Estudos Feministas Corpos na trouxa - Ciência 2016 · Esta tese é o meu corpo na trouxa do...

1
Corpos na trouxa Histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio O que é que são os CORPOS NA TROUXA: As histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio são o TEMA principal desta tese. O trabalho recorre à centralidade do objeto “trouxa” no exílio palestiniano e usa-o como metáfora para a criação artística. Desatar as trouxas resulta da interrupção política (Ramalho, 2000) que acontece na vida palestiniana; é um ato de resistência exercido através do corpo das palestinianas contra as diferentes opressões: a ocupação e o sexismo. Esta pesquisa defende que os corpos reconfigurados nas artes das mulheres palestinianas no exílio são o lugar central de uma resistência feminista, política e palestiniana. Partindo da ideia da dimensão artística das narrativas de vida orais tradicionais das mulheres palestinianas (Syigh, 2007), esta pesquisa explora a continuidade entre estas e as reconfigurações contemporâneas que, recorrendo a outras linguagens – romance, poema, música, performance, instalação –, narram a vida individual e coletiva das mulheres palestinianas. (SFRH/BD/63865/2009 da FCT) (defendida a 27/5/2014) Shahd Wadi (orientadoras: Adriana Bebiano e Maria Irene Ramalho) Esta tese é o meu corpo na trouxa do exílio e é o meu corpo na trouxa do regresso à Palestina, assim o espero. É um projeto muito pessoal que começou com uma questão que nunca parou de bater-me à porta: não serei também uma mulher palestiniana mesmo estando no exílio? Será que participo em manter a ideia da Palestina viva? Será que estando no exílio produzo com outras investigadoras, artistas, escritoras, poetas, cantoras, realizadoras, bailarinas e outras palestinianas uma narrativa palestiniana dos nossos corpos? Ou até um feminismo palestiniano? O conceito da trouxa está muito presente no exemplo da obra de Mona Hatoum traffic (2002). Onde residem os CORPOS NA TROUXA: Os OBJETOS DE ESTUDO são produções artísticas de palestinianas que nasceram no exílio após a catástrofe de 1948, a Nakba. Refletindo sobre os lugares que ocupam os corpos palestinianos que residem simbolicamente na fronteira, esta tese aborda as obras e vidas de duas poetas (Suheir Hammad e Rafeef Ziadah), duas romancistas (Huzama Habayeb e Leila Hourani), duas realizadoras (Annemarie Jacir e Cherien Dabis), duas artistas visuais (Raeda Saadeh e Muna Hatoum) e duas bandas hip-hop (Arapyat e Sabreena da Witch). Como desatar os CORPOS NA TROUXA:a METODOLOGIA da Trinh Minha-ha (1989) defende a procura de um diálogo entre a investigadora e os objetos de estudo sem lhes impor um significado único, Trinh utiliza a metáfora dos espelhos que capturam a imagem de outros espelhos de uma forma que dificilmente se sabe qual é a imagem original. É esta a relação que este trabalho procura ter com os “objetos de estudo”, utilizando a metodologia de abrir a trouxa em frente ao espelho. O regresso dos CORPOS NA TROUXA: A identidade construída no exílio, uma identidade de fronteira, é um lugar desconfortável e inseguro, mas, paradoxalmente, oferece espaço, instrumentos e mesmo uma linguagem para a criação e a resistência (Said, 1994; Pollock, 2010). Em Measures of Distance (1988), Mona Hatoum utiliza “documentos pessoais” (Plummer,2001), como texto para sua obra. O discurso da ocupação israelita e o discurso hegemónico palestiniano são ambos nacionalistas, chauvinistas e “masculinos”. Israel é representado como um homem viril e a Palestina como uma mulher, dócil ou vítima (Amireh, 2003). Nas artes das mulheres palestinianas no exílio os corpos fazem também parte dos complexos sistemas de poder (Foucault, 1994; Abu-Lughod, 1990) contra os quais elas resistem. Todavia, através da re-cartografia do corpo/terra (Nash, 1994), estas artistas adotam estrategicamente uma parte das representações presentes nos discursos do poder, de forma a criar alternativas emancipatórias. Em Over My Dead Body (1988 – 2002), Mona Hatoum realiza um processo de re-cartografia através do seu próprio corpo, que não é apenas uma paisagem física: é também o campo de batalha onde os soldados se posicionam Ainda não voltamos do nosso exílio, logo, esta tese, apesar de já defendida, ainda não existe inteira e não tem uma CONCLUSÃO definitiva. É um trabalho em processo, a fazer-se, para o caminho do regresso a uma Palestina livre, um caminho que já começou com esta tese. A identidade de fronteira está presente no exemplo da obra de Raeda Saadeh crossroads (2003), Saadeh tenta sobreviver este estado existindo ela mesma como crossroads. Publicações (2014) “Ain’t I a Palestinian woman? Artistic Bodies Finding Home at the borders” in Min Fami: Arab Feminist Reflections on Identity, Space and Resistance, Ghadeer Malek & Ghaida Moussa (eds.), Toronto: Inanna Publications and Education, p. 152 – 164. (2012) “O ser das mulheres palestinianas. Histórias de vida entre as cusquices e os rabiscos” in Pelo fio se vai à meada: percursos de investigação através de histórias de vida, Angélica Lima Cruz, Maria José Magalhães e Rosa Nunes (eds.) Lisbon: Ela por Ela, p.113-133. Referências Abu-Lughod, Lila (1990) “The Romance of Resistance: Tracing Transformation of Power through Bedouin Women” in American Ethnologist, Vol 17, No. 1, Feb. 1990, pp. 41 – 55. Amireh, Amal (2003) “Between Complicity and Subversion: Body Politics in Palestinian National Narrative”. The South Atlantic Quarterly 102: 4 (Fall 2003) pp. 747 – 772. Foucault, Michel (1994) História da Sexualidade – I. A Vontade de Saber, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Relógio D’Agua Editores. Nash, Catherine (1994) “Remapping the Body/land: New Cartographies of Identity, Gender, and Landscape in Ireland” in Writing Women and Space. Colonial and Postcolonial Geographies, ed. Alison Blunt & Gillian Rose, New York: Guilford Press, pp. 227 – 250. Plummer, Ken (2001) “The Call of Life Stories in Ethnographic Research”, in Handbook of Ethnography, Atkinson, ed. Paul Anthony Atkinson et al., London: Sage Publications, pp. 395 – 406. Pollock, Griselda (2010) “Aesthetic Wit(h)nessing in the Era of Trauma” in EURAMERICA Vol. 40, No. 4 (December 2010), pp. 829-886. Ramalho, Maria Irene (2000) “Interrupção poética: um conceito pessoano para a lírica moderna”, in Veredas, Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, Vol. 3, Porto: Fundação Engº. António de Almeida, pp. 235-253. Said, Edward (1994) “Reflections on Exile”, in Altogether Elsewhere: Writers on Exile, ed. M. Robinson, Boston: Faber & Faber, pp. 137 – 149. Sayigh, Rosemary (2007) “Women’s Nakba Stories: Between Being and Knowing” in Nakba. Palestine, 1948, and the Claims of Memory, ed. Ahmad H. Sa’di and Lila Abu-Lughod, New York: Columbia University Press, pp. 135 – 160. Trinh T., Minh-Ha (1989) Woman, Native, Other: Writing Postcoloniality and Feminism, Bloomington: Indiana University Press Doutoramento em Estudos Feministas

Transcript of Estudos Feministas Corpos na trouxa - Ciência 2016 · Esta tese é o meu corpo na trouxa do...

Page 1: Estudos Feministas Corpos na trouxa - Ciência 2016 · Esta tese é o meu corpo na trouxa do exílio e é o meu ... Como desatar os CORPOS ... original. É esta a relação que este

Corpos na trouxaHistórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio

O que é que são os CORPOS NA TROUXA: As histórias-artísticas-de-vida de mulherespalestinianas no exílio são o TEMA principal desta tese. O trabalho recorre àcentralidade do objeto “trouxa” no exílio palestiniano e usa-o como metáfora para acriação artística. Desatar as trouxas resulta da interrupção política (Ramalho, 2000)que acontece na vida palestiniana; é um ato de resistência exercido através do corpodas palestinianas contra as diferentes opressões: a ocupação e o sexismo. Estapesquisa defende que os corpos reconfigurados nas artes das mulheres palestinianasno exílio são o lugar central de uma resistência feminista, política e palestiniana.

Partindo da ideia da dimensão artística das narrativas de vida orais tradicionais dasmulheres palestinianas (Syigh, 2007), esta pesquisa explora a continuidade entre estase as reconfigurações contemporâneas que, recorrendo a outras linguagens – romance,poema, música, performance, instalação –, narram a vida individual e coletiva dasmulheres palestinianas.

(SFRH/BD/63865/2009 da FCT) (defendida a 27/5/2014)

Shahd Wadi (orientadoras: Adriana Bebiano e Maria Irene Ramalho)

Esta tese é o meu corpo na trouxa do exílio e é o meu corpo na trouxa do regresso à Palestina, assim o espero. É um projeto muito pessoal que começou com uma questão que nunca parou de bater-me à porta: não serei também uma mulher palestiniana mesmo

estando no exílio? Será que participo em manter a ideia da Palestina viva? Será que estando no exílio produzo com outras investigadoras, artistas, escritoras, poetas, cantoras, realizadoras, bailarinas e outras palestinianas uma narrativa palestiniana dos

nossos corpos? Ou até um feminismo palestiniano?

O conceito da trouxa está muito presente no exemplo da obra de Mona Hatoum traffic (2002).

Onde residem os CORPOS NA TROUXA: Os OBJETOS DE ESTUDO são produçõesartísticas de palestinianas que nasceram no exílio após a catástrofe de 1948, a Nakba.Refletindo sobre os lugares que ocupam os corpos palestinianos que residemsimbolicamente na fronteira, esta tese aborda as obras e vidas de duas poetas (SuheirHammad e Rafeef Ziadah), duas romancistas (Huzama Habayeb e Leila Hourani), duasrealizadoras (Annemarie Jacir e Cherien Dabis), duas artistas visuais (Raeda Saadeh eMuna Hatoum) e duas bandas hip-hop (Arapyat e Sabreena da Witch).

Como desatar os CORPOS NA TROUXA: a METODOLOGIA da Trinh Minha-ha (1989)defende a procura de um diálogo entre a investigadora e os objetos de estudo sem lhesimpor um significado único, Trinh utiliza a metáfora dos espelhos que capturam aimagem de outros espelhos de uma forma que dificilmente se sabe qual é a imagemoriginal. É esta a relação que este trabalho procura ter com os “objetos de estudo”,utilizando a metodologia de abrir a trouxa em frente ao espelho.

O regresso dos CORPOS NA TROUXA: A identidade construída no exílio, umaidentidade de fronteira, é um lugar desconfortável e inseguro, mas, paradoxalmente,oferece espaço, instrumentos e mesmo uma linguagem para a criação e a resistência(Said, 1994; Pollock, 2010).

Em Measures of Distance(1988), Mona Hatoum utiliza “documentos pessoais” (Plummer,2001), como texto para sua obra.

O discurso da ocupação israelita e o discurso hegemónico palestiniano são ambosnacionalistas, chauvinistas e “masculinos”. Israel é representado como um homem virile a Palestina como uma mulher, dócil ou vítima (Amireh, 2003). Nas artes dasmulheres palestinianas no exílio os corpos fazem também parte dos complexossistemas de poder (Foucault, 1994; Abu-Lughod, 1990) contra os quais elas resistem.Todavia, através da re-cartografia do corpo/terra (Nash, 1994), estas artistas adotamestrategicamente uma parte das representações presentes nos discursos do poder, deforma a criar alternativas emancipatórias.

Em Over My Dead Body (1988 – 2002), Mona Hatoum realiza um processo de re-cartografia através do seu próprio corpo, que não é apenas uma paisagem

física: é também o campo de batalha onde os soldados se posicionam

Ainda não voltamos do nosso exílio, logo, esta tese, apesar de já defendida, ainda nãoexiste inteira e não tem uma CONCLUSÃO definitiva. É um trabalho em processo, afazer-se, para o caminho do regresso a uma Palestina livre, um caminho que jácomeçou com esta tese.

A identidade de fronteira está presente no exemplo da obra de Raeda Saadeh

crossroads (2003), Saadehtenta sobreviver este estado

existindo ela mesma como crossroads.

Publicações (2014) “Ain’t I a Palestinian woman? Artistic Bodies Finding Home at the borders” in Min Fami: Arab Feminist Reflections on Identity, Space and Resistance,

Ghadeer Malek & Ghaida Moussa (eds.), Toronto: Inanna Publications and Education, p. 152 – 164. (2012) “O ser das mulheres palestinianas. Histórias de vida entre as cusquices e os rabiscos” in Pelo fio se vai à meada: percursos de investigação através

de histórias de vida, Angélica Lima Cruz, Maria José Magalhães e Rosa Nunes (eds.) Lisbon: Ela por Ela, p.113-133.

Referências Abu-Lughod, Lila (1990) “The Romance of Resistance: Tracing Transformation of Power through Bedouin Women” in American Ethnologist, Vol 17, No. 1, Feb. 1990, pp. 41 – 55. Amireh, Amal (2003) “Between Complicity and Subversion: Body Politics in Palestinian National Narrative”. The South Atlantic Quarterly 102: 4 (Fall 2003) pp. 747 – 772. Foucault, Michel (1994) História da Sexualidade – I. A Vontade de Saber, trad. Pedro Tamen, Lisboa: Relógio D’Agua Editores. Nash, Catherine (1994) “Remapping the Body/land: New Cartographies of Identity, Gender, and Landscape in Ireland” in Writing Women and Space. Colonial and Postcolonial Geographies, ed. Alison Blunt & Gillian Rose, New

York: Guilford Press, pp. 227 – 250. Plummer, Ken (2001) “The Call of Life Stories in Ethnographic Research”, in Handbook of Ethnography, Atkinson, ed. Paul Anthony Atkinson et al., London: Sage Publications, pp. 395 – 406. Pollock, Griselda (2010) “Aesthetic Wit(h)nessing in the Era of Trauma” in EURAMERICA Vol. 40, No. 4 (December 2010), pp. 829-886. Ramalho, Maria Irene (2000) “Interrupção poética: um conceito pessoano para a lírica moderna”, in Veredas, Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, Vol. 3, Porto: Fundação Engº. António de Almeida, pp. 235-253. Said, Edward (1994) “Reflections on Exile”, in Altogether Elsewhere: Writers on Exile, ed. M. Robinson, Boston: Faber & Faber, pp. 137 – 149. Sayigh, Rosemary (2007) “Women’s Nakba Stories: Between Being and Knowing” in Nakba. Palestine, 1948, and the Claims of Memory, ed. Ahmad H. Sa’di and Lila Abu-Lughod, New York: Columbia University Press, pp. 135 –

160. Trinh T., Minh-Ha (1989) Woman, Native, Other: Writing Postcoloniality and Feminism, Bloomington: Indiana University Press

Doutoramento emEstudos Feministas