EXPERIÊNCIAS CAMPONESAS DE PRODUÇÃO ALTERNATIVA DE ENERGIA ... · ALTERNATIVA DE ENERGIA E...
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Câmpus de Presidente Prudente
Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio: UNESP/INCRA/PRONERA
Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes
EXPERIÊNCIAS CAMPONESAS DE PRODUÇÃO ALTERNATIVA DE ENERGIA E ALIMENTOS NO
ASSENTAMENTO PIRITUBA (Município Itapeva – SP)
NILCÉIA PEREIRA DE PAULA
Trabalho de Monografia apresentado ao Curso Especial de Graduação em Geografia (CEGEO), realizado por meio de convênio entre UNESP/INCRA/PRONERA, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano
Monitor: Sidney Castro Todescato Leal
Presidente Prudente, 2011
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EXPERIÊNCIAS CAMPONESAS DE PRODUÇÃO ALTERNATIVA DE ENERGIA E ALIMENTOS NO
ASSENTAMENTO PIRITUBA (Município Itapeva – SP)
NILCÉIA PEREIRA DE PAULA
Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Felician
Monitor: Sidney Castro Todescato Leal
Presidente Prudente, 2011
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NILCÉIA PEREIRA DE PAULA
EXPERIÊNCIAS CAMPONESAS DE PRODUÇÃO ALTERNATIVA DE ENERGIA E ALIMENTOS NO
ASSENTAMENTO PIRITUBA (Município Itapeva – SP)
Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da FCT - UNESP, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano
Prof.(a) Dr. (a)_____________________________
Prof.(a) Dr.(a) _____________________________
Presidente Prudente, novembro de 2011
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Resumo
No atual estágio de desenvolvimento da sociedade capitalista, o suprimento das necessidades básicas para garantia das condições apropriadas de vida e trabalho nas comunidades rurais, como o fornecimento de energia para o desenvolvimento das atividades produtivas, tem sido monopolizado por um número pequeno de empresas que tem certa liberdade para impor sua política de preços e de acesso pelas famílias consumidoras, característica do modelo de Estado neoliberal. Neste sentido, o campesinato brasileiro tem buscado meios alternativos para suprir suas demandas, com experiências que beneficiam todo o ciclo produtivo nos territórios camponeses, o que reflete na qualidade de vida para as famílias com as melhorias nas condições de produção. As experiências concretas de produção alternativa de energia em assentamentos da reforma agrária têm dinamizado a economia familiar camponesa. O Biodigestor é um exemplo interessante tratado neste trabalho. O acesso a experiências como esta têm sido possível por meio da atuação dos movimentos socioterritoriais e organizações de apoio as comunidades camponesas, nacionais e estrangeiras. Nos assentamentos da Fazenda Pirituba, situada entre os municípios de Itapeva, Itararé e Itaberá, estado de São Paulo, algumas experiências estão consolidadas e outras estão dependendo dos investimentos apropriados para terem continuidade. O avanço na busca por alternativas de luta e resistência camponesa é fundamental em um cenário de disputa territorial por modelos distintos de desenvolvimento para o campo, agravado pela falta de empenho do Estado no enfrentamento da Questão Agrária.
Palavras-chave: Questão Agrária; Campesinato; assentamentos; resistência camponesa; soberania.
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Resumen
En el actual estadío de desarrollo de la sociedad capitalista, el aprovisionamiento de las necesidades básicas para la garantía de las condiciones apropiadas de vida y trabajo en las comunidades rurales, como el abastecimiento de energía para el desarrollo de las actividades productivas, han sido monopolizadas por un número pequeño de empresas que tienen cierta libertad para imponer su política de precios y de acceso por parte de la familias consumidoras, característica del modelo de estado neoliberal. En este sentido, el campesinado brasileño ha buscado medios alternativos para suplir las demandas, con experiencias que benefician todo el ciclo productivo en los territorios campesinos, lo que se refleja en la calidad de vida de las familias con la mejoría en las condiciones producción. Las experiencias concretas de producción alternativa de energía en asentamientos de la Reforma Agraria, han dinamizado la economía familiar campesina. El biodigestor es un ejemplo interesante tratado en este trabajo. El acceso a experiencias como esta ha sido posible por medio de la actuación de los movimientos socio-territoriales y organizaciones de apoyo a las comunidades campesinas, nacionales y extranjeras. En los asentamientos de la Hacienda Pirituba, sita entre los municipios de Itapeva, Itararé y Itaberá, estado de São Paulo, algunas experiencias están consolidadas y otras dependen de los montos de inversión apropiados para que tengan continuidad. El avance en la búsqueda de alternativas de lucha y resistencia campesina es fundamental en un escenario de disputa territorial por diferentes modelos de desarrollo para el campo, agravado por la falta de empeño del Estado en el enfrentamiento de la cuestión agraria.
Palabras clave: Pregunta agraria; el campesinado; los asentamientos; la resistencia campesina; la soberanía
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ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Estrutura Fundiária no Brasil – 2003/2010 19
Tabela 2 - Brasil / São Paulo – Mudanças na estrutura fundiária – 1992/2010 25
Tabela 3 - Brasil / São Paulo – Números da Reforma Agrária – 1992/2010 25
Tabela 4 - São Paulo – Assentamentos da Fazenda Pirituba 50
ÍNDICE DE MAPAS
Mapa 1 – Brasil - Geografia das ocupações de terra – 1988/2010 – Número de famílias
18
Mapa 2 – Brasil – Geografia dos Movimentos socioterritoriais – 2000/2010 Número de famílias em ocupações – por município
20
Mapa 3 – Brasil – Políticas de Obtenção de terras – 1985/2009 22
Mapa 4 – São Paulo – Geografia das ocupações de terras – 1988/2008 Municípios com ocorrência de ocupações
26
Mapa 5 – São Paulo – Itapeva, Itararé e Itaberá 28
ÍNDICE DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 – Motor adaptado 40
Fotografia 2 – Reservatório de óleo de Girassol 40
Fotografia 3 – Plantação de Girassol 41
Fotografia 4 – Triturador 41
Fotografia 5 – Placa informativa 45
Fotografia 6 – Sede da escola técnica 42
Fotografia 7 – Instalação das placas 43
Fotografia 8 – Nascente 44
Fotografia 9 – Roda d’água 44
Fotografia 10 – Reservatório 44
Fotografia 11 – Biogás para cozinhar 47
Fotografia 12 – Biofertilizante no cultivo do abacaxi 47
Fotografia 13 – Abastecendo o biodigestor 48
Fotografia 14 – Dejetos suínos 48
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Fotografia 15 – Câmara de biodigestão 49
Fotografia 16 – Canalização do biogás 49
Fotografia 17 – Barris de armazenagem 54
Fotografia 18 – Batedouro de açúcar 54
Fotografia 19 – Bagaço da cana na alimentação animal 54
Fotografia 20 – Cultivo diversificado 57
Fotografia 21 – Placa indicando as culturas 57
Fotografia 22 – Bananeira 57
Fotografia 23 - Diversificação de culturas 57
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Biodigestor – Modelo indiano 46
Figura 2 – Ciclo Biodigestor no PA Pirituba 52
LISTA DE SIGLAS OMC Organização Mundial do Comércio
BM Banco Mundial
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
DATALUTA Banco de Dados da Luta pela Terra
PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
CPT Comissão Pastoral da Terra
CNBB Comissão Nacional dos Bispos no Brasil
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
FETRAF Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar
MLST Movimento de Libertação dos Sem Terra
SAA Secretaria de Agricultura e Abastecimento
PAA Programa de Aquisição de Alimentos
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ITESP Fundação Instituto de terras do Estado de São Paulo
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
SAF Sistema Agroflorestal
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
COPAVA Cooperativa Vó Aparecida
CEB’s Comunidades Eclesiais de Base
PT Partido dos Trabalhadores
CUT Central Única dos Trabalhadores
PDC Partido Democrata Cristão
IAF Instituto de Assuntos Fundiários
SAA Secretaria de Agricultura e Abastecimento
COAPRI Cooperativa dos Agricultores da Região de Itapeva
ONG Organização Não Governamental
UNICAMP Universidade de Campinas
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
PDS Projeto de Desenvolvimento Sustentável
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1 - OBJETIVOS.................................................................................................................................12
1.1 Objetivo geral ...........................................................................................................................12
1.2 Objetivos específicos................................................................................................................12
2 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................................12
3 - A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL E A LUTA PELA TERRA NO ESTADO DE SÃO PAULO ..............................................................................................................................................14
3.1 - A questão agrária e a formação do MST no estado de São Paulo .........................................23
3.2 - O PROCESSO DE CONQUISTA DA FAZENDA PIRITUBA ...........................................28
3.2.1 - Ocupações, conflitos e o processo de territorialização do MST em Itapeva ......................28
4 - DEBATE SOBRE SOBERANIA ENERGÉTICA E SOBERANIA ALIMENTAR NO CONTEXTO DA REFORMA AGRÁRIA........................................................................................34
5 - ALTERNATIVAS DO CAMPESINATO PARA PRODUÇÃO ENERGÉTICA E ALIMENTAR NO ASSENTAMENTO PIRITUBA.........................................................................38
5.1 - Experiências acumuladas de produção energética e alimentar ..............................................40
5.1.1 - Produção de Girassol.......................................................................................................40
5.1.2 - Curso técnico em Agroecologia ......................................................................................41
5.1.3 - Aquecedor solar...............................................................................................................42
5.1.4 - Roda d água .....................................................................................................................43
5.2 - Experiências concretas de produção alternativa de energia e alimentos ...............................44
5.2.1 - Biodigestores ...................................................................................................................45
5.2.2 - Microdestilaria.................................................................................................................53
5.2.3 - Sistema Agro-florestal (SAF)..........................................................................................55
6- Considerações Finais .....................................................................................................................58
7 - Referências bibliográficas ............................................................................................................60
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INTRODUÇÃO
A atual conjuntura da questão agrária coloca para a sociedade um importante e urgente
debate a respeito do modelo de desenvolvimento a ser adotado no campo brasileiro. Existe uma
disputa territorial entre dois modelos distintos: a agricultura camponesa, que defende a produção de
alimentos saudáveis, sob bases agroecológicas, a valorização do trabalho familiar, o respeito ao
meio ambiente, a soberania alimentar dos povos, e a agricultura capitalista, que apregoa a
valorização do mercado mundial de alimentos, sob os ditames de organismos internacionais e
produção regulamentada pela lógica do mercado capitalista, o que pode induzir às monoculturas e
conseqüente agressão ao meio ambiente (THOMAZ JR, 2008).
A crescente produção dos agrocombustíveis na América Latina, por exemplo, têm
significado uma importante estratégia de reprodução ampliada do capital no campo, de sujeição da
renda da terra ao capital (PORTO-GONÇALVES, 2008). Este processo expressa uma articulação
política e econômica do agronegócio, que se apropria de um discurso desenvolvimentista para
aumentar a produção de comoditties para o mercado mundial, que se converterão em energia
combustível, em ração animal para criações em países centrais, em detrimento da produção de
alimentos para suprir as demandas internas das nações (THOMAZ JR, 2008).
Não há soberania energética nem alimentar nesse processo, porque com o estabelecimento
de políticas neoliberais na produção e comercialização, a agricultura camponesa perde muitas vezes
o poder de decisão do que e como produzir, tanto em relação à energia como no caso dos alimentos,
se subordinando as oscilações do mercado capitalista (THOMAZ JR, 2008). O território camponês
se vê cada vez mais acuado, mas ao mesmo tempo cada vez mais instigado a apresentar novas
alternativas e lutar para fortalecer seu território.
Pretendemos com este estudo refletir sobre a viabilidade de um modo de produzir que
estabeleça de forma equilibrada as relações sociais e ambientais, e que consiga se aproximar dos
conceitos de soberania energética e alimentar, como trataremos no decorrer do texto.
A base empírica para essa reflexão está nos assentamentos da Fazenda Pirituba, localizados
em Itapeva-SP, abarcando também os limites dos municípios de Itararé e Itaberá, no Sudoeste do
Estado. Queremos mostrar como uma parte dos assentados vive e trabalha nestes assentamentos,
entendendo como enfrentam concretamente os problemas gerados pelo fato de estarem inseridos em
um contexto de predominância da agricultura capitalista, com produção realizada de modo não
sustentável, desvalorizando o trabalho e a vida, a natureza, e o cumprimento da função social da
terra em todas as suas dimensões.
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Diante deste cenário, os movimentos sociais se deparam com a responsabilidade de refletir
e apresentar propostas para construção de políticas que rompam com esse modelo que é potencial
destruidor da natureza, e em conseqüência do homem.
Por fazer parte da luta do MST, ligado a Via Campesina, e por ter participado dos debates
desde o início do assentamento do qual sou moradora no município de Itapetininga - SP, ao discutir
as formas de organização de assentamentos verifiquei a importância de se dedicar um estudo mais
aprofundado à realidade das comunidades que propõem alternativas para construção da soberania
energética e alimentar. Os camponeses têm condições de trabalhar em conjunto, em um sistema de
cooperação a partir de práticas concretas que beneficiam diretamente as famílias assentadas, como
nos assentamentos estudados nesta pesquisa, exemplo que pretendo levar para Itapetininga.
Portanto, neste estudo buscamos analisar as alternativas de produção energética e
alimentar, (Biodigestores, Sistemas Agro-florestais (SAF’s), Micro Destilaria de cana-de-açúcar)
em duas áreas do Assentamento Fazenda Pirituba, na região de Itapeva, que se coloca cada vez mais
como um desafio para a população assentada.
O trabalho esta dividido em três capítulos, mais a introdução, objetivos, procedimentos
metodológicos, considerações finais e referências. No capítulo 3, discutimos a respeito da
atualidade da questão agrária no Brasil procurando compreender um pouco da luta pela terra neste
contexto, a atuação dos movimentos socioterritoriais e a implantação dos assentamentos no Brasil,
trazendo a escala de análise também para o estado de São Paulo. Enfatizamos também o processo
de conquista da Fazenda Pirituba, área onde foram implantados os assentamentos, procurando
contextualizar a questão agrária estadual no período, considerando a territorialização e atuação do
MST na região de Itapeva – SP e os conflitos daí resultantes.
No capítulo 4 procuramos debater de modo sucinto sobre os conceitos de soberania
alimentar e energética, para possibilitar as leituras de como as experiências resultantes da
necessidade de resistência do campesinato se aproximam, ou se sustentam nestes conceitos.
O capítulo 5 está dividido em duas partes. Na primeira apresentamos as experiências
acumuladas como alternativas de fortalecimento do projeto de assentamento, a partir do cultivo e
processamento do Girassol, dos caminhos encontrados no interior do curso de agroecologia, dos
benefícios das placas solares e da roda d’agua para geração de energia. Contudo, estas experiências
estão dependendo de maior investimento para se manterem funcionando, o que não acontece ainda,
podendo se tornar definitivamente obsoletas. Na segunda parte apresentamos as experiências
concretas de produção alternativa, que podem conferir um ciclo produção que reflete na geração de
energia e melhorias no manejo das lavouras e criação de animais, com o aproveitamento dos
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resíduos gerados no processo. No final inserimos as considerações finais e as referências
bibliográficas
1 - OBJETIVOS
1.1 Objetivo geral
Indicar e analisar experiências de produção energética e alimentar desenvolvidas por
famílias dos assentamentos da Fazenda Pirituba, região sudoeste do Estado de São Paulo. Com isso
pretendemos compreender a organização camponesa forjando relações que se contrapõe à lógica
capitalista nessa fração do território.
1.2 Objetivos específicos
- refletir sobre a territorialização do campesinato e dos conceitos de soberania energética e
alimentar;
- identificar as posições e propostas de parte dos assentados de Itapeva acerca das estratégias
de produção energética e alimentar;
- apresentar e discutir os processos alternativos de produção agrícola, articulando a
produção de alimentos e a de energia (anaeróbica, solar, hidráulica etc.).
2 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O desenvolvimento deste trabalho baseou-se em dois procedimentos essenciais. A pesquisa
do referencial teórico sobre a questão agrária reforma agrária, luta pela terra, política de
assentamentos, movimentos socioterritoriais, soberania alimentar e soberania energética, em escala
nacional, estadual e local, e a pesquisa de campo, que se concretizou por meio das entrevistas com
as famílias assentadas e observações.
O trabalho de campo foi realizado por meio de entrevistas com questionário aberto, e os
seguintes procedimentos: No assentamento agrovila III, onde fica a sede da Cooperativa Vó
Aparecida (COPAVA), primeiro entrevistamos o representante da cooperativa, no sentido de fazer
uma contextualização da forma de organização do assentamento. A segunda entrevista foi realizada
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com uma família que é beneficiada pelo Biodigestor. Conhecemos o biodigestor, verificamos como
funciona, e observamos os benefícios proporcionados às famílias assentadas.
Na agrovila I, foi entrevistada a família do Sr. João Boeiro, a terceira entrevista, na qual
tratamos do Sistema Agroflorestal, (SAF). Em seguida visitamos o lote, conhecemos a forma da
organização da produção e como funciona o SAF, que possui um modo interessante de produção
com o consorciamento de culturas.
Na agrovila III foi realizada entrevista com uma família que não é beneficiada pelo
Biodigestor, para compararmos as duas realidades. Durante o trabalho de campo foram feitas
diversas fotos, e com um gravador realizamos as entrevistas. Na sistematização da pesquisa as
gravações foram ouvidas várias vezes, para que a transcrição fosse elaborada com qualidade,
possibilitando melhor interpretação das informações.
Os mapas inseridos no trabalho foram elaborados por meio do software de cartomática
PhilCarto 4.5, com os tratamentos finais realizados no CorelDraw X4. As tabelas e gráficos foram
elaboradas no Exel.
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3 - A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL E A LUTA PELA TERRA NO ESTADO DE SÃO PAULO
No Brasil, desde os primeiros momentos da ocupação colonial, a apropriação se dava a
partir da necessidade de se realizar feitorias no litoral brasileiro, nos trinta primeiros anos do século
XVI, que formaram os embriões de nossas primeiras cidades (Azevedo, 1992) e representavam
marcadamente a presença do colonizador e a efetivação da posse portuguesa, presença esta,
marcada muitas vezes pela luta e pelo conflito.
Os trabalhadores do campo no Brasil foram desfavorecidos em momentos importantes da
história, quando ficaram à margem do processo que resultou em privilégios fundiários concedidos
pela coroa portuguesa à parcela reduzida da sociedade, com as capitanias hereditárias e concessão
de sesmarias. Foram definidamente impedidos de acesso a terra com a Lei de Terras (1850), que
legalizou a posse dos grandes fazendeiros e instituiu a compra como a alternativa, pretendendo
garantir mão-de-obra nas fazendas, elemento fundamental para garantir a acumulação de riquezas
com o fim da escravidão em 1888. (MARTINS, 1981).
Segundo Martins (1981) o camponês brasileiro em geral é forçadamente um migrante,
sempre em busca de um território em função dos constantes conflitos com latifundiários e outros
sujeitos do capital, quando não se submete a relações de trabalho degradantes no campo onde
muitas vezes são nulas as perspectivas de melhoria e possível acesso a terra. Durante o século XX
foram muitos os conflitos fundiários no campo brasileiro, com momentos em que os camponeses
estiveram entregues a própria sorte, acometidos muitas vezes pela iniqüidade dos coronéis nos
rincões do país, e quando revoltosos fortemente reprimidos pela força do Estado.
O conjunto de problemas criados no desenvolvimento da agricultura e da pecuária na
sociedade capitalista é o que podemos entender por questão agrária (FERNANDES, 2000, p. 46).
No Brasil o problema está também diretamente relacionado com a concentração da estrutura
fundiária, onde o latifúndio e o avanço da agricultura capitalista são os principais responsáveis
pelos processos de expropriação, desemprego para os trabalhadores assalariados no campo e
desterritorialização de famílias camponesas tradicionais que não possuem um instituto jurídico legal
para protegerem seu território, são posseiros. Neste sentido, restam-lhe apenas a luta pela terra, pelo
território.
A luta pela terra e resistência camponesa se dá de maneiras diversas. Muitas famílias
camponesas que são expulsas do campo, desterritorializadas, procuram se organizar e lutar pela
terra, em movimentos socioterritoriais, outras migram para outras regiões ou se instalam nas
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periferias das cidades. As que se organizam nos movimentos constroem e participam de novas
realidades, em ação conjunta com outras instituições e organizações sociais, comprometidas com a
luta e proteção dos territórios dos trabalhadores excluídos do processo produtivo no campo.
Fernandes (1994) explica a riqueza deste processo de organização e luta popular:
São as múltiplas experiências de organização que dão forma social às lutas populares, e nestas são construídas novas práticas. As perspectivas nascem dos desafios e da necessidade de superá-los. Esse processo é desenvolvido no cotidiano dos trabalhadores através da participação, da comunicação, da troca de idéias e das experiências, da busca do novo. O novo se explicita pela criação da práxis, da resistência e controle sobre o seu próprio espaço. Assim procuram as saídas, as alternativas, para uma realidade determinada. Estas são encontradas na construção de novas realidades, na conquista de novos espaços. (FERNANDES, 1994, p.84).
Na década de 1980, vários militantes do Partido dos Trabalhadores (PT), militantes e
participantes das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), ligados à Comissão Pastoral da Terra
(CPT) e os trabalhadores rurais sem terra tornaram-se uma força de estratégia para a luta. Em 1985
surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o que fez com que a demanda de
famílias sem terra passasse a ser aglutinada por esse movimento.
Nesse momento de ruptura e desafios às instituições convencionais, os trabalhadores rurais construíram uma nova forma de organização social. As lutas populares que se desenvolveram nesse período contribuíram muito nas mudanças das estruturas tradicionais das organizações políticas, principalmente da Igreja Católica, do "novo sindicalismo" representado pela CUT e na construção do Partido dos Trabalhadores (PT). Estas instituições foram no transcorrer do tempo, as principais matrizes político-culturais do movimento de trabalhadores rurais que emergia. (FERNANDES, 1994, p.59).
Este movimento que emergia iria se transformar na principal força de luta pela terra no
país, que mobilizaria milhares de famílias em torno do objetivo de lutar por um novo modelo de
sociedade, que vai além do acesso a terra, da desconcentração da estrutura fundiária. A luta pela
reforma agrária é também uma das formas de garantir uma vida digna com direito a crédito para
produção, moradia, educação de qualidade, saúde e acesso a cultura.
No entanto, muitos outros movimentos surgiram em diferentes regiões do país, a partir de
concepções modificadas do problema, mas com objetivos comuns. Surgiram sindicatos variados,
federações, organizações civis, movimentos indígenas, dentre outros.
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No gráfico 1 observamos o número de famílias envolvidas em ocupações de terra entre
1988 e 2010, para uma rápida análise do avanço e retrocesso da luta pela terra no Brasil, que variou
de acordo com situações específicas na conjuntura da questão agrária.
Partindo de 1988, quando acabara de entrar em vigor o I Plano Nacional de Reforma
Agrária (PNRA), observamos o avanço vertiginoso das famílias em ocupações do início do governo
FHC até 1999, quando houve uma queda brusca em função do aumento da repressão aos
movimentos, característica deste governo, que chegou a instituir a medida provisória 2109-52, que
impedia a desapropriação de áreas ocupadas e tirava dos eventuais ocupantes o direito
constitucional á reforma agrária.
Com a posse de Lula novamente cresceu a participação das famílias sem terra nas
ocupações, pois os movimentos consideraram que seria a oportunidade de realização da reforma
agrária. Contudo, novamente diminuíram as ocupações a partir de 2005, em virtude de uma
conjuntura em que o governo Lula considerado “amigo” dos movimentos avançou nas áreas
econômica e social, o que pode ter influenciado na queda da luta pela terra, como o aumento dos
empregos formais disponíveis no mercado e as políticas assistencialistas que deram a muitas
famílias a possibilidade de sobrevivência longe das lutas.
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No mapa 1 apresentamos a espacialização da luta pela terra, com o número de famílias em
ocupações, disponibilizados pelo Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA) em relatório1
divulgado anualmente com os dados e informações a respeito da questão agrária brasileira.
Observamos que o maior número de famílias em ocupações se concentra em regiões como o Pontal
do Paranapanema – SP, Oeste do Paraná, Sul do Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Leste do Pará,
região central do Brasil e Nordeste em geral.
1 Ver em: http://www4.fct.unesp.br/nera/projetos.php
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O MST é o principal movimento de luta e resistência camponesa em atividade no Brasil, o
que consegue mobilizar a maior parte das famílias camponesas a serem (re) territorializadas como
também as interessadas em iniciar a vida em um lote de terra para cultivo. É o movimento que tem
mais representatividade e visibilidade em função de sua organização e por enfrentar diretamente a
hegemonia estabelecida pelas classes que tem seus interesses protegidos pelo Estado e diretamente
relacionados ao modelo de produção capitalista.
No mapa 2 expomos a influência dos movimentos, federações e organizações sociais e
sindicais na mobilização das famílias em ocupações de terras. O mapa aponta o MST como
principal movimento de luta pela terra no Brasil.
Contudo, mesmo com a realidade da luta pela terra e implantação de 8.870 projetos de
assentamentos no país (DATALUTA, 2011), a estrutura fundiária continua concentrada.
Na tabela 1 podemos observar as mudanças da estrutura fundiária na última década, o que
ratifica nossas afirmações sobre a concentração de terras no Brasil, que avançou ao invés de
retroceder. A reforma agrária ainda não conseguiu impactar a estrutura fundiária. As políticas
fundiárias são insuficientes, a obtenção de terras para a reforma não é mais predominantemente
desapropriatória, a correlação de forças contraria ao processo reformista reúne força política e
ideológica suficiente para retardar e desqualificar os objetivos dos movimentos socioterritoriais, que
tem somente na luta a possibilidade de resistir. Observamos que cresceu o número de grandes
propriedades improdutivas, e foi a que teve o maior incremento de área no período analisado.
Tabela 1 – Estrutura Fundiária no Brasil – 2003/2010
Classificação Imóveis
2003 2010 Crescimento da área por setor 2010/2003 Número Área (há.)
Peso s/área total
Número Área(há.) Peso s/área
total
1. Minifúndio 2.736.052 38.973.371 9,3% 3.318.077 46.684.657 8,2% 19,7%
2. Pequena Propriedade 1.142.937 74.195.134 17,7% 1.338.300 88.789.805 15,5% 19,7%
3. Média Propriedade 297.220 88.100.414 21,1% 380.584 113.879.540 19,9% 29,3%
4. Grande Propriedade 112.463 214.843.865 51,3% 130.515 318.904.739 55,8% 48,4%
a) Improdutiva 58.331 133.774.802 31,9% 69.233 228.508.510 (40,0%) 71,0%
b) Produtiva 54.132 81.069.063 19,4% 61.282 90.396.229 (15,8%) 11,5%
5. Total- Brasil 4.290.482 418.456.641 100% 5.181.645 571.740.919 100% 36,6%
Fonte: Cadastro do INCRA – Classificação segundo dados declarados pelo proprietário – e de acordo com a Lei Agrária/93. Organização:Teixeira (2011)
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Discutir a questão agrária é também questionar a propriedade que não cumpre a função
social da terra, que está vinculada à produtividade, à questão ambiental, a manutenção do trabalho
escravo, dentre outras questões. Como o índice de produtividade não foi atualizado como prevê o
Artigo2 11 da Lei n° 8.629/93, que seria alterado de acordo com a melhoria das técnicas, o
desenvolvimento econômico e conseqüente aumento da capacidade de produção, os movimentos
atualmente têm utilizado novas estratégias para enfrentar o latifúndio e o agronegócio, como as
questões ambientais e trabalhistas, como explicamos acima. A força jurídica que tem a classe
ruralista sobre a propriedade privada da terra impede que os latifúndios sejam extirpados, e os
processos de desapropriação levam muitas vezes longo tempo para serem julgados.
A luta pela terra tem no Brasil papel fundamental para o desenvolvimento das políticas de
reforma agrária, que está modificada em virtude de novas estratégias de resistência da classe
interessada no desenvolvimento ampliado do capital no campo, fazendo com que o enfrentamento
do Estado à questão agrária perca a força que vem há tempos reduzida. Para Fernandes (2010) a
reforma agrária está sendo reconceitualizada no atual contexto, pelo crescimento das políticas de
incorporação de terras para criação dos projetos de assentamento, onde as desapropriações de terra
passaram de política prioritária de obtenção de terras no I PNRA para política coadjuvante no II
PNRA de outubro de 2003. Políticas como regularização de terras, tanto de posseiros como de
outros sujeitos envolvidos no processo, e de reordenação fundiária se tornaram recorrentes, o que
infla os números da reforma agrária mais não desconcentra a estrutura fundiária. (OLIVEIRA,
2006). No mapa 3 podemos observar de que modo vêm sendo utilizadas as políticas de obtenção e
de incorporação de terras no território em escala nacional.
As desapropriações e compra de terras predominam em regiões de maior incidência de
conflitos por terra, enfrentando diretamente o latifúndio e o agronegócio. O reconhecimento de
terras, onde o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) por meio do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) reconhece os assentamentos criados por estados e
municípios para que as famílias possam acessar as políticas federais de desenvolvimento para os
assentamentos, se concentra em regiões como o Pontal do Paranapanema, Vale do São Francisco,
sul do Mato Grosso do Sul, Maranhão e sul do Rio Grande do Sul.
Como foi possível observar, o MST é o principal movimento de luta pela terra no Brasil, o
que torna importante conhecermos a maneira que surgiu e se consolidou no estado de São Paulo,
pois é neste que se encontram os assentamentos estabelecidos na antiga fazenda Pirituba, recorte
2 Art. 11. Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional, pelos Ministérios de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura e do Abastecimento, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola.
22
territorial analisado na pesquisa, localizados no município de Itapeva e onde se encontram as
experiências de produção alternativa nas quais se baseou a pesquisa.
23
3.1 - A questão agrária e a formação do MST no estado de São Paulo
Em meados da década de 80, diversas experiências de luta dos camponeses já faziam parte
da história do país, por exemplo: as Ligas Camponesas na Bahia, a Revolta do Contestado em Santa
Catarina, Trombas e Formoso em Goiás, dentre outramobilizações, que culminaram na
desterritorialização dos trabalhadores camponeses e conseqüente expansão do latifúndio e avanço
do capital no campo (MARTINS, 1981). A partir destes fatos, começa a se organizar uma forte
militância estabelecida em sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos de esquerda e Igreja
Católica, discutindo a urgência da questão agrária (FERNANDES, 1994).
Neste contexto, em âmbito nacional surge um movimento de massa com forte caráter
político e social que se oficializa como Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
No estado de São Paulo a situação dos camponeses era semelhante a outros estados do sul e sudeste
deste país. Os conflitos por terra que aconteciam na região de Andradina, Sumaré e Itapeva,
influenciaram para o início do movimento em São Paulo, que hoje é um das principais forças de
integração camponesa do país. Segundo Fernandes (1994)
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nasceu em um processo de enfrentamento e resistência contra a política de desenvolvimento agropecuário, implantada durante o regime militar. Esse processo é entendido no seu caráter mais geral, na luta contra a expropriação e contra a exploração do desenvolvimento do capitalismo. (FERNANDES, 1994, p.57).
Nesta década, a violência contra os trabalhadores do campo avançava, muitos eram
expulsos da terra, e poder judiciário legitimava muitas vezes a grilagem. A primeira ocupação de
terra aconteceu na região de Andradina, na Fazenda Primavera, em seguida no município de
Itapeva, Fazenda Pirituba, que se tornou a primeira conquista de assentamento no Estado. Os
assentamentos foram fruto das lutas e resistência das famílias com a perspectiva de permanecer no
campo com suas atividades agrícolas (FERNANDES, 1994).
A questão agrária no estado de São Paulo sempre foi assunto complexo. Na tentativa de
minimizar o problema, o governo cria a partir da década de 1960 várias secretarias, institutos,
coordenadorias, departamentos, que em 1991 foram substituídas pela Fundação Instituto de Terras
do Estado de São Paulo (ITESP), vinculado à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania,
elaborado pela lei 10.207, de 08 de janeiro de 1999, e regulamentado pelo decreto 44.294, de 04 de
outubro de 1999, tendo como objetivo executar as políticas agrárias e fundiárias no Estado. A
proposta do ITESP era atender as questões fundiárias, geradoras de conflitos surgidos desde a
24
década de 1960 e que até então eram apenas administradas pelos governos, sem ter uma política
definida sobre essa temática.
Desde então, os conflitos por terra foram cada vez mais volumosos, com denúncias sobre
grilagem, massacres e assassinatos de trabalhadores rurais, como também trabalho escravo. Porém,
mesmo com as denúncias, faltou empenho do poder público e os conflitos continuaram. Toda a ação
dos trabalhadores, como ocupação ou manifestações, encontrava repressão violenta do Estado, por
meio de força policial. Cabe ressaltar que os entendimentos a respeito das políticas agrárias a serem
implantadas variam entre as diferentes escalas do poder público, municipal, estadual e federal.
Neste sentido, o governo do Estado de São Paulo agiu de acordo com suas concepções a respeito do
assunto, o que se traduziu em uma conjuntura não favorável aos trabalhadores rurais e a reforma
agrária.
Diante deste difícil contexto, a reforma agrária fica estagnada, aguardando decisão política
e judiciária, ganhando apenas com a conquista de alguns assentamentos. Ainda há milhares de
camponeses expulsos do campo, que estão em acampamentos lutando para conquistar um lote de
terra. As políticas de criação de assentamentos não dão conta de prover o acesso a terra as famílias
acampadas, pois se tratam principalmente de incorporação de terras e reordenação fundiária. Muitas
famílias abandonaram os acampamentos no governo Lula, pois não enxergaram perspectivas de
acesso a terra pela forma como a reforma agrária vem sendo conduzida.
Na tabela 2 expomos as mudanças na estrutura fundiária comparando o estado de São
Paulo e o Brasil. O crescimento no número de imóveis rurais pode ser objeto de algumas reflexões.
Observamos este crescimento a partir de 1992, tanto no estado de São Paulo como no restante do
Brasil. Sabendo que os territórios da reforma agrária não estão inseridos nestes números, pois são
terras públicas concedidas em regime de concessão de uso real, e que a titulação definitiva dos lotes
é praticamente inexpressiva dentro do contexto de emancipação dos assentamentos, podemos,
mesmo sabendo que existem outras possibilidades envolvidas, relacionar o avanço do número de
imóveis rurais à disputa territorial entre modelos distintos de produção no campo. Dificilmente os
imóveis registrados neste período foram destinados à produção camponesa.
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Tabela 2 – Brasil / São Paulo – Mudanças na estrutura fundiária – 1992/2010
Ano Nº de Imóveis % Área (ha) %
SÃO PAULO
1992 243.876 8,34 16.865.885,80 5,44
1998 300.738 8,39 19.655.934,00 4,73
2003 372.963 8,69 20.326.446,80 4,86
BRASIL
1992 2.924.204 100 310.030.752,20 100
1998 3.586.525 100 415.548.885,60 100
2003 4.290.531 100 418.483.332,30 100
2010 5.181.645 100 571.740.919 100 Fontes: Banco de Dados da Luta pela Terra, 2011. (DATALUTA). INCRA, 2011.
Na tabela 3 estão os números da reforma agrária, para compararmos tanto no caso
específico de São Paulo como em escala nacional. Observamos a diferença entre os números da
reforma agrária e o número de propriedades rurais de particulares, que, todavia, podem ter diversas
relações envolvidas. Se compararmos o avanço da reforma agrária em São Paulo com o Brasil,
verificamos a dificuldade de realização da reforma agrária no Estado, que não avançou de modo
proporcional ao Brasil.
Tabela 3 – Brasil / São Paulo – Números da Reforma Agrária – 1992/2010
Ano Nº de
assentamentos % Área (ha) %
SÃO PAULO
1992 14 1,6 49.035 0,3
1998 76 2,3 136.683 0,5
2003 162 2,9 236.201 0,5
2010 248 2,8 333.344 0,4
BRASIL
1992 856 100 16.892.558,00 100
1998 3.287 100 29.877.961,00 100
2003 5.601 100 43.447.728,00 100
2010 8.870 100 88.470.693 100 Fonte: Banco de Dados da Luta pela Terra, 2011. (DATALUTA)
O Estado de São Paulo é o mais desenvolvido economicamente do país, e possui uma forte
classe de latifundiários com interesses protegidos pelos políticos ruralistas, que se tratam muitas
vezes de grandes proprietários de terra. Estes são também os responsáveis pela força política do
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agronegócio no Estado. Portanto, estes são fatores que ratificam a importância da atuação do MST
como dos outros movimentos no enfrentamento à voracidade da agricultura capitalista.
O desenvolvimento econômico e territorial alcançado pelo estado de São Paulo o remete à
complexas relações de poder e disputa pelos fatores essenciais a esse desenvolvimento, e um deles é
o acesso á terra, onde a disputa por distintos modelos de desenvolvimento para o campo acaba por
transformar o espaço fragmentando os territórios, e modificando a paisagem. No mapa 4,
observamos onde ocorreram ocupações de terra entre 1988 e 2008 e o número de famílias. Podemos
refletir sobre a quantidade de municípios envolvidos na luta pela terra, predominantes no oeste do
estado, principalmente no Pontal do Paranapanema. Todavia, as regiões de Andradina, Ribeirão
Preto e Itapetininga também concentram municípios envolvidos na luta.
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Além do mapa 4, podemos observar no gráfico 2 o número de famílias em ocupações no
estado de São Paulo, com um crescimento expressivo em 1995 e 1999, possivelmente em função do
contexto eleitoral nacional, ou seja, os anos de início do primeiro e segundo mandato de FHC, onde
as lutas aumentaram em todo o país (DATALUTA, 2011). No segundo mandato de FHC houve
forte repressão aos movimentos de luta pela terra, que como dissemos anteriormente, teve grande
influência da medida provisória nº 2109-52, que impedia a desapropriação de áreas ocupadas e
tirava dos eventuais ocupantes o direito constitucional á reforma agrária. De 1999 para 2000 cai
pela metade o número de famílias em ocupações, que se mantém em 2001 e cai novamente no
último ano do governo FHC. Nos dois primeiros anos de mandato de Lula voltam a aumentar,
provavelmente pelo novo contexto político onde os movimentos estavam esperançosos pela
realização da reforma agrária.
Os assentamentos da Fazenda Pirituba estão inseridos neste contexto de difícil atuação dos
movimentos de luta pela terra no estado, que possui uma realidade específica com forte influência
da classe proprietária ruralista sobre as decisões a respeito das políticas agrárias.
Assim como há uma resistência da classe ruralista na disputa pelo território, ainda mais é
dificultosa são as tentativas de implementação e expansão de propostas alternativas de produção de
energia, que possam refletir em melhorias na produção de alimentos, como é o foco dessa pesquisa.
Essas experiências são estratégias importantes na busca pela soberania das comunidades rurais
assentadas, que possibilitará a longo prazo obter melhorias para sociedade em geral.
28
3.2 - O PROCESSO DE CONQUISTA DA FAZENDA PIRITUBA
3.2.1 - Ocupações, conflitos e o processo de territorialização do MST em Itapeva
O processo de conquista da Fazenda Pirituba teve início em um contexto político-agrário
importante para história do estado, que foi o período em que entrou em vigência a Lei de Revisão
Agrária Paulista, cuja execução possibilitou a desapropriação de cinco áreas no Estado de São
Paulo, e entre elas estava a Fazenda Pirituba, localizada entre os municípios de Itapeva, Itararé e
Itaberá, sudoeste do Estado (ver mapa 5 ).
* Múnicipios que abrangem o PA Pirituba.
29
O governo estava sob administração de Carvalho Pinto (1959-1962), que era membro do
Partido Democrata Cristão (PDC), e ex-Secretário da Fazenda do governador Jânio Quadros.
Alguns intelectuais da época afirmam que Carvalho Pinto tinha uma postura “desenvolvimentista e
nacionalista”, porque “entendia que deveria ser quebrado o subdesenvolvimento de uma vez por
todas e que o país deveria ser auto-suficiente, não depender mais do capital estrangeiro”.
(BOMBARDI, 2009, p. 105). Para muitos, Carvalho Pinto era um liberal, que valorizava a livre-
iniciativa, tinha uma postura pró-autonomia e buscava a independência econômica do país.
A Lei de Revisão Agrária, que ainda estava por vir, foi precedida por uma comissão que
iria realizar um estudo para melhor utilização das terras do estado, que tinha como pano de fundo a
expansão agrícola e industrial, “ligada muito mais à idéia de desenvolvimento do que de
transformação social”. (BOMBARDI, 2009, p. 108). Havia, portanto uma proposta de
reestruturação das políticas agrárias, e não uma reforma agrária no sentido de desapropriações e
assentamentos.
Neste sentido, com a reforma agrária ainda fora do plano político, as mudanças propostas
seriam de cunho capitalista, com vistas no desenvolvimento da indústria, onde os novos
proprietários beneficiados pela reestruturação no campo iriam aumentar o consumo de ferramentas,
tratores, adubos, ceifadeiras e assim por diante, estimulando a produção industrial. (STÉDILLE,
1994, p. 309, apud BOMBARDI, 2009, p. 109).
A Reforma Agrária ainda não fazia parte das discussões, o que acontecia naquele momento
não era mais do que a diminuição do imposto para aquisição de pequenas propriedades, valorizadas
em função do abastecimento das cidades. “O que estava posto, portanto, era a idéia da
modernização, a idéia de que a agricultura deveria dar subsídios para o desenvolvimento da
indústria nacional”. (BOMBARDI, 2009, p. 110). Em uma visão mais geral, podemos entender que
no contexto internacional da guerra fria a Lei de Revisão Agrária viria para evitar que algum tipo de
revolução socialista transformasse a sociedade paulista, respondendo a situação de conflito a que
estavam inseridos os trabalhadores rurais em algumas regiões do Estado.
A Lei de Revisão Agrária não colocava em questão a propriedade da terra, mas sim o uso
que era feito dela. Neste sentido, a Lei N. 5994 - de 30 de dezembro de 1960 estabeleceu normas de
estímulo a exploração racional e econômica da propriedade rural.
Porém, a situação de conflito na Fazenda Pirituba se instaura no início da década de 1950,
em função da existência de muitas famílias de camponeses rendeiros no momento em que foi
repassada ao Governo do Estado, pela situação de não quitação das dívidas hipotecárias por parte
da Companhia Agrícola Industrial Angatuba. Em seguida, o Governo “emprestou” a área para que
30
o agrônomo italiano Lino Vicenzi introduzisse o plantio de trigo no estado, que acabou
arrendando as terras a amigos, parentes e parceiros. Segundo Bombardi (2009):
Essa fazenda era uma propriedade de mais de 17 mil hectares e pertencia à Companhia Agrícola e Industrial Angatuba, que não conseguindo saldar dívidas, passou a propriedade ao Estado em 1950. O Estado decidiu por implantar o cultivo de trigo na fazenda e para tanto a entregou para um engenheiro agrônomo italiano, Lino Vicenzi, que instalaria uma colônia de imigrantes italianos para fazerem o cultivo. Ocorreu que a colônia não foi implantada e o engenheiro agrônomo designado pelo Estado arrendou parte dessas terras para amigos, parentes e demais parceiros (RAMOS, 1996). O governador que cedeu essas terras ao agrônomo para que implantasse o cultivo de trigo foi Adhemar de Barros (ABRA, 1985, p. 62). Por cerca de 10 anos Lino Vicenzi arrendou essas terras, e, quando foi aprovada a Lei de Revisão Agrária, elas estavam ocupadas por diversas famílias de parceiros que lá se instalaram. (BOMBARDI, 2009, p. 194).
Dentre as pessoas que foram instaladas na área com a permissão do agrônomo existia um
grupo de pecuaristas que foram chamados pelos camponeses por “boiadeiros”. Já os camponeses
foram forçados a trabalhar como carpinteiros e pedreiros na construção de casas para a colônia de
italianos que chegariam, em troca de permanência na terra, pois a idéia inicial do Governo
Adhemar de Barros (1947-1951) era que Lino Vicenzi implantasse uma colônia para os
trabalhadores italianos que chegariam em São Paulo naquele contexto. Estes fatores demonstram a
situação de conflito que estava instaurada na área, em função da indefinição da situação.
Depois de uma década, as terras públicas que o italiano arrendava foram requeridas pelo governo Carvalho Pinto através da lei de Revisão Agrária (Lei número 5.994 de 31 de dezembro de 1960). Contudo, o Estado foi obrigado "a pagar uma pesada indenização ao italiano, e logo percebe que os tais grandes arrendatários de pastos não tinham a intenção de perder o privilégio. Entre os que resistiram estavam, por coincidência, três filhos de Vincenzi que, a despeito da gorda indenização recebida pelo pai, permaneceram ocupando as terras" (Veiga, 1990, p. 39). (FERNANDES, 1994, p. 101).
As áreas que não foram griladas com a permissão do agrônomo estavam arrendadas para
190 famílias de pequenos lavradores que ali residiam há muitos anos, mediante o pagamento de
foro. Com a retomada onerosa da fazenda com a Lei de Revisão Agrária o Estado procurou
novamente resolver a situação fundiária. Iniciou outro programa de colonização, que previa
regularizar a situação dos lavradores e dos boiadeiros se eles concordassem em ficar com 100
hectares de terra, trabalhando em regime familiar. Com a recusa dos boiadeiros, o Estado tentou
promover ação de despejo, não obtendo êxito.
31
Segundo Fernandes (1994, p. 101), em 1973 o Estado conseguiu reaver parte da fazenda,
que foi denominada gleba Pirituba, que foi dividida em 181 lotes de até 40 alqueires cada. As
irregularidades cometidas pelo agrônomo Lino Vecenzi possibilitaram a permanência das pessoas
das quais beneficiou. Nos anos 80, conhecendo a situação ilegal das terras, um grupo de
lavradores arrendatários decidiu ocupar as áreas ociosas da fazenda, “terras dos boiadeiros-
grileiros”, mas foram despejadas por força policial em 1981. Fernandes (1994) escreve que:
Esta foi a primeira ocupação da década de oitenta e, também, a primeira experiência dos trabalhadores sem terra da região. Com a vitória de Montoro para o governo estadual e a apresentação de novas perspectivas políticas para a resolução do caso da fazenda Pirituba, os trabalhadores fizeram uma nova ocupação no mês de abril de 1983, permaneceram uma semana na terra e foram despejados novamente. (FERNANDES, 1994, p. 102).
Quem realmente sofreu com a situação foram os camponeses que ali estavam
estabelecidos há vários anos, porque a Lei de Revisão Agrária não foi criada em prol dos
trabalhadores rurais, mas sim para reestruturar a produção agrícola em São Paulo, como já foi
dito. Contudo, o impasse gerado pela primeira ocupação na fazenda foi responsável pela criação
da Comissão Intermunicipal de Regularização da Fazenda Pirituba, por meio do Instituto de
Assuntos Fundiários (IAF), que se mobilizou para arrecadar 4.000 hectares de terra e assentar os
trabalhadores sem terra da região. (FERNANDES, 1994, p. 102).
As correlações de força de ambos os lados influenciavam decisivamente o andamento das
negociações, com políticos defendendo os interesses dos grileiros e organizações como a
Comissão Pastoral da Terra (CPT) contribuindo com a organização dos trabalhadores. Portanto, os
camponeses que ali nasceram e cresceram procuraram se organizar formando grupos de famílias
para discutir a situação das terras e dos conflitos. Nesta década, quando está surgindo o MST
essas famílias também se inserem no movimento. Esta organização possibilitou que os
trabalhadores realizassem nova ocupação, em maio de 1984, descrita por Fernandes (1994):
Dessa forma, em 13 de maio de 1984, os sem terra ocupam novamente uma área da fazenda Pirituba, agora com 300 famílias de seis municípios da região e também do Paraná. "Dessa vez os grandes ocupantes não conseguiram providenciar e concretizar os despejos, e recorreram à contratação de jagunços, instalando-se um clima de tensão social na área" (Médici, 1989, p. 99). Diante do conflito iminente, o Estado, através do IAF, teve que agir com rapidez. A Procuradoria Geral do Estado entrou com medida cautelar requerendo o seqüestro de 3.851 hectares. O Juiz da Comarca de Itapeva deferiu o seqüestro, entregando a área para a Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA). Em março de 1985, o Estado teve a sentença definida a seu favor, o que possibilitou o desenvolvimento do Projeto de Assentamento Pirituba II. (FERNANDES, 1994, p. 103).
32
Assim, após muita luta o Projeto de Assentamento Pirituba que teve início em 1984, foi
obtido sob a responsabilidade da Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA). Em 1985 são
promulgadas duas leis muito importantes para equacionar os conflitos fundiários, que são a 4.925 e
a 4.957, que possibilitaram “o aproveitamento e valorização dos recursos fundiários do Estado e
sua destinação para reforma agrária, para o assentamento dos trabalhadores rurais” 3.
Atualmente o assentamento Pirituba é formado por seis áreas: áreas I, II, III, IV, V e VI. A
tabela 4 expõe as informações sobre os assentamentos criados, para demonstrar a importância da
conquista.
Tabela 4 – São Paulo – Assentamentos da Fazenda Pirituba
MUNÍCIPIO NOME DO
ASSENTAMENTO DOMINIALIDADE FAMÍLIAS
ÁREA (HÁ)
CRIAÇÃO OBTENÇÃO DA ÁREA
ITABERA PIRITUBA II João Moreira de Mace Projeto Estadual 47 96 2006 2006
ITABERA PIRITUBA II ÁREA 5 Projeto Estadual 39 807 1999 1992
ITABERA PIRITUBA II ÁREA 6 Projeto Estadual 52 126 1999 1999
ITAPEVA PIRITUBA II ÁREA 2 Projeto Estadual 56 1.341 1999 1999
ITAPEVA PIRITUBA II ÁREA 4 Projeto Estadual 51 1.096 1999 1991
ITAPEVA PIRITUBA II ÁREA 1 Projeto Estadual 107 2.511 1999 1984
ITABERA PIRITUBA II ÁREA 3 Projeto Estadual 73 2.142 1999 1986
Fonte: Dataluta, 2010. Org.: Santos, R. (2011)
Cada área do assentamento tem sua forma de organização, por meio de cooperativas,
associações, núcleos de moradia, grupos de jovens, setores de trabalhos, escolas, postos de saúde,
espaços de lazer, grupos de mulheres etc. A COAPRI (Cooperativa dos Agricultores da Região de
Itapeva), é uma cooperativa que contempla a maioria dos assentamentos da Fazenda Pirituba, no
processo de organização da produção agrícola dos assentamentos e os pequenos produtores da
região. Além de seu escritório que concentra as ações a articulações, possui também uma escola de
Agroecologia, com o nome de “Laudenor de Souza”, que tem como objetivo a capacitação dos
filhos e filhas dos assentados, uma Rádio Comunitária Camponesa, um barracão como entreposto
de mel, um barracão onde realiza eventos culturais, uma quadra de areia de futebol e a secretaria do
MST regional de Itapeva.
3 Ver em: http://www.itesp.sp.gov.br/br/info/instituicao/historico.aspx
33
Sua produção agrícola é baseada em grãos: milho, feijão, soja, trigo e outros, utilizando
adubos e fertilizantes. Os assentados têm uma grande resistência ao agronegócio, que coloca em
questão a produção camponesa como intuito de substituir suas técnicas de cultivo por modelos
modernos de produção, altamente mecanizados e globalizados, típico das grandes unidades
capitalistas.
Ressaltamos, porém, que as famílias camponesas podem estar subordinadas ao capital
mesmo sem desenvolverem relações capitalistas de produção, dentro do contexto contraditório de
reprodução do capital no campo, onde realmente acontece a criação e recriação do campesinato, e o
fortalecimento de relações não-capitalistas (OLIVEIRA, 2007, p. 12). A subordinação acontece de
formas variadas. No momento de adquirir e utilizar os “defensivos agrícolas” produzidos e
comercializados no interior da cadeia produtiva do agronegócio, no momento da comercialização,
que está sujeita muitas vezes às oscilações do mercado, no momento da necessidade de “adequar as
formas de produzir” para ganhar competitividade, adquirindo máquinas agrícolas de pequeno porte,
por exemplo.
Neste sentido, as alternativas de produção de energia e alimentos nestes assentamentos são
entendidas pelas famílias como estratégias para resgatar de alguma forma a essência da agricultura
camponesa e buscar um modelo de soberania para a comunidade, e este trabalho caminha no sentido
de demonstrar que existem formas de resistência estabelecidas em outras propostas, modelos e
visões de agricultura e de mundo.
34
4 - DEBATE SOBRE SOBERANIA ENERGÉTICA E SOBERANIA ALIMENTAR NO CONTEXTO DA REFORMA AGRÁRIA
Existem no Brasil dois principais modelos de produção agrícola. A agricultura camponesa,
que tem seu foco na produção de alimentos, de maneira diversificada, aliando os conhecimentos
tradicionais e o respeito ao meio ambiente, e a agricultura capitalista, ou agronegócio, que se baseia
na produção de mercadorias agrícolas, ou comoditties, como soja, cana, eucalipto, laranja, milho,
dentre outros, tanto como produtos alimentícios quanto para produção de energia, os
agrocombustíveis.
O modelo de produção energética a partir do cultivo e processamento de produtos agrícolas
como cana-de-açúcar e milho ficou conhecido como agroenergia. (CAMACHO et all, 2011). As
discussões a respeito das mudanças climáticas ganham cada vez mais espaço em diversos veículos
de mídia em escala global, porém, sem o devido aprofundamento na análise sobre o tema, o que
acaba contribuindo para reforçar o discurso do agronegócio pela necessidade da diversificação da
matriz energética, procurando relacionar a produção dos agrocombustíveis ao conceito de energia
limpa, renovável, encobrindo os impactos negativos sociais e ambientais da produção de “Etanol”
em larga escala. No caso específico do Brasil, a produção da cana avança sobre os territórios da
agricultura camponesa em diversas regiões, “onde o capital se desloca criando novas frentes de
expansão, comprando ou alugando terras e promovendo mudanças quanto ao seu uso e/ou regime
de propriedade” (MARQUES, 2008, p. 55).
A disputa territorial aponta para a necessidade de se buscar novas propostas de
desenvolvimento. Segundo Thomaz Júnior (2006, p. 110), o objetivo dos movimentos camponeses
que resistem e lutam pelo território é o estabelecimento de um modelo baseado nos princípios de
Soberania Alimentar, que contrapõe-se ao modelo capitalista de produção no campo, que é “todo
um empreendimento metabólico que assegura os mecanismos de dominação e de controle da
sociedade pelo capital”.
O conceito de Soberania Alimentar pode ser entendido como a situação em que os povos
tem liberdade para decidir o que é necessário para suprir as demandas das comunidades locais em
relação a produção de alimentos, os métodos de produzir, facilitando o acesso à alimentos
saudáveis. Fica evidente então quais são os modelos de desenvolvimento em disputa pelo território.
Thomaz Júnior (2007) explica que:
35
É nesse embate que presenciamos nessa fase de mundialização do capital, bandeiras como a Soberania Alimentar, que estamos sintonizando com os enunciados mais gerais da classe trabalhadora, ou seja, a necessidade da alimentação requer que pensemos na produção e desse modo, no esquema, na forma e na estrutura de produção, bem como nos objetivos e nos pressupostos para produzir e consumir com base nas reais necessidades dos consumidores, na qualidade dos produtos, e no abastecimento de mercados consumidores próximos às áreas de produção. (THOMAZ JÚNIOR, 2006, p. 106).
A Via Campesina, organização criada em 1992 que representa diversos movimentos
camponeses em escala global, iniciou as discussões a respeito da necessidade de consolidação do
conceito de Soberania Alimentar, e hoje realiza fóruns mundiais a respeito do tema.
Os registros indicam que Soberania Alimentar foi uma formulação originária dos embates patrocinados pela Via Campesina, desde 1996, momento em que se discutia novas alternativas para a produção de alimentos num ambiente marcado pela fome e pobreza extremas. (THOMAZ JÚNIOR, 2006, p. 105).
Neste mesmo cenário, existe a necessidade de discussão do conceito de Soberania
Energética, de modo conjunto ao de Soberania Alimentar, pois são inerentes um ao outro e
completam um ciclo produtivo que poderá possibilitar a autonomia integral das famílias
camponesas em relação ao suprimento das demandas da comunidade. No interior do modelo
capitalista, a produção e distribuição de energia também estão submetidas aos interesses das
grandes corporações do capital, representado por construtoras e outras empresas participantes do
processo, mesmo tendo o Estado o papel fundamental de regular as atividades.
No caso específico do campesinato, é importante relacionar seu conhecimento tradicional e
característico às técnicas inovadoras de produção de energia e alimentos em pequena escala, pois é
neste sentido que caminham as propostas alternativas debatidas neste estudo. Portanto, estas
técnicas podem ser benéficas se direcionadas à soberania produtiva camponesa. Abramovay (2008)
descreve a importância dos saberes tradicionais do campesinato aliados aos progressos científicos
na produção agrícola tecnificada, em um momento de incorporação intensa de tecnologias no
cultivo.
[...] trata-se de integrar o conhecimento científico e os saberes tradicionais no preparo do solo, na produção, na armazenagem, na distribuição e no próprio consumo. Os agricultores estão entre os mais importantes protagonistas da preservação da biodiversidade e esta será uma de suas funções decisivas no século XXI [...]. (ABRAMOVAY, 2008, p. 2.708).
As relações de produção características do agronegócio diminuíram a integração entre
homem e natureza. A agricultura capitalista transforma a paisagem, a torna homogênea, faz da
36
monocultura mão de via única. Necessita de grandes extensões de terra, se utiliza de supressão
intensa da vegetação, se apropria de territórios indígenas, e de territórios diversos que sejam
distintos dos seus. Fazem dos agrotóxicos importantes aliados na otimização da produção, e os
denominam defensivos agrícolas. Utilizam a lógica de comercialização em circuitos longos, ou seja,
mercados distantes, muitas vezes em outras nações, de maneira centralizada por grandes
corporações capitalistas, e sob os ditames do livre mercado internacional. Sobre essa necessidade de
controle pelo agronegócio do processo produtivo no campo, Bunde e Mendonça (2009) explicam
que:
Atualmente dois processos monopolistas comandam a produção agrícola mundial. Um é a territorialização dos monopólios, que atuam no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária. Outro é a monopolização do território pelas empresas de comercialização e processamento industrial da produção agropecuária que, sem produzir absolutamente nada, controlam, por meio de mecanismos de sujeição, os camponeses e também outros tipos de produtores de alimentos no campo. (BUNDE e MENDONÇA, 2009, p. 19).
O modelo agrícola camponês, como já mencionado, caminha em direção oposta. Este
processo de monopolização capitalista não faz parte do arcabouço teórico-conceitual que utilizam
os conceitos de soberania energética e alimentar. Este modelo está referenciado em outros
pressupostos, como nas práticas agroecológicas, sustentáveis, ou seja, que garantam alimentos
saudáveis em uma relação equilibrada com a natureza.
Enquanto o modelo dominante, também denominado de agricultura industrial, está referenciado na monocultura, nas grandes extensões de terra, nas práticas predatórias dos recursos naturais e de uso intensivo de substâncias químicas (agrotóxicos, fertilizantes, corretivos, insumos sintéticos), e sementes geneticamente modificadas, o modelo da Soberania Alimentar contrapõe-se e defende uma mistura de práticas de conhecimento tradicional e agricultura sustentável de base agroecológica. (THOMAZ JÚNIOR, 2006, p. 110).
O projeto da Via Campesina também propõe a soberania energética e alimentar como
alternativa de sustentabilidade e garantia de vida saudável, colocando os camponeses e pequenos
produtores como protagonistas de uma relação integrada entre sociedade e natureza, uma relação
equilibrada entre o Homem e Meio Ambiente.
Os assentados, que são mais uma característica, frente de atuação e modo de ser do
campesinato, sofrem um brutal ataque de pacotes e modelos tecnológicos tornando-se cada vez
reféns ao pelo modo de produção capitalista na agricultura. Nesse processo o assentado fica com
menos renda, pois o lucro é das grandes empresas multinacionais, em um processo de subordinação
37
do trabalho camponês ao capital. Na maioria das vezes quem leva a produção dos assentados são os
atravessadores, que são os mesmos que receitam os tipos de insumos e fertilizantes para os
camponeses utilizarem.
A produção de alimentos para o consumo familiar e comercialização dos excedentes é
elemento estratégico para a reprodução social da família camponesa. Sob a ótica da
comercialização, procuram produzir de forma diversificada e a partir das práticas agroecológicas,
integrando a produção agrícola, pecuária e florestal, e lutam para evitar a dependência dos
monopólios que controlam os mercados em diversas escalas. Segundo Santos (1995), as
possibilidades de autonomia neste aspecto é tarefa difícil para os camponeses:
O produtor por si não tem poder, não tem poder porque o processo da realização da mercadoria é cada vez mais subordinado ao processo da circulação. Os lugares da produção são valorizados em função da sua isenção no processo de circulação... A questão da terra, no mundo de hoje, pode ser encarada através desse prisma. Em outras palavras, possuir a terra não é em si mesmo, uma solução, porque possuir a terra e produzir nela não é uma garantia de uma participação central no processo econômico, já que este é comandado por quem tem o controle dos processos de circulação, que não se limitam aos transportes, incluindo hoje, o comercio, a distribuição, a informação e o crédito. (SANTOS apud BOMBARDI, 2007, pág. 94).
Neste sentido, os movimentos camponeses vêm discutindo a necessidade da criação de
políticas públicas específicas para dar condições ao desenvolvimento dos assentados. Em especial o
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) vem concentrando seus esforços nessa luta,
reivindicando o acesso a políticas que garantam aos camponeses a geração de renda, proteção
ambiental e soberania alimentar.
Assim, os movimentos camponeses lutaram reivindicando uma forma de comercializar a
produção, que foi atendida com a criação em 2007 do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),
ligado a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Esse projeto possibilita aos assentados
organizados em associações a comercialização da produção repassando-a para o governo que irá
distribuir para órgãos e entidades públicas, dos municípios próximos aos assentamentos. Tendo em
vista que instituições públicas como hospitais, escolas, presídios, creches, associações de bairros e
até mesmo entidades ligadas a ONGs demandam quantidade considerável de alimentos para se
manterem, são necessárias políticas que valorizem a agricultura camponesa, pois esta é fonte 70%
dos alimentos produzidos no país. Portanto, este programa foi fruto de uma grande luta dos
trabalhadores para garantir o escoamento da produção de modo um pouco diferente da lógica
convencional, pois sem a interferência dos atravessadores.
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Parte dos camponeses do assentamento da Fazenda Pirituba vem discutindo sua auto-
sustentabilidade, procurando uma forma de produção que lhe garanta uma renda econômica
procurando consorciar a produção agrícola comercial com a produção agrícola de subsistência,
como no caso das oleaginosas e da cana de açúcar utilizadas tanto para energia renovável quanto
para a alimentação.
Neste contexto, o MST procurou estimular novas propostas que possibilitassem a produção
alternativa de energia e alimentos, que discutiremos no capítulo seguinte.
5 - ALTERNATIVAS DO CAMPESINATO PARA PRODUÇÃO ENERGÉTICA E ALIMENTAR NO ASSENTAMENTO PIRITUBA
As experiências de produção alternativa de energia e alimentos surgem nos assentamentos
a partir da necessidade de baratear custo de produção e garantir a renda familiar. O estudo sobre a
viabilidade econômica da produção dos assentados da Fazenda Pirituba feito pelo grupo
representante da Cooperativa dos Assentados e Pequenos Agricultores da Região de Itapeva
(COAPRI) e da Cooperativa Vó Aparecida (COPAVA), em convênio com a Universidade Estadual
Paulista (UNESP), levou o INCRA e o ITESP a discutir um plano de desenvolvimento para os
assentados, onde constatou-se que neste assentamento há um grande volume de produção agrícola.
No entanto, a renda familiar era baixa, pois além do lucro da produção ficar tanto com os
atravessadores quanto com as empresas fornecedoras de insumos agrícolas, percebeu-se também
que existe outro fator responsável pela baixa renda familiar, o mau uso dos recursos naturais.
A partir de um diagnóstico sobre a produção agrícola feito entre 2004 e 2005 nos
assentamentos, quando foram levantadas as causas da baixa renda familiar, os assentados criaram
um Fórum de Debate dos Assentados e elaboraram um plano de recuperação do assentamento
tentando sanar os problemas em relação à renda. A iniciativa e a condução do fórum dos assentados,
assim como as experiências alternativas de produção de energia e alimentos, foram conduzidas pela
COAPRI, COPAVA e a Escola Laudenor de Souza, juntamente com a participação de
representantes de grupo dos assentamentos como trataremos a seguir.
Portanto, as experiências alternativas de produção de energia e alimentos são resultados da
participação dos grupos de assentados em reuniões e fóruns no assentamento, onde são discutidas
experiências de geração de energia hidráulica, placa solar, biodigestor, cultivo de oleaginosas,
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cisterna, microdestilaria, Sistemas Agroflorestais e o Curso de Agroecologia como instrumento de
capacitação.
Na implementação dessas novas experiências, a COAPRI junto à COPAVA contaram com
a parceria de uma Organização Não-Governamental (ONG) da Catalunha (Espanha), da qual fazia
parte um grupo de engenheiros recém formados do Campus da Universidade de Terraza, que tinham
o objetivo de auxiliar as famílias na capacitação e desenvolvimento de novas atividades produtivas,
que contribuísse no suprimento das demandas nos assentamentos. Em 2005 eles chegaram para
participar e desenvolver o trabalho para formação de mecânicos. Nessa época, quando o debate da
soberania alimentar e energética estava no auge, esses profissionais da Catalunha começam a
participar do Fórum dos Assentados contribuindo com a discussão sobre a implantação da produção
de oleaginosas, do aquecedor solar e da microdestilaria de cana.
Durante esse período foram implantados 2 biodigestores na Agrovila III, 1 na Agrovila II,
1 na Escola Laudenor de Souza e 1 está em construção na agrovila IV. Iremos tratar
especificamente do modo de funcionamento e dos benefícios com a implantação do biodigestor
mais a frente, pois se trata de uma experiência consolidada para uma parte das famílias dessas áreas,
A experiência de geração de energia hidráulica pela roda d’água foi construída na agrovila
VI, durou cinco anos e hoje não existe mais pelo fato de que a roda d’água foi afetada por um
deslizamento de terra, em função da chuva. As 19 famílias que estão assentadas na agrovila VI
utilizavam dessa experiência, atualmente usam a água de poço caseiro e de nascentes.
A microdestilaria, como de cana-de-açucar se encontra instalada na Agrovila III, e se trata
de uma experiência concretizada, que iremos apresentar no transcorrer do trabalho.
Neste contexto de busca de novas alternativas energéticas foi construído uma placa solar
na Escola de Agroecologia Laudenor de Souza, porém, não está funcionando pelo fato de quem
dominava o funcionamento eram os alunos do curso de Agroecologia, em determinada disciplina.
O cultivo das oleaginosas, no caso o Girassol, teve o objetivo de gerar o óleo para o
funcionamento das máquinas agrícolas, onde seriam feitas adaptações nos motores, para usar tanto
o óleo vegetal quanto o óleo diesel. Hoje o óleo só é utilizado na cozinha, as máquinas agrícolas não
estão usando o óleo de girassol, devido ao custo e quantidade necessária a ser produzida para seu
funcionamento.
O curso de agroecologia formou vários jovens do estado de São Paulo, com objetivo de
aplicar e multiplicar essas experiências nos assentamentos. Vamos descrever brevemente como
foram desenvolvidas as experiências.
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5.1 - Experiências acumuladas de produção energética e alimentar
Nesta parte do trabalho trataremos das experiências que estão dependendo de maiores
investimentos para terem continuidade e serem ampliadas, pois são importante fonte de produção de
energia de caráter alternativo, e mostraram que podem ser de grande utilidade para o
desenvolvimento do assentamento.
5.1.1 - Produção de Girassol
Essa experiência foi desenvolvida na sede da COAPRI da Agrovila V e na Agrovila III.
Como dissemos, a produção de óleo de girassol serve tanto para o consumo humano no preparo dos
alimentos, como combustível para máquinas agrícolas. Para o uso do óleo de girassol na máquina
agrícola foi realizada uma adaptação no motor instalando uma placa de aquecimento do óleo antes
da combustão do mesmo, sem a necessidade de fazer a mistura do óleo vegetal com o etanol. Para
seu funcionamento era necessário o aquecimento a 70º ou 80º graus, onde dois tanques são
utilizados para dar partida e desligar o motor; um contento óleo bruto e outro contendo cinco litros
de óleo diesel.
No momento de fazer a adaptação no motor procurou-se envolver a comunidade,
realizando um curso de capacitação com grupos de assentados, o qual foi coordenado pela COAPRI
e ministrado pelos engenheiros da Catalunha. Nas fotos 1 e 2 podemos observar o motor adaptado
para receber o óleo de Girassol, em trator utilizado no preparo da terra e no plantio, como também o
reservatório onde o óleo é aquecido e armazenado para o funcionamento do motor.
Foto 1: Motor adaptado Foto 2: Reservatório de óleo de girasso Autor: Sanches, 2008. Autor: Sanches, 2008.
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Nas fotos 3 e 4 expusemos a plantação de girassol do assentamento e o triturador utilizado
no refino do óleo de girassol.
Foto 3: Plantação de Girassol Foto 4: Triturador . Autor: Sanches, 2008 Autor: Sanches, 2008
A cultura de Girassol pode contribuir muito no desenvolvimento das atividades no
assentamento, porém, hoje o trator e outras máquinas que foram adaptadas para usar o óleo vegetal
não estão em funcionamento, pelos limites de conduzir o desenvolvimento do plantio em grande
quantidade de terra. Como existem poucas pessoas que produzem girassol, e pequena quantidade de
terra para plantar, a experiência do uso em maior escala para o funcionamento das máquinas não
deu certo, ficando apenas a possibilidade de uso doméstico, que já algo interessante para diminuir a
dependência de produtos industrializados, como também para saúde das famílias que utilizam o
óleo para preparar os alimentos.
5.1.2 - Curso técnico em Agroecologia
As famílias assentadas na Fazenda Pirituba contam com um Centro de Formação e
Capacitação para os filhos dos assentados, que conta desde 2007 com um Curso de Agroecologia
ministrado pela Escola Técnica Agrícola Agroecológica, onde está em discussão a ampliação para
novas turmas. A parceria para viabilizar o curso é feita por meio da Universidade de Campinas
(UNICAMP) junto ao INCRA. A primeira turma estudou entre 2007 e 2010, em nível educacional
médio.
Entre as diversas técnicas agrícolas ensinadas durante o curso de agroecologia destacamos
a prática da adubação verde, a implantação e manejo de um SAF, a preparação de compostagem,
42
preparação de defensivos agrícolas orgânicos, fabricação de adobes (tijolos feitos de barro e casca
de arroz), instalação de biodigestor; instalação de banheiro seco, instalação de placas de aquecedor
solar etc.
O Curso Técnico em Agroecologia tem como objetivo a formação técnica de filhos e filhas
dos assentados, a partir da discussão de uma nova matriz tecnológica que leve em conta o
desenvolvimento sustentável, ou seja, a apropriação de técnicas agrícolas que sejam
economicamente viáveis, socialmente éticas e ambientalmente ecológicas nos assentamentos. Nas
fotos 5 e 6 estão a placa de inauguração da escola, e a sede onde acontecem as aulas.
Foto 5: Placa informativa Foto 6: Sede da Escola Técnica Autor: Sanches, 2008 Autor: Sanches, 2008
5.1.3 - Aquecedor solar
Contando com a contribuição dos membros da ONG da Catalunha, através de um curso de
capacitação, foi fabricado e instalado no centro de formação do assentamento (Escola de
Agroecologia), um conjunto de placas de aquecedores solares visando atender a demanda da escola,
envolvendo os alunos do curso de agroecologia e representantes da comunidade local (ver foto 7).
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Foto 7: Instalação das placas Autor: Sanches, 2008
A experiência não está em funcionamento, pois o sistema não foi concluído em função da
falta de recursos financeiros para a compra das peças que faltam, e por não haver outra turma
estudando na escola atualmente. A expectativa é que a geração de energia por meio deste sistema
seja retomada para o aproveitamento dos alunos das próximas turmas do curso de Agroecologia.
5.1.4 - Roda d água
O sistema de captação de água através de uma roda d´água não é nenhuma novidade para
os agricultores no Brasil. No assentamento em questão existe um núcleo de 20 famílias, na Agrovila
VI, que por mais de 13 anos consecutivos tiveram acesso à água somente por meio desse sistema, o
qual funciona com a própria água fazendo girar uma roda que por sua vez move um pistão
pressionando a água e jogando-a a uma distância de mais de cinco mil metros, dependendo do
volume de água que move a roda e da declividade do terreno.
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Foto 8: Nascente Foto 9: Roda d’água Autor: Sanches, 2008 Autor: Sanches, 2008
Foto 10: Reservatório de água Autor: Sanches, 2008
Apesar das experiências não estarem em funcionamento atualmente, são projetos que a
comunidade e o MST pretendem desenvolver em outros momentos, porém foram através da
mudança de pensamento que fez com que algumas famílias levassem a diante determinadas ações
de cunho alternativo. Importante ressaltar que para dar continuidade as experiências são necessários
investimentos que tornem viáveis as ações.
5.2 - Experiências concretas de produção alternativa de energia e alimentos
As experiências apresentadas neste ponto do trabalho são denominadas concretas porque
estão consolidadas e tiveram resultados satisfatórios no sentido de continuarem a gerar benefícios
para a comunidade, no cotidiano, com possibilidade de serem ampliadas se houverem os
investimentos necessários.
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5.2.1 - Biodigestores
A primeira experiência concreta de produção alternativa de energia da qual vamos tratar é
biodigestor. Nela são aproveitados os excrementos dos animais para geração de gás natural,
buscando conciliar a produção de energia e dos biofertilizantes, que serve para adubação natural
(verde), contribuindo para a preservação ambiental.
O biodigestor foi construído no Assentamento Agrovila III, localizado no município de
Itaberá – SP. Para o funcionamento, o excremento (material orgânico) é colocado em uma câmara
fechada onde ocorre a fermentação em solução aquosa, e por meio de digestão anaeróbica (sem a
presença de oxigênio), gerando o biogás e o biofertilizante, que é o resíduo sólido resultante do
processo. Brow (2004) explica o funcionamento do biodigestor;
Los bio-digestores utilizan un proceso microbial natural de descomposición que ocurre en ambientes libre de oxigeno. Los microbios viven dentro del bio-digestor y son alimentados por El material orgánico, como estiércol, que es convertido en biogás. (Laura Brown, 2004).
Se um produtor trabalha com criação suína, por exemplo, pode ser viável a construção de
um biodigestor, porque aproveita o excremento produzido pelos animais como a matéria orgânica
necessária para o processo, conciliando a produção de energia e a destinação correta dos resíduos
sólidos.
Porém, é preciso viabilizar material para a construção do biodigestor. O material varia
dependendo do tipo de biodigestor a ser construído. Existem vários modelos de biodigestores, entre
eles o chinês, o indiano, o italiano, ou outros modelos alternativos, mais viáveis economicamente. O
modelo utilizado no assentamento Agrovila III é o indiano (ver figura 1). A particularidade do
modelo indiano é que possui uma câmara que armazena o gás na medida em que não é utilizado.
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Figura 1 – Biodigestor - Modelo Indiano Fonte: Virtae. Ver em: http://www.virtae.com/reciclagem/biodigestor.htm
Em entrevista com José Ramos, morador do assentamento Agrovila III, membro da direção
do MST regional de Itapeva e membro da COPAVA, soubemos que “a implantação do biodigestor
se efetivou primeiro na COPAVA Agrovila III, porque as casas estão próximas umas das outras”.
As famílias não conheciam nenhum tipo de biodigestor, foi, portanto, uma experiência com
avaliação positiva pelos assentados.
A construção do biodigestor contou com a parceria da UNESP, Campus de Botucatu, e do
Ministério de Minas e Energia, onde foi realizado um projeto com a participação dos engenheiros
Maura S. T Esperancini, Osmar de C. Bueno, André E. B. Pimentel, Elias J. Simon, que tiveram
grande importância na construção do biodigestor.
O objetivo da implantação do biodigestor foi de experimentar e demonstrar para as
famílias da comunidade sua viabilidade econômica, social e ambiental, aproveitando os dejetos
suínos e cuidando do meio ambiente. Na COPAVA há dois biodigestores: um onde o gás extraído é
canalizado para três casas, assim, atendendo atualmente as três famílias. O outro que está em
acabamento e irá garantir a geração de energia para iluminação na baia dos porcos e geração de
energia para funcionar o motor do triturador utilizado no preparo da alimentação animal. A
experiência já tem cinco anos, e começou com gás de cozinha, chuveiro e bico de luz (iluminação).
Segundo o entrevistado José Ramos, a escolha das três famílias foi por localidade, pois estão
próximas ao biodigestor instalado, e pela “disponibilidade de desafiar e participar de algo novo”.
47
Antes da instalação do biodigestor havia por parte de algumas famílias muita desconfiança, receio e
até mesmo preconceito sobre sua eficácia.
Valdir Trindade (fotografia 11) é membro de uma das famílias beneficiadas. Ele comenta
que está satisfeito com a execução do projeto do biodigestor, pois já faz cinco anos que não há a
necessidade da compra do gás para cozinhar, em função da disponibilidade do biogás. Os
biofertilizantes são aproveitados nos cultivos, tanto em seu lote quanto na horta comunitária,
desenvolvida pela COPAVA.
No início não acreditava que ia dar certo, achava que viraria um monte “coro” 4 perto de
casa. Relata que somente não usa na rede elétrica do chuveiro pela dificuldade de encontrar
serpentina nos mercados da região. Na foto 1 podemos observar, o assentado utilizando o biogás na
cozinha, e na foto 12 adubando a plantação com o biofertilizante produzido ao final da etapa desse
processamento.
Foto 11: Biogás para cozinhar Foto12: Biofertilizante no cultivo de abacaxi Autor: Paula, N., 2008 Autor: Sanches, 2008
Segundo José Ramos “o grupo que coordena o projeto, avalia que o gás para geração de
energia e o biofertilizante para a lavoura é excelente”.
Para Laura Brown, o biodigestor trás várias vantagens como, por exemplo: “reduzir a
quantidade de lenha utilizada por família, conservar os bosques que mantém limpos nossa água e
ar, protegendo ao mesmo tempo milhares de espécies de plantas e outros animais, produzir adubo
4 Gíria utilizada pelos camponeses para fazer referência à insetos rastejantes, como “Bigatos”.
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orgânico de alta qualidade, melhorar a qualidade do ar dentro das casas por usar menos fogões a
lenha, prover um sistema de tratamento de esgoto e reduzir a água suja nos rios e córregos”.
De acordo com Valdir Trindade (foto 13) “a iluminação não deu certo por causa da
pressão, existe um tipo de material especifico e depende da volta do engenheiro técnico Fernando
que ajudou na construção desde o início. As famílias que usam o gás abastecem o biodigestor nove
dias durante o mês.” Na foto podemos observar a entrada da matéria orgânica, que vai descer por
um duto até a câmara de biodigestão. Na fotografia 14 mostramos o excremento misturado com a
água, enquanto é sugado para dentro do biodigestor
Foto 13: Assentado abastecendo o biodigestor Foto 14: Dejetos suínos Fotografia: Sanches, 2008. Fotografia: Sanches, 2008.
Nas fotos 15 e 16 podemos ver a câmara de onde sai o biogás ao lado da entrada da matéria
orgânica e a tubulação por onde o gás canalizado até as residências. Note que existem sacos de terra
em cima da tampa da câmara de biodigestão, servem para mantê-la firme quando pressionada pelo
gás armazenado.
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Foto 15: Câmara de biodigestão Foto 16: Canalização do biogás Autor: Paula, N. 2011. Autor: Paula, N. 2011.
Para o biodigestor funcionar, é utilizado esterco suíno com 20% de sólidos totais. Para
atingir a mistura de 8% de sólidos, são utilizados 123 kg de esterco suíno e 184 litros de água,
totalizando mistura de 307 litros, com Tempo de Retenção Hidráulica (TRH) de 50 dias, capacidade
de produção de 0,35 m³ de biogás por kg de esterco, atingindo-se a produção de 43 m³ de biogás por
dia. (ESPERANCINI; COLLEN; et al. 2007).
No projeto desenvolvido para instalação do biodigestor consta que existem diversos
modelos de biodigestor, porém, o modelo implantado no assentamento é modelo indiano, feito por
perfuração cilíndrica revestida de tijolo e cimento construído abaixo do nível da terra com caixa de
entrada e saída e uma cúpula móvel denominada gasômetro, onde o gás é armazenado.
Cabe resaltar que a capacidade de produção de energia e biofertilizante por este biodigestor
é superior ao utilizado atualmente pelas famílias, o que comprova o caráter de experiência, que
poderá futuramente ser expandida para outras famílias do assentamento, em função dos resultados
positivos. Para José Ramos “o maior limite de não construir o biodigestor para os demais da
comunidade, é questão econômica, pois a estrutura é muito cara”.
A tabela abaixo nos permite observar os custos para a construção do biodigestor, para
entender a quantia despendida no processo:
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Fonte: (ESPERANCINI; COLLEN; et al. 2007)
Segundo José Ramos:
[...] o grupo que participa das discussões, propõe que essas experiências alternativas se tornem uma política pública, quando sair o projeto de habitação, incluindo material para construção de moradias, material para biodigestor, material para construção de cisterna e placa solar [...]. (Trabalho de campo. Entrevista realizada com José Ramos em 27/05/2011).
De acordo com o projeto:
Considera-se que a avaliação de aspecto econômico da implantação de biodigestores pode fornecer subsídios à formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento local mais sustentável de assentamentos do Estado de São Paulo, bem como fornecer subsídios a tomada de decisão quanto à implementação dessa tecnologia para o segmento da agricultura familiar de pequena e media escalas de produção animal, com vistas à produção mais sustentável. (ESPERANCINI; COLLEN; et al. 2007)
Em entrevista com assentada que não se beneficia do biodigestor, ficou claro que a mesma
tem vontade de ter um biodigestor. Sua família somente não participa porque falta recurso
51
financeiro para comprar material e fazer a construção. Sua família avalia que o resultado do
biodigestor é positivo, sendo que seu marido foi o pedreiro que montou a estrutura do biodigestor.
Comenta que se conseguirem recurso financeiro para comprar o material, construirá um mini-
biodigestor. Durante a entrevista com ele reafirma essa questão:
[...] Eu avalio o biodigestor como resultado positivo, além dos estrumes dos porcos serem retirados do céu aberto que esta degradando o meio ambiente, ele trás beneficio para as famílias, como o uso do gás e o biofertilizante [...]. (Trabalho de campo. Entrevista realizada com Odair em 27/05/2011).
De acordo com depoimento dos assentados entrevistados há uma possibilidade de
aumentar o número de famílias beneficiadas por esta experiência, faltando apenas um trabalho
mobilização na comunidade para levar adiante o projeto.
Diante disso, compreendemos que essa experiência é uma possibilidade de acesso a uma
energia limpa em relação àquelas convencionalmente produzidas, além de garantir o fortalecimento
e autonomia do campesinato.
No esquema a seguir procuramos demonstrar todo o processo de funcionamento do
biodigestor, para esclarecer o ciclo de benefícios gerados para as famílias participantes do projeto.
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Ciclo de funcionamento do Biodigestor PA Pirituba - Área III (Itapeva)
ENTRADA SAÍDA
resíduos de animais
gás metano
bioferilizante
horta da agrovila
Fonte:Trabalho de Campo, junho 2011.Org.: FELICIANO, PAULA, SANTOS, 2011
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5.2.2 - Microdestilaria
A microdestilaria de cana-de-açúcar é outra experiência implementada no assentamento
Agrovila III, como alternativa de produção energética e alimentar, e foi construída pela COPAVA.
O assentado e coordenador do projeto José Ramos, explica que:
[...] aproveitando a parceria, e pensando na produção de energia a dois, a três anos, fizemos a compra do equipamento para a produção do açúcar. Aproveitamos a construção antiga da ordenha de leite, uma construção antiga que tinha aqui e nós reformamos, readequando, plantando três hectares de cana, com objetivo ter produção alimentar, ai começamos então. Daí tinha uns companheiros da Catalunha que estava desenvolvendo as atividades, biodigestor, placa solar, roda d água, cata-vento e a microdestilaria entrou nesse programa. [...] (Trabalho de campo. Entrevista realizada com José Ramos em 27/05/2011)
E completa:
[...] A Microdestilaria entrou no plano de capacitação de como conhecer a produção de açúcar e como conhecer a caldeira. E começamos, aí nós da Copava fomos fazer visita em experiência no Paraná, em Angatuba, uma experiência que a prefeitura faz. Itaoca produz açúcar mascavo e na Riversul que os pequenos agricultores desenvolvem também produção de açúcar. [...] (Trabalho de campo. Entrevista realizada com José Ramos em 27/05/2011)
A COPAVA vem acumulando experiência na diversificação da produção de grãos, leite,
carne, açúcar, melado e hortas. Percebe-se que a construção da microdestilaria contribui na
agregação de valor aos produtos e geração de emprego no assentamento, pois surge uma demanda
de mão-de-obra para desenvolver as atividades, o que incentiva os jovens a permanecer na
comunidade, garantindo o trabalho familiar. A primeira produção da microdestilaria foi a cachaça.
O batedor para confecção do açúcar mascavo e para o melado ainda está em construção.
A proposta dos cooperados é produzir açúcar mascavo, cachaça e rapadura. A cachaça, por
enquanto é destinada a venda no bar da agrovila e para comunidade do assentamento. A
microdestilaria ainda não produz em grande quantidade, por conta da baixa capacidade de
armazenamento, e do custo das embalagens (por exemplo, as garrafas, a tampa, o rótulo etc.) para
disponibilizar para venda. Portanto, a cooperativa tem como objetivo e proposta garantir a auto-
sustentação dos assentados com a produção de açúcar mascavo, cachaça e rapadura.
Para o processo de moagem da produção do açúcar mascavo e o melado será capacitado
um grupo de mulheres do assentamento. No processo de fermentação é necessário que três pessoas
dominem as técnicas. Constatamos com a pesquisa de campo a existência de um barril de 200 litros
e uma caldeira de moagem para fazer o açúcar mascavo, melado e a rapadura, porém ainda não
estão uso contínuo.
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Nas fotos 17 e 18 aparecem os equipamentos utilizados na microdestilaria, como os barris
de armazenagem e o batedouro de açúcar.
Foto 17: Barris de armazenagem de cachaça Foto 18: Batedouro de açúcar Autor: Pereira, 2011. Autor: Pereira, 2011.
Segundo José Ramos “as famílias não têm costume de consumir açúcar mascavo, até
porque é muito caro, no mercado em Itapeva custa 9,00 o kg de açúcar mascavo”.
As vantagens da microdestilaria estão nas formas sustentabilidade resultantes do processo,
como no aproveitamento do subproduto da cana, (bagaço e as folhas) para alimentação animal. A
vantagem também aparece na auto-sustentação dos assentados, que agregam valor aos produtos
instalando a pequena agroindústria no assentamento. Estão na geração de emprego para a
comunidade local, evitando o êxodo rural. Na foto 19 procuramos mostrar o bagaço da cana
servindo de alimento para o gado, completando o ciclo de benefícios do processamento da cana na
agroindústria do assentamento.
Foto 19: Bagaço da cana na alimentação animal Fotografia: Paula, 2011.
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5.2.3 - Sistema Agro-florestal (SAF)
O Sistema Agro florestal é uma combinação de árvores nativas e frutíferas com cultivos
agrícolas e pasto para animais, que formam um conjunto completo de produção de alimentos, com
possibilidade para a produção de energia. Protege o solo e a água sem o uso do agrotóxico. É um
sistema de manejo Agroflorestal, biodiversificado e sustentável. Porém, hoje é raro um produtor
tomar a decisão de mudar a forma cultivar a terra, produzindo de modo orgânico e fazendo um
manejo diferente com o sistema biodiversificando, consorciando o plantio agrícola e a mata nativa.
Nos assentamentos da Fazenda Pirituba o forte é a produção de grãos (feijão, milho, soja e
trigo) desenvolvidos em sua maioria com insumos e fertilizantes. Nesse sentido, para contrapor a
lógica dessa produção convencional os representantes de núcleos dos assentamentos vêm propondo
a implantação de SAFS nos lotes.
Foi realizada em 2005 uma parceria com o INCRA do estado de São Paulo em convênio
com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), para desenvolver o projeto de
capacitação sócio ambiental e construção de projetos de desenvolvimento sustentável em
assentamentos rurais. Esse projeto capacitou as famílias dos assentamentos da Fazenda Pirituba
para que houvesse a possibilidade da implantação dos SAF’s.
No assentamento Pirituba I, em Itapeva, o Sistema Agroflorestal foi implantado em 23 de
fevereiro de 2006, em uma área de 0,9 hectares, com apoio do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) por meio do INCRA, e apoio da EMBRAPA. Foi implantado como um Projeto de
Desenvolvimento Sustentável (PDS).
Os objetivos do SAF são diminuir a dependência de insumos externos, aumentar a
quantidade e qualidade de alimentos para a família, ter a possibilidade de produção sustentável de
alimentos, aumentar a diversidade de produtos a serem comercializados diminuindo a dependência
de um único produto, auxiliar na conservação dos solos, recursos hídricos e da biodiversidade como
um todo.
O SAF é hoje uma prática agrícola adotada por alguns agricultores do assentamento, dentre
eles destacamos a família do assentado João Boeiro, da Fazenda Pirituba Agrovila I, município de
Itapeva, que explica o porquê da opção de trabalhar com agricultura orgânica e o SAF, e a
viabilidade socioeconômica e ambiental destas atividades antes mesmo dessa parceira mencionada
anteriormente:
[...] Eu queria fazer mudança no comportamento da agricultura e dos assentados camponeses e quem financiava (bancos) na produção que estava sendo praticada.
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Eu morava no lote de agrovila, e falei é hora de fazer algumas coisas, a gente morava no lote de moradia e é hora de fazer alguma coisa, vou para o lote de plantio, e não consegui [...]. (Trabalho de campo. Entrevista realizada com João Boeiro em 27/05/2011)
O entrevistado participou de uma cooperativa no início do assentamento que tinha outra
concepção de agricultura, praticava agricultura convencional, que para ele não servia. A agricultura
convencional não dava retorno no incremento da renda econômica e as pessoas vinham perdendo a
identidade de camponeses. A produção que a majoritariamente a cooperativa desenvolve no
assentamento é a base de agrotóxicos, com assistência técnica da própria empresa fornecedora.
Sendo assim, João Boeiro tomou a iniciativa de sair do lote de agrovila e ir para o lote de plantio, e
afirma que: “eu já tinha a idéia de trabalha com o comportamento das plantas, mais não sabia o
nome que dava para isso, ai lendo cartilha, ai comecei conhece a agroecologia.”
João Boeiro e sua família começaram a fazer pesquisa de quantos carros passavam na
pista asfaltada que cruzava pelo assentamento, e conhecendo o mercado juntos aos grandes
produtores. Sendo assim, começaram a vender produtos na beira da pista, produção que desenvolvia
no lote de agrovila, pois sua produção era e diversificada e orgânica. João Boeiro e sua família
tomaram decisão de ir morar no lote, e comunicaram ao ITESP e ao INCRA que não iriam mais
desenvolver a lavoura branca, a convencional, com milho, soja e feijão.
Segundo João Boeiro, depois que comunicou o INCRA e o ITESP que ia morar no lote
para produzir orgânico, o INCRA fez uma parceria e divulgou sua iniciativa. A EMBRAPA propôs
desenvolver um projeto para pequenos produtores ou assentados neste sentido. ”No inicio fiquei
assustado com a proposta, pois já ia muda o que gente tinha pensado antes, ai eu pedi um tempo”.
Mesmo com orientação técnica da EMBRAPA, o assentado teve autonomia para inserir outras
culturas que considerasse interessante.
Neste SAF durante este período de tempo algumas espécies se desenvolveram melhores que outras, e algumas culturas foram sendo introduzidas pelo agricultor, o que vem proporcionando a mudança do desenho, sendo esta interação do homem ambiente, fomentadora da permanência da riqueza de diversidade na linha do tempo de desenvolvimento deste SAF. (SOUZA; NOBRE; FRANCO; FRANCO; CANUTO, 2009, p. 2)
. Atualmente João Boeiro e sua família estão vendendo produtos para a Coopergânica,
cooperativa criada no município de Itapeva, e para a COAPRI. O produto é certificado pela
EMBRAPA e a Cooperorgânica paga 30% a mais do valor de mercado.
O entrevistado comenta “sou camponês, somos três pessoas da família que trabalham no lote”.
Tudo se iniciou em 2006, sendo que da área total do lote (16 hectares), 50% são de produção
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orgânica e 50% é pastagem. Desses 50% orgânicos, 1,3 hectares são SAF. No SAF tem mais de 100
espécies de plantas. Sendo que 10 tipos são especificamente para venda.
Após 05 anos de experiência, Sr. João Boeiro, afirma que para esse tipo de agricultura
“tem ter cabeça feita e concepção de transformação da agricultura, pois não tem retorno
imediato.”
Na foto 20 podemos observar o cultivo diversificado, que está detalhado na foto 21 pela
placa que aponta a linha de produção, com abacaxi, árvores nativas e arbóreas por estação.
Foto 21: Placa indicando as culturas
Autor: Todescato, 2011.
Foto 20: Cultivo diversificado Autor: Todescato, 2011.
Nas fotos 22 e 23 procuramos ilustrar a riqueza da produção diversificada, com frutas
misturadas com flores, com as espécies arbóreas, dentre outras culturas.
Fotografia: Todescato, 2011. Fotografia: Todescato, 2011. Foto 22: Banananeira Foto 23: Diversificação de culturas
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Ressaltamos, como disse o entrevistado, que a atividade do SAF não traz retorno imediato,
necessitando conciliar com outras atividades, neste caso estudado a cultura agroecológica. A
resistência camponesa se expressa também pelo fato de que é comum o cultivo tradicional em
vários lotes, que utilizam agrotóxicos e acabam colocando em risco a atividade diferenciada da
agroecologia e o SAF.
As práticas agrícolas diferenciadas, como o SAF, possibilitam que os camponeses
assentados adquiriam novas formas de relação com a natureza, com os alimentos, com a
comunidade, buscando certa autonomia na maneira de produzir e comercializar, se aproximando
assim do conceito de soberania, mesmo que este dependa de fatores mais abrangentes. Todas as
formas de produção que desafiem o modelo agrícola capitalista buscando priorizar o ser humano ao
invés do lucro e do mercado serão importantes conquistas para sociedade e para os trabalhadores
rurais camponeses.
6- Considerações Finais
Ao refletir sobre os temas estudados neste trabalho entendemos a importância do avanço
no conhecimento teórico para possibilitar melhor compreensão da realidade durante a pesquisa de
campo, onde consideramos que foi atingido o objetivo, que foi analisar as formas de resistência do
campesinato nos assentamentos da Fazenda Pirituba, sudoeste do estado de São Paulo, no interior
de um complexo cenário de disputa pelo território.
A luta pela terra no Brasil continua sendo elemento fundamental para a instituição das
políticas de reforma agrária, que ainda não foram capazes de alterar de maneira incisiva a estrutura
fundiária. A questão agrária coloca a agricultura camponesa em um contexto onde as alternativas de
resistência podem se manifestar de maneira variada, como na auto-sustentação energética proposta
e concretizada para algumas famílias nos assentamentos da Fazenda Pirituba.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é fundamental no
fortalecimento e organização das famílias assentadas, que receberam o apoio e orientação
necessários para implantação das experiências. A participação de organizações internacionais de
apoio ao desenvolvimento rural na reforma agrária também foi elemento determinante para o
sucesso de algumas experiências. Existem também outros movimentos importantes de luta pelos
direitos dos trabalhadores do campo, e sindicatos variados com concepções diferenciadas, mas com
o mesmo objetivo, transformar a realidade no campo brasileiro. A luta pela terra é uma das formas
de garantir ações estatais a favor da reforma agrária, que visa beneficiar a família camponesa com o
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direito ao acesso a terra, crédito, moradia, saúde, educação, valorizando a cultura camponesa e
promovendo os conceitos de soberania alimentar e energética.
A construção de soberania alimentar e energética depende da realização de uma verdadeira
reforma agrária, da implementação de uma política agrícola que atenda as necessidades de produção
de alimentos e geração de energia. Neste contexto, a soberania alimentar de fato só pode ser
alcançada a partir das lutas realizadas feita pelos movimentos, que estão sendo prejudicados direta
ou indiretamente pelo avanço do agronegócio.
As experiências de produção alternativa de energia e alimentos estão possibilitando
mudanças na realidade das famílias assentadas, proporcionado qualidade de vida quando os
recursos financeiros são mais bem empregados na manutenção da família no campo. A geração do
gás pelo Biodigestor hoje é fundamental para o preparo das refeições nos lotes das famílias
beneficiadas, e o adubo orgânico, que são os resíduos sólidos gerados no processo de
funcionamento da experiência serve como fertilizante natural para os cultivos diversificados. A
cana-de-açúcar produzida no assentamento começou a ser melhor aproveitada com a instalação da
microdestilaria, pois o processo garante, além da geração dos produtos derivados da cana, o
aproveitamento do bagaço para alimentação do gado, necessitando de menos área para pastagem. O
Sistema Agroflorestal é interessante como forma de produção para algumas famílias do
assentamento, pois se aproxima muito das aspirações camponesas para construção de um modelo
agrícola que seja maior integrador entre homem e natureza, que respeite os recursos naturais e os
conhecimentos tradicionais de cultivo da terra, que possa gerar renda para as famílias sem
precisarem das estratégias e instrumentos produtivos típicos do modelo capitalista.
Os resultados apresentados podem ser utilizados na formulação de políticas públicas
apropriadas às demandas e as contribuições do próprio campesinato nos assentamentos. O Estado
pode se basear no sucesso destas experiências para amplificar o alcance destas alternativas para
famílias camponesas em diversas regiões do país, implementando programas de assistência técnica
e financeira para a construção e utilização de biodigestores, subsidiando propostas e programas de
financiamento para o aproveitamento da biomassa gerada pela cana para produção de energia
voltada a esse segmento da agricultura, tendo em vista a economia de custos gerada no processo,
bem como as inequívocas vantagens ambientais. Consideramos necessário que aconteça o devido
investimento nas experiências que se mostraram eficientes maneiras de diminuir a dependência em
relação às empresas capitalistas diretamente envolvidas na estrutura agrária brasileira.
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7 - Referências bibliográficas
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