Restableciendo Valores Proyecto para los Centros Penitenciarios de España Fernando Noailles.
Fala da criada dos Noailles
Click here to load reader
-
Upload
livros-cotovia -
Category
Documents
-
view
215 -
download
1
description
Transcript of Fala da criada dos Noailles
FALA DA CRIADA DOS NOAILLES
QUE NO FIM DE CONTAS VAMOS
DESCOBRIR CHAMAR-SE TAMBÉM SÉVERINE
NUMA NOITE DO INVERNO DE 1975
EM HYÈRES
Título: Fala da criada dos Noaillesdo texto: © Jorge Silva Melo
e Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2007dos desenhos: © Pedro Proença
e Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2007
ISBN 978-972-795-218-2
Jorge Silva Melo
Fala da criada dos Noaillesque no fim de contas vamos
descobrir chamar-se também Séverinenuma noite do Inverno de 1975
em Hyères
Pequena paródia
com desenhos dePedro Proença
Cotovia
ÍNDICE
7
pág.
9
23
53
63
77
81
I. Aguardando a visita de D. Luis Buñuel que se tinha
feito anunciar ao Conde de Noailles
II. Anunciando D. Luis Buñuel ao senhor Conde de
Noailles
III. O jantar em silêncio do artista D. Luis Buñuel com o
seu antigo mecenas e amigo o Conde de Noailles
IV. Final apoteótico com a criada que afinal se chama
mesmo Séverine, dois gémeos e 32 mais 1 fantasmas
de mecenas tudo isto rondando a meia-noite
Apêndice
Cantiga da harmonia conjugal
I
AGUARDANDO A VISITA DE D. LUISBUÑUEL QUE SE TINHA FEITO ANUN-CIAR AO CONDE DE NOAILLES
13
Não, não os ia pôr no salãoA jantarA mesa é tão grandeE no lustre faltam tantas lâmpadasQue se foram fundindo.
Tinha que as ir comprar.Mas quem é que sai com este frio— e o motorista só vem uma vez por mêspara levar o senhor conde ao médicoque nem sequer os médicos agora vêm cá.
Em Hyères estão sempre menos 2 graus do que emParis,
aqui a neve ainda se aguenta no chão,em Fevereiro sobretudo.
Mas este ano ainda não nevou.Parece que agora, em Paris, a gente nova nunca viu
neveNem neve nem galinhas.
Mas no salão um jantar para duas pessoasachei que o melhor era ser no escritório do senhor
condeeram dois amigos antigos eu nem me lembro bemvinha cá tanta gentetanta gente a jantar e até ficavam a dormir
Diz que é espanhol.
Espero que não seja aquele pequenito e entron-cado
que me apalpava o rabo sempre que eu o ia servire que vinha cá com uma mulher diferente sempremesmo que fosse hoje e no dia seguinte e depois de
amanhãera sempre uma mulher diferente grande rabo
grande peito mais altas que ele sempreque ele era pequenito e entroncado quase careca
ou rapava o cabeloera pintor.
14
E ele a apalpar-me o raboque eu uma vez até entornei a sopa em cima da
senhora condessavá lá que era verão e a sopa era friaficou foi aquele cheiro a alho porroe a senhora condessa não quis mudar-se, quis jan-
tar assimque era uma benção com aquele calorterem-lhe caído no decote três pedras de gelo davichyssoise.
Tudo porque o tal espanhol pintor pequenito eatarracado meio careca
sempre que me apanhava de costas olha apalpava--me o rabo
mas sem ninguém repararsó a senhora condessaque me perguntava sempre se eu já tinha dormido
com ele“Não? Vê lá enquanto é tempo.”
E uma mesa pequena hoje aquela do arquitectoque também fez as cadeiras de alumínio,que ele tinha oferecido aos senhores condes
15
a mesa de alumínio meio torta com um plástico emcima
feita aqui mesmo uma barulheira ele a soldar ostubos
que não enferrujam lá isso são práticos e até sãoleves e tudo
levo essa mesa maluca para o escritório do senhorconde
e as velas e pronto.
Só espero que não seja o espanhol pequenito eentroncado
que quando eu fui para a cama com eleera ele a pedir-me que eu lhe pusesse uns cornosde sátiro, todo nu e com um pé de bode e uns cor-
nose cama-cama, nada,desenhava, desenhava a noite inteiraeu nua em cima da camaabre mais as pernas dizia ele agora deita-te de bar-
riga para baixomas abre mais as pernas dizia ele, guapacomo se eu fosse alguma do cancane fizesse a espargataele todo nu com uns pés de bode e uns cornos
16
“vais ficar rica, guapa”, dizia ele
Mas fez tantos desenhos, só numa noite —era uma noite de inverno— que começam às quatro da tarde e às nove da
manhã ainda é escuro —só nessa noite fez 356 desenhos,tantos também ficavam sem valer nada.
Eu nua na camaEle todo nu com uns pés de bode“podes vender isso, guapa”dizia ele e fazia outro desenho.
Mas quem é que queria aquelas coisas assim meiorabiscadas
E eram tantas que aquilo desvalorizava, claroUm homem nu com pés de bode e uma mulher
nua deitada numa camaSó três tracitos, nem sombras, nem curvas, nem
relevo, nem drapeados dos lençóis.
Havia outros que eu gostava maisCantoresPassavam a noite a cantar
17
Ou a tocar balalaikaOs russosDesses eu gostavaTocavam, cantavam, bebiame de madrugada caíam para o lado a dormir
Não davam trabalho nenhum.
A gente nem tinha que se despir, era só ouvi-losAos musicos russos brancostinham saudades da Rússia,da Mãe Rússiae não lhes dava para apalpar, nada,eram muito educadossó cantavam e tocavam balalaika que até me ofere-
ceram duasàs vezes choravamMas baixinho.
Mas espanhóis, havia um que me levantava as saiaspara ver as botinas
Só fazia issoNão queria cornos de bode nem pés de bode, nem
se despiaLevantava-me a saia para ver as botinas
18
E dizia “Ay caray”Se calhar é esseSe calhar é esse, o que me levantava as saias“Ay caray”
Agora já nem há botinas.
E o jantar é mas é com velasQue ainda temos muitasQue havia uma senhora italiana duquesa ou con-
dessaque o pai dela tinha uma fábricaou um comércioe todos os réveillons mandavam um camião com
velasEncarnadas e azuis bandeira francesaEm Itália as marquesas são todas pela GuilhotinaMolto poetica la guillotinaEsta da fábrica das velas dizia “Maximilien, amore
mio” a falar do Robespierre
Não devem ter tido coisa nenhuma um com ooutro
Ela parecia-me mais nova uns cinquenta ou mesmomais anos
19
Era só para se fazer valera marquesa.
Mandava era velastemos cá uma cave inteira,mesmo que as acendêssemos todasnão tínhamos vida para as gastar
E a electricidade está cara
O que ela aumentou desde a GuerraAntes mal caía a noitepelas 4 da tardeacendíamos as luzes todas da casa todaQue a senhora condessa não gostava de carregar
nos interruptoresTinha medo de apanhar um choque.
Ficavam as luzes acesas toda a noite.
Também éramos quase a única casa que tinha luzelectrica em Hyères.
Mesmo em Paris havia poucasE aquilo não custava nadaDizia a senhora condessa
20
Agora o preço aumentou upa upa se aumentouO senhor conde nem vê as contas eu é que vejo
E um jantar no salão duas horas à mesaA comida, mesmo que seja só um prato,que o senhor conde tem uma dieta por causa do
colesterol que anda muito altoe o senhor que o vem visitar o espanholespero que não seja o tal pequenito e entroncadoque punha pés de bodeo espanhol que cá vem hojetambém saiu do hospital há menos de um mês, foi
o que ele disse
mais os vinhos os cognacs — ainda deve haver —anis ainda havia seis garrafas
e sobretudo a luz electricaé um balúrdio.
Fazemos com velasE no escritório do senhor conde, não acha bem,
senhor conde?(Silêncio)E o que é que me diz?Uma pescadinha cozida?
21
Ou galinhola, pintada, perdizMas só cozida que, já se sabe, o colesterol…?