1º Encontro de Monografia 2014. Orientações para a Monografia - 2014.
Fernando Monografia 2014
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULOPUC-SP
FERNANDO ANTUNES AFONSO
MONOGRAFIAA Fragmentao do Movimento Punk e seus Desdobramentos;
Uma anlise a partir da cidade de So Paulo e sua regio metropolitana.
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So Paulo2014
FERNANDO ANTUNES AFONSO
MONOGRAFIAA Fragmentao do Movimento Punk e seus Desdobramentos;
Uma anlise a partir da cidade de So Paulo e sua regio metropolitana.
Monografia apresentada bancaexaminadora do Departamento deGeografia da Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, como partedos requisitos para a obteno dalicenciatura em Geografia, sob aorientao da Profa. Dra. ReginaRizzo Ramires.
So Paulo
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2014
Banca examinadora:
_______________________________________Profa. Dra. Regina Rizzo Ramires
Orientadora
_______________________________________Prof.
_______________________________________Prof.
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So Paulo, ____ de ____________ de ______
Agradecimentos
Gostaria de agradecer tantas pessoas que no caberiam nesse curto
espao, mas vou comear primeiramente agradecendo a meus pais, Sergio
Augusto Afonso e Neusa Maria Antunes, que me deram todo amor e carinho
que eu s consegui aprender a valorizar aps tambm me tornar pai, no s
pelo amor e carinho mas pela forma como me criaram, pelas coisas que
abdicaram por mim, por financiarem meus estudos e sempre me deram
liberdade para poder ter minhas prprias escolhas, o que me permitiu entender
o peso da liberdade. Agradecer a minha av Alda, que tambm foi parte
fundamental da formao da minha ndole.
Aos eternos companheiros desde a infncia Osmar Hisamitsu, Julio
Csar, Gabriel Romito. Aos primeiros loucos com quem montei a minha
primeira banda Hold Down, Vitor Maio, Dereck Cohen, rico Vergniano, e
Estanislau Souza, sem vocs nada seria como hoje. Companheiros que
fazem da vida uma existncia melhor, como Karl Reim. Homenagear tambm o
Paulinho, amigo que se foi antes da hora, quis a roleta russa do destino que
fosse voc primeiro, mas que estar para sempre presente na minha mente e
corao. Ricardo Ortiz, que ajudou muito em debates sobre a msica, cultura e
contracultura, voc um grande exemplo de ser humano.
Aos professores do curso de geografia da PUC-SP, em especial ao
finado professor Alexandre Rocha, que foi o primeiro a aceitar orientar essa
pesquisa nada convencional, mas que infelizmente no pode ver nada de
concreto dela. Gostaria de agradecer a minha orientadora Regina Rizzo
Ramires que me adotou, no fugindo a regra de adotar os orientados mais
loucos da geografia.
Agradecer a todos os colegas de curso, mas em especial a Sylvia Brito
que sempre me ajudou demais. Andr Pereira, voc me mostrou o que uma
revoluo pessoal e nunca se esqueceu do aspecto social, por mais abstrata
que a geografia ficasse. E um agradecimento que nenhuma palavra pode
contemplar ao grande gegrafo Diego Medeiros, que ajudou na fomentao
desse trabalho, a todas as longas conversas em Geosambas e nas descidas
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para a barra funda, onde uma brincadeira de geografizar sobre tudo, at sobre
o punk fez eu me tornar um gegrafo muito mais completo.
Gostaria de agradecer a todas as bandas que me ajudaram e inspiraram
a chegar at aqui.
Deixei as duas pessoas mais importantes para o final, minha mulher,
Juliana Malvezzi, que minha grande companheira, sempre ao meu lado em
todos os momentos, e por mais que no assuma, o punk nos fez comear tudo!
E ao meu filho, Joo Malvezzi Afonso, que tudo na minha vida: ressignificou
toda ela, me ensinou o que amor. Esse nosso mundo pode no ser o que
desejei para voc, mas nunca deixe de tentar ser mais feliz.
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Vamos caminhar a noite toda, vamos
falar alguma merda. Por favor, fique e
me faa me sentir vivo. o mesmo
com todas as crianas punks?
Estamos com tanto medo que nossa
poca passe? S mais um caf, s
mais um beijo, s mais uma msica.
tudo que preciso para sentir que o
mundo no to ruim assim, enquanto
voc estiver l por mim.
Dance of Days - Suburbia 1986.
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Traduo do autor
Sumrio
Introduo...........................................................................................................8A Paisagem........................................................................................................12
1.1 A Alteridade na Paisagem: O Visual Punk...........................................14
1.2 A Alteridade na Paisagem: O Sonoro do Punk....................................27
O Territrio........................................................................................................332.1 A Relao Territorial.............................................................................36
2.2 A Fragmentao Territorial..................................................................42
Consideraes Finais.......................................................................................46Bibliografia........................................................................................................50
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Introduo
Quando iniciei a pesquisa para fazer este trabalho eu tinha em mente
apenas a fragmentao do movimento punk, com base no que observei
durante a minha adolescncia na cidade de Osasco, que est localizada na
Regio Metropolitana de So Paulo, e na cidade de So Paulo.
Sempre notei que em So Paulo os grupos eram mais fechados, mais
especficos e lutavam pelo espao, j em Osasco era muito comum existir
festivais que reuniam diversas bandas de vrias vertentes do punk no mesmo
dia.
Apesar disso, o intuito do trabalho era evidenciar a fragmentao do
movimento punk nas suas cenas, pois na poca eu tive primeiro contato com o
punk pelo grunge1, depois tive contato com a cena emo2 que estava no auge,
na verdade eu o vi sair da fase mais alternativa, ganhar a mdia e sumir da
mdia.
Como o emo era um gnero muito polmico e odiado por todos dentro
dos subgneros do punk, sempre tive em mente a fragmentao dos emos, ou
o que parecia emo, ou quem andava com os emos.
Ao fazer essa pesquisa, lendo dezenas de livros, centenas de zines3,
revistas e sites notei que na verdade o punk no havia perdido o poder
territorial, ele apenas deixou de aglutinar todo esse poder para estar em mais
lugares ao mesmo tempo, atingindo mais pessoas, o prprio emo era uma
ressignificao da ressignificao da ressignificao do punk.
Como f da banda Dance of Days, que prega um discurso de unio de
todas as cenas, indo a shows, lendo os zines do vocalista Fabio Altro (vulgo
Nene Altro), tive contato com os mais variados subgneros do punk, desde os
primeiros punks de So Paulo, como com bandas que esto surgindo agora.
1 Movimento musical da cidade de Seattle nos Estados Unidos. Acabou sendo um nome genrico para criar um novo produto, mas feito com a velha formula punk, embora at bandas de metal tenham sido colocadas nessa nova prateleira de lojas de msica.2 Abreviao de emotional hardcore, vertente do hardcore que tem letras falando de sentimentos pessoais, amor, e letras confessionais. At meados da dcada de oitenta no existiam letras assim no punk. Seu auge, no Brasil, foi entre os anos 2000 e 2008.3 Jornal, panfleto, revista ou qualquer meio impresso amador ou independente de comunicao. Nasceu como uma necessidade de se falar e mostrar o que acontece dentro do punk. Uma caracterstica marcante que todo zine incentiva as pessoas a criarem o seu prprio.
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Assim sempre notei o clima de unio que a banda pregava, pois eles tambm
conseguiram fazer essa leitura pela prtica emprica.
Ao longo dos anos muitos amigos acabaram deixando de acompanhar a
banda, alguns deixaram at de gostar dela. Mas consegui entender que
quando voc atinge uma pessoa aquilo passa a ter um significado na vida dela
e muda tudo. E o punk deixou uma lio para a sua rvore genealgica, que
o faa voc mesmo. As pessoas comeam a aplicar isso suas prprias
vidas e carregam consigo ao longo de sua existncia, assim as geraes do
punk se reinventam.
Dessa forma, tambm criei minhas prprias bandas (punks ou no),
meus websites, etc. Tudo isso por uma necessidade existencial de descarregar
pensamentos e emoes contidas dentro de mim das mais variadas formas. E
a msica consegue expressar aquilo que no existem palavras para definir.
Como aspirante a msico, eu aprendi muito sobre os mais variados
gneros e estilos de msica, com as facilidades da tecnologia auxiliando, mas
nada se compara ao punk.
algo que mexe com o mais fundo da alma, que faz voc no ficar
parado, que te faz pular e cantar alucinadamente, entrar em rodas punks, que
mais parecem um briga coletiva (mas sem o intuito de agredir para machucar
ningum), se jogar de palcos na esperana de outras pessoas te carregarem e
as pessoas te carregam, e voc carrega pessoas desconhecidas por um
esprito de solidariedade inexplicvel, talvez s porque elas entendem seu
universo. Parte daquilo que voc , no tem palavras que descrevam isso,
apenas acordes e atitudes.
Por mais que hoje existam filmes, documentrios, livros, monografias
sobre o punk, no final das contas so as msicas, as bandas que fomentam
tudo isso. Cada disco, turn (em especial as internacionais), casa de show,
shows em garagens ou em ginsios e estdios, tatuagens (de bandas ou no),
mdia baixada pela internet e compartilhada, zines escritos, roupas
customizadas e camisetas com frases escritas que ningum parece escutar.
A cada acorde mal tocado de guitarra por algum que quer atingir sua
catarse sem precisar ser muito virtuoso para se expressar e em cada corao
que j foi ou movido pelos compassos frenticos de baterias cheias de
energia. Ali, uma pessoa que foi inserida em contexto social, territorial, cultural
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que mudara para sempre sua vida e sua forma de existir no mundo, a forma de
agir, pensar, se expressar, se organizar.
Este o maior legado do punk, e o que vou tentar analisar nas prximas
pginas a fragmentao territorial do movimento punk que resultou na
ramificao dele em mais espaos.
Por fim o trabalho foi dividido em dois captulos, um sobre paisagem e
outro sobre territrio, e cada um deles foi subdivido. O intuito dessa sequncia
primeiro trabalhar com a paisagem, que a primeira forma de entender e
decifrar o espao, e aps esse processo temos alguma noo mnima para
entender a questo das relaes territoriais, e assim nos aprofundarmos nela.
O captulo sobre a paisagem trata a questo visual e sonora da
paisagem para no abordar a totalidade dos sentidos humanos, trabalharei
com a noo de paisagem visual e sonora.
J o captulo sobre territrio vai abordar a relao territorial e a
fragmentao territorial dos grupos punk.
Para a paisagem visual vou trabalhar principalmente com o autor Pablo
Rosa e sua pesquisa sobre a etnografia do rock alternativo, j que sua
pesquisa traz com riquezas as questes relacionadas esttica punk, desde
roupas, cortes de cabelo at tatuagens, mas para abordar a geograficidade
dessa questo tambm vou trabalhar alguns referenciais tericos a partir da
filosofia de Immanuel Kant e com os gegrafos Ruy Moreira, Douglas Santos
(ambos tem uma base no pensamento de Kant) e Rogrio Haesbaert.
Vou abordar a paisagem sonora usando como referncia a pesquisa do
gegrafo Carlos Torres sobre a paisagem sonora aplicada sobre o estudo da
cultura.
J para falar de territrio, irei abordar as relaes territoriais dos grupos
com os espaos urbanos e tambm com a fragmentao do movimento punk,
que foi a curiosidade inicial que motivou toda a pesquisa para tentar entender
todos esses processos.
Essa a parte crucial do presente trabalho, usarei principalmente o
gegrafo Ncio Turra Neto e sua pesquisa sobre a identidade punk e sobre o
territrio na cidade de Londrina, e tambm para definir o conceito de territrio
que vou trabalhar com o gegrafo Claude Raffestin, alm dos j citados
Douglas Santos e Pablo Rosa.
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O trabalho tem um vis terico que busca compreender os
desdobramentos dos grupos que esto sempre em movimento, e nunca
estticos, justamente por essa razo ter esse vis.
Pode parecer pouco relevante, mas dezenas de pessoas s na regio
metropolitana de So Paulo j pagaram com a vida por causa da rivalidade de
alguns grupos, departamentos de investigao da polcia no passado j
estudaram esses grupos para melhor entend-los.
Toda essa anlise presente no trabalho importante para a geografia
para poder entender os grupos urbanos oriundos de uma determinada cultura.
A geografia vem, recentemente, aprofundando estudos para melhor
compreender a cultura e suas manifestaes no espao. Sendo assim, minha
inteno trazer para a luz da geografia o movimento punk como um desses
grupos que est presente nos espaos urbanos, se manifestando nesses
espaos e se apropriando deles.
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Captulo I
A Paisagem
No contexto de uma anlise geogrfica, para entendermos a relao do
punk com a paisagem, precisamos primeiro pensar nas relaes sensoriais
antes das relaes territoriais. Logo, precisamos pensar em como percebemos
o punk no espao.
Sendo assim, vou primeiro trabalhar com o conceito de paisagem, pois
o conceito que tem carregado dentro de si mais implicaes com as partes
sensoriais, que a primeira forma de conhecimento do espao, do que
externo a ns.
O primeiro grande pensador que une as correntes filosficas dos
racionalistas e dos empricos na filosofia Immanuel Kant. Assim como
reafirma o gegrafo Ruy Moreira, podemos ter em Kant a base para pensarmos
na paisagem:
Para Kant o conhecimento nos dado inicialmente pela rededas nossas sensaes corpreas. Nasce com elas oconhecimento emprico, que advm da juno das informaessensrias singulares e isoladas por provirem de formasdiferentes de sensaes (a viso, o tato, o olfato, adegustao) pela percepo numa imagem reprodutora dosobjetos do mundo externo. Nesse processo, diferem apercepo interna, reveladora do homem (objeto daantropologia pragmtica), e a percepo externa (objeto dageografia). Uma separao que deve ser superada peloconceito quando o conhecimento senso-perceptivo se torna umconhecimento sistemtico e generalizado no nvel abstrato dopensamento. quando espao e tempo aparecem como umfundamento, embora revelando uma nova dicotomia.
(Moreira, Ruy. 2009, p.20,21)
Entendo que Ruy Moreira trs o pensamento de Kant luz da geografia
moderna dando base para trabalhar como conceito de paisagem, j que todas
essas sensaes corpreas so as nossas formas de percepo dela. Quando
sistematizamos essas sensaes comeamos a prestar ateno na questo
espao-temporal, porque tudo o que sentimos ocorre no espao.
O filsofo Jostein Gaarder, em seu livro O Mundo de Sofia, resume de
uma forma extremamente didtica o pensamento de Kant (1995, p. 348):
No importa o que possamos ver, sempre percebemos o que vemos
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sobretudo como fenmenos no tempo e no espao. Kant chamava o tempo e o
espao de formas de sensibilidade..
Essa percepo corprea da paisagem, ou formas de sensibilidade,
nos faz perceber as manifestaes de tudo no espao, at da cultura no
espao. Como o punk um advento da cultura, entendermos como
percebemos o punk na paisagem o primeiro passo, para depois conseguir
assimilar melhor as suas relaes territoriais.
Aqui vou separar dois recortes do conceito de paisagem em dois pontos
chaves: a viso e a audio. Para trabalhar esses conceitos, vou utilizar a
noo de alteridade, ou seja, o diferente. Como o visual e o sonoro do punk
tm caractersticas muito peculiares, essa noo de ser diferente, de ser
heterogneo na sociedade, vai ficar explcita na discusso sobre a paisagem
punk.
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1.1 A Alteridade na Paisagem; O Visual Punk
A viso um dos sentidos que, quando possumos, mais utilizamos para
nos inserirmos no mundo, para tentar entender ele e melhor nos inserirmos nos
territrios. Em outras palavras, para melhor fazer uma leitura do espao.
Quando penso nos territrios punks, antes de qualquer coisa, me vem
mente a paisagem, pois para quem no est inserido nas relaes territoriais
que advm do punk, a paisagem o primeiro contato.
As roupas so a primeira forma de contato para perceber a alteridade
que os punks tentam fazer na paisagem. So as roupas que compem o
aspecto visual quando observamos as pessoas e seus costumes, afinal elas
transmitem um retrato da cultura, mesmo no trazendo sofisticao ou
simbolismo explcitos.
Podemos usar como exemplo os padres franciscanos, que mesmo
sendo sacerdotes como outros da mesma igreja (a catlica), se diferenciam
dos demais pelo traje que usam. Podemos tomar como outro exemplo os
pases onde as mulheres usam burca para esconderem seus corpos e seus
rostos, pois isso faz parte da cultura vigente do lugar onde vivem. Mesmo
sendo simples ou mais sofisticadas, as roupas podem transmitir, atravs do
simbolismo e cdigos, mensagens para o mundo.
A relao entre o visual e a paisagem para se observar alguma cultura
a primeira forma de evidncia a ser observada (isso, logicamente, no se aplica
pessoas com deficincia visual. Elas tm outra relao com a paisagem que
exaltam e os outros sentidos sensoriais, e geralmente estes so mais
aguados).
Essa percepo da cultura na paisagem pela viso tambm a
interpretao do mundo, do lugar que estamos. Essa sistematizao de
sensaes corpreas ajuda a nos situarmos no mundo. O gegrafo Douglas
Santos resgata a linha de pensamento proposta por Kant:
Entendendo que o ato de localizar-se (ou perde-se) impe umaunidade entre a objetividade/subjetividade humana e suaalteridade o no humano, mas marcas territoriais conhecidascontra as no conhecidas, o significado operacional e mtico decada ato/lugar, dividindo na diferencialidade dos lugares os
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trabalhos necessrios sobrevivncia pode-se dizer que aconstruo do discurso geogrfico antecede o histrico (comodiscurso) e que nesse jogo entre o real e a criao dosimblico (linguagem) que o processo de sistematizao seconstitui enquanto geografia. (Santos, Douglas. 2002, p 24)
essa sistematizao das sensaes que nos levam a paisagem (mais
especificamente a paisagem visual) no momento em que comeamos a
entender toda linguagem simblica presente no espao, em outras palavras,
decifrar a paisagem para melhor nos inserirmos nos espaos e nas suas
interaes.
A paisagem a ser decifrada o desafio das pessoas que no so
pertencentes ao lugar, e no das pessoas que so do lugar que j tem suas
relaes territoriais estabelecidas. Pablo Rosa aborda como cada sociedade
pode trabalha com os simbolismos, principalmente quando as pessoas
carregam esse simbolismo na sua esttica e comportamento:
Cada sociedade, ou at mesmo cada grupo social imprimemarcas em seus membros, tanto atravs de inscries fsicas(tatuagens, circuncises, modelamento de determinadas partesdo corpo, entre outros, como estticas roupas, acessrios) ecomportamentais (forma de andar, sentar, repousar etc.). Opertencimento social , dessa forma, corporalmente inscrito,podendo ser identificado pelos demais membros daquelasociedade. (Rosa, Pablo O, 2007, p. 65).
Todos esses smbolos corporalmente inscritos esto explcitos nas
paisagens, mas na paisagem urbana, como o caso das metrpoles, o que
temos uma mistura ainda maior de culturas e smbolos que evidenciam as
alteridades culturais na paisagem. Assim, algumas pessoas e grupos tentam se
distinguir dos demais para ser a exceo, para literalmente ser a alteridade na
paisagem, a quebra da homogeneidade. E por representarem essa ruptura com
a homogeneidade, a alteridade chama a ateno para si. Pelo menos os Punks
assim o fazem, e muito bem.
O gegrafo Rogrio Haesbaert mostra como todo esse simbolismo
presente na paisagem pode ser poderoso e se sobrepor a questes mais
concretas:
Os grupos sociais podem muito bem forjar territrios em que adimenso simblica (como aquela promovida pelasidentidades) se sobrepe dimenso mais concreta (como ado domnio poltico que faz uso de fronteiras para sefortalecer). (Haesbaert, Rogrio. Identidades Territoriais. In:
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Rosendahl e Corra Manifestaes da Cultura no Espao. Riode Janeiro: EDUERJ, 1999, p.171)
O poder do simbolismo de forjar territrios atravs da paisagem visual
a base da relao dos punks com o espao para ter um territrio deles.
Entretanto, para entender como nasceu tudo isso precisamos voltar algumas
dcadas e explicar como esse simbolismo nasceu no rock.
A evoluo do rock e do cinema na dcada de cinquenta do sculo
passado impulsionou outra evoluo ousada: a da indstria da moda, que
pegou carona na indstria cultural que no parava de crescer. Os jovens
queriam se vestir como seus dolos do cinema, tal como James Dean1 que
usava suas calas surradas e roupas amassadas em um estilo bem debochado
de se vestir para os padres da poca.
Alm de sua aparncia, os jovens admiravam sua atitude, sua paixo
por carros, corridas, pela velocidade, paixo que foi o motivo de sua morte
precoce.Figura 1 - James Dean
Fonte: Acesso em maio. 2014.
Na mesma poca, o jovem Marlon Brando2 aparecia com seu charme e
estilo rebelde. Logo os jovens passaram a se vestir com jaquetas de couro e o
1 Ator norte americano da dcada de cinquenta, cone da cultural da poca. 2 Ator norte americano de grande prestgio.
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cabelo penteado no modelo topete, alm de tomarem para si o comportamento
que os personagens tinham nos filmes. Logo os primeiros roqueiros tambm
aderiam a este estilo e j se tinha uma moda vigente na juventude da dcada
de ouro.
Figura 2 Marlon Brando
Fonte: Acesso em maio. 2014
Essa era a forma dos jovens rebeldes da dcada de cinquenta se
diferenciarem dos demais. Ficou explcita na paisagem sua alteridade diante da
cultura vigente. Pablo Rosa destaca que esse simbolismo cultural serve no s
para compreende grupos, mas tambm geraes diferentes:
Alguns desses marcadores identitrios como vesturios, osadereos tanto na roupa como no corpo, as marcas fsicascomo as cores, texturas e cortes dos cabelos, cores de pele,maquiagens, as gesticulaes os modos e formas de falar,andar e outros acabam funcionando, no entanto, no s pararepresentar um determinado grupo tnico ou uma determinadatribo, mas tambm para representar esse ou aquele grupoetrio (Rosa, Pablo O. 2007, p. 65)
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As geraes seguintes comeam a diferenciar-se no s pela alteridade
a outros grupos contemporneos a eles, mas tambm de grupos anteriores.
Conforme novos movimentos surgiam, a moda e a forma de transmisso
da cultura pela fisionomia e pelas roupas tambm mudaram, ampliando as
possibilidades de vestimenta.
Desde os hippies1 e suas roupas largas, remetendo aos beatniks2 e as
culturas orientais com suas infinidades de cores e tons vivos, denotando brilho
ao mundo, suas enormes barbas e cabelos compridos em um tempo onde os
homens que no os usavam curtos eram considerados marginais. E por ltimo,
o prprio smbolo hippie, o Y invertido que por si s imprimia o simbolismo da
sua cultura.
Antes do surgimento do movimento punk, os artistas que os
influenciaram haviam sido chamados pr-punks. J usavam roupas que
remetiam aos primeiros roqueiros da dcada de cinquenta, principalmente
quanto ao uso das jaquetas de couro somadas s calas jeans rasgadas,
chamando assim a ateno.
O fator econmico era determinante, pois era uma poca de crise na
dcada de setenta gerada principalmente pelo aumento dos preos do
petrleo: os punks no tinham muito dinheiro.
A banda que foi o divisor de guas da evoluo do rock (ou pr-punk),
para o punk foi a banda Ramones.
Os Ramones queriam tocar msicas de bandas da dcada de cinquenta,
entretanto eles no tinham nem bons equipamentos como tambm no eram
msicos virtuosos. Sendo assim, das tentativas falhas de tocaram msicas de
outros artistas, resolveram inovar e tocar msicas prprias, pois essas sim eles
conseguiriam tocar.
Suas vestimentas eram naturais, as roupas que eles usavam no dia a
dia e nas noites de Nova Iorque, e at hoje em dia o estilo deles difundido ao
redor do planeta.
1 Movimento cultural da dcada de sessenta que pregava paz e amor, foi o movimento que comeou a associar a imagem do rock ao sexo e as drogas.2 Movimento literrio da dcada de cinquenta e sessenta que tem como principal expoente o autor Jack Kerouac. Prega e o desapego das coisas materiais.
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Figura 3 Capa do primeiro disco dos Ramones.
Fonte: Acesso em maio. 2014.
Mas os Ramones, que so considerados os pais do punk, no surgiram
sem influncias ou de um contexto com outras bandas percussoras do pr-
punk. Uma banda muito importante nessa poca, os New York Dolls (Bonecas
de Nova Iorque), chamavam a ateno no s pelo seu som simples que era
bem diferente do rock progressivo, ento em voga, assim como do rock
psicodlico. Mas tambm porque eles se vestiam como mulheres para fazerem
os shows: seu visual e performance influenciaram muitas bandas.
Os punks, a princpio, foram influenciados por sua msica
harmonicamente simples, com poucos acordes. Joey Ramone, dos Ramones,
conta que ao assistir a um show deles pensou consigo: se eles podem, por
que eu no?, segundo seu relato no livro Mate-me, Por Favor.
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J no aspecto visual, os New York Dolls acabaram por influenciar
bandas de Hard Rock1, tais como o Aerosmith e o Kiss, ambas fora do
movimento punk.
Entretanto, foi justamente o visual deles que mais chamou a ateno de
Malcom Mclaren, empresrio dono de uma loja de roupas no bairro de Chelsea,
em Londres, e casado com a estilista Vivienne WestWood.
Figura 4 A banda New York Dolls
Fonte: Acesso em maio. 2014.
Aps conhec-los em uma turn do grupo na Inglaterra, tornou-se amigo
e, posteriormente, seu empresrio. Voltou com eles para acompanhar a moda
em Nova Iorque.
Durante sua temporada em Nova Iorque, observou muito o visual dos
frequentadores da casa de show CBGB. Em sua curta carreira como
empresrio dos New York Dolls, teve uma ideia para chamar ainda mais1 Vertente do rock que busca fazer uma msica mais pesada, tambm conhecido pelo visual geralmente extravagante. So exemplos bandas como Kiss, Aerosmith, Poison, Twisted Sister.
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ateno para a banda em alteridade a todos, e no serem confundidos com os
travestis da poca (que tambm estavam fazendo sucesso nos teatros
alternativos de Nova Iorque).
Ele resolveu ento que a banda usasse uniformes soviticos e
hasteassem a bandeira da Unio Sovitica no palco. Isso no ajudou a banda,
que inclusive de dissolveu em meio turn que ele estava empresariando.
Ao voltar para Londres, levou na bagagem, alm da experincia de
empresrio musical, o conceito da moda de rua dos precursores do que viria a
ser o punk, em especial o visual do msico Richard Hell, com suas roupas
rasgadas e cabelo espetado.
Figura 5 Richard Hell
Fonte: Acesso em maio. 2014
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Vendo as figuras, fica evidente o quo impactante tanto os punks como
os pr-punks eram, e como faziam e fazem alteridade na paisagem. Roy
Shuker aborda alguma das caractersticas do visual punk:
O estilo punk envolvia a noo de faa voc mesmo: umacombinao de uniformes escolares velhos, sacos plsticos delixo e alfinetes de segurana, transmitindo uma imagemchocante e zombeteira. Os punks adotaram a sustica comoum elemento de seu estilo, retirando-a de sua moldura nazistae adotando-a como uma bijuteria para causar impacto. O estilodo cabelo era o corte rente e tingido em cores brilhantes ou,posteriormente, o corte moicano espetado para o alto, comoos penachos grandes e erteis das cacatuas. A dana dospunks eram o robot, o pogo e o pose: colagens de autmatoscongelados.
(Brake, 1985, p.78, citado por Shuker, Roy. 1999, p.222)
Malcom Mclaren conseguiu perceber todas essas caractersticas citadas
acima e quando voltou a Londres j sabia o que queria, como queria e de que
formar chamar a ateno: Pela paisagem
Foi o mesmo empresrio, Malcom Mclaren, que ajudou a criar a banda
Sex Pistols. Malcom sabia que, mais que a atitude, mais que as letras e a
forma de cantar, era o visual que poderia chamar a ateno do pblico para a
banda. E apostou forte nisso.
Sabia que no s a msica chamaria a ateno do pblico britnico, mas
a alteridade que a banda teria como um todo na paisagem para quem os
observasse. O visual da banda era bem diferente mesmo do visual dos
roqueiros da poca.
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Figura 6 A banda Sex Pistols
Fonte: Acesso em maio. 2014
Eles usavam as roupas rasgadas, correntes com cadeados nos punhos
e pescoos, cabelos espetados, alm de moicanos bem altos e alfinetes de
segurana nas orelhas e nas roupas. O visual era bem agressivo e diferente:
era a alteridade mais radical na paisagem. At mesmo no meio dos grupos de
roqueiros, os punks chamavam mais as atenes e, apenas pelo seu visual,
transmitiam na paisagem que eram extremamente rebeldes.Figura 7 e 8 Sid Vicious, baixista da banda Sex Pistols
Fonte:< http://www.bobgruen.com/files/sexpistols> Acesso em maio. 2014
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Com o tempo, para serem ainda mais diferentes comearam a usar at
susticas nazistas para causar o horror em quem olhasse, mesmo no tendo
nenhuma relao ideolgica com o nazismo. Essa prtica foi extinta mais tarde,
conforme o movimento aumentou sua conscincia poltica e comeou a ser
mais ligado ideologicamente ao anarquismo.
Os smbolos, por mais chocantes e impactantes que sejam, so marcas
fundamentais da cultura. Rogrio Haesbaert debate a importncia dos smbolos
na construo das identidades sociais e territoriais:
Para entendermos a identidade social e a mediao do espaona construo da identidade territorial muito importantediscutirmos a noo de smbolo. Partilhamos da concepodaqueles que, na semiologia, entendem o smbolo no comosinnimo ou de signo ou de simples representao ousubstituio. Enquanto o signo stricto sensu muito maisarbitrrio e mais racional, no sentido de uma nova convenoabstrata geral, dotado de um sentido mais primrio e literal, osmbolo mantm na relao mais direta com a coisa nomeada,e, ao mesmo tempo, mais carregado de subjetividade, ele teriauma abertura para levar a outros sentidos indiretos,secundrios e, de alguma forma, inesperados. No smbolohaveria sempre um deslocamento de sentido nunca de tododefinido ou explicado. (Haesbaert, Rogrio. IdentidadesTerritoriais. In: Rosendahl e Corra Manifestaes da Culturano Espao. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999, p.171)
O deslocamento de sentido dos smbolos foi muito trabalhado pelos
punks, como no caso da sustica, ou do corte de cabelo moicano, ou suas
botas militares, todos smbolos que eles deslocaram do sentido inicial e se
apropriaram deles.
Tudo isso para reforar sua alteridade atravs da paisagem, essa
alteridade fragmenta os punks do resto da sociedade, quando ao mesmo
tempo uma forma de aglutinao, pois rene pessoas com o mesmo
interesse ou gosto musical. Para Neto (2004, p.200): Um Patch de banda, uma
prega nas costas de uma camiseta, desencadeia uma aproximao ou um
distanciamento de pessoas, pode proporcionar um bom papo ou uma briga.
Torna-se assim um motivo para as pessoas se reunirem ou conhecerem
outras com gostos parecidos. Quando estes poderiam simplesmente passar em
branco, no fosse o visual diferente em relao paisagem homognea
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cotidiana, assumiam a possibilidade de estabelecer novas relaes sociais, no
sem o risco de motivarem brigas com outras tribos urbanas.
Assim, O visual acaba sendo utilizado muitas vezes como ummecanismo de identificao, pois percebe-se que a primeirarelao desses indivduos com os grupos especficos ocorregeralmente por uma afinidade visual que, posteriormente,poder gerar uma aproximao. E por conta dessaaproximao gerada por uma identificao e tambm por essaafinidade visual, que muitos desses grupos se formam e semodificam constantemente (Rosa, Pablo O. 2007, p. 78)
Essa lgica de aglutinao pode ser aplicada pessoas com camisas de
time de futebol, a caminho de um jogo, ou mesmo punk a caminho de um show
e at de pessoas com camisas de bandas, que so to populares atualmente
alm dos punks. Desta forma, a pessoa deixa explcito na paisagem seu gosto
musical ou ideolgico, como comum vermos nas camisetas com o smbolo da
anarquia estampada, ou o rosto de Che Guevara.
Atualmente essas roupas no remetem a uma alteridade to grande,
pois a indstria da moda incorporou esses conceitos para si, popularizando
roupas que antes eram consideradas feias, sujas, ou que eram associadas
pessoas sem dinheiro. Essa moda das ruas logo foi incorporada pela indstria
da moda. Grifes famosas passaram a produzir roupas rasgadas, desbotadas ou
com outros aspectos que remetem a cultura Punk de alguma forma, incluindo
a o smbolo da anarquia e o smbolo hippie.
Assim, a alteridade em relao ao resto da sociedade deixou de ser to
grande e, percebendo isso, a chamada segunda gerao do punk (precursores
do Hardcore1) j optaram por um visual menos chamativo e comearam a focar
mais na ideologia a ser transmitida pelas letras das msicas.
Nesse captulo observamos o quanto o aspecto visual da paisagem
importante tanto nos grupos urbanos, como nos grupos culturais e mais
especificamente a importncia da paisagem visual no punk, na forma como as
pessoas e o mundo se relacionam com ele.
A paisagem a nossa primeira forma de percepo do espao, a
paisagem visual acaba sendo uma das primeiras formas de perceber os grupos1 Vertente do punk que surgiu nos anos 80, na chamada segunda gerao do punk. Tem por caractersticastocar de forma mais rpida e agressiva que o punk, e geralmente as pessoas que se identificam mais com o hardcore do que com o punk tentam ter um visual menos chamativo.
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punks no espao, ento acaba sendo a nossa primeira forma de conhecimento
dos grupos punks. Entretanto, no podemos esquecer que o punk uma forma
de msica. Logo, pela paisagem visual percebemos apenas grupos ou
indivduos punks. Mas o punk, em si, vamos perceber atravs de outro campo
dos sentidos, consecutivamente outro campo sensorial que usamos para
perceber a paisagem.
No prximo captulo vamos aumentar o campo de percepo ao
englobar a sonoridade, o sonoro nessa paisagem punk.
1.2 A alteridade na Paisagem; O Sonoro do Punk
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Paisagem no apenas tudo aquilo que os olhos vem, conforme j
citado no captulo anterior, no caso dos deficientes visuais. Entretanto, todos os
sentidos humanos somados viso so os responsveis pela percepo da
paisagem.
Quando se est conhecendo um novo lugar, no apenas o aspecto
visual que importa: somado ao visual, o olfato, o tato, o paladar e a audio
tambm compem a paisagem, e justamente sobre a audio que vou
trabalhar agora, pois pela totalidade dos sentidos que vamos tambm decifrar
e perceber o mundo a nossa volta.
Carlos Torres, na sua pesquisa sobre paisagem sonora, consegue
abordar essa questo dos campos sensoriais na nossa percepo no s do
espao em si, como tambm da cultura e dos valores sociais:
Enquanto apreenso do real em um determinado momento, apaisagem portadora de inmeros elementos e significados. Apaisagem no apenas visual e esttica, mas dinmica ecarregada de barulhos, cheiros, gostos e valores sociais eculturais que devem ser considerados no seu estudo (...). Osentir, por sua vez, a experincia intima com o lugar, objetodo fenmeno, de modo que tato, audio, viso, olfato epaladar interajam mutuamente na percepo individual.(Torres, Carlos A., 2010, p.48)
Toda nossa percepo do mundo passa por todos esses sentidos agindo
na nossa percepo, nossa primeira forma de conhecimento e de relao
com o mundo.
No caso das metrpoles, os rudos e barulhos da cidade tomam conta
involuntariamente dos nossos ouvidos: a vida baseada no movimento, e
movimento gera algum tipo de barulho. Carros, trens, metr, pessoas
passando, anncios em lojas, obras, sirenes da polcia e das ambulncias,
motocicletas arrancando, crianas brincando, uma infinidade de sons e por fim,
a msica.
Se antes foi ressaltada a relao entre roupas e cultura formando a
paisagem e evidenciando a cultura em smbolos, a msica evidencia a cultura
em seus diferentes tons e sonoridades.
Tomemos a galeria do Rock, no centro de So Paulo, como exemplo: Ao
entrar na maioria das lojas o som de bandas de rock e pop que saem das lojas
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e ecoam nos corredores fazendo parte do som ambiente daquele lugar e
reafirmando a identidade cultural l existente.
Ao entrar em lojas especializadas no punk e suas vertentes, a msica
caracterstica desses lugares o punk, fazendo deste gnero sua paisagem
sonora. Para Torres (2010, p.47), Os sons que ocorrem em um determinado
lugar, o que inclui tambm a msica, compem a paisagem sonora, que, por
sua vez, integra a paisagem e reflete sua cultura.
A msica um reflexo muito fiel da paisagem cultural, talvez um dos
mais fiis, at outros comrcios que no estejam relacionados diretamente com
o comercio cultural podem atravs da sua msica ambiente, ou seja, atravs da
sua paisagem sonora, atrair ou dispersar clientes.
Mas a msica como paisagem sonora no est restrita a lojas,
comrcios, espaos de eventos e show. Ela est em muitos lugares como em
pontos aleatrios da cidade, em carros, em casas, computadores, celulares.
Mas no s por msicas reproduzidas, mas tambm por msicas executadas
ao vivo, como nos ensaios em garagens e caladas, possvel perceber o
punk na paisagem, ao passar prximo do local, pelo sentido da audio.
Assim mentalizamos suas relaes territoriais, ou seja, que determinada
casa ou garagem uma garagem punk porque eventualmente uma banda
punk toca por l.
Dessa forma, no preciso observar pelo campo visual para saber da
existncia de punks na regio, apenas o campo da audio j faz voc
perceber essa relao. O mesmo acontece com casas de show.
Quando no existem as tpicas filas de entrada, nem ningum na porta
para uma identificao visual do gnero musical do lugar, apenas pela
percepo auditiva possvel fazer essa identificao. bvio que quando
existem filas o aspecto visual passa a ser o smbolo dos frequentadores e
mais fcil e rpido fazer a relao.
A paisagem sonora cultural, pois reflete a identidade de umlugar e de seus habitantes. na paisagem sonora queencontramos subsdios para pensar na perpetuao dasdiferentes falas e sotaques dos grupos sociais, e noestabelecimento da comunicao entre seus integrantes.(Torres, Carlos A., 2010, p.52)
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Torres ressalta a importncia da comunicao, ento vamos tratar de
questo da comunicao atravs da linguagem oral que tambm faz parte da
paisagem sonora.
Geralmente os grupos usam grias, termos e expresses que so
fundamentais para eles poderem se expressar. tambm uma forma de
identificao: se determinada pessoa usa alguns termos ou grias pode deduzir
que ela conhea ou at faa parte de determinado grupo.
Nos grupos dos punks no diferente, existem muitos termos para se
referir a determinada corrente ou subgnero de punk, tais como emocore,
hardcore, metal core1, punk 772, hardcore meldico3, grunge, e dezenas de
outras vertentes, que ficaria at invivel citar todas aqui, pois a cada dia
nascem novas vertentes e misturas do punk pelo mundo e pelo Brasil tambm
ou at vertentes regionais do punk. No posso deixar de citar tambm o pop
punk4 e straight edge5.
Assim, possvel entender ou ter uma noo, por exemplo, do estilo de
msicas de uma determinada banda, ou disco, mesmo sem nunca ter
escutado. Nesses casos normal algum falar que o novo disco de uma banda
soa mais emo, ou que determinada banda mais 77.
Uma caracterstica da msica punk a associao dela com as
metrpoles. Como ela teve seu incio em Nova Iorque e depois explodiu em
Londres, no Brasil teve a cidade de So Paulo como bero e maior celeiro do
movimento. Assim possvel traar a relao da msica e da dinmica da vida
urbana.
1 Vertente do hardcore que busca misturar hardcore com metal2 Vertente do punk que busca fazer msicas mais parecidas com a primeira gerao do punk, tanto na parte instrumental como nas letras e at no comportamento. So mais niilistas, no gostam do comprometimento e da postura que comeou a ser exigida quando anarquismo entrou como ideologia norteadora do punk. Gostam mais da diverso do caos pelo caos.3 Vertente do hardcore que usa a velocidade e as principais caractersticas do hardcore com msicas maispop por trabalhar melhor a linha meldica.4 Vertente do punk que mistura com msica pop, com um vis de ter maior aceitao entre o grande pblico, e at um maior retorno financeiro.5 Vertente que surgiu com esse nome graas a uma msica da banda Minor Threat que na letra criticava pessoas que usam drogas, falando que o autor no precisa de drogas. Essa ideologia cresceu e foi amplamente difundida, j que em alguns grupos usar drogas era um meio de inclusa. Alm da ideologia a vertente sXe (abreviao de Straight Edge) as msicas so ainda mais rpidas e agressivas que do hardcore assim como as rodas nos shows. Esse movimento cresceu tanto que no em So Paulo os festivais apenas de bandas Straight Edge acontecem com freqncia, o publico no pode nem fumar nem beber nesses eventos.
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Roy Shuker cita algumas das caractersticas da msica punk, com isso
podemos em seguida fazer um paralelo com a vida urbana:
O estilo punk era barulhento, rpido e agressivo. Persiste omito de que tudo se resumia a trs acordes e uma atitude, masalguns dos msicos eram muito experientes... Embora aquesto de habilidade e competncia no punk rock permaneaideologicamente carregada (Laing: 1988; p.83) As bandaspunks usavam as apresentaes ao vivo para estabelecer umaidentidade e construir sua reputao. Mesmo quando o discoera gravado, tcnicas de gravao e de arranjo simulavam umaapresentao ao vivo (idem; p.74) Em resumo, as gravaespunk geralmente parecem ao vivo, como se o estdio nofizesse parte do ambiente dos msicos e de seu pblico.(Shuker, Roy. 1999, p.222)
O Punk traz msicas rpidas e barulhentas, tal qual a vida em
movimento nos centros urbanos, com todos esses rudos da vida urbana em
massa, o stress das pessoas chega aos nveis mais altos. A cidade e os
barulhos que dela surgem refletiu na alma dos punks e sua forma de expressar
essa identidade em msica foi produzi-la como a cidade: rpida, violenta e
muitas vezes cheias de rudos.
Enquanto a msica pop valoriza a voz, os vocais punks [...]parecem rejeitar a perfeio da voz amplificada (idem; p.75).Com vozes graves e berradas, o punk enfatiza mais o produtosonoro (voz e instrumento) que a letra. A ideologia dasinceridade era fundamental para o punk; nas entrevistas, asopinies dos msicos e a coerncia da mensagem de suasletras tornaram-se assuntos rotineiros (idem; p. 90) Mas comoLaing demonstra em diversos casos, as letras punks so comocolagens, uma srie de imagens fragmentadas e vagas.(Shuker, Roy. 1999, p.222)
Roy destaca uma questo muito importante tambm na sonoridade
punk: As letras (que carregam consigo todas as mensagens que os punks
querem passar para o mundo). Os punks difundem sua ideologia no por livros,
que foi a forma como muitas ideologias e religies foram difundidas ao longo da
histria. O punk usa das letras das msicas para passar a sua mensagem de
forma bem direta, impactante e didtica, pois as msicas so curtas e no h
tempo para delongas ou explicaes mais profundas.
Essas letras, misturadas com um instrumental cheio de energia e catico
por trs, a forma de conscientizao dos punks para o mundo. As letras
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podem levar mensagens de apoio ao anarquismo, podem trazer a luz questes
como ecologia, apoio a movimentos como o feminista, MST, guerrilhas urbanas
e movimentos sociais, podem fazer apologia desordem, violncia em
protestos, condenar mazelas sociais, abuso de poder da polcia, etc.
Alm das letras, ainda existe outra consequncia dessa paisagem
sonora punk, uma consequncia que muitos estilos e ritmos musicais tambm
geram: a dana.
A dana pode ser considera uma expresso artstica e at social, e com
o punk no diferente. As danas punks trazem um pouco da reproduo da
violncia da cidade, da energia de se danar fazendo rodas (como diversas
culturas desde indgenas da Amrica do Sul, at danas europias antigas).
Mas as rodas punks trazem uma velocidade maior e certa violncia,
no no sentido de agresso visando ser o ltimo vis de enfrentamento de dois
indivduos, mas uma dana que todos que participam e aceitam seus riscos,
mesmo muitas vezes no tendo necessariamente o intuito de machucar
algum.
Alm dessa dana, existe o famoso mosh, que quando uma pessoa
se joga na multido (geralmente do palco aps invadi-lo), esperando ser
segurada e, geralmente pelo fato dos shows estarem sempre lotados, a platia
no tem como fugir e acaba mesmo segurando as pessoas. Entretanto, com o
passar do tempo, passou a existir certa solidariedade nos shows, e as pessoas
j se preocupam em segurar as outras. Por mais irracional que seja, existe
essa corrente de solidariedade dentro dos shows punks.
Figura 9 Fotografia que registra dois mosh ao mesmo tempo em um show.
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Fonte: Acesso em maio. 2014
A parte sonora a isca na ponta do anzol que puxou e puxa tantos
adeptos ao movimento punk, que somado ao visual gera um impacto muito
grande em quem apresentado a essa cultura.
Esse impacto representado pela alteridade a uma paisagem
homognea, tanto visual como sonora a base dessa paisagem punk.
O visual e o sono do punk contemplam a primeira forma com a qual
percebemos o punk no espao, ou seja, pela paisagem.
A partir do momento que as pessoas se juntam por causa do punk,
fomentam amizades e criam grupos, esto inseridas nesse contexto social e
passam a interagir com ele, a paisagem deixa de ser a categoria da geografia
que abrange essa nova etapa que contemplada pelos estudos das relaes
territoriais dos punks com o espao, que o tema do prximo capitulo.
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Captulo 2
O Territrio
Para entender a relao social e territorial dos grupos punks, temos que
separar o territrio do espao. O territrio se diferencia do espao porque o
territrio tem implcito em si uma apropriao de um espao, isso embasado
por diversos autores na histria do discurso geogrfico, como Claude
Raffestain:
(...) o espao anterior ao territrio. O territrio se forma apartir do espao, resultado de uma ao conduzida por umator sigmtico (ator que realiza um programa em qualquernvel) (...) Nessa perspectiva, na medida em que o espaopassa a ser vivido, tomado por uma relao social decomunicao e representado pelo ator, no mais um espao,mas a imagem do espao, ou melhor, do territrio.
(Raffestin, Claude, 1993, p.143)
Essa relao do homem com o espao gera o territrio, o prprio
conceito de territrio ao longo da histria foi mudando. A forma mais tradicional
de territrio a do Estado-Nao, entretanto, com a evoluo da sociedade e
da cincia essa relao acabou tambm se transformando. O gegrafo
Douglas Santos sintetiza essa mudana:
O que pensamos de espao jamais poder ser compreendidosem que se reflita sobre o prprio movimento que cria, recria,nega e pela superao, redefine a espacialidade dos prprioshomens. Espao e tempo, considerados aqui como categoriasbsicas da cincia moderna, so, na verdade, rendimentos namedida em que as sociedades se redimensionam.
(Santos, Douglas. 2002, p 23)
Assim, podemos falar de vrias formas de espaos, consecutivamente
quando existe uma apropriao deles, de territrios. Atualmente, devido a essa
redimenso da sociedade, desde que Nicolau Coprnico criou a teoria
heliocntrica, que colocou a terra em movimento, o movimento foi o desafio
filosfico da sociedade desde o sculo XVI. Assim o territrio, algo totalmente
fixo, tambm acabou entrando nesse vis filosfico de movimento, que o que
ser tratado mais adiante.
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Voltando ao punk, prtica simples, diferente da teoria: as pessoas que
tm alguma identificao com algum grupo se juntam, principalmente para
fazer a alteridade em relao a outros grupos. Assim mostram seu poder no
espao, geralmente atravs da quantidade de membros.
Diferenciam-se atravs de smbolos na paisagem e assim, fazendo
alteridade a outro grupo, reafirmam sua existncia e se apropriam dos espaos
urbanos de diversas maneiras, seja apenas de passagem, ou em determinado
momento do dia. Pablo Rosa destaca a questo desses espaos
compartilhados:
Em Florianpolis existem alguns espaos especficosdemarcados por esses atores sociais, tribos urbanas e bandase outros que so compartilhados com os demais grupos queno vivenciam necessariamente essa cultura underground.Contudo dessa forma que se percebem as diferentesocupaes dos espaos nas metrpoles sob diferentes formas.(Rosa, Pablo O. 2007, p. 98)
Essas ocupaes do espao ocorrem quando os grupos punks se
apropriam dele e assim comeam uma relao territorial. Para entender um
pouco sobre, precisamos fazer um resgate histrico do punk chegando no
Brasil: O punk chega simultaneamente em So Paulo e Braslia, no final dos
anos setenta e comeo da dcada de oitenta. Em Braslia, especialmente
devido aos filhos de funcionrios pblicos e de embaixadas e consulados.
J em So Paulo, graas radiodifuso de msicas em algumas rdios
da cidade, o que gera a necessidade de algumas lojas importarem exemplares
de discos punks. Em So Paulo, o punk chegou como a novidade de Londres
para o mundo e atraiu diversos jovens a serem seus seguidores.
Como na poca se vivia uma ditadura militar, esse era um gnero
musical para canalizar todo tipo de revolta contida pela juventude que, alm de
viver em um regime militar, ainda enfrentava tempos de crises econmicas.
A temtica das letras cidas caiu como uma luva e os punks daqui se
sentiam contemplados pela forma de expresso e j se consideravam mais
punks que os ingleses e americanos, devido s condies de vida que tinham.
A primeira diviso que teve em So Paulo foi entre os punks da regio
do ABC (regio metropolitana de So Paulo) e os punks da capital. Do mesmo
jeito que os punks do Brasil reivindicavam ser mais punks que ingleses e
americanos, os punks do ABC reivindicavam isso para s, j que muitos eram
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operrios de fbricas e moravam em favelas da regio. At em algumas
brincadeiras com o transporte: se diziam mais punks por voltarem para a casa
de trem e no de nibus.
Essa diviso foi muito inspirada por filmes como Laranja Mecnica1 e
The Warrios2, que contavam as histrias de gangues urbanas. Apesar de terem
muito em comum, os punks acabaram formando seus grupos, ou melhor,
gangues urbanas. Quando grupos de diferentes regies se encontravam
acabava por acontecer brigas.
Diversos festivais foram feitos para pregar a paz entre os grupos, mas
essa rivalidade regional demorou muito para ser deixada de lado e talvez s
tenha ficado totalmente de lado aps as ramificaes do punk em outros
gneros.
Vrios punks do ABC, por exemplo, no aderiram s ideologias da
segunda gerao do punk, que aderiu ao anarquismo e cobrava certa
conscientizao dos seus integrantes. Eles preferiam ficar com o niilismo e ao
caos pelo caos da primeira gerao.
Esse impasse fez nascer o grupo dos carecas do ABC e da vem a sua
histrica rixa com o movimento punk. A partir desse e de outros impasses, a
relao dos grupos punk com outros grupos faz surgir a necessidade de se
aprofundar o entendimento da relao territorial dos grupos com os territrios.
1 Filme de 1971 dirigido por Stanley Kubricks, adaptado do livro de Anthony Burguess escrito em 1962,que imagina uma sociedade futurista onde gangues urbanas extremamente violentas brigam entre si e aterrorizam a sociedade apenas por diverso. O filme/livro abordam questes filosficas, polticas, sociais, morais e psicolgicas.2 Filme 1979 que conta a histria de uma gangue de adolescentes que sofre uma emboscada e acusada de ter matado o lder da maior gangue da cidade, eles precisam voltar para o bairro deles, entretanto tem que conseguir escapar de todas as gangues da cidade e da policia para isso.
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2.1 A Relao Territorial
A maneira de territorializao de grupos, mais conhecida pela nossa
vivncia, quando o grupo se apropria de determinados locais e l fixam seu
territrio, delimitando e fragmentando aquele lugar do resto do mundo, que por
um direito adquirido socialmente seu.
Geralmente esses locais so lugares pblicos ou mesmo particulares,
entretanto sem uso ou abandonados.
Logo, quem entende os smbolos ou tem alguma relao territorial com
aquele lugar, mesmo que s de passagem, j sabe dos conflitos territoriais ali
presentes. Ento, ao identificar essa relao, automaticamente defini aquele
lugar como sendo territrio de um determinado grupo. Turra Neto ilustra um
exemplo pratico na cidade de Londrina no Paran:
Em outros termos: os sinais que identificam o punk como tal eo seu territrio so mais facilmente reconhecidos por outrosgrupos juvenis que tambm circulam e permanecem nessesespaos a noite, negociando com os punks, ou seja, poraqueles que tambm se colocam como pertencentes a este ouaquele grupo, a este ou aquele territrio.
(Turra Neto, 2004, p.226)
Esse mapeamento mental do territrio ainda maior quando se trata do
processo cerebral de algum membro de outro grupo, que sabe que
eventualmente, alm da alteridade visual, o conflito pode ser at atravs da
violncia fsica. Sendo assim, aquele territrio hostil a ele.
Em caso de locais pblicos, comeam a surgir ento os conflitos
territoriais dos grupos pelo domnio do lugar: apenas a presena fsica dos
membros garante o que os Estados simbolicamente fazem com bandeiras
hasteadas. Novamente Turra Neto ilustra essa questo com seu estudo de
caso na cidade de Londrina:
Assim pode-se dizer que o calado, como um dos territriospunks de Londrina, no um lugar de segurana, onde oinimigo no entra, porque os limites no esto colocados comouma muralha... Estes se constituem apenas quando o grupoest presente e o grupo que da segurana, no o espao. ogrupo que informa aos outros quando se agrupa, apropriando-se de uma parcela do espao e o territorializando-a, onde estoos limites... Confirma-se aqui a imagem do territrio como uma
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relao entre as pessoas constituindo um grupo, e o grupo,com o que lhe externo uma relao medida pelo espao.
(Turra Neto, 2004, p.220)
O resto da sociedade, quando percebe essa relao territorial de um
grupo com um lugar, j sabe o que esperar quando passar por ali, caso
queiram se inserir no grupo, procurar alguma coisa que o grupo possua em
comum ou desviar por medo tambm.
Quando pensamos em grupos (com exceo de uma sede de torcida
organizada de futebol e outros grupos que alugam ou compram um imvel para
agrupar as pessoas), os membros de outros grupos no estaro presentes 24
horas do dia, ento cai tambm na teoria do territrio flexvel, hbrido,
temporrio.
Sendo assim, os grupos punks acabam ressignificando espaos
possveis, muitas vezes que tem outras funes sociais como ilustra Pablo
Rosa:
importante ressaltar que muitos grupos acabamressignificando muitos desses espaos, caracteziando-os eimprimindo-lhes significados de acordo com seus prpriosprocessos de ocupao desses territrios. Muitas vezesocupam espaos destinados ao consumo sem consumir, eainda fazem criticas a eles, que acabam se transformando emseus territrios. Assim esses atores sociais, juntamente com asuas tribos e bandas, apropriam-se de certos espaos,ressignificando-os e remodelando-os de acordo com, suasprprias lgicas e no com os significados socialmenteimpostos.
(Rosa, Pablo O. 2007, p. 100)
Apesar de teoricamente fixo o espao, suas atribuies e seu significado
mudam ao longo do dia, ento o territrio punk o territrio punk quando os
mesmos tem condio de se apropriar dele.
A relao que o grupo, quando se encontra reunido, tem pelos lugares
que passa ou est o que d o significado de territrio de determinado grupo
ao espao. Em suma, o grupo o territrio em movimento e no h
necessidade de uma sede, de um territrio fixo.
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Eles do significado ao territrio no momento em que esto nele, ento
podemos falar de uma territorialidade sobre territrios que no so contnuos.
Novamente Turra Neto ilustra como os punks se adaptam s realidades
urbanas, ocupando os territrios disponveis:
Tambm acredito que, como se trata de territriosestabelecidos no meio urbano e considerando que omovimento punk de Londrina no tem apenas um, mas vriosterritrios, mais pertinente falar de territorialidade. Esse termopermite entender a relao do punk com uma srie deterritrios flexveis, espalhados pela cidade, mas articuladospela mesma identidade cultural. (Turra Neto, 2004, p.284)
Essa territorialidade acaba sendo aplicada apenas quando o prprio
grupo se rene, ela pode ser medida pelo prprio corpo humano o que mede
o poder territorial dos grupos: quanto mais corpos reunidos pela mesma
finalidade, maior o poder. Pablo Rosa ilustra bem essa situao atravs de
diversas expresses:
As variaes entre os atores sociais, as tribos urbanas e asbandas se fazem absolutamente presentes, uma vezpercebidas as suas particularidades tantos estticas comoidelgicas quanto musicais. Cada uma dessas expressesocorre tambm por meio do corpo e sob diferentes formas emdiferentes espaos, dermacando diferentes territrios atravsde diferentes formas de ocupao destes.
(Rosa, Pablo O. 2007, p. 64)
O grupo faz suas relaes territoriais independente de onde estiver,
apenas por estar reunido fazendo alteridade outros grupos, que junto com
eles no espao, buscam afirmar sua existncia atravs de uma relao
territorial, fazendo pessoas se aproximarem ou se distanciarem.
Em resumo, o grupo o espao/lugar onde as relaes esto dadas, se
constitu mediante a conjuntura dada. Como dito por Neto (2004, p. 227), A
alteridade, contudo, estava presente e o grupo se fechava... todos andavam
mais juntos. O territrio ento se deslocava acompanhando o percurso.
Alm de pensar nos territrios temporrios que tm seus fluxos e
significados dependendo da hora do dia, realmente pensar no grupo como
sendo o territrio vivo e em movimento, dando significado no momento que
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passam nos lugares, podendo assim ter mais de um lugar deles, podendo ter
seu valor de uso para praticar as suas sociabilidades em vrios lugares de uma
mesma cidade, formando um roteiro. Para Turra Neto:
Esses so os espaos pblicos nos quais o grupo estabeleceuem certos perodos, seus territrios temporrios, cada qualdentro das suas caractersticas ofereceu formas diferentes deapropriao e de vivencia da identidade punk em relao aalteridade. (Turra Neto, 2004, p.228)
Os lugares que os grupos frequentam s tm os significados quando o
grupo est nele, sendo o significante. Caso contrrio, o resto da sociedade ou
outros grupos, ao ver o lugar sem o seu grupo caracterstico ir se apropriar
dele, resignificando-o. Essa a mais pura territorialidade possvel para um
grupo urbano do sculo XXI.
Quando falamos de grupos urbanos, estamos falando tambm de
territrios temporrios e compartilhados que tm funes e significados
diferentes dependendo no do espao em si, mas sim do tempo. O espao
apenas media essas relaes.
Os grupos urbanos geralmente utilizam desses lugares nas noites e
finais de semana, quando a maioria dos membros no est trabalhando.
Segundo Neto (2004, p.267): A prpria territorialidade punk, toda via, deve ser
inserida no processo de sua constituio, pois envolve alm da dinmica do
movimento, a dinmica da cidade como um todo.
Aqui aparece o termo movimento, que como os alguns punks ainda se
auto intitulam, j que no se consideram apenas um grupo, mas sim uma soma
de grupos fragmentados pelo mundo todo, formando uma rede punk que troca
informaes e contatos.
A isso se atribui o nome de movimento, por ser ainda uma rede viva,
quase uma dispora punk em espaos fragmentados, mas conectados em rede
trazendo a possibilidade da circulao de msicas, informaes e at bandas
em suas turns.
O movimento trs consigo a noo de algo global, j para falar sobre um
lugar especfico, os punks utilizam o termo cena. Assim normal ouvir um
perguntando ao outro como a cena em determinada cidade, estado, ou pas.
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Turra Neto mostra essa conexo do global com o local do punk
enquanto identidade cultural explcita nas paisagens urbanas ao longo do
mundo:
Assim entendo o punk como uma identidade cultural surgidanessa articulao do global com o local... Uma identidadetransterritorial, mas que acaba se inserindo na paisagem socialurbana e se territorializando na cidade fragmentada, a ponto deser possvel identificar seus locais e preferncias demanifestao eleitos pela articulao das possibilidades deapropriao com as imagens e o clima.
(Turra Neto, 2004, P.274).
Essa articulao entre o global e o local o que permite existir uma
rede para bandas punks se apresentarem nas cenas locais existentes. Essa
articulao tem interlocutores que desde a dcada de oitenta trocando cartas
mantm vivo o movimento como um todo.
O que d embasamento para podermos pensar no territrio punk em
movimento com o grupo a ideia que o gegrafo Rogrio Haesbart apresenta
em vrios livros e artigos, de que no existe uma desterritorializao do ser
humano, pois em nenhum momento no estamos em um territrio, ou seja, no
vcuo.
Na verdade, o ser humano faz uma constante reterritorializao dos
espaos que ele est ocupando. Esse exemplo fica muito claro quando
pensamos nas disporas de vrios grupos tnicos ao longo da histria.
O bairro da Liberdade em So Paulo e Chinatown na cidade de Nova
Iorque so exemplos de como os grupos podem ressignificar o espao para ser
um territrio seu mesmo desconexo da ptria me. Mas articulados em rede ao
redor do mundo.
O mesmo acontece com o punk, mas por no ter s um ponto de
encontro e pelo significado s ser dado quando o grupo ocupa o espao,
mesmo que o grupo esteja em deslocamento, no vai estar desterritorializado,
e sim far uma constante reterritorializao.
Isso acontece com todos os grupos punks de todas as cenas no planeta,
e a soma de todas essas cenas que faz nascer idia de movimento punk.
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A soma de todas as cenas faz o movimento punk no mundo ainda existir,
ou melhor, resistir. Mas essa resistncia no traz uma unidade punk. O punk,
assim como a sociedade, evoluiu e como ocorreu essa evoluo que
consecutivamente acarretou consequncias territoriais que o tema do
prximo captulo e se isso enfraqueceu, ou pelo contrrio, fortaleceu o
movimento punk.
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2.2 A Fragmentao Territorial
Os espaos e territrios comearam a mediar essa nova situao e
evidenciar em prtica o que comeava a acontecer. Em diversos lugares houve
um esvaziamento da cena por uma srie de fatores: desde decepes com o
movimento, as brigas dentro do prprio movimento e com grupos de fora, como
tambm motivos externos como um suposto amadurecimento cobrado pela
sociedade e pela famlia, novas responsabilidades e obrigaes como
sustentar a casa, criar os filhos, entre outros, obrigaram muitas pessoas a
deixar de serem to ativas na cena.
Turra Neto enumera alguns fatos que contriburam para o fim do grupo
que ele estava estudando:
Esvaziamento, fragmentao, investida de carecas...Ocupando antigos espaos de referencia, foram deixando os/as punks desterritorializados/as, enclausurando/as em casa,decepcionados/as com o movimento, buscando outrosespaos, outros grupos alguns/as se desidentificando.
(Turra Neto, 2004 p. 229)
No entanto, ao falar que os punks esto desterritorializados ele comete
um equvoco, pois como dito no captulo anterior, os punks esto na verdade
fazendo uma constante reterritorializao mesmo que enclausurados. Esse
passa a ser o novo territrio de encontro do grupo, ou do que sobrou dele.
Muitos grupos de pessoas punks comearam a perder seguidores, como
dito anteriormente, mas outros que aderiam a um novo grupo, alm das novas
geraes que aderiram a um desses subgneros do punk, mais
contemporneos as suas geraes. Dessa maneira comeou a fragmentao
do movimento punk. No que o punk em si tenha acabado, mas comeou a
ficar um rtulo muito genrico para abranger essas novas correntes dentro
dele.
Os punks da primeira gerao, no caso de So Paulo, acabaram por
chamar de traidores todas as bandas que fugiam do estilo de punk tradicional,
tornando essa rigidez o principal motivo para o esvaziamento da cena punk
original e o nascimento de suas ramificaes. Contudo, essas influncias que
acarretaram essa fragmentao vieram de fora para dentro do Brasil.
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A coexistncia de diferentes significados do que era/ ser punkse fez, assim, absolutamente presente, pois de um ladodefendia-se a idia de que o movimento punk para serautentico deveria seguir os mesmos princpios de sua raiz, ouseja, os mesmos princpios utilizados e defendidos pelasbandas que emergiram com o movimento em 1977 e, deoutro, outros movimentos que tambm se diziam e sereivindicavam punks procuravam se adaptar e refletir sobre astransformaes que ocorriam no mundo. (Rosa, Pablo O. 2007,p. 70,71)
Depois da morte de Sid Vicius, a grande mdia internacional dizia que o
punk tinha morrido e as pessoas mostraram que ele renasceu, mas no sobre
a forma tradicional, ele renasceu primeiramente atravs do hardcore, para
depois ter dezenas de fragmentaes, e talvez possamos falar no mais em
um movimento punk, mas em movimentos punks, no plural como novamente
ilustra Pablo Rosa:
Alm destes apareceram outras concepes que tiveramaquele primeiro movimento punk como referencia para,posteriormente, emergir dele um novo conceito ou uma novatribo urbana, como o caso do hardcore, do emocore, dostraight edge, entre outros que surgiram com diferentesposies tanto ideolgicas e musicais como estticas. Cada umdos grupos que teve o movimento punk como referencia ouinfluencia, por exemplo, absorvia alguns aspectos de suacultura, enquanto repudiava outros. O hardcore, mesmopercebendo que o punk de 1976/1977 arremessava o rock paranovas direes, resgatando sua fora poltica, fazendo dele uminstrumento de interveno na forma de msica, nas letras e naatitude, criticava-o principalmente por ter deixado suas razescriticas de lado e adentrado ao sistema capitalista.
(Rosa, Pablo O. 2007, p. 70,71)
O resultado dessas especificaes de gneros dentro do punk acarretou
em divises territoriais. H correntes do punk, como o hardcore, que tambm
se dividiu entre meldico (que tem a inteno de ter uma sonoridade menos
agressiva e com mais melodia), straight edge (que tem uma filosofia de
preservao do corpo), o emo (que por sua vez fala abertamente s de amor,
deixando a poltica de lado para dar nfase aos sentimentos e questes
pessoais), entre uma infinidade de outros subgneros que foram surgindo
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dentro do punk e continuam a surgir o tempo todo, ficando impossvel citar
todas sem deixar alguns desses subgneros de lado.
Os anos 90 introduzem novas questes, provocando tambmmudanas nesse contexto cultural: a busca de um maiordilogo com outros setores da sociedade e novas presses damdia fez com que o visual fosse duramente questionado. Osom tambm foi se tornando mais ecltico, possuindo hojemuitas tendncias, ligadas ou no as vrias tendncias queforam aparecendo tambm no campo das propostas quedefendem: aqueles que no comem carne, no bebem e nemfumam straight edge; (mas tem tambm outras vertentescomo) os anarcos-punks, punks 77etc.
(Turra Neto, 2004 p.212)
O straight edge, citado por Turra Neto, por exemplo, por ter uma filosofia de
no beber, no fumar, no usar drogas ou fazer qualquer coisa que agrida o
corpo, acabou formando sua prpria cena com seus prprios espaos e em
muitos casos seus grupos especficos.
Assim como os primeiros punks queriam se distinguir da sociedade,
essa especificao em subgneros uma tentativa de desvincular uma
imagem homogeneizadora do punk, que os primeiros punks criaram junto
mdia, que reproduziu sem filtro ou apurao para a sociedade, estereotipando
suas nossas vertentes.
Essas e dezenas de outras fragmentaes do punk fizeram com que
surgissem grupos menores, mas com mais semelhanas entre seus membros.
Com isso, o punk perdeu a quantidade de membros e, consecutivamente, seu
poder territorial que tinha antes.
Porm, em compensao, a rvore genealgica dos subgneros que
descendem dele aumentou, fazendo com que indiretamente as suas influncias
estejam em mais lugares e com mais membros, e mais grupos ressignificando
ainda mais espaos, formando ainda mais territrios. Mas sem o poder
aglutinador que ele tinha antes, apenas visvel hoje em dia em grandes
festivais que renem bandas de vrios subgneros do punk. Esses festivais
so o melhor momento para reunir a famlia que descende dessa rvore
genealgica. Pablo Rosa demonstra para os pesquisadores e para a mdia
como mais difcil detectar o punk hoje em dia:
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Por toda essa fragmentao e ramificao do movimento punkpelo espao hoje a grande mdia ou mesmo os pesquisadoresde grupos culturais no conseguem captar e perceber ainfluencia que ele exerceu e ainda exerce sobre a vida demilhes de pessoas ao redor do mundo. Os exemplos citadosacima punk 1976/1977, hardcore, hardcore meldico,emocore, e straight edge representam variaes dentro deapenas uma vertente de rock underground, que o chamadomovimento punk. Esses exemplos foram utilizados apenaspara ilustrar o grau de complexidade das relaes em queessas tribos urbanas brasileiras e, sobretudo, latino-americanas esto inseridas, pois a sua utilizao pode facilitara compreenso do grau de complexidade das relaes sociaisem que esses microgrupos juvenis esto inseridos.
(Rosa, Pablo O. 2007, p. 72)
Esses microgrupos citados por Pablo Rosa evidenciam o quo complexa
a relao dos punks entre si e com outros grupos urbanos, e de como est
complexo o estudo desses grupos na sociedade atualmente. Muitas vezes a
imagem do punk fica restrita apenas quele visual e atitudes que os
precursores tiveram, sendo que preciso analisar as transformaes que
ocorreram ao longo das dcadas.
difcil evidenciar de forma quantitativa o poder territorial que o punk
tem hoje, o quanto ele ainda exerce influncias no s nas pessoas, mas nos
territrios que ele mesmo constri ao dar significado a eles. Mas ele muito
presente e ativo ainda na sociedade, vivendo e sobrevivendo em suas
ramificaes, formando uma grande rede mundial e interligando as vrias
cenas locais, fazendo delas um movimento global.
Em cada uma dessas cenas locais, suas ramificaes e
desdobramentos em outros grupos culturais urbanos, ocupando e significando
ainda mais territrios, fazendo talvez, quase sem querer, ou pelo menos sem
toda essa inteno que a geografia possa ser uma lente para enxergar atravs
de suas categorias o quo presente ele ainda atravs de seus
desdobramentos manifestados no espao.
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Consideraes Finais
A fragmentao territorial aconteceu em todo o movimento Punk. Desde
a dcada de 80 nasceram novas geraes de punks em todo o mundo, alm da
diferena que cada lugar tem em relao ao outro. No momento em que o punk
se adapta s realidades em que comea a se inserir, tambm h a diferena de
geraes: desde o final dos anos 70 at os dias atuais j se passaram quase
40 anos.
O Punk nasceu de forma natural, onde as pessoas apenas estavam
fazendo as coisas sem a noo da proporo que aquilo tomaria um dia. Com
o tempo, as novas geraes comearam a questionar os primeiros paradigmas
e assim fizeram o punk evoluir, quase renascendo das cinzas a cada nova
evoluo. Contudo, em alguns lugares, essa evoluo resultou em uma
mudana radical de ideologia e atitudes, como acontece nos Estados Unidos e
na Inglaterra na dcada de 80, quando o anarquismo foi inserido como
ideologia norteadora por muitas bandas.
No s as diferenas ideolgicas surgiram, mas tambm diferenas
sonoras com msicas ainda mais agressivas e rpidas. Tambm houve a
mistura com outros ritmos, sentimentos e situaes cotidianas nas letras.
A partir disso o punk, que era a corrente mais rebelde do rock, comeou
a se fragmentar em outros gneros e subgneros. Na realidade, o punk se
transformava de uma maneira to brutal que se distanciava do seu mito
fundador e das caractersticas que o representavam.
Os espaos e territrios comearam a mediar essa nova situao e
evidenciar em prtica o que comeava a acontecer. Em diversos lugares houve
um esvaziamento da cena, mas na verdade ela estava se ramificando, se
adaptando para continuar existindo.
Talvez, assim como nossa sociedade, os eventos que podem medir essa
questo espacial do punk comearam a ficar bem especficos, pelo menos na
cidade de So Paulo.
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Atualmente, temos uma dispora punk com milhes de punks
espalhados pelo mundo, mas tambm existe essa dispora nos subgneros do
punk que esto espalhados, s vezes na mesma cidade. Nesse sentido, o
estudo do punk pela geografia traz a luz da questo de se medir o punk e seus
desdobramentos pelo espao, coisa que talvez s com a lente da geografia
podemos visualizar.
O punk apenas mais um grupo urbano do sculo XX que existe ainda
no sculo XXI, porm medir ele hoje em dia requer entender ele e seus
desdobramentos, alm de conseguir enxergar que apesar de pequenas
diferenas, se somados todos os grupos ainda temos um movimento punk
forte, explcito nas paisagens urbanas ao redor do mundo, ocupando e
ressignificando territrios o tempo todo, at no momento de deslocamento do
grupo.
Para analisar o punk pela geografia tambm preciso entender as
ramificaes das categorias geografias, o prprio territrio no pode ser
concebido mais pela geografia como algo fixo, ou o territrio do Estado-Nao
como antes, precisamos entender como o territrio evoluiu.
E no s os territrios surgidos das disporas de vrios povos ao longo
da histria que estabeleceram territrios em outros lugares quase como
exercendo o papel de embaixadas, mas precisamos pensar no territrio nessa
sociedade dinmica, de territrios que tm funo de acordo com o horrio do
dia, ou seja, que tem uma relao medida pela temporalidade e no s pela
espacialidade.
Nesse contexto, entender a dinmica punk ajuda a entender outras
dinmicas territoriais de outros grupos no s culturais, mas tambm sociais e
abre uma perspectiva de medir a cultura no espao no s pelas suas
manifestaes simblicas na paisagem, mas medir pelos grupos culturais em
movimento.
Voltando ao punk, o movimento pode no ter aquele poder aglutinador
de antes, mas possui uma capacidade de se recriar, ou das pessoas criarem a
partir dele novos gneros, novas correntes, novas ideologias, e at novos
mercados. Esse fator fundamental para seu sucesso, para ele existir h
praticamente quarenta anos no mundo e ainda ter essa renovao constante
de pblico.
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O punk com certeza o mais incompreendido fenmeno pop, a mdia
no entende e o usa mesmo assim. Vrias pessoas e bandas tambm o fazem,
e at algumas pessoas tentam trazer ele para o vis acadmico e mesmo
assim podem acabar no compreendendo o punk. Mas o ele no nasceu para
ser compreendido, muito pelo contrrio: nasceu para contestar, para ser um
tapa na cara da sociedade, para mostrar de forma explcita todo o ralo da
sociedade, tudo aquilo que ningum quer ver, ouvir e escutar. Nasceu para ser
sentido, para ser vivenciado.
No cabe em palavras o sentimento que o punk traz tona nas pessoas.
Eu, por exemplo, adoro diversos tipos e gneros de msica, porm o punk o
que me faz no querer ficar parado.
Surge uma necessidade de participar de rodas, de se jogar do palco nos
famosos mosh que quando as pessoas se jogam do palco, e o mais incrvel
a rede de solidariedade de outras pessoas te segurarem por um elo cultural
oriundo da msica. Chega a ser quase irracional o porqu de se fazer tudo
isso, mas uma necessidade que ele fez surgir no ser humano.
Estar inserido nessa cultura toda, ver que ela no morreu, como prega a
mdia desde o fim dos anos setenta, conseguir ver suas ramificaes e seus
desdobramentos junto com a pesquisa que realizei, me fez enxergar com
outros olhos todo esse processo.
Antes eu achava que o punk tinha sofrido uma fragmentao territorial
no sentido de estar se dividindo negativamente, de estar realmente morrendo,
de estar diminuindo e perdendo espaos. Graas a essa pesquisa, pude
perceber que na verdade o que no deixa a mensagem morrer. A mensagem
de faa isso voc mesmo, de no esperar que os outros faam por voc, no
esperar que faam camisetas legais, msicas boas, zines bons, ou at
pesquisas sobre o punk, ele ensina que se voc quer algo voc mesmo tem
que fazer.
O punk ensina o indivduo a ter autonomia, a ser narrador de sua prpria
histria, a questionar a sociedade. Ele canaliza uma revolta que est
aprisionada dentro de cada um, de expor suas idias, seus sentimentos,
mesmo que no em discurso, mas em uma roupa, ou em uma msica.
Com certeza eu no teria escolhido os caminhos que escolhi para a
minha vida se no fosse o punk. No teria os amigos que tenho, nem as
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relaes sociais, os livros que li, os filmes que assisti, se quer teria feito o curso
de geografia. Provavelmente nem meu filho estaria no mundo se ele no
tivesse um pai que se identifica tanto com o punk.
Eu espero que o punk nunca pare de evoluir, de sofrer essas
metamorfoses, fuses. Espero que as suas vertentes continuem a crescer
como uma imensa rvore genealgica musical, para que sua mensagem e sua
essncia cheguem a mais pessoas, que toque ainda mais coraes e mentes.
Porque as pessoas levam os ensinamentos dele para o resto da vida, e
eu acredito, assim como muitos, que cada corao tocado por essa mensagem
uma clula revolucionria.
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SumrioIntroduoA PaisagemCaptulo 2O TerritrioConsideraes FinaisBibliografia