Exegese Em I Coríntios - Parte III
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GLADSON PEREIRA DA CUNHASILVINO DA CUNHA DIAS
Exegese em I Co.11.2-16 – Parte III
Exegese apresentada ao Seminário Teológico
Presbiteriano Rev. Denoel Nicodemos Eller
atendendo as exigências da disciplina de Exegese
em Cartas Paulina.
Professor: Rev. Ms. José João de Paula
BELO HORIZONTE
2004
ÍNDICE
1 MENSAGEM PARA TODAS AS ÉPOCAS....................................................3
1.1 Ensino Apostólico............................................................................................3
1.2 Soberania de Deus.........................................................................................5
Autoridade e Senhorio de Cristo.....................................................................7
1.3 Dons do Espírito Santo...................................................................................9
1.4 Ministério de Oração.....................................................................................11
1.5 A Criação e as Perspectivas Ontológica e Econômica.................................13
1.6 A Comunhão.................................................................................................15
2 MENSAGEM PARA OS DIAS DE HOJE.....................................................17
CONCLUSÃO............................................................................................................22
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................23
1 MENSAGEM PARA TODAS AS ÉPOCAS
Retornando ao nosso trabalho exegético, temos agora a tarefa de
identificarmos os pontos doutrinários que podem ser levantados deste texto, os
quais são considerados como a mensagem que alcança todos os cristãos em todas
as épocas. Qual a importância?
Como mensagem para todas as épocas, podemos considerar os seguintes
princípios teológicos que nos são apresentados no texto:
1.1 Ensino Apostólico
Etimologicamente para/dosij [translit. paradosis] significa tradição, aquilo que
é transmitido de dentro de um grupo ou entre gerações.1 Num sentido bíblico
podemos falar que ela recebe um significado mais amplo, referindo-se aos vários
elementos, como instruções e preceitos, que formam o corpo doutrinário da teologia
cristã.2 Neste sentido, a tradição apostólica pode ser facilmente identificada como o
ensino cristão mediante os apóstolos, sendo esta a exposição autorizada e revelada
dos ensinamentos de Cristo, as quais compõe o cânon bíblico (Ef.2.20; 2 Ts.2.15).
Deste modo, a tradição apostólica torna-se parte integrante da Escritura, a
qual normativa regra de fé e prática, além da única fonte para todo o conhecimento
da teologia sobrenatural e ensino cristão. Opõe-se, portanto, esta idéia ao
entendimento católico-romano acerca da tradição como um corpo de material extra-
bíblico atribuído aos apóstolos e de valor equiparado com a Escritura.3
Este padrão de exposição doutrinária torna-se, então, o princípio do exercício
do potesta dogmatica, isto é, o ministério do ensino da Igreja, cujo duplo objetivo é a
edificação dos santos e a conversão dos pecadores.4 Assim, o primeiro aspecto se
reveste de grande importância, embora, não podemos deixar de lado o aspecto
evangelizador desta tradição; mesmo porque a evangelização se dá mediante o
ensino [gr. dida/skw] (Mt.28.20).
1 GINGRICH, F. Wilbur, DANKER, Frederick, Léxico do Novo Testamento Grego/Português. São Paulo: Edições Vida Nova, 2001; NEWMAN, Jr, Barclay M. Concise Greek-English Dictionary of the New Testament. [s.i.]: The United Bible Societies 1971
2 VINE, W.E.; UNGER, Merril F.; WHITE, Jr., William. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. 1030
3 ELIAS, J.H. Authirity. FERGUSON, Sinclair B.; WRIGTH, David F.; PACKER, James Innell. New Dictionary of Theology. Downers Grove: Inter Varsity Press, 1988 65
4 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001. 548-549
Neste sentido, o texto paulino oferece uma colaboração para o entendimento
desta realidade doutrinária. As palavras iniciais do apóstolos aos gentios são uma
demonstração clara que havia uma unidade no conteúdo dos ensinamentos que
deveria ministrados às comunidades cristãs, sendo, entretanto, que texto temos a
impressão que Paulo está falando mais especificamente das instruções que ele
mesmo havia ministrado aos primeiros membros da igreja de Corinto, os quais ele
muitas vezes parece relembrar durante as respostas que ele dá às perguntas que
lhe foram enviadas.
Mas como esse texto contribui para o estabelecimento desta doutrina?
Podemos responder a isso com as seguintes considerações. Primeiramente, existe
dignidade na observância do ensino dos apóstolos. No contexto denso da epistola
aos coríntios, é a única vez que Paulo dá uma palavra positiva acerca do
procedimento daqueles cristãos (v.2). Uma atitude muito semelhante a esta é a
referência paulina aos crentes da Beréia (At.17.11), que era zelosos pela Escritura e
pela pregação, se entendemos neste texto o termo lo/goj não apenas se referindo a
Escritura existente até então, mas também como o ensino apostólico5, sendo que
outro significado possível e usado no texto lucano.6
Mesmo se tratando de uma igreja com problemas, evitamos aqui a expressão
moderna “igreja problemática”, era uma comunidade que procurava manter e
sustentar os ensinamentos do seu fundador, não sendo apenas o ensino paulino,
mas que os apóstolos tinham recebido e subseqüentemente transmitido aos
demais.7 Tal decisão reflete uma característica honorável para a igreja e para os
cristãos de Corinto que procuravam nortear suas vidas pela instrução presente na
Escritura (2Tm.3.16) e na tradição transmitida pelo apóstolo Paulo.
Neste sentido, um segundo elemento de análise é que a ortodoxia é
sustentada ao se guardar os princípios da fé cristã. Estes princípios, os quais são
transmitidos por meio de instruções justas e saudáveis, visavam e visam, segundo
Calvino, para o desenvolvimento ordeiro e decente da Igreja de Nosso Senhor.8 Ao
considerarmos a epistola aos coríntios como uma tentativa de Paulo em restabelecer 5 GINGRICH e DANKER. Léxico do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 127. Cf.
NEWMAN, Jr. Barclay M. Concise Greek-English Dictionary of the New Testament. London: United Bible Society, [s.d.], Em: Bible for Windows 2.1.2. Silver Mountain Software, 1993;
6 Na exegese em Atos trabalhamos esta idéia, pela qual afirmamos que palavras lo/goj e didaxv= podem ser traduzidas por ensino , sendo que no caso de didaxv= este é o seu significado primário e no cado de lo/goj é um uso secundário, mas possível.
7 KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento – 1Coríntios. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. 507
tanto o correto padrão de prática cristã como a correta forma doutrinária daquela
igreja, podemos afirmar que as tradições apostólicas transmitidas pelo Apóstolo
tinham a intenção de manter tanto a unidade orgânica da Igreja como a unidade de
pensamento (1Co.1.10) e, porque não dizer, teológica da mesma.
1.2 Soberania de Deus
Quando nos propomos a falar a respeito Soberania de Deus estamos nos
aventurando a entrar no campo dos Atributos Divinos.9 Portanto, faz-se necessário
que definamos o que é Soberania como atributo divino. Louis Berkhof, mestre de
uma geração de teólogos brasileiros, define este atributo como sendo o modo como
Deus é apresentado nas Escrituras, isto é, como Criador e sua vontade como a
causa de todas as coisas.10 Desta forma, continua Berkhof, ele governa como Rei no
sentido absoluto da palavra, e todas as coisas dependem dele e lhe são
subservientes.11
Em outras palavras, Deus é soberano e como tal tem domínio sobre todas as
coisas que por ele foram criadas. Logo, este domínio é algo intrínseco ao seu Ser e,
portanto, alienável do seu ser. Daí concluímos que é impossível a Deus não ser e
não exercer esta autoridade. Neste sentido, a soberania divina está ligada à sua
autoridade [gr. e)cousi/a], a qual pode significar a absoluta possibilidade da ação
divina, sendo Deus a fonte de todo o poder e legalidade de agir, segundo a sua
vontade.12
A Soberania de Deus, portanto, está diretamente ligada ao fato de Deus ser
um ser pessoal e moral, o que exige dele possuir uma vontade,13 a qual é um modo
dele exteriorizar a sua autoridade. Heber Campos, introduzindo o capítulo em que
discute este tema, diz ainda que Deus, como ser inteligente, possui a exigência de
uma faculdade que o conduza à ação,14 sendo justamente esta faculdade que
chamamos de vontade. Isto nos leva a concluir que a vontade de Deus é a sua ação
8 CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura – Exposição de 1º Coríntios. São Paulo: Edições Parácletos, 330
9 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001. 7310 Ibid., p.7311 Ibid., p.7312 KITTEL, Gehard [ed.]. New Dictionary of Theology of the New Testament – Vol. 2. Grand
Rapids: Wm. B. Eerdmann Publishing, 1980. 565-56713 CAMPOS, Heber Carlos. O Ser de Deus e seus Atributos. São Paulo: Editora Cultura Cristã,
1999,35214 Ibid., 352
em estabelecer, de modo inteligente e sábio, todas as coisas que ele se propôs.
Porém, parece haver uma proximidade muito tênue entre a vontade e o decreto de
Deus.
Atentando para estes pressupostos, as definições paulinas do texto em foco
demonstram a relação soberania-autoridade expressada metaforicamente na
palavra grega kefalh/ [translit. kephalē], como trabalhado anteriormente. Esta
relação é claramente demonstrada e trabalhada pelo apóstolo no primeiro verso do
seu argumento, no qual ele apresenta Deus, o Pai, acima das relações Cristo-
homem e homem-mulher, sendo ele soberano sobre estas relações, como modo de
demonstrar a sua autoridade sobre todos os elementos da criação e sobre o próprio
Filho, resguardado o aspecto econômico da trindade, no qual encontramos uma
aparente relação se submissão entre as pessoas da Trindade, mas que isso não se
constitui num elemento de inferiorização de uma das pessoas em relação a outra.15
Analisando a contribuição desta passagem, podemos dizer que ele corrobora
com a doutrina soberania divina, no momento que consideramos os seguintes
aspectos. Primeiramente, que Deus é o governador absoluto de toda a sua Criação.
A sua soberania ou autoridade é um aspecto próprio e característico daquele que é
Criador,16 o que a teologia paulina encara todo o processo criativo como o exercício
do absoluto poder criador de Deus e de sua suprema expressão.17 Deus, por ser o
criador, é também capaz de ser o legislador e sustentador da sua obra. Nas palavras
de Heber Campos, “Deus não somente decreta todas as sua obras [e as traz a
realidade pela sua palavra criativa], mas ele tem de ter poder para realizá-los”.18
Outro aspecto a ser encarado é que a autoridade de Deus é a fonte de toda a
autoridade existente na Criação. Neste sentido, a relação descrita na epístola aos
coríntios (1Co.11.3), é uma expressão clara da autoridade divina, como apresentado
por Paulo, sendo a mesma instituição divina (Rm.13.1-4). Todas as demais forma de
autoridade estão vinculadas e procedem da fonte divina, que é Deus, sendo que, de
certo modo, tanto a autoridade de Cristo como a humana sua procedentes de Deus.
15 LOPES, Augustus Nicodemus. O Culto Espiritual. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001. 64-65
16 KITTEL [ed.]. New Dictionary of Theology of the NT – Vol. 2. 56717 Ibid., 56718 CAMPOS, Heber Carlos. A Providência e a sua Realização Histórica. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 2001. 210
Por conseguinte, faz-se necessário vermos alguns aspectos desta autoridade
procedente.
Autoridade e Senhorio de Cristo
No que tange o entendimento a respeito da pessoa e obra de Jesus Cristo, a
palavra e)cousi/a se reveste de grande significado. Esta palavra aponta para a
posse divina de poder e autoridade para agir (Jo.5.26-27; 17.1-2).19 Assim, Cristo é
possuidor tanto de uma autoridade outorgada, quando olhamos pelo aspecto da
trindade econômica, como de uma autoridade própria, quando a abordamos por um
aspecto ontológico da divindade, isto é, sendo da mesma substância que as demais
pessoas da divindade, Cristo comunga de todas as suas característica de poder e
glória.
Relacionado com esta dupla autoridade de Jesus, podemos observar entres
os vários títulos que são concedidos à Jesus no Novo Testamento é o de Kurioj [lit.
Senhor], talvez o mais importante deles. Mas em que sentido é atribuído a Jesus o
título kurioj? O título kurioj é aplicado a Deus na Septuaginta: (a) como a palavra
equivalente a hawh:y [translit. Yahweh]; (b) como tradução para yinowdA);
[translit. ’Adonai ]; (c) como versão de um título honorífico aplicado a Deus.20
Por conta disso, Berkhof entende que todas as nuanças de sentido atribuídas
a Deus no Antigo Testamento, são aplicadas a Jesus no Novo Testamento, contudo,
o sentido mais exaltado do título é indubitavelmente aplicado apenas após a
ressurreição.21 Oscar Cullmann concorda com Berkhof ao admitir que este título é a
explicação da pessoa e obra de Jesus que supõe a fé em sua ressurreição.22
A partir da ressurreição, que é o início da glorificação de Jesus, é dado a ele o
nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo
joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus
Cristo é Senhor (Fl.2.10-11). O fato da ressurreição de Jesus é tão marcante que ele
se torna o argumento da principal dos apóstolos no início da Igreja, e este
argumento era central para a determinação do seu senhorio.23
19 KITTEL [ed.]. New Dictionary of Theology of the NT – Vol. 2. 56820 BERKHOF. Sistemática. 28921 Ibid., 28922 CULLMANN, Oscar. A Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Custom, 2002.
30423 LADD, George Elddon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Hagnos, 2001.
300-301
Este relacionamento entre a ressurreição e o Senhorio de Cristo acontece
porque é na glorificação que Jesus assume a destra de Deus para reinar sobre
todas as coisas (At.7.56; Ap.1.1-16; 14.1). Jesus Cristo, como Senhor, exerce o seu
senhorio sobre todas as esferas de autoridade que existem, tanto angelicais como
humanas (Mt.28.18; 1Pe.3.22).24 Ele exerce seu domínio e governo sobre a Igreja,
do qual ele é o Cabeça. A palavra kurioj é, portanto, uma referência direta ao Cristo
Exaltado, que ao lado do Pai exerce todos direitos e autoridade que ele tem como
Deus e também recebe adoração do seu povo.25
No texto paulino, encontramos a autoridade de Cristo, assim como a Deus,
logo no inicio da argumentação do apóstolo, sendo Cristo o Cabeça do homem (v.3),
isto é, que Cristo exerce sua autoridade sobre os homens e é demonstrada através
deles, os quais são a manifestação da glória do Criador (v.7). De fato, esta
passagem é um ensino acerca da soberania e autoridade de Cristo sobre a sua
Igreja e sobre toda a criação, idéia que Kistemaker relaciona com outro escrito
paulino, que apresenta tal realidade mais elevada ainda (Ef.1.22).
Podemos afirmar, a partir deste texto, que a autoridade e senhorio de Cristo
pode ser entendido como um exemplo para a sua igreja em dois níveis diferente de
relacionamentos. Num primeiro nível, podemos Cristo como investido de autoridade.
Nesta realidade ele é apresentado como um modelo de como exercer a sua
autoridade, o paralelo desta relação existente – Cristo o Cabeça da Igreja-Homem o
Cabeça da Mulher – pode ser um valiosos exemplo para o que estamos querendo
dizer (Ef.5.21-31). Este texto demonstra que da mesma forma que Jesus ama a sua
igreja, mesmo exercendo sua autoridade sobre ela, assim também, o homem deve
exercer a sua autoridade sobre a sua mulher, amando-a e não lhe sendo um peso.
Sendo, portanto, Jesus um exemplo de como exercer a autoridade que ele tem.
Num segundo nível, Jesus um papel oposto ao primeiro. Ele é apresentado
como alguém que está sob a autoridade do Pai e que se submete a esta autoridade.
Jesus se torna, portanto, um exemplo de submissão tanto para as mulheres
como para os homens, no sentindo de como se submeter ao seu cabeça. Jesus
cumpriu isso de modo intenso quando ele disse aos Pai: “passa de mim este cálice;
contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua” (Lc.22.42). Cristo, portanto,
24 PACKER. James Innell. Teologia Consisa. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999. 12325 CFW. II : iii
submeteu-se ao seu Cabeça e, como este ato, tornou-se exemplo para todos os
tipos de pessoas: os investidos de autoridade e para os que estão sob autoridade.
1.3 Dons do Espírito Santo
Os Dons Espirituais é um tema teológico altamente controverso em nossos.
Em outras época não era um assunto tão em voga como é hoje, e, por causa disto,
se tem pouco material sistemático que elucida melhor este tema.
É interessante o modo como Wayne Grudem define os dons do Espírito
Santo. Para ele o dom pode ser considerado como qualquer talento potencializado
pelo Espírito Santo e usado no ministério da igreja. 26 Nesta definição inclui tanto o
que ele chama de dons naturais como os dons mais miraculosos. 27 Logo, qualquer
talento natural pode ser maximizado sobrenaturalmente por Deus através do Espírito
Santo, transformando o talento que qualquer um poderia ter em algo completamente
diferente do talento comum. A isso ajunta-se a existência de dons que não são
naturais, mas que são “talentos espirituais e especiais” que Deus concede para o
serviço na Igreja.
Os dons não são dádivas estáticas e nem sequer para a glória do seu
possuidor, mesmo porque o dons devem refletir mais a graça do Doador do que a
graciosa condição do agraciado28. Pelo contrário, os dons são para o serviço e o
crescimento da Igreja de Cristo, até que ele retorne29. Portanto, os dons não são
para a glorificação pessoal nem para o estabelecimento de graus de espiritualidade.
Tampouco eles devem ser listados em grau de importância ou algo que o valha. Os
dons devem promover a edificação do corpo de Cristo e não a sua mutilação.
Os profetas dedicavam-se a sua para ouvir a palavra de Deus e depois
proclamá-la para os outros, podendo esta palavra significar pregar, ensinar ou
explicar as revelações já existentes de Deus.30 Num período em que o Novo
Testamento não existia, a revelação era o meio pelo qual lançaria as bases para a
nova igreja. Ferguson, portanto, demonstra que da mesma forma que era necessário
que profetas se levantassem no Antigo Testamento para declarar as palavras de
26 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Edições Vida Nova, 2002. 85927 Ibid., 85928 FERGUSON, Sinclair B. O Espírito Santo. São Paulo: Os Puritanos, 2000.29 GRUDEM, Wayne. Manual de Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Vida, 2002. 43830 KISTEMAKER. 1Coríntios.
Deus para que o povo tivesse preceitos para seguir, assim também deve ser o
entendimento da ação profética no NT.31
Esta passagem corrobora com esta doutrina quando observamos algumas
verdades contidas nos versículos 4-5. Praticamente, eles descrevem o modo como
este dom deveria ser utilizado no ambiente da igreja. De fato, ele estabelece modos
diferenciados para homens e mulheres, mas percebemos que ambos estão
autorizados ao exercício de tal ministério, desde que obedeçam a instrução paulina.
Em outras palavras, tanto homens como mulheres são chamados por Deus e
exercer os seus dons em sua comunidade eclesiástica, desde isso seja feito com
todo o decoro necessário, para que não haja qualquer tipo de constrangimento por
parte dos presentes.
O exercício deste mistério era de extrema importância para a Igreja daquela
época, como também o é em nossos dias, isto porque a nova fé, que era o
cristianismo, precisava de lançar os seus fundamentos para que a Igreja tivesse um
bom desenvolvimento inicial. Este texto contribui para a doutrina dos dons, quando
temos a compreensão da necessidade deles para a igreja de Cristo. Sabemos que
este dom tinha e tem em nossos dias o objetivo de colaborar com o aperfeiçoamento
dos santos para que estes desempenham o seu serviço, para a edificação do corpo
de Cristo (Ef.4.11). Este dom está ligado irremediavelmente a educação e edificação
dos membros da comunidade do corpo de Cristo, que é a Igreja. À eles é a
incumbência de ensinar e orientar a igreja segundo os preceitos da palavra de Deus,
conforme revelado nas Escrituras.
Disto surge uma questão bem contemporânea: o dom de profecia deve ser
entendido dentro do entendimento do período apostólico, ainda em nossos dias? É
possível conciliar a Suficiência das Escrituras com as Revelações Contemporâneas?
Um dos defensores de uma posição conciliadora é justamente Wayne
Grudem. Sua tese de doutoramento discute a continuidade da profecia
neotestamentária na igreja pós-apostólica. Grudem admite a possibilidade de um
profecia congregacional ordinária na igreja tanto neotestamentária como na igreja
contemporânea, todavia, esta vaticinação não deve ser considerada normativa ou
palavra de Deus.32
31 FERGUSON. O Espírito Santo, 29432 GRUDEM. Manual de Teologia, 446
Ora, como uma revelação da parte de Deus pode não ser normativa? Como
uma profecia vinda diretamente de Deus, sem intermediários, não sujeita aos
exames críticos da forma, redação ou mesmo textual, não possui elementos a
coloquem na mesma ou superior posição em relação à Bíblia?
A Confissão de Fé de Westminster fecha a questão quando afirma que
aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo cessaram,
tornando assim indispensável a Escritura Sagrada.33 Logo, se aceitamos que a Bíblia
é a única rega de fé e prática e também revelada por Deus, temos que aceitar que a
possibilidade de Deus se revelar por meios extraordinários nula.
Todavia, se em algum momento pelo seu sábio desígnio e soberana vontade
ele o fizer, tal revelação deverá ter a mesma dignidade, infalibilidade, inerrância,
santidade, preenchendo as características de 2Tm.3.16, e, portanto, será Palavra de
Deus de igual valor a Bíblia. Portanto, ou admitimos que tais revelações
contemporâneas estão no mesmo patamar com a Bíblia, e por isso ela tem valor
normativo e relevante para igreja como um todo, ou não admitimos a sua existência
e assumimos, por conseguinte, a suficiência das Escrituras.
1.4 Ministério de Oração
Outro elemento doutrinário encontrado nesta perícope esta ligado aos
mesmos versículos do ponto anterior, isto é o ministério da oração. Uma boa
definição de oração, que podemos encontrar é a de Charles Hodge, citada por
Sproul, quando ele afirma que a oração é a conversa da alma com Deus.34 A oração
é um dos meios pelos quais temos comunhão com Deus.
Quando Deus redimiu o seu povo, providenciou-lhes meios para que
mantivessem comunhão com Ele, sendo que um destes meios foi a oração. Sendo,
portanto, a oração é uma parte importante do nosso relacionamento com Deus e um
precioso meio, pelo qual a graça de Deus é comunicada ao homem.
Tal relacionamento acontece tanto no âmbito individual, onde cada crente
busca a presença de Deus individualmente, quanto no âmbito coletivo, quando a
comunidade se reúne para unanimemente buscar a presença e a graça de Deus.
Por meio da oração, expressamos ao Senhor a nossa eterna dependência de
seu favor e providência, suplicando por nossa própria vida como também pela vida
33 CFW. I : i34 SPROUL, Robert Charles. Verdades Essenciais da Fé Cristã - Vol. III. São Paulo. Editora
Cultura Cristã, 1999. 36
de outros. Somos levados também a adorar e a agradecer ao Senhor pelos seus
poderosos feitos em nossa vida; além de confessar a nossa transgressão e pecado,
clamando de forma humilde e penitente pelo seu favor e perdão.
No texto da epistola aos coríntios, Paulo não oferece nenhum tipo de
informação concernente ao ato em si, os elementos constituintes da oração, pode
ser um exemplo claro do que ele não trabalhou. Entretanto, o apóstolo trabalha certo
aspecto periférico que se tornam de grande importância tanto para o dogma da
oração quanto para a prática da oração. Paulo não determinou a forma como as
orações comunitárias deveriam se processar, por certo não era necessário que isto
fosse feito, porém, o apóstolos está interessado em elementos periféricos, contudo,
importantes, que não traria escândalo social ou algo que o valha. Neste caso
específico, o véu é este aspecto periférico.
Ao trabalhar a idéia da necessidade do uso do véu para que as mulheres de
Corinto pudessem tanto orar como profetizar (1Co.11.5), Paulo demonstra como, ou
melhor, as atitudes que deveriam delinear a prática da oração comunitária. O que
está de acordo como o dissemos anteriormente, ao afirmarmos que ele aborda tanto
a questão dos trajes quanto o sentimento presente por detrás determinada atitude,
afim de que fosse mantido o decoro.
Mantido este comportamento por parte da comunidade, e não apenas das
mulher, porque se de um lado as mulheres se viam obrigadas a usar o véu, os
homem também eram obrigados a não usarem qualquer tipo de cobertura durante
as reuniões de adoração, seria possível tornar o momento da oração, uma reunião
que realmente expressasse as convicções e a fé daquela comunidade. Em outras
palavras, Paulo está evidenciando que a prática da oração deve cumprir certos
requisitos, os quais devem ter por finalidade transmitir graça aos que estão
presentes no culto. 35
É interessante como o apóstolo trabalha esse texto. Ele poderia ser muito
mais claro em definir o contexto em que as orações e as profecias se processavam
se ele tivesse acrescentado à cláusula “que ora ou que profetiza” (vv.5-4-5) a
expressão “no culto”, o que definiria melhor o contexto destes versículos. Porém,
usando uma figura de linguagem ele assume a oração e profecia como uma forma
de descrever e mesmo de demonstrar o que é e como se processa o culto. Portanto,
35 CALVINO. Exposição de 1º Coríntios, 327
oração e culto são elementos confundíveis nestes versículos. Isto aponta para a
realidade que a oração dos santos é parte essencial e indissociável do culto público,
bem como do culto individual, sendo o mesmo requerido por Deus (1Tm.2.18;
1Ts.5.17; Tg.5.16).
Algo também importante sobre oração é que mesmo que, embora, no texto
ela esteja ligada a uma outra prática que é desenvolvida mediante um dom
espiritual, isto é, o dom de profetizar, a oração não é e nem deve ser encarada como
um dom (cf. Rm.12.6-8; 1Co.12.28; Ef.4.11-12). Não existe dom de oração, todo
cristão tem o privilégio e a responsabilidade de buscar a Deus, em favor de si
mesmo ou de outrem, que esteja vivo ou ainda existirá,36 através deste único meio
de diálogo instituído por ele mesmo.37 Portanto, a oração é um meio de graça que
deve ser exercitado pelos crentes de todas as épocas e, ao contrário da moderna
onda em que vivemos, ninguém tem uma oração “mais forte” ou “dom de oração”,
embora encontramos pessoas que fazem deste meio de graça o seu ministério,
dedicando-se a intercessão em favor de vários assuntos relacionados com a igreja e
seu ministério de evangelização.
1.5 A Criação e as Perspectivas Ontológica e Econômica
Outro elemento doutrinário trabalhado pelo apóstolo nesta perícope é a
Doutrina da Criação, mais detidamente na narrativa da criação de nossos primeiros
pais (1Co.11.7-9). Mas como podemos entender a esta doutrina? Como descrevê-
la? Façamos, então, uma descrição desta doutrina antes de analisá-la à luz do texto
paulino.
Quando voltamos nossa atenção para a narrativa da criação (Gn.1.1-31;2.1-
25), encontramos a história de como Deus criou, por meio de sua Palavra, todo o
mundo físico, o qual seria o teatro de sua ação e da ação homem, o qual ele criou
como a coroa de toda a sua criação. Por sua palavra, ele fez como que tornas as
coisas surgissem, a fim de que todo o seu ato criador resultasse em glória para si
mesmo (Rm.11.36), para a manifestação de seu eterno poder, sabedoria e
bondade.38 Após a criação de todas as demais criaturas e seus respectivos hábitats
– é bem verdade que estes vieram primeiro – Deus criou o homem à sua imagem,
conforme a sua semelhança (Gn.1.26). É bem verdade que a narrativa de Gên.1.27
36 Catecismo Maior de Westminster. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999.37 PACKER. Teologia Consisa, 17738 CFW. IV : i
aponta para a criação imediata de homem e mulher com as mesmas características,
isto é, imagem de Deus. Já na narrativa seguinte, mais detalhada, vemos dois
momentos distintos da criação dos primeiros pais.
Vemos, primeiramente, o homem sendo criado, a imagem e semelhança de
Deus, deste modo, como imagem de Deus, este primeiro homem exerce autoridade
sobre toda a criação, sendo, por isso, o reflexo da autoridade, poder, além de
também reproduzir em nosso próprio nível as santas características deste Deus.39
Neste ponto, é necessário afirmar que Paulo não está contradizendo a passagem de
Gênesis, pelo contrário, como dissemos anteriormente, Paulo entende que homem e
mulher juntos são imagem e semelhança de Deus, tanto que ele sequer diz que a
mulher é a imagem do homem.40 De fato, a mulher é criada por uma necessidade do
homem percebida por Deus, de ter alguém que o auxiliasse e lhe correspondesse
(Gn.2.20 – NVI), necessidade esta que o Criador considerou como algo negativo
dentro de sua perfeita criação.
Assim, na própria narrativa da criação da raça humana percebemos os dois
elementos quanto as realidades ontológicas e econômicas. Na primeira narrativa
homem e mulher são criados a imagem e semelhança de Deus (Gn.1.26-28). Isso
nos leva a dizer que homem e mulher são ontologicamente iguais. Quando nos
referimos ao aspecto ontológico, estamos considerando a natureza do ser criado,
sua qualidades inerentes e tudo o que faz deste ser o que ele é. Homem e mulher,
portanto, são imagem de Deus, lembrando que esta imagem aponta para uma
característica ativa desta realidade. Paulo não desconsidera esta realidade em sua
epistola aos coríntios, como já afirmamos nos parágrafos acima.
Por outro lado, na segunda narrativa aponta para uma realidade diferente
entre os dois representantes da espécie humana, que aqui vamos chamar de
econômica (Gn2.18-25). Esta realidade descreve as funções específicas de cada um
dos gêneros humanos estabelecidas desde a criação. A própria criação demonstra
estes papéis: o homem deveria dominar sobre a toda a criação e a mulher deveria
auxiliar neste domínio sendo igual ao homem, porém completando-o (Gn.2.20). O
cumprimento dos seus respectivos papéis culminaria em recompensa não apenas
para o homem, mas também para a sua mulher, enfim para ambos.
39 PACKER. Teologia Concisa. 6640 FEE, Gordon. The New Internacional Commentary on the New Testament – The First
Epistle to the Corithians. Grand Rapids: Wm. Eerdmans Publishing Co., 1987. 513
O apóstolo, portanto, se apropria desta segunda realidade em seu argumento
para descrever como deveria ser o relacionamento homem-mulher e que tal
diferença deveria ser demonstrada por meio de elementos culturais que no caso dos
coríntios era o véu. Paulo ainda ensina que a própria natureza demonstra que um
mesmo sinal pode ser de honra para a mulher e desonra para o homem (1Co.11.14).
Deus, portanto, não criou apenas o universo material, mas também as leis
que o governariam, bem como certas leis que poderíamos chamar de sociais, que
governaria a forma do homem se relacionar entre os seus pares. Esse propósito
quanto ao homem é uma realidade que não deve ser deixada de lado. Tanto a
narrativa da criação como o texto paulino se opõe a qualquer espécie de machismo
ou feminismo. Deus não criou homem e mulher sendo um superior ao outro, mas
ambos iguais com tarefas diferentes, qualquer tipo de atitude contrária a esse
padrão é revolta contra o Criador.
1.6 A Comunhão
O termo comunhão não aparece no texto de I Co.11.2-16 em nenhum
momento. Entretanto, este conceito pode ser inferido das atitudes descritas no texto
em relação as práticas de cúlticas da oração e profecia, que ao que tudo indica é
uma prática pública e não reservada. A palavra koinwnia parece ter sua origem em
koino/j [lit. comum], de onde se tem o origem o verbo koinwne/w [lit. compartilhar].
Portanto, koinwnia pode ser traduzida como comunhão, mas também traz a idéia
de associação, que de certa forma pode ser um correspondente direto de ekklhsia
[lit. assembléia, igreja]. Portanto, a igreja de Cristo é a associação daqueles que são
chamados por Deus a fim de viverem um nova vida em Cristo e a comunhão como
os demais membros do corpo que é a Igreja.
Sobre a Comunhão que deve existir entre os Santos a CFW diz:
(…) estando unidos uns aos outros no amor, participam dos mesmos dons e graças e estão obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e particulares que contribuem para o seu mútuo proveito, tanto no homem interior como no exterior.41
O vínculo que une cada elemento, cada parte do corpo é o amor. A comunhão
também é expressa pela CFW como a obrigação ao cumprimento dos deveres
públicos e particulares. Pensando nas obrigações públicas relacionadas ao serviço
41 CFW. XXVI : i
religioso, podemos considerar que o culto é um elemento fortalecedor dos laços de
unidade que envolve os santos. Archibald A. Hodge confirma esta idéia ao comentar
a Confissão. Para ele, entre vários outros aspectos, o culto faz parte e exercita a
comunhão dos santos.42
Este texto nos oferece duas boas ocasiões que favorecem a doutrina da
comunhão. A primeira delas tem a ver com a idéia do culto público, no qual a
comunidade cristã de Corinto se fazia presente, o que podemos enquadrar como
uma obrigação de cumprimento público, como diz a Confissão anteriormente citada.
Na parte anterior deste trabalho, dissemos que o contexto dos versículos 4 e 5 é o
de uma reunião de adoração devido a avaliação da atitude de profetizar, que não é
um prática particular, mas comunitária.43 Neste sentido, o ato da mulher não usar o
véu poderia ser encarado como um modo de constrangimento da comunidade, bem
como, um motivo para o desenvolvimento de discórdias, principalmente numa igreja
com fama de ser desunida.
A segunda delas, porém a mais importante do nosso ponto-de-vista, está no
versículo final desta perícope. Quando o apóstolo se nega a entrar num debate
público acerca daquilo que acabara de ensinar (1Co.11.16), não é a sua intenção
esquivar-se de possíveis ameaças à sua posição, mas tão somente porque ele que
tal ensinamento estava em acordo com o ensino dos demais apóstolos, com os
quais mantinha contato (At.2.42; 15.13-31).
Assim, portanto, toda a igreja de Cristo, não apenas a coríntia, mas todas
aquelas que haviam sido implantadas pelo esforço apostólico, estava unida no
sentido de compreender e praticar estas observações paulinas referente ao modo de
se apresentar no culto, mantendo o decoro, a honra e o respeito uns aos outros.
Neste sentido, este texto reflete a posição ecumênica44 da igreja do séc. I, no qual a
unidade ou comunhão eclesiástica era algo presente mais no pensamento teológico
que nos outros campos.
Esta passagem, portanto, contribui para a doutrina da comunhão dos santos
nos seguintes aspectos: (a) a comunhão dos santos vivida no culto público – quando
a comunidade dos fieis se reúne para o culto público, ela experimenta a vivência de
42 HODGE, Archibald Alexader. Confissão de Fé de Westminster Comentada. São Paulo: Os Puritanos, 1999. 439
43 FEE. The First Epistle to the Corithians. 50544 Não entender ecumênico no sentido moderno da palavra, mas no sentido adotado pelos
teólogos cristãos dos primeiros séculos da nossa era.
sua comum fé em seu Senhor e seu Deus, a qual foi conquistada na cruz, através do
sacrifício de Cristo (Ef.2.11-15). Assim, a comunhão é mantida no seio da igreja e
entre os seus membros, porque neste momento todos compartilham de algo que
lhes é comum, a mesma fé; (b) devemos manter a unidade a custa de nossos
interesses pessoais – todo o argumento de Paulo no capítulo 11 de 1ª aos Coríntios,
gira em torno desta idéia – vimos isto quando tratamos do contexto anterior.
Abnegação é, portanto, uma palavra-chave deste capítulo. Isto fica evidente quando
ao percebermos que Paulo está tratando da questão porque este era uma problema,
que pelo que estudamos, que estava trazendo constrangimento e escândalo para o
dentro da igreja e, consequentemente, gerando a quebra da comunhão. Por isso, os
interesses pessoais deveriam ser deixados de lado para que a paz e a harmonia
reinasse dentro daquela comunidade cristã; (c) a necessidade da unidade no
pensamento doutrinário – esta idéia tem a ver com a última parte desta perícope.
Como vimos anteriormente, Paulo afirmou que o que ele estava transmitindo não era
um ponto de possível discussão, por se tratar de um capricho paulino, mas era uma
idéia bem patente para os demais apóstolos (1Co.11.16), sendo, portanto, um
princípio universal para a igreja cristã. O pensamento doutrinário uniforme é mais
que um simples capricho para a Igreja, ele é um fato de unidade, tanto isto é
verdade que o próprio apóstolo inicia esta epistola pedindo aos coríntios que eles
estivessem unidos numa mesma disposição mental (1Co.1.10).
2 MENSAGEM PARA OS DIAS DE HOJE
Após vermos, ao longo do trabalho, a mensagem que Paulo deixou para a
Igreja de Corinto e também para a igreja de todos os tempos, como doutrina e
vontade revelada de Deus, ficamos a nos perguntar: Será que esse texto pode ser
aplicado em nossos dias? Os tempos são outros, os costumes não são mais os
mesmos, como fazer então?
Desde o princípio a Palavra do Senhor tem sido manifestada ao homem e se
mostrado poderosa, viva e eficaz. Essa Palavra tem permanecido acima dos
acontecimentos, imutável, porém aplicável ao homem em todos os sentidos e em
todas as épocas, pois a mesma foi objetivada como revelação de Deus, da sua
pessoa e obra para a vida do homem. Desta forma não importa em que época,
contexto e situação estejamos inseridos, a Palavra de Deus sempre falará aos
nossos corações, nos indicando o caminho e vontade de Deus. Por isso podemos
aplicar todos os princípios existentes em Coríntios ou em qualquer outro livro da
Bíblia mediante um sério trabalho exegético, que trará para os dias de hoje aquilo
que era prática naquele tempo.
Portanto, apesar de quase dois mil anos que separam a Igreja de Corinto da
Igreja da nossa era, é possível tornar 1Co 11.2-16 uma realidade contemporânea,
uma grande instrução e orientação da maneira como deve se portar uma igreja que
queira ser grande exemplo de compromisso e submissão no empenho em servir o
Reino de Deus.
A mensagem inicial que encontramos no texto se refere ao louvor dado a
igreja que guarda as tradições da forma como foram entregues (v. 2). Ou seja, o fato
de se guardar as tradições, os ensinos, as doutrinas que procedem da obra de
Cristo, isto é, doutrina dos apóstolos, trará louvor para a igreja que o faz, pois desta
forma, a igreja tornar-se-á padrão, pois viverá segundo a vontade de Deus,
conhecendo quais são os Seus propósitos, os Seus princípios imutáveis, o que Ele
requer, e o que Ele espera. Cristo proporcionou à igreja, ao longo do tempo e das
eras, o privilégio de ser constantemente edificada e conservada nele mesmo (cf
Ef.2.19-21; 1Pe.2.4-7). E um dos meios essenciais para essa edificação e
conservação é a permanência na Sua Palavra, na Escritura.
À medida que a igreja conhece e se empenha em conhecer os planos e
propósitos de Deus para a sua vida, passa a ter uma visão correta do Deus a quem
esta servindo e adorando, ou seja, entende a magnitude do relacionamento de
reciprocidade e completude da trindade no plano de salvação. Entende que mesmo
que cada pessoa da trindade são iguais em poder e glória, assim com, em
substância, cada uma das pessoas divinas se ocupou de papéis diferentes no plano
da redenção, pois o filho se submeteu ao plano de Deus para a salvação, e o
Espírito se submeteu tanto ao Pai como ao filho para aplicar essa salvação.
Interessante que essa submissão não demonstrava fraqueza e sim glória, pois pelo
fato de Cristo ter se submetido à vontade do Pai, isso se reverteu em glória, pois o
seu nome foi colocado acima de todo nome, quer na terra, quer no céu; tornou-se o
cabeça da igreja, a quem todos devem se submeter e servir (cf. Ef.20.22).
Por isso essa instrução de Paulo se torna aplicável à igreja, pois quando a
igreja, observando a doutrina bíblica, entende a economia do espírito e da igreja,
saberá que foi chamada em Cristo, não para ser servida, mas, para servir, pois isso
trará glória e louvor para ela, pois estará cumprindo a vontade de Deus, cumprindo o
seu papel no mundo e na sociedade.
Sabemos que Paulo sempre pregou o evangelho de Cristo que libertou as
pessoas das leis civis e cerimoniais judaicas, pois entendia que esses costumes
judaicos não fariam as pessoas mais cristãs ou menos cristãs. Porém Paulo sempre
evoca a atenção da igreja para questões culturais, que deverão ser observadas, pois
demonstrará se os crentes estão realmente entendendo a palavra de Deus e
vivendo-a, ou não. Paulo não pretendia dizer aos crentes em toda parte através dos
séculos que adotassem os costumes que ele queria que os cristãos coríntios
seguissem.
Mas o que ele estava enfatizando é que no relacionamento do casamento a
esposa deve honrar e respeitar seu marido e o marido deve amar e guiar sua
esposa, e que se ambos tivessem entendido isso, deveriam corresponder aplicando
isso ao costume da igreja da época. Usar o véu não era sinal de inferioridade para a
mulher, mas sim de dignidade, era apenas um símbolo de que a mesma estava
entendendo que assim como havia dignidade no fato de Cristo ter se submetido à
vontade do Pai, mesmo sendo Eles iguais em poder e glória, para cumprir o seu
papel no plano de redenção, havia da mesma forma, dignidade nela se submeter ao
marido, entendendo que ele é o cabeça da família, assim como Cristo é da Igreja.
Este princípio permanece o mesmo e é aplicável de diversas maneiras pelas
variadas culturas através do mundo.
É interessante notarmos que essa não é apenas uma simples instrução ou um
mero conselho. Paulo está chamando a mulher ao seu dever, e à necessidade de
cumpri-lo, na família e na igreja. Paulo entendia que na igreja, o Espírito Santo
enchia a todos, tanto homens como mulheres, pois ambos oravam e profetizavam
(1Co.11.4-5), ou seja, diante do Senhor da Igreja, tanto homens como mulheres
eram receptores dos dons do Espírito, estavam aptos para servir, porém não
deveriam esquecer que o relacionamento homem-mulher, bem como os deveres,
benefícios e direitos provenientes desse relacionamento, permaneciam intactos
diante de Deus, pois para Deus cada um tem o seu papel no relacionamento. E tanto
homem como mulher, os observando, estariam cumprindo a vontade de Deus para
as suas vidas.
Desta forma cada cristão deve entender que diante de Cristo o cabeça, todos
nós somos iguais, temos os mesmos direitos, somos enchidos com o mesmo
espírito, porém temos cargos e funções diferentes, temos dons diferentes, para que
assim, através da multiforme graça de Deus, a igreja seja continuamente edificada e
preservada. Para cada cristão há dignidade em cumprir o seu papel específico na
igreja, o seu dever solicitado por Deus. Não esquecendo que mesmo a igreja sendo
uma família espiritual, ela é formada por famílias, no sentido humano da palavra,
que devem refletir essa família espiritual, na qual todos buscam a glória de Cristo,
servindo-o e honrando-o. Desta forma, cada marido deve amar a sua esposa como
Cristo amou a igreja (Ef.5.22-33), e a esposa dever ser submissa ao marido,
entendendo que ele é o cabeça da família, honrando-o e auxiliando-o, assim como a
igreja faz com Cristo o seu Senhor, e os filhos devem honrar e obedecer os pais, os
honrando, respeitando e obedecendo, pois assim toda a família refletirá a glória de
Cristo, funcionando como deve funcionar (Ef.6.1-4). E isso refletirá na vida da igreja,
pois cada membro terá o outro como mais importante, com mais honra (Rm.12.10),
e descobrirá que Deus concedeu dons diferentes e que cada membro terá funções
diferentes, porém com um mesmo objetivo e propósito, honrar ao seu Senhor e
glorifica-lo.
A igreja entenderá que mesmo Deus tendo estabelecido uma liderança na
igreja, como mestres, pastores, presbíteros, diáconos (1Co 12.28) ela deverá se
submeter a essa liderança, e haverá dignidade e glória nisso, pois é para a
condução da mesma, para o seu próprio bem. E quando a igreja age assim, ela
recebe glória da parte de Deus, se torna uma igreja digna do amor do Pai, pronta
para refleti-lo em cada um de seus membros, pois mesmo cada um sendo diferente,
e tendo funções diferentes, todos são um só no Senhor, pois completam a grande
família de Cristo.
Podemos dizer então que a ênfase da aplicação do texto, é nos mostrar que a
mulher não foi chamada à escravidão, mas à medida que a mesma conhece o
evangelho de Cristo, descobrirá que tanto ela como o marido ontologicamente são
iguais perante Deus, e que cada um cumprindo o seu papel e dever, mesmo que
sendo diferentes, trará glória à família, pois viverão dignamente como servos de
Deus. E que ela quando vive essa submissão, recebe tanta glória e autoridade de
Deus que se torna superior aos anjos, por ocupar na história da redenção um lugar
de que eles, os anjos não ocuparam, ser proclamadora do evangelho, ser
edificadora de sua casa, através do exemplo que dá a sua família.
CONCLUSÃO
A Igreja de Jesus Cristo em Coríntios é um reflexo claro da Igreja de Jesus
Cristo em todo o mundo. É impossível lermos a epistola e não percebermos a sua
contemporaneidade e sua relevância para os nossos dias. É impossível não
compararmos os nossos problemas como os problemas que eles enfrentaram. É
impossível não ansiarmos por a solução destes problemas.
O problema que trabalhamos mais do que uma simples questão doutrinária é
uma questão pastoral, no sentido de que se tratava relacionamentos desvirtuados e
que não refletiam os preceitos cristãos até então estabelecidos, dificuldades estas
que afetavam diretamente as relações familiares, principalmente marido-mulher,
embora a repercussão disso poderia ser sentida em toda a comunidade cristã de
Corinto, como também em toda sociedade coríntia.
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