EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL … · 2012-10-25 · Goiás, e 52, II, da...
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
“Não há posição que se apoie em princípios mais claros que a de declarar
nulo o ato de uma autoridade delegada, que não esteja afinada com as
determinações de quem delegou essa autoridade. Consequentemente, não
será válido qualquer ato legislativo contrário à Constituição. Negar tal
evidência corresponde a afirmar que o representante é superior ao
representado, que o escravo é mais graduado que o senhor, que os
delegados do povo estão acima do próprio povo, que aqueles que agem em
razão de delegações de poderes estão impossibilitados de fazer não apenas
o que tais poderes não autorizam, mas sobretudo o que eles proíbem.”
(Alexander Hamilton, O Federalista n. 78)
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, previstas nos
artigos 129, IV, da Constituição da República, 29, I, da Lei Federal n. 8.625, de
12.2.1993, 60, V, e 117, IV, primeira parte, ambos da Constituição do Estado de
Goiás, e 52, II, da Lei Complementar Estadual n. 25, de 6.7.1998, vem perante
o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás propor
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia
Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no Diário da Assembleia n. 10.968,
de 29.4.2010, que acrescentou o § 3º ao art. 210 da Resolução n. 1.218, de
3.7.2007 (Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás).
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I
DO HISTÓRICO
Relegando a plano secundário as linhas jurisprudenciais
traçadas pelo Supremo Tribunal Federal, no plano de sua intelecção a respeito
dos pressupostos formais alusivos à perda de mandato parlamentar, a
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás decretou, com a consequente
promulgação por Ato da Mesa, o ato normativo impugnado, do seguinte teor,
litteris:
RESOLUÇÃO Nº 1.312, DE 28 DE ABRIL DE 2010
Altera a Resolução nº 1.218, de 03 de julho de 2007, que institui o
Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE GOIÁS, nos termos
do art. 11, XV, da Constituição Estadual, decreta e a Mesa promulga
a seguinte Resolução:
Art. 1º Ao art. 210 da Resolução nº 1.218, de 03 de julho de 2007,
fica acrescentado o § 3º, com a seguinte redação:
“§ 3º Especificamente quanto à hipótese prevista no inciso V do art.
206, será observado o seguinte procedimento:
I – recebido o expediente da Justiça Eleitoral, a Mesa Diretora abrirá
prazo máximo de 8 (oito) sessões ordinárias para manifestação do
partido político do qual faz parte o Deputado Estadual interessado;
II – após o prazo mencionado no inciso anterior, com ou sem as
manifestações do partido político, será notificado o Deputado
Estadual interessado para que apresente as informações que
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entenda necessárias, no prazo máximo de 8 (oito) sessões
ordinárias;
III – findo o prazo a que se refere o inciso II deste artigo, a
Procuradoria opinará sobre a legalidade do procedimento, no prazo
de 15 (quinze) dias úteis, remetendo-se os autos à Mesa Diretora;
IV – a Mesa Diretora oficiará à Justiça Eleitoral para que seja
informada a ordem dos suplentes do Deputado Estadual interessado;
V – após o recebimento do ofício a que se refere o inciso anterior, a
Mesa Diretora fará pronunciamento definitivo, observando-se o teor
da decisão judicial e empossando o suplente, observando-se a ordem
informada pela Justiça Eleitoral.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.”
De seu turno, o art. 206, caput, e incisos, da Resolução n.
1.218, de 3.7.2007 (Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás), possuem a seguinte redação, verbis:
“Art. 206. Perderá o mandato, o Deputado:
I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no art.13 da
Constituição do Estado;
II – que tiver procedimento declarado incompatível com o decoro
parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça
parte das sessões ordinárias da Assembleia Legislativa, salvo licença
ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
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V – quando o decretar a Justiça Eleitoral;
VI – que sofrer condenação criminal por sentença transitada em
julgado.” (ênfase acrescentada)
Como se pode observar, numa leitura sistemática dos
dispositivos acima transcritos, notadamente por conta da remissão do caput do
guerreado § 3º do art. 210 à hipótese do inciso V do art. 206, o ato normativo
alvejado inseriu dispositivo no Regimento Interno da Assembleia Legislativa
Goiana impositivo de pesado curso procedimental, obstativo, a mais não poder,
do cumprimento expedito das decisões da Justiça Eleitoral de que resultem a
perda do mandato parlamentar de Deputado Estadual.
Todavia, o exame atento da ordem constitucional, a propósito
das hipóteses e procedimentos pertinentes às situações de perda (por
cassação ou extinção) do mandato parlamentar, e a análise da interpretação
constitucional da Corte Suprema dão mostra sobeja e acachapante da eiva de
inconstitucionalidade material de que se macula a normativa objeto da presente
ação.
II
DA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Em sempre recordado magistério, o notável José Afonso da
Silva (Comentário Contextual à Constituição, 8ª ed., São Paulo: Malheiros,
2012, p. 429, v. g.) distingue, na exposição do art. 55 da Constituição da
República, com clareza lapidar, após definir-lhe a natureza, duas espécies de
situações em que se dá, na ordem constitucional brasileira, a perda do
mandato de Senador ou de Deputado Federal:
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“1. PERDA DE MANDATO. O mandato é uma comissão de natureza
política. É conferido por eleição popular para um prazo determinado,
dentro do qual, por princípio, seu titular goza das prerrogativas
constitucionalmente reconhecidas. Portanto, a perda do mandato é
coisa excepcional, que, no entanto, pode ocorrer nas hipóteses em
que o parlamentar perde os direitos políticos nos termos do art. 15, ou
nas hipóteses configuradas no artigo em comentário. Quer dizer, no
regime jurídico do congressista inclui-se também a disciplina da perda
de seu mandato, que se dará por cassação ou por simples extinção.
2. CASSAÇÃO DE MANDATO. “Cassação” é a decretação da perda
do mandato por ter seu titular incorrido em falta funcional definida em
lei e punida com esta sanção. Fácil agora é verificar que são casos
de cassação de mandato dos congressistas os previstos no art. 55, I,
II e VI, que dependem de decisão da Câmara ou do Senado, por
voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva
Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional,
assegurada ampla defesa. É que aí se instaura um processo político
de apuração das causas que justificam a decretação da perda do
mandato, isto é, da cassação deste pela Casa a que pertencer o
imputado. Trata-se de decisão constitutiva.
3. EXTINÇÃO DE MANDATO. Define-se como tal o perecimento do
mandato pela ocorrência de fato ou ato que torna automaticamente
inexistente a investidura eletiva, tal como a morte, a renúncia, o não-
comparecimento a certo número de sessões expressamente fixado
(desinteresse, que a Constituição eleva à condição de renúncia),
perda ou suspensão dos direitos políticos. Os casos do art. 55, III, IV
e V, são de simples extinção do mandato, de sorte que o
pronunciamento pela Mesa da perda deste é meramente declaratório,
pois é apenas o reconhecimento da ocorrência do fato ou ato de seu
perecimento; por isso é feito pela Mesa da Casa a que pertencer o
congressista, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus
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membros ou de partido político representado no Congresso Nacional,
assegurada ampla defesa.
A Constituição não disse como se define a perda de mandato no caso
em que o congressista perde ou tem suspensos seus direitos
políticos, mas, à evidência, nesse caso se dá a extinção do mandato
como consequência direta daquele fato; não há nada mais a fazer
senão a própria Mesa da Casa do congressista reconhecer, por
declaração, a perda do mandato.”
Como cediço, a Constituição da República, em seu art. 27, § 1º,
prescreve, em relação aos Deputados Estaduais, a aplicação, ao seu regime
jurídico, dentre outras, das versadas regras sobre “perda de mandato”.
Em monografia que se tornou referência no trato dos diversos
aspectos ligados à ação constituinte das coletividades locais da Federação,
Anna Cândida da Cunha Ferraz (Poder Constituinte do Estado-membro, 1ª
ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 133-134) ensina derivarem da
doutrina de que as Constituições Estaduais devem conformar-se à Constituição
Federal implicações também de ordem positiva, consistindo estas em que o
Poder Constituinte Decorrente deve assimilar os “preceitos, os fins e o espírito
da Constituição Federal”, procedendo, dentre outras, à “absorção obrigatória de
princípios consagrados pela Constituição Federal, cujo destinatário é,
específica e exclusivamente o Estado-membro”.
A norma do art. 27, § 1º, da Constituição da República, se
encaixa perfeitamente na lição, daí que tal preceito – decidiu o Supremo
Tribunal Federal, Relator o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento da ADI
2.461, em 12.5.2005 – substancia “limitação expressa ao poder constituinte
decorrente dos Estados-membros” (A Constituição e o Supremo, 4ª ed.,
Brasília: STF, 2011, p. 766, v. g.).
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Na fixação de seus contornos, de si bastante claros, sequer se
exige operação exegética de tomo, conforme acentua a doutrina (SILVA, José
Afonso, ob. cit., p. 299), litteris:
“2.6 Estatuto dos Deputados Estaduais. O Estatuto dos Deputados
Estaduais é matéria que compete ao constituinte de cada Estado
definir na respectiva Constituição, mas a Constituição Federal já
determina que lhes sejam aplicadas as regras sobre sistema eleitoral
(sistema proporcional), inviolabilidade, imunidades, remuneração,
perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças
Armadas – o que invoca o conteúdo do modelo federal constante dos
arts. 53 a 56, cumprindo apenas acrescentar aí o privilégio de foro a
ser previsto na Constituição Estadual, para declarar que serão
julgados pelo Tribunal de Justiça.
3. MANDATO DOS DEPUTADOS ESTADUAIS. O § 1º não oferece
problema de compreensão, por isso praticamente nada tem que ser
comentado. O mandato é de quatro anos, com início na data fixada
na Constituição do Estado, com aplicação das regras da Constituição
sobre sistema eleitoral (que é proporcional – art. 45), inviolabilidade
(art. 53, caput), imunidades (art. 53, § 2º), remuneração, perda de
mandato (art. 55), licença (art. 56), impedimentos (art. 54) e
incorporação às Forças Armadas (art. 53, § 7º).”
Por isso mesmo, o Estado de Goiás, no manejo do Poder Constituinte Decorrente, estabeleceu, no art. 14, caput, e incisos, e
parágrafos, de sua vigente Constituição, regramento substancialmente idêntico
ao que se contém no art. 55 da Constituição da República, verbis:
“Art. 14. Perderá o mandato o Deputado Estadual:
I – que infringir qualquer das proibições do art. 13;
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(redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)
II - que tiver procedimento declarado incompatível com o decoro
parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça
parte das sessões ordinárias da Assembleia Legislativa, salvo licença
ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral;
VI - que sofrer condenação criminal por sentença transitada em
julgado.
§ 1º São incompatíveis com o decoro parlamentar, além dos casos
definidos no Código de Ética e Decoro Parlamentar, o abuso das
prerrogativas asseguradas aos Deputados e a percepção de
vantagens indevidas.
(redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será
decidida por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação
da Mesa Diretora, de ofício ou mediante provocação de partido
político representado na Assembleia Legislativa, assegurada ampla
defesa.
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(redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)
§ 3º Nos casos previstos nos incisos III, IV e V, a perda será
declarada pela Mesa Diretora, de ofício, ou mediante provocação de
qualquer de seus membros, ou de partido político representado na
Assembleia Legislativa, assegurada ampla defesa.
§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou
possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus
efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e
3º.”
(acrescido pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)
Fácil concluir, à luz da doutrina invocada, que, no inciso V do
art. 14, similar ao inciso V do art. 55 da Constituição da República, ex vi da já
referida imposição do seu art. 27, § 1º, se está perante caso típico de extinção
de mandato parlamentar, para cuja ocorrência, como visto, o ato da Mesa,
antes de suceder juízo político da Casa, é, ele mesmo, de mero acertamento
empírico da hipótese prevista na ordem constitucional, declarando-lhe a
ocorrência e dela extraindo, num juízo marcadamente objetivo, os efeitos
jurídicos que lhe tenham sido constitucionalmente preordenados.
Ora, estabelecendo procedimento interna corporis para o fim de
obrar nos casos de declaração de extinção de mandato parlamentar por
operatividade de decisão da Justiça Eleitoral, a Resolução n. 1.312, de
28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, foi além da marca,
excedendo-se, inclusive nos prazos por ela previstos, os quais extravasam, em
manifesta desproporção, do que de fato seria necessário para a singela
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verificação da existência, da autenticidade e da pertinência subjetiva da
decisão emanada do Poder Judiciário.
Assim, revela-se de todo despropositada a norma do inciso I do
§ 3º do art. 210, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de
Goiás, acrescentado pelo ato normativo objurgado, quando prescreve que,
“recebido o expediente da Justiça Eleitoral, a Mesa Diretora abrirá prazo de até
8 (oito) sessões ordinárias para manifestação do partido político do qual faz
parte o Deputado Estadual interessado”.
Com efeito, a par de desnecessário o prévio parecer do partido
a cujos quadros políticos pertença o parlamentar, o prazo conferido extrapola o
que seja adequado para o fim de objetiva aferição da existência, da
autenticidade e da pertinência subjetiva de decisão emanada do Poder
Judiciário, domínio institucional no qual já se haverá exercido, em devido
processo, a ampla defesa constitucionalmente exigida.
Vai mais longe, porém, a normativa objeto da presente ação, ao
prever, no inciso II do § 3º acrescido ao art. 210 do Regimento Interno da
Assembleia Goiana, que, transcorrido o prazo mencionado, com ou sem
manifestação do partido político, o parlamentar será notificado para apresentar,
no prazo de até 8 (oito) sessões ordinárias, defesa que, a rigor, não poderá
ultrapassar os aspectos acima mencionados de existência e autenticidade e,
quando muito, de pertinência subjetiva da decisão ao Deputado Estadual tido
como interessado.
E, num cúmulo múltiplo de inconstitucionalidade, após conferir
um prazo de 15 (quinze) dias úteis para o fornecimento de parecer pela
Procuradoria da Casa (inciso III do § 3º acrescido ao art. 210 do Regimento
Interno da Casa de Leis do Estado de Goiás), posterga-se, sem nenhuma
justificativa crível, a decisão da Mesa Diretora até que a Justiça Eleitoral lhe
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informe, após ofício que lhe seja dirigido, a mais que ressabida e pública ordem
de suplência (incisos IV e V do § 3º adicionado ao art. 210 do Regimento
Interno da Assembleia Legislativa Goiana), saltando aos olhos o desiderato
procrastinatório dessas diligências.
Suficiente a leitura do art. 68, II, do Regimento Interno da
Assembleia Legislativa, para verificar que as sessões ordinárias são em
número de 3 (três) por semana.
Assim, levando em conta os (a) prazos para manifestação do
partido e do parlamentar interessado, já se terá mais de 30 (trinta dias), aos
quais se poderão somar (b) mais 15 (quinze) para o fornecimento de parecer
pela Casa de Leis, e, nessa toada, (c) os dias gastos com notificação do
partido, do Deputado Estadual e do Tribunal Regional Eleitoral, e, nesse passo,
(d) o tempo decorrido entre o recebimento de ofício da Assembleia Legislativa e
a resposta pertinente à suplência: ao final, ainda, forçoso agregar o lapso
temporal entre a resposta da Justiça Eleitoral e a reunião da Mesa.
O rito sofisticado, todavia, mais se ajusta a casos de cassação
do que de extinção de mandato.
Sensível, porém, é a diferença entre cassação e extinção de
mandato parlamentar, pois, naquela, qualificada sempre pela nota dominante
do juízo político do Parlamento, sobreleva a discricionariedade em extensão
alargada, enquanto nesta, com nenhum juízo político se depara, senão que
com ato vinculado de puro e simples acertamento de situação impositiva de
perda de mandato parlamentar.
Feriu, com a argúcia habitual, o tema o então Ministro
Sepúlveda Pertence, em voto proferido no deslinde plenário da Medida
Cautelar no Mandado de Segurança n. 25.579/DF, j. de 19.10.2005, o qual,
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após recordar a distinção operada pelo publicista José Afonso da Silva,
pontificou, litteris:
“10. Parto da distinção, presente na obra de José Afonso entre a
cassação e a simples extinção do mandato: 'cassação' – dilucida o
mestre, com definição de Hely Lopes Meirelles – 'é a decretação da
perda de mandato, por ter o seu titular incorrido em falta funcional,
definida em lei e punida com esta sanção'; já a 'extinção do mandato'
– define – 'é o perecimento do mandato pela ocorrência do fato ou
ato que torna automaticamente inexistente a investidura eletiva, tais
como a morte, a renúncia, o não comparecimento a certo número de
sessões expressamente fixado (desinteresse que a Constituição
eleva à condição de renúncia), perda ou suspensão dos direitos
políticos'.
11. 'A utilidade e a razão da distinção' – colho de precioso estudo
inédito de Eduardo Fortunato Bim, que o autor teve a fineza de
enviar-me – 'reside na necessidade ou não de votação da Câmara ou
do Senado para a perda do mandato do parlamentar e, ipso facto, na
existência (cassação) ou inexistência (extinção) de juízo político do
parlamento'.
12. 'Para os casos de cassação (incisos I, II e VI do art. 55 da CF),
há necessidade de votação secreta pela maioria absoluta dos
membros da casa, mediante a provocação da respectiva Mesa ou de
partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a
ampla defesa. Nos de extinção do mandato (CF, art. 55, incs. III, IV e
V) haverá apenas a declaração da Mesa, não votação secreta por
maioria absoluta'.
13. 'Na cassação' – infere daí o autor –, 'a decisão tem natureza
constitutiva; na extinção, meramente declaratória'.
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14. Dos casos de extinção, não é preciso cuidar-se aqui: sua
declaração pela Mesa é ato vinculado à existência do fato objetivo
que a determina, cuja realidade, ou não, o interessado pode
induvidosamente submeter ao controle jurisdicional.
15. Já no tocante à cassação do mandato, a sua decretação, na
maioria das hipóteses, é deliberação na qual se conjugam um juízo
objetivo – e, assim, vinculado – de verificação de um fato – a
infringência de regras expressas de incompatibilidade e vedação (no
Brasil, enumeradas no art. 54 da Constituição) – e um juízo
discricionário da Câmara respectiva.
16. Dessa modalidade comum de cassações parcialmente vinculadas
ao acertamento de um motivo típico objetivo, é que se impõe
diferençar aquela outra – presente em alguns ordenamentos
constitucionais –, na qual a cassação do mandato parlamentar resta
confiado, no final das contas, ao juízo subjetivo e incontrolável da maioria, mais ou menos qualificada, da Câmara respectiva, dada a
utilização, como suposto normativo de sua decretação, de um
'conceito indeterminado' – ou, em preito devido à lucidez de Eros
Grau, à extrema imprecisão dos termos em que expresso o conceito
na regra de direito.
17. Nessa última categoria é que se enquadrava – a par de outras
similares no direito comparado – a previsão original, na Constituição
de 1946 (art. 48, § 2º), da perda do mandato do deputado ou senador
'cujo procedimento seja reputado, pelo voto de dois terços dos
membros de sua Câmara, incompatível com o decoro parlamentar'.
(RTJ 203, t. 3/1018-1019)
Assim, constituindo a perda de mandato por decisão da Justiça
Eleitoral hipótese da espécie extinção, não se justifica a criação de
procedimento dificultoso como o da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, que, a rigor, trava e empeça a
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
execução de julgado que deveria, ao invés, ser prontamente levado em conta
pela Mesa da Casa de Leis.
Enfrentando questão juridicamente idêntica, posto que a
respeito de extinção de mandato de parlamentar federal, a Suprema Corte, em
decisão plenária datada de 28.10.2009, proferida no Mandado de Segurança n.
27.613/DF, acentuou, pela lavra do i. Relator, Ministro Ricardo Lewandowski,
verbis:
“Com efeito, o que se discute neste mandamus é saber se é lícito ou
não à Mesa do Senado descumprir decisão do Tribunal Regional
Eleitoral de Rondônia [...], que determinou a perda do mandato do
Senador [...]. Ou, dito de outra maneira, se a Mesa do Senado
poderia ou não aguardar o trânsito em julgado da ação, para dar
cumprimento ao julgado.
Entendo que a resposta é negativa, como passarei a demonstrar. No
caso, como visto, a Justiça Eleitoral, com fundamento no art. 41-A da
Lei 9.504/1997, cassou o diploma do Senador [...], bem como dos
respectivos suplentes. O TRE/RO comunicou essa decisão à Mesa
do Senado Federal.
Contra a mencionada decisão, o Senador interpôs o RO 2.098/RO,
Rel. Min. Arnaldo Versiani, no Tribunal Superior Eleitoral, ao qual não
foi atribuído efeito suspensivo.
Inconformado, o Senador ajuizou a Ação Cautelar 2.729/RO no TSE,
buscando, mais uma vez, atribuir efeito suspensivo ao citado recurso
ordinário.
O Tribunal Superior Eleitoral, todavia, indeferiu a medida cautelar,
conforme consta às fls. 39-46, comunicando essa decisão ao
Presidente do Senado.
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A Mesa do Senado, mesmo após o recebimento das referidas
comunicações, decidiu aguardar o trânsito em julgado do processo
para declarar a perda do mandato do parlamentar, segundo consta
da ata de sua 6ª reunião, realizada em 9 de setembro de 2008 (fl.
34).
Ora, a recusa da Mesa do Senado em cumprir a referida decisão
consubstancia afronta ao princípio da separação dos Poderes.
Sim, porque a Constituição Federal, em seu art. 55, dispõe que:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
[...]
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça
parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença
ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos
nesta Constituição;
[...]
§ 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada
pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação
de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no
Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (Grifei)
Assim, a atribuição da Mesa da Casa à qual pertence o parlamentar
que incorreu nas hipóteses sancionatórias previstas nos incisos III a
V do art. 55 da Carta Magna, circunscreve-se a declarar a perda do
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
mandato, dando posse, em consequência, àquele que deve ocupar o
cargo vago.
E circunscreve-se a proclamar a perda do mandato porque o registro
do parlamentar já foi cassado pela Justiça Eleitoral e, assim, não
pode subsistir o mandato eletivo.
Esta Suprema Corte, permito-me lembrar, decidiu nesse mesmo
sentido, no julgamento do MS 25.458/DF, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim
Barbosa, em decisão que porta a seguinte ementa:
'Mandado de segurança. Suplente de deputado federal. Impetração
contra omissão da Presidência da Câmara dos Deputados.
Cumprimento de decisão da Justiça Eleitoral. Segurança concedida.
Rejeitadas, por unanimidade, as preliminares de prejudicialidade, de
ilegitimidade passiva, de inépcia da inicial por falta de indicação do
litisconsorte passivo e de decadência.
Eficácia imediata das decisões da Justiça Eleitoral, salvo exceções
previstas em lei. Comunicada a decisão à Presidência da Câmara dos Deputados, cabe a esta dar posse imediata ao suplente do parlamentar que teve seu diploma cassado.
Segurança concedida.' (Grifos meus)
Registro, por oportuno, que a ampla defesa a que se refere a parte
final do § 3º do art. 55 da Constituição Federal, não diz respeito a
qualquer procedimento eventualmente instaurado no âmbito de uma
das Casas Legislativas do Congresso Nacional, mas apenas àquela
assegurada nos processos que tramitam na Justiça Eleitoral.
Não compete, ademais, à Mesa da Casa Legislativa à qual pertença
o titular do mandato eletivo cassado, aferir a 'justiça' ou 'injustiça' das
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
decisões emanadas de pretórios eleitorais, nem estabelecer o
momento que lhe pareça mais adequado para dar-lhes cumprimento.
Nessa linha de entendimento, o Ministro Cezar Peluso, no julgamento
do mencionado MS 25.458/DF, consignou o seguinte:
'a referência à ampla defesa, no § 3º, diz respeito às outras hipóteses, não à hipótese de cumprimento de decisão judicial.
[…]
Porque me parece absolutamente incongruente com o exercício e o
cumprimento da função jurisdicional submeter o cumprimento dos
mandados judiciais a um outro processo para saber se haverá defesa
ou não.' (Grifos meus)
O ato da Mesa do Senado ou da Câmara que dispõe sobre a perda
do mandato do Parlamentar, no caso do inciso V do art. 55 da
Constituição, tem natureza meramente declaratória, como deflui
linearmente de seu próprio texto.
Essa é também a lição da doutrina, valendo citar, dentre outros, o
ensinamento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes e outros, veiculado
em sede acadêmica, abaixo explicitado:
'A perda do mandato deve ser votada pela Casa parlamentar nos
casos compreendidos nos incisos I, II (falta de decoro) e VI (sentença criminal transitada em julgado) do art. 55 da CF. Nos casos
de extinção do mandato (III – ausência, IV – perda ou suspensão
dos direitos políticos, e V – por decreto da justiça eleitoral) há
apenas a declaração do acontecimento pela Mesa.'
Destarte, como a decisão da Justiça Eleitoral não se viu dotada de
efeito suspensivo, por tratar-se da perda de mandato decretada com
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
base no art. 41-A da Lei 9.504/1997, à Mesa do Senado cabe,
simplesmente, cumprir a decisão jurisdicional.” (RTJ 217/320-322)
Extrai-se da decisão do Supremo Tribunal Federal que, em
hipóteses de extinção do mandato, como se dá em razão de decisão da
Justiça Eleitoral, não há que se falar em ampla defesa que culmine por
subordinar aos interesses do Poder Legislativo o cumprimento dos arestos do
Poder Judiciário: ela, assentou-se, seria, em tal circunstância, previamente
observada no bojo do processo judicial em que lavrada a decisão exequenda.
Certo, todavia, que, consoante afirmou, com acerto, o lúcido
Ministro Sepúlveda Pertence, no deslinde plenário do Mandado de Segurança
n. 25.458/DF, em 7.12.2005, pode-se divisar, ainda que em relação a perda de
mandato advinda de decisão da Justiça Eleitoral, campo propício à defesa, mas
somente no tocante à existência e à autenticidade da decisão da Justiça
Eleitoral.
Outrossim, conforme reconhecido acima na exordial, pode-se
até mesmo cogitar, num exemplo extremo, da verificação da pertinência
subjetiva da decisão ao parlamentar pretensamente interessado, ou seja, de se
a decisão lhe diz ou não respeito: nada mais, porém, há que se deduzir ou
fazer, sob pena de infirmar-se norma constitucional explícita de conferência de
primado, em tal domínio, à decisão do Judiciário Eleitoral.
Induvidoso que os Estados-membros, todos eles, inclusive o
Estado de Goiás, devem observar, em matéria de perda (cassação ou extinção)
de mandato parlamentar, o regramento constitucional federal: decidiu, nesse
mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 2.461/RJ, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgada em 12.5.2005 (RTJ 195, t. 3/897).
Por oportuno, transcreve-se trecho do voto do então Ministro
Carlos Velloso, bem elucidativo, litteris:
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
“A Constituição, em seu art. 25, estabelece:
'Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e
leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.'
O Professor Raul Machado Horta foi quem primeiro elaborou a
doutrina dos princípios que os Estados devem observar. Primeiro —
lembrou bem o eminente Ministro Relator —, no art. 34, inciso VII, da
Constituição, estão os princípios constitucionais sensíveis. Seguem-
se os estabelecidos, que demandam pesquisa; e há, também, os
extensíveis, que existiam em um bom número na Constituição de 46
e na Constituição de 1967. Praticamente desapareceram na
Constituição de 1988.
Estamos aqui diante de um princípio, ou regra constitucional
extensível, a que os Estados devem obediência. O art. 27, § 1º,
situado no capítulo terceiro, que diz respeito aos Estados Federados,
estabelece:
'Art. 27. […]
“§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais,
aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema
eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.'
[...]
Estende-se aos Estados, portanto, este procedimento, não só a
norma da perda do mandato como também o procedimento. Trata-se,
na verdade, de um princípio, ou regra constitucional extensível, que
os Estados devem observar.” (RTJ 195, t. 3/907-908)
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
A compulsória observância, no ordenamento jurídico parcial dos
Estados-membros, do procedimento constitucional alusivo à perda de mandato
parlamentar há de se realizar em consonância com a interpretação da Suprema
Corte em relação às normas substancialmente idênticas da Constituição da
República.
Logo, na hipótese do art. 14, V, da Constituição do Estado de
Goiás, e do art. 206, V, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa
Goiana, de extinção de mandato por força de decisão da Justiça Eleitoral, o ato
declaratório vinculado da Mesa deverá prezar pela celeridade, somente se
admitindo defesa circunscrita, limitada, à existência, à autenticidade ou à
pertinência da decisão ao âmbito pessoal do parlamentar que esteja em
foco.
A ampla defesa já terá sido oportunizada no processo judicial
e, em caso contrário, o único recurso cabível, por error in procedendo, tem sua
interponibilidade restrita à esfera estrutural do Judiciário Eleitoral: dito por outro
modo, ao Poder Legislativo não é dado imiscuir-se no domínio do Poder
Judiciário, expedindo juízo sobre o acerto ou não de suas decisões, dotadas,
como de sabença geral, do atributo da imperatividade.
Para a singeleza, no entanto, dessa defesa exercitável na
intimidade orgânica da Assembleia Legislativa, de raio de ação tão diminuto,
descabe o manejo, como se patenteia na normativa objeto da presente ação,
de regramento denso de alargados prazos.
Ademais, as prévias consultas ao partido político e ao Poder
Judiciário, esta a respeito da ordem de suplência, revelam-se, por si mesmas,
inadequadas, dado que prescindíveis para o fim de cumprimento célere da
decisão da Justiça Eleitoral: ao partido político, dará, por certo, ciência o
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
integrante de sua membresia; quanto à ordem de suplência, ela é por demais
conhecida para justificar a demasia dessa aviltrada formalidade.
Como observado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no voto
trazido à colação, viola-se, em se negando execução pronta à decisão da
Justiça Eleitoral, o princípio da divisão funcional do poder, previsto, já no plano
local, no art. 2º, caput, da Constituição do Estado de Goiás.
De igual modo, dá-se de barato a norma do § 3º, do art. 14, da
Constituição do Estado de Goiás, na medida em que a ampla defesa, nela
prevista, diz, em sendo o caso de extinção de mandato por força de decisão da
Justiça Eleitoral, com o processo judicial em si, concebendo-se, repita-se, na
esfera intraorgânica da Casa de Leis, tão somente o questionamento sobre a
existência, a autenticidade e a pertinência subjetiva da decisão ao parlamentar.
De mais a mais, a normativa impugnada vulnera o postulado
normativo aplicativo da proporcionalidade, pois, desde que a finalidade do
procedimento criado pela Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia
Legislativa do Estado de Goiás, seja o de racionalizar e possibilitar o
desembaraçado e seguro cumprimento da decisão emanada do Poder
Judiciário, suas normas, ao invés, concorrem, a toda evidência, para obstar-
lhe a execução.
Falha a normativa impugnada em não subsistir incólume aos
assim denominados “exames inerentes à proporcionalidade” (Ávila, Humberto,
Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos,
13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012, p. 187, v. g.).
Quanto à adequação do fim visado pela normativa alvejada
com os meios nela dispostos, ao invés de possibilitar o cumprimento seguro e
ágil da decisão judicial, o procedimento que a Resolução n. 1.312, de
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, acrescentou, como §
3º, ao texto do art. 210, do Regimento Interno da sobredita Casa de Leis, põe
cobro a qualquer postura diligente que se esperaria, num Estado Democrático
de Direito, da Mesa do órgão parlamentar.
Em relação à necessidade, ao procedimento criado pela
Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa Goiana, poderia,
como alternativa, cogitar-se de outro, consistente na pronta notificação
endereçada ao Deputado Estadual para informar, em prazo exíguo, o que
entendesse conveniente em sua defesa, seguindo-se, em prazo apertado, a
célere decisão da Mesa, com parecer, se julgado imprescindível, externado
pela Procuradoria da Casa.
Desta forma, a restrição à autoridade e ao primado do Poder
Judiciário seriam afastados ou, mesmo em situações de intercorrências
imprevistas, minorados.
A prevalecer, contudo, o teor do § 3º do art. 210, do Regimento
Interno, acrescentado pela Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, ambos da
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, um dos predicados importantes
do Estado Democrático de Direito, consistente na autoridade das decisões
emanadas do Poder Judiciário, restará intensamente afetado, e, a depender
do caso, como em se cuidando de avizinhado termo temporal final de mandato,
comprometido numa de suas mais conspícuas resultantes, dada a eventual
impossibilidade de dar-se posse ao suplente.
Ainda nessa seara, no tocante à proporcionalidade em
sentido estrito, em relação ao qual se há de perguntar se as “vantagens
causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas
pela adoção do meio” (Ávila, Humberto, ob. cit., p. 195, v. g.), o procedimento
impugnado, ainda que sob o color de regulamentar o cumprimento interno de
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
decisão judicial, ostenta desvantagens irremissíveis quando se trata de prezar
pela autoridade, respeito e dignidade da Justiça Eleitoral e de seus arestos.
No sobredito julgamento do Mandado de Segurança n.
25.458/DF, acentuou, com efeito, o eminente Ministros Carlos Velloso, em
situação idêntica sob o ângulo de sua definição jurídica, mostrando que a
defesa encurtada no âmbito parlamentar não se confunde com a ampla defesa
na esfera orgânica da Justiça Eleitoral:
“O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: O que cabe fazer
nesta defesa? Demonstrar que não existe a ordem judicial, não existe
o mandado. Agora, se o mandado existe, se a ordem judicial existe,
admitir outra coisa, como lembrou o eminente Procurador-Geral da
República, é descumprir simplesmente a ordem judicial, o que não
presta obséquio ao Estado Democrático de Direito.”
A normativa impugnada, de nítida natureza regimental, não é
imune ao controle jurisdicional de sua conformidade à Constituição do Estado
de Goiás.
O ato normativo objeto da presente ação de controle abstrato
de constitucionalidade, sobre ofender os artigos 2º, caput, e 14, V, e § 3º, da
Constituição do Estado de Goiás, colide, ademais, com o disposto no art. 92,
caput, do texto constitucional goiano, no que se mostra específico sobre a
sujeição de todos os “Poderes do Estado”, incluído o Legislativo, ao princípio
da proporcionalidade.
Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967
com a Emenda n. 1, de 1969, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, t. II/590-
592), dissertando a respeito da natureza jurídica do Regimento Interno das
Casas Legislativas, acentua que, malgrado a sua “internidade”, vale dizer, sua
vocação de regência interna da vida parlamentar, sua natureza de “lei interna
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
do corpo legislativo”, por sobre suas normas estão “as regras jurídicas
constitucionais”: daí que, em matéria de verificação de sua higidez, é de todo
“injustificada” a “invocação de sistemas jurídicos que não têm o controle
da constitucionalidade”.
III
UMA DISTINÇÃO NECESSÁRIA
Para, desde já, afastar, no plano hermenêutico, confusões
indevidas, importa, no trato das hipóteses de perda de mandato parlamentar
de Deputado Estadual, ter em mente, na trilha da Constituição da República,
ser a extinção por decorrência de decisão da Justiça Eleitoral (art. 55, V)
hipótese diversa da cassação por conta de condenação criminal cujo título
judicial haja transitado em julgado (art. 55, VI).
A pertinência dessas considerações torna-se evidente quando
se recorda que, a teor do art. 15, III, da Constituição da República, há
suspensão de direitos políticos por consequência, enquanto durarem seus
efeitos, de condenação criminal transitada em julgado.
De seu turno, entretanto, a suspensão de direitos políticos é
causa geradora, só por si, de extinção de mandato do parlamentar estadual
(art. 55, IV, c/c o art. 27, § 1º, da CF/88).
O questionamento, portanto, que, desde cedo, se impôs foi o
seguinte: se da condenação criminal coberta sob o manto preclusivo maior da
coisa julgada resulta a suspensão de direitos políticos (art. 15, III, da CF/88),
que, por sua vez, é causa de extinção do mandato parlamentar (art. 55, IV, da
CF/88), como conciliar tais preceitos com a norma em que se prevê, como
hipótese autônoma de cassação do mandato parlamentar, a condenação
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
criminal transitada em julgado (art. 55, VI, da CF/88), dependente, pois, para
sua consecução, de juízo político parlamentar (art. 55, § 2º, da CF/88)?
Deu-lhe resposta o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em
31.5.1995, o Recurso Extraordinário n. 179.502/SP, Rel. Min. Moreira Alves
(RJTSE v. 13, t. 1/361-439), leading case em que a Corte, em votação
majoritária, assentou a especialidade da norma do art. 55, VI, e § 2º, da
Constituição da República, em relação à regra do seu art. 15, III, afastando a
antinomia aparente.
Preciso, no passo, o seguinte trecho do voto, então proferido,
do Ministro Celso de Mello, hoje decano da Suprema Corte, litteris:
“Finalmente, a alegada existência de conflito antinômico entre a regra
inscrita no art. 15, III, da Constituição e o preceito consubstanciado
no art. 55, § 2º, da Carta Federal foi corretamente analisada, e
repelida, pelo em. Relator em seu douto voto.
Sabemos que os postulados que informam a teoria do ordenamento
jurídico assentam-se na premissa fundamental de que este, 'além de uma unidade, constitui também um sistema' (NORBERTO
BOBBIO, 'Teoria do Ordenamento Jurídico', p. 71, 1989,
Polis/Editora UnB), razão pela qual as normas que o compõem
devem manter entre si um vínculo de essencial coerência.
A concepção sistêmica do ordenamento jurídico impõe que se
reconheça, desse modo, uma situação de coexistência harmoniosa entre as prescrições normativas que integram a estrutura em que ele
se acha formalmente positivado.
A relação de antinomia referida constitui, no plano do sistema
normativo consagrado pelo novo ordenamento constitucional,
situação de conflituosidade meramente aparente.
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
O vínculo de incongruência normativa entre o art. 15, III, e o art. 55,
§ 2º, ambos da Constituição, ressaltado no debate desta causa,
subsume-se, no caso, ao conceito teórico das antinomias solúveis ou
aparentes, na medida em que a alegada situação de antagonismo é
facilmente dirimível pela aplicação do critério da especialidade,
resolvendo-se o aparente conflito, desse modo – e tal como
acentuado pelo Relator – em favor da própria independência do
exercício, pelo parlamentar federal, de seu ofício legislativo. É que o
congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste
excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação penal
transitada em julgado, por efeito exclusivo de deliberação tomada
pelo voto secreto e pela maioria absoluta dos membros de sua
própria Casa legislativa.” (RJTSE v. 13, t. 1/406-407)
Mais tarde, em 8.9.1999, no deslinde do Recurso Extraordinário
n. 225.019/GO, o Supremo Tribunal Federal mais uma vez retornou à questão,
sobretudo no voto do Relator, o então Ministro Nelson Jobim, verbis:
“A perda do mandato, por condenação criminal, não é automática:
depende de um juízo politico do plenário da Casa parlamentar (art.
55, § 2°).
A Constituição outorga ao Parlamento a possibilidade da emissão de
um juízo político de conveniência sobre a perda do mandato.
Desta forma, a rigor, a condenação criminal, transitada em julgado,
não causará a suspensão dos direitos políticos, tudo porque a perda
do mandato depende de uma decisão da Casa parlamentar
respectiva e não da condenação criminal.” (RTJ 171, t. 3/1031)
E, em acréscimo, disse o Ministro Nelson Jobim:
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
“2.3.1.2. Parlamentares Estaduais. É a mesma a situação dos
Deputados Estaduais. A Constituição estende esse tratamento aos
Deputados Estaduais. Esta no art. 27, § 1º.” (RTJ 171, t. 3/1032)
Na doutrina, pontifica, inter plures, José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 13):
“A suspensão de direitos políticos constitui efeito secundário da
sentença criminal condenatória, exsurgindo direta e automaticamente
com seu trânsito em julgado. Por isso, não é necessário que venha
registrada expressamente no decisum.
Cumpre indagar se a suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado implica a perda automática de mandato eletivo. Conforme ressaltado, no que
concerne a deputado federal ou senador (e também a deputado estadual ou distrital, por força do disposto nos arts. 27, § 1º, e 32, §
3º, da CF): 'a perda do mandato será decidida pela Câmara dos
Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria
absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido
político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla
defesa' (CF, art. 55, VI, § 2º). Portanto, nesses casos, a perda do
mandato não é automática. Essa regra visa preservar o princípio da
independência dos poderes.” (ênfase acentuada)
Logo, o ato normativo impugnado na presente ação nem de
longe diz com a hipótese de cassação de mandato parlamentar em razão de
condenação criminal transitada em julgado.
Pela mesma razão, a deflagração, na espécie, da jurisdição
constitucional abstrata, tendo como objeto, claramente delimitado, os termos da
Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de
Goiás, veiculada no Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010, restritos à
27
PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
situação do art. 14, V, da Constituição do Estado de Goiás, somente se ocupa
da extinção de mandato em razão de decisão da Justiça Eleitoral.
Lógico que, nesse rumo de ideias, a decisão da Justiça Eleitoral
prevista no art. 55, V, da Constituição da República, e no art. 14, V, e § 3º, da
Constituição do Estado de Goiás, é aquela de natureza cível, pronunciada no
exame de mérito de causa estranha ao rol de suas atribuições jurisdicionais
típicas de competência criminal.
IV
DA VIABILIDADE DA PRESENTE AÇÃO DIRETA
Serve de parâmetro de controle de constitucionalidade estadual
qualquer norma que encontre expressão textual na Constituição do Estado-
membro, mesmo aquela que, a rigor, consista em norma constitucional
federal central, ou seja, que independente de antecedente inscrição
formal/textual na ordem constitucional local (HORTA, Raul Machado, Direito Constitucional, 5ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 253-258, v. g.), incida
compulsoriamente no plano das ordens jurídicas parciais do Estado Federal.
Dessa forma decidiu o Supremo Tribunal Federal, no famoso
aresto prolatado no julgamento, em 11.6.1992, de verdadeiro leading case, a
Rcl n. 383/SP, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 147/404-507, a cujos termos,
desde então, se mantém fiel.
Desse modo, mesmo que as normas dos artigos 2º, caput, 14,
V, e § 3º, e 92, caput, da Constituição do Estado de Goiás, sejam de
reprodução compulsória, eis que, a despeito mesmo de eventual omissão do
texto constitucional local, deveriam ser observadas como normas centrais
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
federais, não se depara, no ponto, com dique processual ao cabimento da
presente ação.
V
DA TUTELA DE URGÊNCIA
Quanto ao sinal do bom direito (fumus boni juris), a
argumentação suso expendida evidencia, sobejamente, a inconstitucionalidade
do procedimento previsto no novo § 3º do art. 210, do Regimento Interno da
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, criado pela Resolução n. 1.312, de
28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no Diário
da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010.
Sobre o risco em manter-se eficaz, enquanto pendente de
julgamento final o pedido veiculado na presente ação (periculum in mora),
qualquer decisão da Justiça Eleitoral que, porventura, resulte em extinção do
mandato parlamentar estará obstada, num dos mais importantes de seus
efeitos, pelos termos pesados de um procedimento nada respeitoso do
primado, na matéria, do Poder Judiciário.
De todo modo, convém que se atente, por oportuno, para a
configuração, na espécie, do requisito alternativo da conveniência (NEVES,
Daniel Amorim Assumpção, Ações Constitucionais, 1ª ed., Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 19, v. g.), a que o Supremo Tribunal
Federal tem se apegado em situações, como a da presente ação, de flagrante
inconstitucionalidade.
Impositiva, por isso, a suspensão cautelar da eficácia da
Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de
Goiás, veiculada no Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010, no que
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
adicionou o § 3º ao art. 210, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa
do Estado de Goiás.
VI
DOS REQUERIMENTOS E DO PEDIDO
Ante todo o exposto,
requer-se:
(a) a concessão de medida cautelar, nos termos do art. 10,
caput, da Lei Federal n. 9.868/99, para suspender a eficácia
normativa da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010, da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no
Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010, no que adicionou
o § 3º ao art. 210, do Regimento Interno da referida Casa de
Leis;
(b) a solicitação de informações à requerida, Assembleia
Legislativa do Estado de Goiás, nos termos do art. 6º, caput, da
Lei n. 9.868/99;
(c) a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, para
exercer, nos autos, a função de curador da presunção de
constitucionalidade da legislação impugnada, ex vi do disposto
no art. 60, § 3º, da Constituição do Estado de Goiás;
(d) após, a remessa dos autos ao Ministério Público, antes do
julgamento definitivo, para pronunciamento final, por analogia
com o disposto no art. 8º da Lei n. 9.868/99.
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PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
Por derradeiro, pede-se, no mérito, a declaração de
inconstitucionalidade da Resolução n. 1.312, de 28.4.2010,
da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, veiculada no
Diário da Assembleia n. 10.968, de 29.4.2010.
Goiânia, 18 de outubro de 2012.
BENEDITO TORRES NETO
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