ÉTICA HOLÍSTICA

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ÉTICA HOLÍSTICA 02 SETEMBRO 2013 Na perspectiva holista, totalidades organizadas são consideradas constituídas de valor por manterem sua ordem a partir de fins próprios. O que as torna valiosas é o fato de que existem por si mesmas, independentemente de servirem, ou não, a fins externos ou alheios. Na ética ambiental, Aldo Leopold (The Sand County Almanac, 1949) foi o primeiro a declarar que o valor da natureza se dá pela inter-relação de todas as formas de vida, e a perda de tal valor, pela destruição ou dano ao todo. Fundada nessa concepção nasce a chamada ecologia profunda, bem representada na teoria de Baird Callicott. Uma ética holista pode ser elaborada tendo-se a perspectiva do valor da vida de todas as espécies, vegetais, animais e de outros tipos, normalmente considerados pela ética antropocêntrica sem qualquer dignidade moral. Para a ética holista, o que importa é estabelecer princípios morais que possam orientar as ações humanas tendo por finalidade a preservação do todo da vida, animal e vegetal. A questão, no entanto, conforme pontuada por Marti Kheel (Nature Ethics: An Ecofeminist Perspective, 2008), é que julgar o valor moral de algo vivo por sua capacidade de tramar-se com outras coisas, de gerar dependência, de criar vínculo, pode nos levar a erros morais. Muitos dos malefícios sofridos pelos seres vivos devem-se à capacidade que certas práticas de mercado e hábitos (ethos) de consumo têm de se tramarem absolutamente com quase todas as nossas decisões, desde a escolha do que colocamos no prato a cada refeição, até a escolha do que colocamos em nossos carrinhos quando buscamos alimentos e produtos de higiene entre gôndolas de supermercados, passando pelas escolhas que (não) fazemos

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Na perspectiva holista, totalidades organizadas são consideradas constituídas de valor por manterem sua ordem a partir de fins próprios. O que as torna valiosas é o fato de que existem por si mesmas, independentemente de servirem, ou não, a fins externos ou alheios. Na ética ambiental, Aldo Leopold (The Sand County Almanac, 1949) foi o primeiro a declarar que o valor da natureza se dá pela inter-relação de todas as formas de vida, e a perda de tal valor, pela destruição ou dano ao todo. Fundada nessa concepção nasce a chamada ecologia profunda, bem representada na teoria de Baird Callicott..

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  • TICA HOLSTICA02 SETEMBRO 2013

    Na perspectiva holista, totalidades organizadas so consideradas constitudas de valor por manterem sua ordem a partir de fins prprios. O que as torna valiosas o fato de que existem por si mesmas, independentemente de servirem, ou no, a fins externos ou alheios. Na tica ambiental, Aldo Leopold (The Sand County Almanac, 1949) foi o primeiro a declarar que o valor da natureza se d pela inter-relao de todas as formas de vida, e a perda de tal valor, pela destruio ou dano ao todo. Fundada nessa concepo nasce a chamada ecologia profunda, bem representada na teoria de Baird Callicott.

    Uma tica holista pode ser elaborada tendo-se a perspectiva do valor da vida de todas as espcies, vegetais, animais e de outros tipos, normalmente considerados pela tica antropocntrica sem qualquer dignidade moral. Para a tica holista, o que importa estabelecer princpios morais que possam orientar as aes humanas tendo por finalidade a preservao do todo da vida, animal e vegetal.

    A questo, no entanto, conforme pontuada por Marti Kheel (Nature Ethics: An Ecofeminist Perspective, 2008), que julgar o valor moral de algo vivo por sua capacidade de tramar-se com outras coisas, de gerar dependncia, de criar vnculo, pode nos levar a erros morais. Muitos dos malefcios sofridos pelos seres vivos devem-se capacidade que certas prticas de mercado e hbitos (ethos) de consumo tm de se tramarem absolutamente com quase todas as nossas decises, desde a escolha do que colocamos no prato a cada refeio, at a escolha do que colocamos em nossos carrinhos quando buscamos alimentos e produtos de higiene entre gndolas de supermercados, passando pelas escolhas que (no) fazemos

  • quando adquirimos produtos bsicos necessrios manuteno do nosso modo de vida (lmpadas, celulares, CD's, canetas, papel etc.).

    Se o sistema de produo industrializado encontra formas de acumular lucros oferecendo certos produtos aos consumidores, e encontra (ou cria) nestes a demanda equivalente para dar vazo ao que produzido, tal sistema, por sua capacidade de envolver tudo e todos, deveria ser considerado moralmente bom, se adotssemos a perspectiva holista totalitarista de que o que sabe tramar-se e interligar-se num todo tem valor moral e deve ser preservado. Se, por um lado, a tica no pode sucumbir a esse conceito holista, por outro, no pode julgar seus prprios fundamentos abrindo mo absolutamente de qualquer perspectiva holista.

    O valor da vida, humana, animal, vegetal e de qualquer outro tipo, no pode ser calculado pela capacidade que cada uma delas tem de ajudar a manter o todo. Poder enredar tudo no sinnimo de preciosidade, muito menos de moralidade. Quando animais so fabricados num sistema de produo e abate que causa danos totais vida deles, considerando-se que, no sistema de confinamento, so forados a nascerem mesmo que para eles no esteja prevista a liberdade de viver a vida que sua espcie lhe propiciaria, essa produo est vinculada ao sistema de mercado que os consumidores dessas mercadorias (carne, leite, ovos, l, seda, mel, couro, peles, graxas etc.) fomentam. O sistema que produz animais como se fossem objetos para uso e consumo humano um sistema capaz de enredar todas as iniciativas individuais (ethos) de consumo.

    Os veganos sentem claramente o quanto difcil viver seguindo o princpio tico da no violncia (ahimsa, na tradio ayurvdica e budista) contra os animais e a natureza. Quando precisam adquirir um produto, raramente obtm algo que no tenha sido fabricado com dano, dor e morte de

  • animais.

    preciso ter cuidado quando se d nfase capacidade de alguma coisa de tramar-se num todo, pois essa capacidade pode no ser moralmente boa. H relaes humanas de dependncia emocional, sexual, econmica, por exemplo, que retratam a natureza do vnculo amoroso como um vnculo que abarca todas as esferas da vida, na parceria. Relaes totalitrias tambm podem ser cultivadas com a pressuposio de que tem valor apenas aquilo que capaz de agregar-se a um todo, diluir-se nesse todo, fomentar o todo. ticos no holistas temem que a diluio do valor de um indivduo no valor da totalidade da relao na qual est tramado seja o melhor caminho para o estabelecimento do domnio e da servido. Conforme bem o lembra Marti Kheel, o senhor e o escravo tambm esto to interligados que a quebra de um dos elos representa o fim da relao. O caso que uma relao de domnio humano sobre todas as formas de vida uma relao de senhorio sobre elas. Os humanos conseguiram enredar a natureza inteira em sua forma de vida, estabelecendo uma relao holista totalitria com ela. Mas esse tipo de capacidade no traduz o sentido moral de igualdade que a tica visa preservar. H, portanto, um holismo totalitrio e outro igualitrio ou libertrio, algo a ser considerado quando se defendem direitos animais e ambientais na perspectiva abolicionista.

    Fonte: ANDA - Agncia de Notcias de Direitos Animais