 1986. Most of this decline is attributable to gasoline station closings (111,000 of them)99.
Por outro lado, a Franquia do Negócio Formatado continua em franca
expansão, conforme revelam os dados do Departamento Comercial Americano,
que indica um visível crescimento desse gênero de franquia que, em 1972
97 Por oportuno, é importante fazer menção ao estimado trabalho desempenhado pela ABF e por outras associações existentes, as quais desempenham um sobreestimado papel na divulgação e fortalecimento do sistema, procurando, inclusive, estabelecer padrões éticos que priorizam a boa convivência entre franqueador e franqueados. 98 http://www.portaldofranchising.com.br/. Acesso em 27/02/07. 99 LAFONTAINE, Francine. “Agency theory and franchising: some empirical results” In: The RAND Journal
Economics, Vol. 23, nº 29 Summer, 1992. pp. 264-265. In: htpp://links.jstor.org. 12/13/2007.
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contava com 909 redes passando, em 1980, para 1.584 e em 1986 para 2.177.
Também para as unidades franqueadas verifica-se uma alteração numérica de
189.640 para 312.810 unidades no mesmo período100.
Essa tendência também tem reflexos no Brasil, conforme comprova o
último censo realizado pela Associação Brasileira do Franchising (ABF) em 1999,
segundo o qual as franquias de negócio formatado passaram de 724, em 1995,
para 894 em 1999; ou seja, obtiveram um crescimento de 23 pontos
percentuais101. Outro dado que reforça o crescimento da Franquia de Negócio
Formatado em detrimento da Franquia Tradicional é a taxa de mortalidade de
franqueadores apurada de 1996 a 2004. Nesse período, do total de redes que
tiveram suas operações encerradas, 76% eram franquias tradicionais e apenas
24% eram franquias de negócio formatado102.
Pode-se concluir, portanto, que apesar da convivência entre as Franquias
Tradicionais e as Franquias de Negócio Formatado, a tendência é de uma
redução ainda maior das redes que adotam o modelo da Franquia Tradicional,
inclusive, por meio da modificação da legislação vigente. Prova disso é a
tentativa, através do Projeto de Lei nº 2.921-A/2000 de autoria do deputado
Alberto Mourão, de condicionar o “franqueamento” à exploração do negócio a ser
franqueado pelo franqueador, por no mínimo dois anos, conforme transcrição
abaixo:
Art. 6º A concessão de franquia somente poderá ocorrer pelo menos dois anos após o conceito do negócio a ser franqueado, o nome empresarial, ou a marca estar sendo explorada em qualquer mercado, no país ou no exterior, pelo franqueador, titular do registro ou empresa coligada ou pertencente ao mesmo grupo econômico103.
O que se percebe, portanto, é a busca pela comprovação de que o
franqueador efetivamente desenvolveu e testou o know-how do seu negócio por
pelo menos dois anos antes de transmiti-lo a alguém e que, do mesmo modo, o
negócio a ser franqueado já desenvolveu um histórico mínimo de operação e
sucesso comprovado. Isto evitaria que franqueadores aventureiros fizessem
100 LAFONTAINE, Francine. Ibidem.. p. 265. 101 www.portaldofranchising.com.br. 102 http://www.rizzofranchise.com.br. 103 www.camara.gov.br.
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“experiências” para a ampliação de sua rede, sem comprovada expertise com o
dinheiro de franqueados incautos.
Apesar do arquivamento do referido Projeto de Lei em 9 de fevereiro de
2004, uma nova tentativa para a inclusão deste pré-requisito está sendo
promovida desde então através do Anteprojeto de Lei, elaborado pelo Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com o apoio da Associação
Brasileira de Franchising (ABF), e que atualmente se encontra em exame na
Casa Civil, para posterior apresentação ao Congresso Nacional104.
Mas esta não seria uma iniciativa pioneira. A legislação adotada por alguns
países, com destaque aos países que integram a Comunidade Européia, já
restringe os contratos de franquia ao modelo da Franquia de Negócio Formatado,
conforme leciona Vivian Lara dos Santos Silva:
Diferentemente do registrado nos ambientes legais americano e brasileiro, o franchising na França é restrito a um único e exclusivo arranho contratual, o Business Format Franchising nos termos da legislação americana, excluindo-se, desta forma, toda e qualquer variação contratual, como por exemplo situações em que a relação entre franqueador e franqueado inclui apenas a distribuição de produtos e/ou serviços comercializados sob uma mesma marca105.
A autora mencionada acredita que o próprio Business Format Franchising
já sofreu modificações, passando os franqueados a assumir uma posição de
maior destaque dentro desse organismo106, o que reforça que o instituto
permanece em mutação. E essa diversidade de opiniões encontrada é um
indicativo claro da complexidade do instituto, não apenas porque nele se identifica
104 www.portaldofranchising.com.br/area 105 SANTOS SILVA, Vivian Lara dos. Ambiente institucional e organização de redes de franquias: uma
comparação entre Brasil e França. Op. Cit. p.60. 106 “as Franquias de Terceira Geração – similares ao Business Format Franchising, que em português significa Franquia de Negócio Detalhadamente Dimensionado – dizem respeito a um arranjo contratual mais complexo, em que o detentor da marca (franqueador) se compromete com a transferência, a todos aqueles interessados em adentrarem no sistema (franqueados), do direito de uso da marca e de todo o conhecimento na atividade franqueada – em termos, por exemplo, das rotinas e práticas operacionais, ferramentas administrativas e do controle e gerenciamento da cadeia de suprimentos -, junto a uma assistência técnica e comercial permanente. Por fim, a prática brasileira considera as Franquias de Quarta Geração como uma evolução da anterior. Nessa nova roupagem, embora o franchising continue estruturado na transmissão do direito de uso exclusivo da marca e de todo o negócio formatado, os franqueados passam a assumir uma posição de destaque na geração e inovação do conhecimento da rede por meio de suas experiências locais.”In: SANTOS SILVA, Vivian Lara dos. Ibidem.. p. 56.:
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um negócio jurídico híbrido, mas, essencialmente, por entrever seu caráter
versátil de funcionamento107.
Não por acaso, a apreciação do modo de ser do instituto, do seu dasein,
somada à observação da evolução conceitual doutrinária, leva à conclusão de
que a franquia empresarial de negócio formatado é multiplicação de um mesmo
negócio de sucesso por meio da licença dos direitos de uso de outros bens
imateriais de titularidade do franqueador, especialmente a transmissão de know-
how de planejamento, implantação e administração do estabelecimento ao
franqueado, que passará a integrar a rede de franquia. É a este tipo de negócio,
em suma, que o presente trabalho se ocupa e ao qual dedica sua atenção, no
sentido de melhor compreender os desdobramentos de tal instituto jurídico no
mundo atual.
107 ULHOA COELHO, Fabio. “Considerações sobre a lei de franquia.” In: Revista ABPI . Op. cit. p. 15.
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III – FORMAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO
III.A. Aspectos da formação do vínculo contratual
III.A.1. Circular de Oferta de Franquia
A Lei nº 8.955/1994 que regulamenta a franquia empresarial no Brasil
inspirou-se no texto legal denominado pelo Direito norte-americano de disclosure
statute, cujo objetivo é assegurar uma maior transparência negocial por parte dos
franqueadores face àqueles interessados a integrar sua rede e, com isso,
investirão seus recursos financeiros nos sistemas por eles desenvolvidos. Assim,
no Brasil, é exigência legal para o processo de franqueamento, de conformidade
ao artigo 3º da Lei nº 8.955/1994, a elaboração e divulgação do documento
denominado Circular de Oferta de Franquia para os candidatos interessados a
integrar a rede de franquia, de forma a proporcionar o acesso às informações
pertinentes ao negócio franqueado.
A Circular de Oferta de Franquia deverá conter uma diversidade de
informações, como por exemplo: o histórico, forma societária, nome completo ou
razão social, nome fantasia e endereço do franqueador, assim como de outras
empresas a quem o franqueador esteja diretamente ligado; os balanços e as
demonstrações financeiras relativas aos últimos dois anos; indicação precisa de
todas as pendências judiciais em que estejam envolvidos o franqueador, as
empresas controladoras e titulares de marcas, patentes e direitos autorais
relativos à operação, e seus sub-franqueadores, questionando especificamente o
sistema de franquia ou o que possa impossibilitar de forma direta o funcionamento
da franquia; descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das
atividades que serão desempenhadas pelo franqueado; dentre outros.
Determina a Lei nº 8.955/1994 que a Circular de Oferta de Franquia seja
apresentada em linguagem clara e acessível e com antecedência mínima de dez
dias do recebimento de qualquer importância pelo franqueador ou terceiro
indicado por este ou da celebração de qualquer instrumento contratual. É a
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materialização do cumprimento do dever de informar, ou seja, fazer o disclosure
total da empresa franqueadora e do negócio franqueado para o candidato a futuro
franqueado.
O descumprimento de tal obrigação – entregar a Circular de Oferta de
Franquia no momento adequado – é de tal ordem que o legislador optou por
imprimir no parágrafo único do artigo 4º da própria lei as conseqüências deste
descumprimento, dentre as quais estão previstas, a anulabilidade do negócio e a
devolução dos eventuais valores pagos a título de taxa de filiação e royalties,
corrigidos pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança, mais
perdas e danos. Apesar da lei especial ser omissa, parece apropriada a aplicação
das mesmas punições para o franqueador que omite ou exprime informações
incorretas na Circular de Oferta de Franquia capazes de induzir o candidato a
erro, de conformidade ao artigo 145 do Código Civil que prevê a anulabilidade dos
negócios jurídicos quando a sua causa for consubstanciada em “expediente ou
estratégia astuciosa direcionada no sentido de induzir alguém à prática de um ato
que lhe pode causar prejuízos, em benefício de terceiro a quem o ato viciado
possa interessar”108.
Ora, a intenção do legislador no momento de criação da norma foi
assegurar ao candidato as informações mínimas necessárias para a sua decisão
e, para tanto, acertadamente fixou um prazo suficiente para que o candidato reflita
sobre o negócio e procure colher os dados e depoimentos de outros franqueados
da rede. E a entrega da Circular de Oferta de Franquia deve ocorrer sem o
recebimento, por parte do franqueador ou terceiro por este indicado, de qualquer
importância ou assinatura de qualquer negócio jurídico, pois caso contrário o
candidato já estaria vinculado ao próprio negócio de forma irremediável.
A entrega da Circular de Oferta de Franquia não se caracteriza como
proposta109 e tampouco como aceitação do candidato à rede, não gerando
expectativas para nenhuma das partes na celebração do contrato. Isto porque a 108 NERY, Nelson. Código Civil Anotado. São Paulo: Ed. Saraiva. 2ª edição, p. 218. 109 Segundo Orlando Gomes, “proposta é a firme declaração receptícia de vontade dirigida à pessoa coma qual pretende alguém celebrar um contrato, ou ao público. Para valer, é preciso ser formulada em termos que a aceitação do destinatário baste à conclusão do contrato. Não deve ficar na dependência de nova manifestação da vontade, pois a oferta, condicionada a ulterior declaração do proponente, proposta não é no sentido técnico da palavra (...) exige-se que seja inequívoca, precisa e completa, isto é, determinada de tal sorte que, em virtude da aceitação, se possa obter o acordo sobre a totalidade do contrato”. In: GOMES, Orlando. Contratos. Op. cit. p. 62.
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entrega da Circular de Oferta de Franquia se configura como etapa meramente
inicial das negociações, ou seja, a entrega prévia de documento informativo sobre
a rede, em cumprimento a uma obrigação legal. Na esteira do pensamento de
Messineo, é esquema meramente hipotético, sem efeito vinculante110, pois não há
nessa etapa a ocorrência dos elementos essenciais para a criação do vínculo
contratual. Endossa tal assertiva o texto de Thomaz Saavedra:
Não ocorrem na entrega da COF dois elementos essenciais para que nasça o vínculo contratual: a proposta e a aceitação. A Circular de Oferta de Franquia não é uma declaração de vontade do franqueador visando suscitar um contrato, nem se espera que o franqueado dê sua aceitação no instrumento de divulgação111.
Com efeito, a Circular de Oferta de Franquia não é senão uma etapa
vencida na cooperação empresarial que irá se formar entre franqueador e
franqueado, mas que para um maior aperfeiçoamento depende, ainda, de melhor
conhecimento de caráter personalíssimo, especialmente por parte do
franqueador. O franqueado, por seu turno, após a análise das informações
recebidas decide-se por ingressar na rede ou não. Assim, na fase seguinte
compete ao franqueador analisar com cautela se o candidato preenche os
requisitos necessários, se tem perfil adequado para o ingresso no sistema, para
daí tomar a decisão de aceitar ou não o candidato, outorgando a ele o direito e
explorar a sua unidade franqueada.
Justamente pela ausência de vinculação entre o franqueador e o candidato
é que, também, há a possibilidade de substituição da Circular de Oferta de
Franquia em caso de alteração das informações nela contidas por iniciativa do
franqueador, sem qualquer ônus. Com efeito, se após a entrega da Circular de
Oferta de Franquia advier um aumento no valor dos royalties devidos pelos
franqueados ao franqueador ou alteração na minuta do Contrato de Franquia, a
Circular de Oferta de Franquia poderá ser substituída por nova versão condizente
com o negócio, com novo prazo de dez dias ao candidato para o exame do
documento.
Por último, deve-se considerar que o documento tem por foco,
exclusivamente, o futuro franqueado não devendo cair no domínio público por
110 Idem. Ibidem. p. 61. 111 SAAVEDRA, Thomaz. Op. cit. p. 11.
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conter, muitas vezes, informações relevantes do negócio como a relação de
fornecedores da rede, descrição das operações que podem envolver longas
pesquisas na área do desenvolvimento de know-how, produtos e de patentes.
Deste modo, deverá o candidato manter sigilo a respeito do seu conteúdo,
independentemente da assinatura de termo de confidencialidade, pelo candidato,
ao receber o documento à luz dos deveres da boa-fé.
III.B. O contrato de Franquia Empresarial
É pacífico na doutrina moderna que contrato é um instituto jurídico do
Direito Privado, celebrado por duas ou mais partes112, cujo sentido amplo assenta
na celebração de negócio jurídico formado pelo concurso da vontade dos
contratantes. Ainda se pode dizer, stricto sensu, que o contrato se forma pelo
concurso da vontade dos contratantes produzindo, em sua perfeição, efeitos
obrigacionais, onerosos ou não, para as partes que o celebram113. Pacífica ainda
é a doutrina que diz que o contrato é o instrumento jurídico, por excelência, da
vida econômica moderna, dado que, conforme ensina Enzo Roppo, reflete sempre
uma realidade exterior a si próprio114; isto é, está em consonância aos variados
aspectos culturais em uso e não se configura um reflexo exclusivo do universo
jurídico.
Deverá, outrossim, o contrato referir-se ao entorno social e econômico no
qual se encontra inserido, respondendo-lhe as solicitações e demandas. Em
entrevista datada de 17 de setembro de 2001, o saudoso Professor Miguel Reale
considera que o valor é uma expressão do dever ser115; daí que a integralidade do
conhecimento só seja possível quando se leva em consideração a historicidade
do objeto estudado116. Por isso a necessidade do perfeito ajuste entre o
instrumento jurídico e a sociedade, na forma em que a Teoria Tridimensional do
Direito prevê, também no que se refere ao Direito dos Contratos.
112 Contratos bilaterais ou plurilaterais. 113 GOMES, Orlando. Contratos. Op. Cit. p. 19-21. 114 ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Ed. Almedina. 1888. p. 7. 115 Conforme entrevista concedida a este pesquisador em 17 de setembro de 2001. 116 Idem, ibidem.
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Segundo Fábio Ulhoa Coelho, nos tempos que hoje correm e em função da
reliberalização117 da economia, os contratos de colaboração – entre os quais, os
de franquia empresarial – representam distintas formas de atendimento da
demanda por mercadorias, no plano da economia globalizada e da mundialização
da cultura; e, no plano da evolução do direito dos contratos, uma retomada do
prestígio da autonomia da vontade, desde que salvaguardada a igualdade de
condições econômicas, sob a influência da socialização do Direito. Com efeito, no
transcurso do século recém-encerrado, havia um maior dirigismo contratual por
parte do Estado que se punha muito além da tutela dos interesses de
hipossuficientes118.
A análise que se faz da Lei Especial n° 8.955/1994 leva em conta este
novo estágio da economia e da sociedade, ao qual o direito dos contratos deverá
reportar-se, para cumprir com aquilo que Miguel Reale chamou de Teoria
Tridimensional do Direito e que, cerrando o foco, Enzo Roppo entende ser o
reflexo da realidade externa presente no contrato119. Destarte, estuda-se as
características do Contrato de Franquia Empresarial, sempre considerando a
franquia de negócio formatado, quanto à previsibilidade deste instrumento
contratual; bem como, as obrigações de cada uma das partes quanto aos
benefícios patrimoniais, exigências formais, cumprimento do contrato ao longo do
tempo e obrigações autônomas.
III.B.1. O contrato preliminar
Há na doutrina diversas denominações para o instituto do contrato
preliminar, tais como pré-contrato, promessa de contrato, compromisso ou
contrato preparatório120, este adquirindo maior relevância nos últimos anos,
principalmente com o advento do Código Civil de 2002. Por certo período,
doutrinadores de peso chegaram a afirmar que se tratava de um contrato
supérfluo, eis que seu objeto apenas cria uma obrigação de celebrar o contrato
117 Entenda-se “reliberalização econômica” como sinônimo do termo “flexibilização econômica”, mais usual no campo da terminologia econômica atualmente. 118 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito Comercial. Op. cit. pp. 3-18. 119 ROPPO, Enzo. O contrato. Op. cit. p. 7 120 GOMES, Orlando, atualizado por JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio e CRESCENZO MARINO, Francisco Paulo de sob a coordenação de BRITO, Edvaldo. Contratos. 2007, p. 159.
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definitivo. No entanto, a prática de alguns negócios jurídicos vem demonstrando
que o contrato preliminar tornou-se hoje uma figura indispensável.
Conforme ensina Orlando Gomes são duas as principais teorias que
explicam a natureza do contrato preliminar:
Para a primeira, é o contrato que tem por fim obrigar as partes a celebrar outro contrato. Para a segunda, o contrato de execução subordinado à vontade de um ou dos dois contratantes, para que outro produza seus normais efeitos121
De acordo com a primeira teoria, o contrato preliminar é um pactum de
contrahendo – como é designado no Direito Público Internacional – isto é, o
tratado firmado. Tal como registra Hildebrando Acióli,
A designação de pacta in contrahendo aplica-se a acordos que estipulam para as partes a obrigação de negociar uma convenção ulterior sobre o objeto determinado, embora não comportem, necessariamente, a obrigação de se chegar ao resultado previsto e nem sequer a de se chegar à conclusão de um acordo qualquer122.
Desta forma, aquele que firma contrato preliminar obriga-se a emitir a
necessária declaração de vontade e a praticar os indispensáveis atos de
conclusão de outro contrato que projetou realizar123. Orlando Gomes, examinando
esta teoria, aponta duas críticas que, em sua opinião, explicam a sua fragilidade,
uma delas, aliás, já antecipada neste trabalho. Admitindo-se que a função do
contrato preliminar é a celebração do contrato definitivo, alguns doutrinadores
entendem que ele nada mais é do que uma “entidade supérflua” e sua estipulação
não passa de desnecessário rodeio124. Entretanto, alguns institutos jurídicos já
comprovaram a indispensabilidade do contrato preliminar para que o negócio
jurídico principal se efetue, dentre os quais o exemplo clássico é a promessa de
compra e venda, especialmente útil para possibilitar à parte compradora um
período necessário para a averiguação da regularidade do imóvel e da situação
do vendedor mediante certidões, evitando-se a configuração de fraude à
execução ou contra credores.
121 Idem. Ibidem. p . 160. 122 TRATADO DE DIREITO PÚBLICO INTERNACIONAL, I, 861. 123 GOMES, Orlando. Op. cit. p. 160. 124 Idem. Ibidem. – p. 160-161.
45
No caso do Business format franchising, o contrato preliminar também é
fundamental. Isto porque durante a vigência do contrato preliminar o franqueador
terá reais condições para avaliar a compatibilidade do promissário franqueado à
rede, assim como sua aptidão para a operação do negócio. Fica evidente que o
franqueador deverá, muito antes da assinatura do contrato preliminar ou de
qualquer outro instrumento que venha a produzir maior vinculação, avaliar o perfil
do candidato. Mas, a experiência tem demonstrado que os resultados dessas
avaliações preliminares, em alguns casos, não chegam a se confirmar na prática.
Além disso, essa etapa que antecede a assinatura do contrato definitivo servirá
para a localização de ponto comercial compatível com a atividade da rede, para a
construção ou adaptação do imóvel escolhido, para a constituição da empresa
franqueada e, em especial, para dar início à transmissão do know-how mediante
treinamentos, entre outras providências preparatórias.
A segunda crítica diz respeito à inexistência de interesse prático do
contrato preliminar pela aplicação da regra nemo praecise cogi potest ad factum
para a eficácia das obrigações, ou seja, a recusa do devedor de determinada
obrigação não cumprida deve ser convertida em obrigação de indenizar, não
podendo ser o devedor compelido a cumprir especificamente o prometido125.
Entretanto, esta teoria acabou sendo superada com a vigência do Código Civil de
2002, cujo artigo 464 passou a possibilitar a supressão da vontade da parte
inadimplente, tornando o contrato preliminar definitivo126.
Já para os partidários da segunda teoria que explica a natureza do contrato
preliminar, considera-se que o contrato definitivo já está compreendido no
contrato preliminar e, conseqüentemente, não há a necessidade de nova oferta ou
nova aceitação. Assim, explica Orlando Gomes,
...a segunda teoria vê no pré-contrato o acordo de vontades que subordina a conclusão do contrato definitivo à condição meramente potestativa. Dependeria este da condição si volet, concluindo-se somente se as partes o quiserem127.
125 Idem. Ibidem. 160 - 161. 126 Art. 464. “Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação”. 127 GOMES, Orlando. Op. cit. p. 161.
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Entende-se desnecessária a somatória do contrato preliminar ao contrato
definitivo, pois, quando da celebração do contrato preliminar, todos os elementos
necessários ao estabelecimento do vínculo contratual definitivo já estão
estipulados. Por conseqüência, caso haja recusa de uma das partes em cumprir a
obrigação, o juiz não suprirá a manifestação da vontade da parte e determinará a
execução específica do pré-contrato.
Esta teoria é reforçada pela previsão legal de que o contrato preliminar
deverá conter as obrigações principais e condições do contrato de franquia, para,
ad fidem, estabelecer liame com o Código Civil que em seu artigo 462 estabelece:
O contrato preliminar, exceto quanto à sua forma, deve conter todos os requisitos
essenciais do contrato a ser celebrado. Assim, os requisitos de validade do
contrato preliminar são, nos termos do artigo 104 do Código Civil em vigor,
exatamente os mesmos exigidos para a validade de qualquer ato jurídico, isto é,
agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma
prescrita e não defesa em lei.
Apesar da segunda teoria ser menos difundida no Brasil, parece acertada a
sua aplicação para os contratos de franchising, justamente pelas características
singulares das relações de franquia. Com efeito, tem-se que a Circular de Oferta
de Franquia deverá, nos termos do inciso XV do art. 4º da Lei n º. 8.955/1994,
manter o modelo padrão de Contrato de Franquia Empresarial, de maneira que o
candidato antes de assinar o contrato preliminar terá ciência de todas as
condições e obrigações a serem assumidas.
Portanto, nas situações em que as partes, por qualquer motivo que seja,
não celebrarem o contrato definitivo, bastará o início de operação da sua unidade
franqueada para que o franqueado tenha a sua vontade externada. E tal situação,
de ausência de contrato definitivo, é mais recorrente do que se imagina, pois é
bastante comum no dia-a-dia que as partes acabem adiando a celebração do
Contrato de Franquia Empresarial em razão de diversos outros compromissos
que aparentam maior urgência para a inauguração da unidade franqueada.
Por outro lado, o reconhecimento por parte do franqueador do início do
funcionamento da unidade franqueada, mediante a divulgação da unidade aos
demais membros da rede ou da inserção do endereço da nova unidade na página
de internet da rede de franquia, ou ainda, mediante a cobrança de royalties e o
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fornecimento de mercadorias exclusivas da rede, é suficiente para manifestar a
sua vontade. Desta maneira, a partir do momento que as partes cumprem as
obrigações previstas no contrato preliminar e tem inicio a operação da unidade
franqueada, um novo contrato só servirá para conforto das partes, pois as
obrigações e os direitos de ambas as partes já estarão seladas.
III.B.2. Natureza jurídica do contrato de franquia empresarial
No capítulo anterior abordou-se a diversidade de definições de franchising
encontradas na doutrina e na legislação e, em muitas delas, inclusive naquela
trazida pelo legislador brasileiro128, vêem-se inúmeras referências à expressão
“sistema”, o que é suficiente para provocar dúvidas sobre o franchising: Seria ele
regido por um sistema ou por um contrato?
Na opinião de Adalberto Simão Filho, apoiado no conceito adotado pela Lei
n º. 8.955/1994, o franchising se enquadra como um sistema, sendo que para este
autor:
Ao conceituar o instituto de franchising, o legislador optou, acertadamente, a nosso ver, não por apresentá-lo como um simples contrato (...) mas como verdadeiro e absoluto sistema de franquia empresarial129.
Parece, no entanto, que o legislador pátrio procurou imprimir características
práticas do instituto ao elaborar a definição de franquia empresarial; mas, dada a
natureza jurídica imbuída nas relações de franquia é inegável que estas
constituem natureza contratual. Nesse sentido, Adriana M. T. de Mello explica que
o sistema instituído pela Lei n º. 8.955/1994 nada mais é que seu objeto, ou seja,
o conteúdo econômico que a relação obrigacional instrumentaliza, haja vista que
128 Art. 2º. da Lei n º. 8.955/1994: Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também, ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. (grifo) 129 SIMÃO F°, Adalberto. Franchising, Aspectos Jurídicos e Contratuais. São Paulo: Editora Atlas, 2000. p 99 e ss.
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é a função econômica130 que predomina na determinação da definição do
franchising131.
Com efeito, os contratos de franchising são negócios jurídicos cuja função
predominante é econômica ou, nas palavras de Orlando Gomes, são aqueles
“praticados para que a vida econômica flua na multiplicidade de suas
vicissitudes”132. Com razão, é a compulsão pelo crescimento de seu negócio que
leva o empresário a optar pelo sistema de franquia133, pois
El otorgamiento de franquicias permite a los negocios crecer con mayor rapidez que de cualquier otra manera. Y en eso radica su mayor recompensa. El sistema de comercialización permite a las compañías pequeñas expandirse más allá de sus mercados locales y regionales [...] El otorgamiento de franquicias brinda a las compañías las herramientas legítimas para el crecimiento y el desarrollo del negocio. Las cuotas iniciales por franquicia generan ingresos que pueden regresarse a la matriz de la franquicia y emplearse para inversión, diversificación, mercadotecnia, publicidad, investigación y desarrollo y muchas funciones más, esenciales para el éxito en los mercados de hoy. Es más, al transferir los costos de la expansión a los franquiciatarios, se libera el capital propio para inversión o desarrollo134.
Por sua vez, o franqueado busca obter no franchising uma vantagem
competitiva no mercado que não obteria sem o amparo da figura do franqueador e
da rede. O franchising surgiu como um novo método de distribuição e
comercialização para incentivar e facilitar a venda de certos produtos135, além de
uma oportunidade para que empresários inexperientes tenham o seu próprio
negócio, aproveitando-se da experiência administrativa e empresarial do
franqueador e de uma marca já consolidada no mercado136.
Disso decorre a natureza jurídica bastante complexa do contrato de
franquia empresarial, haja vista a proximidade que mantém com outros institutos
jurídicos, devendo ser analisado como um amálgama de outros modelos
130 Sobre função econômica dos contratos ver: GOMES, Orlando. Contratos.Op. cit. p. 103 e ss. 131 THEODORO DE MELLO, Adriana M. Franquia Empresarial. Responsabilidade Civil na Extinção do
Contrato. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2001. p. 58. 132 Orlando Gomes, atualizado por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino sob a coordenação de Edvaldo Brito, Contratos, 2007, p. 104. 133 SAAVEDRA, Thomaz. Op. cit. p. 23. 134 RAAB, Steven S. e MATUSKY, Gregory. Franquicias: como multiplicar su negocio. P. 107-108. 135 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de janeiro: Forense, 1986, p.566. 136 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial. Op. cit. vol I, p. 125.
49
contratuais. A doutrina é unânime ao reconhecer nele uma figura autônoma,
porém híbrida137, conforme ensina Orlando Gomes:
O franchising é um contrato que se aproxima da concessão exclusiva, da distribuição, do fornecimento e da prestação de serviços. Não é, outrossim, locação nem mandato, mas, sim, figura autônoma, embora híbrida138.
Nesse mesmo sentido, Waldirio Bulgarelli reconhece no franchising uma
figura [...] .decorrente de novas técnicas negociais, no campo da distribuição e
venda de bens e serviços139. Para Fran Martins, o contrato de franquia
compreende uma prestação de serviços e uma distribuição de certos produtos140.
E o mesmo autor explica:
A prestação de serviços é feita pelo franqueador ao franqueado, possibilitando a esse a venda de produtos que tragam a marca daquele. A distribuição é a tarefa do franqueado, que se caracteriza na comercialização do produto. Os dois contratos agem conjuntamente, donde ser a junção de suas normas que dá ao contrato a característica de franquia141.
Além da prestação de serviços e da distribuição, outros autores identificam
no contrato de franchising elementos dos contratos de compra e venda, licença de
marcas, mandato mercantil, comissão mercantil, concessão comercial, sociedade,
know-how e até representação comercial, entre outros142.
Na opinião de Fábio Ulhoa Coelho, o contrato de franchising é resultado da
conjugação de dois elementos essenciais: a licença de uso de marca e a
prestação de serviços de organização de empresa. E explica:
Segundo a estrutura básica do negócio, o franqueador autoriza o uso de marca e presta aos franqueados de sua rede os serviços de organização empresarial [...] o elemento indispensável à configuração do contrato é a prestação de serviços de organização empresarial, ou, por outra, o acesso a um conjunto de informações e conhecimentos, detidos pelo
137 No mesmo sentido ver: MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de janeiro: Ed. Forense, 1986, p.572. 138 GOMES, Orlando. Op. cit. p. 578. 139 BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. Op. Cit. p. 591. 140 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Op. cit. p.572. 141 Idem. Ibidem. p.572. 142 Nesse sentido, ver comparativos entre os institutos nas seguintes obras: FERNANDES, Lina. p. 62 e ss.; LOBO, Jorge. p. 1 e ss.; PROENÇA FERNANDES, Marcelo Cama. p. 51 e ss.; SIMÃO F°, Adalberto. p.36 e ss; RIBEIRO, Ana Paula. p. 66 e ss.
50
franqueador, que viabilizam a redução dos riscos na criação do estabelecimento do franqueado143.
Além disso, Fábio Ulhoa Coelho prossegue explicando que os serviços de
organização empresarial normalmente são desdobrados em três outros contratos:
...o management, relacionado com os sistemas de controle de estoque, de custos e treinamento de pessoal; o engineering, pertinente à organização do espaço (layout) do estabelecimento do franqueado; e o marketing, cujo conteúdo diz respeito às técnicas de colocação do produto ou serviço junto ao consumidor, incluindo a publicidade144.
Na opinião de Américo Luís Martins da Silva, o contrato de franchising “é
um conjunto de atos e contratos consolidados dentro de um único ajuste e cada
um desses atos e contratos dá origem a obrigações específicas”. Ainda, o mesmo
doutrinador identifica nele a existência de seis contratos:
- um contrato de engineering (projeto e execução do design e
funcionamento do estabelecimento franqueado);
- um contrato de management (treinamento do pessoal contratado
pelo franqueado);
- um contrato de marketing (divulgação padrão dos produtos
franqueados);
- um contrato de licenciamento comercial da propriedade industrial
(utilização de marca, invenção e outros direitos sobre propriedade
industrial);
- um contrato de fornecimento de mercadorias (entrega constante e
ininterrupta de determinado produto para revenda) e;
- um contrato de assistência técnica e/ou comercial (prestação de
assistência técnica e/ou comercial ao comprador)”145.
Sem dúvida, considerando a evolução do instituto até chegar no atual
modelo, Business Format Franchising, não se trata mais de uma simples
distribuição de produtos ou uma simples licença de uso de marca. Como bem
143 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial. Op. cit. p. 125- 126. 144 Idem. Ibidem. p. 126. 145 MARTINS DA SILVA, Américo Luís. Op. cit. p. 370
51
observou Fábio Ulhoa Coelho, a transmissão da forma de organização de
empresa tornou-se indispensável nas franquias modernas e, conseqüentemente,
estão implícitos os contratos de engineering, management, marketing,
licenciamento de bens e direitos de propriedade intelectual, eventual fornecimento
de mercadorias e de assistência técnica citadas por Américo Luís Martins da
Silva. Mas o contrato de franchising é ainda mais amplo. Ele compreende, nas
palavras de Gladston Mamede, a exploração mercantil do aviamento, da
vantagem (ou benefício) de mercado146 do franqueador pelo franqueado, ou seja,
o empresário ou a sociedade empresária, em lugar de desenvolver um aviamento
próprio147, contrata por meio do franchising, a cessão do aviamento de terceiro
(franqueador), mediante o pagamento de retribuição (royalties)148.
Mas é Luiz E. A. Bojunga quem melhor traduz a real compreensão de cada
um dos elementos do franchising, conferindo a cada qual o seu exato valor, e
alçando o “management” (que aqui guarda a mesma compreensão que know-
how) ao status de principal elemento. Deveras, explica,
Não obstante a licença para utilização da marca ser de vital importância para caracterização da franquia, na aplicação do management pelo franqueador pode-se verificar a existência ou não do franchising. O management na franquia importa no fornecimento do segredo ou processo de produção do produto ou serviço, propiciando que o franqueado não atue no mercado como simples intermediário entre o titular da marca e o público consumidor. No franchising, o franqueado além de ser empresário autônomo, possui o processo ou segredo de produção (bens) ou dos serviços (métodos) que elevaram a marca ao nível de interesse suficiente à própria formação da rede franchising
149.
Assim, fundamentalmente, os contratos de franchising são contratos
mistos, ou seja, resultantes de um apanhado de variados modelos contratuais,
mas cujo resultado deve proporcionar aos franqueados uma vantagem de
mercado, independentemente de dispositivo contratual em tal sentido. E essa
vantagem, conforme se apresentará de modo extensivo em capítulo adiante, é
obtida graças à transmissão do know-how do franqueador ao franqueado; esse
último, elemento essencial para a configuração de um contrato de Business
Format Franchising.
146 MAMEDE, Gladstone. Empresa e atuação empresarial. São Paulo: Editora Atlas. 2004. p. 182. 147 O tema, aviamento, será abordado detalhadamente em capítulo adiante. 148 MAMEDE, Gladston. Empresa e atuação empresarial. Op. cit. p. 301. 149 BOJUNGA, Luiz E. A. Op. cit. p. 9-10.
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III.B.3. Classificação
O contrato de franquia empresarial pode ser classificado como negócio
jurídico bilateral, oneroso, comutativo, consensual, formal e solene, principal, de
execução continuada ou de duração, atípico e nominado, por adesão e de
integração e colaboração.
III.B.3.a. Bilateral
Para a ampla maioria da doutrina, o contrato de franquia empresarial é
classificado como bilateral, isto é, ele produz obrigações para ambas partes,
franqueador e franqueado; ao contrário, os contratos unilaterais são aqueles que
geram obrigações para apenas uma das partes contratantes150.
O contrato de franchising gera para o franqueado uma série de obrigações
com o objetivo de garantir a padronização de seu estabelecimento à rede,
proporcionando ao consumidor os mesmos produtos e serviços em qualquer
unidade do sistema à qual se dirija. Dessa forma, o franqueado deve, entre outras
obrigações, respeitar o padrão de atendimento aos clientes estabelecido
previamente pelo franqueador da rede e adquirir os produtos e insumos dos
fornecedores indicados pelo franqueador, como medida necessária para garantir
a padronização das unidades franqueadas. Ainda, o franqueado deve construir ou
reformar o imóvel onde pretende explorar o seu estabelecimento atendendo as
especificações dadas pelo franqueador, de forma a garantir a imediata associação
daquele estabelecimento à rede a qual integrará. A operação da unidade
franqueada deve ser realizada também em conformidade com os métodos de
operação e o know-how do franqueador, inclusive, os novos métodos
desenvolvidos durante a vigência do contrato.
Na opinião de Gladston Mamede, a principal obrigação do franqueado é
adimplir as obrigações pecuniárias assumidas no contrato151, afinal, são as
contraprestações pecuniárias dos franqueados que proporcionarão a
remuneração do franqueador e dos profissionais que trabalharão para o
funcionamento da rede, assim como permitirão o franqueador a continuar
150 “Não é pacífica a noção de contrato bilateral. Para alguns, (RA) assim deve qualificar-se (RA) todo contato que produz obrigações para as duas partes, enquanto para outros a sua característica é o sinalagma, isto é, a dependência recíproca das obrigações, razão por que preferem chamá-los contratos sinalagmáticos ou de prestações correlatas”. GOMES, Orlando. Contratos Op. cit. p. 85. 151 MAMEDE, Gladston. Empresa e atuação empresarial. Op. cit.p. 305.
53
investindo no desenvolvimento da rede. Gladston Mamede também destaca
outras obrigações igualmente relevantes:
Também dele (franqueado) se exige boa-fé no desenvolvimento da parceria, esforçando-se para manter não só a identidade da rede franqueada, mas também a sua boa imagem junto ao mercado. A qualidade dos bens e/ou serviços obriga-o à obediência estrita às orientações de produção e ou prestação de serviços, treinamento regular de seu pessoal e aperfeiçoamento constante de seus procedimentos empresariais, sendo-lhe confiados segredos empresariais, necessários para o sucesso do empreendimento, deve preservá-los, cuidando para que o mesmo seja feito por seus empregados, comitentes e prestadores autônomos de serviços152.
O franqueador não se resume ao papel de ...mero titular de patente ou
registro de marca ou modelo industrial153 ou de fornecedor de mercadorias como
acontecia nos modelos ancestrais de franquia. Com efeito, o franqueador deve
garantir o uso dos direitos de propriedade intelectual licenciado aos franqueados,
transmitir o seu know-how e prestar continuamente todo o suporte e a assistência
técnica, mercadológica, de marketing, de engineering, dentre outros previstos na
Circular de Oferta de Franquia, no contrato preliminar e no contrato de franquia
definitivo. Além das obrigações previstas nos referidos instrumentos154, o
franqueador também se compromete com o aperfeiçoamento da rede, devendo
zelar para a proteção e o desenvolvimento dela, extravasando os limites da
relação jurídica “franqueador-franqueado”.
Ora, não se pode afastar a idéia de unidade do sistema, destarte, conforme
bem observado por Gladston Mamede,
...o franqueador compreende-se como obrigado não apenas para com cada franqueado, mas igualmente para com toda a rede de franqueados, da qual é ele o elemento de unidade. Suas obrigações para com cada franqueado incluem as obrigações que ele tem para com a totalidade da rede, já que a atuação de um franqueado pode comprometer o sucesso de outro ou outros (...) É seu dever jurídico, contratual, velar pelo cumprimento do ajuste por parte de todos os franqueados, que devem ser tratados isonomicamente, quanto a seus deveres e seus direitos, sob pena de lesão aos demais em seus contratos155.
152 Idem. Ibidem. p. 305. 153 Idem. Ibidem. p. 304. 154 MENDELSOHN, Martin. Op. cit. p. 169 e ss. e MARTINS DA SILVA, Américo Luís. Op. cit. p. 374 – 375. 155 MAMEDE, Gladston. Op. cit. p. 304.
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Logo, o franqueador deve assumir um controle centralizado de um e de
todos os franqueados, pois, sem esse controle, o sistema e a rede franquia
poderiam rapidamente perder a sua identidade156. Assim, embora seja
fundamentalmente uma relação contratual entre franqueador e franqueado, Martin
Mendelsohn reconhece nela o envolvimento de duas outras partes que não
figuram no contrato: ...as outras partes são, primeiramente, todos os outros
franqueados da rede de franquia e, em segundo lugar, o público consumidor157. A
percepção da responsabilidade do franqueador e também dos próprios
franqueados em relação aos demais surge do fato de que cada ação ou omissão
individual, dentro da rede, afeta positiva ou negativamente todos os demais
franqueados.
Nessa acepção, Thomaz Saavedra defende que os contratos de
franchising são plurilaterais em função da “objetivação” do contrato, teoria
proposta por Enzo Roppo, segundo a qual:
...o contrato estipulado entre vários sujeitos não esgota a sua função no constituir e regular relações jurídicas patrimoniais entre eles, mas realiza uma função mais ampla, relevante, ou seja, a função de dar vida diretamente a uma complexa organização de homens e meios, que adquire uma objetividade autônoma em relação ao contrato e às relações contratuais de que emerge, a que, por assim dizer, transcende158.
Assim, prossegue Saavedra, identificam-se no franchising contratos
plurilaterais associativos, nos quais as partes
...se obrigam, umas em relação às outras, mas os deveres e as atribuições de cada uma surgem em razão do escopo comum e em função da organização comum que assim geralmente se cria com características de relativa estabilidade e duração159.
Já se teceu em momentos anteriores considerações acerca da evolução
que o Business format franchising vem sofrendo e, nesse processo, muitas das
características conferidas ao instituto vêm perdendo força. No entanto, não
parece correto que essa situação se aplique ao caso acima considerado. Com
efeito, a relação existente entre os franqueados de uma mesma rede não possui 156 MENDELSOHN, Martin. Op. cit. p. 166. 157 Idem. Ibidem. p. 191-192. 158 SAAVEDRA, Thomaz. Op. cit. p. 71. 159 SAAVEDRA, Thomaz. Ibidem. p. 74.
55
condão contratual, apesar de as partes estarem ligadas por interesses comuns. O
cumprimento das obrigações assumidas por cada franqueado é exigível somente
pelo franqueador, e por força contratual, mas poderá, aquele que prejudicar outro
franqueado da rede, responder pela prática de ato ilícito, com fundamento no
artigo 186, que trata da responsabilidade aquiliana, de natureza extracontratual160,
combinado com o artigo 927 do Código Civil.
A importância prática da classificação do contrato de franchising como
bilateral é, sobretudo, em função da aplicação do princípio da exceção do contrato
não cumprido – exceptio non adimpleti contractus – que se acha consagrada pelo
artigo 476 do atual Código Civil, permitindo que "nos contratos bilaterais, nenhum
dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento
da do outro"
III.B.3.b. Oneroso
Há unanimidade quanto à onerosidade do contrato de franchising, pois nele
as partes contratantes visam proveito ou vantagens econômicas mútuas e, para
isso, impõem-se encargos em benefício recíproco, o que não ocorre nos contratos
gratuitos, nos quais uma só das partes obtém proveito.
Assim, conforme Fran Martins, a onerosidade resulta do proveito que as
partes têm na franquia161. Adriana M. T. de Mello ressalta que a onerosidade está
na fórmula através da qual se estabelecerá a participação de cada um dos
contratantes nos resultados positivos da parceria empresarial”162. Para o
franqueado, o benefício de compartilhar da clientela do franqueador e de um
conjunto de conhecimentos experimentados e extremamente úteis para a
atividade empresarial desenvolvida163 e para o franqueador as remunerações
previstas no contrato, que normalmente correspondem a uma taxa inicial de
filiação e taxas mensais, denominadas royalties.
Com efeito, não resultam de pouca monta as vantagens adquiridas pelo
franqueado ao ingressar em determinada rede e fazer uso da licença de marca
consolidada e de prestígio no mercado, ter acesso ao know-how oferecido pelo
160 TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código
Civil. São Paulo: Ed. Método. 2005. 161 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Op. Cit. p. 573. 162 THEODORO DE MELLO, Adriana M. Op. cit. p. 68. 163 Idem. Ibidem. p. 68.
56
franqueador, entre outras vantagens que o sistema oferece aos seus integrantes.
Em contrapartida, o franqueador, além das remunerações diretas ajustadas
contratualmente, pode receber remunerações indiretas, como é o caso das redes
em que o franqueador também é o fornecedor principal ou exclusivo de
mercadorias, com o que terá com a expansão da rede um aumento dos canais de
distribuição de seus produtos. Tal abrangência contratual permite que o caráter
oneroso do contrato de franchising seja entendido como algo de maior proveito
para as partes, resultando, efetivamente, em benefício recíproco.
III.B.3.c. Comutativo
O contrato de franquia empresarial é também comutativo, isto é, às
prestações correspondem contraprestações equivalentes, que são previamente
conhecidas por ambas partes. Mesmo que não exista garantia por parte do
franqueador quanto ao sucesso do franqueado, pois há diversos fatores que
influenciarão para o sucesso ou insucesso da unidade franqueada, não se pode
equivaler essa falta de garantias à incerteza quanto ao direito à prestação,
elemento esse essencial para os contratos aleatórios.
Assim, em sentido contrário ao dos contratos comutativos, os contratos
aleatórios são aqueles em que há uma incerteza para as duas partes sobre se a
vantagem esperada será proporcional ao sacrifício. No caso dos contratos de
franchising, essa proporcionalidade é ainda mais perceptível, pois a ampla
maioria das redes adota sistemas de remuneração do franqueador proporcionais
ao faturamento da unidade franqueada, ou seja, o pré-estabelecimento de
percentual sobre o faturamento da unidade franqueada.
III.B.3.d. Consensual
Os contratos de franchising dependem apenas da manifestação de vontade
das partes164 para o seu aperfeiçoamento, não exigindo a entrega da coisa objeto
da relação para sua formação, como ocorre nos contratos reais. Estes últimos,
além do consentimento das partes, exigem a entrega da coisa para a perfeição,
sendo sua principal conseqüência a de não gerar a obrigação de entregar a coisa,
uma vez que a formação do contrato só se opera no momento da tradição165.
164 Tal como será visto adiante, a manifestação de vontade deverá ser sempre por escrito. 165 GOMES, Orlando. Op. cit. p. 90.
57
II.B.3.e. Formal e solene
Na opinião da grande maioria de doutrinadores, contrato formal é sinônimo
de contrato solene e, ambos dizem respeito à necessidade de formalidades para
a sua formação. A jurista Maria Helena Diniz explica que:
Os contratos solenes ou formais consistem naqueles para os quais a lei prescreve, para a sua celebração, forma especial que lhes dará existência, de tal sorte que, se o negócio for levado a efeito sem a observância da forma legal, não terá validade166.
Parece que o legislador pátrio optou por diferenciar os contratos formais
dos solenes ao colocá-los separadamente dentre as hipóteses de nulidade de
negócio jurídico, nos termos do artigo 166 do Código Civil. Assim, diz o artigo
citado:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
(...)
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
(...).
Desta forma, é apropriado fazer distinção entre esses dois contratos: o
contrato formal está relacionado à maneira de formalização do contrato, se escrito
ou verbal167; enquanto que o contrato solene está relacionado às formalidades
que devem acompanhar determinados negócios.
No caso dos contratos de franchising, verifica-se a exigência de forma
escrita e de solenidade para a sua validade. Com efeito, o artigo 6º. da Lei nº
8.955/1994 exige que o contrato seja escrito e assinado na presença de duas
testemunhas, logo, trata-se de contrato formal e solene, sendo que a
inobservância desses requisitos acarretará a nulidade do contrato, em
consonância com os artigos 104 e 166 do Código Civil.
166 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. Vol. IV. São Paulo: Editora Saraiva. 1996, p. 121. 167 Orlando Gomes defende, a contrario sensu, que a forma consiste no contrato se lavrado por tabelião. Assim, somente são considerados solenes aqueles que têm como forma a escritura pública. GOMES, Orlando. Op. cit. p. 92.
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III.B.3.f. Principal
O contrato de franchising também se configura como principal, ou seja, tem
existência própria, autônoma. Ao passar a integrar um sistema de franchising, o
franqueado poderá se deparar com alguns contratos coligados ao contrato de
franchising, entre os quais os contratos de fornecimento, o contrato de locação e
os contratos de prestação de serviços e que, juntos, estabelecem uma relação
jurídica complexa.
A existência dos contratos coligados não depende do contrato principal, o
que ocorre é que, por disposição contratual e manifestação livre de vontade das
partes contratantes, a rescisão do contrato de franchising implica,
automaticamente, a rescisão dos demais contratos. Serve como exemplo da
complexidade dos vínculos contratuais que se estabelecem na franquia, aquele
que diz respeito aos fornecedores homologados da rede franqueada que deverão
abster-se de fornecer seus produtos para a empresa que com a rescisão do
contrato de franquia, deixa de ser empresa franqueada,
II.B.3.g. Execução continuada ou de duração
Os contratos de franchising são de execução continuada ou de duração,
isto é, as obrigações assumidas pelas partes renovam-se sucessivamente. Assim,
durante toda a vigência do contrato, o franqueador presta continuamente ao
franqueado o suporte e a assistência previstos nos instrumentos de franquia, tais
como: licença de uso de marca, consultoria na administração do negócio, know-
how, marketing, entre outros. O franqueado, por seu turno, deverá também, de
forma continuada durante a vigência do contrato, realizar o pagamento de todos
os valores acordados – entre eles, o pagamento de royalties, bem como respeitar
os padrões estéticos estabelecidos para a rede e respeitar os termos e condições
contratuais, dentre outros abordados no item II.B.3.a.
III.B.3.h. Intuitu Personae
Uma característica essencial do contrato de franchising, sem dúvida, é o
seu caráter personalíssimo, ou intuito personae como preferem alguns. Orlando
Gomes explica que um contrato é intuito personae quando a consideração da
pessoa de um dos contratantes é, para o outro, um elemento determinante de sua
59
conclusão168. Nas relações de franchising, o franqueador deve buscar entre os
candidatos interessados aquele que melhor desempenhará as atividades de
franqueado.
Com efeito, conforme assevera Thomaz Saavedra, o franqueado deve
reunir duas qualidades: a de investidor e a de administrador169. A ausência de
qualquer uma dessas características é suficiente para desqualificar o candidato,
pois o franqueado é um empresário independente e o sucesso do seu negócio
depende de seu empenho. A própria legislação que trata da matéria (Lei nº
8.955/1994) impõe ao franqueador a obrigação de informar na Circular de Oferta
de Franquia o perfil de “franqueado ideal” e os requisitos quanto ao envolvimento
direto do franqueado na operação e na administração do negócio.
O caráter personalíssimo dos contratos de franchising justifica as restrições
impostas pelas redes para a cessão de posição contratual do contrato de
franquia, assim como para qualquer modificação na composição societária ou no
controle acionário da empresa que será constituída pelo franqueado.
Nesse sentido, Luiz Edmundo Appel Bojunga explica:
“o franchise caracteriza-se por ser intuitu personae pois importa aos contratantes que as obrigações ajustadas sejam cumpridas pessoalmente, pelo menos no que diz respeito ao franqueado. A pessoa do contratante é elemento causal do negócio. É contrato pessoal pois o integram elementos subjetivos tais como confiança, experiência ou habilidade própria do contratante em fazer alguma coisa. Conforme Aldo Frignani a locação (sic) intuitus personae nos contratos empresariais adquire significado peculiar com conseqüências importantes._O contrato de franchising não só poderá ser cedido sem a concordância do franqueador (artigo 1406 do Código Civil italiano), mas sentirá os efeitos da mudança gerencial se o franqueado for pessoa jurídica170.
Thomaz Saavedra defende que em cumprimento ao princípio da
reciprocidade, o contrato de franchising também é personalíssimo à pessoa do
franqueador. Isto porque, complementa Luiz Edmundo Appel Bojunga, no
franchising:
a negociação ... é precedida de variadas análises recíprocas por parte dos contratantes em relação aos diversos pontos que envolvem o negócio. O franqueado se interessa pela aquisição da franquia na medida em que o franqueador seja titular de uma boa marca, bom
168 GOMES, Orlando. Op. cit. p. 97. 169 SAAVEDRA, Thomaz. Op. cit. p. 29-31. 170 BOJUNGA, Luiz E. A. “Natureza jurídica do contrato de franchising”. In: LEX. Op. Cit. p. 20.
60
produto ou serviço. Tenha idoneidade financeira e meios de fornecer os contínuos suportes operacionais que o sistema exige171.
Desta forma, pode-se concluir defesa a alteração na constituição da
pessoa jurídica do franqueado, salvo aquelas que não possam prejudicar a
qualidade do relacionamento que vinha se mantendo172. É importante fazer essa
ressalva, pois há casos em que o empresário inicia o franqueamento do seu
negócio utilizando a mesma pessoa jurídica que irá fornecer as mercadorias para
a rede ou que opera as unidades próprias e, ganhando profissionalismo, constitui
uma nova pessoa jurídica para exercer exclusivamente as atividades de
franqueador, cedendo para esta empresa a posição contratual, o que não
prejudica a pessoalidade do contrato.
III.B.3.i. Atípico e nominado
A ampla maioria da doutrina entende que os contratos atípicos distinguem-
se dos contratos típicos porque estes últimos inserem-se numa figura que tem
disciplina legal, ou seja, encontram regulamentação específica dentro do
ordenamento jurídico; enquanto os contratos atípicos não são regulados ou
disciplinados por norma legal.
Para muitos autores, o contrato típico é sinônimo de contrato nominado, a
exemplo de Orlando Gomes, para quem “os contratos típicos também são
chamados nominados, e os atípicos, inominados”173. Todavia, essa definição não
é pacífica na doutrina, pois para alguns os contratos nominados são aqueles que
recebem denominação própria e, por sua vez, são chamados de contratos
inominados aqueles que não recebem um nomen juris174.
Assim, pode um contrato ser nominado e atípico, quando o contrato recebe
um nomen juris no ordenamento e, apesar disso, nele não encontrar uma
regulamentação específica; assim como pode ser o contrato inominado e típico,
ou seja, quando existe certa regulamentação no ordenamento e, todavia, não é
atribuída denominação ao contrato175.
171 Idem. Ibidem. p. 19. 172 SAAVEDRA, Thomaz. Op. cit. p. 31. 173 GOMES, Orlando. Op. cit. p. 81. 174 GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva. 2006. p. 91. 175 SANCHES, Sydney. Os Contratos Atípicos no Direito Privado. p. 237.
61
O contrato de franchising, muito embora tenha regulamentação própria, é
um contrato atípico176, pois a Lei nº 8.955/1994 é totalmente omissa no tocante ao
conteúdo do contrato177. Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho frisa:
... pode-se ainda considerar a franquia exemplo de contrato atípico, já que a Lei nº 8.955/1994 não dispõe sobre o conteúdo da relação negocial, não define os direitos e deveres dos contratantes, mas apenas obriga o franqueador, anteriormente à conclusão do acordo, a expor claramente aos interessados na franquia as informações essenciais178.
A referida lei, em seu artigo 1º, traz expressamente a nomenclatura desses
contratos, “contratos de franquia empresarial”, e, portanto, evidentemente
correspondem aos contratos nominados aqui considerados.
III.B.3.j. Por adesão
As regras de franchising impõem ao franqueador o dever de fornecer
previamente o modelo de contrato padrão aos candidatos interessados, que deve
ser homogêneo para todos os interessados. Some-se a isso a necessidade de
organização da rede, para garantir aos consumidores serviços padronizados, de
modo a inibir a concessão de condições especiais e privilegiadas para um ou
outro franqueado. Diante de tudo isso, parece inevitável que o contrato de
franchising receba o rótulo de contrato de adesão, o que a nosso ver,
compartilhando da posição de Humberto Theodoro Júnior e Adriana M. T. de
Mello179, é um equívoco.
É mister ressaltar que a existência de uma distinção entre o contrato por
adesão e o de adesão não encontra acolhida pacífica na doutrina, sendo para
muitos doutrinadores expressões com o mesmo significado, restritas portanto a
uma questão meramente semântica180.
Apesar de bastante tênue, há uma distinção muito importante entre esses
dois tipos contratuais. O contrato de adesão é aquele no qual uma das partes
176 Nesse sentido ver: MARTINS DA SILVA, Américo Luis. p. 58; FERNANDES, Lina. p. 56; REDECKER, Ana Cláudia. p. 42. 177 Manifestando-se em sentido contrário, atribuindo aos contratos de franchising caráter de contrato típico, pode-se citar: THEODORO DE MELLO, Adriana Mandim. p. 57; FERNANDES, Marcelo C. P. p.38-40. 178 ULHOA COELHO, Fabio. “Considerações sobre a lei de franquia.” In: Revista da ABPI, p.15-16 179 THEODORO JUNIOR, Humberto e THEODORO DE MELLO, Adriana M. Artigo novo código civil, p.133-137. 180 Maria Helena Diniz prefere denominar os contratos de adesão de contratos por adesão, mas dá a ambas a mesma conceituação. In: DINIZ, M. H. Tratado. p. 11. Nesse mesmo sentido: silva pereira, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. v. III, 1990, pp. 50-53.
62
contratantes impõe à outra um contrato pronto, rígido e pré-determinado, sem
oferecer-lhe a oportunidade de discutir ou modificar o conteúdo. Há, assim, uma
aceitação em bloco das cláusulas contratuais pela parte aderente e não existe
nesse tipo de relação a opção de recusa de contratar, diferentemente do contrato
por adesão, no qual mantém-se a dificuldade de impor alterações quanto ao seu
teor, mas o destinatário da proposta não está forçado a contratar181.
Humberto Theodoro Júnior e Adriana M. T. de Mello, recorrendo aos
ensinamentos de Silvio Rodrigues, explicam que para caracterização de um
contrato como sendo “de adesão”, este deve conter cumulativamente os
seguintes elementos: a) a necessidade de contratação por parte de todos ou por
um número considerável de pessoas; b) o ofertante deve desfrutar de um
monopólio de direito ou de fato; c) é necessário que os interesses em jogo o
permitam, como na oferta dirigida a uma coletividade182.
Orlando Gomes realça que a existência de monopólio de direito ou de fato,
de modo que o interessado não possa prescindir do serviço, nem se dirigir a
outrem que o preste ao menos em condições diversas, é condição para o
enquadramento do contrato no âmbito dos contratos de adesão. E conclui o
jurista: Se a situação não se configura desse modo, poderá haver contrato por
adesão, jamais contrato de adesão183.
Destarte, o contrato por adesão, embora pré-determinado, não tem por
escopo único a obrigação necessária de contratar, havendo outras opções para
contratação ao interessado. Não é, no contrato por adesão, o postulante
constrangido a contratar; ao contrário, ao postulante é facultada a aceitação
espontânea para contratar.
É justamente o que ocorre nos contratos de franquia empresarial. O
candidato interessado em se tornar franqueador poderá optar por inúmeras redes,
nos mais variados segmentos. Caso o candidato discorde das condições
apresentadas por determinado franqueador, poderá contratar com outro. Essa é a
mesma opinião de Luiz E. A. Bojunga, que equipara o contrato de franchising a
um contrato sinalagmático, pois considera que: 181 GOMES, Orlando. Contratos. Op. Cit. p. 118 e ss. 182 THEODORO JUNIOR, Humberto e MELLO, Adriana M. T., Artigo novo código civil. Op. cit. p.133-137. 183 GOMES, Orlando. Op. cit. p. 142.
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No “franchise” o processo técnico idôneo indispensável a emprestar força vinculante ao negócio é a aceitação do franqueado aderente. É ato típico de autonomia privada. As condições gerais do contrato, preestabelecidas pelo franqueador, consistem em uma proposta perfeita, quando aceita pelo franqueado aderente, em nada se distinguindo do mecanismo tradicional que preside a formação clássica dos contratos184.
Assim, complementa o mesmo jurista, na interpretação do contrato de
franquia empresarial, o Poder Judiciário pode lançar mão de regras aplicáveis
para os contratos de adesão, tais como:
a) a obscuridade ou a ambigüidade da convenção deve ser interpretada contra o estipulante;
b) b) na hipótese de contradição entre cláusulas manuscritas e impressas, preferem-se as primeiras porque traduzem melhor a vontade do aderente185.
Nesse mesmo sentido, Lina Fernandes ressalva que os contratos de
franquia classificam-se como contratos por adesão, especialmente porque
somente da aceitação integral, pelo franqueado, das cláusulas contratualmente
impostas pelo franqueador, que detém o know-how, pode advir o sucesso da
rede, interesse maior dos contratantes186.
III.B.3.k. Integração e colaboração
Os contratos de franchising são também negócios jurídicos de integração
econômica entre empresários e de colaboração.
Segundo a definição de Adriana M. T. de Mello,
São chamados contratos de integração aqueles que viabilizam a organização de uma atividade econômica através de políticas comerciais sincronizadas, que combinam eficácia e disciplina, e que submetem a existência e manutenção de uma das partes à própria duração do vínculo jurídico.
Assim, para a doutrina, o principal elemento caracterizador de um contrato
de integração é a existência de uma “subordinação”, um controle exercido pelo
franqueador em relação às empresas que integram a sua rede de franquia, com o
objetivo de garantir a sua identidade e o padrão de qualidade dos serviços e
produtos oferecidos ao público consumidor. Esse “controle” é o que permite que
184 BOJUNGA, Luiz E. A. “Natureza jurídica do contrato de franchising”. In: LEX. Op. Cit. p. 21-22. 185 Idem. Ibidem. p. 23. 186 FERNANDES, Lina. Op. cit. p. 61.
64
os integrantes da rede usufruam seu sucesso e estabeleçam uma vantagem
sobre os concorrentes187. O instrumento para que o franqueador exerça esse
controle dentro da estrutura organizacional da rede é o contrato de franquia.
Nesse sentido, Thomaz Saavedra esclarece:
É em virtude do contrato que o franqueador dispõe de um poder disciplinar: ele pode impor – ele que é ligado a cada um dos franqueados por um contrato idêntico – o respeito às condições pactuadas a todos aqueles a quem vinculou por esse feixe de negócios jurídicos bilaterais”188.
Mas esse controle não caracteriza a perda da autonomia jurídica e
administrativa do franqueado, que necessariamente será um empresário
independente, e deve ser tratado como um igual pelo franqueador. Com efeito,
em tais estruturas apesar de se oferecer serviços e produtos idênticos aos do
franqueador e de outros estabelecimentos franqueados, os franqueados arcarão
com o risco do seu próprio negócio189, como empresários independentes que são.
Ademais, o contrato de franchising qualifica-se como um contrato de
colaboração ou cooperativo, no qual as partes concorrem visando atingir um
mesmo fim econômico, mediante a união das prestações devidas pela partes.
Nesse aspecto, Orlando Gomes salienta que nessa modalidade contratual, as
partes estabelecem uma cooperação sem que elas se associem, de forma a não
assumirem os riscos um do outro:
Nesses negócios, as pessoas não se obrigam, como nos associativos, ao exercício comum de atividade econômica com o ânimo de repartir os lucros ou suportar as perdas. Mas atuam, independentemente, sem vínculos associativos, pelo concurso de atividades190.
A colaboração, no caso do franchising, extravasa o binômio franqueador-
franqueado e contamina todos os integrantes da rede, não obstante caiba ao
franqueador o dever de zelar pelo interesse coletivo191, devem todos os
participantes em relação aos demais agir de forma cooperada e solidária.
187 MELLO, Adriana M. T. de. Op. cit. p. 62. 188 SAAVEDRA, Thomaz. Op. cit. p. 54. 189 BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris. 2003. 2ª ed. p. 1059. 190 GOMES, Orlando. Op. cit. p. 106. 191 SAAVEDRA, Thomaz. Op. cit. p.55.
65
III.C. Elementos do contrato de franquia empresarial
O conceito de franquia de negócio formatado é entendido como
multiplicação de um negócio de sucesso por meio da transmissão de know-how,
da licença dos direitos de uso de outros bens imateriais de titularidade do
franqueador e do acesso a uma clientela fiel à marca, a terceiros aprovados pelo
franqueador, originando estabelecimentos empresariais franqueados que irão
explorar o negócio franqueado e integrar a rede de franquia, sem que se
caracterize uma relação de vínculo empregatício ou de consumo ou, ainda, a
formação de grupo econômico.
A proposta deste item é discorrer sobre os elementos imateriais192,
oriundos da produção industrial e artística e estender e iniciar a análise do próprio
contrato de franquia, para entender corretamente tanto o seu objeto, funções e
conteúdo como, principalmente, a forma de proteção jurídica a ser articulada,
considerando a sua perspectiva econômica, a imaterialidade do sistema, a rede
de franquia, a clientela e a concorrência.
III.C.1. Marca
Remonta ao período da Antiguidade Clássica, o uso de sinais apostos em
bens materiais; o que foi pouco a pouco disseminado pelas nações em todo o
mundo, transformando-se em marcas de produtos e, mais tarde, de serviços,
passando a marca a ser interpretada como o fator básico na viabilidade da
comercialização de tais itens. No franchising, grande parte da doutrina reconhece
na marca um elemento essencial, sendo impossível imaginar um sistema que não
possua uma marca forte e reconhecida pelo público consumidor. E não poderia
ser diferente, pois
No campo da concorrência industrial ou comercial, o fabricante que consegue impor os produtos de sua indústria à preferência dos consumidores e o comerciante que logra acreditar as suas mercadorias é firmar a boa reputação e seriedade de seu estabelecimento tem o máximo interesse em individualizar e distinguir os artigos que produz ou
192 João da Gama Cerqueira adota o uso da expressão propriedade imaterial e não propriedade intelectual para definir os bens ora explorados, pois entende que a expressão se aplica com mais justeza aos diversos institutos que engloba, especialmente à marca, na medida em que, embora na sua opinião esta não possa ser considerada uma criação intelectual em si mesma, encontra na propriedade imaterial classificação mais adequada CERQUEIRA, João da Gama Cerqueira. Tratado de Propriedade Industrial, vol. 2. São Paulo: Ed. Revista do Tribunais. 1982. pp. 50-51.
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vende, a fim de que se não confundam com outros similares. Daí o uso e a utilidade das marcas industriais, cuja importância cresce todos os dias, generalizando-se cada vez mais o seu emprego pelos industriais e comerciantes, que não lhes desconhecem o valor e as vantagens que oferecem.193
A natureza jurídica da marca e dos bens de propriedade imaterial, em
geral, não é assunto sereno na evolução doutrinária do Direito. São inúmeras as
correntes que se dedicam ao tratamento do tema, intrinsecamente atrelados ao
fundamento filosófico desses institutos. Colocando-se de lado a doutrina partidária
de serem destituídas de valor ou importância ou mesmo aquela que discursa
sobre o direito positivado e o fato de que qualquer que seja a sua natureza
jurídica é a lei que regulará as faculdades das quais gozarão, as primeiras
correntes doutrinárias acerca da natureza jurídica dos direitos de propriedade
intelectual encontram fundamento na negação do direito dos autores, pois no
lugar de reconhecer o direito do autor e conceder a ele o privilégio, a lei cria o
direito em benefício dele, como bem reconheceu o pensamento ilustrado de
Clóvis Beviláqua:
Parece-me que esta segunda opinião apanha o instituto em uma das fases de sua evolução, mas da qual já ele se afastou. Realmente, as primeiras afirmações do direito autoral se fazem sob a forma de privilégios, outorgados, a princípio, aos editores e, depois, aos escritores. Hoje, entende-se que não há direito mais legítimo do que esse que assegura a uma classe de operários o produto de seu esforço, que, protegendo o trabalho intelectual, contribui para o incremento da cultura e facilita a expansão de uma das mais nobres saliências da personalidade humana. Portanto, ou há, na hipótese, um equívoco, ou não se trata de um simples privilégio. 194
Nas palavras de Gama Cerqueira, “em lugar de reconhecer, pela
concessão do privilégio, o direito preexistente, a lei cria esse direito em benefício
do autor.”195 Trata-se de forma utilizada pelos soberanos, cuja sistemática
primitiva não representava realmente um privilégio ao autor, porém a concessão
de favores pessoais ao arbítrio do rei. Em uma visão mais contemporânea, José
Roberto D’Affonseca Gusmão analisa a perspectiva da natureza jurídica do direito
de propriedade intelectual a partir do seu objeto, de sua função e do seu
193 Idem. Ibidem. p. 755. 194 BEVILAQUA, Clóvis. Observações para esclarecimento do Código Civil Brasileiro, trabalhos relativos
a sua elaboração. vol. I. Rio de Janeiro: Liv. Francisco Alves. 1975. p. 67. 195 CERQUEIRA, J. G. Tratado de propriedade industrial. Op. cit., p. 81.
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conteúdo, que seguem expostas abaixo em razão dos objetivos deste trabalho196.
As teorias que analisam a natureza jurídica do direito de propriedade
intelectual a partir do seu objeto, desenvolvidas por autores franceses e alemães,
o tratam como um direito de personalidade. Entre tais autores encontra-se
Edmond Picard que inconformado com a ausência da classe dos direitos
intelectuais na clássica divisão tripartida do Direito Romano (direitos de crédito,
obrigacionais ou reais), defendeu que o direito da propriedade intelectual é um
prolongamento da proteção do próprio autor, de sua personalidade, concluindo
pela necessidade de se criar uma nova categoria para sua acomodação,
merecendo diversas críticas doutrinárias na medida em que confundiu o objeto da
proteção com o sujeito da proteção, confundindo assim, a natureza do objeto da
proteção jurídica com a natureza jurídica do direito sobre esse objeto197.
J. Kohler198 avança na teoria proposta por Picard, defendendo com maior
veemência a instauração de uma nova classe de direitos à divisão tripartida de
direitos de crédito, obrigacionais e reais, conjeturando a possibilidade de vincular
os direitos intelectuais e o direito de propriedade. A análise crítica feita sobre essa
teoria revela que a premissa que embasou o pensamento de Kohler era falsa,
dado que a natureza jurídica dos direitos não poderia se qualificar somente em
função de seu objeto. Piola Caselli foi o precursor da crítica a este sistema,
colaborando para a criação de uma nova teoria que conferiria ao direito autoral
um caráter misto, de cunho pessoal e patrimonial.199
As teorias que analisam a natureza jurídica do direito de propriedade
intelectual a partir da sua função aprofundam mais o assunto sob a perspectiva
196 GUSMÃO, José Roberto d’Affonseca. L’acquisition du droit sur la marque au Brésil. Paris: Librairies Techniques. 1990. p. 10. 197 E assim assevera Picard que “... foi por instintivamente haver tido o sentimento destas verdades sociais, ou por não ter sabido compreender que o objeto de certos direitos pode consistir em concepções do intelecto que os romanos não incluíram no seu direito o que cada vez mais se costuma chamar ‘direitos intelectuais’, que persistiu, durante tão longo tempo, esta maneira de ver? Só quase há século e meio a esta parte é que se viu despontar e insensivelmente precisar-se a noção de que as invenções e descobertas industriais, as obras de arte e de literatura, os modelos e desenhos industriais, as marcas de comércio e as denominações, os planos, as cartas missivas – tudo o que tem uma existência puramente intelectual, própria e original, antes de sua expressão e da sua realização em corpos materiais, máquinas, quadros, estátuas, livros, móveis, estofos, papel – torna-se objeto de direitos de uma natureza especial”. In. PICARD, E. O Direito Puro. São Paulo: Editora Ibero-Americana. p. 50. 198 FEKETE, Elisabeth K. O regime jurídico do segredo de indústria e comércio no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2003. p. 129. 199 CASELLI, Eduardo Piola. Codigue Del Diritto di Auttore: Comentario. Torino: Unione Tipografico, 1943. p. 523.
68
econômica que a jurídica. Os autores representativos dessas teorias são Roubier,
com sua teoria dos direitos de clientela e Franceschelli, com a teoria dos direitos
de monopólio 200. Para o primeiro, a teoria dos direitos de clientela insere-se na
divisão tripartida do Direito Romano enquanto um direito patrimonial, dada a
utilidade econômica da propriedade intelectual para a conquista da clientela,
dominando-a para a obtenção de vantagem econômica em face da concorrência.
É evidente que esta teoria foge ao direito propriamente dito, fixando sua atenção
na função econômica dos bens de propriedade intelectual, descartável para a
definição da natureza jurídica dos mesmos. É, porém, teoria relevante para o
embasamento doutrinário que o presente estudo almeja alcançar, na busca de
uma definição da natureza jurídica do estabelecimento empresarial franqueado.
Franceschelli, por seu turno, enquadra esses bens na categoria de
monopólio, excluindo-os da perspectiva de integrarem o campo dos direitos
patrimoniais, sendo este o nó górdio da crítica da doutrina mais moderna,
especialmente no tocante às marcas.
As teorias que analisam a natureza jurídica do direito de propriedade
intelectual a partir de seu conteúdo dividem-se na teoria que o trata como um
direito de propriedade tout court, na teoria defendida por Troller e na teoria que o
trata como um direito de propriedade sui generis. A teoria tour court prega que os
direitos de propriedade são aplicáveis aos bens materiais e imateriais
indistintamente, sem que se observe qualquer especificidade com relação às
particularidades dos bens incorpóreos, fixando uma relação de identidade que se
aplica às coisas materiais201.
Aloïs Troller, professor suíço do século XX, inicia a defesa de sua teoria
afirmando que os bens imateriais distinguem-se de quaisquer outros objetos de
direito por seu caráter particular de coisa intelectual. Contudo, também observa
que mesmo os bens imateriais considerados em si mesmos são protegidos de
maneira heterogênea pelo direito, haja vista a proteção jurídica já positivada na lei
para uma parcela deles:
As diretivas destinadas ao espírito humano, ou seja, as regras relativas a atividade e que não estão ligadas ao domínio da técnica (por exemplo métodos de ensino, testes psicológicos, programas de computador,
200 GUSMÃO, J. R. A. L’acquisition du droit sur la marque au Brasil. Op. cit.. pp. 19-25. 201 Idem. Ibidem. 27-30.
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sistemas de escrita e de contabilidade) e – categoria particularmente importante – as descobertas científicas. A ordem jurídica só escolheu como objetos de direito categorias bem determinadas e deixou todas as outras a livre disposição do domínio público, introduziu um numerus clausus de bens juridicamente protegidos, cujos nomes coincidem, em linhas gerais, no mundo inteiro.202
O autor faz ainda uma observação muito pertinente; aplicável, inclusive, à
relação do franchising com a propriedade intelectual. Defende que há uma divisão
entre direitos exclusivos perfeitos e imperfeitos para os bens incorpóreos, cuja
diferença reside na vulnerabilidade da ausência de registro dos bens ditos
imperfeitos. Além disso, aponta o elemento da dominação como sendo
preponderante na relação jurídica envolvendo os bens de propriedade intelectual,
cujos efeitos na franquia empresarial são evidentes:
A dominação liga-se a coisa intelectual como objeto independente e não diz respeito a particularidades ou ao estado de uma pessoa. Esses últimos caem assim sob o golpe da dominação quando se trata de um segredo pertencente a esfera pessoal e, no caso de signos distintivos, quando eles se referem, da mesma forma que um nome, a uma pessoa física ou moral. Mas apenas são considerados como bases de proteção suplementares. No cerne do interesse, estão sempre o direito de disposição sobre o bem imaterial e a defesa do uso conjunto que terceiros se esforçam de obter (sic) ou usurpam. Da mesma forma no tocante à marca.203
Para o doutrinador suíço, a relação de dominação que o titular dos bens de
propriedade intelectual exerce em relação ao interessado na utilização de
qualquer dos bens é o pilar sustentador da qualificação da natureza jurídica dos
bens de propriedade intelectual. No entanto, frisa o autor, desde que os bens de
propriedade intelectual sejam absolutamente exclusivos. Troller faz ainda uma
observação antes de enquadrar os bens de propriedade intelectual como um
direito de propriedade. Ressalva que os bens incorpóreos e os bens corpóreos
são efetivamente diferentes, na medida em que há o epíteto intelectual recaindo
sobre os bens incorpóreos da propriedade intelectual, diferentemente do que
acontece com os bens corpóreos.
Gusmão, por sua vez, considera que a teoria da propriedade é a que
melhor se aplica na definição da natureza jurídica dos bens de propriedade
202 TROLLER, Aloïs. Precis du droit de la proprieté immaterielle. Bale e Sttutgart.: Ed. Helbing & Lichtenhanhn. 1978. p. 211. 203 TROLLER, Aloïs. Immaterialgüterrecht, vol. I. Bâle: Ed. Helbing & Lichtenhanhn, 1968. p. 46.
70
intelectual. Contudo, identifica alguns problemas na adoção desta teoria tal qual
sedimentada para as marcas204. Em primeiro lugar traz à tona a questão dos
direitos reais. Em se tratando de um direito absoluto205 caracteriza-se por sua
oponibilidade erga omnes, diferentemente do que acontece com a marca, que por
se tratar de um direito de propriedade especial está adstrito a princípios
limitadores como o da territorialidade e da especialidade, sendo sua proteção uma
criação de cada país que condiciona a existência ou não da marca206. Cai por
terra, portanto, a possibilidade de oponibilidade erga omnes para a marca. Em
segundo lugar, ressalta a questão de que a marca é um bem incorpóreo,
insuscetível de posse real; antes, é esta que dá aos bens em geral a presunção
de propriedade207. A discussão acerca da posse da marca é tarefa impossível,
pois inexiste posse real sobre bens incorpóreos.
Por fim, e a partir das análises acerca de todas as teorias postas pela
doutrina sobre a natureza jurídica dos bens de propriedade intelectual, Gusmão
propõe a sua teoria em cujo cerne repousa, como pivô, a questão da propriedade
da marca. Antes de mais, o autor reflete sobre o fato de o próprio legislador haver
criado a categoria dos bens imateriais, ignorados pelo direito romano, sendo que
alguns desses bens incorpóreos foram qualificados pelo mesmo legislador como
direito de propriedade, repousando sobre um regime jurídico sui generis208. Ora,
Gusmão não afasta a aplicação da teoria da propriedade como ícone identificador
204Toda a teoria de Gusmão acerca da natureza jurídica das marcas pode ser verificada em sua obra anteriormente citada. Insta frisar que para os fins a que se destina o presente trabalho a natureza jurídica das marcas será abordada de maneira superficial, atentando apenas às conclusões alcançadas por Gusmão em sua tese de doutorado sobre o tema, cuja linha de pesquisa e conclusão se encontra, no todo, absorvida por este trabalho. 205 Atualmente a condição de direito absoluto, tal qual preconizado pela doutrina, sofre limitações da ordem da função social da propriedade e do interesse público. 206 Segundo Maitê Cecília Fabri Moro, o princípio da territorialidade consiste no fato de que “a propriedade
de uma marca, conferida pelo registro da mesma, em um determinado país, produz efeitos somente em seu
território.” Para ela, o princípio da especialidade consiste em delimitar a proteção conferida á marca, “é
um corolário da essência caracterizadora das marcas, qual seja a distintividade. De fato, só se procura
distinguir o que é semelhante, aquilo que apresenta afinidades.” In: FABRI MORO, M. C. Direito de
Marcas. Abordagem das marcas notórias na Lei 9.279/1996 e nos acordos internacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. pp. 63-69. No tocante ao princípio da especialidade as marcas devem ser protegidas nas respectivas classes de produtos e serviços que efetivamente identifiquem. As exceções a esses princípios, respectivamente, são da marca notoriamente conhecida, em face do princípio da territorialidade, e o da marca de alto renome em face do princípio da especialidade. 207 Comenta Gusmão em seu Tratado da propriedade industrial, que à expressão posse deve ser dado o sentido próprio do direito civil, de relação de fato entre uma coisa e uma pessoa, por intermédio da qual a pessoa tem a faculdade de realizar sobre esta coisa atos correspondentes ao exercício manifesto de um direito real, seja ela titular ou não desse direito, cuja aparência vem o direito proteger, supondo sua existência. 208GUSMÃO, José Roberto d’Affonseca. “A Natureza Jurídica do Direito de Propriedade Intelectual”, estudo disponibilizado pelo próprio autor para o presente estudo.
71
da natureza jurídica dos bens incorpóreos, observa apenas algumas de suas
peculiaridades, ao contrário do que indica a teoria tout court, cujo tratamento
jurídico resulta adequado aos fins do presente estudo209.
Com fundamento nas teorias expostas e, buscando subsídios para melhor
apontar o regime jurídico a ser articulado para o Estabelecimento Franqueado
resulta oportuno refletir e comparar alguns dos argumentos apresentados. De
início, deve-se relembrar que o contrato tem por objeto elementos de propriedade
imaterial, essencialmente, e que sua função econômica é justamente a
multiplicação de um mesmo estabelecimento empresarial calcado na licença da
marca e na transferência do know-how; cujo conteúdo volta-se, especialmente,
para a regulamentação destes direitos imateriais cedidos, tendo sua existência,
portanto, como negócio jurídico, se impregnado de todas as características da
propriedade intelectual apontadas, incidindo decisivamente no relacionamento
entre franqueador e franqueado.
Do mesmo modo que a proteção jurídica da propriedade intelectual em
geral, a proteção dos bens imateriais no contrato de franquia será absolutamente
heterogênea, dependendo do que se procura proteger da concorrência desleal: o
uso da marca, os padrões de operação do sistema – know-how, a rede
franqueadora, etc.
No Business format franchising, o sistema será compreendido, em sentido
amplo primeiro, por meio da relação marcaria, já que em função do registro deste
tipo de bens, encontra mais guarida no Direito Positivo que o know-how, por
exemplo, que como afirmava A. Troller é vulnerável em sua sistemática de
proteção pela ausência de sistema de registro. Com efeito, ”a justiça encontra
enorme dificuldade em reconhecer direitos sobre tecnologia, ao mesmo tempo em
209 Conforme comenta Maitê C. Moro, as peculiaridades podem ser consubstanciadas em quatro pontos principais: a relativização do direito absoluto de propriedade (especialmente no tocante às marcas, em razão dos já mencionados princípios da territorialidade, especialidade e da caducidade ou conseqüências do não-uso, nas palavras de Maitê C. Moro); crítica com relação à tese da posse para bens incorpóreos; atipicidade penal (na medida em que as leis para os bens corpóreos e incorpóreos são diferentes – fala-se em furto para um e em contrafação para outro) e atipicidade legislativa, na medida em que o tema é tratado sempre em lei específica. Nas palavras de Gusmão sobre esse tema em específico: “Les droits de propriété immatérielle sont réglementés dans la quase totalité des pays par les lois spéciales. C’est um réflexe de la spécialité dês droits eux-mêmes, qui ont chacun leur regime juridique propre. Ce ne sont pas des droits exceptionnels ou d’exception, mais dês droits spéciaux, qui ne trouvent pas leur place dans lê regime commun de la propriété réglementé par lês odes civils”. GUSMÃO, J. R. L’acquisition du droit sur la marque au Brésil . Op. cit., p. 45.
72
que é rápida e eficaz nas questões que envolvem a marca.”210
Daí porque, ainda seguindo o pensamento de Troller, se faz necessária
uma relação de “dominação” do franqueador – titular dos bens intelectuais, sobre
o franqueado que deve exercê-lo, por meio de instrumento contratual, uma vez
que será este o pilar de sustentação do próprio estabelecimento empresarial
franqueado.
Ultrapassada a questão da natureza jurídica dos bens de propriedade
intelectual, parte-se agora para a definição da marca, a maneira pela qual o titular
adquire direitos sobre a marca e os respectivos tipos de sua apresentação e
funções.
São inúmeros os conceitos atribuídos pela doutrina à marca. Contudo,
carece pontuar de maneira genérica e conforme recomenda a Lei de Propriedade
Industrial (Lei n° 9.279/96) que marca é todo sinal distintivo visualmente
perceptível não compreendido nas proibições legais211. Em seu tratado de
propriedade industrial Gama Cerqueira definiu marca como “todo sinal distintivo
aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral para
identificá-los e diferenciá-los de outros idênticos ou semelhantes de origem
diversa.”212
Cada país regula a maneira pela qual ocorre a aquisição dos direitos sobre
as marcas, sendo que no Brasil a propriedade da marca é adquirida por meio de
registro validamente concedido213. Vale dizer que nosso país é adepto do sistema
atributivo de direito, isto é, aquele pelo qual o registro validamente concedido é
210 MENEZES, Flávio L. S. “Marca, o maior patrimônio” In: O direito do franchising: as melhores práticas
do mercado. (fascículos). São Paulo: ADC editora. 2004. 211 A Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 122, assim determina: “Art. 122: São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.” 212 J. G. Cerqueira. Tratado de Propriedade industrial. Op. cit., p. 773-774. 213Existem três maneiras mais usuais de se efetuar o registro no exterior: apresentar o pedido de registro em cada um dos países em que se busca proteção; apresentar o pedido de registro em um sistema regional de marcas com efeito extensivo a todos os países membros e, por fim, via Protocolo de Madri, do qual o Brasil ainda não é signatário. Pelo sistema identificado pelo Protocolo de Madri obtém-se a proteção da marca por meio de um procedimento único, cuja administração é centralizada pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI. Não só o depósito da marca é simplificado, como também o são os outros procedimentos administrativos próprios das marcas. O Protocolo de Madri representa uma via de acesso preferencial a novos mercados, cujas principais características são: simplicidade, rapidez e economia; possibilidade de se efetuar um depósito de marca simplificado em um país, podendo designar outros 77 (setenta e sete) países onde se pretende registrar a marca, todos signatários do Protocolo de Madri e administração simplificada do rol de marcas das empresas.
73
que atribui a propriedade ao seu titular214.
A principal função da marca é possibilitar ao consumidor a identificação e
associação de um produto ou serviço a características específicas ou a uma
empresa, possibilitando, inclusive, diferenciá-los de outros produtos ou serviços
concorrentes. Nesse sentido, a função identificadora seria a principal, enquanto a
função distintiva seria secundária. Sobre o assunto manifesta-se Gama Cerqueira:
De acordo com a noção exposta, destinam-se as marcas a individualizar os produtos e artigos a que se aplicam e a diferenciá-los de outros idênticos ou semelhantes de origem diversa. Em seu primitivo conceito, as marcas tinham suas funções restritas à indicação de origem ou procedência dos produtos ou artigos entregues ao comércio. Sua finalidade era indicar ao consumidor o estabelecimento em que o artigo fora fabricado ou a casa comercial que o expunha à venda. (...) As leis mais modernas já não impõem tal obrigação, a não ser em determinados casos e por motivos especiais. A função primordial da marca de indicar a procedência dos produtos distinguindo-os, sob esse aspecto, de outros similares de procedência diversa, desviou-se no sentido de identificar os próprios produtos e artigos, principalmente depois da generalização do uso das denominações de fantasia, (...) Essa função identificadora das marcas, que já assinalávamos há anos passados, assume hoje em dia importância cada vez maior, em virtude dos modernos métodos de publicidade, que se baseiam na denominação do produto e não mais no nome do produtor.215
Tanto a função identificadora quanto a função distintiva guardam a sua
importância para o negócio franqueado e, por conseqüência, para o
estabelecimento empresarial franqueado.
As marcas possibilitam a definição da imagem e confiabilidade dos
produtos no mercado, daí sua função essencial nas estratégias comerciais e
publicitárias das empresas voltadas aos negócios franqueados. A confiança é a
base para a solidificação de uma clientela leal. É comum que os consumidores
criem laços afetivos com algumas marcas. Lembra Ascarelli:
La protección de la marca no constituye ni un premio a un esfuerzo de creación intelectual, que pueda ser protegida por sí misma, ni un premio por las inversiones en publicidad; es un instrumento para una diferenciación concurrencial que tiene como último fundamento la
214 Há autores brasileiros que entendem que o sistema brasileiro de aquisição de direitos sobre a marca é misto, na medida em que a despeito de se adquirir a propriedade da marca pelo registro validamente adquirido (sistema atributivo de direitos, tal qual exposto acima), a lei reconhece o direito ao registro da marca e, portanto, a sua propriedade, àquelas pessoas que já utilizavam a marca de boa-fé, dispositivo representativo do sistema declarativo de direitos sobre a propriedade da marca. 215 GAMA CERQUEIRA, J. Tratado de propriedade industrial. Op. cit. p. 757-758.
74
protección de los consumidores y por lo tanto, sus límites, en la función distintiva que cumple.216
É por meio da marca que o franqueador identifica todo o seu negócio,
todas as suas particularidades, formando um verdadeiro elo com o consumidor,
podendo assim criar fidelidade ou não. Como se verá adiante, na relação de
franquia, a marca assume outras funções que não aquelas adstritas às marcas de
produtos ou serviços de quaisquer outros segmentos mercadológicos e assume
altíssimo grau de importância para o negócio franqueado.
II.C.1.a. A marca na franquia
A relação entre franqueador e franqueado nasce da celebração do contrato
de franchising, cujo objeto prevê, dentre outras disposições, a licença de uso de
marca ao franqueado217. O encadeamento da celebração de contratos de franquia
com novos franqueados é fator fundamental para a expansão do número de
estabelecimentos franqueados e, por conseqüência, para a expansão da rede,
aonde todos serão identificados pela marca de titularidade da empresa
franqueadora. Daí sua importância.
Sob o ponto de vista do franqueado, seu investimento remunera um
negócio já consolidado caracterizado por uma marca forte aos olhos do
consumidor, aproveitando toda a experiência de mercado e solidez alcançada
pelo franqueador. Em outro sentido, sob o ponto de vista do franqueador, verifica-
se que a estruturação basilar do negócio está assentada no fato de o franqueador
haver testado um determinado negócio, analisado a viabilidade de franqueá-lo,
padronizando-o para, em seguida, emprestar aos franqueados uma marca e
transmitir um know-how de sucesso, para que estes atuem em segmento
mercadológico determinado mediante o pagamento das contraprestações
ajustadas.
É notável que a marca forte, sólida, coroada por atributos, signo
identificador de um negócio de sucesso que assinala produtos e serviços de
qualidade, atinja diretamente o consumidor cativando-o, ainda que este não
216 ASCARELLI, Tullio. Teoría de la concurrencia e de los bienes imateriales. Barcelona: Editora Bosch, 1970. p. 438-9. 217 COELHO, Fabio Ulhôa. “Considerações sobre a lei de franquia”. In: Revista da ABPI nº 16 – maio/junho 1995. p. 15.
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atente para o fato de que, na verdade, a marca identifica um emaranhado (ou
rede) de bens, direitos, conhecimentos, tecnologia, segredos que juntos
configuram o próprio negócio franqueado. Ao consumidor basta enxergar a marca
e identificar nela um produto ou serviço já conhecido.
Nesse sentido há um sobre-valor social e econômico atribuível à marca, do
ponto de vista da defesa do consumidor, afastando a confusão; e do ponto de
vista do titular, franqueador, no combate à concorrência desleal. A marca assume
também um papel fundamental na economia das nações, conforme alinhava
Gabriel Di Brasi, em razão do fenômeno da globalização econômica e
mundialização da cultura, pelo qual passam todos os países no mundo
contemporâneo. E aduz:
A marca é para a empresa a base de sua comercialização. Algumas marcas conseguiram ser transformadas no seu ativo mais valioso. É de fundamental importância para o desenvolvimento econômico de um país a formação de um acervo de marcas nacionais com prestígio. Podemos dizer que a marca é como o nome de família, que atesta e identifica história, tradição e qualidade do produto ou serviço que assinala.218
É notório que a marca é um dos maiores patrimônios para o negócio
franqueado, o que de fato deve incentivar o franqueador a investir na sua
manutenção e no incremento da reputação de que goza. Uma marca bem
estruturada e administrada é um ativo de valor para a maioria das empresas e,
até mesmo, para o país no qual se originou. Pode tornar-se o ativo de maior valor,
alcançando cifras vultosas, como é o caso das marcas “COCA-COLA”,219 “SHELL”
e “IBM”, que os consumidores associam a uma imagem, reputação e qualidade
que valorizam.
Por tratar-se de patrimônio fundamental do franqueador e fundamental ao
negócio franqueado, é o franqueador responsável por resguardá-la e protegê-la,
tendo em vista ser este o elo de ligação entre o seu negócio e os consumidores.
Como se viu anteriormente, a marca encerra em si duas funções primordiais:
218 DI BIASI, Gabriel et alli. A propriedade industrial. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997, pp. 163-164. 219 Em 1986 a empresa The Coca-Cola Company estava avaliada na bolsa americana em 14 milhões de dólares, no entanto, calculava-se que os bens corpóreos ou ativos corpóreos valiam apenas 7 milhões de dólares; o valor remanescente corresponderia ao valor da marca COCA-COLA. A mesma marca é hoje considerada como a mais valiosa do mundo, avaliada em aproximadamente 48 milhões de dólares DEARLOVERS, D. & CRAINER, S. As 50 maiores marcas. Bibliot. Executive Digest, Editora ACJ, p. 22.
76
identificar o produto ou serviço a que se destina e assinalar e revelar perante a
clientela quem está por trás daquele produto ou serviço.
Na franquia do negócio formatado, a marca abarca ambas as funções,
porém culmina em uma terceira: a de incorporar o próprio negócio, apresentando-
o à clientela e ao público em geral. A marca é a bandeira de identificação de todo
o arsenal técnico, de todo o conhecimento testado e “formatado” pelo franqueador
ao longo de anos, para configurar o negócio franqueado.
Em artigo sobre o tema revela o professor Luiz Fernando Barroso:
A marca não é, pois, só a identidade pessoal de uma empresa ou empreendimento. Ela é o próprio rosto do empresário, enquanto atua profissionalmente, distinto de sua face ou de sua identidade pessoal, como pessoa natural. O valor de uma marca não é propriamente o que o produto coloca nela, mas o que o consumidor dela retira. Não é sem razão que a função básica de uma marca é a de fazer com que a decisão de compra por parte do consumidor seja a mais fácil e satisfatória para si.220
No plano econômico, as marcas funcionam mais como indicadores de
qualidade, ou das características dos produtos ou serviços, que como indicadores
de origem. Isso porque os consumidores criam expectativas de que todos os
produtos ou serviços assinalados por determinada marca possuam características
comuns e constantes. De certo modo, pode-se até falar em uma função de
garantia de qualidade inerente à marca, na medida em que entre consumidor e
empresário estabelece-se uma verdadeira relação de confiança. Desta forma, o
franqueado ao usar a marca ou o nome título do estabelecimento do franqueador
induz o consumidor a adquirir o produto com a mesma certeza de autenticidade
que o adquiriria no próprio produtor.
Sob essa ótica ainda, a marca transmite uma idéia de segurança. Nesse
sentido, notam Cornish e Philips que,
… a consumer will frequently be prepared to buy a more expensive product about whose quality he is confident rather than a cheaper product about which ke knows little or nothing and judges the cost of finding out more to be too great.221
220 BARROSO, Luiz Felizardo. “A importância do adequado registro das marcas para franqueadores e franqueados”. In: Revista da ABPI nº 16 – maio/junho, 1995. p. 47. 221 CORNISH, W.R. e PHILIPS, J. The Economic Function of Trade Marks: An Analisys With Special
Reference to Developing Countries. 13 IIC, 1982, pp. 42-43. Tradução livre: “Com maior freqüência se encontrará um consumidor mais preparado para comprar um produto mais caro, de qualidade confiável, do
77
Além da função da segurança e qualidade da marca, há ainda a de
informação e sugestão, por meio da publicidade222. A publicidade permite que o
consumidor conheça a existência de um produto ou serviço sob a identificação de
determinada marca. Uma publicidade estruturada permite tramar a boa reputação
ou o prestígio que se acumula na marca, sendo provável que a excelência de uma
reputação ou o elevado prestígio da marca importem em expectativas, igualmente
altas, de vendas e rentabilidade dos produtos ou serviços em causa.
Uma vez atingido certo nível de renome da marca, a empresa poderá, além
disso, encarar a exploração, direta ou por licença, da própria notoriedade atingida.
É o que ocorre na franquia. O empresário franqueador, certo do renome da marca
identificadora do produto ou serviço daquele negócio, por meio de licença, explora
a notoriedade alcançada, desenvolvendo-a ainda mais, na medida em que replica
o seu negócio “formatado” aos franqueados, fortalecendo sobremaneira a marca.
Desta forma, ao franqueador cabe tomar precauções que permitam que a marca
identificadora de sua rede de franquia adquira solidez, a médio ou longo prazo,
possibilitando maior captação e “fidelização” da clientela para a qual o negócio
franqueado está voltado a atender.
As conseqüências positivas advindas do cuidado com o bem incorpóreo
consubstanciado na marca são muitas. Os casos de sucesso no empreendimento
das franquias revelam que a marca sólida, bem acompanhada e administrada
permite que o franqueador destaque os produtos e serviços de sua rede de
franquia no mercado e cative o consumidor, agregando um valor considerável a
esses produtos e serviços formando sua clientela. Possibilita, ainda, que os
que um produto mais barato cuja qualidade lhe seja estranha, ou do qual não saiba nada, julgando que o preço para descobrir a respeito desse novo produto lhe seja muito maior.” 222 As técnicas de sugestão publicitária permitem criar um feixe coerente de associações positivas, naturalmente, de modo a que o consumidor possa diferenciar produtos que, afinal, pouco variam uns dos outros. No imaginário do consumidor, a marca passa a ser o símbolo, não propriamente do produto, mas de um dado contexto ou mensagens que são veiculadas pela publicidade. Thomas D. Drescher refere que “once trademarks become symbols, it is almost as if we have an historical overlap in trademark function. At one level, the mark signals the product; at another level, it symbolically advertises the product. The signal function is denotative, the symbolic function connotative.” in The Transformation and Evolution of
Trademarks – From Signals to Symbols to Myth, v. 82, 1992, p. 301-328. Tradução livre: “quando as marcas se tornam símbolos, é quase como se houvesse um pulo histórico na função da marca. De um lado, a marca identifica o produto; de outro, ela simbolicamente dá publicidade ao produto. A função do sinal é denotativa; a função do símbolo é conotativa.”
78
consumidores diferenciem produtos concorrentes e que fixem a imagem e
reputação de uma linha de produtos, de serviços e de estabelecimentos.
Na relação de franquia o contrato de licença de uso de marca é absorvido
pelo contrato de franquia do negócio formatado propriamente dito, conforme
mencionado anteriormente. Vale, finalmente, a ressalva quase óbvia de que a
concessão da licença de uso da marca pelo franqueador ao franqueado não obsta
a que o franqueador conserve o direito de explorar diretamente o uso da marca;
caso contrário, não haveria que se falar em rede de franquia, estabelecimento
franqueado e franqueador, todos atuando sob a égide da mesma marca, objeto do
contrato de licença entre as partes223.
A proteção jurídica do sistema de franquia se dá pelo regime de proteção
marcaria positivado pelo direito. A existência de registro de bens e formalidade na
realização do direito confere a este tipo de bem a responsabilidade, muitas vezes,
de ser o pilar de sustentação de todo o sistema de Business format franchising,
no qual o franqueador irá defender a rede de modo objetivo, dado que tal forma
de proteção é de difícil obtenção nos demais tipos de bens.
III.C.1.b. Trade dress
O trade dress não é objeto de proteção legal específica no Brasil, porém
guarda uma relação intrínseca com o desenho industrial e outros institutos da
propriedade intelectual e vale-se de remédios jurídicos e proteções indiretas para
se resguardar em face de eventuais práticas de concorrência desleal. Trata-se de
expressão emprestada do direito norte-americano que designa a configuração de
produtos, embalagens, a perspectiva do interior e do exterior de estabelecimentos
empresariais, dentre outros, que contribuam para a constituição do código visual
de determinado negócio.
Sobre o tema, Denis Barbosa afirma que o trade dress, entendido a
princípio como sendo only the packaging, or dressing of a product, chega a
designar o product's design e até mesmo o visual interno e externo do
223 Vale esclarecer que se entende por licença exclusiva aquela em que o titular renuncia ao direito de conceder outras licenças para os direitos objeto de licença, enquanto esta se mantiver em vigor. Sob esse aspecto o contrato de licença de uso de marca exclusivo equipara-se a uma cessão de uso de marca, no entanto, temporária.
79
estabelecimento, ou a forma do produto224. Nesse sentido, se o packaging ou o
dressing de um produto são imbuídos de suficiente distinção, conquistam a
condição de serem protegidos como marcas mistas, figurativas ou mesmo
tridimensionais, apenas porque contém os requisitos necessários para o registro
da marca. Mesmo o dressing de um estabelecimento pode compor marca mista,
figurativa ou tridimensional.
Independente dessa condição, o trade dress é, a priori, matéria que
pertence exclusivamente à esfera de proteção da repressão à concorrência
desleal. A Lei de Propriedade Industrial, por meio de seu artigo 124, inciso XXI,
nega registro à marca que protege uma forma necessária, comum ou vulgar do
produto ou de seu acondicionamento, e também à forma que não possa ser
dissociada de efeito técnico. O dispositivo parece permitir a proteção da forma
característica do produto, e não da forma necessária, a exemplo das garrafas pet
de refrigerante.
Em outras palavras, se o trade dress reúne condições para ser registrado
como marca, será protegido enquanto tal, desde que não infrinja o requisito
estabelecido no artigo 124. Caso contrário, deverá ser protegido pela repressão à
concorrência desleal. O caráter temporário, em ambos os casos, é secundário, na
medida em que com relação à marca inexiste, e com relação à repressão à
concorrência desleal a proteção perdurará enquanto existir o negócio.
O trade dress é de suma importância para uma rede de franquia e são
vários os seus componentes. O projeto arquitetônico da rede de franquia e o
design de interiores, a despeito de serem protegidos por meio dos direitos
autorais dos arquitetos – cujos direitos autorais patrimoniais são posteriormente
cedidos ao franqueador – dada a celebração de contrato próprio a atender esse
fim, configuram o trade dress da rede de franquia e dos seus estabelecimentos,
por conseqüência. Trata-se de estratégia que fortalece a imagem da rede perante
o mercado e junto à sua clientela.
Já se verifica no mercado que alguns estabelecimentos apostam no uso de
cores e cheiros para atrair seus consumidores, os quais garantem que estará o
consumidor adentrando um ambiente familiar independente da localidade em que
224 http://denisbarbosa.addr.com/marcas.htm#Trade%20Dress. Acesso em 26.02.2007.
80
esteja fixado aquele estabelecimento. Em outras palavras, o consumidor sabe que
em qualquer estabelecimento franqueado que adentrar, em toda a rede, nas mais
diversas localidades, aquele é o padrão visual a sua espera.
Como visto, o trade dress permite a cumulação de formas de proteção
próprias da propriedade intelectual. Em alguns momentos cumula-se a proteção
dos direitos autorais com a propriedade industrial (marca ou desenho industrial),
em outros a proteção do desenho industrial com a marca.225
Dúvida não há sobre o fato de que a marca e o formato próprio do produto,
ou mesmo do estabelecimento, na franquia, são coisas distintas. A marca é
designada por meio de signo distintivo; o trade dress é identificado como um
signo de natureza indicial, ou seja, o significante é parte do significado, a forma
plástica do produto ou de um estabelecimento franqueado, aos olhos do
consumidor, faz parte do próprio produto ou é o próprio estabelecimento
empresarial226. A marca identificará o estabelecimento franqueado, parte
integrante de determinada rede de franquia, que também será caracterizado por
trade dress próprio, distinguindo-o em relação a outros estabelecimentos
empresariais.
III.C.2. Know-how
O contrato de franchising também é muitas vezes caracterizado como um
simples contrato de know-how, dado o seu o papel preponderante numa relação
de franquia. Com efeito, o know-how criado ou detido pela empresa franqueadora
é o que possibilita a replicação do estabelecimento originário do franqueador,
225 Denis Borges Barbosa acrescenta: “Quanto à identificação entre o objeto de desenho industrial e o de marca, tem-se uma objeção constitucional. O sistema de proteção aos desenhos industriais, como visto no capítulo dedicado às patentes, está sujeito ao cânone constitucional da temporariedade. Não se vê como conciliar a perenidade do objeto marcário e a temporariedade do objeto do desenho industrial quando são ambos a mesma coisa. Assim, impossível a proteção por marca da forma, ainda que não necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou ainda que possa ser dissociada de efeito técnico. Não se argumente que coisas perenes como a garrafa da Coca Cola, ou da Perrier, são autênticas marcas. A proteção existirá, perenemente, através dos mecanismos de concorrência desleal, protegendo a imagem eterna enquanto dure na concorrência – é esta a proteção adequada ao trade dress. Mas não haverá a exclusividade marcaria. De outro lado, levando-se em conta a possível dualidade de proteção, quanto à parcela estética, por direito autoral e por desenho industrial, sempre subsistirá a eventual possibilidade de permanência da respectiva tutela. Em contrário, admitindo a proteção marcaria do trade dress, de uma forma até mais radical do que a elaborada pela doutrina brasileira corrente, vide decisões da Suprema Corte abaixo (Suprema Corte americana cujos casos Wal-Mart Stores, Inc V. Sâmara Brothers, Inc. e Two Pesos, Inc V. Taco Cabana, Inc, marcaram a jurisprudência sobre trade dress). Para nós, não obstante os julgados citados, trade dress é matéria exclusiva de concorrência desleal.” BARBOSA, Denis B. Uma Introdução à Propriedade
Intelectual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, 2ª ed. pp. 827-828. 226 BARBOSA, Denis B. Ibidem. p. 827.
81
motivo pelo qual o know-how é equiparado à alma do sistema de franquia,
enquanto a marca é o verdadeiro elo de ligação entre a franquia e a clientela.
Tanto assim, que a doutrinadora Daniela Zaitz endossa a posição assumida por
A. Troller, quando este afirma ser o know-how um bem jurídico227. É, portanto, de
seu valor e existência fática no seio do instituto do Business Format Franchising
que se deve entender a necessidade de uma compreensão mais ajustada de
know-how. Isso porque, quando um agente econômico opta por integrar-se a uma
rede de franquias, certamente está à procura de um negócio identificado por uma
marca de sucesso, mas, principalmente, por uma estrutura organizacional que
permita a sua participação, independentemente de experiência anterior, e que
apresente maiores possibilidades de minorar o risco de seu investimento, ainda
que se saiba que o risco é inerente à todo e qualquer negócio. Portanto, está à
procura da tecnologia de operação ou do know-how que lhe serão conferidos
quando de seu ingresso na rede.
Isso significa que o know-how, cujo conceito e definição será tratado em
item próprio, não pode configurar um elemento eventual no negócio franqueado –
trata-se, na verdade, de elemento que sempre estará presente na relação entre
franqueador e franqueado, ou seja, um elemento essencial à vida da relação
jurídica estabelecida e, como se verá adiante, elemento essencial à formação do
estabelecimento empresarial franqueado. Por esta razão, se dará início ao estudo
do know-how e de todos os aspectos a ele concernentes, enquanto substrato
fundamental das relações entre franqueador e franqueado.
III.C.2.a. Aspectos gerais do know-how
Os empresários, progressivamente e ao longo do exercício de sua
atividade empresarial, acumulam experiências, adquirem conhecimentos e
práticas que permitem conquistar sua posição no mercado em face de seus
concorrentes. Trata-se de bagagem fruto do desempenho da atividade comercial
ou industrial daquele empresário, de natureza variegada, aos quais a doutrina
jurídica atribui os nomes mais diversos: tecnologia, know-how, segredo de
negócio ou patente. Reina a imprecisão do conceito atrelado a essa gama de
227 Afirma a doutrinadora que uma vez que os bens jurídicos são aqueles que possuem valor econômico ou são suscetíveis de tal valoração, o know-how deve, Ex auditu alieno, ser considerado bem jurídico. In: ZAITZ, Daniela. Direito & Know-how. Op. Cit. p. 201 e ss.
82
informações, fato que por conseqüência dificulta sobremaneira a delimitação do
conceito de know-how.
A evolução das doutrinas jurídicas na conceituação do know-how revela a
amplitude com que a expressão passou a ser utilizada para identificar vasta
extensão de conhecimentos e informações sigilosas ou não, inventivas ou não,
totalmente inacessíveis ou acessíveis em parte a outros empresários228.
Parte da doutrina também entende que somente os conhecimentos
secretos podem configurar o know-how, na medida em que são esses os
conhecimentos que interessam às empresas pelo fato de representarem algo que
os concorrentes ignoram. É o sigilo que lhes garante posição de vantagem
empresarial em face dos concorrentes que não tiveram acesso a esse “saber-
fazer”. Além disso, é o caráter secreto do know-how que fundamenta as normas
regulamentares das questões sobre concorrência desleal, tal como previsto em
lei.
Por outras vezes, determinado conhecimento pode não ser secreto e ainda
assim representar uma tecnologia de impacto ao negócio, de maneira positiva,
angariando aos co-partícipes da rede a vantagem empresarial tantas vezes
mencionada. O know-how a que se faz menção pode ser composto por diversas
porções de conhecimentos e informações que combinadas tornam-se secretas,
em razão da inovação na combinação, também levando tal vantagem ao seu
titular, em face de outros que não tiveram acesso a tais conhecimentos.
A informação em si mesma é um bem tutelável pelo Direito, na medida em
que será objeto de obrigações e direitos protegidos juridicamente, cuja justificativa
reside na existência de um legítimo interesse, moral ou econômico, na
preservação, no uso exclusivo ou não e na divulgação exclusiva ou não da
228Para maior aprofundamento do tema, no sentido de se acompanhar a evolução histórica do conceito de know-how, ver: FELSANI, Fabiana Massa. Contributo all’analisi del know-how. Milano: Giuffrè, 1997, p.1; ASCARELLI, Tullio. Teoria della concorrenza e dei beni immaterialli. Milano: Giuffrè, 1960, p. 567; STUMPF, Herbert. El contrato de know-how. Bogotá: Temis, 1984, p.14; MAGNINI, François. Know-how et
propriété industrielle. Paris: Librairies Techniques, 1974, p. 26; BORTOLOTTI, Fabio. La tutela del know-
how nell’ordinamento italiano, 1970, p. 552; MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.499, para quem a noção de know-how é: “certos conhecimentos ou processos, secretos e originais, que uma pessoa tem e que, devidamente aplicados, dão como resultado um benefício a favor daquele que os emprega”; SILVEIRA, Newton. “Contratos de transferência de tecnologia”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: a. XVI, nova série, n. 26, 1977, p. 90, segundo o qual know-how é “um conjunto de regras, procedimentos e práticas que permitem a rápida e vantajosa exploração de uma invenção”.
83
informação229. Ainda que mantida em sigilo, a informação poderá exercer seu
legítimo papel, moral, econômico ou social. Denis Borges Barbosa defende que
nem sempre a manutenção de uma tecnologia em segredo importa em uso anti-
social da propriedade daquela informação. Pode haver razões justificáveis para o
sigilo. É possível que o detentor de tais conhecimentos não pleiteie a
exclusividade jurídica da utilização daquela informação, sob a forma de patente,
porque seu conhecimento pode não ser mais totalmente secreto ou
absolutamente original; as informações, ou parte delas, podem estar sendo
utilizadas por empresas concorrentes. Em outras ocasiões, pode não haver
competidor tecnológico ou econômico que o possa ameaçar em sua exclusividade
de fato230.
Daí que o sistema de franquia empresarial requeira especial atenção no
tocante a esta questão. Se o know-how detido pelo franqueador é um valor da
sociedade de consumo231 que se traduz em vantagem empresarial deverá ser
explorado com exclusividade. Desta maneira, pode ser considerado um
monopólio de fato232 e, assim sendo, é objeto de interesse do Direito
Concorrencial recebendo a proteção deste233.
Isso explica o porquê do dever do franqueado guardar sigilo sobre
informações adquiridas durante a relação contratual ou no período das tratativas;
bem como, é dever do franqueado, ainda, não praticar atividade concorrente
àquela realizada pelo franqueador fazendo uso do know-how adquirido após a
extinção da relação contratual de franquia. Mesmo porque, o ilícito concorrencial
praticado contra o franqueador é, em seu fundamento último, praticado contra
toda a rede franqueada, incluídos aí todos os agentes econômicos vinculados à 229 ALMEIDA PORTUGAL, Heloisa Helena de. “A tutela jurídica da transferência de tecnologia”. In: FIORATI, Jete Jane e MAZUOLLI, Valério de Oliveira. Novas vertentes do direito do comércio
internacional. São Paulo: Editora Manole, 2003, p. 23 - 24. 230 BARBOSA, Denis B. Uma introdução à propriedade intelectual. Op. cit., p. 649. 231 Tal e como afirma Daniela Zaitz, o know-how é valor que no âmbito interno dos Estados se acomoda de modo harmônico com os demais valores da sociedade contemporânea, entre os quais: o da função social da propriedade, o da livre-iniciativa, bem como, o dos direitos do consumidor. 232 Não se fala aqui a respeito de monopólio de fato do ponto de vista as relações protegidas pelo Direito do Consumidor, mas sim, do ponto de vista da proteção à concorrência desleal entre empresários. Vale retomar o posicionamento do jurista francês Jean-Marie Leloup quando afirma que o sistema de rede, que caracteriza o instituto do franchising repousa sobre o princípio da boa-fé objetiva devendo as partes contratantes, agir com lealdade frente aos demais participantes da rede. 233 A Lei no 9.279/1996 – relativa aos direitos e obrigações de propriedade industrial – prevê em seu artigo 195, inciso XI a ocorrência de crime de concorrência desleal na apropriação ilegal de documentos contendo informações secretas “...utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços...” ou ainda, em conseqüência de culpa in contrahendo nas relações contratuais
84
rede. No que se refere ao know-how em particular, advoga-se aqui a existência
fática – quer do ponto de vista da operação do negócio, quer do ponto de vista de
sua possibilidade de geração de lucro – de vantagem empresarial advinda do
instituto citado para um e para todos aqueles que integram a rede de franquia234.
Ademais, a natureza jurídica do know-how, para acompanhar a corrente
inaugurada por A. Troller é a de um bem jurídico imaterial e, portanto, tutelável.
Verifica-se, então, que o know-how pode assumir a faceta de uma patente, no
caso de encerrar em si os requisitos necessários à patenteabilidade de
determinada invenção, ou tratar-se de tecnologia que não reúne os requisitos
necessários à obtenção de uma patente e será mantida em sigilo e, por que não
dizer, configurar um segredo de negócio, dependendo da situação que mais
beneficie o seu titular – tal qual é o caso das relações de franquia empresarial.
Contudo, nenhuma faceta que o know-how assuma impedirá ou afastará o
condão da vantagem empresarial que angariará ao negócio de seu titular.
Expressão alienígena, assim como o franchising, o know-how ingressou no
direito brasileiro por meio da Lei de Franquia (Lei no. 8.955/1994), em seu artigo
3º, inciso XIV, segundo o qual o franqueador deverá fornecer ao interessado em
tornar-se franqueado uma Circular de Oferta de Franquia dispondo, entre muitas
questões, a situação do franqueado após a expiração do contrato de franquia em
relação ao know-how ou segredo de negócio a que venha a ter acesso em função
da franquia.
A existência de referida previsão legal pressupõe que a relação de franquia
sempre dependerá de tecnologias, conhecimentos, informações, sigilosas ou não,
componentes essenciais do know-how do franqueador e inerentes ao modus
operandi do negócio franqueado, transmitido a todos os franqueados, ou seja, a
relação de franquia sempre será designada pela existência de know-how
transmissível ao franqueado.
234 Tanto assim, que a advogada Na Ri Lee Cerdeira afirma que: “Sendo assim, a efetividade da proteção do know-how de um sistema de franquia só poderá ser alcançada através da plena caracterização nos documentos da rede e, principalmente, ao caráter de confidencialidade contido nos instrumentos contratuais, já que, o conhecimento transferido, juntamente com as tecnologias utilizadas, constituem patrimônio imaterial de uma rede de franquias e, portanto, não são passíveis de proteção por patente.” In: MENEZES, Flávio L. S.et alli. O direito do franchising: as melhores práticas do mercado – cap. 5 “Know-how o segredo do sucesso.” (fascículos). São Paulo: ADC editora. 2004.
85
A doutrina dominante brasileira define o know-how como uma disposição
empresarial que consiste em capacitar-se para captar, absorver, processar e
aplicar empresarialmente a massa de conhecimentos técnicos livres ou
privilegiados, de direcionar as pesquisas tecnológicas para os fins empresariais,
de gerenciar as habilidades e experiências técnicas e de administrar o risco da
aplicação de novas técnicas.
O know-how origina-se da expressão to know how to do it, que significa
“saber como fazer” ou, simplesmente, “saber-fazer”. Nesse sentido, muitos podem
“saber-fazer” sem, necessariamente, agregar um diferencial ou vantagem ao seu
negócio. Neste estudo, defende-se que o know-how, necessariamente, propicia
vantagem para o empreendimento e para aqueles que dele participam235.
Em linhas gerais, o know-how pode então ser definido como um conjunto
de informações, normalmente desconhecidas no mercado ou de difícil obtenção,
que melhoram a competitividade de seu detentor face aos concorrentes que a
elas não tiverem acesso, expressas por meio de algum tipo de suporte material. É
assim o conjunto de informações acerca de um modelo de produção e gestão
específico de determinada atividade empresarial, que permite sua manutenção e
a fruição de vantagens face aos concorrentes.
Não se pode, no entanto, restringir o espectro do know-how ao
conhecimento próprio das estruturas técnicas de produção dos negócios, fato que
resultaria em um know-how meramente técnico.236 Especialmente no caso das
franquias, o know-how é mais que isso. O know-how é o elemento que irá garantir
o sucesso do negócio, a expectativa de retorno do capital investido pelo
franqueado, o bem incorpóreo que em conjunto com a identificação trazida pela
235 Fundamentalmente, na medida em que o estudo trata especificamente acerca do negócio franqueado, da rede de franquia e do estabelecimento franqueado, por conseqüência, nenhum desses sobrevive sem que seja lucrativo ou detenha vantagem em relação aos seus concorrentes. 236Também nesse sentido assevera Denis Borges Barbosa que “Freqüentemente tal noção é usada em sentido estrito – para alcançar somente o conhecimento de certos segmentos da estrutura técnica da produção (know-how técnico).”, Op. cit., p. 651. A partir de uma análise mais ampla, explicita João Marcelo de Lima Assafim, “Segundo a tese mais solidamente aceita, como portador da tecnologia o know-how somente pode ter como objetivo conhecimentos de caráter técnico-industrial. Sem menosprezar o valor competitivo que o denominado know-how comercial pode trazer para as empresas, parece mais certo que esta figura tenha surgido estritamente vinculada à tecnologia protegida por patentes, como uma espécie de complemento para seu melhor aproveitamento e rentabilidade.” In: ASSAFIM, J. Marcelo L. A transferência de tecnologia no
Brasil – aspectos contratuais e concorrenciais da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005. p.199.
86
marca se transforma no patrimônio de maior valor do franqueador, reafirmando
assim sua natureza jurídica de bem imaterial237.
III.C.2.b. O know-how e o franchising
A solidificação do conhecimento que se transforma em know-how do
negócio demanda tempo, na medida em que se faz necessário testar,
experimentar, acumular experiências adquirindo condições de garantir que aquilo
que está em desenvolvimento é algo especial, com certo grau de sigilo e capaz de
gerar um sobre-valor ou vantagem empresarial ao titular daquele know-how, face
aos concorrentes que a ele não tiveram acesso.
Trata-se exatamente do processo de “tentativa e erro” pelo qual passa o
empresário antes de se dar conta que o seu negócio é replicável. Ele examina,
prova, acumula experiências e adquire, ao longo do tempo, condições de garantir
que o que foi desenvolvido é capaz de atrair empresários dispostos a investir
naquele know-how, que aplicado em um negócio “formatado”, identificado por
uma marca forte, lhe garantirá o retorno financeiro e a longevidade do seu
negócio franqueado, ou seja, o sucesso.
A expressão “tentativa e erro” imprime de forma fiel o exato custo e valor
que tem o know-how desenvolvido pelo franqueador, já que torná-lo disponível a
terceiros implica um importante atalho para seu adquirente, na medida em que
não despenderá o tempo e o dinheiro já gasto pelo seu desenvolvedor. É o que
Magnin classifica como “conhecimentos da ordem empírica”238.
Com razão, Denis Borges Barbosa explica que:
Na franquia existe, normalmente, um repasse de know-how organizacional, de conhecimentos técnicos industriais, e de técnicas de promoção, mas necessariamente acoplado ao uso de marcas, expressões de propaganda, nomes comerciais, títulos de estabelecimento ou outros elementos distintivos (uniformes idênticos, pinturas idênticas das fachadas etc) ... o que se tem, na franquia, é o caso limite da cessão de aviamento, uma industrialização da própria operação artesanal, casual. As técnicas empresariais e produtivas, elas mesmas, se transformam em bens de troca em larga escala239.
237 ZAITZ, Daniela. Direito e Know-how. Op. Cit. p. 201 e ss. 238 BARBOSA, Denis Borges. Op. cit. p. 1066. 239 BARBOSA, Denis Borges. Ibidem. p. 1067.
87
De fato, o know-how é o modo pelo qual o franqueador garante ao
franqueado a vantagem empresarial e a operação do estabelecimento
empresarial franqueado, em face de empresas atuantes no mesmo segmento
mercadológico sem acesso àquele know-how, seja ele técnico, comercial ou de
gestão.
Mas é de suma importância frisar que know-how e tecnologia não são
sinônimos. O termo tecnologia representa um conjunto de conhecimentos,
experiências e competências técnicas necessárias para um fim prático e a sua
noção mais em voga relaciona-se a conhecimentos científicos que são aplicados
à produção ou aos serviços em geral, materializados sob a forma de produtos ou
de processos inovadores. Ora, o termo tecnologia compreende o conjunto de
conhecimentos, experiências e competências técnicas necessárias para um fim
prático, não necessariamente representando uma vantagem empresarial. Pode-se
dizer que tecnologia240 é gênero, do qual o know-how é categoria. Para esse fim,
importa ter em mente que o aspecto mais flagrante da produção tecnológica é a
da expansão do poder para toda a rede franqueada deflagrado na vantagem
empresarial que representa aos franqueados. O poder ora referido não é,
necessariamente, o poder de domínio, porém aquele atrelado ao fato de que o
indivíduo que consegue adquirir, gerar e aplicar melhor a tecnologia
consubstanciada no know-how pode arrebatar seus concorrentes e criar um novo
mercado ou abraçar parcelas de mercado em que já detém algum poder. Esse é o
papel do franqueador que difunde sua experiência com os franqueados partícipes
da rede de franquia.
Por tal razão, o contrato de franquia do negócio formatado pode ser visto
como um instrumento, par excellence, de disseminação ou transmissão do know-
how mantendo, por suas características, o resguardo do segredo de negócio. No
universo da franquia, é importante ressaltar que o know-how pode ser utilizado
como ferramenta, na medida em que o franqueador revela ao franqueado
informações sigilosas acerca do negócio franqueado, autorizando o acesso
temporário e restrito a informações confidenciais. Nesse caso, cláusulas ou
acordos de sigilo constituirão as ferramentas mais importantes para a proteção de
tais ativos, utilizados tanto em fases pré-negociais, como quando do recebimento
240 Por exemplo: patente, software, trade dress, entre outros.
88
da Circular de Oferta de Franquia, bem como durante a relação contratual e que,
na maioria das vezes, estabelecem obrigações que vigoram após a extinção do
contrato.
Na opinião de Denis Borges Barbosa, uma estratégia para a proteção do
know-how é o franqueador se valer da proteção conferida à marca e outros signos
da rede. Assim,
...a franquia, embora ocasionalmente resulte em transferência de dados sigilosos, o mais das vezes se vale dos direitos de propriedade industrial sobre signos (marcas, nomes, títulos, propaganda, trade dress) para assegurar a proteção de seu valor econômico241.
Vale enfatizar dois aspectos essenciais do know-how e de sua aplicação na
franquia: em primeiro lugar, o valor do know-how está atrelado, principalmente, a
sua inacessibilidade, sendo sua valoração enaltecida a partir da oportunidade
comercial que resulta do fato de ter-se ou não acesso ao mesmo. Em segundo
lugar, o know-how constitui um modelo de produção no qual, considerando-se o
cumprimento do contrato, se possibilita a sua transferência, que implicará a
reprodução de um padrão, obedecidos certos limites, de um sistema empresarial
específico detido pela empresa franqueadora e reproduzido, mediante
autorização, pela empresa franqueada.
Em suma, nos sistemas de franquia existe a transmissão de know-how de
cunho técnico, comercial e, por vezes, industrial 242 associado ao direito de uso
dos signos distintivos da rede (marca, expressão de propaganda, nome comercial,
trade dress, projeto arquitetônico, nome de domínio, patente, entre outros
abordados no item anterior); tudo para que o consumidor sinta igual sensação,
receba o mesmo atendimento e adquira os mesmos serviços e produtos que em
qualquer outro estabelecimento integrante da rede.
III.C.2.c. Transmissão de know-how no Business format franchising
As redes de franquia detêm um know-how exclusivo. Por maiores que
sejam as semelhanças guardadas com outras redes, o seu know-how é único,
pois resulta do aperfeiçoamento do estabelecimento originário do franqueador e 241 BARBOSA, Denis B. Op. cit. p. 1068. 242Em se tratando de know-how industrial pode-se falar em patente, caso o conhecimento em questão efetivamente contenha os requisitos legais necessários a sua patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
89
das suas experiências até chegar àquele modelo de negócio replicável. Mas
examinando uma série de sistemas de áreas diferentes, é possível identificar
etapas comuns no processo de transmissão desse know-how, que ocorre em
linhas resumidas em dois momentos: etapa inicial e durante a vigência do
contrato.
Num primeiro momento, cuja duração tem inicio a partir da assinatura do
pré-contrato, seguindo até a inauguração do estabelecimento franqueado, o
know-how e a assistência do franqueador terá como objetivo transformar o
candidato a franqueado, muitas vezes totalmente inexperiente, em um empresário
capacitado para administrar o estabelecimento; num segundo momento, ou seja,
após o início das operações da unidade franqueada até a extinção do contrato, o
franqueador deverá cuidar e fiscalizar para que o franqueado receba um suporte
contínuo para conduzir o seu negócio com sucesso243.
III.C.2.d. O know-how transmitido na fase inicial
A partir da assinatura do pré-contrato de franquia empresarial, o candidato
a franqueado passa a ter acesso ao know-how do franqueador e a uma série de
informações privilegiadas que, com o suporte prestado, convergirão para a
capacitação do candidato e de sua equipe.
O processo inicial de transmissão de know-how e assistência concentra-se
num primeiro momento nos preparativos da unidade franqueada, reunindo ali os
bens que irão compor o estabelecimento franqueado. Nesse período o
franqueador deverá, usando de seu conhecimento empresarial e tecnológico,
transmitir conhecimentos para o candidato administrar o negócio, orientá-lo na
escolha do ponto empresarial onde será instalado o estabelecimento franqueado,
fornecer o projeto arquitetônico para a construção ou reforma do imóvel, assisti-lo
para a aquisição de equipamentos e estoque, além de outras providências
indispensáveis para o início de funcionamento do estabelecimento franqueado.
O primeiro treinamento dado pelo franqueador ao franqueado e à sua
equipe de trabalho é chamado de treinamento inicial. Martin Mendelsohn identifica
dois aspectos desse treinamento: o administrativo e o operacional. O treinamento
243 MENDELSOHN, Martin. Op. cit. p. 121-122.
90
administrativo deverá abranger atividades de contabilidade, seleção e
gerenciamento de funcionários e procedimentos administrativos em geral;
enquanto o treinamento operacional focará os aspectos operacionais
propriamente ditos, de acordo com as características da franquia, com o objetivo
de capacitar o franqueado a colocar o seu negócio em funcionamento. Segundo o
mesmo autor, o treinamento inicial deve proporcionar ao franqueado a
...capacidade de identificar problemas no momento em que eles surgem. Assim, estará em condições de agir, sem precisar esperar que os assistentes de campo do franqueador lhe façam uma visita ou respondam a uma solicitação de auxílio, diagnosticando os problemas que causaram danos ao negócio244.
Os manuais de franquia são parte integrante desse treinamento e cumprem
a função de orientar a respeito dos sistemas operacionais e procedimentos a
serem observados pelo franqueado antes e durante a operação de seu negócio.
Os manuais são parte integrante do contrato de franchising e, como bem observa
Luiz Felizardo Barroso,
Os manuais servem, pois, para reforçar as obrigações contratualmente assumidas, complementando e detalhando essas mesmas obrigações, sem, contudo, perder a flexibilidade inerente à atividade empresarial245.
Geralmente são divididos em: Manual do Franqueador, contendo os
procedimentos padronizados do franqueador para a rede franqueada, e o Manual
de Operação da Franquia, contendo procedimentos padronizados e orientações
sobre as mais variadas situações encontradas no dia-a-dia do negócio, desde a
seleção de funcionários, informações sobre os produtos e serviços que serão
comercializados, procedimentos para atendimento e reclamações de
consumidores, procedimentos para troca de produtos, formas de pagamento, etc.
Apesar da pouca importância dada pelos franqueados, os manuais de
franquia representam, numa linguagem simples e direta, parcela significativa do
know-how do franqueador, pois “...um franqueador que não tem o que manualizar
(sic), em verdade, não tem nenhuma franquia a oferecer”246.
244 MENDELSOHN, Martin. Op. cit. p. 121-122. 245 BARROSO, Luiz Felizardo. Op. cit. p. 75. 246BARROSO, Luiz Felizardo. Ibidem. p. 75.
91
A escolha do local em que será instalado o estabelecimento empresarial do
franqueado também deve ser assistida pelo franqueador, que deve observar as
zonas (regiões) de atuação dos demais franqueados para evitar uma concorrência
perversa entre os integrantes de uma mesma rede. Os critérios para a escolha do
ponto abrangem a avaliação da qualidade, a adequação da sua localização ao
perfil da clientela da marca e o potencial de adaptação do imóvel ao projeto
arquitetônico dos estabelecimentos da rede, entre outros. A assistência prestada,
a rigor, não é garantia de sucesso do estabelecimento, não assumindo o
franqueador responsabilidade em tal sentido. Isto porque o franqueador ao
aprovar a escolha do ponto, que na maioria das vezes parte de uma iniciativa do
próprio franqueado, o faz baseado em sua experiência ou em estudos realizados
por empresas especializadas que não são, necessariamente, infalíveis.
O franqueador, ainda na etapa inicial, deve fornecer orientação e
assistência na escolha dos equipamentos mais adequados, isso quando já não
estiverem incluídos no pacote de franquia vendido ao franqueado247. É bastante
comum que franqueadores firmem parcerias com fabricantes ou distribuidores de
equipamentos utilizados na franquia para conquistar melhores condições e preços
aos franqueados, gerando benefícios e economias que não estariam ao alcance
deles fora da rede de franquia248.
Por fim, para a inauguração da unidade franqueada, o franqueador deverá
assistir o franqueado na compra do estoque inicial, o que abrange orientações
sobre disposição dos produtos no estabelecimento e técnicas de merchandising, e
zelar para que todos os preparativos necessários para a abertura do
estabelecimento sejam providenciados pelo franqueado.
III.C.2.e. O know-how transmitido durante a vigência do contrato
O segundo capítulo deste estudo esclarece que o contrato de franchising
possui caráter duradouro e que as obrigações e os deveres do franqueador não
se resumem à transmissão de know-how para o início da operação do negócio
franqueado. Apesar de exigir uma dedicação maior por parte do franqueador e de
sua equipe na etapa inicial da relação, o franqueador continuará vinculado a uma
247 MENDELSONH, Martin. Op. cit. p. 126 248 MENDELSHON, Martin. Ibidem. p. 134.
92
série de deveres perante o franqueado até a extinção do contrato. Com efeito,
após a inauguração do estabelecimento, o franqueador deve permanecer
oferecendo suporte permanente para a adequada operação do estabelecimento
franqueado e o apropriado uso do know-how pelo franqueado, além de ficar
responsável pela atualização constante do know-how a ser empregado na rede.
O monitoramento periódico do estabelecimento franqueado é um
instrumento indispensável para que o franqueador acompanhe o desenvolvimento
da sua operação, podendo inclusive identificar falhas na gestão e administração
do negócio. Esse monitoramento normalmente é realizado por meio de relatórios
preparados pelo franqueador, mas também através de consultorias de campo, ou
seja, a visita in loco de consultores do franqueador. A proposta é identificar
procedimentos inadequados ou incorretos por parte do franqueado e de sua
equipe e então orientá-los para correção dessas possíveis falhas. É muito comum
que franqueados temam expor os seus erros ou, ainda, que consultores de campo
restrinjam a sua consultoria em dar um simples aviso acerca da ocorrência da
falha sem prestar qualquer orientação para a regularização dela; ambas as
situações são equivocadas, pois impedem a correção das falhas, prejudicando o
potencial de ganhos do estabelecimento e a marca da rede de franquia.
Nas situações em que a consultoria de campo identificar falhas graves, o
franqueador deve repetir o treinamento do franqueado e de sua equipe, além de
promover periodicamente treinamentos de reciclagem ou, ainda, treinamentos
para novos serviços ou produtos, mudanças nos sistemas e equipamentos, enfim,
manter a rede atualizada e coesa. Nesse mesmo sentido, Luiz Felizardo Barroso
reforça:
O treinamento, que traz sucesso ao franqueado, começa com o seu recrutamento e seleção dentro do perfil traçado pelo franqueador; continua com o seu adestramento propriamente dito (e de seus funcionários, se for o caso), e se desenvolve mediante apoio e assistência contínua (reciclagem), pois o objetivo de todo o sistema de treinamento deve ser o de capacitar o franqueado a operar sua unidade em grau de excelência249.
Cumpre ao franqueador a busca contínua pelo aprimoramento do seu
know-how e sua tecnologia. É Martin Mendelsohn quem explica a importância da
introdução de novos métodos e idéias para aperfeiçoamento do negócio e, 249 BARROSO, Luiz Felizardo. Op. Cit. p. 168.
93
conseqüentemente, da rede como um todo. Assim, diz o autor, “o franqueador
deve ter meios de pesquisa e desenvolvimento em relação aos produtos, aos
serviços, ao sistema e à imagem de mercado projetada”250.
Finalmente, compõe o know-how do franqueador a estratégia de marketing
e de propaganda, o que justifica tal atribuição ao franqueador na maioria
esmagadora de redes, mesmo que os custos sejam arcados pelos franqueados
que a compõem. O marketing, no caso do franchising, é parte integrante o objeto
do know-how251, pois cabe ao franqueador transmitir aos franqueados os métodos
de promoção da empresa ou de atração dos produtos e serviços, inclusive, pela
metodologia de exposição dos produtos nas gôndolas do estabelecimento. E o
know-how não se restringe a esses elementos, variando de rede para rede. O
mais relevante é que o know-how, que deve ser constantemente modernizado
com as inovações introduzidas pelo mercado, seja adequado para conferir ao
franqueado as condições de operar o seu negócio com sucesso.
III.C.2.f. Outros bens de propriedade intelectual na franquia empresarial
Além da marca e do trade dress, há ainda diversos bens de propriedade
intelectual que podem compor o negócio franqueado. Tais bens serão abordados
a seguir, a exemplo das patentes de invenção ou de modelo de utilidade, os
desenhos industriais, o direito autoral, entre outros.
Em primeiro lugar deve-se abordar a questão das patentes. Todo o sistema
patentário tem por base a troca entre o criador da invenção e a sociedade: este
revela sua invenção e a sociedade reconhece o direito do criador à exclusividade
temporária sobre ela, que recai sobre a invenção de caráter industrial que atenda
aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
A patente de modelo de utilidade, por sua vez, abrange a invenção de
objetos de uso prático ou parte deles, suscetíveis de aplicação industrial, e que
apresentem nova forma ou disposição, resultando em melhora funcional no uso
ou na fabricação do objeto, excluídos os processos industriais e os produtos
químicos; assim como quaisquer criações que não possam ser definidas como
objeto. Enquanto por meio da patente de invenção se obtém um novo efeito
250 MENDELSOHN, Martin. Op. cit. p. 133. 251 FERNANDES, Marcelo C. P. Op. cit. p. 82.
94
técnico, a patente de modelo de utilidade possibilita nova configuração de objetos
conhecidos que resultam em melhor utilização, dotando-os de maior eficiência ou
comodidade, não revelando, necessariamente, uma nova função.
A Lei de Propriedade Industrial garante ao titular da patente de invenção
proteção pelo prazo de 20 anos e 15 anos para a patente de modelo de utilidade,
ambos contados da data do depósito das patentes e identificados por cartas-
patentes, documentos garantidores daquela titularidade.252
Note-se que não obstante possa ser objeto de franqueamento no caso de
franquias de indústria, a patente não é figura comum nos negócios franqueados.
No entanto, ainda que o negócio franqueado seja caracterizado pela existência de
uma patente, ainda é a marca o ícone identificador do negócio, na medida em que
a patente não detém poder de atração junto ao público consumidor.
Por outro lado, na economia globalizada, altamente competitiva, um
produto visualmente atraente e que crie processos de identificação social com o
público consumidor pode proporcionar ao seu titular maior e melhor demanda. Por
meio de designs criativos identificadores dos produtos, o negócio franqueado
poderá alcançar diferentes nichos e públicos, idades, regiões e culturas
distintas253.
A estratégia de proteger o design dos produtos por meio de registro é, sem
dúvida, inteligente e adequada; seja sob a perspectiva jurídica, seja sob a ótica
negocial. A característica própria do design demanda um mecanismo
extremamente ágil de proteção, em razão da alta rotatividade de produtos e
rapidez com que são desenvolvidos e escoados no mercado. Daí não figurar o
252 Artigo 40, da Lei de Propriedade Industrial: “Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo de 15 (quinze) anos contados da data de depósito.” 253 Nesse sentido, comenta Miguel Moura e Silva, da Universidade de Direito de Lisboa: “O significado da aparência estética dos produtos que adquirimos é evidente para todos enquanto consumidores. Em casos extremos a própria decisão de aquisição é motivada quase exclusivamente pelas características estéticas de um produto, sendo a sua funcionalidade desvalorizada em proporção inversa. A cultura contemporânea contribui também para o enaltecimento do design, que encontra um dos seus expoentes artísticos na escola Bauhaus. O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque exibe também algumas peças de design, que, há muito tempo, era apenas vulgares electrodomésticos ou outros bens de consumo corrente. A dinamização do comércio internacional que parece caracterizar os nossos dias serve igualmente para projectar a aparência estética como um instrumento significativo na concorrência internacional.” Miguel Moura Silva, “Desenhos e modelos industriais – um paradigma perdido?”. In: RIBEIRO ALMEIDA, Alberto Francisco et alli, Direito
Industrial – Volume I. Coimbra: Almedina, 2001. p. 432.
95
desenho industrial no campo das patentes, que demandam análise aprofundada e
demorada do INPI254. Como assevera Gama Cerqueira:
Os desenhos e modelos industriais constituem invenções de forma, destinadas a produzir efeito meramente visual, o que os distingue das invenções propriamente ditas, isto é, invenções industriais. São, no dizer de Ramella, invenções limitadas à novidade de forma de produtos industriais. Estas criações visam a dar aos produtos e artigos industriais um aspecto novo, que, além de distingui-los de outros semelhantes, os torne mais agradáveis á vista, já pela sua ornamentação, já pela forma que apresentam.255
O desenho industrial é criação bidimensional ou tridimensional composta
por linhas e cores que possam ser aplicadas a um produto ou a forma plástica
ornamental de um objeto. É o meio pelo qual comumente se protege a
embalagem dos produtos lançados no mercado. Não importa, assim, como o
objeto “funcione”, no sentido mecânico do termo. Ao contrário das patentes de
invenção e modelo de utilidade, o desenho industrial visa, principalmente,
proporcionar prazer estético aos usuários ou ainda, a identificação visual do
produto, excluídas as obras de arte únicas, não reproduzidas em escala industrial.
O registro do desenho industrial vigorará pelo prazo de 10 anos a contar da
data do pedido de registro perante o INPI, prorrogável por três períodos
sucessivos de cinco anos cada. Observe-se que depois de prorrogado por três
períodos sucessivos, o desenho industrial cai em domínio público, ou seja, pode
ser reproduzido e explorado por qualquer pessoa256. Deter direitos autorais de
desenho industrial de um formato ou estilo de produto poderá possibilitar
oportunidades infinitas ao negócio franqueado, implicando em maior
competitividade no nicho em que atua a rede.
O direito à propriedade intelectual é composto por bens regulados pela Lei
de Propriedade Industrial, bem como pelo direito autoral, resguardado pela Lei de
Direito Autoral (Lei nº 9.610/98). A lei fala em proteção às obras intelectuais e
determina que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito,
254 Artigo 95, da Lei de Propriedade Industrial: “Art. 95. Considera-se desenho industrial a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.” 255 GAMA CERQUEIRA, J. Tratado de propriedade industrial. Op. cit., p. 658. 256Artigo 108, da Lei de Propriedade Industrial: “Art. 108. O registro vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data do depósito, prorrogável por 3 (três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos cada.”
96
expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte tangível ou
intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.
Em termos mais práticos, a legislação de proteção ao direito autoral
abrange e regula trabalhos literários (livros, poemas e contos), musicais,
coreógrafos, artísticos (pintura, escultura, desenho), fotográficos, audiovisuais
(filmes, desenhos animados, peças de teatro, programas de televisão), além de
mapas e desenhos técnicos, entre outros. O direito de autor só poderá regular a
relação do homem e sua obra, se esta se materializar de alguma forma. Portanto
a criação literária e artística está intimamente ligada a sua forma objetiva, embora
não se confunda com ela.
Geralmente os direitos protegidos são os de copiar ou reproduzir um
trabalho; de distribuir, alugar ou vender cópias ao público; de gravar trabalhos
musicais e audiovisuais e de apresentá-los em público. Por outro lado, o direito
autoral exclui das abas de sua proteção o conteúdo das obras científicas, como
também as idéias, métodos, decisões judiciais, leis, aproveitamento industrial ou
comercial das idéias contidas nas obras, entre outros.
Os programas de computador também são protegidos pelo direito de autor,
porém regulado por lei própria, a Lei de Programas de Computador (Lei 9.609/98),
sendo que os bancos de dados também são protegidos da mesma forma. O INPI
possibilita que o software257 seja registrado, por meio de método relativamente
trabalhoso e sem muita efetividade, vez que pressupõe a exposição do código
fonte. As informações ora transcritas são de suma importância na medida em que
é o software ferramenta de sem a qual a franquia hoje não subsiste, seja no
tocante ao gerenciamento da rede, controle de estoque, controle de caixa,
cadastro de clientes, acesso a manuais, por vezes, somente disponíveis no meio
eletrônico.
Questão de suma relevância é o conflito travado entre marcas e nomes de
domínio. Os nomes de domínio são endereços na Internet criados para localizar
257 Esclarece Denis Borges Barbosa “A expressão Software ou, em francês, logiciel, se aplica seja ao programa de computador propriamente dito, seja à descrição do programa, seja à documentação acessória, seja a vários destes elementos juntos. No dizer do Art. 43 da Lei de Informática (nº 7.232 de 29 de outubro de 1984), software seria a soma do programa de computador e de sua documentação técnica associada.” BARBOSA, Denis B. Uma introdução á propriedade intelectual.” Op. cit., p. 355.
97
os respectivos sítios na web em que são comercializados produtos, prestados
serviços, para consulta de informações, entre outras funções.
Ao longo do tempo, os nomes de domínio passaram a constituir
verdadeiros signos identificadores de empresas no ambiente digital, fato que
permitiu, dada a altíssima penetração da internet na vida moderna, que os nomes
de domínio viessem colidir, com freqüência, com as marcas, sob diversos
aspectos. Isso porque as marcas necessitam respeitar algumas diretrizes para
sua validade e eficácia, tais como o registro junto ao órgão marcário enquanto
requisito de validade e os princípios da territorialidade e da especialidade,
segundo os quais, respectivamente, a marca somente é válida no país em que foi
registrada e de proteção limitada, ou seja, para identificar determinados produtos
ou serviços a partir da divisão de determinada pelas classes.
Ao nome de domínio não se aplicam os princípios da territorialidade e da
especialidade, na medida em que a internet não respeita fronteiras geográficas e
o nome de domínio tem por objetivo identificar o negócio no ambiente digital, de
um modo geral, sem obedecer a regras quanto à identificação do produto ou
serviço, tal qual legalmente disposto para as marcas. Em outras palavras, a
combinação de letras e números pode se dar de qualquer maneira para formar
um nome de domínio.
A única regra aplicável aos nomes de domínio, impeditivas deste ou
daquele registro, é a identidade entre nomes de domínio, ou seja, não podem
conviver dois nomes de domínio idênticos258. Contudo, a semelhança afastada no
universo das marcas é permitida neste universo dos nomes de domínio, no qual
basta a substituição de uma letra ou número para a viabilização do registro.
Portanto, além de uma proteção de marca extensiva e abrangente, levando
em conta, inclusive, classes de produtos e serviços que possam vir a ser objeto
de novos negócios das empresas, é fundamental efetuar o registro de nomes de
domínio que guardem relação com o negócio franqueado e que sejam compostos
pela expressão protegida pela marca, a fim de estender a proteção conferida à
expressão protegida pela marca também ao nome de domínio.
258 Neste caso, considera-se idêntico o nome de domínio composto pelas mesmas letras e números e mesmo DNS (Domain Name Service).
98
A ausência de proteção adequada no que respeita às marcas permitirá que
concorrentes ou terceiros de má-fé locupletem-se ilicitamente do sucesso da
marca no ambiente digital, como nome de domínio, restando ao titular da marca
usurpada valer-se das disposições legais de repressão à concorrência desleal
para o combate a essas práticas.
Deste modo, verifica-se a fundamental conexão da marca com diversos
bens incorpóreos, muitas vezes servidos de sistemas de proteção legal
completamente distintos daquele que lei provê para as marcas, no Brasil ou
mesmo em outros países. Fato que não impede que a marca se fixe não só como
o signo distintivo de todo o negócio franqueado, mas que por trás deste ícone
também se forme verdadeiro império de conhecimentos aplicados, necessários ao
funcionamento estruturado do negócio, e seu conseqüente sucesso.
O consumidor será atingido de modo mais rápido e eficaz pela marca, sem
se dar conta, de imediato, que vários são os fatores outrora denominados bens
incorpóreos que colaboraram para sua “fidelização” àquela marca e ao negócio
identificado por ela, uma vez que, tal circunstância advém de sua inserção no
sistema mundial.
III.C.3. A boa-fé no Franchising
Em que pese estar arraigado no que se entende por “condições gerais dos
contratos”, o princípio da boa-fé tem sido recepcionado pelo Direito com maior ou
menor rigor, de acordo com a cultura e a época em que se encontra inserido.
Inicialmente pertencente ao vulgo, a expressão em destaque foi adotada pelo
Direito Romano ainda em seus inícios e tem sua trajetória até hoje vinculada ao
repertório jurídico.
As relações jurídicas, sem exceção, impõem aos seus participantes um
dever de padrão de conduta orientado pela boa-fé. Etimologicamente, a
expressão, “boa-fé”, pode ser entendida como um princípio de lealdade,
fidelidade, de conformidade às suas origens latinas. Cláudia Lima Marques, em
seus estudos a respeito da boa-fé, resgata a lição de doutrinadores europeus e
conjetura:
99
... fides significa o hábito de firmeza e coerência de quem sabe honrar os compromissos assumidos; significa, mais além do compromisso expresso, a “fidelidade” e coerência no cumprimento da expectativa alheia, independentemente da palavra que haja sido dada, ou do acordo que tenha sido concluído; representando, sob este aspecto, a atitude de lealdade, de fidelidade, de cuidado que se costuma observar e que é legitimamente esperada nas relações entre homens honrados, no respeitoso cumprimento das expectativas reciprocamente confiadas. É o compromisso expresso ou implícito de “fidelidade” e “cooperação” nas relações contratuais, é uma visão mais ampla, menos textual do vínculo, é a concepção leal do vínculo, das expectativas que desperta (confiança).259
Neste sentido, e avançando a passos largos na história, pode-se resgatar
as idéias relativas à boa-fé contidas no Código Civil francês, surgido em 1804
poucas décadas após a dissolução do ancien regime, que versava o quanto
segue, in verbis: “as convenções devem ser contratadas e executadas de boa-
fé”260. O Code Napoleon de 1840 manteve a proposta de seu ancestral e
estabeleceu em seu art. 1.134 o seguinte:
Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont faites. Elles ne peuvent être révoquées que de leur consentement mutuel, ou pour les causes que la loi autorise. Elles doivent être exécutées de bonne foi.261
Recorde-se, no entanto, que o período de instauração da chamada
sociedade burguesa corresponde ao momento de deflagração das idéias de Kant
na Prússia e, especialmente, Rousseau, na França. Daí que a alínea 3ª do art.
1.134 do período napoleônico praticamente tenha caído em desuso nas décadas
seguintes, sendo negligenciada pela larga maioria dos doutrinadores. Ora, há
muito se sabe que o aporte.teórico lançado por Rousseau em sua obra capital O
contrato social deu azo, à época, para a transformação da política em contrato e a
politização do contrato em torno do princípio da autonomia da vontade262. Com
efeito, naquele momento enxergava-se no instituto da boa-fé um instrumento
conferido ao juiz para modificar aquilo que era desejado pelas partes, o que seria
259 MARQUES, Claudia L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 1999. p. 104. 260 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Editora Método, 2ª ed. p. 66. 261 Art. 1.134: As convenções legalmente formadas têm o valor de leis para aqueles que a fizeram. As convenções legalmente formadas têm força de lei perante aqueles que a celebram... Elas devem ser executadas de boa-fé. (Tradução livre do autor.) 262 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. São Paulo: ebooksbrasil.com. 2002. p. 62. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/contrato.pdf. Acesso em 30/5/2006.
100
inconcebível para uma geração na qual predominavam as propostas do pacta
sunt servanda.
Luiz Guilherme Loureiro enfatiza o dogma da autonomia da vontade e de
tudo que este representa, pois
...ocorre uma liberação não somente da forma, mas principalmente de fundo: a vontade é a expressão da liberdade humana. Ninguém pode se obrigar, a não ser por sua livre e espontânea vontade. É o reino do individualismo categórico: o direito não pode compelir ou impedir ninguém de contratar; a pessoa pode contratar com quem ela quiser e sobre o que ela pretender... os fundamentos filosóficos do contrato eram sustentados pelo liberalismo econômico e respondiam adequadamente às exigências do mercado existente no início do século XIX. Com efeito, a doutrina do laissez faire laissez passer permitia ao individualismo absorver a justiça e a solidariedade social. Conseqüentemente, um contrato livremente firmado era considerado justo e o Estado não podia intervir na relação privada formada pelas partes... 263
Ao se voltar os olhos para a história mais recente verifica-se que o século
XX, contudo, pareceu estar marcado pela revisão desses conceitos, dado que ali
sobreveio um declínio das doutrinas que defendiam o absolutismo do princípio da
autonomia da vontade e da economia liberal. Para Luiz Guilherme Loureiro, os
conflitos ganham força com a revelação da face oculta desses postulados, a
saber:
...o absolutismo do princípio da autonomia da vontade e da doutrina econômica liberal foi objeto de críticas durante o século XX. Combatidos pela doutrina e pela jurisprudência, os postulados teóricos revelaram sua face oculta: a liberdade e a igualdade ideais do modelo humano abstrato que os fundamentavam ocultavam a dependência e a desigualdade material dos indivíduos e dos grupos sociais. Os desequilíbrios contratuais decorriam do excesso de individualismo e do voluntarismo. Perdendo seu estatuto de valor em si, a vontade deveria de agora em diante servir a justiça e a utilidade social sob o olhar vigilante do direito objetivo. A noção de ordem pública, limite tradicional da liberdade contratual, foi aprofundada. À ordem pública de direção – código moral e social de interesse geral – se acrescentou a ordem pública de proteção – leis de equilíbrio dos interesses particulares em luta contra as injustiças sistêmicas264.
Nesse processo de socialização do Direito ocorrido ao longo do século XX,
na qual “valores como a equidade, a boa-fé e a segurança nas relações jurídicas
tomam lugar ao lado da autonomia de vontade na nova teoria contratual”265, o
princípio da boa-fé passa a despertar maior interesse da doutrina, particularmente
263 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 42. 264 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Ibidem. p. 43. 265 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de defesa do consumidor. Op. cit. p. 176 e ss.
101
a partir dos anos sessenta266, ao se perceber nele um instrumento para se
alcançar o equilíbrio numa relação, protegendo a parte mais frágil. Em resposta à
evolução doutrinária desenvolvida nesse período, a boa-fé passou a integrar o
sistema jurídico de diversos países267, com destaque ao Código Civil de Québec
de 1994, cujo artigo 1.372 estabelece que ”a boa-fé deve governar a conduta das
partes, tanto no momento do nascimento da obrigação quanto no de sua
execução ou de sua extinção”.
No Brasil, sob forte influência do BGB268, a boa-fé foi introduzida de modo
expresso no Código Civil de 2002, conforme dispõe o artigo 422, segundo o qual
“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como
em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. A positivação da boa-fé
no novo sistema jurídico de Direito Privado brasileiro é um indicativo da sua
relevância dentro do ordenamento legal brasileiro, dando-lhe status de cláusula
geral, ou seja, em nível hierarquicamente superior aos princípios gerais do Direito,
categoria em que a boa-fé enquadrava-se até então.
A jurista Judith Martins-Costa adverte que há quem entenda inexistir
distinção entre cláusulas gerais269 e princípios, citando o Ministro Ruy Rosado de
Aguiar Jr.270 entre aqueles que compartilham este posicionamento. Para
Christoph Fabian, a boa-fé, antes mesmo de sua positivação no ordenamento
jurídico, já era interpretada como cláusula geral271, de forma mais contundente
pela jurisprudência gaúcha mediante um engenhoso artifício criado que dava
caráter e função de cláusula geral ao princípio que resultaria do conjunto de
disposições do Código Civil de Clóvis Beviláqua (1916) em matéria
266 O crescimento dos estudos sobre a boa-fé nos anos sessenta é justificado, segundo a opinião de LOUREIRO, Luiz Guilherme. “desenvolvimento do comércio internacional e as discussões em torno da lex
mercatoria, cujo núcleo central é a boa-fé”. In: Luiz Guilherme Loureiro. Op. cit. p. 68. 267 Pode-se citar ainda: “o Código Civil holandês, vigente desde 1 de janeiro de 1993, que contém a mesma afirmativa no seu art. 6.2 al. 1, embora use a terminologia ‘razão e equidade’. Também os `Princípios Relativos aos Contratos do Comércio Internacional’, elaborados em Roma pelo UNIDROIT, estipulam no seu art. 17 que as partes devem se conformar às exigências da boa-fé no comércio internacional”. In LOUREIRO, L. Guilherme. Ibidem. p. 63. 268 O § 242 do BGB, que entrou em vigor em 1900, estabelece que “O devedor está adstrito a realizar a prestação tal como a exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego” (tradução do autor). 269 A denominação ‘cláusulas gerais’ é assimilável à expressão italiana ‘clausole generali’, que teria se originado do alemão Generalklausen. Ainda, Cláudio Luzzati cita dentre outras expressões as seguintes: concetti elastici (Balossini), concetti valvola (Ventilbegriffe) (atribuído a Wurzel e a Lombardi Vallauri), organi respiratori (Polacco), concetti biancosegno (Perelman e Vander Elst) e fattispecie aperte (offene
Tatbestande) (Wenzel). Apud Alberto Gosson Jorge Junior, p.22. 270 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 315. 271 FABIAN, Christoph. O dever de informar no Direito Civil. São Paulo: Ed. RT. 2002. p. 48.
102
obrigacional272. De qualquer maneira, não é possível afirmar que este venha a ser
o entendimento predominante da doutrina:
As cláusulas gerais são normas jurídicas, originadas de um processo legislativo constitucionalmente previsto, que as posiciona na categoria formal de leis. São normas jurídicas dotadas de uma função peculiar, diferenciada das demais normas, por carregarem uma amplitude semântica ou valorativa maior do que a generalidade das disposições normativas273.
Ademais, a autora em referência destaca as cláusulas gerais em
comparação a outras normas, formadas através da técnica da casuística, pois,
explica,
... a cláusula geral introduz no âmbito normativo no qual se insere um critério ulterior de relevância jurídica, à vista do qual o juiz seleciona certos fatos ou comportamentos para confrontá-los com um determinado parâmetro e buscar, neste confronto, certas conseqüências jurídicas que não estão pré-determinadas. Daí uma distinção fundamental: as normas cujo grau de vagueza é mínimo implicam que ao juiz seja dado tão-somente o poder de estabelecer o significado do enunciado normativo; já no que respeita às normas formuladas através de cláusula geral, compete ao juiz um poder extraordinariamente mais amplo, pois não estará tão-somente estabelecendo o significado do enunciado normativo, mas, por igual, criando direito, ao completar a fattispecie e ao determinar ou graduar as conseqüências274.
De igual percepção é o raciocínio de António Manuel da Rocha e Menezes
Cordeiro, que chamam a atenção para a prática judicial da boa-fé:
A existência de uma regra de conduta segundo a boa-fé e sua evolução permitem colocar o problema do controle do conteúdo dos contratos a efetuar pelo juiz. Tal problema enuncia-se com o saber se, e até que ponto pode o Tribunal, quando solicitado, examinar as cláusulas contratuais, e corrigir, suprimindo ou modificando, os aspectos que sejam considerados injustos275.
Na mesma direção vai o pensamento de Alberto Gosson Jorge Junior que
ressalta o modo de funcionamento das cláusulas gerais:
As cláusulas gerais funcionariam como elementos de conexão entre as regras presentes no interior do sistema jurídico e, para alguns autores, caracterizar-se-iam por uma função bem mais ampla, qual seja, a de propiciar o ingresso de valores situados fora do sistema jurídico e que
272 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 382. 273 JORGE JR., Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo código civil. São Paulo: Ed. Saraiva. 2004. p.22 274 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p 330. 275 ROCHA, António Manuel da & CORDEIRO, Menezes. Da boa-fé no direito civil. Op. Cit. p. 651-652.
103
podem, através das cláusulas gerais, vir a ser nele introduzidos pela atividade jurisdicional276.
Já os princípios exercem função subsidiária às leis277, enquadrando-se no
direito consuetudinário, que segundo Karl Larenz, abrange os institutos não
normatizados, mas praticados e aceitos pela comunidade jurídica278. Para este
mesmo autor,
Os princípios jurídicos não são senão pautas gerais de valoração ou preferências valorativas em relação à idéia do Direito, que todavia não chegaram a condensar-se em regras jurídicas imediatamente aplicáveis, mas que permitem apresentar ‘fundamentos justificativos’ delas279.
A aplicação complementar dos princípios à lei, no ordenamento jurídico
brasileiro, é reconhecida no art. 4º da LICC, tal como se vê: “Quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito”. Assim, na aplicação da boa-fé é o julgador que,
aplicando a norma, pesará os detalhes do caso concreto e determinará quais dos
valores em jogo deverão prevalecer, viabilizando soluções as mais justas, de
acordo às circunstâncias do caso específico. E isto é a concreção da
transmutação de princípios outrora considerados metajurídicos, pertencentes ao
campo das idéias, em deveres objetivos, a serem aplicados nas relações
jurídicas, criando uma série de deveres às partes que participam dessa relação.
Tanto assim, que a boa-fé apresenta-se sob duas formas de compreensão:
uma subjetiva e outra objetiva280. Enquanto a boa-fé subjetiva diz respeito a
dados internos referentes ao sujeito; a boa-fé objetiva se refere às normas de
conduta que determinam como o sujeito deve agir281, sendo esta última a
incorporada no Código Civil.
276 JORGE JR., Alberto Gosson. Op. cit. p.23 277 Ibidem. p.23. 278 FABIAN, Christoph. Op. cit. p. 47. 279 JORGE JR., Alberto Gosson. Op. cit. p.36. 280 RUBIO, Delia Matilde Ferreira. Op. cit. p. 90, citando a Giampiccolo, dispõe que o referido autor italiano encontra no significado do termo fides a base para a distinção entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva: “en el uso moderno – afirma – la expresión ‘buena fe’ se presta a dos diversas acepciones; mientras en el lenguaje culto... denota honestidad, probidad y lealtad de comportamiento en el lenguaje común... designa la particular condición de espíritu de quien (erróneamente) está convencido de actuar rectamente”. 281 Em língua alemã as duas formas de boa-fé são designadas com expressões diferentes: a boa-fé subjetiva corresponde a expressão guter Glaube ou guter Glauben (boa crença) a boa-fé objetiva, por sua vez, é designada pela expressão Treu und Glauben (lealdade e crença).
104
Para a doutrinadora Judith Martins-Costa, a boa-fé objetiva é um
...modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com lealdade, honestidade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo282.
De acordo com a definição de Christoph Fabian,
a boa-fé demanda que os contratantes devem ter um comportamento fundado na lealdade. Cada um deve respeitar os interesses do outro, reconhecidos como valores. Pela boa-fé, a obrigação é entendida como uma ordem de cooperação. Credor e devedor não são apenas contraentes, mas colaboradores na consecução do objetivo comum, ou seja, do adimplemento283.
Assim, prossegue o mesmo autor, há uma tripartição da boa-fé nas
seguintes funções:
a) a de completar uma obrigação mediante a criação de deveres anexos
para completar ou concretizar os deveres primários de uma relação obrigacional.
b) a de controlar ou limitar direitos subjetivos, como é o caso do abuso de
direito.
c) a de corrigir uma obrigação insuportável, aplicada principalmente às
teorias da quebra da base do negócio, da cláusula rebus sic stantibus (teoria da
imprevisão)284.
Judith Martins Costa também discorre sobre as funções da boa-fé objetiva,
destacando três distintas funções: a de cânone hermenêutico-integrativo do
contrato, a de norma de criação de deveres jurídicos e a de norma de limitação ao
exercício de direitos subjetivos285.
E é principalmente nessa função de criação de deveres jurídicos é que a
boa-fé exerce um papel singular no Business format franchising. Se para as
relações contratuais de um modo geral as obrigações advindas da boa-fé são
282 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. Op. cit. p. 411. 283 FABIAN, Christoph. Op. cit. p. 61. 284 FABIAN, Christoph. Op. cit. p. 61 – 62. 285 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit. p. 427 e ss.
105
consideradas como deveres secundários, nas relações de franquia exercem papel
preponderante. Segundo a doutrina, é possível distinguir dois grupos de deveres
anexos: os deveres de prestação e os deveres de proteção. Os primeiros são
explicados por Christoph Fabian como o dever assumido por uma parte de
respeitar os interesses da outra.
... o contratante deve ajudar a outra parte contratual na realização da prestação. Ele deve evitar tudo o que poderia impedir ou dificultar a realização do contrato. Estes deveres denominam-se deveres (anexos) de prestação. Eles preparam e asseguram a realização da prestação e o proveito posterior286.
Já os segundos (deveres de proteção), dizem respeito à proteção de si
mesmo e de seus bens contra quaisquer prejuízos evitáveis durante o processo
da prestação287. São deveres que independem da vontade das partes de uma
relação e surgem desde o primeiro contato realizado, na seara dos deveres pré-
contratuais.
Na franquia, existem os exemplos de deveres de prestação e de deveres
de proteção, o que torna o estudo do instituto da boa-fé aplicada ao sistema de
franchising ainda mais relevante. Como exemplos de tais deveres, pode-se citar,
de um lado, o do franqueador de repassar ao franqueado os novos métodos
desenvolvidos para melhorar o desempenho da atividade franqueada. De outro, o
dever do franqueado de guardar sigilo sobre atos ou fatos a respeito dos quais
teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares; e
ainda, o seu dever de não praticar atividade concorrente à do franqueador
utilizando o know-how dele adquirido após a extinção do contrato.
A propósito, vem-se discutindo a aplicação da boa-fé nas etapas pré-
contratual e pós-contratual em razão da omissão do legislador, que menciona a
aplicação dessa cláusula nos momentos de celebração e execução do contrato.
Entretanto, se antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 a doutrina e a
jurisprudência já aplicavam a boa-fé em tais situações, a tendência é que ela
continue sendo aplicada nas etapas mencionadas, mesmo porque são deveres
intrínsecos à conduta das partes em qualquer relação jurídica. E não poderia ser
diferente, pois boa parte do valor econômico do franchising deriva do sigilo do 286 FABIAN, Christoph. Ibidem. p. 64. 287 FABIAN, Christoph. Ibidem.. p. 64.
106
know-how e, portanto, devem ser assegurados instrumentos de proteção a esse
bem do franqueador.
Com efeito, a relação entre o franqueador e o franqueado demanda uma
colaboração e respeito mútuo entre as partes durante todas as etapas
(preliminares ao contrato, durante a execução do contrato e após o término do
contrato), que são caracterizadores do negócio. Assim, os deveres ou padrões de
conduta esperados destinam-se a preservar o bom andamento e conclusão do
contrato tal como exige a boa-fé. A boa-fé, a seu turno, impõe às partes,
independentemente de sua previsão contratual, porque emana da lei, um dever
intrínseco de informação ou esclarecimento288, assim como de colaboração e de
cooperação a serem perseguidos pelas partes.
III.C.3.a. A formação de rede
Derivado do latim rete, o termo rede significa, em sua acepção primeira,
entrelaçamento de fios com aberturas regulares que resultam numa espécie de
tecido. São concordes com tal origem etimológica do termo o filólogo português
Silva Bastos289, como o espanhol Guido Gómez de Silva290, estudioso
contemporâneo de gramática histórica das línguas neo-latinas. A partir de tal
noção de entrelaçamento a palavra rede foi ganhando novos significados no
decurso do tempo, passando a ser empregada em diferentes situações, sendo
possível remontar, ao menos em parte, seu percurso histórico.
A idéia de rede como sistema organizacional, no campo histórico-social,
existe há bastante tempo. Há pelo menos dois exemplos de articulação social
solidária ou organização do corpo social em rede, historicamente inquestionáveis:
o primeiro deles, data da época Medieval, momento em que a estrutura feudal
dividia a sociedade em três ordens ou estamentos absolutamente hierarquizados.
Diante de tal circunstância, o povo – homem comum, se organizava em "laços de
solidariedade horizontal"291. O segundo exemplo é temporal e historicamente
288 CORDEIRO, A. M. Da boa fé no Direito Civil. Coimbra: Livraria Almedina, 1984. p. 605 dispõe que tais deveres “...obrigam as partes a, na vigência do contrato que as une, informarem-se mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele, tenham certa relação e, ainda, de todos os efeitos que, da execução contratual, possam advir.” 289 SILVA BASTOS, J. T. da Diccionário Etimológico, prosódico e orthográphico da língua portugueza. Lisboa, Parceria Antonio Maria Pereira livraria e editora, 1928. p. 1165. 290 DE SILVA, Guido G. Breve diccionario etimológico de la lengua española. Cd. México: Fondo de cultura econômica, 2001. p. 591. 291 HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. Lisboa/Rio de Janeiro, Editora Ulisseia, 1958. p. 51-52.
107
muito mais próximo e parece estar vinculado ao sentido atual que se atribui a
idéia de rede, pois se refere ao modelo de articulação do povo judaico do mundo
todo para salvar os companheiros condenados aos campos de concentração na
Europa, durante o chamado Terceiro Reich. Trata-se, com efeito, de um exemplo
de iniciativa em rede que salvou milhares de pessoas do propósito genocida do
regime nazi-fascista.
O conceito de rede como um sistema de laços realimentados, contudo, é
oriundo da Biologia. Quando os ecologistas das décadas de 1920 e 1930
estudavam as teias alimentares e os ciclos da vida, propuseram que a rede seria
o único padrão de organização comum a todos os sistemas vivos. De fato, o tema
das redes não é novidade no campo acadêmico, a Biologia e a Física têm
apresentado discussões sobre o tema desde o século XIX, com o surgimento do
pensamento de Charles Darwin. Neste campo, as definições de rede falam de
células, nós, conexões orgânicas, sistemas. Uma comunidade ou rede, conforme
se tenciona desenhar, é uma estrutura social estabelecida de forma orgânica, ou
seja, se constitui a partir de dinâmicas coletivas e historicamente únicas. Sua
própria história e cultura definem uma identidade comunitária292. Esse
reconhecimento deve ser coletivo e será fundamental para o sentimento de
pertencimento dos seus agentes e desenvolvimento comunitário.
Estruturas flexíveis, as redes se estabelecem por meio de relações
horizontais, interconexas e por dinâmicas que supõem o trabalho participativo e
de colaboração entre seus co-partícipes. As redes se sustentam pela vontade e
afinidade de seus integrantes, caracterizando-se como um significativo recurso
organizacional, tanto para as relações pessoais quanto para a estruturação social,
desenvolvimento econômico ou estabelecimento institucional. A convivência entre
os integrantes de uma rede, inclusive o estabelecimento de laços de afinidade,
será definida a partir de pactos sociais ou padrões de relacionamento.
Essa analogia conceitual se desdobra em algumas considerações que
merecem pontuações. Uma atuação em rede supõe a existência de valores e a
declaração de propósitos coletivos. Há alguns parâmetros que orientam a
interação e devem ser considerados por quem queira trabalhar em colaboração;
292 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. Ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix. 2002. p. 73.
108
uma espécie de código de conduta, no qual se pode entrever a presença ou
necessidade do uso da boa-fé, nas esferas da atuação em rede.
Sem intencionalidade uma rede não consegue ser um sistema vivo, mas
apenas um amontoado de possibilidades (intencionalidade aqui não possui um
sentido teleológico, muito pelo contrário, significa a declaração de intenções de
rede). A comunicação e a interatividade se desenvolvem a partir dos pactos e
padrões estabelecidos na e para a comunidade. Uma rede é uma comunidade e,
como tal, pressupõe identidades e padrões a serem acordados pelo coletivo
responsável. É a própria rede que vai gerar os padrões a partir dos quais os
envolvidos deverão conviver. É a história da comunidade e seus contratos sociais.
A participação dos integrantes de uma rede é o que a faz funcionar. Uma
rede só existe quando em movimento. Sem a participação de todos os fios do
tecido, ela deixa de existir. Ninguém é obrigado a entrar ou permanecer numa
rede. O alicerce da rede é a vontade de seus integrantes e o que une seus
diferentes membros é o conjunto de valores e objetivos comuns estabelecidos,
interconectando ações e projetos. A colaboração entre os integrantes deve ser
uma premissa e será, necessariamente, colaborativa. Tanto assim que é possível
afirmar que uma rede é uma costura dinâmica de muitos pontos. Só quando estão
ligados uns aos outros e interagindo é que indivíduos e organizações cultivam
uma rede.
Numa rede a informação circula livremente, emitida a partir de pontos
diversos, sendo encaminhada de maneira não linear a uma infinidade de outros
pontos, que também são emissores e receptores de informação. O importante
nesses fluxos é a realimentação do sistema: retorno, feedback, consideração e
legitimidade das fontes são essenciais para a participação dos colaboradores da
rede e até mesmo para avaliação de resultados.
As redes só existem quando suas células estão interagindo
exponencialmente, em dinâmicas e lógicas não lineares. É o movimento
entrecruzado e plural dos pontos que constitui e legitima a rede em sua totalidade
integradora e no âmbito de suas células. Daí que os estudos realizados na Escola
de Praga tenham se fundamentado sobre uma concepção de língua como um
109
sistema cuja finalidade primordial é a comunicação293. É também o texto uma
rede que obedece a uma lógica orgânica e metonímica: a um só tempo o todo e
as partes.
O conceito de rede vem transformando-se, principalmente nas últimas
décadas, em uma alternativa prática de organização – particularmente
empresarial, possibilitando processos capazes de responder às demandas de
flexibilidade, conexão e articulação social e econômica caracterizadoras do
contexto globalizado.
A primeira referência expressa à idéia de rede, em âmbito legislativo, é
encontrada na Lei Doubin, de 31 de dezembro de 1989, que assim rezava:
O distribuidor está unido ao seu fornecedor através de acordos bilaterais concluídos no interesse comum de ambas as partes, enquanto que todas as empresas da mesma rede formam com o fornecedor uma unidade econômica cuja rentabilidade é acrescida para todas as partes e cujo beneficiário é o consumidor no estágio final da distribuição294.
Essa mesma situação encontrada nos contratos de distribuição pode ser
vista com maior intensidade nas relações de franquia muito embora o contrato de
franchising seja celebrado apenas entre o franqueador e o franqueado. Isto
porque, eles também atingem outras pessoas que deles não participam
diretamente295. Thomaz Saavedra cita, em primeiro lugar, todos os outros
franqueados que fazem parte da rede e, ainda, os seus consumidores296. Para
todos e cada um dos franqueados há, na idéia de formação de rede, a
experimentação de se pertencer a uma mesma empresa. É o que a sociologia
chama de formação de identidades sociais297; isto é, a efetiva inserção das
identidades individuais em contextos sociais mais amplos.
293 BENVENISTE, Emíle. “Los niveles de análisis lingüístico”. In El siglo de la lingüística – cuadernos H. La Habana, Facultad de Humanidades, 1974. 294 SAAVEDRA, Thomaz. A vulnerabilidade do franqueado no franchising. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2005. p. 53. 295 Para a advogada Patrícia Baubeta, “O contrato de franquia encerra uma série de obrigações e direitos atribuídos ao franqueador e ao franqueado. Além disso, o contrato possibilita a proteção da rede e sua continuidade. Trata-se da regra do ‘jogo’, isto é, das normas que ditam os comportamentos dos integrantes de uma rede de franquia.”. In: MENEZES, Flávio L. S. et alli. O direito do franchising: as melhores práticas do
mercado. Cap. 3 – “Contrato: a regra do jogo” (fascículos). São Paulo: ADC editora. 2004. 296 SAAVEDRA, Thomaz. Ibidem. p. 52. 297 WAGNER, Peter. A Sociology of Modernity. Liberty and Discipline. Londres: Routledge. 1994.
110
Assim, as redes franqueadoras propiciam às pessoas – vistas em sua
individualidade – uma interligação indireta por meio desta cadeia de interação.
Deve-se, contudo, acrescentar a estes os fornecedores de produtos e serviços
homologados pelo franqueador para o atendimento da rede, pois a circulação dos
bens através do que se tem chamado de mercado global constitui um exemplo
efetivo dessas cadeias de interação.
A rede, no universo da franquia, assume um papel de suma relevância,
inclusive superando o franqueador quanto ao seu papel de importância nesse
microssistema, conforme defende Thomaz Saavedra, uma vez que:
... o fato de pertencer a uma cadeia permite que o comerciante fuja do isolamento; faz com que ele e beneficie de uma marca e ocupe um lugar numa estrutura organizada (....) Numa cadeia, então, cada associado (partenaire) é afetado pelo bom ou mau comportamento dos outros e ninguém pode negar a existência de interesses coletivos partilhados entre todos os membros da rede298.
Com efeito, a oportunidade de se integrar a uma rede cujos participantes
tenham os mesmos propósitos é um dos catalisadores da franquia, admite José
Cretella Neto
No contrato de franchising, ao buscar contratar com o franqueador, tem interesse o franqueado em integrar-se a uma rede, o que já foi feito por outros franqueados; logo, não se trata de interesse meramente microeconômico, mas de interesse maior de integrar-se ao grupo de empresas que operam sob as diretrizes do franqueador, e que desfrutam de uma série de benefícios, como o pronto reconhecimento e identificação da clientela com a marca e os preços de aquisição de insumos, em geral estabelecidos ao abrigo de vários ‘contratos guarda-chuva’ previamente negociados pelo franqueador com os fornecedores.299
Ora, a rede de franchising caracteriza-se exatamente por uma
compreensão do franqueador de que o franqueado é, antes de mais, seu aliado e
parceiro, beneficiando-se todos e cada um, em uma relação metonímica, de uma
rede de negócios que não visa somente aos interesses individuais, e sim, à
atuação estratégica e de marketing em cadeia – ou em rede, na sua totalidade.
A utilização dos padrões operacionais, do treinamento, do know-how e da
marca, criando uma imediata identificação com o consumidor, deve ser única e 298 SAAVEDRA, Thomaz. Ibidem. p. 53. 299 CRETELLA NETO, José. Manual Jurídico do franchising. Op. cit. p. 101.
111
comum a todos os estabelecimentos integrantes da rede que nela ingressam por
meio de relação contratual. Mesmo que o acesso de cada um dos franqueados se
dê em momento histórico diferente – a rede funciona a partir de dinâmicas lógicas
e não lineares – a todos eles compete contribuir para a manutenção de um
regulamento e organização únicos, sem o quê não se poderia vislumbrar a
previsibilidade e desenvolvimento comum do negócio nos diversos pontos do
planeta.
E não poderia ser diferente, dado que,
...uma organização de franchising eficiente, tem que possuir mecanismos aptos a propiciar um crescimento equilibrado, que beneficie a rede como um todo, sem prejudicar as partes. A forma plural de organização é a estrutura ideal para esse fim, pois possibilita uma oxigenação do sistema, que passa a ser aberto, favorecendo a participação de franqueados em seu processo decisório300.
Acresce que uma rede de franquia para o seu pleno desenvolvimento não
sobrevive apenas por meio da determinação vertical de padrões e rumos a serem
seguidos, como também necessita da colaboração dos franqueados para a
criação de novos insumos e produtos. Daí a compreensão de que uma rede de
franquia empresarial, tal qual qualquer outro sistema em rede requeira de seus
participantes ou células posturas afins, convergência de valores, propostas
coletivas e o cumprimento de códigos de conduta – tais como aqueles previstos
pela Lei antitruste – entre muitos outros.
Com efeito, existe no sistema de franquia empresarial um princípio de
proteção da rede que prevê, na já descrita relação metonímica301 a proteção a
cada um dos empresários franqueados, inclusive aqueles que ocuparão os
territórios deixados vagos por ex-franqueados. Tal proteção deverá se ocupar,
primordialmente, das questões atinentes à concorrência desleal, ao uso indevido
da marca e do know-how e de outros deveres decorrentes da boa-fé.
Isto porque, quanto maior a preocupação do franqueador com suas
marcas, produtos e serviços e, em particular, com a rede que formará, maior será
sua tendência em buscar expandir seus negócios de modo uniforme e, por
conseqüência, maiores as chances de atingir o crescimento da rede. Assim, pode-
300 SAAVEDRA, Thomaz. Op. cit. p. 60-61. 301 O todo pela parte e da parte pelo todo.
112
se reafirmar, em consonância ao proposto por Leloup302, que o sistema de rede
característico do franchising repousa na boa-fé, na medida em que sua natureza
cooperativa e de parceria torna clara a necessidade da confiança e transparência
entre as partes. E não apenas entre o franqueador e um suposto franqueado, mas
fundamentalmente entre todos os co-partícipes da rede. É mister que cada um
dos membros da rede confie e cuide para que todos os outros membros façam
uso do recurso da colaboração mútua e contínua para a boa reputação e sucesso
da rede em sua totalidade.
302 LELOUP, Jean-Marie. La Franchise. Droit et Pratique. Paris: Delmas. 2ª ed., 1991. p. 66-67.
113
PARTE II – O ESTABELECIMENTO FRANQUEADO
INTRODUÇÃO
O Art. 2º da Lei n.º 8.955/94 entende o franchising como o sistema pelo
qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente,
associado ao direito de distribuição de produtos ou serviços e, eventualmente, o
direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou
sistema operacional detidos pelo primeiro. Tal compreensão do instituto se
encontra, como se viu nos capítulos precedentes, totalmente ultrapassada. Com
efeito, o Business format franchising evoluiu de tal modo que hoje se caracteriza,
prioritariamente, pela licença de direitos de uso de marca e transmissão know-
how e tecnologia detidos pelo franqueador, constituindo, por vontade deste um só
conjunto; uma universalidade.
É fato que o franqueado, ao ingressar em determinada rede de franquia,
deseja ter acesso a uma vantagem empresarial, ao segredo de negócio
desenvolvido pelo franqueador que são vitais para a organização empresarial da
atividade explorada. Em um mundo de economia globalizada já não é mais
atraente para o franqueado o mero acesso a uma marca e a um direito de
distribuição de produtos ou prestação de serviços como subestima a legislação; o
acesso à vantagem empresarial303 do franqueador, ao seu know-how e à clientela
consolidada ao sistema franqueado é, hoje, elemento essencial de todas as
relações jurídicas estabelecidas entre o franqueador e as empresas franqueadas.
A grande inovação, portanto, do Business Format Franchising está na
transmissão do know-how àqueles que compõem a rede franqueada; na
ampliação das vantagens que daí decorrem e que superam, em grande medida, a
simples concessão do direito de distribuição de produtos ou serviços. Mas
também, no licenciamento do uso de suas marcas e demais bens incorpóreos de
303 Neste sentido, Gladston Mamede ensina que “no contrato de franquia empresarial, o franqueador cede
ao franqueado uma vantagem empresarial representada por um conjunto de elementos...”. In Parecer
Jurídico sobre o Contrato de concessão de uso de método de ensino e material didático e outros ajustes, emitido em 16.08.2005, p. 34.
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sua titularidade, que conjugados constituem o segredo de negócio do
franqueador, a materialidade do sucesso da rede franqueada formando um
estabelecimento empresarial diferenciado daquele que a legislação conceitua.
Para a exploração do negócio, o franqueado fará uso da tecnologia
desenvolvida pelo franqueador para a exploração da atividade identificadora da
rede; fará uso e colherá os benefícios do seu know-how, da credibilidade e
idoneidade das marcas que associadas à rede, cujo uso é licenciado nos termos
dos respectivos instrumentos contratuais. Depreende-se com isso, que será
licenciada ao empresário franqueado a base patrimonial do franqueador e que
constitui seu segredo de negócio.
Ora, dada a evolução do franchising, o franqueador não só permite ao
franqueado explorar economicamente negócio franqueado seu – que se
caracteriza por ser um negócio de sucesso, fruto do desenvolvimento de
tecnologias e segredos empresariais – como também licencia a este elementos
essenciais para a formação do estabelecimento empresarial, sem os quais sua
formação e o exercício da atividade da empresa não prosperam. Tal circunstância
atrelada à falta de uma legislação que ofereça maior segurança ao próprio
sistema – as conseqüências de uma legislação omissa em relação aos
instrumentos contratuais propriamente ditos, mas que se ocupa, de outro lado,
com as informações que devem constar na Circular de Oferta de Franquia – faz
com que os vínculos contratuais fiquem sujeitos à aplicação de normas
destinadas aos contratos em geral. Daí que tal situação permita a atribuição
indevida de direitos a cada uma das partes expondo-as a situações de
vulnerabilidade, que com a existência de uma legislação competente e o
conhecimento adequado do franchising, poderiam facilmente ser evitadas ou
minimizadas.
Deste modo, um ponto extremamente importante por conta das fragilidades
que atualmente pairam sobre o sistema de franquia empresarial, refere-se ao
estabelecimento empresarial, ilegitimamente atribuído ao franqueado, dado o
avanço ainda tímido dos estudos relativos à matéria por parte dos doutrinadores,
assim como da incipiente jurisprudência existente e da precariedade da legislação
específica que versa sobre o tema.
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Diante disso, considerando a relevância do franchising no mundo atual e a
necessidade de se esclarecer o objeto compreendido em seus respectivos
instrumentos de franquia e o impacto deste objeto na formação do
estabelecimento empresarial, este título se prestará ao estudo comparado dos
conceitos de Fundo de Comércio e do Estabelecimento Empresarial, à
apresentação de uma nova teoria do estabelecimento franqueado e, por fim, à
diferenciação das características de cada um dos elementos essenciais que
compõem o estabelecimento empresarial e o estabelecimento franqueado.
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I – Fundo de Comércio, Estabelecimento Empresarial e sua definição legal à
luz do novo Código Civil.
Há quem defenda que o conceito de fundo de comércio e de
estabelecimento são distintos. Contudo, com o abandono, pelo código civil vigente
da Teoria do Ato de Comércio e a adoção da Teoria da Empresa, tal distinção –
se é que de fato existia – foi superada. Para os fins deste trabalho, não se
aprofundará o estudo sobre a origem histórica da Teoria da Empresa e, tampouco
do Ato de Comércio; serão apresentados, tão somente, os pontos que interessam
ao desenvolvimento da pesquisa.
O Direito Romano, apesar de ter possibilitado o fundamento sobre o qual
se construiriam a compreensão e a concepção do estabelecimento, haja vista ter
contemplado o conceito de unidade do múltiplo, não concebeu propriamente o
estabelecimento. Como assinala Carvalho de Mendonça negotion e negotiatio à
época significavam o complexo dos bens que constituía o patrimônio do
comerciante, taberna indicava o lugar onde o comércio se exercia e, mensa, o
comércio bancário; como anota o tratadista:
O direito romano não viu em o negotium senão alguns de seus elementos, mas não os suficientes para equiparar a expressão à riqueza de conteúdo econômico e jurídico que existe no estabelecimento comercial, segundo o conceito que ele tem em nosso tempo. Compreendia, para os romanos, também direitos, como acontecia com bonorum, além de coisas, mas não direitos tais que incluíssem os hoje considerados integrantes do instituto.
É de Straccha a afirmativa de que pelo nome merx ou mercancia se compreende pluralidade de coisas, isto é, corpo universal, no qual uma coisa se sub-roga a outra, de tal modo que, se algumas coisas forem removidas, ou mudadas, as coisas renovadas ocupam o lugar das anteriores, assim como acontece com o rebanho e o pecúlio...
O estabelecimento comercial, na concepção do direito comum e na incipiente doutrina do direito comercial, se constitui de bens materiais, apenas bens materiais, sem consideração de bens imateriais. Esse o entendimento que era generalizado, como se vê no Trésor de la Langue Francaise, de Jean Nicot, publicado em 1606, que no verbete Fond informa significar ‘o capital do comerciante, sejam mercadorias, seja dinheiro’. As mercadorias, assinala Michel Riou, têm sempre o primeiro lugar, mas começa a lhe serem ajuntadas o material, as ferramentas, as máquinas, destinadas ao exercício da atividade, de maneira que já no Século XVIII fonds de boutique é constituído pelo
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conjunto de elementos materiais necessários ao comerciante para o exercício do comércio. 304
É consenso na doutrina de que a idéia de fundo de comércio teve origem
na França, em meados do século XVIII, derivando do que se denominava fonds
de boutique; entretanto, a expressão definia o conjunto de bens tangíveis,
consistentes em mercadorias e demais materiais utilizados pelo comerciante na
exploração de sua atividade, conforme se vê do corpo de aresto do Parlamento
de Bensançon de 31 de agosto de 1961.
Em decorrência da evolução da liberdade de comércio e concorrência
nasceu na França – no século XVIII desenvolvendo-se no transcurso do século
XIX – a concepção jurídica de fundo de comércio305. Uma lei fiscal datada de
1872 antecipou-se às leis civil e comercial, consagrando a expressão fonds de
boutique, estabelecendo deste modo o conceito de estabelecimento, cuja
formalização alastrou-se inicialmente por toda a Europa de base românica,
incluindo a Itália, onde esse conjunto de bens intangíveis recebeu o nome de
azienda. Posteriormente ficou conhecido na Espanha por hacienda, na Alemanha
e na Inglaterra foram-lhe atribuídas as denominações geschäft ou
handelsgeschäft e goodwill, respectivamente306.
A França teve o singular privilégio de estabelecer uma legislação sobre
propriedade comercial. Ainda que não tenha consagrado o conceito de fundo de
comércio, uma vez que não lhe atribuiu definição, indicou seus elementos
constitutivos; daí que se afirme que o direito francês tenha sido o que mais se
preocupou em formar um conjunto de disposições destinado a proteger a figura
304 CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro, vol. 5. Campinas: Bookseller. p. 16. 305 Com o tempo, percebeu-se que os bens materiais não eram o único valor econômico que o comerciante possuía. O trabalho desenvolvido pelo comerciante, que era reconhecido pelo público consumidor, passou a ser visto como um valor econômico. É nesse momento que a expressão francesa fonds de commerce ganha contorno próprio, como explica Mário Figueiredo Barbosa: Sob novo regime econômico, a expressão fonds de commerce ganhou sentido próprio e específico, resultante da atividade do comerciante que, gradativamente, com trabalho, alcançou prestigio ao nome do seu estabelecimento, produzindo valor econômico suscetível de alienação.” In: BARBOSA, Mário Figueiredo. Valor da clientela no Fundo de
Comércio. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 05. 306 A Lei Fiscal de 28.02.1872 determinava que as transferências de propriedade a titulo oneroso do estabelecimento ou da clientela eram tributáveis na base de 2% (dois por cento) sobre o valor da operação. Os bens que compunham o estabelecimento passaram a ser vendidos em conjunto, adquirindo um sobre-valor; este sobre-valor pago por esse conjunto de bens passou a chamar a atenção do fisco francês, surgindo então, na França, o primeiro regramento relativo ao estabelecimento.
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do fundo de comércio. Os elementos componentes do fundo de comércio eram
objeto de proteção das regras de direito comum; os elementos incorpóreos, por
sua vez, eram protegidos separadamente e submetidos a leis especiais.
Em 1909, outra lei francesa dirige-se ao estabelecimento:
A lei de 17 de março de 1909 proclamou o direito de propriedade do comerciante sobre todos os elementos do fundo, notadamente sobre o direito à locação, à clientela, à freguesia, ela permitiu que dispusesse desse direito, vendendo-o; de fazer dele um instrumento de crédito, dando-o em penhor.307
Não obstante a expressão fundo de comércio não haver mantido o mesmo
significado no decorrer do tempo, o Alvará de 28 de setembro de 1811, revogando
o Decreto de 1º de julho de 1755, permitiu o livre exercício do comércio, sem
especificação de gênero, ressalvando aqueles proibidos, e projetou uma remota
idéia de fundo de comércio que em tais condições, pode-se dizer, precedeu a
preocupação dos franceses no trato da matéria308.
A compra e venda do fundo de comércio tanto podia ser efetivada
globalmente, como com a especificação dos seus elementos constitutivos. Sobre
o assunto se reportava a Lei 17 de março de 1909 (art. 1º, 2ª al.), nos seguintes
termos:
...le privilegì du fonds enumeres dans la vente, et, à defauty de designation precise, que sur I’achalandage c’est-à-dire sur les éléments du fonds de commerce. Selon les convenances des parties, il peut être stipulé um prix unique de l’exercice du privilège du vendeur, pour les éléments du found vendu. Mais la stipulation de deux prix distincts est exigée, au point de vue de l’exercice du privilège du vendeur, pour le materiel et les marchandises.309
Sebastião José Roque recorda que:
...o direito francês regulamentou, em 1909, o estabelecimento (fonds de commerce) com tanta precisão, que até apontou quais são os elementos que o compõem, numa relação de dez elementos, relação essa não enumerativa, mas exemplificativa, ou seja, ser possível a inclusão de outros elementos assemelhados ou da mesma natureza aos relacionados. Vejamos quais são esses dez elementos relacionados pelo art. 8 da lei reguladora do estabelecimento, integrada no código Comercial francês: 1. título do estabelecimento e nome empresarial – 2. direito de aluguel do estabelecimento – 3.
307 BUZAID, Alfredo. Da Ação Renovatória. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 68. 308 AUTUORI, Luiz. “Fundo de Comércio”. In: Repertório Enciclopédico, vol. XXIII, p. 230. 309 AUTUORI, Luiz. Ibidem. p.228.
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clientela – 4. freguesia – 5. mobiliário de uso empresarial – 6. material ou instrumentos destinados à exploração do estabelecimento – 7. patentes de invenção – 8. licenças e marcas de fábricas e de comércio – 9. desenhos e modelos industriais – 10. direito de propriedade industrial, literária ou artística 310.
Muito embora o conceito jurídico de comércio tenha nascido na França –
país no qual se fez consignar a expressão em lei, também houve avanço jurídico
deste instituto na Alemanha, na Itália e na Argentina. A construção doutrinária do
conceito jurídico de estabelecimento propiciou a sua apreensão pelo legislador
italiano de 1942, que definiu a azienda commerciale como o complexo de bens
dispostos pelo empresário para atividade da empresa311. Desta maneira, na
Alemanha,
...o nome comercial é a denominação sob a qual uma pessoa exerce o comércio. Pode esse nome ser patronímico ou pseudônimo. O art. 17 do Código Comercial alemão preconiza que o nome comercial é o nome do comerciante, a firma sob a qual este explora o comércio. Não é a razão social ou a denominação da empresa. Todo comerciante deve ter um nome comercial, uso garantido pela lei e deve ser conhecido por terceiros através da publicidade. A lei alemã não permite a transferência do nome comercial senão conjuntamente com o estabelecimento que usava e girava sob aquele nome312.
Na Argentina o Fundo de Comércio é regulado pela Lei nº 11.867, de 17 de
agosto de 1934, que alinha os seus elementos constitutivos para fins de
transferência a qualquer título, do seguinte modo: instalações, mercadorias
existentes, nome e insígnia comercial, clientela, direito ao local, patentes de
invenção, marcas, desenhos, modelos industriais, distinções honoríficas, bem
como todos os direitos emanados da propriedade comercial, industrial ou artística.
Como se vê, um conjunto de leis proporcionou a rica jurisprudência sobre o
assunto, crescendo a concepção do fundo de comércio e seus elementos
corporificadores como um todo, com valor próprio e suscetível de integração em
uma construção jurídica. Nela está a matriz de tudo quanto se conceituou sobre
fundo de comércio, atendendo à necessidade que tinha o comerciante de amparar
a propriedade desse mesmo fundo.
310 ROQUE, Sebastião José. Moderno Curso de Direito Comercial. São Paulo: Ícone, 2001. p.173. 311 Ver. N. 575.639-00/3, 10ª Câmara do 1º TACSP, v.u., j. 5-4-2000: “O Estabelecimento Comercial ou Fundo de Comércio corresponde ao conjunto de bens materiais ou incorpóreos reunidos pelo comerciante para o desenvolvimento de sua atividade (...)” 312 AUTUORI, Luiz. Op.cit.. p.232-233.
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Aqueles que criaram a legislação civil atualmente em vigor definiram
estabelecimento empresarial no art. 1.142 como sendo; in verbis: “...todo o
complexo de bens organizados, para exercício da empresa, por empresário, ou
por sociedade empresária”. Sua redação estabeleceu como base os
aprofundados estudos realizados pela doutrina italiana e francesa – justamente
em razão de sua maturidade sobre o tema – e, também em alguns estudos
elaborados por renomados autores brasileiros313. Um exemplo de formulação
doutrinaria pode ser retirado da obra de Oscar Barreto Filho, que o definia como
“...um complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento
utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade
mercantil”314. Em uma visão mais contemporânea Fábio Ulhoa Coelho o definiu
como o “...complexo de bens reunidos pelo comerciante para o desenvolvimento
de sua atividade comercial315”.
Ainda assim, e mesmo contando com o conceito de estabelecimento
formulado pelo código atualmente em vigor316, alguns temas a ele relacionados
ainda se encontram desamparados, permitindo a permanência de parte das
controvérsias doutrinárias existentes antes mesmo de sua promulgação. Entre
outras, aquelas concernentes à equiparação do fundo de comércio ao
estabelecimento empresarial, à concepção e tratamento do aviamento e às regras
relativas ao seu trespasse.
Isso porque, verificando-se a procedência das denominações fundo de
comércio e estabelecimento, alguns doutrinadores sugerem que a legislação não
se expressa de forma suficientemente clara de modo a esclarecer as similitudes
ou diferenças entre um conceito e outro, especialmente em razão de sua
pluralidade semântica. A este propósito aduz Hernani Estrella,
313 Fundo de comércio – é o “complexo de meios idôneos, materiais e imateriais, pelos quais o comerciante explora determinada espécie de comércio; é o organismo econômico aparelhado para o exercício do comércio” – CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Op. cit. p. 93. 314 Apud LIMONGI FRANÇA, R. Manual Prático das Desapropriações. São Paulo: Saraiva. 1976, p. 427. 315 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. p. 47. 316 O estabelecimento empresarial é referido no novo código civil apenas como “estabelecimento”. Na verdade, a nomenclatura que seria mais adequada a ser utilizada pelo legislador, em consonância com o direito da empresa que o novo código regula, seria “estabelecimento empresarial”, e é esta última, que será utilizada no desenvolvimento do presente trabalho. Para Modesto Carvalhosa, “tendo o código civil de 2002 utilizado a locução ‘estabelecimento’, e considerando a definitiva incorporação da teoria da empresa em nosso ordenamento jurídico, convém seja adotada a expressão ‘estabelecimento empresarial’, que designa de forma mais completa o instituto. In. CARVALHOSA, Modesto. Comentário ao Código Civil: parte especial:
do direito da empresa (artigos 1.052 e 1.1195), v 13. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 616.
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A palavra estabelecimento tinha, na terminologia medieval, vários sinônimos. Mas, com mais freqüência, exprimia-se por mensa, taberna, mercatura, fundacum, conforme documentos da época compulsados e interpretados por Giuseppe Valeri. Entre os franceses, têm curso as frases fonds de commerce, Maison de commerce, établissement commercial. Na moderna Itália, prepondera o vocábulo azienda, usando-se também fondo e fondaco, estes dois, no entanto, pouco empregado. No idioma espanhol se diz hacienda, empresa, establecimiento. Para os anglo-americanos, estabelecimento se exprime por goodwill, business, ao passo que, na língua alemã, pronuncia-se Geschäft ou Handelsgeschäft.
No Brasil e em Portugal, está consagrada a expressão estabelecimento comercial, que tem sentido amplo, abrangente do industrial ou fabril, já que, no sistema do direito brasileiro, a indústria, seja de mediação propriamente, seja de manufatura ou transformação, está submetida ao direito mercantil 317.
João Eunápio Borges318 explica:
Por influência do francês, introduziu-se entre nós, como sinônimo de estabelecimento comercial, a expressão fundo de comércio. É pouco empregada, porém. Dela, aliás não temos necessidade e é inconveniente pela confusão natural a que se presta devido ao significado corrente da expressão fundo de negócio319.
Já, Fernando Antonio Albino de Oliveira simplifica:
...ao tratar do conceito de fundo de comércio, o primeiro passo consiste em afastar dúvidas terminológicas, pois a doutrina conceitua a mesma realidade jurídica sob diferentes nomes. Assim, são utilizadas para conceituá-la expressões como fundo de comércio, estabelecimento comercial, aviamento e fundo de empresa. Essa diferente terminologia decorre ou da tradução literal de expressões usadas nos direito francês e italiano ou da ênfase que cada autor coloca sobre um aspecto da realidade estudada. Seria despiciendo aprofundar essa divergência terminológica... 320
Com efeito, pairam na doutrina divergências acerca dos conceitos de
estabelecimento e de fundo de comércio; daí que as diferenças alcancem
também, por óbvio, o aviamento. Assim, ao se defender que o conceito de fundo
de comércio ficou ultrapassado com a adoção da Teoria da Empresa, parte da
317 ESTRELLA, Hernani. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Ed. José Kofino. p. 253. 318 BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. Rio de Janeiro: Forense. 1976. 5ª ed. p. 184. 319 Na expressão de Waldemar Ferreira, denominam-se Fundo de Negócio as instalações velhas, a mercadoria não vendida, o saldo, o resíduo, ao contrário de fundo de comércio, que, em sentido técnico-jurídico, é precisamente o estabelecimento, o organismo vivo, em plena atividade e funcionamento. 320 ALBINO DE OLIVEIRA, Fernando Antonio. Shopping Center (questões jurídicas).São Paulo: Saraiva. 1991. p. 55.
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doutrina – a exemplo dos juristas acima considerados, passou a tratá-lo como
sinônimo de estabelecimento empresarial. Neste sentido, nos termos do art. 1.142
do código civil, estabelecimento empresarial ou fundo de comércio é a conjugação
de bens, materiais e imateriais, que devem ser organizados, pelo empresário ou
pela sociedade empresária, para o exercício da empresa e que, sem perder a sua
individualidade, passam a integrar um novo bem com valor diverso dos seus
componentes, inclusive com um valor econômico diferenciado, sendo suscetível
de transmissão a terceiros.
De igual maneira, Rubens Requião compartilha a compreensão da doutrina
que considera o fundo de comércio e o estabelecimento empresarial sinônimos.
Exprime o jurista que o estabelecimento empresarial e o fundo de comércio são
“instrumento (sic) da atividade do empresário” e que a composição destes é feita
...de elementos corpóreos e incorpóreos, que o empresário comercial une para o exercício de sua atividade. Na categoria dos bens, por outro lado, é classificado como bem móvel; não é consumível nem fungível malgrado a fungibilidade de muitos elementos que o integram. Sendo objeto de direito constitui propriedade do empresário, que é seu dono, sujeito de direito321.
Rubens Requião também se refere à forma pela qual Von Gierke avalia o
estabelecimento comercial como empresa de strictu sensu: ”...uma esfera de
atividade criada pelo exercício profissional do comércio, com as coisas e direitos
que são geralmente inerentes ou acessórios ao mesmo, incluindo as dívidas”322.
Para outra parte da doutrina, entretanto, com a adoção da Teoria da
Empresa pelo atual código civil brasileiro, que trouxe a apreciação do
estabelecimento empresarial, o fundo de comércio teve seu conceito ampliado,
distinguindo-se da figura do estabelecimento empresarial. Assim, para esta parte
da doutrina, estabelecimento empresarial é um complexo de bens organizados
para o exercício da empresa e, fundo de comércio, é o complexo de direitos
adquiridos pela sociedade empresária em razão da exploração das atividades da
sua empresa – um valor agregado; o valor “extraordinário” adquirido pela
notoriedade e reputação da atividade desenvolvida, o goodwill323, também
321 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Editora Saraiva, 1991, p. 204. 322 REQUIÃO, Rubens. Ibidem. p.195. 323 No conceito norte-americano, goodwill “as intangible but reconized business asset that is the result of such features of an ongoing enterprise as the production or sale of reputable brand-name products, a good
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denominado aviamento; ou seja, é o sobre-valor que adquirem os bens que
integram o estabelecimento comercial enquanto estiverem reunidos324. Neste
sentido, compondo parte da doutrina que entende que estabelecimento
empresarial e fundo de comércio são coisas distintas, Mário Figueiredo Barbosa
explica que,
..sob novo regime econômico, a expressão fonds de commerce ganhou sentido próprio e específico, resultante da atividade do comerciante que, gradativamente, com trabalho, alcançou prestígio ao nome do seu estabelecimento, produzindo valor econômico suscetível de alienação.325
Filia-se a esta linha de raciocínio Fábio Ulhoa Coelho, que traça o seguinte
pensamento:
... a reunião dos bens que o empresário reúne para exploração de sua atividade econômica. Compreende os bens indispensáveis ou úteis ao desenvolvimento da empresa, como as mercadorias em estoque, máquinas, veículos, marca e outros sinais distintivos, tecnologia e etc. Trata-se de elemento indissociável à empresa.326
O mesmo autor complementa o quanto segue a respeito do
Estabelecimento Empresarial:
...o valor agregado ao estabelecimento é referido, no meio empresarial, pela locação inglesa goodwill of a trade, ou simplesmente goodwill. No meio jurídico, adota-se ora a expressão “fundo de comércio” derivada do francês fonds de commerce, e cuja tradução mais ajustada seria, na verdade, “fundos de comércio”), ora aviamento (do italiano aviamento), para designar o sobre-valor nascido da atividade organizacional do empresário327.
Não deve restar dúvida, salienta o prof. Walter T. Álvares, que entre
organização e bens, ou na união dos dois, repousa um conceito incontroverso de
estabelecimento, acrescido da idéia da construção de uma unidade; uma unidade
relantionship with customers and suppliers, and the standing of the business in its community. Goodwill can become a balance sheet asset when a going business is acquired at a price exceeding the net asset value (assets less liabilitie). In: GIFIS, Steven H. Legal Terms. New York: Barron´s editor. p. 201. 324 Neste sentido, ver: COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. pp. 57-64. 325 BARBOSA, Mário Figueiredo. Valor da Clientela no Fundo de Comércio. Rio de Janeiro: Forense. 1989. p. 06. 326 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, de acordo com o novo código civil. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 96. 327 COELHO, Fábio Ulhôa. Ibidem. p. 98.
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técnica, nas palavras de Perroux. Com efeito, o estabelecimento seria uma
unidade econômica, conjunto de bens, organizados economicamente, para o
exercício do comércio. É a organização econômica aparelhada para o exercício
do comércio, diz Carvalho de Mendonça; uma unidade econômica dotada, porém,
de individualidade328. De modo complementar, Theophilo de Azeredo Santos, da
Faculdade Nacional de Direito aduz que,
Estabelecimento comercial é o complexo das várias forças econômicas e dos meios de trabalho que o comerciante dirige para o exercício do comércio, impondo-lhe uma unidade formal, o complexo de coisa (bens e serviços) reunidas e organizadas para o exercício do comércio, resultando da união de diversos fatores, num bem complexo ou numa universitas destinados a conquistar a clientela e, assim, realizar o lucro visado pelo empresário329.
Há muito, como se observa, o conceito de estabelecimento é tido como
fator integrante da atividade econômica. Essa circunstância já havia adquirido
relevo no pensamento de Cesare Vivante:
In questo libro, ove si espone la dottrina delle cose che formano oggetto del commercio, non si tratta dell’azienda come dell’abituale residenza del commerciante; cio ha particolare importanza per l’aplicazione di regile processuali. Qui si tratta dell’azienda como oggetto di commercio. Ed è un oggetto importante e caracteristico, meritavole di essere preso inconsiderazione prima de ogni altro, imperocchè è capace di imprimire al negozio giuridico che ne dispone, come allá compera ed allá lozacione, il carattere di atto obbiettivo de commercio; perchè è capace di attribuire a chi l’esercita, o di tolgiere a chi la vende dopo averla esercitata, il carattere di commerciante; perchè il suo acquisto o il suo impianto à di tale importanza da eccedere i poteri di qualsiasi amiinistratore legali o giudiziario.
Outro doutrinador pertencente ao universo do Direito Italiano, Lorenzo
Mossa, ressaltou de igual maneira a importância econômica do estabelecimento:
L’unità di diritto sigilla il movimento dell’impresa. Nel calore della sua vita, nel piano del suo autore, si fondono i fattori originari e creati. Questa unità è riconosciuta nei diritti progreditti, è uma realtà del nuovo regime giuridico italiano. La Cdl., I dichiara I’unità econômica della nazione.
328 CARVALHO DE MENDONÇA. Curso de Direito Comercial.São Paulo: Sugestões Literárias. 1979. p.178. 329 AZEVEDO SANTOS, Teófilo de. Manual de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Forense. p.71.
125
Tais autores defendem que a empresa – atividade organizada para a
produção de vantagem financeira – desenvolve-se sobre o estabelecimento
empresarial. Que a empresa é a soma de estabelecimento e atividade criando-se
assim uma diferenciação entre o sujeito (empresário ou sociedade empresária) e
o objeto (a empresa), bem como uma diferenciação entre empresa e
estabelecimento, ambas expressas com clareza no texto da Lei n° 11.101/05 (Lei
de Falência e Recuperação de Empresas). Esta norma teve por objetivo a
preservação da empresa, ou mais precisamente, de sua atividade econômica.
Destarte, permite-se que o estabelecimento empresarial em funcionamento (a
empresa, portanto) seja transferido a outrem que se encarregará de manter seu
funcionamento e, com ele, atenderá à sua respectiva função social. Explicita esta
visão o sistema de círculos concêntricos sugeridos por Waldemar Ferreira:
Tem-se, partindo do centro para a periferia, o estabelecimento circunscrito pela empresa, e esta pela pessoa natural ou jurídica, mercê de cuja vontade aqueles se instituem e movimentam-se. São três momentos ou expressões do mesmo fenômeno comercial, econômico-social e jurídico. Ostentam-se, no centro, os bens, corpóreos e incorpóreos, que constituem o estabelecimento como universalidade de fato. A empresa superpõe-se-lhe como organização de trabalho e disciplina da atividade no objetivo de produzir riqueza, a fim de pô-la na circulação econômica. Tudo isso, porém, se subordina à vontade e às diretrizes traçadas pela pessoa natural ou jurídica que as haja organizado, sujeito ativo e passivo nas relações jurídicas, tecidas pela empresa no funcionamento do estabelecimento de lucros pelo comerciante, como empresário, procurados e obtidos.330
Estabelecimento empresarial e fundo de comércio são, deste modo,
sinônimos. E o são, particularmente em razão da clara evolução histórica das
terminologias adotadas. O valor agregado ao estabelecimento em decorrência do
funcionamento da empresa denomina-se aviamento, que por ser a organização
de trabalho e disciplina posta pela empresa sobre o estabelecimento e para a
produção de riquezas, deve ser identificado como um atributo do estabelecimento.
Portanto, estabelecimento empresarial é o complexo de bens materiais e
imateriais organizados para o exercício da atividade econômica empresarial e o
aviamento - aqui considerado exclusivamente nas relações jurídicas alheias ao
Business format franchising – é o valor agregado ao referido complexo de bens,
em razão da exploração da atividade.
330 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. Op. cit. p. 39.
126
O conceito acima descrito se aplica a outros negócios jurídicos, alheios ao
franchising, conforme se demonstrará no capítulo seguinte, dado que a natureza e
o regime jurídicos atribuídos ao estabelecimento empresarial, sob o aspecto da
franquia, sofrerão relevantes modificações em função dos desdobramentos
quanto aos seus efeitos jurídicos, que diferenciam-se enormemente dos
decorrentes de outras atividades não relacionadas a tal instituto.
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II – NATUREZA JURÍDICA
Definir a natureza jurídica de um instituto é, antes de mais, identificar o
regime jurídico a ele aplicável. Dado que já se estabeleceu no capítulo precedente
o conjunto das características que determinam o estabelecimento empresarial,
faz-se necessário identificar sua natureza jurídica, a fim de apontar o regramento
a que este se encontra submetido.
O interesse prático na qualificação jurídica do estabelecimento reside na circunstância de que os problemas relativos aos negócios jurídicos, feitos com ou sobre o estabelecimento, dependem – quanto à forma de realização e quanto aos efeitos jurídicos – da natureza de que o mesmo se revista perante a lei.331
Considerando que normalmente as indagações sobre a natureza jurídica
situam-se dentro dos limites da dogmática, por meio da comparação com
institutos conhecidos e, ainda, a partir da identificação da relação jurídica332
existente entre sujeito e objeto, quanto ao instituto do estabelecimento
empresarial latu sensu, parece adequado delimitar seus contornos em três
classificações possíveis, quais sejam: o direito pessoal, o direito real e direito
obrigacional.
Nos chamados direitos pessoais, a relação jurídica emerge de uma relação
humana que adquire significado jurídico se a lei o tem como adequado à
produção de determinados efeitos, estatuídos ou tutelados. Pode-se afirmar que o
direito pessoal é o direito contra determinada pessoa; corresponde ao vínculo que
se estabelece entre dois sujeitos, o ativo e o passivo.
O direito real é direito erga omnes e a relação jurídica tem como objeto
imediato uma coisa, encontrando-se a figura do sujeito passivo subentendido ou
em potência, já que este, nas relações de direito de propriedade, é a comunidade
331 BARRETO F°, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial, São Paulo: Saraiva. 1998. p. 78. 332 Neste sentido, REALE, Miguel. Filosofia do Direito,Op. cit. p. 274, deixa a cargo da epistemologia jurídica o “...desenvolvimento do conceito de direito na multiplicidade de suas projeções e conseqüências,
especificando, em função das exigências práticas da vida jurídica as ‘categorias regionais de juridicidade’,
conforme a feliz terminologia de Recaséns Siches, tais como as de direito subjetivo, direito objetivo, relação
jurídica, fonte do direito, modelo jurídico, instituição, ficção jurídica, etc...”, em outras palavras, deixa a cargo do epistemólogo do direito determinar “...como se põem os problemas de sistematização e integração
dos institutos jurídicos; se nos quadros de um único ordenamento ou, ao contrário, numa pluralidade
deles....e, assim por diante”.
128
toda. O direito real é o jus in re, ou como o define Lafayette Pereira, o que afeta a
coisa direta e imediatamente, sob todos ou um determinado sentido, e a segue
em poder de quem quer que a detenha. O direito real se exerce numa coisa, sem
intervenção de outra pessoa e, o direito pessoal, por meio de outra pessoa a
quem deve restar a incumbência de satisfazer determinada prestação, positiva ou
negativa. Seu objeto é a prestação, isto é, a obrigação de alguém dar, fazer ou
não fazer alguma coisa. Destarte, conforme bem define Orlando Gomes, um é jus
in re; outro jus ad rem333.
De outro lado, o direito obrigacional exige o cumprimento de determinada
prestação enquanto que os reais incidem sobre a coisa. O sujeito passivo do
direito obrigacional é determinado ou determinável, o do direito real é
indeterminado. A duração do direito obrigacional é transitória e se extingue assim
que se dá o cumprimento da prestação. Os direitos reais são perpétuos, não se
extinguindo com o uso.
O direito obrigacional resulta da vontade das partes, sendo sua criação
ilimitada (numerus apertus), enquanto que o direito real só pode ser criado por lei,
sendo limitado (numerus clausus). O direito obrigacional exige uma figura
intermediária, o devedor; já o direito real incide diretamente sobre a coisa. No
direito obrigacional, a ação é dirigida somente contra quem figura na relação
jurídica como sujeito passivo. A ação fundada em direito real é exercida contra
quem quer que detenha a coisa.
Neste sentido, Miguel Reale conclui
...enquanto os direitos pessoais são absolutos, no sentido de serem oponíveis erga omnes, - no que se assemelham aos direitos reais, - os direitos obrigacionais são relativos, oponíveis apenas aos que participam da relação”.334
No direito, a relação jurídica transcende o significado de laço social entre
os homens, para se apresentar como sujeição, ainda material, a que se vinculam
determinados efeitos jurídicos, como na propriedade – relação entre pessoa e
coisa – e no domicílio – relação entre pessoa e lugar. A relação jurídica tem como
333 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002, por BRITO, Edvaldo e DE BRITO, Reginalda Paranhos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 106. 334 REALE, Miguel. Lições Preliminares de direito. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 218.
129
pressuposto um fato que adquire significado jurídico se a lei o tem como
apropriado à produção de determinados efeitos, estatuídos ou tutelados e deve
possuir quatro elementos fundamentais: sujeito ativo; sujeito passivo; vínculo de
atributividade; e, finalmente, objeto.
Conhecidas as classificações aplicáveis a cada uma das formas possíveis
de natureza jurídica convém voltar ao estudo do instituto do estabelecimento
empresarial e identificar, assim, sua natureza jurídica. Rubens Requião reconhece
a dificuldade de aferir a índole do estabelecimento, e desde sua época
preconizava a lacuna que até hoje se faz sentir, mesmo com a promulgação do
novo Código Civil. Dizia o autor:
Antes de qualquer observação a respeito da natureza jurídica do estabelecimento devemos lembrar que somente agora nosso Direito positivo apresenta a definição deste instituto, porém não o dota de uma regulamentação orgânica sobre a matéria; é fato que acaba por dificultar em muito a exata identificação de sua qualificação jurídica335.
Partindo do estudo feito por Oscar Barreto Filho e por outros juristas acerca
das teorias sobre o estabelecimento empresarial, tenta-se identificar a natureza
jurídica do estabelecimento empresarial336, pois, em torno de sua natureza
jurídica divergem os pensamentos e multiplicam-se as teorias337. Como a este
propósito o direito positivo nada prevê, variam as soluções de acordo com a
diversidade legislativa.
A questão da natureza jurídica do estabelecimento empresarial é de direito
positivo; embora o estabelecimento empresarial seja um fenômeno comum em
todos os países, cada um possui um regramento próprio que a ele se aplica.
Assim, de acordo às regras de cada país, será definida a natureza jurídica do
estabelecimento. Importa aqui, primordialmente, identificar a natureza jurídica do
estabelecimento empresarial no direito brasileiro para identificar a natureza
jurídica – se distinta – do novo estabelecimento cuja apresentação aqui se
pretende demonstrar.
335 REQUIÃO, Rubens. Op. cit. p. 199. 336 REQUIÃO,Rubens. Ibidem, pp. 78-109. 337 Para estudo das teorias em referência, procurar por: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Op. cit. p. 231 a 236.
130
II.A. Teoria da personalidade jurídica do estabelecimento
Para essa teoria, que propunha a supremacia do estabelecimento, este
seria sujeito de direito e não objeto de direito, enquanto o empresário seria
considerado como “seu principal empregado”. Isto porque a fusão dos elementos
individuais do estabelecimento acarretaria sua independência jurídica, dando
lugar a um ente capaz de assumir direitos e obrigações em seu nome. Para esta
teoria, o estabelecimento possui personalidade, função e individualidade.
Esta teoria confere autonomia patrimonial ao estabelecimento. Nela há um
outro sujeito de direito, que seria titular dos direitos e obrigações relativos à
exploração da atividade empresarial. Logo, as obrigações contraídas pelo
estabelecimento teriam como garantia apenas os seus bens componentes. Em
síntese, se separaria o patrimônio do empresário utilizado para a exploração de
sua atividade empresarial, do seu patrimônio pessoal.
Segue-se que a mudança do titular seria irrelevante para a existência do estabelecimento, que permaneceria como centro unitário das relações de emprego, e de todas as relações de crédito e débito compreendidas no patrimônio do estabelecimento.338
Esta teoria, evidentemente, não tem lugar no direito brasileiro, já que este
não contemplou o estabelecimento com o reconhecimento da personalidade
jurídica, outorgada às pessoas naturais, sociedades, associações e às fundações,
no plano privado. Daí a impossibilidade de se atribuir personalidade jurídica ao
estabelecimento empresarial.
II.B. Teoria do estabelecimento concebido como patrimônio autônomo
Para esta teoria o estabelecimento seria um patrimônio autônomo, uma
entidade jurídica diferenciada, assim constituída em virtude de um destino
especial dado aos seus bens, voltados para o alcance de um fim determinado.
Levando-se em consideração o patrimônio geral do titular, dentro dele se
encontraria separada uma parcela. Cada estabelecimento pertencente ao mesmo
titular seria um patrimônio separado e distinto.
Como efeito jurídico, os credores da atividade mercantil teriam nos bens
338 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial, Op. Cit. p. 80.
131
componentes do estabelecimento a garantia preferencial dos seus créditos,
podendo voltar-se contra o patrimônio geral do titular em caráter subsidiário e,
dessa forma, seriam privilegiados em relação aos credores gerais do titular do
estabelecimento.
Essa teoria traz a mesma conseqüência da teoria da personalidade
jurídica; a saber, a autonomia patrimonial do estabelecimento. As obrigações
assumidas pelo empresário no exercício de sua atividade teriam como garantia o
patrimônio destinado à atividade empresarial. “A separação patrimonial
constituiria para o comerciante individual a possibilidade de limitar sua
responsabilidade apenas àquela parcela patrimonial que destinou ao comércio”339.
Essa teoria também não se adapta às regras brasileiras do direito positivo;
este consagra a unicidade patrimonial. A separação patrimonial é uma exceção,
existe apenas nos casos expressamente fixados por lei.
Hernani Estrella descreve seu posicionamento neste sentido:
Também essa segunda doutrina peca pela base, porquanto os raros casos de separação patrimonial são taxativamente enumerados na lei. Inadmite-se que o indivíduo, por ato exclusivo de vontade, tome uma porção qualquer de seus bens e dela faça um segundo patrimônio, sob seu domínio, mas imune às suas dívidas.340
II.C. Teoria da personificação da Maison de commerce titular do
estabelecimento empresarial
Segundo seu criador J. Valéry deve-se fazer, inicialmente, uma distinção
entre casa do comércio ou Maison de commerce e fundo de comércio ou fonds de
commerce341. A primeira, classificada juridicamente como pessoa, corresponderia
ao grupo de pessoas participantes da direção e do funcionamento do
estabelecimento. O segundo seria o conjunto de bens formadores do patrimônio
do estabelecimento, destinado a um fim. A casa do comércio seria o titular do
fundo de comércio e estaria classificada como instituição, ou seja, um ente
indefinido quanto às pessoas dos seus componentes, permanecendo como tal, no
tempo e no espaço, mesmo que seus participantes originais morram ou venham a 339 BULGARELLI, Waldírio. Sociedades, Empresa e Estabelecimento, Op. cit. p. 53. 340 ESTRELLA, Hernani. Curso de Direito Comercial, Op. cit. p. 246. 341 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial, Op. cit. p. 83 e 84.
132
ser substituídos por outros.
Ademais de não se poder visualizar no Direito Brasileiro esse novo tipo de
pessoa, o tratamento dado pelo direito pátrio ao empresário e aos seus
colaboradores coloca-os em planos muito diversos uns dos outros, com
conseqüências jurídicas distintas destas aqui apresentadas.
II.D. Teoria do Estabelecimento como negócio jurídico – negozio aziendale.
Segundo o pensamento de G. Carrara, o estabelecimento entraria na
categoria de negócios jurídicos, cujos participantes seriam o seu titular, os
empregados, os fornecedores, entre outros; isto é, o conjunto de pessoas que
mantivessem com o estabelecimento algum tipo de relação jurídica. A definição
desse negocio aziendal, na consideração de Barreto Filho, é explicado como
...o acordo entre empresário, prestadores de trabalho e fornecedores de capital, com o escopo de obter, mediante a organização baseada no emprego das respectivas prestações, os resultados produtivos que constituem a razão de ser da combinação342.
Diante disto, deve-se ter em vista que não se pode falar em acordo único,
abrangente de todas as relações entre as pessoas enumeradas no conceito de
Carrara. Tais relações são distintas tanto em relação às pessoas como no tempo
em que se efetuam, ao longo de toda a vida do estabelecimento. Não existe um
acordo, mas diversos acordos na realização da atividade que tem o
estabelecimento como seu centro negocial. E o negócio jurídico complexo assim
se caracteriza apenas quando todas as declarações de vontade das partes
convergirem para um determinado fim – o que não ocorre no complexo de
relações jurídicas enumeradas em tal doutrina. Para Carrara, o estabelecimento
representaria uma abstração, formada por uma complexa rede de relações
jurídicas. Esse foi o conceito de empresa formulado por Coase – acima
examinado, tida como um feixe de contratos formadores da empresa e não do
estabelecimento.
342 BARRETO F°, Oscar. Ibidem. p. 88.
133
II.E. Teoria do estabelecimento como instituição
Foi Ferrara343 quem melhor expôs a teoria do estabelecimento como
instituição. Para este autor, o estabelecimento e outros entes – tais como
entidades de finalidade social, hospitais, asilos etc – entrariam no campo das
instituições ou organizações, despidos de personalidade jurídica, constituídos por
elementos heterogêneos, voltados para um mesmo fim. Não existe tal regramento
jurídico no direito brasileiro no qual, como se disse acima, as pessoas de direito
privado são determinadas em número fechado.
II.F. Teorias imaterialistas.
Para esta teoria, o estabelecimento seria um bem imaterial, com existência
distinta dos demais elementos que o compõem - objeto autônomo de direito.
Dentro do patrimônio geral haveria um patrimônio comercial, formado por
elementos ativos e passivos utilizados na atividade mercantil, passíveis de
individualização. Contrapondo-se a esse patrimônio comercial estaria o
estabelecimento, caracterizado como objeto de contratos e de direitos reais, tais
como venda, locação, usufruto, sucessão, seguro, etc., dotado de conotação
jurídica própria, pois seria distinto dos bens que o constituem – uma nova espécie
de bem imaterial.
Para Hernani Estrella, a teoria do bem incorpóreo veio justificar a
titularidade do empresário sobre o estabelecimento empresarial, diante da
possibilidade de este ser composto de bens que não lhe pertencem, porque
alguns dos bens componentes do estabelecimento podem ser apenas locados
pelo titular. Diz o autor que,
...ante essa dualidade de situações, isto é, a titularidade do estabelecimento sem a propriedade, no sentido do direito real, de alguns de seus elementos, pôs-se o problema de como legitimar qualquer daqueles atos translativos, abrangendo neles todos os componentes do fundo comércio.344
343 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento comercial. Op. Cit. pp. 89 e 90. 344 ESTRELLA, Hernani. Curso de Direito Comercial, Op. cit. p. 249.
134
Deve-se investigar, a fim de corroborar ou contestar essa teoria, a
possibilidade de caracterização do estabelecimento empresarial como bem
imaterial, pois não é toda e qualquer coisa imaterial que se enquadra no conceito
de bem imaterial. O direito brasileiro não protege o estabelecimento enquanto
conjunto de bens, e tampouco há o surgimento de bem incorpóreo sem proteção
jurídica específica. A proteção oferecida ao estabelecimento empresarial, no
direito brasileiro faz-se pela proteção aos seus elementos individualmente
considerados ou à sua capacidade de atrair clientela.
Daí que o estabelecimento empresarial não se enquadre no conceito de
bem incorpóreo. Mesmo porque o bem deve ser capaz de gestão econômica
autônoma, assim como da constituição de uma entidade econômica distinta para
ser considerado bem incorpóreo; fatores estes que não estão presentes no
estabelecimento empresarial. Demais disso, o estabelecimento empresarial não é
um bem criado meramente pelo intelecto; surge da união de vários elementos
materiais e imateriais e só existe a partir da conjugação destes vários elementos.
Não há como se falar em estabelecimento empresarial absolutamente
independente de seus elementos; aquele sempre dependerá destes. O
estabelecimento só seria um bem imaterial se sobrevivesse mesmo com a
desarticulação total dos bens que o compõem. Essa seria a única forma de se
reconhecer a sua autonomia.
Oscar Barreto Filho contesta a teoria do bem imaterial:
Não se pode, portanto, identificar o estabelecimento com a organização, que é um conceito abstrato inferido de modo de ser dos elementos ou fatores da produção, esquecendo a sua própria essência. Se o estabelecimento pressupõe a organização, esta por sua vez pressupõe a materialidade dos bens de produção em que se concretiza, e sem os quais o estabelecimento não existe, porque não é possível a atividade produtiva”345
Comparando a idéia organizadora do estabelecimento com os direitos
intelectuais, Oscar Barreto Filho procura evidenciar a impossibilidade de
caracterização daquele como um bem incorpóreo. Diz o autor:
345 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial, Op. Cit. p. 93.
135
A idéia organizadora não é absolutamente objeto de tutela específica do direito objetivo, como a obra artística, ou a invenção, porque não é suscetível de reprodução e não existe senão dentro do estabelecimento, é imanente e inseparável deste. Ora, se inexiste a possibilidade de uso, fruição ou disposição autônomas, não se pode falar na idéia de organização como objeto de direitos autônomos.346
II.G. Teorias atomistas
Os principais defensores das teorias atomistas são Scialoja, Barbero e
Ghiron347. Para estes autores, estabelecimento é formado por uma pluralidade de
coisas distintamente consideradas, correspondendo a uma unidade econômica.
Tal unidade não ocorre no plano jurídico, pois a lei não o toma como um todo
subordinado a tratamento unificado especial. Segundo este ponto de vista, a
existência de uma coordenação de vários elementos da produção dentro do
estabelecimento não é fator juridicamente apto a fazer com que estes percam sua
identidade. Dessa forma, os negócios relativos ao estabelecimento devem ser
feitos tomando-se cada elemento singular que o constitui, seja bem material ou
imaterial. Deste modo, a unidade patrimonial do estabelecimento não seria
reconhecida pelo direito. No entanto, verificando-se como o direito tutela, por
exemplo, a venda do estabelecimento – considerando-o como um todo, se verifica
que existe efetivamente o reconhecimento de uma unidade jurídica, que é
protegida como tal, sendo necessário encontrar o lugar merecido no ordenamento
jurídico.
II.H. Teorias patrimonialistas
O estabelecimento e as universalidades de direito348 carecem do
346 BARRETO F°, Oscar. Ibidem. p. 94. 347 BARRETO F°, Oscar. Ibidem. pp. 95 a 98. 348 UNIVERSALIDADE. Do latim universalitas, de universalis, gramaticalmente, universalidade é a generalidade, a totalidade, ou toda a composição, conjunção, ou reunião de várias coisas, congregadas, reunidas, justapostas, coletivadas, para que cumpram certos objetivos. Assim, a universalidade não somente revela o acervo de coisas, a massa de bens e de direitos, o patrimônio, como, no seu conceito de ajuntamento, coleção, concentração, união, traduz o sentido de corporação, colégio, companhia, associação e sociedade. Há, por isso, que se distinguirem as universalidades de coisas e as universalidades de pessoas, como há universalidades de idéias, de princípios e de regras. No direito, ou juridicamente, somente se cogitam das universalidades de coisas (universitates rerum) e universalidades de pessoas (universitates personarum). UNIVERSALIDADE DE COISAS. Nesta hipótese, universalidade sem se afastar do sentido originário, é utilizada para designar o conjunto, ou a coletividade de coisas, consideradas em seu todo, ou na composição, que formaram. Na universalidade de coisas, mesmo que as coisas simples e compostas, que a integrem, não percam a própria individualidade e possam ser tratadas, de per si, mantendo o próprio regime e formando um objeto de direito, a totalidade de coisas universalizadas, por seu lado, adquire uma individualidade própria,
136
reconhecimento jurídico das universalidades, que dependem do preenchimento
de duas condições essenciais: (a) previsão legal no sentido de um tratamento
jurídico diferenciado para a soma dos elementos do estabelecimento, quando
considerados os elementos diversos na sua individualidade; e, (b)
reconhecimento da validade da realização de negócios jurídicos relativos a esse
conjunto de bens, considerado como um todo, diversos dos negócios efetuados
com os bens isolados.
Tal como define o código civil em vigor, percebe-se que o estabelecimento
empresarial preenche os dois requisitos considerados, concomitantemente; daí
decorrendo a universalidade. O ordenamento jurídico tutela dois tipos de
universalidade: as de direito e as de fato. Portanto, seria necessário verificar em
qual das duas o estabelecimento se insere. O art. 91 do código civil preconiza que
“constitui uma universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma
pessoa, dotadas de valor econômico”.
Não é necessário alongar a discussão quando são examinados os
elementos essenciais das referidas universalidades. A de direito é de natureza
econômica e é submetida, por lei, a um regime especial e distinto. A de fato
corresponde a um conjunto de objetos de direito, sendo que nesta última o caráter
que se submete a trato e regime especial. Por vezes, mesmo, como ocorre na herança, ou na massa falida, atribuem-lhe uma personalidade jurídica, que se mantém enquanto o acerco de bens e de direitos, ou o patrimônio, a que se referem, não tem cumprido o destino legal que lhe foi imposto. Na terminologia jurídica, a universalidade de coisas é manifestada sob as mais variadas denominações. São, assim, universalidades, o patrimônio, ou fundos patrimoniais, a herança, ou massa hereditária, os acervos de várias naturezas, a massa falida. Onde quer que exista um conjunto, ou uma massa de bens e de direitos, trazendo destino econômico e jurídico preestabelecido ou imposto, há uma universalidade. Para formá-la, basta a reunião de bens ou de coisas autônomas, a que se atribuam valores próprios, assim unidas, para que cumpram, ou realizem, um objetivo econômico. E não importa a natureza ou a espécie de cada uma dessas coisas. Na universalidade, a reunião não visa, propriamente, à justaposição ou à conjugação das coisas, mas à somação, ou à totalização dos valores de cada coisa universalizada. Praticamente, pois, a universalização constituidora da universalidade resulta numa composição da ordem meramente econômica, embora sujeita a regime jurídico especial. A universalidade, a rigor, é um complexo de coisas, mesmo heterogêneas. Nela, tanto se integram móveis como imóveis, bens materiais, como imateriais, isto é, coisas corpóreas e incorpóreas, desde que a cada uma delas se possa atribuir, legitimamente, um preço, ou um valor comercial. é princípio, aliás, consagrado pelo direito civil brasileiro: ‘O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidades, e, como tais, subsistem, embora não constem de objetos materiais’ (Cód. Civil, art. 57). A universalidade de coisas distingue-se em universalidade de fato e universalidade de direito, conforme se deriva da vontade ou de ato do homem, ou se deriva da imposição legal. A universalidade de direito (universitates juris) é aquela em que a universalização de coisas é estabelecida pela própria lei, que a submete a regime especial e distinto a que estão sujeitos, individualmente, os bens e direitos, que a compuseram. Nesta espécie, encontramos a herança, a massa falida. A universalidade de fato, ou universalidade do homem (universitates facti ou universitates hominis), é a que resulta da vontade das pessoas, firmada em ajustes, ou convenções. Desta espécie são as universalidades que se firmam nos estabelecimentos comerciais, ou nas aziendas. Firmadas pela vontade das partes interessadas, têm conteúdo traçado por elas, consoante o destino econômico que lhes atribui”. In: Plácido e Silva.Dicionário Jurídico.
137
unitário decorre da vontade do sujeito, quando dá aos bens que a compõem um
destino determinado.349 Silvio Rodrigues salienta essa distinção existente entre as
universalidades de fato e de direito, nos seguintes termos:
Quando se trata de um agrupamento de coisas (objeto de direito), (...) fala-se em universalidade de coisas, ou universalidade de fato ou universitas rerum. Quando a universalidade é composta de um conjunto de direitos (relações ativas e passivas), tem o nome de universitas juris.”350
Diz Vicente Rao que
...a chamada universalidade de direito consiste em uma união puramente ideal, que só pela lei pode ser criada, pois somente a lei – e jamais a vontade dos titulares – poderia despojar cada unidade, que desta união participa, de sua peculiar qualificação jurídica para considerar o todo sob um só e novo aspecto, isto é, como um universum jus.351
Dessa forma, verifica-se que o estabelecimento empresarial não pode ser
incluído entre as universalidades de direito e sim entre as de fato. P.R. Tavares
Paes sintetiza o quanto segue:
A doutrina nacional se inclina a considerá-lo como universalidade de fato, não obstante corrente significativa o veja como universalidade de direito. Esta não pode ser, pois a universitas juris só se constitui por força de lei. Insta nesse passo repisar os dois conceitos. A universalidade de fato é um conjunto de coisas autônomas, simples ou compostas, materiais ou imateriais, formada pela vontade do sujeito e para uma destinação unitária. Já a universalidade de direito é um complexo orgânico, criado por lei, de relações jurídicas ativas e passivas, como são exemplos o patrimônio, a herança, a massa falida. 352
349 A nota distintiva entre as duas correntes doutrinárias verifica-se nas hipóteses de alienação do estabelecimento. Isto porque, para os adeptos da teoria da universalidade de fato, em caso de alienação do estabelecimento, seriam transferidos apenas bens, ou seja, um ativo; ao passo que para os adeptos da universalidade de direito, em caso de alienação do estabelecimento, seriam alienados não somente bens, mas também dívidas, em razão de defenderem que o estabelecimento seria formado por relações jurídicas patrimoniais, as quais, por definição, podem atribuir ao seu titular não somente posições jurídicas creditícias e de propriedade, mas também posições de dívida. Com efeito, reconhecer-se no estabelecimento uma universalidade jurídica; e isto é o mesmo que reconhecer que o estabelecimento é formado pelo direito sobre determinados bens, mas que também o é, por sujeição a determinadas obrigações. 350 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral, 26 ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1996. p.128. 351 RAO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 769. 352 TAVARES PAES, P. R. Curso de Direito Comercial, p. 13.
138
De acordo ao estabelecido por Modesto Carvalhosa353, uma das
conseqüências de se reconhecer o estabelecimento como uma universalidade de
fato é a de que é irrelevante o fato de o empresário seu titular ser proprietário dos
bens que o integram. Basta que possua a livre disponibilidade sobre esses bens,
ou sobre o próprio estabelecimento, assegurada por um direito real ou contratual.
Isso é suficiente para que o empresário possa organizar e empregar esses
elementos da forma que considerar mais conveniente à exploração da empresa.
Por bastar para o exercício da empresa essa disponibilidade dos bens e do
estabelecimento, já se admitia – antes mesmo de ser expressamente previsto no
art. 1.143 – que o estabelecimento pudesse ser objeto de negócios jurídicos de
transferência, e sob os mais diversos títulos.
O estabelecimento empresarial compreende, portanto, uma universalidade
de fato, decorrente da reunião de um complexo de bens materiais e imateriais,
organizados pela empresa para o exercício da atividade; e que, quando
organizado, tal complexo compõe o patrimônio da empresa. Por ser
universalidade, não há necessidade de que os bens integrantes sejam de
propriedade do empresário, bastando que detenha – a título de contratos de
locação, de arrendamento mercantil e etc – a titularidade desses elementos para
o exercício da sua atividade.
Neste sentido, alude Oscar Barreto Filho que o estabelecimento possui
características específicas e intrínsecas: (a) que o estabelecimento é o centro da
organização da atividade produtora do empresário; (b) tem existência real, e não
abstrata, como no caso do patrimônio; (c) sua criação depende da vontade do
empresário; (d) é formado exclusivamente por elementos do ativo (bens materiais
ou imateriais), dele não fazendo parte elementos do passivo do titular.354 Ainda
que a doutrina compreenda de forma majoritária ser o estabelecimento
empresarial uma universalidade de fato em razão da dupla proteção que possui o
estabelecimento: a proteção de seus elementos individualmente considerados e a
proteção oferecida ao conjunto de bens. A fixação da natureza jurídica atribuída
ao estabelecimento empresarial, entre as classificações inicialmente expostas,
mostra-se absolutamente pertinente, até mesmo para permitir o ingresso no tema
353 CARVALHOSA, Modesto. Comentário ao Código Civil: parte especial: do direito da empresa (artigos
1.052 e 1.1195). Op. cit. p. 634-635. 354 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. Op. cit. p. 107.
139
principal do presente estudo; qual seja, a apresentação de uma nova espécie de
estabelecimento, formado a partir do instituto do franchising.
Nesta linha de raciocínio e considerando o conceito de estabelecimento
anteriormente fixado, põe-se em evidência a natureza de direito real presente no
instituto do estabelecimento empresarial, tal como definido no artigo 1.142 do
código civil. Destarte, o capítulo que se segue será dedicado à apresentação de
uma nova espécie de estabelecimento, à sua conceituação e, ainda, à
apresentação do regime jurídico que lhe é aplicável.
140
III - ESTABELECIMENTO FRANQUEADO, UMA NOVA ESPÉCIE DE
ESTABELECIMENTO.
A natureza jurídica do estabelecimento empresarial como sendo uma
universalidade de fato e de direito real, principalmente em razão deste se originar
a partir da reunião de um complexo de bens, materiais e imateriais, organizados
pela empresa para o exercício da atividade, que seguem em poder do
empresário, que pode usar, gozar e dispor de cada um dos bens, assim como do
estabelecimento empresarial formado, da maneira que melhor lhe aprouver, já
que possui disponibilidade sobre eles, foi abordada no capítulo precedente.
Superadas as controvérsias existentes acerca do instituto do
estabelecimento empresarial e da sua natureza jurídica, indaga-se a respeito da
formação de uma nova espécie de estabelecimento, que não se restringe à
classificação tradicional e geral do estabelecimento empresarial e que, tanto por
isso, deverá ficar sujeito a um regime jurídico próprio.
Neste sentido, como forma de dar o tom adequado à apresentação da tese
que se pretende apresentar e, ainda, sabedor que o conceito constitui parte
essencial de uma teoria jurídica e que o mérito de uma informação conceitual
somente pode ser valorado quando esclarecido seu propósito ou finalidade, o
presente estudo se preocupou em apresentar de modo extensivo os institutos do
Business format franchising e do estabelecimento empresarial, para então
apresentar uma nova espécie de estabelecimento, formado a partir de uma
relação de franquia empresarial, denominado estabelecimento franqueado, assim
como o regime jurídico a ele aplicado.
Assim, resulta oportuno retomar uma vez mais o fundamento filosófico que
direciona o presente estudo, a teoria culturalista desenvolvida por Miguel Reale e
a circunstância do mundo contemporâneo; esta última, determinante do fazer
cultural e econômico da sociedade do século XXI.
141
A economia global é uma nova realidade histórica, diferente de uma
economia mundial, tal como ocorreu nos tempos do “fordismo” 355. Segundo
Immanuel Wallerstein, economia mundial, ou seja, uma economia em que a
acumulação de capital avança por todo o mundo, existe no ocidente desde o
século XVI. Uma economia global é algo diferente: uma economia com
capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala
planetária356. O caminhar da história ensina que os revolucionários da Antiguidade
preconizavam a reforma agrária e a partilha de terras. Os da era industrial
visavam à prosperidade dos meios de produção. Hoje, é sobre o conhecimento
que repousam a riqueza das nações e a força das empresas. A revolução
industrial nascida em meio ao séc XVIII confiou à razão humana a resolução dos
problemas, contrapondo tudo aquilo em que se acreditava até então. E como o
enfoque que aqui se apresenta diz respeito à comunicação existente entre
franqueador e franqueado, isto é, empresários do século XXI, vê-se o nascimento
de determinada necessidade organizacional; o que enveredou, posteriormente,
para um caráter de estratégia empresarial buscando melhor atender ao público
consumidor. O conhecimento tornou-se um recurso relevante, pois a matéria
prima não é tão importante quanto a maneira de melhor adequá-la e promover o
seu uso.
Na esteira do desenvolvimento do comércio internacional e dos avanços
tecnológicos357 a globalização econômica é uma realidade já suficientemente
palpável para obrigar organizações a gerir seus negócios balizadas pelos
parâmetros da competitividade, qualidade, produtividade e excelência de gestão.
No nível econômico da globalização, a produção de meios de consumo se tornou
um fenômeno cultural. A dinâmica existente entre a dimensão econômica e
cultural refere-se, precisamente, a uma espécie de revolução cultural cuja
ocorrência se dá no seio do próprio modo de produção, o que vale dizer: a inter-
355 É certo que as diversas linhas teóricas abordam de diferentes maneiras e lançam mão de diferente nomenclatura ao se referirem aos problemas atinentes ao mundo contemporâneo. Assim, o momento fordista (manifestação de ordem econômico-industrial característica do século XX) corresponderia à modernidade, enquanto que a economia global – na qual o business format franchising se encontra inserido – corresponderia à pós-modernidade. Como esta não é uma questão relevante para o andamento deste estudo preferiu-se adotar apenas o uso da expressão mundialização da cultura para referir-se ao correspondente de economia globalizada. 356 WALLERSTAIN, Immanuel. The modern world-system. N. York: Academic Press, 1976. p. 63. 357 Vale dizer, para um melhor ajuste ao crescente grau de internacionalização da economia que tomou impulso a partir dos anos 90.
142
relação do cultural com o econômico não é uma via de mão única, mas uma
interação contínua e recíproca, um círculo de realimentação. Daí a pertinência do
modelo de rede para o funcionamento do instituto do franchising. Ora, redes
empresariais não são meras estruturas, mas estruturas em ação; e sua condução
estratégica de funcionamento impulsiona as economias locais e as globais em
uma dinâmica inter-relacional. Além disto, as redes têm uma relevância social
maior, na medida em que o homem deve ser visto como o elemento principal de
todo e qualquer processo de mudança e de modernização empresarial, pois as
mudanças, quando implementadas, esbarram em formas tradicionais e
conservadoras, capazes de desencadear um cansaço organizacional que dificulta
o desenvolvimento pleno de qualquer atividade.
A morfologia da rede parece estar bem adaptada à crescente
complexidade de interação e aos modelos imprevisíveis do desenvolvimento
derivado do poder criativo dessa interação, afirma Manuel Castells358. Para tanto
é preciso visualizar a rede de franquia de negócio formatado em termos de
conhecimento e fluxos de conhecimento, uma concepção bem diferente dos
paradigmas da era industrial, pois a fábrica criava valor a partir de bens materiais
(capital), movimentando-os dos fornecedores para a fábrica, e dela para os
consumidores. Por isso o know-how e, portanto, o Estabelecimento Franqueado,
adquirem hoje uma importância maior do que nunca. O estoque de capital
intelectual é importante porque se está em meio a uma revolução econômica que
está criando a Era da Informação. No sistema de Business format franchising o
Estabelecimento franqueado é o lugar de recepção da informação, do know-how;
evidenciando assim que a formação do Estabelecimento Franqueado é geradora
de um estabelecimento de caráter singular, como se verá ao longo deste capítulo.
É nesta perspectiva que aqui se apresenta um traçado entre o instituto do
estabelecimento empresarial e o estabelecimento franqueado. Inicialmente é
possível fazê-lo a partir da síntese elaborada por Bonfim Vianna; esta, fruto de um
estudo comparativo de várias definições. Expressis verbis, a ciência de que o
estabelecimento empresarial constitui um instituto de natureza patrimonial e
provido de função econômica, formado de um conjunto de bens corpóreos e
incorpóreos, e que é, por fim, um instrumento de trabalho utilizado pelo
358 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 78.
143
empresário para o efetivo exercício de atividade produtiva permite uma
construção lógica dos contornos adquiridos pelo estabelecimento franqueado,
quais sejam: a de que este se forma a partir de dois complexos distintos; o
primeiro deles de bens corpóreos de propriedade de um empresário (entendido
como empresário franqueado) e o outro, de propriedade de outro empresário (o
empresário franqueador) constituído de bens incorpóreos e organizado segundo
know-how e aviamento desenvolvido pelo franqueador e transferido para o
empresário franqueado, mediante contrato, para o exercício de atividade
empresária vinculada359.
Do conceito de estabelecimento franqueado apresentado importa destacar
seus elementos constituintes, que reunidos consubstanciam a causa material do
know-how. Este é transmitido ao franqueado pelo franqueador e se junta à soma
de bens corpóreos singularmente considerados, em virtude das características e
padronização da unidade franqueada que será operada pelo franqueado e que
perdurará até a extinção do vínculo contratual de franquia. É o valor do know-how
– sua complexidade, eficácia e capacidade de adaptação –, somado ao
aviamento também desenvolvimento por este, que diferencia e destaca a rede
franqueada no mercado, fixando sua posição de sucesso diante da concorrência.
No franchising existe um repasse de todo o conhecimento empresarial do
franqueador – que é formado pelo know-how organizacional e aviamento
desenvolvimento pelo franqueador, assim como o repasse de conhecimentos
técnicos industriais e técnicos de promoção, necessariamente acoplados ao uso
de marcas, expressões de propaganda, nomes comerciais, títulos de
estabelecimento, entre outros elementos que identificam e constituem a imagem
da rede franqueada formando o estabelecimento franqueado. Sobre o complexo
de bens que forma o estabelecimento franqueado o franqueado não possui
qualquer disponibilidade; tampouco, sobre o próprio estabelecimento. Com efeito,
o franqueado não pode organizar e empregar os elementos da forma que
considerar mais conveniente à exploração da empresa, cabendo-lhe,
exclusivamente, seguir estritamente as determinações estipuladas pelo
franqueador, como reza o contrato de franquia.
359 Perfil analítico-comparativo do estabelecimento, RDM, 30.
144
Outro aspecto extremamente importante do conceito de estabelecimento
franqueado, e que merece destaque, é o fato deste estabelecimento ser formado
a partir da celebração do contrato de franquia entre as partes. Com efeito, o
franqueador licencia ao franqueado todos os elementos essenciais e
imprescindíveis à formação do estabelecimento franqueado; isto é, os bens
incorpóreos de sua propriedade360, além de conceder o direito de distribuir e
prestar os serviços identificados pela marca licenciada e permitir o acesso deste
último a uma clientela fiel. Ao celebrar o contrato de franquia o franqueado contrai
uma série de obrigações, como a de constituir uma sociedade empresária nos
exatos moldes determinados pelo franqueador e a de montar a unidade
franqueada seguindo os padrões definidos por este.
Percebe-se, assim, que o estrito cumprimento do contrato de franquia é
condição de existência do estabelecimento franqueado, além do fato de o
estabelecimento somente existir enquanto o acervo de bens e direitos, a que se
refere o contrato de franquia, cumprir o destino contratual ajustado entre as
partes. O estabelecimento franqueado é decorrência imediata do contrato de
franquia outrora celebrado, sem o qual o estabelecimento não existiria. O contrato
de franquia, tal como se viu no capítulo dedicado à matéria, nasce do encontro de
duas declarações convergentes de vontades, emitidas no propósito de constituir
entre o franqueador e o franqueado uma relação jurídica de conveniência mútua,
que resultará na formação do estabelecimento franqueado.
Neste sentido, Orlando Gomes, ensina que,
...o mecanismo de formação do contrato compõe-se de declarações convergentes de vontades emitidas pelas partes. Para a perfeição do contrato, requerem-se: em primeiro lugar, a existência de duas declarações, cada uma das quais, individualmente considerada, há de ser válida e eficaz; em segundo lugar, uma coincidência de fundo entre as duas declarações. Por conseguinte, acordo de vontades para a constituição e disciplina de uma relação jurídica de natureza patrimonial. O fim do acordo pode ser também a modificação ou a extinção do vínculo.361
360 Em importante estudo o jurista José Roberto d`Affonseca Gusmão parte da compreensão de que a natureza dos bens imateriais implica a adoção de um regime jurídico próprio, diferente do direito de propriedade tout court, defende um regime jurídico sui generis, um regime jurídico de direito de propriedade sui generis, vez que a relação de domínio que representa o direito de propriedade seria imperfeita sem a garantia especial de regras como a da contrafação, a da imitação fraudulenta, entre outras. 361GOMES, Orlando. Op. cit.. p. 12.
145
Sendo a contratação lícita, legítima e não contrariando nenhum preceito de
ordem pública362, as partes deverão observar o princípio da força obrigatória, que
determina que o contrato é lei entre as partes, e cumprir suas cláusulas como se
fossem preceitos legais imperativos, já que estas têm, para os contratantes, força
obrigatória. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as
circunstâncias em que tenha de ser cumprido e impõe às partes, a obrigação de
sempre respeitar a base363 sobre a qual o negócio jurídico foi estabelecido, nos
aspectos objetivos e subjetivos, até que sejam extintos todos os efeitos
decorrentes do contrato.
Neste sentido, o franqueado, ao ingressar na rede franqueada e celebrar o
contrato de franquia, contrai uma série de obrigações, entre as quais se
destacam: (a) constituir a sociedade empresária que irá operar, exclusivamente, a
unidade franqueada, cuja constituição se encontra vinculada e adstrita ao negócio
jurídico franqueado e cujo objeto social estará limitado ao negócio franqueado a
ser explorado; (b) adquirir os bens móveis necessários para a operação da
referida unidade franqueada que deverão seguir os padrões característicos da
rede franqueada e ser adquiridos obrigatoriamente dos fornecedores indicados
pelo franqueador; e (c) localizar o ponto comercial onde se estabelecerá a
empresa franqueada, formar o estabelecimento franqueado, que, por sua vez,
deverá ser escolhido de acordo com as orientações do franqueador e submetido à
aprovação final deste último.
Como se pode extrair do conceito de estabelecimento franqueado proposto
e das peculiaridades do Business format franchising, esta nova espécie de
estabelecimento, muito embora também compreenda uma universalidade de fato
– da mesma forma como ocorre com o estabelecimento empresarial -, não possui
a natureza jurídica de direito real tal qual verificada neste último. Ao contrário, o
que se faz presente no estabelecimento franqueado, dadas as suas
características, é a natureza jurídica de direito obrigacional. O estabelecimento
362 O Código Civil, em seu artigo 104, determina os requisitos para que o negócio jurídico tenha validade, são eles: I. Agente Capaz; II. Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável; e III. Forma prescrita ou não defesa em lei. 363 “Por base do negócio jurídico devem-se entender todas as circunstâncias fáticas e jurídicas que os
contratantes levaram em conta ao celebrar o contrato, que podem ser vistas nos seus aspectos subjetivo e
objetivo”. In: NERY JR., Nelson. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante: Atualizado até 2 de
maio de 2003/ Nelson Nery Junior & Rosa Maria de Andrade Nery. – 2.ed. ver. e ampl., 2. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 340 apud Nery, RDPriv 10/ 179.
146
franqueado forma-se exclusivamente em razão do contrato de franquia e sua
manutenção está diretamente relacionada à vigência do contrato, cujo prazo é
certo e determinado. Com efeito, a análise criteriosa do instituto do franchising se
mostra imprescindível, já que a aplicação equivocada do regime jurídico no
deslinde de problemas atinentes ao estabelecimento franqueado poderá implicar
a expropriação de direitos do franqueador ou até mesmo o locupletamento ilícito
do franqueado em detrimento do franqueador, ademais da uma infindável série de
adversidades para a rede em seu conjunto.
A necessidade de criação de um regime jurídico próprio para a figura do
estabelecimento franqueado torna-se mais evidente a partir da análise dos
elementos essenciais que o compõem, deixando entrever que o regime jurídico tal
como disposto no artigo 1.142 do Código Civil não é suficientemente estruturado
de forma a oferecer a esta nova espécie de estabelecimento uma boa integração
no sistema jurídico. Isto porque, os dispositivos do código civil aplicáveis ao
instituto do estabelecimento empresarial, por conta da sua generalidade, devem
ser aplicados ao instituto do estabelecimento latu sensu, que em nada se
aproxima do estabelecimento franqueado permitindo afirmar que há neste caso
uma lacuna no sistema jurídico já que não são previstas conseqüências jurídicas
aplicáveis a esta nova espécie de estabelecimento.
Ora, tal necessidade está diretamente atrelada ao modo de funcionamento
do sistema de franchising; em particular do know-how e do aviamento cedidos e a
conseqüente padronização de serviços e produtos que criam as novas
identidades sociais364, tanto para os franqueados como para os consumidores.
Este novo modelo de gestão empresarial do qual deriva esta nova espécie de
estabelecimento, o estabelecimento franqueado, não se coaduna ao modelo que
a doutrina mais conservadora prevê. Diante da lacuna365 existente na lei acerca
364 WAGNER, Peter. Op. cit. p. 16. 365 A expressão lacuna foi empregada no sentido de que a norma jurídica atualmente existente e que disciplina o instituto do estabelecimento latu sensu não é aplicável à nova espécie de estabelecimento franqueado, pelo menos enquanto não possuir um complemento. Considerando que um sistema jurídico é um conjunto de normas e que pode ser concebido, alternativamente, ou como um enunciado que qualifique deonticamente um certo comportamento, ou como um enunciado sintaticamente condicional que liga uma conseqüência jurídica a uma hipótese, ou seja, a um circunstância ou a uma combinação de circunstâncias, pode-se definir lacuna em um ou outro dos modos seguintes: (a) num sistema jurídico há uma lacuna quando um dado comportamento não é deonticamente qualificado de algum modo por alguma norma jurídica desse sistema; ou (b) num sistema jurídico há uma lacuna quando para um dado caso particular não é prevista alguma conseqüência jurídica por alguma norma pertencente ao sistema.
147
do estabelecimento franqueado e da inaplicabilidade dos dispositivos hoje
existentes a esta nova espécie de instituto, o deslinde de eventuais controvérsias
que venham a recair sobre esta nova espécie deverá ser feito a partir de um
raciocínio analógico366, conforme autorizado no art. 4 da Lei de Introdução ao
Código Civil, que determina: “quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Vale dizer:
diante de eventual controvérsia envolvendo o estabelecimento franqueado o juiz
deverá buscar situação semelhante ao caso para saná-lo367. Como, entretanto,
dificilmente o juiz fugirá do instituto do estabelecimento empresarial tal como
previsto no código civil, em seu art. 1.142 – até mesmo porque a semelhança ou
proximidade entre duas situações depende fundamentalmente da apreciação
valorativa do juiz, pode-se praticamente assegurar que o deslinde da problemática
levada a juízo, será equivocado.
Neste sentido, é interessante ressaltar a preocupação manifestada por
Tércio Sampaio Ferraz Jr. quanto ao problema lógico na definição a partir do
raciocínio analógico, dado que este se situa justamente na compreensão do que
vem a ser o princípio da semelhança. Em estudo realizado sobre o tema, o
mesmo autor conclui que
...o uso da analogia depende, em última análise, da definição, mais ou menos ampla, que se proporcione do âmbito da semelhança. Como este âmbito só pode ser definido significativamente nos quadros de uma
366 Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr, “via de regra, fala-se em analogia quando uma norma, estabelecida
para um determinado suposto fático ... é aplicada a outro, que do primeiro se afasta, mas com o qual guarda
relações essenciais. Diz-se também de uma aplicação extensiva de princípios extraídos da lei a casos
semelhantes juridicamente, i. e., casos que lhes são essencialmente iguais nas partes importantes, tendo em
vista uma decisão... Fala-se ainda de aplicação de disposições legais dadas, a casos não totalmente
conformes e não regulados expressamente, mas que concordam com as ideiais fundamentais daquelas
disposições. O grande problema lógico na definição de analogia esta na determinação do que sejam as
mencionadas relações essenciais, entre os supostos fáticos, ou seja, no preciso entendimento do chamado
princípio da semelhança”. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. “Analogia: Aspecto lógico-jurídico: Analogia como argumento ou procedimento lógico”. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, v.6, p.363. Para R. Limongi França, “analogia é a aplicação de um princípio jurídico regulador de certo fato a outro fato não regulado,
mas semelhante ao primeiro. O seu fundamento está na idéia de que os fatos de igual natureza devem
possuir igual regulamento”. Limongi França, R. Analogia (noção) – Aplicação do Direito, in Enciclopédia
Saraiva do Direito, v.6, p.371. 367 GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às Normas. Trad. Edson Bini - Apresentação Heleno Taveira Tôrres – São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 230, afirma que existem dois modos dos juízes procederem diante de uma lacuna: “... (i) ampliando o material legislativo tomado em consideração, de modo a encontrar uma
disposição adequada para oferecer a norma reguladora do caso particular ou modificando a interpretação
precedente do material legislativo levado em consideração, por exemplo, de modo a extrair das mesmas
disposições também a norma reguladora do caso particular...” ou (ii) produzindo uma norma inteiramente nova, em razão da solução anterior, por vezes, não ser praticável “...visto que não se encontra nenhuma
interpretação, persuasivamente argumentável, que permita resolver o problema”.
148
teleologia, a analogia requer sempre uma referência às finalidades (valoração dos objetivos e dos motivos) aos quais ela se orienta.
Evidente que não se pode deixar à apreciação valorativa do juiz a solução das
problemáticas que eventualmente venham a recair sobre a nova espécie de
estabelecimento franqueado, na esperança de que a autoridade com competência
para disciplinar a matéria tenderá a prestigiar os mesmos valores ou adotar iguais
critérios aos que a inspiraram na edição de outra norma para uma situação
próxima.
Neste mesmo sentido advertiu Miguel Reale, para o qual
...se uma caso reúne, por exemplo, os elementos a, b, c, d, e surge um outro com esses elementos e mais o elemento f, é de se supor que, sendo idêntica a razão de direito, idêntica teria sido a norma jurídica na hipótese da previsibilidade do legislador, desde que o acréscimo de f não represente uma nota diferenciadora essencial. É preciso, com efeito, ter muita cautela ao aplicar-se a analogia, pois duas espécies jurídicas podem coincidir na maioria das notas caracterizadoras, mas se diferençarem em razão de uma que pode alterar completamente a sua configuração jurídica. Essa nota diferenciadora, como a teoria tridimensional o demonstra, pode resultar tanto de uma particularidade fática quanto de uma específica compreensão valorativa”.368
Contudo, para que possa entender a extensão do pensamento de Reale,
vale esclarecer que quando se discute a completude ou incompletude do sistema
jurídico é necessário ter em mente de qual sistema jurídico se está falando, uma
vez que a expressão sistema jurídico pode assumir dois significados bastante
distintos. Por um lado, o sistema jurídico pode referir-se ao que se costuma
chamar de um ordenamento jurídico, ou seja, pode referir-se a um sistema
jurídico nacional considerado em seu conjunto e num dado momento de sua
existência. Por outro, a mesma expressão pode referir-se a um corpus de normas
menor, recortado no âmbito do inteiro ordenamento jurídico com o objetivo de
encontrar a disciplina jurídica de uma certa matéria; no caso aqui proposto.
Daí que se deva considerar a necessidade de defender a promulgação de
uma lei especial para esta nova espécie de estabelecimento franqueado.
Enquanto a lei especial não chega há que se assinalar – como forma de orientar
na condução da analogia – que possuindo o estabelecimento franqueado
368 REALE, Miguel. Instituições do Direito. Op. cit. p. 293.
149
natureza jurídica de direito obrigacional, há de ser aplicado o conjunto de normas
menor, recortado no âmbito do ordenamento jurídico, a saber: Circular de Oferta
de Franquia, o Contrato de Franquia, o Código de Propriedade Intelectual, os
dispositivos de concorrência desleal e os princípios gerais de direito369.
Ainda assim, diante da promulgação de lei especial, os dispositivos do
Código Civil, na qualidade de norma geral, continuarão inaplicáveis? Sim, muito
embora haja quem entenda que uma norma é especial se possuir em sua
definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de
natureza objetiva ou subjetiva; e, ainda, que o tipo geral está contido no tipo
especial. A norma geral não se aplicará ante a maior relevância jurídica dos
elementos contidos na norma especial, que a tornaram mais suscetível de ser
atendido do que a norma genérica. Assim, possuindo o estabelecimento
franqueado elementos típicos e especializados, se comparado ao
estabelecimento empresarial, a regra geral contida no código civil continuará, da
mesma forma, inaplicável.
Os grupos humanos encontram-se em constante evolução e suas relações
sociais cada vez mais complexas, de tal forma que, além de surgirem institutos
novos, tal como ocorre com o estabelecimento franqueado – que possui
importante papel no mundo globalizado, o objetivo da lei acaba muitas vezes por
frustrar-se, uma vez que é impossível reunir em um único diploma legal de modo
sistemático, completo e congruente – a exemplo do código civil370, toda a
disciplina de determinada matéria jurídica371. Neste sentido, para fazer eco tanto
das palavras de Miguel Reale em suas formulações a propósito da
369 Estes princípios não estão explicitamente formulados em nenhuma fonte de direito, mas estão implícitos, latentes, no ordenamento jurídico total, uma vez que constituem os valores que dão fundamento ético e/ou político às diversas normas particulares expressamente promulgadas. Neste sentido, Miguel Reale, “...O
jurista não precisaria estar autorizado pelo legislador a invocar princípios gerais, aos quais deve recorrer
sempre, até mesmo quando encontra a lei própria ou adequada ao caso. Não há ciência sem princípios, que
são verdades válidas para um determinado campo de saber, ou para um sistema de enunciados lógicos.
Prive-se uma ciência de seus princípios, e tê-la-emos privado de sua substância lógica, pois o Direito não se
funda sobre normas, mas sobre os princípios que as condicionam e as tornam significantes”. In: REALE, Miguel. Filosofia do Direito. Op. cit. p. 56 370 Há que se lembrar que o primeiro código civil, no Brasil, vigorou de 1917 a 2003. O segundo entrou em vigor em 12.01.2003 e resultou do projeto de autoria da comissão presidida por Miguel Reale. Foi enviado ao Congresso Nacional em 1975 e aprovado após longa tramitação, quando, finalmente entrou em vigor – já desatualizado. 371 Neste sentido, já aludia Miguel Reale: “O legislador, por conseguinte, é o primeiro a reconhecer que o
sistema das leis não é suscetível de cobrir todo o campo da experiência humana, restando sempre grande
número de situações imprevistas, algo que era impossível ser vislumbrado sequer pelo legislador no
momento da feitura da lei”. REALE, Miguel. Instituições do Direito. Op. cit. p. 300.
150
tridimensionalidade do Direito372 como as de Rubens Requião, quando este se
refere de modo específico à regulamentação das relações mercantis:
A história testemunha que o mercador é seguido pelo jurista; o comerciante cria sua técnica e o jurista, pelo método indutivo, investiga os fatos, formula os princípios e delineia a teoria. Surge, então, o instituto jurídico moderno, com suas regras que visam assegurar e definir a licitude de tal prática373.
Assim, em função do que foi anteriormente considerado, em especial,
acerca da generalidade dos dispositivos aplicados ao instituto do estabelecimento
latu sensu e da constante atualização normativa do ordenamento jurídico, a seguir
serão analisados alguns artigos da lei civil que de per si demonstram sua
inaplicabilidade à nova espécie de estabelecimento e, conseqüentemente,
confirmam a necessidade de que seja promulgada lei especial que trate do
estabelecimento franqueado.
Nos termos do Art. 1.142 do Código Civil, “Considera-se estabelecimento
todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário,
ou por sociedade empresária”. Na nova espécie de estabelecimento franqueado,
este compreende dois complexos distintos, um de bens corpóreos, de
propriedade do empresário ou sociedade empresária, denominado franqueado, e,
outro, de bens incorpóreos de propriedade de outra sociedade empresária,
denominada franqueadora, organizado segundo know-how desenvolvido por esta
última e transferido para o primeiro, para que este realize o exercício de atividade
empresarial vinculada, mediante regime contratual próprio. Como se vê, o
legislador preocupou-se em conceituar o estabelecimento em sua amplitude e
generalidade.
Já os artigos seguintes, arts. 1.143 a 1.149, que se referem à possibilidade
do estabelecimento latu sensu ser objeto unitário de direitos e de negócios
372 Segundo teoria defendida por Miguel Reale, “....uma análise aprofundada dos diversos sentidos da
palavra Direito veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos, discerníveis em todo e
qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o direito como ordenamento e sua respectiva
ciência); um aspecto fático ( o direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um aspecto
axiológico ( o direito como valor de Justiça)” e, acrescenta, “...desde a sua origem, isto é, desde o
aparecimento da norma jurídica – que é síntese integrante de fatos ordenados segundo distintos valores, -
até ao momento final de sua aplicação, o Direito se caracteriza por sua estrutura tridimensional, na qual
fatos e valores se dialetizam, isto é, obedecem a um processo dinâmico...”. In: REALE, Miguel. Lições
Preliminares. p.65 e 67. 373 REQUIÃO, Rubens. “Contrato de Franquia comercial ou de concessão de vendas”. In: Revista dos
Tribunais 513/41. São Paulo: RT Editores, 1978. p.44.
151
jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua
natureza, bem como à eficácia da alienação, à proteção dos direitos de credores,
e a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do
estabelecimento, da mesma forma são inaplicáveis a esta nova espécie de
estabelecimento, tal qual se apresenta neste trabalho.
A inaplicabilidade dos artigos em questão é evidente. Outro artigo do
código civil que pode ser utilizado como forma de afastar por completo qualquer
dúvida que possa existir, em sua redação original, estabelece que:
salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante374.
No que diz respeito à alienação do estabelecimento empresarial, é importante
resgatar a posição defendida pela teoria atomista, para a qual as coisas que
compõem o estabelecimento, no ato de alienação, devem ser transferidas em
conjunto375, como forma de evitar que o empresário devedor que alienasse seu
estabelecimento ficasse privado de bens suficientes para solver o seu passivo.
No entanto, a realidade econômica de coordenação dos fatores de
produção impôs ao direito o reconhecimento do estabelecimento empresarial
como um bem jurídico distinto dos bens individuais que o compõem, justificando a
redação atual dada ao Art. 1.148. Deste modo, o estabelecimento empresarial
seria uma “coisa formada por coisas”, ou seja, uma universalidade que reclamaria
regras próprias de circulação. Despontaram, com efeito, as denominadas teorias
universalistas, que reconheciam o estabelecimento como um novo bem. Como os
bens que integram o estabelecimento – universalidade de fato e natureza jurídica
de direito real – são bens de produção organizados e destinados por um
empresário para o exercício de uma atividade, o trespasse impõe um nexo entre a
374 Artigo n° 1.148 NCC. 375 ASCARELLI, Tullio. Panorama do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1947. p. 202-203.
152
transferência do estabelecimento e sucessão na empresa, entendida como
exercício da atividade376.
Para que se caracterize o trespasse, a doutrina freqüentemente ressalta a
necessidade de conservação da potencialidade produtiva377 dos bens alienados,
que compõem o núcleo fundamental dos bens organizados para o exercício da
empresa378. Dessa forma, para que se caracterize o trespasse do
estabelecimento há a necessidade de que os bens alienados sejam organizados
ou potencialmente organizados por empresários para o exercício da empresa. Daí
que Cordeiro possa aduzir que “o trespasse não deixará de o ser até o limite de o
conjunto transmitido ficar de tal modo descaracterizado que já não possa
considerar-se um estabelecimento em condições de funcionar.”379
Neste sentido, considerando que o estabelecimento franqueado
compreende dois complexos distintos, um de bens corpóreos, de propriedade de
um empresário ou sociedade empresária, denominado franqueado, e outro de
bens incorpóreos de propriedade de outra sociedade empresária, denominada
franqueadora, organizado segundo know-how desenvolvido por esta última e
transferido ao primeiro, para que este realize o exercício de atividade empresarial
vinculada mediante regime contratual próprio, tem-se claro que o estabelecimento
franqueado não pode ser objeto de trespasse, na medida em que o franqueado só
possui disponibilidade sobre os bens móveis individualmente considerados os
quais, sendo transferidos, não são capazes de manter a utilidade do
estabelecimento franqueado e, tampouco, a sua capacidade produtiva; implicando
sua desarticulação.
O Código Civil, ao positivar a norma contida no art. 1.148, determina que
sejam conservadas íntegras as relações que sustentam o estabelecimento
franqueado, haja vista que mediante a
376 CINTIOLI, Fabio et alli. I transferimenti di azienda. Milano: Giuffrè, 2000, p. 18. 377 CINTIOLI, Fabio et alli. Ibidem. p.41. 378 Ibidem. p.41. 379 MENEZES CORDEIRO, Antônio. Manual de Direito Comercial, Coimbra: Almedina, 2001, v.1, p.247. Em sentido análogo, para Tokars, “pode-se afirmar que está configurada uma operação de trespasse sempre que os empresários pactuem a alienação de elementos que se mostrem suficientes ao desenvolvimento da atividade empresarial, sem que haja necessidade de acréscimo, por parte do adquirente, de outros elementos para que se confira funcionalidade ao conjunto de elementos envolvidos na operação”. TOKARS, Fábio. Estabelecimento Empresarial. São Paulo: Ltr, 2006. p. 107.
153
...transferência das relações contratuais relacionadas à exploração da atividade empresarial a) o adquirente se assegura da disponibilidade daqueles bens ou serviços, dos quais o alienante dispunha com base em relações que estavam sendo executadas; b) consente ao adquirente ingressar nas relações com os clientes, ligados ao alienante por uma relação que estava sendo executada.380
Daí afirmar-se que referido dispositivo legal não se aplica ao
estabelecimento franqueado e, muito menos oferece ao adquirente a segurança
mencionada. Isso porque, além de não ser legítimo ao franqueado efetuar o
trespasse do estabelecimento e, tampouco, a transferência dos instrumentos
contratuais que permitem a exploração do negócio franqueado – visto serem
personalíssimos – o franqueado detém apenas a propriedade dos bens materiais
que compõem o estabelecimento franqueado e estes só podem ser alienados fora
do contexto da universalidade de fato. Deste modo, em razão de o franqueado só
deter a livre disponibilidade dos bens móveis que integram o estabelecimento
franqueado, é impossível cogitar a possibilidade de alienar o estabelecimento. O
sobre-valor, aqui sinônimo de know-how, é todo de titularidade do franqueador,
que o licencia, a título precário, ao franqueado. Subtraindo do contrato de
trepasse, o know-how, a marca e todos os demais bens incorpóreos licenciados
pelo franqueador – que constituem elementos essenciais à formação do
estabelecimento franqueado – têm-se a perda do objeto do trespasse.
O direito visa proteger a transmissão global do estabelecimento, de sua
organização como uma unidade essencial, de modo que o adquirente esteja em
condições de explorá-lo, dando continuidade à exploração da atividade
empresarial originária. Como se percebe, isto não é possível no franchising.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho,
...admite-se, até certos limites, que os seus bens componentes sejam desagregados do estabelecimento comercial, sem que este tenha sequer o seu valor diminuído. Claro está que a desarticulação de todos os bens, a desorganização daquilo que se encontrava organizado, importa em desativação do estabelecimento comercial, em sua destruição, perdendo-se o seu valor.381
Como se vê, a transmissão deve ser sempre global, pois, de outro modo, o
que se transmitiria não seria o estabelecimento e sim os elementos singulares
380 CINTIOLI, Fabio et alli. I transferimenti di azienda. Op. cit. p. 227. 381 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Op. Cit. p.48.
154
que o compõem, ou ainda, um conjunto deles. O que não se verifica quando o
objeto do trespasse é o estabelecimento franqueado. O contrato de franquia
celebrado entre franqueador e franqueado destina-se a tutelar a faculdade
exclusiva do franqueador em compartilhar o seu know-how de operação e
exercício da atividade franqueada, a partir do qual o franqueador assegurará para
si, bem como para toda a rede franqueada, os proveitos econômicos da
exploração de seu know-how. É justamente essa licença de uso, por assim dizer
compartilhada, somada à limitação do direito do franqueado sobre o
estabelecimento, que torna inaplicáveis os artigos 1.143 a 1.149 do código civil.
Evidente que o regime jurídico criado pelo legislador para ser aplicado ao
estabelecimento empresarial não se aplica ao estabelecimento franqueado. Este
novo estabelecimento possui algumas especificidades que o diferenciam do
estabelecimento empresarial, a começar pela sua formação, que decorre de
obrigação contratual a partir da qual o franqueador licencia o direito exclusivo que
detém sobre o know-how desenvolvido ao franqueado e que fazem com que a
este novo instituto seja atribuída natureza jurídica de direito obrigacional.
É neste sentido que se deve considerar que a promulgação de uma lei
especial que reflita os fatos e valores de nossos dias se mostra imprescindível.
Vem a tempo as palavras de Miguel Reale, quando este afirma “...que toda regra
de direito representa um momento de equilíbrio, atingido como composição das
tensões que, em dada situação histórica e social, se verifica entre um complexo
de fatos e um complexo de valores”382. Ora, deve o legislador estabelecer como
ponto de partida as especificidades de cada um dos elementos que tipificam o
estabelecimento empresarial, na sua generalidade, e o estabelecimento
franqueado, de outro lado, na sua especialidade, para melhor criação de uma lei
especial que disponha sobre a nova espécie de estabelecimento.
De todo modo, outra forma possível de se evidenciar a peculiaridade do
regime jurídico concernente ao estabelecimento franqueado dada a natureza
jurídica de direito obrigacional, diz respeito aos elementos essenciais que
compõem o estabelecimento empresarial e o estabelecimento franqueado, em
que é possível identificar alguns grupos de teorias construídas a partir do objeto
do estabelecimento e outras, a partir da sua função e conteúdo. Dada a 382 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 562.
155
importância e complexidade das distinções que se pretende apresentar, os
elementos essenciais serão estudados em capítulo próprio.
156
IV - ELEMENTOS E ATRIBUTOS DO ESTABELECIMENTO
EMPRESARIAL E DO ESTABELECIMENTO FRANQUEADO
Estabelecimento empresarial, latu sensu, nos termos do art. 1142 do
código civil é o “...complexo de bens organizados, para exercício da empresa, por
empresário, ou por sociedade empresária”. O conceito proposto para o
estabelecimento franqueado o situa como um instituto que se forma a partir de
dois complexos distintos; o primeiro deles de bens corpóreos de propriedade de
um empresário (entendido como empresário franqueado) e o outro, de
propriedade de outro empresário (o empresário franqueador) constituído de bens
incorpóreos e organizado segundo know-how desenvolvido pelo franqueador e
transferido para o empresário franqueado, por meio de contrato, para o exercício
de atividade empresária vinculada.
No que respeita aos bens que integram o estabelecimento – seja ele
empresarial ou franqueado – Oscar Barreto Filho os coloca como elementos
constitutivos, ao afirmar que o empresário necessita deles para o exercício da
atividade, pois os bens materiais e imateriais que o compõem são inanimados,
necessitando de quem os implemente para que alcancem sua utilidade. Os
referidos bens seriam meros instrumentos potenciais da atividade econômica do
empresário.383
Antes de serem abordados os conceitos dos bens que organizados formam
o estabelecimento empresarial e o estabelecimento franqueado é importante
resgatar a questão atinente ao fato do estabelecimento latu sensu ser ou não um
bem. O estabelecimento, conforme aludido anteriormente surge, seja por livre
disposição de vontade ou por disposição contratual, da união de vários
elementos, materiais e imateriais, e só existe enquanto tais elementos estiverem a
seu serviço384, motivo pelo qual não há que se falar em estabelecimento
absolutamente independente de seus elementos. Aquele sempre dependerá
destes. O estabelecimento, portanto, não é um bem e somente seria um bem
imaterial se sobrevivesse mesmo com a desarticulação total dos bens que o
383 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. Op. cit. p. 122. 384 O estabelecimento empresarial nada mais é que a reunião de vários bens singulares, que, em dado momento, são encarados em seu conjunto.
157
compõem. Esta seria a única forma de reconhecer a sua autonomia. Barreto Filho
contesta que,
Não se pode, portanto, identificar o estabelecimento com a organização, que é um conceito abstrato inferido de modo de ser dos elementos ou fatores da produção, esquecendo a sua própria essência. Se o estabelecimento pressupõe a organização, esta por sua vez pressupõe a materialidade dos bens de produção em que se concretiza, e sem os quais o estabelecimento não existe, porque não é possível a atividade produtiva.385
A simples organização isolada dos demais elementos, porém, não tem
significado para o direito. A organização desligada dos demais elementos não
sobrevive; logo, não se constitui um bem. A idéia organizadora do
estabelecimento carece tanto de proteção jurídica específica quanto de
autonomia, para que possa ser considerada bem imaterial.
IV.A. BENS
São inúmeros os conceitos aplicáveis para a definição da palavra “bem”,
sejam eles decorrentes da doutrina econômica, da doutrina jurídica ou mesmo do
próprio contexto histórico romano. A primeira definição surge na Roma Antiga, na
compilação de uma das últimas levas da jurisprudência clássica romana,
resultado dos trabalhos de Pomponio, Paolo e Ulpiano,386 grandes responsáveis
pela sistematização da jurisprudência clássica, que viveram na época de Severo,
quase no início do século III, d.C. Suas obras contribuíram para mais da metade
da compilação do Digesto.387
O Direito Romano, até então dotado de máximas vazias, consagradas em
fórmulas jurídicas quase abstratas, serviu-se do trabalho desses juristas, prefeitos
do pretório romano, ou ainda, comandantes da guarda pretoriana para preenchê-
las, conferindo-lhes conteúdo. Sob essa ótica, discorre Ulpiano sobre “bem” e seu
385 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. Op. cit. p. 93. 386 Famoso jurisconsulto clássico romano nascido em Tiro, Fenícia, caracterizado por seu espírito humanista e eqüitativo, cuja obra foi fundamental na evolução do direito romano e bizantino. 387 Corpus iuris civilis é o nome atribuído pelos juristas medievais à compilação justinianéia, século VI d.C. a partir do ano de 530. A parte mais importante do Corpus iuris civilis é o Digesto ou Pandecta, formado a partir dos Iura contidos nas obras dos juristas clássicos. A litera Florentina é versão mais conhecida do Digesto, correspondente a um manuscrito do século VI, praticamente coexistente à própria compilação.
158
predicado, configurando “bem” como tudo aquilo dotado de capacidade de
satisfazer determinado desejo “bona ex eo dicuntor quod beant, hoc est beatus
faciunt".
Os mandamentos do direito romano: viver honestamente, dar a cada um o
que é seu e não lesar o próximo – “juris praecepta sunt haec: honeste vivere,
alterum non laedere, suum cuique tribuere” (Digesto. 1.1.10) – conformam o
arcabouço jurídico para a instauração do conceito da propriedade sobre o bem,
na medida em que possibilitam que o indivíduo, dotado do desejo de adquirir para
si determinado bem, satisfaça sua necessidade, obtendo para si o que é seu, ou
seja, exercendo seus direitos sobre o recurso, de modo a não lesar o próximo.
A idéia de propriedade, tanto em Economia quanto em Direito, refere-se a
um conjunto de direitos sobre um recurso, que em última instância pode ser
consubstanciado em um bem, garantida a liberdade do titular em exercer seu
direito de propriedade, protegido contra a interferência de terceiros.388 Em outras
palavras é o direito que a pessoa física ou jurídica tem de ter, usar, gozar e dispor
de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como, de reivindicá-lo de quem
injustamente o detenha.
Um ponto fundamental é a questão de que quando um recurso não é
escasso, não haverá demanda por direitos de propriedade. As doutrinas mais
tradicionais da Economia definem como sendo a escassez de recursos, o
elemento dominante de todo o problema econômico do passado e da atualidade,
reduzida à expressão mais simples da problemática econômica, face às ilimitadas
necessidades que a sociedade demanda serem atendidas. Pode-se entender,
então, que recurso ou bem é tudo aquilo capaz de satisfazer uma necessidade
humana, desde que disponível, ainda que escasso.
Observa-se um paralelo muito próximo do conceito de bem na teoria
econômica com a formulação da jurisprudência clássica romana que também
definiu ser bem tudo aquilo dotado de capacidade de satisfazer determinado
desejo. Verifica-se, portanto, que o conceito de bem está intimamente relacionado
388 ZYLBERSTAIN, Décio & SZTAJAN, Raquel. Direito e Economia. Análise Econômica do Direito e das
Organizações. FEA-USP e Faculdade de Direito – USP. Rio de Janeiro: Elsevier e Editora Campos, 2005. p.92.
159
com o desejo das pessoas em adquiri-lo, em suprir sua necessidade, atribuindo a
ele importância, e porque não dizer valor, em razão dessa necessidade.
Também se depreende que um sistema econômico equilibrado ou de
sucesso produz quantidade de recursos ou bens, entendendo-se como tais os
bens propriamente ditos e os serviços, capaz de satisfazerem integralmente as
necessidades humanas de maneira contínua; no entanto, a teoria econômica
ainda se ocupa, na sociedade atual, altamente globalizada e exposta às mais
intensas ofertas de bens e serviços, de estudar e solucionar as dificuldades
inerentes à forma pela qual são produzidos, distribuídos e utilizados os recursos
escassos.389
Para o direito, em linhas gerais, bem é toda coisa dotada de valor
econômico ou moral, sendo uma espécie do gênero coisa, na medida em que
somente as coisas dotadas de valor constituem bens e não são todas as coisas
que são dotadas de valor.390 Assim entende De Plácido e Silva:
Toda coisa, todo direito, toda obrigação, enfim, qualquer elemento material ou imaterial representando uma utilidade ou uma riqueza, integrado no patrimônio de alguém e passível de apreciação monetária, pode ser designada bem391.
Verifica-se que o bem tem a capacidade de integrar o patrimônio do indivíduo.
Com isto quer se afirmar que, juridicamente, os bens detêm natureza
patrimonial.392 A atribuição de um valor a um bem é uma questão mutável, ou
seja, há variações de acordo com o tempo e o espaço, costumes e circunstâncias
sociais, e outros. Não são, portanto, perpétuos ou imutáveis. Além disso, nem
todas as coisas têm o condão de satisfazer a uma necessidade humana, requisito
essencial para a configuração de um bem.
389 RICARDSON, G.B.. Introdução à teoria econômica. Rio de Janeiro: Zahar. 1966. 390 “Os bens são coisas materiais ou imateriais que tem valor econômico e que podem servir de objeto a uma relação jurídica” In: DINIZ, Mª Helena . Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 153. 391 PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 1º v., 1980. 392 No entanto, é divergente o posicionamento de Caio Mário da Silva Pereira, para quem “Bens jurídicos sem expressão patrimonial estão portas adentro do campo jurídico; o estado de filiação, em si mesmo, não tem expressão econômica; o direito ao nome, o poder sobre os filhos não são suscetíveis de avaliação. Mas são bens jurídicos, embora não-patrimoniais. Podem ser, e são, objeto de direito. Sobre eles se exerce, dentro nos limites traçados pelo direito positivo, o poder jurídico da vontade, e se retiram da incidência do poder jurídico da vontade alheia.” In: SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil, vol. I. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. p. 253.
160
Igualmente, merece destaque o fato de que juridicamente bem é objeto de
direito quando dotado de valor econômico, objeto de uma relação jurídica entre
indivíduos (pessoas jurídicas e físicas), e entre as inúmeras classificações postas
no ordenamento jurídico, podem ser caracterizados enquanto bens corpóreos e
incorpóreos, cuja distinção interessa a este trabalho393.
Novamente no Direito Romano, o critério de distinção entre coisas
corpóreas e incorpóreas tangenciava a questão de serem ou não coisas passíveis
de serem tocadas. O estágio atual da evolução das pesquisas científicas
comprova que seria inexato excluir coisas passíveis de serem percebidas por
outros órgãos dos sentidos, tais como gases, que não podem ser tocados, vez
que são coisas corpóreas. Muito embora o critério classificatório dos bens em
corpóreos e incorpóreos seja distinto do critério utilizado na Roma Antiga,
predomina essa atual divisão na doutrina jurídica.
Tal qual abordado em capítulo anterior e definido por lei, o estabelecimento
empresarial e da mesma forma o estabelecimento franqueado é o conjunto de
bens, materiais e imateriais, organizados pelo empresário ou pela sociedade
empresária, para a exploração de determinada atividade econômica. Diante disso,
faz-se necessário conceituar bens corpóreos e incorpóreos, ou materiais e
imateriais, tal qual preconizado na lei, para fixar a importância da propriedade
intelectual no âmbito do estabelecimento franqueado constituído a partir de uma
relação de franquia, de modo a formar o pano de fundo essencial ao deslinde do
capítulo que abordará os reflexos e as conseqüências, no mundo jurídico, da
formação do estabelecimento franqueado.
IV.A.1. Bens corpóreos
Tanto o estabelecimento empresarial como o estabelecimento franqueado
são compostos por bens materiais ou corpóreos. Daí que se faça necessário,
antes da abordagem da questão atinente aos bens materiais ou corpóreos
propriamente ditos, discorrer sobre a origem histórica das coisas corpóreas, sua
conceituação e natureza jurídica, para então delimitar o foco de atenção para os
bens corpóreos, dotados de valor, e que compõem referidos estabelecimentos. 393 É questão ultrapassada para o direito e para a doutrina dominante que os bens sejam classificados em bens móveis ou imóveis, divisíveis ou indivisíveis, singulares ou coletivos, públicos e particulares, fungíveis ou infungíveis, disponíveis ou indisponíveis e coisas fora do comércio, conforme preconiza o Código Civil. Os bens também podem ser classificados em consumíveis ou não.
161
Entre os antigos gregos, as coisas corpóreas eram aquelas que podiam ser
apreendidas pelos sentidos. Naquele período, a doutrina jurídica valendo-se dos
ensinamentos de Platão, apontou a coisa corpórea como sendo “objeto tangível”.
Pouco mais adiante na história, já à época do Direito Romano, bem corpóreo
passou a ser coisa passível de ser apropriada, dotada da capacidade de se tornar
propriedade de alguém ou de um ente coletivo. Ora, ao direito, desde os
primórdios, interessam as coisas materiais ou imateriais suscetíveis de valor
econômico, ou seja, os bens passíveis de apropriação humana que se encontram
aptos à satisfação de uma necessidade, sujeitos à comercialização sob qualquer
forma. Pode-se dizer, por exemplo, que interessam ao homem bens imóveis, bens
móveis, invenções, tecnologias, conhecimentos dotados da capacidade de gerar
riquezas, ou seja, bens comerciáveis.
Por óbvio, sob a perspectiva econômica da disponibilidade e escassez dos
recursos, não interessam à sociedade e ao direito, por conseguinte, as coisas
inesgotáveis. Coisas, na acepção da palavra, porque desprovidas de valor
econômico, na medida em que extremamente abundantes ainda hoje, na
natureza, tais quais: o ar, as águas de maneira geral, os raios solares, o vento, na
medida em que são de uso comum da coletividade, modernamente denominados
direitos difusos e indisponíveis dos cidadãos.
Bens corpóreos são bens que ocupam lugar no espaço, e se dividem em
bens móveis e bens imóveis, porém não se pode utilizar somente a tangibilidade
ou o critério físico como elementos diferenciadores dos bens corpóreos, pois pode
haver bens corpóreos intangíveis, ou bens tangíveis compostos por bens
incorpóreos. Diz Fábio Ulhoa Coelho, com relação aos bens corpóreos, que
...a sua proteção jurídica não é diferente da liberada às demais coisas corpóreas. Quer dizer, se o empresário tem desrespeitado seu direito de propriedade sobre uma mercadoria do estoque, a sua proteção, no âmbito penal e civil, será idêntica à que o direito dá a qualquer outra pessoa não empresária, na mesma condição”.394
No contexto da divisão entre bens móveis e bens imóveis, a mobilidade de
bens é o fato que mais se sobressai. Definem-se os bens imóveis como sendo
tudo aquilo que não se pode transportar de um lugar para outro, sem que para
394 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. Op. Cit. p. 95.
162
tanto seja necessária a sua destruição.395 Já os bens móveis são os bens
suscetíveis de deslocamento, por força própria ou alheia. O Código Italiano tratou
de maneira diferente os bens móveis e imóveis, determinando os bens imóveis, e
possibilitando a interpretação de que todos os outros seriam bens móveis. Acerca
dos bens móveis, agrupam-se em duas categorias, os que o são por natureza, e
os que o são por determinação legal.396
Para o estabelecimento empresarial, para o estabelecimento franqueado e
na concepção de Fabio Ulhoa Coelho, os bens corpóreos são “as mercadorias do
estoque, os mobiliários, utensílios, veículos, maquinaria e todos os demais bens
corpóreos que o empresário utiliza na exploração de sua atividade econômica”.397
Trata-se de tarefa sem fim buscar enumerar todos os bens corpóreos – sejam
eles móveis ou imóveis,398 que compõem cada estabelecimento, dada a sua
395 Para Caio Mario que o Código Civil engloba quatro categorias de imóveis divididos por determinação legal, acessão intelectual, acessão física e natureza. Por natureza tem-se o solo e seus acessórios e adjacências naturais, abrangendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo. A rigor, imóvel por natureza é apenas o solo, pois que as árvores e tudo mais que ao terreno é aderente só permanecem imóveis porque normalmente se lhe ligam. Por acessão física tem-se tudo aquilo incorporado pelo homem permanentemente ao solo. Aí estão as construções, os edifícios definitivos, que não podem ser removidos sem dano, as pontes, viadutos, obras pesadas aderentes a terra, bem como seus acessórios, pára-raios, balcões, etc. Acerca dos imóveis por acessão intelectual, tem-se que abrange bens que por natureza são móveis, mas que a vontade humana imobiliza, mantendo intencionalmente empregados na exploração industrial. Não há, nesses casos, uma adesão material da coisa móvel ao imóvel, mas o estabelecimento de um vínculo meramente subjetivo, como na relação das máquinas agrícolas com o fundo de comércio ou na presença dos animais com a propriedade pecuária. Por fim, acerca dos imóveis por determinação legal, tem-se os bens que a lei trata como imóveis, independentemente de toda idéia de relação, na decorrência de uma imposição da ordem jurídica, inderrogável pelos pactos privados. São os direitos reais sobre imóveis (usufruto, uso, habitação, renda, enfiteuse, penhor agrícola, anticrese, servidões prediais) (op. cit., p.261-264). Acerca do assunto vale comentar que o direito real numerus clausus pauta a relação entre o homem e a coisa, com modo de funcionamento próprio, por meio da oponibilidade erga omnes da coisa perante terceiros, exercendo o direito de seqüela e de preferência do titular da coisa, sujeita ao abandono, à posse e à aquisição pelo usucapião, culminando a apropriação de riquezas, tendo por objeto um bem material (corpóreo) ou imaterial (incorpóreo), este último a ser versado em item próprio. 396 Os bens móveis assim divididos pelo critério da natureza são todas as coisas que se pode remover sem danos, de um lugar para outro, com exceção daquelas coisas que são incorporados aos bens imóveis (material de construção, por exemplo). Móveis por determinação legal são aqueles bens aos quais a lei expressamente determina como móveis. 397 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Op. cit.. p.100. Além disso, Waldemar Ferreira Martins também estabelece como bens corpóreos do estabelecimento empresarial “(...) as instalações materiais, o mobiliário; os utensílios; os veículos; as máquinas, maquinismos, acessórios e pertences; a matéria-prima; os produtos manufaturados ou semi-faturados; as mercadorias ou fazendas em geral; os títulos ou efeitos de comércio, etc.” In: FERREIRA, Waldemar. Instituições de Direito Comercial, Vol. II, p. 55. 398 Rubens Requião entende que os bens imóveis não compõem o estabelecimento empresarial: “Ora, se considerarmos o estabelecimento, na sua unidade, uma coisa móvel, claro está, desde logo, que o elemento imóvel não o pode constituir. É preciso, e é de bom aviso aqui frisar, que não se deve confundir todo o patrimônio, mas é parte ou parcela do patrimônio do empresário. A empresa, que é o exercício da atividade organizada pelo empresário, conta com vários elementos patrimoniais, por este organizado, para a produção ou troca de bens ou serviços que não integram o estabelecimento comercial. O imóvel pode ser elemento da empresa, mas não o é do fundo do comércio. Fica, assim, esclarecida a questão.” In: REQUIÃO, Rubens.
163
imensa diversidade, dada a complexidade inerente aos produtos e serviços hoje
disponíveis para a sociedade que se utilizam dos mais variados bens corpóreos
para a sua produção e distribuição.
IV.A.2. Bens incorpóreos
Não é toda e qualquer coisa imaterial que se enquadra no conceito de bem
imaterial ou bem incorpóreo. É tamanha a importância adquirida pelos bens
imateriais na vida em sociedade que o direito veio regulamentar alguns deles,
conferindo a proteção jurídica necessária, a fim de tornar viável para o homem a
apropriação dos bens incorpóreos.399
Diz-se parcial a regulamentação da proteção jurídica conferida aos direitos
decorrentes de bens incorpóreos, na medida em que não há como prever a
extensão exata de todos os bens incorpóreos existentes, também na vida em
sociedade, tendo em vista ser ilimitada a capacidade de criação do intelecto
humano. À parte os bens incorpóreos existentes na natureza, a capacidade de
produção intelectual do individuo e a possibilidade da geração do conhecimento
imbuído de valor econômico, antecede a identificação pela sociedade e pela
hermenêutica de formas de proteção jurídica para os bens incorpóreos passíveis
de proteção.
Um dos elementos mais importantes para o exercício da atividade empresarial é a criatividade do titular, seja quanto à capacidade de introdução de novos e competitivos produtos, ou serviços, no mercado, seja quanto à arte de apresentar-se, ou a seus produtos ao público consumidor400
cuja exteriorização se da nas diferentes formas a seguir relacionadas: nome
atrativo com o qual o empresário se apresenta no mercado; um produto inventado
pelo empresário; uma forma nova oferecida a um produto já existente; um layout
inovador em sua loja, entre outros elementos de possível enumeração.
Curso de Direito Comercial. V. I, p. 214. Trata-se de entendimento que não é o dominante na doutrina brasileira, como por exemplo, Waldemar Ferreira Martins, Fran Martins e João Eunápio Borges. 399 Diversas são as conceituações de coisa na doutrina jurídica atual: “Incorpóreos são os bens que, embora de existência abstrata ou ideal, são reconhecidos pela ordem jurídica, tendo para o homem valor econômico.” In: MONTEIRO, Washington De Barros. Curso de Direito Civil, Op. cit. p. 137. “Valores existem que se não corporificam coisas, mas que, por terem um conteúdo econômico, são objeto de regulamentação por parte do Direito Civil. São os bens incorpóreos.” In: Caio Mário Da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Op. cit. p. 110. 400 BITTAR, Carlos Alberto. Teoria e Prática da Concorrência Desleal. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 05.
164
O direito brasileiro não ampara o estabelecimento empresarial e
franqueado enquanto bem incorpóreo, conforme já se fez referência. A proteção
oferecida ao estabelecimento empresarial e ao estabelecimento franqueado
decorre, portanto, da proteção dos bens que compõem cada um, de maneira
indireta, sejam eles corpóreos ou incorpóreos. Neste sentido, Oscar Barreto Filho
deixa clara a impossibilidade de caracterização do estabelecimento, seja ele
empresarial ou franqueado, como um bem incorpóreo. Diz esse autor:
A idéia organizadora não é absolutamente objeto de tutela específica do direito objetivo, como a obra artística, ou a invenção, porque não é suscetível de reprodução e não existe senão dentro do estabelecimento, é imanente e inseparável deste. Ora, se inexiste a possibilidade de uso, fruição ou disposição autônomas, não se pode falar na idéia de organização como objeto de direito autônomos.401
O estabelecimento empresarial e o estabelecimento franqueado são
formados por bens que, em função de um interesse econômico, são encarados
conjuntamente. Não se pode classificar esse conjunto de bens como imóvel ou
móvel. Essa classificação cabe ser feita aos bens individualmente considerados.
O conjunto de bens, que pode ser formado por móveis e imóveis, não permite
esta classificação, justamente por não se tratar de um único bem, mas de um
conjunto deles.
A proteção recairia sobre o estabelecimento, fosse ele empresarial ou
franqueado, se a exclusão de quaisquer bens, especialmente aqueles essenciais
ao negócio, mantivessem-no no mesmo patamar uníssono de capacitação para a
manutenção do exercício da atividade empresarial e de expectativa de geração de
lucros, o que de fato não ocorre. O que agrega o sobre-valor ao estabelecimento
empresarial e ao franqueado é o resultado gerado a partir da forma pela qual os
bens corpóreos e incorpóreos ou materiais e imateriais são organizados, e a
expectativa de lucro futuro gerada por meio dessa forma de organização. Ora,
para a propriedade intelectual, um dos atributos do bem se refere à criação
intelectual que o permeia, o esforço do intelecto para que aquele bem alcance
importância econômica para a sociedade que dele usufruirá.
Sob essa ótica há esforço intelectual do empresário ou da sociedade
empresária em identificar formas de organização dos bens corpóreos e
401 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. Op.cit. p. 93.
165
incorpóreos, em seu estabelecimento empresarial, almejando alcançar a máxima
eficiência e capacidade de lucro possível. No franchising todo o esforço intelectual
em identificar formas de organização para alcançar eficiência e possibilidade de
lucro vem do franqueador, “desenvolvedor” do conceito de negócio franqueado e
detentor do segredo de sucesso da sua rede franqueada. Ao franqueado é defeso
aplicar qualquer esforço intelectual, sob nenhuma ótica, cabendo limitar-se à
aplicação da técnica e do know-how transmitidos a ele pelo franqueador, através
dos treinamentos e manuais, por exemplo. Deve-se fixar, então, um paralelo
sólido entre a eficiência do empresário ou da sociedade empresária e do
franqueado ou empresa franqueada em definir a organização dos bens do
estabelecimento empresarial, aliado ao esforço intelectual inerente a esse
processo; bem como, a possibilidade de obtenção de lucro decorrente do
potencial de êxito do formato de organização escolhido.
Esse processo de esforço intelectual e aplicação do conhecimento e
técnicas do empresário ou da sociedade empresária para o alcance da
organização ideal de bens,402 de modo a garantir o êxito do negócio – na exata
medida em que traz frutos financeiros ao seu idealizador ou à coletividade de
idealizadores – dota-se de valor econômico e, portanto, passa a reunir os
atributos necessários para configurar um bem, na acepção técnica da palavra:
coisa passível de apropriação, escasso e apto a satisfazer uma necessidade
humana.403
Os bens, analisados individualmente, jamais alcançariam a mesma
capacidade de realização, na medida em que é no esforço criativo do empresário
que este se diferencia dos demais. E dado que o esforço criativo foi seu, o
empresário buscou no direito os meios adequados de garantir a exclusividade
402 Segundo Carlos Alberto Bittar “Um dos elementos mais importantes para o exercício da atividade empresarial é a criatividade do titular, seja quanto à capacidade de introdução de novos e competitivos produtos, ou serviços, no mercado, seja quanto à arte de apresentar-se, ou a seus produtos ao público consumidor.” In: BITTAR, Calos Alberto. Teoria e Prática da Concorrência Desleal, Op. Cit. p. 05. 403 A contrario sensu, Oscar Barreto Filho apregoa “Não se pode, portanto, identificar o estabelecimento com a organização, que é um conceito abstrato inferido de modo de ser dos elementos ou fatores de produção, esquecendo a sua própria essência. Se o estabelecimento pressupõe a organização, esta por sua vez pressupõe a materialidade dos bens de produção em que se concretiza, e sem os quais o estabelecimento não existe, porque não é possível a atividade produtiva” e continua “A idéia organizadora não é absolutamente objeto de tutela específica do direito objetivo, como a obra artística, ou a invenção, porque não é suscetível de reprodução e não existe senão dentro do estabelecimento, é imanente e inseparável deste. Ora, se inexiste a possibilidade de uso, fruição ou disposição autônomas, não se pode falar na idéia de organização como objeto de direito autônomo” In: BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. Op. cit. p. 93-94.
166
inerente ao resultado de seu esforço criativo consubstanciado na idéia, cujos
mecanismos jurídicos para a proteção – tanto das idéias como dos resultados
delas decorrentes – encontram respaldo na propriedade intelectual e na
repressão à concorrência desleal, conforme assinalado em capítulo próprio.
Os bens incorpóreos componentes da rede de franquia e pertencentes em
sua totalidade ao franqueador foram examinados, abarcando suas formas de
proteção jurídica, em estreita relação com a forma de proteção garantida pela
propriedade intelectual. Os bens incorpóreos, enquanto bens componentes do
estabelecimento empresarial e do estabelecimento franqueado guardam estreita
identidade com a gama de bens passíveis de proteção por meio da propriedade
intelectual, em grande parte dotados de meios de proteção especificados por
lei.404
É importante saber quais são elementos essenciais e quais são as
condições mínimas para que uma universalidade seja considerada efetivamente
como estabelecimento. Isto porque, além dos elementos integrantes do
estabelecimento poderem sofrer grande variação, as condições sobre as quais
este se forma poderão, de alguma forma, se desvincular, fazendo com que
referido estabelecimento até então existente perca a sua utilidade ou até mesmo
desapareça. A mesma circunstância se observa na lição de Fernando Cardoso,
que questiona:
Após deparar-se... uma última questão: como surpreender a essencialidade ou, por outras palavras, detectar o âmbito mínimo?
Trata-se de um problema de capital relevância prática porquanto, inexistindo os essentialia, não há trespasse nem locação de estabelecimento por carência do objeto. 405
404 Nesse sentido, assevera João da Gama Cerqueira: “A lei protege as criações industriais, que são resultados do trabalho técnico ou artístico, assegurando aos seus autores a sua exploração exclusiva; protege o fruto do trabalho do comerciante ou industrial e os resultados de sua atividade profissional, impedindo a usurpação das marcas que distinguem os seus produtos e mercadorias; protege toda a atividade do comerciante ou industrial, defendendo a soma de seus resultados e vantagens, concretizados no complexo do estabelecimento ou empresa, no nome comercial, na insígnia, no nome dos lugares de produção, no seu aviamento e no seu goodwill. Ainda sob esse aspecto, portanto, a propriedade industrial apresenta-se como um corpo de doutrina que repousa em princípios e fundamentos comuns.” In: GAMA CERQUEIRA, João da. Tratado da
propriedade industrial. Op.cit. p. 63. 405 CARDOSO, Fernando. Reflexões sobre o estabelecimento comercial ou industrial e respectivo contrato
de aluguer. Lisboa: Portugal mundo. 1991. p. 93.
167
Como resposta, vale lançar mão do subsídio proposto por Hernani Estrella,
que refletiu sobre o conteúdo mínimo necessário para a conformação de um
estabelecimento:
A doutrina que imaterializa o estabelecimento, isolando dele ou a organização, ou o aviamento, ou, ainda, a clientela, posto que tenha a seu prol figuras renomadas das letras jurídicas, não logrou impor-se definitivamente. As invencíveis contradições em que se debate, o artificialismo de muitas de suas assertivas e outros pecados a mais a comprometem seriamente. É que... qualquer dos três elementos, em que a aludida doutrina se apóia para fazê-lo suporte de sua construção, é inadequado. De feito, a organização, genericamente encarada, é pura abstração mental; o aviamento é mero atributo ou qualidade do fundo de comércio, despojado daqueles pressupostos que são imprescindivelmente exigidos, para ter-se um bem, na rigorosa acepção técnico-jurídica. É, por sem dúvida, um valor, no sentido econômico, mas é mister não esquecer que, nesta matéria, como em muitas outras, a economia e o direito não coincidem. Até de certa maneira se contrapõem. Realmente, para a ciência econômica, a não de valor independe do objeto que o produz, ao passo que, para a ciência jurídica, e por óbvia exigência de sua técnica, se faz necessário tenha, o inculcado bem, uma existência exterior ao homem. Ou, por outras palavras, possa objetivar-se no mundo fático para, só então, merecer proteção legal. 406
Para uma elaboração efetiva, Albert Cohen anota as condições para que
um estabelecimento tenha existência:
Conditions. Pour qu’um établissement revête le caractére juridique d’un fonds de commerce, il fault:
1º Qu’il comporte une clientele;
2º Qu’il soit destiné a l’exercice d’une profession commerciale.
3º Que son titulaire ne soit pas investi d’une fonction publique. 407
E, de modo complementar, José Augusto Mendes de Almeida, ainda
referindo-se ao tema, propõe a sua abordagem sob três óticas distintas:
1. O âmbito necessário ou mínimo de entrega...em suma, para que haja negociação sobre a empresa, é necessário que dos elementos do lastro ostensivo, variáveis, designadamente, em função da empresa e do ramo de comércio em que ela se situa, sejam transmitidos, pelo menos, aqueles que sejam aptos a exprimir a ‘organização no seu conjunto’.
O âmbito necessário ou mínimo do estabelecimento como valor negociável pressupõe, pois, a presença de um conjunto de elementos adequado a projetar no público a imagem da empresa – a projetar os ‘valores de organização e de exploração que verdadeiramente indiciam o estabelecimento como bem’.
406 ESTRELLA, Hernani. Curso de Direito Comercial. Op. cit. p. 243. 407 COHEN, Albert. Traité théorique et pratique des fonds de commerce, Paris: Sirey, 1948. 2ª ed. p. 37.
168
2. O âmbito natural de entrega...em caso de negociação da empresa, existem no estabelecimento valores cuja transmissão se impõe naturalmente, não carecendo, por isso, a sua transmissibilidade de ser objeto de qualquer manifestação de vontade das partes; são valores que o estabelecimento transporta naturalmente consigo, sem dependência de qualquer enunciação. Logo, para além dos elementos do âmbito necessário ou mínimo, o estabelecimento pode transitar com outros bens ou valores – ‘aqueles bens que naturalmente ele abrange se não se excluírem expressamente do negócio: âmbito natural do estabelecimento como objeto’.
Neste caso, não se tratando já do âmbito mínimo, a liberdade de exclusão funciona sem limites. Nesta perspectiva, só não haverá lugar a transmissão dos elementos do âmbito natural, se as partes, expressamente, os excluírem do âmbito da prestação negocial.
3.Âmbito máximo de entrega da empresa.
Há valores que, para serem transmitidos quando o estabelecimento é negociado, carecem de um ato de vontade ad hoc, uma convenção específica das partes quanto a sua inclusão no negócio. Se as partes dispuserem do estabelecimento ‘com todos os seus valores’, ou ‘sem qualquer excepção ou reserva’ ou ‘com todo o seu ativo e passivo’, estão a atribuir ao âmbito de entrega a sua dimensão máxima. Elementos que ‘naturalmente’ não seriam transmitidos, integram-se, então, em conseqüência da vontade das partes, no âmbito de entrega da empresa. Fazem parte do ‘âmbito máximo’ de entrega da empresa...
Enfim, acompanhando a assertiva de Barbosa de Magalhães408 conclui-se
que: “O que é essencial, para que exista um estabelecimento comercial, é que
haja um conjunto organizado de elementos que permitam o exercício de
determinado ramo de atividade”. Vale dizer, que o estabelecimento franqueado, é
formado por dois complexos distintos, um de bens corpóreos, de propriedade de
um empresário ou sociedade empresária, denominado franqueado, e, outro, de
bens incorpóreos, de propriedade de outra sociedade empresária, denominada
franqueadora, organizado segundo know-how desenvolvido por esta última e
transferido ao primeiro, para que este realize o exercício de atividade empresarial
vinculada, mediante regime contratual próprio.
Assim, partindo da importância em saber quais são os elementos
essenciais e as condições mínimas para que uma universalidade seja
considerada efetivamente como estabelecimento e assim mantida na hipótese de
eventual trespasse – de forma que não seja quebrada a sua unicidade, conforme
apregoa o código civil – e ainda, dado que para o escopo basal do presente
408 BARBOSA DE MAGALHÃES. Teoria do estabelecimento comercial., 2ª ed.. Lisboa: Ed. Ática, 1964. p. 233.
169
trabalho é justamente a disponibilidade ou não sobre os bens que compõem o
estabelecimento empresarial e o estabelecimento franqueado que justifica a
necessidade de que se crie um regime jurídico próprio e se faça vigente lei
especial para este último instituto de estabelecimento, que se mostra especial, é
que a seguir se fará uma análise extensiva de três outros institutos de enorme
relevância para a compreensão da formação do estabelecimento franqueado: o
aviamento, a clientela e o ponto empresarial.
IV.B. AVIAMENTO
A definição de aviamento não encontra previsão legal e, tampouco,
encontra acolhimento pacífico na doutrina; assim, existem os que entendem o
aviamento como um elemento do estabelecimento e, aqueles que consideram o
aviamento apenas como um atributo deste; para não mencionar outros que
entendem ser o aviamento sinônimo de fundo de comércio, a exemplo do Prof.
Fábio Ulhoa Coelho.
Não obstante o aviamento seja o sobre-valor atribuído ao complexo de
bens que o integram enquanto organizados para o exercício da atividade
empresarial, ou seja, o valor extra ou extraordinário adquirido pela notoriedade e
reputação da atividade desenvolvida pelo empresário, é de extrema importância
sedimentar uma compreensão acerca do aviamento e da sua natureza jurídica,
para que seja possível compreender o impacto da titularidade a ser atribuída a
este e aos bens que a partir dele se formam já que no franchising, o aviamento,
tal como será estudado, longe de ser um mero atributo, constitui elemento
essencial para a formação do estabelecimento franqueado.
O aviamento se torna mais valorizado de acordo com o complexo
organizado e a clientela que o acompanha; o que no Business format franchising,
é de importância particularmente considerável. O sucesso de uma empresa
depende, entre outros fenômenos, do respectivo aviamento que revela a
criatividade do empresário ao reunir os diferentes fatores da produção a serviço
de seus objetivos. A gama de bens incorpóreos que pela inteligência e
sensibilidade do titular são agregados à empresa e aos seus produtos, como
componentes do respectivo aviamento – subjetivo ou objetivo, e que formam o
170
que pode ser denominado conhecimento empresarial, sendo elemento de origem
do estabelecimento franqueado. Neste sentido, aviamento é definido pelo
tratadista italiano Cesare Vivante como:
...I’asppetativa di lucri futuri fondata sovra i due gruppi precedenti di cose e di diritti, e specialmente sull’assortimento delle merci, sul nome, sull’insegna, sulla produzione locale che serve di richiamo ai vecchi e ai nuovi clienti, sull’abilità dei commesi, sulle pratiche tradizionali di correntezza, di fido, di picooli servigi”.409
O jurista pátrio Fran Martins diz que,
...por aviamento se compreende o bom aparelhamento do comerciante para que o seu negócio obtenha sucesso e possibilite lucros. É, assim, o aviamento o resultado de um, alguns ou todos os elementos do fundo de comércio. (...) O aviamento será, assim, a fusão de todos esses elementos – nome comercial, boa localização do estabelecimento, capital, pessoal adestrado para atender à freguesia – tudo criando possibilidade de lucro para o comerciante”.410
O Walter T. Álvares, da Universidade Católica de Minas Gerais, aduz que
“o aviamento mais do que uma qualidade da empresa, é sua própria organização,
é a atitude, a capacidade da empresa de produzir resultados econômicos”.
Observe-se, ainda, que o “aviamento é a aptidão do estabelecimento para
conseguir sua finalidade de lucro”, tal como diz Casanova, seguido por Rocco:
...a capacidade do estabelecimento para produzir, economicamente e dar lucro ao empresário. É a aptidão do estabelecimento para produzir crédito, e resultante da boa reputação conquistada pelo empresário, qualidade dos produtos ou serviços, feliz localização; representa o fruto de uma série de habilidades, experiência, diligência, do empresário e de seus colaboradores.411
Para melhor sedimentar o entendimento acerca do aviamento, pode-se
invocar, ainda, o pensamento do Prof. Valery que explicou o aviamento a partir de
uma relação matemática, tal como segue:
os simples elementos da azienda, isoladamente tomados – escreve ele – corresponderiam a a, b, c, d, ..., mas, fundidos na unidade econômica da azienda, valem pelo contrário, a + x’, b + x’’, c + x’’’, d+ x’’’’, ..., entendendo-se por x o coeficiente “aviamento”, que se concretiza em x + x + x + x ..., de tal modo que o valor do complexo
409 VIVANTE, Cesáre. Trattato di Diritto Commerciale, vol. III, Milano: Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, 1922. p.02. 410 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 472. 411 ÁLVARES, Walter T. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Sugestões Literárias S.A., 1979. p. 194.
171
da azienda é dado não só pela soma dos valores dos elementos singularmente tomados, ou seja, de a + b +c + d... mas também pela dita soma aumentada do valor do aviamento, ou seja, de a + b + c + d .... + X. O aviamento resulta, portanto, da organização dos elementos e fatores da empresa ou fundo de comércio. Neste sentido procede a noção dada por Mossa, de que o aviamento é a organização da empresa.
Diante das inúmeras controvérsias sobre o tema, algumas teorias
procuraram explicar a natureza jurídica do aviamento, são elas: (a) bem material
ou elemento incorpóreo do estabelecimento, constituindo objeto autônomo de
direito; (b) sinônimo de estabelecimento; (c) qualidade ou atributo do
estabelecimento; e (d) um bem resultante dos fatores do estabelecimento e da
pessoa do titular412.
Da análise das teorias que procuram explicar a natureza jurídica do
aviamento a que se mostra mais apropriada, quando o que se analisa é o
aviamento sob a perspectiva do estabelecimento empresarial, é a teoria que o
apresenta como uma qualidade ou atributo do estabelecimento empresarial
propriamente dito. Isto ocorre sobretudo porque no âmbito exclusivo de tal
estabelecimento empresarial, o aviamento representa um valor patrimonial
suscetível de ser inscrito em avaliação como bem autônomo do ativo, como
determina o inciso III do parágrafo único do art. 1.187 do Código Civil. Mesmo
porquê, tal qualidade ou atributo decorre da pessoa do empresário, que
implementa um caráter especial àquele conjunto de bens.
Os bens do empresário, depois de organizados, aplicados em sua atividade
e, integrando o estabelecimento empresarial, adquirem um valor superior ao que
lhes seria atribuído se fossem considerados individualmente. Essa mais-valia
decorre não somente da organização criteriosa desses elementos pelo
empresário, mas também da perspectiva de lucro da empresa, e tem como
fundamento a reunião desses diversos elementos em um todo funcional,
necessário ao desenvolvimento de empresa. O sobre-valor é denominado
aviamento (do italiano avviamento), ou na locução inglesa, goodwill of a trade ou,
simplesmente, goodwill.413
412 VERÇOSA, Haroldo M. Duclerc. Curso de direito civil. Op. cit. p. 231 a 236. 413 CARVALHOSA, Modesto. Tratado de direito comercial brasileiro. Op. cit., p 620-621.
172
Neste sentido, Oscar Barreto Filho, citando M. Rotondi defende que
constitui mera abstração falar do aviamento como uma coisa ou elemento
existente por si próprio, independentemente do estabelecimento. O aviamento
não existe como elemento separado do estabelecimento empresarial, e, portanto,
não pode constituir em si e de per si objeto autônomo de direitos, suscetível de
ser alienado, ou dado em garantia414.
Diferentemente, no franchising, a organização até então conhecida como
aviamento, no estabelecimento franqueado ganha importância e passa ter
existência por si mesma, como bem jurídico, e, conseqüentemente, a natureza
jurídica deixa a de ser a de qualidade ou atributo e assume a natureza de um bem
resultante dos fatores do estabelecimento; ganhando natureza, portanto, de
elemento essencial. O franchising se apresenta como um sistema de
multiplicação de uma mesma organização empresarial. É o uso inventivo da
licença de signos distintivos, tais quais marcas e trade dress, complementada
pela padronização administrativa, organizacional e, em certos casos, tecnológico,
que é licenciado ao franqueado.
Sabe-se que o reconhecimento por parte do direito é fundamental para a
caracterização de um produto do intelecto humano como um bem imaterial.
Certos produtos do intelecto humano, porém, ainda que a lei pretendesse
protegê-los com o direito de propriedade, seriam de difícil proteção. Viu-se que a
autonomia é essencial para a caracterização de um bem jurídico e que o know-
how transferido ao franqueado, assim como o aviamento, que, juntos, dão origem
a uma terceira e importante figura jurídica, denominada conhecimento
empresarial, gozam de tal característica. Embora possuam valor econômico,
algumas idéias só se sobressaem quando são aplicadas ao conjunto de
elementos do estabelecimento, tornando-se dependente deles, como é o caso do
estabelecimento franqueado.
Por esta razão, antes de mais, faz-se necessário sublinhar a forma pela
qual uma franquia surge, a fim de entender sua forma de manifestação no mundo
contemporâneo. E como todo negócio, nasce da vontade de um agente social de
tornar-se, igualmente, um agente econômico. Ao criar sua empresa ou negócio, o
referido agente começa a testar suas possibilidades de desenvolvimento, seu 414 BARRETO F°, Oscar. Teoria do Estabelecimento comercial. Op. cit. p. 170.
173
modelo de organização, o tipo de produto a ser ofertado ao mercado a fim de que
seu estabelecimento empresarial alcance o almejado sucesso. Tal como o alfaiate
de outrora, que modela o traje, provê e organiza os aviamentos a fim de dar-lhe
maior refinamento, o empresário se vê obrigado à bem estabelecer seu negócio
para dele extrair maior lucro.
Embora não pareça mais que licença poética a analogia é pertinente, pois
para a confecção de um belo traje necessita o alfaiate muito mais que juntar os
tecidos e botões; é preciso utilizá-los de determinada maneira a fim de conferir
elegância à peça415. Ora, aviamento é também designação jurídica que vem
sendo elaborada desde os inícios do século XX e que se define pela capacidade
de uma empresa produzir lucro. Contudo, para ser capaz de produzir lucros, a
empresa deve reunir diversos fatores, dos quais se pode citar o quadro de
pessoal treinado para o exercício das funções, uma clientela conquistada,
processos de trabalho produtivos, entre muitos outros. Assim, deduz-se que a
mera aglomeração de bens corpóreos ou tangíveis não alcança esta dimensão
humana que todo estabelecimento empresarial bem sucedido possui, que implica
um saber fazer ou um modo especial e singular de fazer, para ecoar o
pensamento de Gladstone Mamede416.
Porém, os tempos do artesão e do alfaiate ficaram no passado dando lugar
à produção em série, ao consumo de massa, ao surgimento das grandes
indústrias de confecção de roupas, para retomar uma vez mais a metáfora do
alfaiate417. Fala-se aqui de know-how. E precisamente, nos tempos que hoje
correm, de uma disposição empresarial para captar, processar e aplicar
empresarialmente determinada massa de conhecimentos técnicos aliados da
capacidade de dar uma direção às pesquisas tecnológicas para fins empresariais
415 Segundo G. Bachelard, “... o conhecimento do mundo é inicialmente poético. O animismo e o empirismo das experiências originárias atestam a presença de imagens e a relação dinâmica do homem com o mundo.” In: BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. 416 MAMEDE, Gladstone. Empresa e atuação empresarial. São Paulo: Ed. Atlas, 2004. pp. 184-185. 417 Ademais da metáfora do alfaiate, é possível intuir outra: a do farmacêutico. Ora, um farmacêutico avia uma receita; a faz, a concretiza, a conclui. Retoma-se aqui, portanto, o pensamento de Gladston Mamede, para quem o conceito de aviamento está indissoluvelmente ligado ao de fazer. Senão se veja o pensamento do autor: “Melhor, creio, é o conceito de aviamento (avviamento); aviar é fazer, concretizar, concluir. Os elementos materiais (bens móveis e imóveis) e conceituais (bens imateriais: direitos pessoais com expressividade patrimonial econômica, a exemplo da marca) e os recursos humanos, aviados para o bem fazer, para o sucesso empresarial.” In: MAMEDE, G. Op. cit. p. 185.
174
e, por fim, da condição de gerência de tais habilidades e experiências na
aplicação destas novas técnicas, bem administrando os riscos a elas inerentes418.
De igual modo, o empresário que possui um estabelecimento empresarial
consolidado e de sucesso busca novas hipóteses de crescimento e lucro. Daí
decorre a idéia de se franquear um negócio. Munido desta disposição, o
empresário deve examinar se o objeto do seu estabelecimento empresarial
(lavagem de roupas, venda de hambúrgueres ou outros) é franqueável. Em um
segundo momento, e definida a expectativa de franquia do objeto do
estabelecimento empresarial, o empresário procura replicar o modelo de tal
estabelecimento; isto é, multiplicar o seu conhecimento empresarial, ou melhor
ainda, multiplicar a sua forma de atuação econômica no mercado.
De outro lado, sob a ótica do estabelecimento franqueado e como já
analisado anteriormente, este é fruto do esforço intelectual do franqueador e da
sua aplicação do conhecimento e técnicas para alcançar a organização ideal de
bens, sejam eles bens corpóreos ou incorpóreos. Vale dizer: na relação de
franquia, não são os bens protegidos individualmente que garantem o valor do
negócio franqueado, mas sim o meio de organizá-los, possibilitando que essa
organização seja replicável à perfeição – característica do negócio franqueado de
conceito formatado - gerando valor e sucesso ao negócio franqueado. Daí que o
empresário opte por ingressar em uma rede de negócios comprovadamente de
sucesso e, inclusive, pagar ao franqueador uma quantia, normalmente
denominada royalties, para ter o direito ao usufruto de toda a tecnologia e demais
segredos de negócio de propriedade do franqueador.
Sabendo-se que a relação de franquia está consubstanciada na licença do
uso da marca do franqueador, que identifica o seu negócio, aliada à licença de
uso de tecnologia ou, mais precisamente, know-how – ainda que a lei preconize
que se trata de distribuição de produtos e, eventualmente, tecnologia – não há
que se duvidar que o modus operandi de organização dos bens materiais e
imateriais do estabelecimento empresarial estabelecida pelo franqueador retrata o
418 Não se pode, no entanto, restringir o espectro do know-how ao mundo meramente técnico. O know-how é mais que isso; é o modo pelo qual se tem garantido o saber fazer de modo singular, a vantagem empresarial. É o know-how, portanto, o elemento – humano no mais das vezes – que irá garantir o sucesso do negócio, a expectativa de retorno do capital investido, traduzindo-se no patrimônio de maior valor empresarial, como bem assinala a pesquisadora Daniela Zaitz. In: ZAITZ, Daniela. Direito e Know-how. Op. Cit. p. 201 e ss.
175
seu conhecimento empresarial – know-how e aviamento -, fruto dos
conhecimentos acumulados no segmento mercadológico em que atua ao longo
dos anos. Assim, o franqueador deve tomar as devidas precauções de
padronização e proteção dos bens, dado que esta guarda a perspectiva de lucro
futuro para o indivíduo que almeje adentrar naquela rede de franquia, na
qualidade de franqueado.
O esforço criativo empresarial é fundamental para que se alcance a
organização ideal dos bens do seu estabelecimento empresarial guardando a
perspectiva de gerar lucro futuro, o chamado aviamento. No caso que aqui se
ocupa, o Business format franchising, esse trabalho criativo é fruto da dedicação
do franqueador. Ocorre que na relação de franquia esse esforço é chamado,
como se viu anteriormente, conhecimento empresarial, que ao se consubstanciar
em um bem jurídico de propriedade do franqueador419, adquire a natureza jurídica
de elemento essencial do estabelecimento franqueado e não mero atributo deste.
No franchising, o know-how e o aviamento, juntos, extrapolam o campo da
simples organização – característica primária do aviamento, atributo do
estabelecimento empresarial – e assume contornos complexos; isto porque, no
franchising há sempre uma “certa padronização do aviamento”, para ecoar as
palavras de Denis Barbosa. O jurista enfatiza a idéia de padronização nos
seguintes termos:
419 No tocante ao direito de propriedade aqui mencionado, muito embora a palavra propriedade não esteja sendo aqui aplicada no seu sentido puro e simples – aquele compreendido como o conjunto das prerrogativas suscetíveis de se exercerem sobre a coisa o direito de usar, gozar e dispor da coisa -, despiciendo considerar importante ensinamento difundido pelo professor Remo Franceschelli acerca da Teoria dos direitos de Monopólio, a qual foi concebida na Itália e tem como percussor Casanova. Analisando o conteúdo dos direitos de propriedade industrial e intelectual, a teoria sustenta que eles se compõem de dois elementos principais, quais sejam, o direito de realizar e de explorar economicamente o objeto do direito – caráter patrimonial; e o direito de impedir terceiros que tenham comprado esse objeto de reproduzi-lo eles mesmos e, a partir de tal raciocínio, Franceschelli se opõe à categoria de direitos reais para identificar a natureza jurídica de tais direitos dizendo “...eu gostaria de basear-me, sobretudo, no fato de que a propriedade não explica por que o autor ou o inventor, ou o que faz as vezes destes, podem, mesmo após terem vendido um exemplar do objeto ou do volume, impedir o comprador de reproduzi-lo, ou seja, fazer o que qualquer outro proprietário de uma coisa material teria feito” e, em tempo, acrescenta, “...Ora, esse efeito não é próprio do direito de propriedade, mas está bem além dele. Tal efeito se produz, em nossas instituições (fora do esquema contratual que conduziu o leitor a comprar um livro ou o produtor a comprar uma máquina) como resultado de alguma outra coisa. Tal efeito não está na própria natureza da coisa comprada, a qual permanece a mesma, tenha ou não o inventor a patente de sua invenção. Não está tampouco no caráter absoluto do direito de propriedade de que eu falava no início, e tal qual se entendia até aqui; mas é de um projeção ulterior, uma invasão ulterior da esfera econômica e da liberdade de outrem”. Diante de tais argumentos, Franceschelli propõe uma quarta categoria de direitos; direitos de monopólio. GUSMÃO, José Roberto D`Affonseca. A
Natureza do direito de Propriedade Intelectual, p. 15 e 16.
176
O que se tem, na franquia, é o caso limite da cessão do aviamento, uma industrialização da própria “arte de reprodução”, que no contrato de know-how é pactuada como uma operação artesanal, casual. As técnicas empresariais e produtivas, elas mesmas, se transformam em bens de troca em larga escala. Os elementos associativos que se notam na maior parte dos contratos de know-how e que são responsáveis pelo seu aspecto de permanência, acham-se na espécie enfatizados ao seu limite extremo.420
Isso porque o franqueado passa a ter acesso ao corpo de conhecimento
empresarial e processos técnicos, escassos e secretos do franqueador, os quais,
se aplicados em estrita conformidade com os ensinamentos do franqueador,
oferecerão ao franqueado benefícios como a vantagem empresarial e o lucro. Por
meio do contrato de franquia, o franqueador licenciará ao franqueado,
condicionada e onerosamente, o direito de uso das suas marcas e tecnologia;
assim como permitirá que o franqueado tenha acesso às informações sigilosas
acerca do negócio e da sua organização, por meio de treinamentos operacionais
e de gestão do negócio. Além disso, fornecerá ao franqueado o acesso aos
créditos e à boa reputação conquistada pela rede franqueada. Todas as
informações às quais o franqueado terá acesso, além de sigilosas, encontram-se
totalmente organizadas, com parâmetros de procedimento estabelecidos e
materializadas em manuais, que serão entregues e mantidos atualizados durante
todo o prazo de vigência do vínculo contratual estabelecido entre franqueador e
franqueado.
IV.C. CLIENTELA
Clientela é o conjunto de pessoas que mantêm habitualmente relações de
procura de bens ou serviços oferecidos pelo empresário no estabelecimento421.
Os conceitos de clientela e de aviamento estão intimamente ligados. O
aviamento, como mais-valia dos bens do estabelecimento empresarial é o produto
de diversos fatores, entre os quais o número de clientes que a empresa é capaz
de conquistar e de manter. A clientela, assim como o aviamento, não é elemento
420 BARBOSA, Denis. “Franchising”. In: XXII Seminário INPI/OMPI sobre Propriedade Industrial para países da América Latina. Rio de Janeiro, 2002. 421 BARRETO F°, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. Op. cit. p. 178.
177
do estabelecimento empresarial propriamente dito422, mas sim atributo deste, vez
que ambos não possuem existência autônoma. Embora até seja possível
pressupor o direito à clientela como um dos elementos incorpóreos do
estabelecimento, tutelado pelas normas proibitivas de concorrência, não se deve
entender a clientela, em si, como um bem de propriedade do empresário. A
clientela nada mais é do que um conjunto de pessoas que, pelo direito vigente,
são “inapropriáveis por quem quer que seja”423. Mário Figueiredo Barbosa assim
define clientela:
...é a alma do estabelecimento e proporciona ao comerciante o exercício de sua atividade lucrativa. Clientela, em matéria comercial, assim se denomina, como o conjunto de fregueses de um estabelecimento, ao qual privilegiam com preferência na habitualidade das compras. Apresenta-se como fato principal à movimentação dos negócios e, conseqüentemente, na produção dos lucros. É, sem dúvida, a grande responsável pelo êxito da empresa.424
Cesare Vivante confere à clientela significado mais amplo – de aviamento.
Diz o autor que,
...a freguesia constitui universalidade menor dentro da universalidade maior do estabelecimento comercial, do qual é distinta e separável, pelo que o proprietário, exercitando seu poder de senhorio, pode separá-la do estabelecimento e conservá-la para si, quando cede sua loja e reserva o direito de abrir outra, com continuação da própria freguesia... pelo que... deve dizer-se que esse aviamento é elemento contratual do estabelecimento porque, salvo vontade diversa do proprietário, lhe segue a sorte; não é elemento essencial, visto que pode separar-se, assim como na venda de biblioteca pode separar-se uma coleção de manuscritos preciosos, que lhe dá celeridade e vantagem. 425
A idéia de cliente é ampla, compreendendo toda pessoa que compõe
constante ou eventualmente, potencial ou concretamente, o universo dos
destinatários da atividade empresarial. Pode não ter ainda contratado com a
empresa, assim como pode nunca vir a contratar; mas é uma possibilidade que
422 Para J.C. Sampaio Lacerda, clientela constitui o elemento essencial do estabelecimento empresarial e, neste mesmo sentido, Mário Figueiredo Barbosa, entende que “ela é um bem imaterial, incorpóreo e
inconcreto, que se vai desenvolvendo com maior ou menos intensidade e fixando-se à medida do que lhe é
oferecido, a ponto de ser considerada como elemento de maior valor do próprio fundo de comércio”.
SAMPAIO LACERDA, J.C. Lições de direito Comercial Terrestre, Rio de Janeiro, Forense. 1970. p. 111 e BARBOSA, Mário Figueiredo. Valor da Clientela no Fundo de Comércio, Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 18. 423 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit. pp. 621-622. 424 Apud MAGELA, Geraldo. Valor da clientela no fundo de comércio. Op. cit. p. 18. 425 Apud MAGELA, Geraldo. Valor da clientela no fundo de comércio, p. 34.
178
não recomenda descarte; os esforços mercadológicos e, em particular, os
esforços publicitários têm por destinatário todos aqueles que podem contratar
com a empresa, buscando a conversão dessa potencialidade em ato, em
realidade, em negócio, ou melhor, em negócios. O cliente é qualquer um a quem
a empresa dirija o seu esforço para a captação de negócios. Pode ainda não ter
se interessado pela oferta ou sequer ter tomado conhecimento da empresa; pode
estar apenas checando oportunidades ou já estar negociando determinado bem
ou serviço. Pode já ter negociado antes e voltar oportunamente, evidenciando
uma relação de fidelidade que é desejada por toda e qualquer empresa.
Portanto, o conceito de clientela constrói-se a partir da “consideração de
um elo subjetivo, já que são levados em conta os relacionamentos entre os
sujeitos, empresa e cliente”426, para fazer eco do pensamento do jurista mineiro
Gladston Mamede. A proteção da clientela é objeto do Direito da Concorrência427,
cujas influências no Direito Empresarial se fazem sentir na proteção ao nome
empresarial, ao título dos estabelecimentos e à propriedade industrial, tal como
demonstrado por Fernando Campos428. Em que pesem as considerações acima
anotadas, é de extrema relevância comentar a teoria de Paul Roubier429, criador
da teoria dos direitos de clientela a partir de uma abordagem mais econômica que
jurídica da questão. Roubier parte do princípio de que se deve, antes de tudo,
buscar a utilidade econômica do direito pessoal, dos direitos intelectuais e dos
direitos sobre os bens imateriais e seu conteúdo econômico, para estabelecer sua
natureza jurídica. De tal sorte, que a clientela, na medida em que seu volume
mais ou menos considerável modifica o valor do bem visado afetando o
patrimônio do titular desse bem, deve ser levada em consideração para a análise
desses direitos. Roubier também reconhece que a clientela não é fixa, nem
assegurada por um direito; “...é de quem sabe tomá-la, pois nosso regime é um
regime de concorrência econômica e de liberdade”.
No franchising a clientela é conquistada pelo franqueador. É ele quem atua
junto ao mercado, indistintamente, para valorizar a marca e, assim, atrair clientes 426 MAMEDE, G. Empresa e atuação empresarial. São Paulo: Ed. Atlas. 2004. p. 250. 427 FLÁVIO OLIVEIRA, Amanda. O Direito da Concorrência e o Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2002; e DE BRITO, Beatriz Gontijo. Concentração de empresas no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 428 CAMPOS, Francisco. “Nome Comercial” – parecer. In Revista Forense. Rio de Janeiro, vol. LXVIII, a XXXIII, p. 63-73, julho/ setembro de 1936. 429 GUSMÃO, José Roberto D`Affonseca. A Natureza do direito de Propriedade Intelectual, p. 10.
179
que a ela recorrerão, ou seja, beneficiando a todos os franqueados, em seus
respectivos territórios (haja ou não exclusividade territorial) e junto às suas
respectivas freguesias430. Obviamente, como parceiros comerciais que são os
franqueados estão obrigados a atuar positivamente junto ao respectivo alvo. É ele
que deve trabalhar a sua circunscrição territorial, e ali bem desempenhar suas
atividades. E deve fazê-lo, inclusive, a bem de toda a rede franqueada. Não há
mais do que o cumprimento de obrigação contratual própria do ajuste havido entre
as partes. Com efeito, aos olhos do público, isto é da clientela, a rede franqueada
é uma só; isto é, não se conhecem as divisões e distinções de personalidades
jurídicas diversas: o público consumidor compreende a rede como se fosse um
único ente em função dos processos de identificação social que este modelo de
fornecimento de produtos e serviços propõe ao público consumidor. Neste
sentido, a clientela ganha no franchising volume considerável, afetando
diretamente o patrimônio intelectual do franqueador, tal como enunciou Roubier.
Em se tratando de estabelecimento empresarial ou de estabelecimento
franqueado, respectivamente, a noção de aviamento está ligada à noção de
clientela, que é o conjunto de pessoas que, de fato, mantém com o
estabelecimento relações continuadas de procura de bens e de serviços e que
constitui exatamente a manifestação externa do aviamento ou mais precisamente,
do know-how. Tanto por isso é possível afirmar que a relação entre clientela e
aviamento e entre clientela e know-how é bem estreita.
Neste sentido, alguns doutrinadores inclusive entendem que por serem a
marca, o nome, a insígnia proporcionados pelo franqueador e não pela ação do
franqueado, para tais elementos de criação e de fixação da clientela, não se deve
sequer cogitar a possibilidade de atribuição de indenização a este último na
hipótese de rescisão do contrato de franquia. O franqueado, segundo esta
corrente “...integra-se numa organização estruturada pelo franqueador, aplica e
beneficia do seu saber-fazer, e é enquadrado por um controlo e assistência de tal
forma eficazes que perante o público o seu estabelecimento é uma filial da
430 Segue-se aqui, uma vez mais, o pensamento de Gladston Mamede em sua percepção quanto às diferenças etimológicas e conceituais entre clientela e freguesia. Afirma o autor que à diferença do conceito de clientela – cujo texto se encontra no alto da página – o conceito de freguesia é oriundo do mundo latino-eclesiástico, referindo-se aos fiéis da paróquia (filiu ecclesiae) ou freguesia implicando, portanto, uma noção tópica ou territorial. Vale dizer: o lugar em que um estabelecimento empresarial se instala, o público circunvizinho e a relação de troca ou benefícios mútuos que entre eles se instala. In: MAMEDE, G. Op. cit. p. 251
180
contraparte”431. Ora, o liame entre a clientela e o estabelecimento está fundado
na confiança conquistada pelo franqueador, em que pese a dedicação do
franqueado no dia-a-dia da operação da unidade franqueada.
IV.D. PONTO EMPRESARIAL
Para muitos ramos da atividade empresarial, a localização do
estabelecimento tem grande importância e, por isto, estar em local adequado para
a exploração da sua atividade empresarial é uma preocupação do empresário.
Jean Escarra disserta sobre a importância da localização para o sucesso da
atividade empresarial:
L’importance économique de cet élement est évidente, notamment dans le commerce de détail. La clientèle est, dans une large mesure, fonction de l’emplacement du fonds. Le public est essentiellement routinier. Il obéit à la loi du moindre effort qui lui commande d’entrer dans la boutique établie sur son passage ou à proximité de son passage ou à proximité de son domicile. Il est évident que le magasin ouvert sur une voie passante offre plus d’attrait et de commodité que celui qui est établi dans une rue déserte.432
Para Maria Helena Diniz,
...o direito do comerciante de permanece até mesmo contra a vontade do locador no local onde exerce sua atividade mercantil, desde que atendidos certos requisitos, de ceder a locação ou de obter indenizações se despejado, designa-se propriedade comercial.433
O local em que o empresário se estabelece para desenvolver sua atividade
é conhecido por ponto empresarial, pois se trata do lugar onde se encontra o
estabelecimento empresarial. A sua importância para o sucesso do
estabelecimento fez com que este assumisse valor patrimonial e passasse a ser
protegido pelo direito, definindo-se se este ponto é ou não elemento do
estabelecimento empresarial para se estabelecer o direito do empresário sobre
ele. Rubens Requião, por exemplo, entende que o ponto empresarial é elemento
incorpóreo do estabelecimento empresarial434. Contudo, voltando-se ao conceito
431 VASCONCELOS, L. Miguel Pestana, O contrato de Franquia (Franchising). Livraria Almedina – Coimbra, Julho 2000, p. 92. 432 ESCARRA, Jean. Príncipes de Droit Commercial. Paris : Libraire du Recueil Sirey, 1934. p. 430. 433 DINIZ, Mª. Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, vol 2, São Paulo: Saraiva, 1993. p. 91. 434 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, vol 1., p. 215.
181
de bem incorpóreo, desclassifica-se o ponto empresarial como tal. O ponto
empresarial não é figura autônoma e, por assim ser, não se beneficia da proteção
específica oferecida pelo direito para os bens. O Direito protege o contrato de
locação, caso o imóvel não seja próprio, e o direito à indenização – caso o imóvel
seja próprio – pelo desmantelamento do estabelecimento, e não do ponto
empresarial propriamente dito. Neste sentido, o ponto empresarial pode ser
considerado uma coisa de grande valor e, nunca, bem jurídico, já que não
preenche os requisitos necessários para ser assim considerado.
No franchising o ponto empresarial continua sendo uma coisa de grande
valor e não um elemento incorpóreo do estabelecimento, sendo, neste caso,
escolhido pelo franqueado de acordo com as orientações transmitidas pelo
franqueador, que em razão de todo o conhecimento que possui sobre o conceito
de negócio por ele desenvolvido, determina as características mínimas que o
imóvel precisa possuir para atender o potencial do negócio franqueado e atingir o
mercado consumidor ideal. Para a escolha do referido ponto o franqueado
utilizará todas as ferramentas de pesquisa desenvolvidas pelo franqueador;
quando não o próprio franqueador custeará as pesquisas de mercado que darão
sustentação para a escolha do ponto empresarial.
Assim, da análise dos três elementos essenciais mais importantes para a
constituição do estabelecimento, seja empresarial ou franqueado, é possível
perceber que cada um deles receberá ou assumirá feições distintas e grau de
importância maior ou menor segundo o estabelecimento ao qual se integra. No
estabelecimento franqueado, o aviamento transmuda-se a ponto de, em primeiro
lugar, ser substituído pelo instituto do know-how e, segundo, perder a natureza de
mero atributo elevando-se à categoria de bem jurídico e, portanto, de elemento
essencial. Destarte, resulta evidente a necessidade de ser elaborada lei especial
que regule o instituto especial do estabelecimento franqueado.
182
V - CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTABELECIMENTO FRANQUEADO
A importância em se conceituar o que vem a ser o estabelecimento
franqueado é imensa e, também – por mais paradoxal que possa parecer – vã. É
proporcional à aspiração em compreender de maneira absoluta o próprio
fenômeno jurídico e, ao mesmo tempo, totalmente desnecessária quando já se
pode identificá-lo (o estabelecimento franqueado), sem que isso implique exaurir
suas formas de explicação. As condições para que se possibilite uma noção
definitiva do regime jurídico atribuído à nova espécie de estabelecimento
franqueado não podem ser realizadas em um primeiro e único momento, devendo
ser laboradas gradativamente até a concreção de uma linha de definição mais
ampla, conforme apresentado no capítulo anterior.
A linha propedêutica induz à análise de apenas uma das inúmeras
conseqüências que podem decorrer da utilização da nova espécie de instituto de
estabelecimento empresarial no sistema jurídico, à luz da problematização
escolhida para os fins deste trabalho: a ação renovatória prevista na Lei de
Locação. Para tanto, considere-se que a distância entre os dois diferentes
estabelecimentos aumenta exponencialmente quando se compara o exercício da
atividade empresarial. No estabelecimento empresarial, na magnitude da sua
generalidade, tal como previsto no art. 1142 do Código Civil, a atividade é quase
que ilimitada, dependendo única e exclusivamente da vontade do empresário. No
estabelecimento franqueado, de outro lado, o exercício da atividade é temporário
e vinculado ao contrato; subsistindo enquanto existir o contrato de franquia. Findo
o contrato de franquia, queda impossível o prosseguimento da existência do
estabelecimento vinculado àquele tipo de atividade.
Esta é, provavelmente, como exaustivamente abordado neste trabalho, a
maior distinção entre os dois tipos de estabelecimento e que nos permite defender
a existência de um instituto geral – nos moldes do quanto previsto no código civil
– e, de outro, especial, tal qual o estabelecimento franqueado. Por tudo o que já
foi dito anteriormente, seja por impedimento contratual ou por conta das regras de
proteção a propriedade intelectual, em especial aquelas relativas à concorrência
desleal, o estabelecimento franqueado só existe enquanto existir o contrato.
Inexistindo este último, inexiste estabelecimento franqueado por falta de
183
viabilidade jurídica da atividade empresarial. Trata-se, precisamente, da afetação
do conjunto de bens corpóreos de titularidade da empresa franqueada à
destinação da atividade empresarial vinculada no contrato de franquia e no
contrato social da empresa franqueada.
Quando da celebração dos instrumentos de franquia, o franqueado adquire
direitos e deveres, dentre os quais o de constituir uma sociedade empresária para
operar o negócio franqueado; instalá-la no ponto empresarial aprovado pelo
franqueador; e, ainda, o de adquirir os bens móveis característicos da rede
franqueada, que, reunidos com os demais bens licenciados pelo franqueador e
organizados nos termos determinados por este, formarão o estabelecimento
franqueado. Com a rescisão do vínculo contratual que permitia a exploração do
negócio franqueado, o franqueado deixará de usar o know-how e o avimento
licenciados pelo franqueador, assim como as marcas, nomes empresariais, entre
outros elementos distintivos que identificavam e constituíam a imagem da rede
franqueada formando o estabelecimento franqueado; o trade dress. O
estabelecimento franqueado, a partir da rescisão do contrato de franquia, perderá
a sua utilidade e desaparecerá. A sociedade empresária continuará titular dos
bens móveis que também o formavam, muito embora, seja vedado ao
franqueado, em que pese o desmantelamento do estabelecimento franqueado,
atuar no mesmo ramo de atividade do franqueador e da rede de franquia da qual
fazia parte, sob pena de incorrer na prática do crime de concorrência desleal.
Cuida a Concorrência Desleal435 de evitar ou reprimir a concorrência
desleal, consubstanciada por ações desenvolvidas por concorrentes no sentido de
aproveitar-se, indevidamente, de elementos do aviamento alheio, para arrebatar-
lhe clientela; circunstância que em última análise, essa teoria procura preservar. A
legislação objetiva, portanto, reprimir ações perturbadoras de concorrentes que,
por desvios de conduta, procuram valer-se indevidamente de bens alheios,
435 “A doutrina tem considerado como de concorrência desleal todo ato de concorrente que, valendo-se de forma econômica de outrem, procura atrair indevidamente sua clientela.” BITTAR, Carlos Alberto. Teoria e
Prática da Concorrência Desleal. Op. Cit. p. 45.
184
causando a estes últimos prejuízos indevidos436. Neste sentido, entende Carlos
Olavo437 que
...seria contrário à lealdade do comércio que fosse lícito, por meio de engano do público e para aumentar o valor da mercadoria própria, imitar ou usurpar a característica exterior de produtos ou serviços alheios, conhecida pela clientela e sob a qual um produtor ou comerciante comercializa os seus produtos, em assim sem mais desfrutá-la, criando confusão.
Note-se que no franchising o ex-franqueado ao usar indevidamente o
conhecimento empresarial - know-how e o aviamento - e o trade dress do
franqueador, concorrerá deslealmente não só com este, mas, também e
sobretudo com a rede franqueada, que exerce suas atividades seguindo as
mesmas características.
Alguns doutrinadores, em defesa à repressão à concorrência, rogam pela
aplicação do princípio da liberdade de iniciativa, consagrado no art. 170 da
Constituição Federal de 1988, que preconiza que “a todos é assegurado o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização
governamental, salvo nos casos previstos em lei”. Entretanto, não se pode
esquecer que esta mesma Constituição também traz entre seus princípios, o da
livre concorrência, como manifestação da liberdade de iniciativa e esta, por sua
vez, consiste na prerrogativa que têm os agentes econômicos atuantes no
mercado de adotar todas as iniciativas lícitas que lhes estiverem disponíveis para
captar clientela. A livre concorrência é manifestação natural de uma economia de
mercado. Sendo salutar e esperado que as empresas concorram entre si,
forçando umas às outras a um constante aprimoramento de seus métodos
organizacionais e produtivos, à redução gradativa dos seus custos e a uma busca
permanente pela melhoria das condições oferecidas aos seus consumidores, é
natural que a liberdade de concorrência exista; porém, de forma lícita.
Assim, em que pesem os princípios assegurados constitucionalmente, é
inadmissível que os agentes econômicos conquistem sua clientela por meio de
436 A teoria jurídica da concorrência desleal assentou-se sobre os pressupostos referidos na Inglaterra, com o Merchandise Marks Act de 1877, dando cunho de direito positivo aos mandamentos expostos. 437 OLAVO, Carlos. “A proteção do Trade Dress no direito Português e no direito Comunitário”, Revista da ABPI, n. 82 – mi/jun 2006, p. 11, apud RAMELLA, A. Tratado de La Propiedad Industrial, (tradução espanhola), Tomo II, 1913, p. 348.
185
práticas desleais. Daí decorrendo o repudio e a repressão à concorrência desleal.
A repressão à concorrência desleal tem como finalidade a tutela do direito do
empresário à clientela.438 E, em sua ação precípua – a ação de concorrência
desleal – procura restaurar o equilíbrio rompido, restabelecendo-se a ordem
natural das coisas, com a reposição, no patrimônio do lesado, das perdas havidas
e dos lucros cessantes, em consonância com a Teoria da Responsabilidade Civil.
Neste sentido, a Lei nº 9.279/86, tal como a legislação anterior – Decreto-
Lei n.º 7.903/45 – cuidou de relacionar os crimes de concorrência desleal partindo
de conceitos consagrados na Convenção da União de Paris439 e de Berna para
conceituá-los, adaptando-os, contudo, à nova realidade. Assim, a lei tipifica como
crime, dentre outros:
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§1º - inclui-se nas hipóteses a que se referem os incisos XI (...), o empregador, sócio ou administrador da empresa, que incorrer nas tipificações estabelecidas nos mencionados dispositivos.
A finalidade do direito em questão se encontra na proteção devida a
criações intelectuais humanas, pelo respeito à pessoa do titular. É, pois, o amparo
jurídico aos bens imateriais do franqueador, no caso do franchising, que inspira a
teoria da repressão à concorrência desleal, acolhida em nossa legislação pelo
Código da Propriedade Intelectual.
No franchising o franqueador licencia ao franqueado o direito de uso dos
bens essenciais à formação do estabelecimento franqueado e que integram a sua
438 CARVALHOSA, Modesto. Op. Cit. p. 73. 439
“Na fórmula da Convenção de Paris (art. 10 bis), é concorrência desleal todo ato de competência
contrário aos usos honrados, devendo merecer sanção especial: os que criam confusão, por qualquer meio,
com o estabelecimento, os produtos, ou a atividade industrial ou comercial, de um concorrente; as alegações
falsas, no exercício do comércio, que desacreditem o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial
ou comercial do concorrente; as indicações ou alegações cujo uso, no exercício do comércio, sejam
suscetíveis de induzir o público em erro sobre a natureza, o modo de fabricação, as características, a
aptidão no emprego ou na quantidade das mercadorias”. In: BITTAR, Carlos Alberto. Teoria e Prática da
Concorrência Desleal. Op. Cit. p. 45.
186
base patrimonial, bem como concede a este o acesso à uma clientela já formada
e fiel à marca e aos outros elementos caracterizadores da rede franqueada aos
quais o franqueado jamais teria acesso, senão por meio do contrato de franquia.
Nesta esteira, permitir que o franqueado, ao se desligar da rede franqueada,
aplique todas as informações as quais teve acesso em razão da relação de
franquia em sua nova atividade; ou, ainda, que identifique seu estabelecimento
empresarial com os elementos distintivos da rede franqueada e seu trade dress,
caracteriza patente atentado ao direito constituído do franqueador, além de
concorrência desleal em face não só deste último, mas sobretudo, da rede
franqueada.
Sabe-se que um dos elementos mais importantes para o exercício da
atividade empresarial é a criatividade do titular, seja quanto à capacidade de
introdução de novos e competitivos produtos ou serviços no mercado, seja quanto
à arte de apresentar-se, ou a seus produtos, ao público consumidor. Esse fator
mostra-se tão ou mais relevante, quanto mais sofisticado e exigente se apresenta
o mercado, estimulando a criatividade do empresário na busca de soluções, que
atendendo ao interesse da demanda, possam minimizar os custos e maximizar os
resultados. E através do franchising o franqueado recebe do franqueador tudo isto
pronto, cabendo-lhe, tão-somente, usufruir de todos estes benefícios, sem
qualquer esforço. Por conta disto, é defeso ao franqueado desligar-se do sistema
de franquia do qual fazia parte e continuar atuando no mesmo ramo de atividade,
aplicando todo o conhecimento empresarial e o segredo de negócio aos quais
teve acesso, única e exclusivamente, em razão do contrato de franquia; uma vez
que tal forma de manifestação viria em prejuízo do franqueador e da rede
franqueada.
Com efeito, tal conduta vem em total e absoluto prejuízo de toda a rede
franqueada. Ora, o ex- franqueado estará, desta forma, atuando no mesmo ramo
de negócio da rede franqueada, oferecendo ao mercado consumidor os mesmos
produtos e serviços por ela ofertados, mediante a aplicação das mesmas técnicas
e segredos de negócios. E tudo isso, muito provavelmente por um preço inferior,
já que não mais terá que pagar royalties, taxa de publicidade e outras eventuais
taxas periódicas que pagava ao franqueador. Quando não, sob o ponto de vista
de um cenário de maior gravidade, o ex-franqueado poderá encontrar-se instalado
187
ao lado de uma unidade franqueada da rede que integrava, concorrendo
diretamente com esta ou, ainda, encontrar-se instalado no mesmo ponto
empresarial em que se encontrava instalada a unidade franqueada, o que é ainda
mais grave. Tanto assim, que a própria rede franqueada cobra do franqueador
providências no sentido de coibir a prática desleal por parte do ex-franqueado,
tamanho o prejuízo causado.
Não obstante a legislação coíba a prática de concorrência desleal - que
tem como pressuposto a conduta maliciosa do empresário voltada a iludir e a
desviar clientela -, é bastante comum encontrar nos contratos de franquia a
inserção de um compromisso adicional a esta, por meio de cláusulas contratuais
proibitivas de concorrência, o que foi incorporado no atual código civil,
precisamente em seu art. 1.147, que proíbe a concorrência pura e simples do
alienante com o adquirente do estabelecimento, pelo prazo de 5 anos, contados
da data da transferência, internalizando na legislação, dispositivo já consagrado
pelos usos e costumes empresariais e reconhecido pela doutrina e jurisprudência
como lícito e legítimo, desde que respeitados certos limites materiais, temporais e
territoriais.440
No caso do franchising, independentemente do contrato de franquia possuir
ou não cláusulas expressas de vedação a concorrência, ao desligar-se da rede
franqueada o franqueado deverá abster-se, em respeito ao princípio da boa-fé, de
exercer o mesmo ramo de atividade do franqueador e da respectiva rede
franqueada, já que a sua continuidade no mesmo ramo dará azo à práticas
tendentes a captar, ilicitamente, clientela pertencente à rede franqueada da qual
não mais faz parte, aproveitando-se de todo o segredo de negócio e
conhecimento empresarial aos quais teve acesso, exclusivamente, em razão do
440 O primeiro fator limitador, de ordem material, consistia na impossibilidade de proibir o desenvolvimento de qualquer atividade empresarial por parte do alienante. Prevalecia somente a cláusula que impedia o exercício da mesma atividade empresarial explorada por meio do estabelecimento transferido, e não quaisquer outras atividades. Também era proibida a cláusula de não-restabelecimento fixada sem um prazo determinado, e sem limitar uma área geográfica na qual não podia atuar o alienante (limites de natureza temporal e territorial, respectivamente). Tão importante era a utilização desse dispositivo no dia-a-dia dos negócios que nos contratos omissos a esse respeito presumia-se tivesse sido pactuada cláusula de não restabelecimento pelo prazo de 5 anos. Esse entendimento assentava-se no fato de que, não existindo previsão expressa, a intenção das partes era a de transferir a plena capacidade empresarial do estabelecimento, que somente podia ser concretizada com o impedimento da concorrência do alienante. Como o art. 1147, além de proibir a concorrência na mesma área de atuação, prevê somente uma limitação de ordem temporal à concorrência, permanecem os limites territoriais supracitados, como condição de eficácia desta norma legal.
188
contrato de franquia anteriormente celebrado. Assim, a convenção impediente ou
restritiva da liberdade econômica individual no franchising pactuada entre
franqueador e franqueado, por conta das suas peculiaridades e por possuir o
estabelecimento franqueado natureza jurídica de direito obrigacional e, por isso,
sujeito às regras contidas na Circular de Oferta de Franquia, no Contrato de
Franquia, no Código de Propriedade Intelectual e, ainda, a regra de não
concorrência, deve ser admitida como legítima, mesmo quando não limitada no
tempo e no espaço. De modo complementar, deve ainda, por parte do
franqueado, ser admitida sua renúncia absoluta ao dispositivo constitucional da
livre iniciativa em favor da organização jurídica existente no franchising,
representada pela rede franqueada e, como tal, um fulcro de interesses globais e
sociais, comuns a todos os sujeitos nele envolvidos.441
A legislação que coíbe a concorrência desleal442 protege o empresário do
concorrente que se utiliza indevidamente de suas idéias; prevalecendo, inclusive,
sobre o princípio da livre iniciativa, na medida em que estes devem ser vistos
como instrumentos para o alcance de algo ainda maior; a dignidade da pessoa
humana, tal qual prevista na Constituição de 1988.
Nesta linha de raciocínio, devem ser preservados os direitos patrimoniais
do franqueador, licenciados ao franqueado, por meio de uma relação contratual
de franquia. O professor José Afonso da Silva ensina que a livre iniciativa,
...num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas
441 Cabe, por que não, até sustentar que a rede franqueada tem um estabelecimento empresarial diverso do dos estabelecimentos franqueados particulares, constituídos em cada ponto empresarial, que oferece às unidades franqueadas, individualmente consideradas, maior visibilidade à marca e, conseqüentemente, maior clientela, maior lucro. Daí se justifica a formulação de uma séria de cláusulas no contrato de franquia, com destaque, à cláusula de não concorrência. Neste sentido, Caio Mário da Silva Pereira, foi um dos precursores da análise do fundo de comércio nos shopping centers e o primeiro a destacar que “dentro do shopping
center, há essa duplicidade de conceito de fundo de comércio.
E fundo de comércio o global do shopping, como e também aquele que é constituído pelo usuário”. Modesto Carvalhosa, divergindo de Caio Mário, entende existir um fundo, indivisível, e dois titulares, o empreendedor, de um lado, e os lojistas de outro . Dessa posição de Carvalhosa, diverge Ives Gandra da Silva Martins, ao afirmar existirem dois fundos de comércio, sendo um dos lojistas e outro, do empreendedor, que se unem em um sobrefundo de dupla titularidade. Passim: SILVA PEREIRA, Caio Mario da. Shopping
Centers – questões jurídica., São Paulo, 1991, pp. 17; 28; 49; 83. 442 A concorrência desleal objetiva reprimir os atos de concorrência contrários aos usos éticos e honrados em matéria de indústria ou de comércio. Considera-se concorrência desleal quando se utiliza artifícios repreensíveis, capazes de captar a clientela de empresas com intenções de auferir vantagem a estas pertencentes.
189
pelo mesmo’. É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário443
em detrimento e prejuízo direto do franqueador e da rede franqueada. Na
concepção de Celso Ribeiro Bastos, a livre iniciativa
...é uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação econômica. Equivale ao direito de todos têm de lançarem-se ao mercado da produção de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de gestão e a de empresa 444.
No franchising, como se vê, a cláusula restritiva da livre iniciativa e livre
concorrência, em absolutamente nada limita o direito do ex-franqueado a lançar-
se no mercado; o único limitador recai sobre o exercício da mesma atividade
empresarial explorada pelo franqueador e pela rede franqueada uma vez
rescindido o contrato de franquia. Daí afirmar que a livre iniciativa e a liberdade
econômica são legítimas quando destinadas a assegurar a todos uma existência
digna, conforme os ditames da justiça social. Afirma-se, com isto, que a restrição
imposta ao franqueado de exercer a mesma atividade empresarial, quando da
rescisão do contrato de franquia, não só se apresenta legítima, como contribui
para o alcance da finalidade última buscada pela Constituição Federal. Permitir
que o ex-franqueado concorra deslealmente com o franqueador e com outros
empresários e empresas que integram a rede franqueada, acarretará na falácia
da harmonia natural dos interesses do homem – prejuízo à realização
transpessoal mencionada por Celso Ribeiro Bastos – bem como, afronta à justiça
social e ao bem-estar coletivo. A livre iniciativa só se legitima, portanto, quando
voltada à efetiva consecução dos fundamentos, fins e valores da ordem
econômica.
443 Curso de Direito Constitucional Positivo", 30.ed.., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 794. 444 Comentários à Constituição do Brasil", vol. 7, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 16.
190
V.A. Locação Empresarial
A teoria do estabelecimento foi desenvolvida no direito francês em 1900,
época em que o instituto não era totalmente estranho ao direito brasileiro; tanto
assim, que foi previsto pelo antigo Decreto nº 24.150, de 1934445, conhecido como
“Lei de Luvas”. Muito embora este decreto cuidasse do “ponto comercial”, na
realidade tutelava o sobre valor agregado ao imóvel em razão da exploração de
uma atividade econômica no local, ou seja, ao aviamento e ao know-how; este
último presente no estabelecimento franqueado.
Revogado pela Lei de Locações em vigor446, sua disciplina continua
regendo a ação renovatória que, apesar de recente, conservou a expressão fundo
de comércio447. Isto ocorre, muito provavelmente, em razão da tradição a respeito
de sua antiga terminologia, o que não compromete a proteção outorgada, pois,
como assevera J. Nascimento Franco:
Nesse trabalho de polimento das arestas e no suprimento das omissões da lei, advogados e juízes contam com o precioso instrumental representado pela jurisprudência forma em torno do Dec. 24.150, a qual em grande parte se integrou no sistema da locação para fins comerciais e industriais e que, portanto, continuará sendo utilizada na interpretação do novo diploma legal.448
Para Maria Helena Diniz,
445 “A ação renovatória do contrato de locação de imóvel destinado à atividade empresária deita suas raízes na intratura do direito medieval. “Denomina-se intratura certo direito que o artífice adquire sobre o estabelecimento, ou sobre o imóvel tomado em locação pelo exercício do próprio mister durante determinado espaço de tempo”, segundo a conceituação de Montelatici, reproduzida por Buzaid em sua obra ao final arrolada, que ainda aduz: “a intratura pode ser considerada sob dois aspectos: a) o direito assegurado ao artífice e ao comerciante de pedir, no vencimento do contrato de locação, uma quantia pelos melhoramentos , compreendendo-se neste vocábulo também o aviamento; b) o direito de permanecer na loja, não podendo ser despejado, pelo senhorio, contra a sua vontade, senão em certo espaço de tempo, declarados pelos diversos estatutos. Para que um artífice, ou comerciante, que tomou em locação um imóvel, a fim de nele exercer o seu próprio ofício, adquira o direito de intratura, é necessário que concorram três requisitos, a saber: a) que o inquilino seja matriculado, i. e., formalmente inscrito nos livros e registros da Arte, ou Colégio, a que está sujeito, com a indicação precisa da atividade a que vai dedicar-se; b) que o artífice, ou comerciante, exerça atualmente, por si ou por seus prepostos, mas sob a sua direção, o ofício, em que se matricula; c) que o artífice ou comerciante tenha desempenhado tal ofício durante cinco anos completos.” In ABRÃO, Nelson. Enciclopédia Saraiva do Direito, coordenação do Prof. R. Limongi França. vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1977. p. 479 – 480. 446 Lei n.º 8245, de 18.10.1991, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. 447 Art. 51, §2º, da Lei n.º 8245, de 18.10.1991, dispõe “quando contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito à renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade”. 448 Ação renovatória, p.12.
191
...a norma procura a proteção do inquilino comerciante ou industrial, obstando a que o locador tire proveito da valorização do imóvel locado, oriunda de exercício contínuo de atividade empresarial do locatário. É essa plus valia ao prédio do locador que leva à tutela jurídica do ponto de comércio, evitando o enriquecimento injusto do senhorio, protegendo o titular do fundo de comércio, isto é, o inquilino-comerciante, dando-lhe estabilidade, levando em conta a clientela angariada pelo seu trabalho.449
Dentre os elementos do estabelecimento empresarial, figura o chamado
ponto empresarial450, que compreende o local onde este foi formado e que usufrui
proteção jurídica, fruto de um intervencionismo estatal originário de uma
modificação no conceito absoluto de propriedade, conforme previsto no Art. 51 da
Lei de Locações. O locatário da locação não-residencial está contratualmente
autorizado a explorar atividade econômica no imóvel locado e, preenchidos certos
requisitos, valer-se do direito à denominada ação renovatória; prerrogativa de
pleitear a renovação compulsória do contrato de locação. Neste sentido, nas
locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito à renovação
do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
- seja empresário;
- o contrato a ser renovado tenha sido celebrado por escrito e com prazo
determinado de, no mínimo, 5 anos, sendo admitida a soma dos prazos de
contratos sucessivamente renovados por acordo amigável, desde que não haja
intervalo entre o contrato findo e o seguinte451; e
449 DINIZ, Mª. Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos comentada, 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 222 e 223. 450 Há quem entenda que é a propriedade comercial que é protegida pela renovação compulsória do contrato de locação, que corresponde ao aviamento subjetivo criado pelo empresário locatário e que integra o estabelecimento empresarial. Sustenta neste sentido Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, que “é o reconhecimento do aviamento subjetivo a verdadeira força justificadora da renovação compulsória da locação do imóvel onde se localiza o estabelecimento comercial. Os juristas chegam a referir-se, nesses casos, à formação de um novo tipo de propriedade: a propriedade comercial, criada pelo comerciante locatário e pertencente a ele, paralelamente à propriedade imobiliária, esta inerente ao locador. Determinada pelo juiz a renovação compulsória da locação, dá-se, como efeito, a continuidade da exploração da propriedade imobiliária, pelo locador – que receberá o preço do aluguel economicamente justo, enquanto o comerciante locatário auferirá o proveito da propriedade comercial por ele criada, sendo proibido ao locador locupletar-se diante daquele pela indevida cobrança de luvas.” (in Curso de Direito Comercial, v. 1. São Paulo: Ed. Malheiros, 2004, p. 249). Ainda, em complemento, P.R. Tavares Paes, muito bem elucida que “a expressão propriedade comercial teve gênese na Lei Francesa de 30.06.1926 – Lei de Propriedade Comercial – que regulava as relações entre arrendadores e arrendatários, no concernente à renovação dos arrendamentos comerciais ou industriais”. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, v.8. p.83. 451 Neste sentido, TAVARES PAES, P.R. “Arrendamento e estabelecimento comercial”. In: Enciclopédia
Saraiva do Direito, v.8, p.86; RT, 176:383, 178:160, 179:416, e 184:159; e RF, 128:62 e 129:177.
192
- encontre-se na exploração do mesmo ramo de atividade econômica pelo
prazo mínimo e ininterrupto de 3 anos à data da propositura da ação renovatória.
A lei requer a comprovação do triênio de exploração para demonstrar que o
empresário formou, no prazo locado, uma clientela, mantendo o aviamento
estabilizado, na medida em que o se que protege é exatamente a valorização do
imóvel em razão da consolidação de uma clientela.
Tutela-se o valor agregado ao estabelecimento pelo uso de um mesmo
ponto por certo lapso temporal. Em outras palavras, a lei tutela o conjunto de
elementos imateriais da empresa, que no caso do estabelecimento franqueado,
como visto anteriormente, são de titularidade do franqueador. Chama-se esta
tutela de garantia de inerência no ponto, ou seja, ampara-se o interesse do
empresário de continuar estabelecido exatamente no local daquele imóvel locado.
Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho denomina “direito de inerência ao ponto
o interesse, juridicamente protegido, do empresário relativo à permanência de sua
atividade no local onde se encontra estabelecido452”. O exercício deste direito se
faz por meio de ação judicial própria, denominada ação renovatória, que deve ser
ajuizada entre o período mínimo de 1 ano e, máximo, de 6 meses, antes do
término do prazo do contrato a ser renovado, sob pena de decadência do
direito453.
Perfeitamente compreensível e correta a intenção do legislador ao
preocupar-se com o fundo de comércio formado pelo locatário e impor ao
proprietário do imóvel a renovação compulsória do vínculo locatício, em
detrimento, até mesmo, do seu direito de propriedade. Mas note-se que a
renovação compulsória objetiva permitir que o locatário dê prosseguimento à
exploração da sua atividade empresária, usufruindo a clientela que formou. Com
efeito, o direito à renovatória deve ser cuidadosamente estudado, ainda mais
quando aplicável à nova espécie de estabelecimento empresarial apresentada
neste trabalho, qual seja, o estabelecimento franqueado. Isso porque o
franqueado só efetivamente fará jus à renovação compulsória, privando o
proprietário do direito que constitucionalmente lhe é assegurado se, e desde que,
452 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 1, São Paulo: Saraiva, 2005. p. 102. 453 Lei de Locação, Art. 51, §5º.
193
efetivamente dê continuidade à exploração da atividade empresarial franqueada.
Do contrário, a finalidade teleológica pretendida com o estabelecimento da
renovação compulsória será subvertida, na medida em que o sobre-valor
protegido pelo legislador, além de não ter sido criado pelo locatário – franqueado
– é de propriedade do franqueador. Quando do término, por qualquer que seja o
motivo, do contrato de franquia, o franqueado deixará de usar o know-how
licenciado pelo franqueador, assim como, necessariamente, as marcas,
expressões de propaganda, nomes comerciais, títulos de estabelecimento, dentre
outros elementos distintivos que exteriormente identificavam e constituíam a
imagem da rede franqueada e que formavam o estabelecimento franqueado. A
sociedade empresária continuará titular dos bens móveis, em que pese seja
vedado ao franqueado atuar no mesmo ramo de atividade do franqueador e da
rede de franquia da qual fazia parte.
Para que o exercício à renovação compulsória seja adequadamente
utilizado – para a finalidade de alcançar a real intenção do legislador, o
franqueado, além de preencher os requisitos determinados em lei referidos
anteriormente, deverá também comprovar a vigência do instrumento de franquia,
por um período mínimo, equivalente ao prazo locatício renovado, sem o que não
será mais possível a continuidade e o exercício da atividade empresarial
explorada no imóvel objeto da locação. Com a cessação do direito de uso dos
bens incorpóreos licenciados pelo franqueador ao franqueado, o estabelecimento
franqueado desaparecerá restando, tão-somente, os bens móveis adquiridos para
a operação do negócio franqueado que por si só não são capazes de formar a
universalidade de direito que identifica o estabelecimento franqueado.
O exercício do direito de inerência, por parte do locatário – franqueado, só
será possível quando efetivamente comprovado que o estabelecimento
franqueado perdurará pelo menos, pelo mesmo prazo da renovação do vínculo
locatício ou, para melhor compreensão do que se pretende apresentar, o
exercício à renovatória só será assegurado na hipótese em que restar
comprovado que o locatário-franqueado titulariza o sobre-valor, aviamento, o
know-how, ou melhor, o conhecimento empresarial abrigado no imóvel objeto da
194
locação454; o que não ocorre no franchising, em que o sobre-valor pertence ao
franqueador.
Diante desses esclarecimentos, qual a legitimidade atribuída ao locatário-
franqueado, e só a este, para propositura da ação renovatória? Da mesma forma
que a lei de locação visa proteger o sobre-valor criado no ponto empresarial,
reservando ao locatório, desde que preenchidos certos requisitos, o direito à
renovação compulsória do vínculo locatício, em detrimento do direito de
propriedade do próprio locador, também reserva ao locador algumas situações
nas quais a renovação compulsória será ineficaz455, em face da tutela do direito
de propriedade. Sempre que o direito de propriedade for desprestigiado em
decorrência da renovação da relação locatícia, a renovação não subsistirá,
mesmo que inexista específica previsão legal, pois a tutela do direito do locador,
no tocante à exceção de retomada deflui diretamente da constituição.
A partir de tal raciocínio, atribuir ao locatário-franqueado legitimidade456
para invocar o direito à ação renovatória sem qualquer preocupação com a
regularidade do contrato de franquia, e sua vigência por prazo compatível com
aquele cuja renovação se pleiteia, sobretudo ao se considerar que é justamente a
manutenção do exercício da mesma atividade empresarial que se visa proteger e
dar continuidade, resulta patente a afronta ao direito patrimonial do locador e,
454 Neste sentido, COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Locação de Imóveis Urbanos, coordenação de Juarez Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1992, p.327, ao ensinar que “...uma outra condição é a titularidade
do estabelecimento, abrigado no prédio locado. Ele deve pertencer à sociedade. Ou seja, somente se o
locatário transferir à pessoa jurídica o seu estabelecimento, poderá ela pleitear a renovação da locação...de
qualquer forma, o fundo de comércio deve integrar o patrimônio social, à data da propositura da ação
renovatória, para ter a sociedade direito à renovação”. 455 Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: I - por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade; II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. 1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences. 2º Nas locações de espaço em shopping centers , o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo. 3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar. 456 Terão legitimidade ativa para propor ação renovatória de contrato de locação de imóvel destinado ao exercício da atividade empresarial: o locatário; o sublocatário; a sociedade com fim lucrativo regularmente constituída; o sócio remanescente da sociedade dissolvida pela morte de um dos sócios, desde que continue exercendo a mesma atividade empresarial; cessionários ou sucessores do locatário e a massa falida, representada pelo administrador judicial. (art. 22, III, n, da Lei. N. 11.101/2005).
195
portanto, desobediência à norma constitucional assecuratória do direito de
propriedade deste último.
O locatário-franqueado tem, em princípio, assegurado o direito de inerência
ao ponto, mediante a renovação compulsória do seu contrato de locação, em
razão, exclusivamente, dos bens incorpóreos que recebe do franqueador. Por
força da tutela constitucional do direito de propriedade do locador, no entanto,
esse direito não poderá ser exercido sem que haja comprovação da
compatibilidade entre o prazo de vigência do contrato de franquia e o prazo do
contrato de locação que se pretende renovar. Com o quê, como forma de se
alcançar a finalidade última pretendida pelo legislador ao proteger o sobre-valor
criado no ponto empresarial, sugere que seja mantida a legitimidade atribuída ao
franqueado-locatário, mesmo em sendo este franqueado de alguma rede de
franquias, mas que, dentre os requisitos essenciais à propositura da ação
renovatória, seja acrescida a obrigação de ser apresentado contrato de franquia
vigente por prazo compatível ao prazo de renovação do vínculo locatício. E
estando o contrato de franquia vigente por prazo indeterminado, ou, tendo o
referido contrato um prazo de vigência inferior ao que será renovado, a obrigação
de apresentar prova – o que poderá ser feito por meio da juntada de declaração
emitida pelo franqueador, que comprove a vigência do contrato de franquia em
prazo compatível ao contrato de locação. Na hipótese do franqueador não emitir
declaração que ateste a vigência do contrato de franquia, nos termos
anteriormente aludidos, o franqueado-locatário estará impedido de propor a ação
renovatória, já que, em o fazendo, será reconhecida sua carência de ação.
196
CONCLUSÃO
Ao final da Primeira Grande Guerra (1914-1918) o economista inglês John
M. Keynes teria dito que,
Num regime de livre-comércio e integração econômica livre, teria pouca importância que o ferro estivesse de um lado da fronteira política e a mão-de-obra, o carvão e as fornalhas do outro lado. Porém, de fato, os homens criaram meios de se empobrecer mutuamente; e preferem as animosidades coletivas à felicidade individual.457
Décadas mais tarde, as alterações ocorridas na ordem econômica internacional
demonstram que as nações optaram por ouvir o chamamento de Keynes,
introduzindo novas formas de produção e difusão de produtos e serviços. No
período pós Guerra Fria, assiste-se a uma integração social e econômica
substanciais, e cada vez maiores, de todo o planeta. O livre-comércio ocupa lugar
majoritário nas economias e, seu desenvolvimento, aumenta a riqueza total da
sociedade. Contudo, e para o bom caminhar da ordem econômica, algumas
instâncias do desenvolvimento devem ser protegidas. A proteção – segundo
parâmetros adequados – dos meios de produção e distribuição de serviços tem
conotação positiva. Não apenas no que respeita às fronteiras políticas, como
também, relativamente aos agentes econômicos que dinamizam as sociedades.
Com efeito, a partir do último quartel do século XX, a nova ordem mundial
vem estabelecendo, ainda que de modo controverso, um mundo sem fronteiras
que é o resultado, sobretudo, da dissolução dos limites entre os hemisférios leste
e oeste458. A partir dos fatos políticos e econômicos que levaram ao “fim das
ideologias”, um intenso processo se pôs em marcha, levando à revisão dos
conceitos de competitividade e à reformulação das alianças estratégicas
internacionais; é a chamada globalização econômica que veio, inexoravelmente,
acompanhada da mundialização da cultura. Do ponto de vista do desempenho
457 KEYNES, John Maynard. The economic consequences of the peace. Santa Barbara: Conference. 1920. 458 A referência à dissolução de fronteiras se refere, especialmente, à queda dos parâmetros ideológicos antagônicos; não traçando nenhuma hipótese de esmorecimento das fronteiras nacionais. Mesmo assim, há que se notar que a queda do Muro de Berlim – que implica em alterações internas da vida alemã, a fins dos anos 80 foi, provavelmente, o mais importante ato simbólico da dissolução das fronteiras ideológicas entre o oeste e o leste do planeta que tanto marcaram o século XX.
197
empresarial, a conseqüência imediata deste re-alinhamento de forças políticas e
da globalização da economia foi a necessidade de mudança nos modos de
administrar, produzir e comercializar produtos e serviços.
Desde o período das grandes navegações sabe-se que um dos grandes
riscos da globalização é o excesso de concentração econômica nas mãos de uns
poucos grupos econômicos. O franchising aparece como alternativa paralela e no
caminho contrário ao da concentração, uma vez que seu modo de funcionamento
empresarial não supõe a formação de grupo econômico, mas sim, a multiplicação
do saber-fazer, o chamado know-how.
Desde fins dos anos 90 do século recém-encerrado, o economista Gilberto
Dupas aponta para uma contradição do capitalismo contemporâneo que busca a
concentração e a fragmentação do poder econômico, simultaneamente. Para este
autor há, de um lado, uma magnitude de investimentos destinados ao
desenvolvimento das lideranças tecnológicas de produtos e processos, isto é, um
processo de concentração que habilitará como liderança das principais cadeias de
produção um conjunto restrito de corporações mundiais; de outro lado, contudo,
tal processo explora a conquista de mercados, o que força a
... a criação de uma onda de fragmentação – terceirizações, franquias e informalização –, abrindo espaço para uma grande quantidade de empresas menores que alimentam a cadeia produtiva central com custos mais baixos.459
Neste sentido, tal como se demonstrou anteriormente, o sistema de
franchising em seu contorno específico de Business Format Franchising, aqui
estudado, revela enorme adequação ao modelo cultural e econômico mundial
vigente. Seu modelo de funcionamento na forma de colaboração empresarial ou
em rede proporciona uma melhor divisão do trabalho, gerando significativo
aumento na capacidade de geração de lucros e de empregos tanto nas chamadas
sociedades desenvolvidas, como naquelas em desenvolvimento..
O histórico da evolução do instituto da franquia empresarial – no Brasil e no
mundo – revela que o sistema continua em franca expansão, alcançando um
459 DUPAS, Gilberto. “Globalização, exclusão social e governabilidade”. I Conferência latino–americana e
caribenha de ciências sociais. Recife: 25 de novembro de 1999. In: www.iea.usp.br/revista.html Acesso em 25/03/2007.
198
número cada vez maior de nações, suscitando um fluxo crescente de trabalho e
distribuição de produtos e serviços. O crescimento do instituto é revelador. Deve-
se, em parte, a que o sistema de rede adotado na franquia empresarial com
conceito de negócio formatado, como se disse outras vezes, repousa, ainda que
subsidiariamente, sobre a boa-fé objetiva e na transparência e confiança mútua
que deve haver entre todos aqueles que pertencem à rede, para o seu melhor
funcionamento.
Com o desenvolvimento do sistema do Business Format Franchising surge
um Estabelecimento Empresarial singular que é fundamentado por uma
organização operacional identificada, formatada e definida pelo know-how ou
saber fazer. Este estabelecimento pode ser considerado especial por ser distinto
do Estabelecimento Empresarial tal como este aparece definido no artigo 1.142
do vigente Código Civil. Seu objeto de contrato é a multiplicação desta mesma
organização empresarial. E este não pode ser explicado pela doutrina clássica já
que seu conceito, natureza jurídica e implicações, são outros. E é neste sentido
que se pode dizer que aquilo que a doutrina clássica chama de know-how e
aviamento, considerados conjuntamente, transmudam-se em conhecimento
empresarial, surgindo, daí, uma nova atividade empresarial, a multiplicação do
estabelecimento empresarial.
Dado que o Business Format Franchising se caracteriza pela licença de
uso de marca e transmissão do conhecimento empresarial, de titularidade do
franqueador e desenvolvido pela empresa franqueadora – obedecidas as formas
de proteção e replicação de cada um dos bens de propriedade intelectual – que
culminam no êxito da rede, optou-se por verificar as formas de proteção de cada
um desses bens no interior do sistema. Isso por que, o empresário ou a
sociedade empresária – aqui entendida como o franqueado, ao aderir ao sistema,
irá constituir um novo estabelecimento empresarial por meio da multiplicação do
know-how detido pelo franqueador.
Com efeito, o interesse por um estudo da marca no contexto do Business
Format Franchising vincula-se ao fato de que esta deve ser entendida como
patrimônio fundamental do franqueador e do negócio franqueado. Retome-se a
idéia de que o franqueador deverá ser o responsável por resguardá-la e protegê-
la, tendo em vista ser este o liame entre o seu negócio e os consumidores, e
199
portanto, sua possibilidade de produção de lucro. Daí a necessidade de um
estudo de suas formas de proteção e das conseqüências positivas advindas do
cuidado com o bem incorpóreo nela consubstanciado. Não menos importante que
a análise da marca são as considerações acerca do know-how – conjunto de
experiências, conhecimentos e práticas que permitem alçar a posição do
empresário no mercado em face de seus concorrentes – uma vez que este
representa, para a rede de franquia o verdadeiro elo entre franqueador e
franqueado, ademais das suas ressonâncias junto ao mercado consumidor.
Daí que se declare que a franquia empresarial deve ser vista como licença
de uso de marca e transmissão do conhecimento empresarial, que devem ser
compreendidos como o resultado da associação entre know-how e aviamento, e
não apenas como uma licença de uso de marca associada ao direito de
distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e,
eventualmente, tecnologia, como dispõe a legislação brasileira atualmente em
vigor, Lei Especial n° 8.955/94.
Mesmo porque, o grande apelo empresarial oferecido pelo sistema ao
pequeno investidor, situa-se, inarredavelmente, no acesso à vantagem
empresarial, o conhecimento empresarial transmitido pelo franqueador. E ainda,
aos segredos de negócio por ele cultivados, à marca consolidada no mercado e,
por fim, ao acesso à clientela fiel à rede franqueada da qual o candidato deseja
fazer parte. É forçoso concluir, portanto, que o caráter inovador do Business
Format Franchising reside na transmissão do conhecimento empresarial detido
pelo franqueador aos franqueados que compõem a rede. É neste sentido que
deve ser entendida a necessidade de proteção à rede formada pelo franqueador a
partir de seu Estabelecimento Empresarial e estendido aos franqueados por meio
da multiplicação do estabelecimento empresarial segundo regime contratual.
Neste sentido, e na tentativa de dar o tom adequado à tese e, ainda, ciente
que a formulação conceitual e filosófica constitui parte essencial de uma teoria
jurídica e que, sobretudo, seu mérito só adquire valor quando esclarecido seu
propósito, o presente estudo se preocupou em apresentar de modo extensivo os
institutos do franchising e do estabelecimento empresarial, para então apresentar
uma nova espécie de estabelecimento, formado a partir de uma relação de
200
franquia empresarial, denominado estabelecimento franqueado, assim como o
regime jurídico a ele aplicado.
Deste modo, o estabelecimento empresarial, tal como se afirmou, surge da
união de vários elementos, materiais e imateriais, existindo apenas enquanto tais
elementos estiverem ao seu serviço; razão que determina a impropriedade de se
falar em estabelecimento empresarial como se este independesse de seus
elementos. O estabelecimento franqueado, por sua vez, forma-se a partir de uma
relação de franquia empresarial, encontrando-se sujeito a regime jurídico próprio.
Com efeito, a vantagem competitiva do estabelecimento empresarial que a
doutrina clássica convencionou chamar aviamento – este entendido como uma
estrutura compósita estabelecida a partir e em função da existência concomitante
de bens corpóreos e incorpóreos, incluindo-se aqui os direitos sobre clientela –
não preenche os requisitos para que o direito o considere como bem. O
aviamento não possui vida própria e autônoma, pois não se pode conceber o
aviamento senão conectado a um estabelecimento constituído de fato460. Na
franquia de negócio formatado, o aviamento como mero atributo inexiste, dado
que nesta, o aviamento, assim como o know-how, também muito presente no
franchising, constituem elemento essencial do negócio.
Ora, sendo o contrato de franquia condição essencial para a existência do
estabelecimento franqueado, tem-se que este é uma universalidade de fato e
sujeito ao regime jurídico próprio advindo de três aspectos, assim considerados:
- da Lei Especial n° 8.955/94 – notadamente em seu artigo 3º;
- o estabelecimento franqueado é formado de forma exclusiva, por conta da
celebração contrato de franquia, em função exclusiva e única do objeto do
negócio franqueado;
- das regras de Propriedade Intelectual que se aplicam à marca, know-how
e concorrência desleal e, subsidiariamente, tal como já se afirmou, na boa-fé
objetiva.
No franchising o franqueado tem acesso aos bens essenciais à formação
do estabelecimento franqueado – ponto empresarial e clientela já formada e fiel à
460 MAMEDE, G. Empresa e atuação empresarial. Op. cit. p. 184 e ss.
201
marca sob a qual a rede franqueada opera. Neste caso, mesmo que os
instrumentos de franquia não contenham cláusulas expressas de vedação a
concorrência, ao desligar-se da rede franqueada o empresário franqueado deverá
abster-se, em respeito ao princípio da boa-fé, da prática do mesmo ramo de
atividade do franqueador e da respectiva rede franqueada; não podendo,
igualmente, dispor dos elementos constituintes do estabelecimento franqueado
em conjunto. Isto é, o ponto empresarial (Lei da ação renovatória) deverá sofrer
importantes modificações, dado que com a formação do estabelecimento
franqueado surge a afetação do patrimônio e da atividade empresarial.
Assim, o estabelecimento franqueado não poderá ser objeto de trespasse
na medida em que o franqueado só possui disponibilidade sobre os bens móveis
individualmente considerados, os quais, sendo transferidos, não são capazes de
manter a utilidade do estabelecimento franqueado e, ainda menos, a capacidade
produtiva do estabelecimento, implicando a sua desarticulação. O know-how,
decorrente da aptidão que o estabelecimento franqueado tem de gerar lucros e é
todo ele de titularidade do empresário franqueador, ou para se colocar com maior
rigor e precisão, da rede de franquia. Este o licencia, a título precário, ao
empresário franqueado, de acordo strito sensu às previsões contratuais
estabelecidas.
Tal como este trabalho procurou demonstrar, estabelecimento empresarial
e estabelecimento franqueado são institutos jurídicos diferentes entre si
decorrendo, o último, da nova ordem mundial, para a qual possui valor. Não por
acaso, vem ainda a tempo uma leitura da teoria tridimensional do direito de Miguel
Reale em que se pode vislumbrar que para todo fato (este entendido aqui como o
estabelecimento franqueado) provido de valor econômico, cabe a redação de uma
norma legal que lhe corresponda. É neste sentido, que este estudo procurou
deixar à mostra a necessidade da alteração do texto legal – Lei Especial n°
8.955/94, Código Civil e Lei da Propriedade Intelectual – no tocante ao sistema do
franchising, dado que sua manifestação no mundo contemporâneo vincula-se às
novas formas de produção e comercialização de produtos e serviços propugnadas
pela economia globalizada e mundialização da cultura; circunstância não
considerada quando da redação dos textos em vigor.
202
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