Fascia Parte 1

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NATURAL MEDICINE REVISTA CIENTÍFICA DE MEDICINA NATURAL Centro de Investigação em Medicina Natural Instituto Português de Naturologia

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O papel da fáscia na medicina chinesa

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NATURAL MEDICINE REVISTA CIENTÍFICA DE MEDICINA NATURAL

Centro de Investigação em Medicina Natural Instituto Português de Naturologia

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• O PAPEL DA FÁSCIA NA MEDICINA CHINESA Parte l

Paola Augusta Kemenes

[email protected]

Resumo:

Durante décadas a comunidade científica vem buscando encontrar a explicação científica para o fun¬ cionamento da acupunctura, e a falta de respostas durante este tempo trouxe a esta prática milenar um olhar de desconfiança do Ocidente. Na última década, com a evolução dos estudos sobre o tecido conjuntivo e seu papel no organismo, muitos pontos começam a ser esclarecidos. Esta revisão mostra em 2 partes, as mais recentes descobertas que colocam a fáscia como a base física e energética para o funcionamento da acupunctura. Nesta 1a parte apresentam-se os estudos sobre o papel da fáscia no DeQQ e na localização dos pontos de acupunctura e em uma próxima edição a 2a parte mostrará a revisão sobre o trajecto dos meridianos. Com esta informação, mostra-se a acupunctura por uma visão palpável e compreensível para a mente ocidental relacionando esta prática milenar a estruturas anatómicas, mostrando assim que o uso da acupunctura pode estar perfeitamente inserido na prática da medicina moderna.

• Introdução

Há mais de 100 anos atrás, quando o Ocidente

descobriu a Medicina Tradicional Chinesa, ou

quando Andrew Taylor Still fundou a Osteopa­

tia (Still abriu a American School of Osteopathy em

1892), a fáscia era vista somente como um tecido

de proteção e sustentação, um tecido que envolvia

outros tecidos. Na verdade, em latim clássico o

termo "fáscia" significa banda (um longo e estrei¬

to pedaço de material).

O estudo da fáscia não avançou durante muito

tempo já que sua observação em cadáveres estava

longe de refletir a complexidade do seu papel no

organismo. Na verdade a própria fragilidade da

fáscia, sendo um tecido finíssimo tornava quase

impossível um estudo mais aprofundado.

* Síntese curricular:

Licenciada em Engenharia Zootécnica pela Universidade Estadual Paulista Especialização pela Universidade do Arizona.

Mestrado em Genética Molecular pela Universidade de São Paulo. Diplomada em Massagem e Medicina Chinesa pelo Ins­

tituto Português de Naturologia. Terapeuta da área de massagem e acupunctura.

Nas últimas décadas do século XX, a quantidade

de estudos sobre a fáscia aumentou significativa¬

mente, sendo que estes estudos nos mostraram

que este tecido tem um papel bastante mais com¬

plexo e abranjente no organismo, sendo essencial

para o crescimento e suporte do mesmo. No pri¬

meiro InternationalFascia Research Congress em 2007,

a fáscia foi definida como: "a componente de tecido

mole do tecido conjuntivo que permeia o corpo, formando

uma matriz contínua, tridimensional que dá suporte es¬

trutural a todo o corpo. Ele interpenetra e envolve todos

os órgãos, músculos, ossos e fibras nervosas, criando uma

integração para o funcionamento dos sistemas do corpo."

(Findley & Shalwala, 2013)

A fáscia promove suporte mecânico, movimento,

transporte de fluidos, transporte celular, contro¬

la o metabolismo em outros tecidos e fornece

ao corpo globalidade. Ao conectar todo o corpo

em uma rede única sem interrupções, a fáscia é

o tecido capaz de transmitir informações a lon¬

ga distância. O equilíbrio e a integridade da fáscia

refletem-se na homeostase do organismo ou no

desequilíbrio do mesmo.

Provavelmente o termo globalidade, ou rede única

sem interrupções, ou ainda outros termos indi¬

cando a capacidade deste tecido percorrer todo o

corpo chamou a atenção de alguns membros da

classe científica, especialmente os ligados a estu¬

dos de circulação de energia no corpo e os ligados

a terapias manuais e holísticas.

Em 2000, em seu livro Energy Medicine, James Osh-

man diz que a trama do tecido conjuntivo é uma

rede de comunicação semicondutora que pode

transportar sinais entre todas as partes do corpo,

e ainda tem a capacidade de gerar energia já que

cada movimento e cada compressão do corpo faz

com que a grade cristalina do tecido conjuntivo

gere sinais bioelétricos. Assim qualquer movimen¬

to do corpo produz e faz circular energia e infor¬

mações. (Oschman, 2000)

Esta capacidade condutora da fáscia desperta a

atenção de outro grupo de pesquisadores: aque¬

les que há décadas vinham tentando perceber o

mecanismo de funcionamento da acupunctura no

organismo, sem conseguir esclarecer totalmente I

este mecanismo.

Não é nenhuma surpresa que o Ocidente tenha

dificuldade em aceitar qualquer metodologia que

não possa ser explicada em termos palpáveis. Li

Ping, em seu livro 'El Gran Libro de la Medici-\

na China" diz sobre este assunto: "enquanto no

Oriente os conceitos podem ser abstratos, no Oci¬

dente existe uma necessidade de bases palpáveis e

científicas para que qualquer método de trabalho

tenha credibilidade" (Li Ping, 2002)

A fáscia, segundo mostram os estudos mais re­

centes (Myers, 2009; Findley, 2012; Langevin,

2009), pode ser uma espécie de "elo perdido" nos

estudos sobre o funcionamento da acupunctura,

esclarecendo alguns conceitos em uma lingua¬

gem palpável, de fácil compreenssão para a mente

ocidental, o que auxilia sobremaneira a aceitação

desta metodologia nos países Ocidentais, especial¬

mente pela comunidade médica.

Com os dados obtidos nestes estudos mais recen¬

tes, pode-se dizer que a fáscia (rede de tecido con­

juntivo) é a estrutura física por onde passa o Qi. E

sobre este tecido que estão localizados os canais

energéticos ou meridianos, e quando algo não está

bem com a fáscia o organismo irá estar em dese¬

quilíbrio (Langevin e Yandow, 2002).

Em condições normais a fáscia deve ser flexivel e

deslizante. As restrições e aderências na fáscia que

podem ocorrer por stress, traumatismos, más pos¬

turas, etc, tornam a fáscia mais rígida e encurtada,

levando a dor, restrição de movimentos e mau

funcionamento dos órgãos. Qualquer problema

na fáscia afeta e muitas vezes cria problemas de

saúde para os quais não existe qualquer explicação

dentro dos métodos de diagnóstico da Medicina

Ocidental.

Os desequilíbrios da fáscia não aparecem em exa¬

mes e métodos complementares de diagnósticos,

e podem ser a razão pela qual, já há milhares de

anos a Medicina Chinesa saber avaliar os desequi¬

líbrios do corpo antes mesmo destes tornarem-se

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perceptíveis. Assim, apesar da acupunctura e das

descobertas mais recentes sobre o tecido conjun¬

tivo e seu papel no corpo estarem separados por

milhares de anos, a acupunctura e a fáscia parecem

estar intimamente relacionadas.

• A Acupunctura e o Ocidente - A Necessidade de Confirmação

A acupunctura começou a ser praticada com mais

ênfase no ocidente a partir da década de 60, e a

medida que a acupunctura vai conquistando espa¬

ço como uma opção terapêutica, cresce o interesse

e a necessidade de explicar esta metodologia em

termos científicos. No ocidente o método cientí­

fico visa dar objetividade as nossas observações

empregando a experimentação com controlo de

alguns parâmetros enquanto se investigam outras

variáveis.

Na área da saúde normalmente os estudos seguem

duas linhas: o estudo dos mecanismos de ação e

a eficácia terapêutica, e no caso da acupunctura

ambos trouxeram grandes dificuldades para a co­

munidade científica. Neste trabalho nos interessa

o papel da fáscia no mecanismo de ação da acu-

punctura e por isso os trabalhos sobre a eficácia

terapêutica poderão ser consultados em outras

fontes.

Até antes de 2000, os trabalhos existentes podem

a grosso modo ser divididos em 3 grandes grupos:

os estudos de anatomia; o modelo neuroquímico

e o modelo bioelétrico (Jayasurya, 1995; Lewith,

1985):

1. Estudos de anatomia — envolvendo normal¬

mente dissecação anatómica, onde os cientis¬

tas procuraram relacionar a anatomia do cor¬

po, tanto macroscópica como microscópica,

em busca de estruturas que correspondessem

aos meridianos e aos pontos de acupunctura.

Diversos trabalhos conseguiram relacionar

grande parte dos pontos de acupunctura com

o sistema nervoso. Observações microscópi-

cas demonstraram que nas regiões dos acu-

puntos existem numerosos ramos nervosos,

plexos e terminações neurais. Estes estudos

falharam porém na compreenção das estrutu¬

ras envolvendo os meridianos.

2. Modelo neuroquimico ou neurohumoral

— envolve o efeito mais estudado da acupunc-

tura, o efeito analgésico. Este modelo mostra

que a acupunctura estimula a produção de

substâncias como endorfinas e serotoninas ou

estimula a ligação destas substâncias a seus re¬

ceptores, no entanto, a sua explicação para os

efeitos sistémicos da acupunctura carece ainda

de confirmação.

3. Modelo bioelétrico — este modelo surgiu

quando as análises anatomicas foram incapa¬

zes de explicar os meridianos da acupunctura

e seu trajecto. O modelo bioelétrico revelou

que as áreas cutâneas onde se situam os pon¬

tos de acupuntura, assim como a trajetória dos

canais energéticos, apresentam maior conduti¬

vidade elétrica. A base deste modelo foi a já

descoberta ligação dos pontos de acupunctura

com áreas de concentração do sistema nervo¬

so. O funcionamento do sistema nervoso, cria

um campo eletromagnético, pois a condução

dos impulsos nervosos envolve uma grande

movimentação de íons a pequenas distâncias e

cargas elétricas oscilando que geram um cam¬

po eletromagnético.

Apesar de estes modelos de estudo evidenciarem

e esclarecerem algumas das propriedades terapêu¬

ticas da acupunctura, longe estão de substanciar

muitos dos resultados obtidos pelos acupuntores.

Por exemplo, o modelo bioeléctrico não é capaz

de explicar porque o sinal causado pela estimula¬

ção de um ponto de acupunctura chega ao córtex

visual no cérebro mais rapidamente do que seria

capaz através dos circuitos neurológicos conheci¬

dos, mostrando que provavelmente o sinal utiliza

outras vias de transmissão (Mattos, 2010).

Uma série de estudos no final do século XX se¬

guem mostrando o papel do tecido fascial na acu-

punctura, e os cientistas viram aqui uma possibili¬

dade de através desta relação responder a dúvidas

no mecanismo de funcionamento da acupunctura

que nunca tinham ficado totalmente clarificadas

nos modelos de estudo usados anteriormente.

Esta revisão pretende mostrar estes novos concei¬

tos e novas relações entre o conhecimento Oci¬

dental e a filosofia Oriental.

• A Fáscia

A palavra fáscia, usada no singular por ser um te¬

cido único, representa um conjunto membranoso

muito extenso no qual tudo está ligado em conti¬

nuidade, uma entidade funcional que traz globa¬

lidade ao organismo. Este tecido se espalha por

todo o corpo, formando uma rede ou teia contí¬

nua desde o alto da cabeça até a ponta dos dedos

dos pés, envolvendo fibras musculares, grupos

musculares, vasos sanguíneos, nervos, e todos os

componentes do corpo, desde grandes órgãos até

a mais pequena célula formando o tecido conjun¬

tivo, que representa 70% dos tecidos do corpo

humano (Bienfait, 2004). Promove suporte me¬

cânico, movimento, transporte de fluidos, trans¬

porte celular, controla o metabolismo em outros

tecidos e fornece ao corpo globalidade. E preciso

ter a noção inequivoca que este tecido fornece in¬

tegridade ao organismo, sem a qual seríamos um

aglomerado de células e tecidos desorganizados e

sem comunicação entre si.

O tecido conjuntivo é formado pelas células do

tecido conjuntivo e por sua matriz extracelular,

sendo que ao contrário de outros tecidos como

a pele, ou os músculos que dependem prioritaria¬

mente das suas células constituintes, as proprie¬

dades do tecido conjuntivo dependem principal¬

mente da quantidade, tipo e organização da sua

matriz extracelular, formada por fibras (colágeno

e elastina), proteinoglicanos, glicoproteinas e líqui-

do lacunar. Com exceção do líquido lacunar, todas

as outras substâncias são sintetizadas pelas célu¬

las do próprio tecido conjuntivo, os blastos, cuja

nomenclatura varia dependendo da localização do

tecido (osteoblastos, fibroblastos, condroblastos,

etc.) (Bienfait, 2004; Culav et al., 1999).

A matriz extracelular formada então pelas proteí¬

nas estruturais fibrosas (colágeno e elastina), pelas

glicoproteínas adesivas e pelo gel de proteinogli-

canos, é mais abundante que as próprias células

do tecido conjuntivo. E a matriz que determina as

propriedades físicas do tecido e a forma do mes¬

mo em cada local e regula a actividade de suas

próprias células. Essencial ainda é que a matriz

extracelular distribui as tensões dos movimentos e

da gravidade pelo corpo, gerando equilíbrio ou de¬

sequilíbrio, ou na linguagem da Medicina Chinesa

saúde ou doença.

• Colágeno e Elastina

O colágeno e a elastina são as duas fibras prin¬

cipais da matriz extracelular. A proporção entre

colágeno e elastina varia dependendo da localiza¬

ção do tecido conjuntivo, sua função principal e

estímulos externos sobre este tecido.

A elastina, proteína de longa duração, é estável e

tem baixa taxa de renovação. E responsável pela

maior parte da elasticidade dos tecidos permitindo

aos seus filamentos deformarem-se quando ten­

sionados, podendo estender-se 150% e retomar

sua forma anterior. Não é conhecido qualquer

mecanismo que estimule a produção de elastina,

mas sabe-se que a quantidade de elastina encon¬

trada no tecido reflete a quantidade de stress me¬

cânico imposto a este e a solicitação de deforma¬

ção reversível (Culav et al., 1999).

O colágeno, proteína de curta duração, modifi¬

ca-se a vida toda. E secretado de acordo com a

tensão produzida pelo tecido. Tensões mais pro¬

longadas levam a deposição de colágeno em série

e assim os feixes de tecido conjuntivo ficam mais

longos, já tensões curtas e intermitentes densifi-

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cam o

^1 lelo fo

e con

cam o colágeno e sua deposição dá-se em para¬

lelo formando feixes conjuntivos mais resistentes

e compactos, porém com menos elasticidade.

Quanto mais feixes de colágeno o tecido tiver,

menos elástico ele será. De qualquer forma a ca¬

pacidade de alongamento do colágeno é bastante

restrita, menos de 10% (Mattos, 2010).

Esta capacidade de modificação das fibras de

colágeno parece ser a grande responsável pelos

desequilíbrios no organismo, já que uma das ca¬

racterísticas fundamentais da fáscia é que o menor

tensionamento, seja ele activo ou passivo, repercu¬

te sobre o conjunto. Todas as peças anatómicas do

corpo desta forma estão ligadas entre si. As fibras

de colágeno tornam-se mais densas numa tenta¬

tiva de defenderem o tecido de tensões, e desta

forma o tecido fica mais sólido e menos elástico,

deixando de cumprir sua função mecânica e rece¬

bendo desta forma uma maior carga de tensões,

voltando a se densificar. Além da redução na mo­

bilidade e na elasticidade, a densificação do colá¬

geno deixa as fibras mais largas e reduz o espaço

extracelular prejudicando a circulação dos fluidos

(Culav et al., 1999).

• Proteinoglicanos

Segundo componente mais abundante na matriz

extracelular. São macromoléculas solúveis com

um papel estrutural e metabólico. Algumas fun¬

ções metabólicas importantes destas moléculas

são a hidratação da matriz, a manutenção da esta¬

bilidade da rede de colágeno e assim a habilidade

de resistir a forças de compressão (Bienfait, 2004;

Culav et al., 1999).

Os proteinoglicanos ligam-se de forma covalente

a uma ou mais cadeias de glicosaminoglicanos. As

cadeias de glicosaminoglicanos tem carga negati¬

va e criam um potencial osmótico que faz com

que a matriz extracelular absorva água das áreas

envolventes o que auxilia na manutenção da hidra¬

tação da matriz, sendo que o grau de absorção vai

depender do número de cadeias de glicoproteínas

no tecido. O tecido conjuntivo vai ter mais destas

cadeias de glicoproteínas e portanto mais hidrata¬

ção quanto mais sujeito for a cargas de compres¬

são como é por exemplo o caso das articulações.

Desta forma os proteinoglicanos tem a função de

dar rigidez a matriz extracelular, resistindo a com¬

pressão e preenchendo espaços.

Existem fortes evidências mostrando que a altera¬

ção da fisiologia do tecido conjuntivo associada ao

stress mecânico, provoca uma mudança da quan¬

tidade e do tipo de cadeias de proteinoglicanos,

o que altera também a forma habitual do tecido

(Bienfait, 2004).

• Glicoproteínas e Integrinas

As glicoproteínas assim como os proteinoglicanos

possuem papel estrutural e metabólico no tecido

conjuntivo. Formam o muco de tecidos e secre¬

ções. Estas moléculas tem um importante papel

em promover a conecção entre os componentes

da matriz celular e entre o interior das células e a

matriz extracelular. Através deste papel, tem uma

importante função de regulação, sendo capazes de

promover mudanças não só no formato das célu¬

las, como na proliferação e diferenciação celular

(Ingber, 1998).

As integrinas constituem a principal família de

receptores da superfície celular que intervém na

fixação da célula à matriz extracelular. A impor¬

tância das integrinas é reforçada pelas funções

que desempenham numa ampla variedade de

processos bilógicos. As integrinas transmitem

informações de tensão e compressão da matriz

extracelular para o interior das células inclusive

para o núcleo, e com isso regulam a organização

do citoesqueleto e modulam processos celulares

como proliferação e diferenciação celular, migra¬

ção e posicionamento das células, ou simpesmente

o tamanho e formado das mesmas (Dieter, 2005).

• Fluido Intersticial e Circulação de Agua Livre

O fluido intersticial preenche todos os espaços

livres entre as células do tecido conjuntivo, entre

os feixes de colágeno e entre a rede de elastina.

Este líquido, possui intensa actividade metabólica

com importante papel na nutrição dos tecidos e na

eliminação de substâncias. E a partir deste líquido

que se forma a linfa (Moore e Persaud, 2005).

Como foi colocado anteriormente, a densifica-

ção dos feixes de colágeno em resposta a tensões

constantes, reduz o espaço extracelular e conse¬

quentemente o volume disponível para a circula¬

ção do fluido intersticial.

Pelo fluido intersticial ocorre a circulação de água

livre, diferente da circulação de fluidos chamada

circulação de água associada. A circulação de água

livre é uma circulação rápida, que ocorre utilizan¬

do as mucinas hidrófilas dos feixes de colágeno

como "conductos", uma vez que a fisiologia das

mucinas permite trocas osmóticas mediante alte¬

ração de densidade no meio interno. Marcell Bien¬

fait diz sobre esta circulação: "...Não é ridículo

pensarmos que essa circulação vital poderia ser

a circulação energética dos acupuntores. Ambas

as circulações de água livre e de água associada,

dependem do movimento da fáscia e confirmam

a noção de globalidade deste tecido" (Bienfait,

2004).

• A Fáscia e a Sensação de De Qi

Um dos fenômenos ligados a prática da acupunc-

tura e que intriga os cientistas há décadas é a cha¬

mada sensação de De Qi. Esta sensação é descrita

de muitas formas pelos pacientes: na forma de

ardor, pressão, choque, calor, etc e muitos auto¬

res consideram o De Qi essencial para o resultado

positivo da prática da acupunctura. Enquanto o

paciente sente o De Qi, o terapeuta sente como se

o tecido em volta da agulha se tivesse contraído e

segurasse a agulha com mais força, sendo que este

efeito biomecânico do De Qi pode ser chamado

de compressão da agulha (needle grasp 1) (Helms,

1995).

Durante algum tempo a explicação fisiológica para

a compressão da agulha era a contração da mus¬

culatura esquelética (Gunn e Milbrandt, 1977) o

que entretanto não era suportado pelos resultados

quantitativos das pesquisas, já que a compressão

da agulha acontecia mesmo em locais onde não

há musculatura esquelética como no pulso ou em

punturas superficiais apenas atingindo a pele. No

início dos anos 2000, Helene Langevin e sua equi¬

pa na Universidade de Vermont, começaram a tra¬

balhar com uma nova proposta: a de que o tecido

envolvido na compressão da agulha era o tecido

conjuntivo (Langevin et al., 2001).

Langevin propôs que a compressão da agulha

se dá porque as fibras de colágeno e elastina do

tecido conjuntivo se enrolam e comprimem a

agulha durante a rotação da mesma. Desta forma

uma ligação mecânica entre tecido e agulha é es¬

tabelecida e um sinal mecânico é transmitido. A

subsequente tradução deste sinal mecânico para a

resposta celular pode explicar os efeitos locais e

distais da acupunctura.

O enrolar das fibras do tecido conjuntivo ao redor

da agulha, resulta numa grande ampliação da co¬

nexão mecânica entre a agulha e o tecido conjun¬

tivo no local da inserção. Existe porém logo

no início da inserção, uma força que estimula as

fibras a começarem a se enrolar na agulha, sen¬

do que esta força parece ser derivada da tensão

superficial da agulha, somada a atração elétrica

(Langevin et al., 2001). Uma vez que o tecido

conectivo é formado por células envolvidas pela

matriz extracelular contendo fibras de colágeno

e elastina associadas a glicoproteinas e proteino-

glicanos de carga negativa (Aumailley e Gayraud,

1998), a atração elétrica deve ocorrer entre o metal

da agulha e as cargas do tecido. Esta força de atra-

1 Nos trabalhos científicos utilizados neste capítulo o termo utilizado pelos autores é "needle grasp", que traduzi como compressão da agulha na falta de um termo mais correcto, já que o termo grasp ilustra melhor a capacidade do tecido em envolver a agulha durante o estímulo da acu­punctura.

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çãoé fr

pequen

ção é fraca, mas com força suficiente para iniciar o enrolamento das fibras na agulha especialmente dado ao

pequeno diâmetro da mesma.

Uma vez que a agulha de acupunctura esteja acoplada ao tecido, os movimentos feitos na agulha enviam

um sinal através do tecido conjuntivo pela deformação da matriz extracelular como mostra a Figura 1 e a

Figura 2.

Langevin observou que depois da manipulação da agulha, as fibras de colágeno estavam mais retas, mais pró­

ximas e mais paralelas. E esta alteração no formato das fibras que causa uma transmissão de sinal mecânico

através da matriz extracelular e através do citoesqueleto dos fibroblastos e de outras células do tecido que

sofrem uma reorganização activa, este sinal atinge o interior das células, o que deve contribuir para os efeitos

terapêuticos da acupunctura (Lavengin et al, 2007). A reorganização do citoesqueleto em resposta ao sinal

mecânico recebido pela matriz extracelular pode induzir contração celular, migração ou síntese de proteínas

(Maniotis et al., 1997).

A tradução do sinal mecânico para o interior das células com a subsequente resposta celular e seus efeitos em

cadeia, podem explicar o porquê dos tratamentos de acupunctura terem efeitos que duram por muitos dias

ou semanas, ou mesmo resolvem o problema de forma permanente.

Figura 1: A imagem da esquerda mostra a inserção da agulha no tecido conjuntivo e a

direita mostra que com a rotação da agulha as fibras de colágeno representadas pelo ama­

relo enrolam-se na agulha. Os fibroblastos são atraídos por este sinal mecânico e o sinal chega ao

citoesqueleto representado pela área rosa escuro da figura (Langevin et al., 2001).

Figura 2: Formação de uma espiral no tecido conjuntivo com a rotação da agulha em tecido conjuntivo observado ao

microscópio. Os números de 0 a 7 mostram o número de rotações efectuadas na agulha (Langevin e Yandow, 2002).

Além da acupunctura, outras formas de terapia manual tem a capacidade de causar deformação no tecido

conjuntivo, e assim produzir um sinal mecânico pelo tecido. Uma das técnicas dentro da Medicina Chinesa

com esta capacidade além da acupunctura é o Gua Sha, usado pelos terapeutas para aplicar força de com¬

pressão ao paciente. Esta aplicação de força concentrada e localizada não é possível apenas com as mãos. A

estimulação mecânica feita neste caso nos tecidos moles, resulta em uma produção de factores mecânicos de

crescimento que activam e modificam células musculares e o tecido conjuntivo (Findley et al., 2012)

• A Fáscia e os Pontos de Acupunctura

O ideograma Chinês que representa o ponto de acupunctura também significa "buraco", o que dá a idéia

que os pontos são como fendas no tecido onde a agulha pode penetrar mais profundamente e ter acesso a

componentes mais profundos do tecido (O'Connor e Bensky, 1981) (Figura 3).

Figura 3: ideograma Shu simplificado, usado de

maneira geral para representar todos os pontos do

corpo. O termo Shu tem diversas representações e

diversos significados. (Zhang, 2006)

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Os textos de acupunctura mais recentes relacionam a localização dos pontos a estruturas anatómicas e me-

I didas específicas, mas apesar destas referências a melhor forma de encontrar o ponto exacto é através da

palpação, durante a qual o acupuntor procura por uma depressão leve ou mesmo pela sensação de ceder do

I tecido a uma pressão suave (Langevin e Yandow, 2002).

I Tradicionalmente a acupunctura é feita em pontos específicos do corpo, os pontos de acupunctura ao longo

de meridianos descritos á milhares de anos. Muitos destes locais como os estudos anteriores mostram resi¬

dem sobre lâminas de tecido fascial entre os músculos ou entre músculos e tendões. Seguindo esta estrutura,

quando a agulha é inserida no ponto correcto, irá penetrar primeiro através da derme e tecido subcutâneo

e em seguida no tecido conjuntivo intersticial, enquanto que por outro lado se a agulha for inserida fora do

ponto correcto irá penetrar a derme e o tecido subcutâneo e depois chegar a uma estrutura como um osso

ou um músculo, como mostra a imagem na Figura 3

Figura 3: O ponto VB 32 (Zhongdu) situado no tecido conjuntivo de conexão entre os músculos

bíceps femoral e vasto lateral, e em preto o ponto de controle. Da mesma forma na figura da

direita o IG 14 (Binao) entre os planos fasciais e o ponto de controle (Lavegin e Yandow , 2002)

Helene Lavegin analisou imagens de cortes transversais do braço com a localização de pontos dos 3 me¬

ridianos Yin que por aí passam (Coração, Pulmão e Pericárdio) e dos 3 meridianos Yang (Intestino Grosso,

Intestino Delgado e Sanjiao) e verificou que 80% dos pontos de acupunctura deste meridianos localizam-se

em clivagens de planos fasciais, onde a agulha ao ser inserida encontrará uma maior quantidade de tecido

conjuntivo em relação aos pontos de controle.

James Fox junto com Helene Lavegin, em 2008 (Fox et al., 2008) fez um estudo através de imagens de ul-

trasom durante a puntura no ponto VB 32 (Zhongdu) e num ponto controle próximo (Figura 3). Para evitar

qualquer alteração mecânica na puntura, a mesma foi feita de forma computadorizada, por isso sempre igual

em todos os locais.

Os resultados deste trabalho mostraram que a capacidade das fibras do tecido conjuntivo se enrolarem na

agulha de acupunctura é maior no ponto de acupunctura em relação ao ponto controle, e que o estímulo

mecânico criado pela agulha, se propaga por mais tempo e a maior distância no ponto de acupunctura.

• A Fáscia e o Trajecto dos Meri¬ dianos

Os meridianos tão procurados por anatomistas,

parecem afinal estar relacionados a linhas miofas-

ciais de tensão criadas ao longo do corpo.

Este tema ficará para a 2a parte desta revisão, onde

se irá destacar o trabalho de dois autores que pa¬

recem ser se não os únicos, mas os primeiros a

desenvolver um conceito mais profundo relacio¬

nando a fáscia com a regulação e movimentação

do corpo, assim como com o equilíbrio do corpo

de forma global.

Phillip Beach é um Osteopata australiano que na

década de 80 começou a estudar Medicina Tra¬

dicional Chinesa e desenvolveu alguns conceitos

interessantes sobre os meridianos da acupunctura.

Em seu livro "Muscles an Meridians — The Manipu¬

lation of Shape", Beach diz que os meridianos são

linhas que parecem não seguir nenhuma estrutura

anatómica, alguns seguem em linha reta, outros

em zigue-zague. Nesta altura este autor já suge¬

ria que os meridianos deveriam seguir as linhas da

fáscia, porém ele próprio comenta que uma vez

que a fáscia está em toda a parte, naquela altura

esta afirmação acabava significando zero. (Beach,

2010)

Uma década depois, outro terapeuta, Thomas

Myers que nos anos 90 ensinava Anatomia Mio-

fascial no Instituto Rolf começou a exclarecer o

paradigma de Beach e mostrar que apesar da fáscia

estar em todo o corpo e em cada célula, a pos¬

sibilidade de relação com os meridianos da acu-

punctura era real. Myers começou a desenvolver

junto com seus alunos um trabalho exaustivo na

área das cadeia miofascia. Nesta altura todos os

livros mostravam a teoria de músculos individual¬

mente, mas Ida Rolf dizia sempre que tudo estava

conectado através da fáscia. Este trabalho resul¬

tou na publicação em 2001 da primeira edição de

seu livro "Anatomy Trains". Myers, desenvolveu as

relações diretas e indiretas entre músculos e movi¬

mentos, e no seu trabalho mostra que estes "meri-

dianos" ou trilhos miofasciais formam linhas pelo

corpo por onde são distribuidas trações, tensões,

fixações, compensações e a maioria dos movimen­

tos do corpo. Ao todo Myers descreve 12 linha

tensionais que se interconectam e dão sustentação

biomecanica a todo corpo2. (Myers, 2009)

Um dos fundamentos básicos utilizados por

Myers para definir os trilhos miofasciais foi a di­

recção e profundidade das fibras fasciais encon¬

tradas. Segundo ele, os trilhos miofasciais devem

prosseguir em uma direção e profundidade con¬

sistente através de conexão directa pela membra¬

na fibrosa ou indirecta, conectadas por meio de

uma junção óssea interposta. Mudanças bruscas

de direção ou profundidade acabariam por anular

a capacidade do trilho miofascial em transmitir a

tensão para o próximo elo da cadeia. Segundo a

noção de globalidade da fáscia, qualquer lesão no

trilho miofascial pode gerar problemas em toda a

cadeia e atrapalhar a transmissão de tensão. Em

termos clínicos, ele conduz a um entendimento

diretamente aplicável de como problemas doloro¬

sos em uma área do corpo podem estar ligados

a uma região totalmente "silenciosa" e até certo

ponto distante desse problema. Dessa forma o co¬

nhecimento dos trilhos permite ao terapeuta defi¬

nir uma estratégia de tratamento global em todo o

trilho afetado, uma estratégia holística.

O conceito de que a fáscia conecta o corpo como

um todo em uma trama sem fim não é antagô¬

nico ao conceito músculo — osso apresentado na

descrição anatómica usual, ao contrário, é comple¬

mentar. Quando uma parte do corpo se movimen¬

ta, o corpo responde como um todo e funcional¬

mente o único tecido ao qual se pode atribuir essa

resposta é o tecido conjuntivo.

Phillip Beach corrobora este conceito em sua te¬

oria de "campos contrácteis", onde desenvolve

um modelo de compreensão biomecânica de todo

o corpo, não só da musculatura, mostrando que

2 Para evitar equívocos, uma vez que Myers chama suas linhas de me­ridianos miofasciais, neste trabalho as linhas de Myers receberão o nome de trilhos e o uso do termo meridianos será exclusivamente para os me¬ ridianos da medicina chinesa.

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Page 7: Fascia Parte 1

cada cé

já que t

que des

cada célula individual tem elementos contrácteis,

já que tudo está envolvido pela fáscia, sugerindo

que desde a pressão sanguínea até a função dos

rins afeta os padrões de movimento e forma do

corpo. Desta forma o modelo de Beach segue me¬

nos a anatomia da fáscia (como o de Myers) e mais

a lógica dos movimentos, relacionando posturas

corporais com a facilidade em palpar os pontos

correspondentes a determinados meridianos da

acupunctura e sua relação superficial e profun¬

da. Em seu trabalho Beach mostra ainda como a

punctura de certos pontos altera a posição subtil

do corpo e diz que a escolha dos pontos é uma

maneira de manipular a forma, sendo que forma e

função estão profundamente correlacionadas.

Ambos os autores citam-se mutuamente em seus

trabalhos e comentam não só a estreita relação

entre os conceitos que desenvolveram sugerindo-

-os como complementares, como ainda a relação

entre seus trabalhos e a Medicina Chinesa.

• Conclusão

Nesta primeira parte da revisão sobre o papel

da fáscia na Medicina Chinesa, pode-se ver que

apesar de a acupunctura e as descobertas mais

recentes sobre o tecido conjuntivo e seu papel no

corpo estarem separados por milhares de anos, a

acupunctura e a fáscia parecem estar intimamente

relacionadas.

Actualmente os estudos mostram que funcional¬

mente a rede de tecido conjuntivo não promove

apenas suporte para o corpo, mas também man¬

tém o balanço do organismo ao regular os reflexos

neurais, a actividade neuroendócrina, a imunidade e

através da reparação de danos em células e tecidos.

Desta forma coloca-se a hipótese de que existe um

sistema de auto vigilância no corpo humano que

difere essencialmente dos nove sistemas funcionais

(sistema digestivo, nervoso, respiratório, circulató¬

rio, estrutural, glandular, urinario, imunológico e

linfático) que regula através da fáscia o equilíbrio e

a homeostase do organismo (Wang, 2007).

Partindo-se do princípio que mesmo uma ener¬

gia subtil precisa de um meio físico para fluir e

se manifestar, e baseado nos estudos que foram

apresentados, pode-se definir que a fáscia é a base

física por onde o Qi circula, e suas fibras são es¬

senciais para a transmissão do sinal de acupunctu-

ra tanto em termos locais como à distância, pode¬

mos dizer que a condição da fáscia será essencial

para um bom fluxo de Qi no organismo.

Em termos funcionais, a fáscia molda e dá forma

ao corpo. A estrutura da fáscia aumenta a resis¬

tência, melhora a circulação sanguínea e absorve

choques, além de manter o corpo estruturado,

protegido e lubrificado. Permite que a estrutura

corpórea se mova facilmente, deslizando as lâmi¬

nas fasciais uma sobre a outra à medida que nos

dobramos e nos movemos.

As restrições e aderências na fáscia e entre os te¬

cidos adjacentes, como no caso de traumatismos,

stress, processos inflamatórios, cirurgias, más pos¬

turas, etc, torna a fáscia mais sólida e encurtada,

criando pressões em áreas sensíveis, levando à dor,

restrições de movimento e mau funcionamento

dos órgãos. Num trauma ou irritação o corpo cria

um tecido cicatricial para ajudar a reparar e a imo¬

bilizar a área, tal qual uma bandagem. Ela liga as

estruturas como se fosse uma cola e se torna parte

estrutural da fáscia. A porção da fáscia que forne¬

ce lubrificação para a mobilidade, agora pode tor¬

nar-se uma substância pegajosa e sólida. Isto pode

inibir a circulação do sangue e da linfa, reduzir os

movimentos do corpo, inibir a força dos músculos

e comprometer as funções orgânicas. O fluxo de

Qi será debilitado ou irregular e desequilíbrios irão

aparecer no organismo. Estudos mostraram que

pacientes com dores lombares crônicas possuem

a fáscia na região lombar mais densa e com fibras

mais desorganizadas do que pacientes sem dor

lombar (Langevin et al., 2009).

Temos que nos lembrar que a fáscia é continua

ao longo do corpo, assim como a circulação de

Qi, assim quando uma seção dela se retrai ou fica

imobilizada, pode afetar outras áreas ou mesmo

afetar o corpo inteiro já que o suave fluxo de Qi

ficará comprometido. Da mesma forma quando

um bloqueio ou uma cicatriz é tratada, ela libera

o fluxo de energia, transmissão nervosa e circula¬

ção sanguínea.

A circulação de água pela fáscia é essencial para

a saúde do próprio organismo, assim como a hi¬

dratação da própria fáscia, uma vez que a matriz

extracelular deve estar banhada pelo fuido inters¬

ticial. Assim quando este aspecto do corpo não

está bem, surgem bloqueios e com eles sinais de

desequilíbrio do organismo. Edemas que surgem

pela imobilização, manchas na pele, espinhas, fu¬

rúnculos, vermelhidão, são exemplos de estase do

líquido lacunar; dores agudas sem gravidade, do¬

res que se irradiam ou 'queimam', a retração e o

encurtamento muscular, são bloqueios da fáscia.

Marcell Bienfait diz que a osteoartrose (densifi-

cação, calcificação e degeneração da cartilagem)

ocorre pelo mal funcionamento da bomba articu¬

lar causada pela perda da elasticidade cápsulo-liga-

mentar-comum no processo de envelhecimento e

pela ociosidade do homem moderno. De facto o

próprio processo de envelhecimento do homem

é a densificação progressiva do tecido conjun¬

tivo, reduzindo o volume dos espaços lacunares

e a circulação dos fluídos (Bienfait, 2004), o que

na Medicina Chinesa chamamos de vazio de Yin

causado pela idade e esgotamento dos fluidos or¬

gânicos.

A acupunctura é capaz de proporcionar uma al¬

teração no tecido fascial através do enrolamento

das fibras de colágeno ao redor da agulha e da ca¬

deia de eventos gerados por esta transmissão de

sinal mecânico. Ainda está por ser determinado a

maneira como cada uma das diferentes formas de

manipulação da agulha de acupunctura afecta as

diferentes respostas celulares possíveis.

A conexão entre mente e corpo tão importante na

Medicina Chinesa e por tanto tempo deixada de

lado pela medicina Ocidental é fundamental para

o bom funcionamento da fáscia e consequente¬

mente a boa circulação do Qi. Imagine-se no papel

dos pulmões tentando respirar plenamente numa

pessoa deprimida, curvada, sobre tensão. Imagi¬

ne-se no papel dos rins tentando filtrar o sangue

quando os seus ductos e vasos internos tem o es¬

paço limitado porque a postura está contraída ou

o corpo caído para baixo. Imagine-se no papel do

fígado tentando purificar o sangue e eliminar de¬

tritos tóxicos ou metabólicos enquanto seu dono

está frustrado, enrijecido e afundado na cadeira.

Ajustar a postura corporal, trabalhar a mente de

forma positiva otimiza todos os aspectos do fluxo

natural interior, o fluxo de Q melhora quando se

relaxa a postura corporal e aquieta a consciência e

esta capacidade de trabalhar em conjunto corpo

e mente é fundamental na Medicina Chinesa, nas

Artes Marciais e em todas as terapias holísticas.

PALAVRAS-CHAVE: Fascia, Tecido conjuntivo, Meridianos, Tensegridade, De-Qi.

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Page 8: Fascia Parte 1

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