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ESTRATÉGIA E TÁTICA: ESTUDO DA
APLICAÇÃO DOS CONCEITOS
MILITARES NA ENGENHARIA DE
PRODUÇÃO
CAROLINA MAIA DOS SANTOS (CEFET/RJ )
JULIO CESAR VALENTE FERREIRA (CEFET/RJ )
De origem militar, o termo estratégia, hoje, é aplicado em muitos
outros segmentos e com isto seu conceito original sofreu
transformações, como o utilizado na engenharia de produção. Tal fato,
dificulta o desenvolvimento e o avanço das inveestigações neste setor,
diferentemente do que ocorre nas organizações militares, onde o termo
estratégia possui uma conceituação definitiva. Neste trabalho, isto será
evidenciado através de estudos de caso tanto no campo militar como
na abordagem da engenharia de produção.
Palavras-chaves: Conceito de estratégia, Estudos estratégicos,
Administração estratégica
XXXIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO A Gestão dos Processos de Produção e as Parcerias Globais para o Desenvolvimento Sustentável dos Sistemas Produtivos
Salvador, BA, Brasil, 08 a 11 de outubro de 2013.
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1.Introdução
Os conceitos de estratégia aplicados em diversos segmentos atualmente são oriundos dos
estudos e práticas das organizações militares. Entretanto, suas definições e propósitos de
utilização foram apropriados de maneira distinta àquelas já existentes, ocasionando uma
diferenciação entre o conceito de estratégia na sua origem e a empregada nas diversas áreas,
entre elas a engenharia de produção.
Assim, o objetivo principal deste trabalho é discutir os conceitos para o termo estratégia,
confrontando os referenciais adotados em sua origem militar com aqueles transpostos para a
engenharia de produção, através do relato de casos referentes a cada uma das áreas citadas.
2. Referencial teórico
Junto ao surgimento das primeiras civilizações, notou-se o emprego de métodos primitivos de
combate que se conduziam “em um único plano, aquele referente ao preparo e à condução de
combates e engajamentos, correspondente ao que hoje se denomina nível tático.” (PINTO,
2007, p. 2).
Todavia, devido à evolução tecnológica, ao crescimento populacional, às mudanças dos
regimes políticos e ao maior conhecimento geográfico, tem-se o surgimento de novos níveis
de luta armada. Porém, o andamento do estudo da guerra não ocorreu da mesma maneira em
que se deu a série progressiva de transformações desta.
2.1 Estratégia no campo militar
Antes do século XIX, poucos foram os escritores a tratar da estratégia. Entre os mais
expressivos que contribuíram para a evolução do pensamento estratégico militar até este
período, estão os descritos no Quadro 1.
2.1.1 Século XIX
O modo de pensar sobre a guerra teve grande incremento no século XIX (PROENÇA JR. et.
al., 1999). A existência de condições industriais vai permitir o início do grande
desenvolvimento da artilharia que modificaria para sempre o cenário das guerras, não somente
no sentido dos armamentos, mas também no deslocamento de tropas.
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Quadro 1 – Autores sobre estratégia militar antes do século XIX
Fonte: O autor
Este novo panorama concede à guerra um maior grau de complexidade. Neste momento há o
aparecimento dos primeiros autores que tratam dos meios táticos e estratégicos no estudo da
guerra, como apresentado no Quadro 2.
Para escrever suas obras, Jomini e Clausewitz fundamentaram-se em Vegetius e como este
tem muitas idéias similares às estabelecidas por Sun Tzu, os Quadros 3 e 4 mostram como
também é possível relacionar as semelhanças entre os trabalhos do século XIX e o general
chinês.
Pelo Quadro 3, nota-se que, mesmo as duas obras adotando um caráter prescritivo, estas
possuem abordagens distintas. Jomini elaborou princípios da guerra para que sua obra fosse
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utilizada como um manual com regras para vencer uma guerra. Sun Tzu confeccionou um
conjunto de ensinamentos e conselhos utilizados pelo mesmo durante um conflito.
Através do Quadro 4, percebe-se que apesar dos autores citarem a defesa como principal
forma de guerrear, os mesmos diferem-se pela forma como tratam do assunto. Sun Tzu
prefere vencer mantendo intacto o maior número possível de bens e também com o conceito
de que "É preferível capturar o inimigo a destruí-lo". Ao contrário deste, Clausewitz advogava
o uso da defesa, mas com a existência do confronto.
Quadro 2 – Jomini e Clausewitz
Fonte: O autor
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2.1.2 Século XX
No século XX, Liddell-Hart e Beaufre destacam-se no estudo dos níveis de estratégia.
Liddell-Hart concebia a existência de uma “estratégia superior” ou “grande estratégia”, a qual
o termo anteriormente designado somente como estratégia é referido por este como
“estratégia pura” ou “estratégia militar”, estando em um nível abaixo. Beaufre definia a
existência da “estratégia total”, que seria equivalente à “grande estratégia” citada por Liddel-
Hart, subordinada ao Governo, e, logo abaixo desta, a “estratégia geral” a qual estaria
relacionada aos setores militar, político, econômico e diplomático. Mais estritamente ao
campo militar, haveria a estratégia operacional, que corresponderia ao conceito de estratégia
de Clausewitz.
Quadro 3 - Comparação das idéias de Jomini e Sun Tzu.
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Fonte: O autor
Quadro 4 - Comparação das idéias de Clausewitz e Sun Tzu.
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Fonte: O autor
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Percebe-se, então, que no decorrer do século XX, a evolução do termo estratégia distancia-se
aos poucos da condução de guerra e orienta-se para o ponto mais alto de decisão nacional
(CAMINHA, 1982).
2.2 Estratégia na esfera corporativa
2.2.1 As diversas definições da estratégia
Atualmente, estratégia é um dos termos mais empregados na vida empresarial. Acredita-se
que a dispersão do termo no meio corporativo tenha acontecido somente na década 70. O
Quadro 5 apresenta as principais definições para o termo no âmbito corporativo, onde se
revelam pontos concordantes e discordantes (NIICOLAU, 2001).
Dentre estes autores, destacamos Michael Porter e Henry Mintzberg como as principais
referências da estratégia no âmbito corporativo.
Quadro 5 - As diversas definições para estratégia
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Fonte: Nicolau, 2001
2.2.2 Mintzberg e sua percepção sobre a estratégia
Mintzberg et. al. (2003) afirma a não existência de uma definição única sobre estratégia. Por
isto, o autor apresenta “os cinco Ps para estratégia”, como apresentado no Quadro 6. Neste
cenário, ainda expressa quatro tipos de estratégia as quais são esquematizadas na Figura 1.
Como observado, estas perspectivas relacionam-se de tal maneira que, a estratégia pretendida,
ou seja, o planejamento inicial daquilo que se pretende fazer para alcançar determinado ponto,
não é contemplado na íntegra, uma vez que aparecem as estratégias emergentes, que são
planos e ações que surgem no meio do caminho até a obtenção do objetivo estipulado. Estas,
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em conjunto com a parte da estratégia pretendida que não se perde, formam a estratégia
deliberada que levam a obter a estratégia realizada.
Quadro 6 – Os cinco P’s para estratégia e suas características
Fonte: O autor
Figura 1 - Esquema das estratégias de Mintzberg
Fonte: Adaptado de Mintzberg et. al. (2003)
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2.2.3 Michael Porter e sua abordagem estratégica
Michael Porter (2004) define indústria como um conjunto de firmas que produzem
produtos/serviços substitutos semelhantes entre si, e alega a existência de “cinco forças
competitivas básicas”, que seriam responsáveis pela concorrência e rentabilidade de uma
indústria, conforme apresentadas no Quadro 7.
Quadro 7 - As cinco forças competitivas de Porter
Fonte: O autor
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Com o objetivo de criar uma posição de defesa a longo prazo e ultrapassar a concorrência,
Porter (2004) identifica três aspectos conhecidos como estratégias competitivas genéricas, que
são apresentados no Quadro 8.
Para a escolha do emprego de uma das estratégias competitivas, vale ressaltar que a utilização
destas depende do tipo de produto/serviço oferecido e também das condições de mercado,
indústria e características da própria firma, principalmente das capacidades e limitações desta.
Quadro 8 – As estratégias competitivas genéricas
Fonte: O autor
Porter (2004) ainda sugere que a análise da concorrência é fundamental para a definição da
estratégia de uma firma insinuando que o objetivo desta ação é “desenvolver um perfil da
natureza e do sucesso das prováveis mudanças estratégicas que cada concorrente possa a vir
adotar”.
3. Método
Uma vez que o presente trabalho trata de um tema ainda pouco abordado no âmbito da
engenharia de produção, de acordo com Gil (2008) e Vergara (2010), este artigo pode ser
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definido com uma pesquisa exploratória. Este trabalho baseia-se em dois relatos de casos, um
militar e outro corporativo, obtidos a partir da pesquisa ex post facto com a coleta de dados
feita a partir de pesquisas documental e bibliográfica, através de fontes primárias e
secundárias, uma vez que este estudo visa observar uma situação já ocorrida (ex post facto)
para compará-las entre si sobre o método de abordagem e emprego dos conceitos sobre
estratégia.
4. Estudos de caso
No século XX, no âmbito militar, a estratégia passou a estar cada vez mais próximo do nível
de decisão nacional, distanciando-se do nível tático de condução da guerra, conforme
ilustrado na Figura 2. Este novo nível foi chamado de operacional, sendo um plano
intermediário, com a intenção de promover a ligação dos objetivos estratégicos com as ações
táticas. Todavia, no âmbito corporativo, existe um diagrama de hierarquia de planejamento
estratégico similar à situação militar mais recente. São utilizadas as mesmas designações,
porém diferindo-se o posicionamento dos níveis, conforme ilustrado na Figura 3.
Figura 2 - Evolução da percepção teórica da existência de níveis de guerra
Fonte: Pinto, 2007
Figura 3 - Níveis de planejamento estratégico corporativo
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Fonte: Chiavenato e Sapiro, 2009
4.1 Área militar: A invasão francesa de 1711 no Rio de Janeiro
Na noite de 11 de setembro de 1711, [...] Duguay Trouin, ordenou o início da
invasão ao porto do Rio de Janeiro [...]. Nesta noite, surgiu o vento forte que a
esquadra invasora por vários dias aguardava. [...] [A invasão] ocorreu como foi
planejada. Na manhã de 12 de setembro, a esquadra [...] invadiu a Baía de
Guanabara. [...] A cidade pouco resistiu ao poder bélico do invasor, que assumiu
por dois meses o controle [...] A população da cidade somente viu partir os
franceses após o pagamento do devido resgate [...]. (MARTINS, 2006, p. 80).
4.1.1 Referencial
A cobiça francesa
A descoberta do ouro em território brasileiro por volta de 1560 e a multiplicação destas
jazidas em 1693, chamou a atenção dos europeus e, em especial, dos franceses. (MARTINS,
2006). Em 1710, o corsário francês Jean-François Duclerc invadiu a cidade com
aproximadamente mil soldados em uma expedição mal sucedida que resultou na prisão dos
franceses e no assassinato de Duclerc de forma misteriosa.
A princípio, o motivo da viagem de Duguay Trouin seria vingar o ocorrido com Durclec.
Mas, o corso de 1711, patrocinado pelo rei Luís XIV, tinha na verdade outros objetivos além
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daqueles declarados. Por vários anos e muito antes da invasão, a grande cobiça francesa já
havia custeado muitas empreitadas e promovido inúmeras viagens à costa brasileira para
conseguir informações e mapas.
O sistema de defesa do Rio de Janeiro
Desde a chegada das caravelas de Pedro Álvares Cabral até por volta de 1549, o Brasil não
possuía qualquer sistema de defesa. Este panorama passa a se modificar com o aumento
demográfico que faz nascer as primeiras vilas.
Com a expulsão dos franceses em 1567, Mem de Sá transferiu a cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro para o morro de São Januário que passou a ser chamado morro do Castelo após
a construção, em taipa de pilão, da fortaleza (ou castelo) de São Sebastião e também do que,
no futuro, seria o forte de São Tiago. Já em 1585, Anchieta descreve em sua carta anual que a
cidade também já era defendida pelo Forte de Santa Cruz e o Forte de Nossa Senhora da Guia,
que mais tarde seria chamado de Santa Cruz da Barra (FERREZ, 1972). Estas obras eram bem
primitivas, todas feitas de barro e madeira.
Ao longo dos anos até a invasão de 1711, muitos foram os documentos enviados à Metrópole
com pedido de ajuda em relação à defesa do Rio de Janeiro. Devido a sua situação precária,
eram requeridos homens, armas e munição, solicitações que, em sua maioria, nunca foram
atendidas, pois Portugal também não os possuía devido ao seu estado de falência ocasionado
pela União Ibérica.
De acordo com Martins (2006), alguns documentos, apesar de contraditórios, relatam que a
cidade possuía cerca de duzentas bocas de fogo e que, na primeira linha de defesa haviam,
cerca de setenta armas quando Duguay Trouin chegou na cidade. Enquanto isso, os franceses
formavam, aproximadamente, 5780 homens armados com 742 bocas de fogo, afirmando a
exacerbada discrepância entre o invasor e o invadido.
4.1.2 Análise dos dados
No século XVIII, o “De Re Militari” já era conhecido na Europa e algumas modificações
estavam sendo feitas seguindo-se os preceitos desta obra.
Para a invasão de 1711, coube à França e, consequentemente, seu reino, tratar do
planejamento do uso das forças militares a partir da constatação de que elo mais fraco dos
portugueses eram suas colônias.
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Duguay Trouin antes de partir fez uso dos documentos e conhecimentos adquiridos
anteriormente por seus compatriotas, os quais também revelavam características e
propriedades das fortalezas existentes no Rio de Janeiro. Prova disso é que o primeiro navio a
entrar na Baía de Guanabara era conduzido por Couserac, o qual conhecia a entrada do porto,
e não por Duguay Trouin. Outra evidência é a espera da esquadra para penetrar pela Baía de
Guanabara. Os franceses aguardaram com muita cautela os “ventos reinantes” da região que
tornariam a entrada muito mais fácil.
Duguay Trouin utilizou-se dos conhecimentos da “manobra” ao preparar sua frota. Ao invés
de ele mesmo organizar e armar todas as embarcações em um mesmo porto, o corsário
preferiu ordenar que outras pessoas fizessem isso em outros portos, jamais alegando o motivo
real dos preparativos. Desta forma, as embarcações comandadas por Duguay Trouin somente
se uniram no próprio trajeto em direção ao Brasil.
Aliado às noções prévias, estava o ótimo arranjo francês de disciplina e poder bélico, uma vez
que a desigualdade de forças não estava somente no número de armas e soldados. A
superioridade técnica da artilharia francesa era tão forte que servia de exemplo para as demais
nações européias; sendo, por muitas vezes, imitadas por elas.
Em Portugal, as condições de guerra eram bem diferentes. Devido à falta de recursos
ocasionada pela União Ibérica, a artilharia portuguesa passou a ser formada por peças de
várias nacionalidades, ocasionando, diversas vezes, na falta de munição para muitas delas
(MARTINS, 2006). Logo, as fortalezas do Rio de Janeiro estavam em situação semelhante ou
pior, pois as armas que aqui se encontravam também tinham sido conseguidas após o
aprisionamento das armas dos diversos navios europeus que por aqui estiveram.
4.2 Área corporativa: “A estratégia militar no mundo dos negócios”
4.2.1 Referencial
O artigo publicado por Torres e Muniz (2010) expõe que a competição das empresas no
mercado possui princípios similares a uma guerra e que a adoção de uma estratégia é crucial
para a sobrevivência de uma companhia. O trabalho inicia-se afirmando que a “guerra do
mundo dos negócios” também se utiliza de estratégias que são similares às estratégias
militares. O artigo propõe-se a evidenciar os pontos em que a estratégia destas duas áreas
pode relacionar-se e contribuir para a manutenção da competitividade de uma empresa. Desta
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forma, o artigo apresenta alguns conceitos da área militar, citando Sun Tzu e, principalmente,
manuais de campanha e operações do exército brasileiro, dos quais identificam os princípios
básicos de condução de guerra. Logo em seguida, os autores buscam relacionar as estratégias
então mencionadas às aplicações do mundo dos negócios com a intenção de confirmar a
presença dos elementos militares. Para isto, utilizam-se de dois estudos de caso: o primeiro,
que analisa uma reportagem e relata o fato da Coca-Cola ter que enfrentar uma nova
concorrente, a Ebba, proprietária das marcas de suco Maguary e Dafruta; e a outra, sobre o
lançamento de um novo produto da cervejaria Schincariol, a Devassa, a qual tenta ganhar
market share diante de suas concorrentes.
4.2.2 Análise dos dados
Torres e Muniz (2010) apresentam no início de seu trabalho, uma possível semelhança entre
um campo de combate militar e uma competição no mundo dos negócios; e que, por isso, “o
conceito de estratégia militar também pode ser empregado à realidade empresarial”, sendo
que “a diferença básica entre a estratégia militar e as empresariais é a dinâmica do cenário a
ser empregado”, já que as guerras não acontecem todos os dias e que as organizações lutam
diariamente umas com as outras a fim de manterem-se no mercado. Com base nestas
informações, os autores citam que os dois tipos de estratégia visam o alcance de um mesmo
ideal, ou seja, para “os objetivos propostos para o futuro, mantendo-se em uma posição
vantajosa perante o oponente” (TORRES e MUNIZ, 2010). Dessa maneira, o texto força o
leitor a compreender a existência de uma possível analogia entre os conceitos e até da maneira
em que estes princípios são empregados.
Todavia, as guerras militares em nada se comparam as disputas de mercado, até porque o
termo “guerra” está intimamente ligado a “luta armada” e “arte militar”. Também não é
possível afirmar que os propósitos de combate militar sejam iguais aos marcos travados por
companhias nas competições de mercado, já que estas transformam o lucro em objetivos e a
estratégia em uma ferramenta do administrador para alcançar determinado patamar, estando
bem longe das organizações militares, as quais, tomadas por uma ação estratégica; exercem
suas atividades para chegar a certo propósito fixado, fazendo da estratégia uma maneira de
pensar e agir.
Reforçando ainda esta tendência de confundir conceitos, os escritores empregam o termo
estratégia em assuntos que pertencem ao nível tático, com a utilização dos preceitos de
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manuais do exército, os quais se referem a operações militares e que, no artigo, são
comparados às decisões ditas estratégicas das empresas. Um dos tópicos intitulado de “Tipos
de estratégias militares”, por exemplo, trata na verdade de operações de combate, isto é,
táticas de guerra, citando fundamentos e tipos de operações ofensivas e defensivas constantes
em manuais de operação do exército.
Por isto, diferentemente do estabelecido na obra, aqui será feita uma análise dos
procedimentos adotados pelas empresas estudadas no texto com a área de estratégia
empresarial.
Análise das reportagens
Na primeira reportagem tratada por Torres e Muniz (2010), duas bem conceituadas empresas
do ramo de bebidas aliaram-se, formando uma mega companhia que, com certeza, teve a ação
de analisar a sua maior concorrente. Desta avaliação, a Ebba pôde concluir que a Coca-Cola,
ao unificar suas marcas (Del Valle, Minute Kid e Kapo), perdeu um grande espaço no
segmento de sucos prontos e que, por isto, este seria um ponto fraco. Para ganhar vantagem
diante disto, a Ebba resolveu que a colocação de escritórios da empresa onde sua adversária
havia perdido mercado poderia ser uma oportunidade de ter espaço em lugares onde antes não
se atuava, evitando, também regiões onde sua concorrente possuía mais força.
Ademais, este caso é um bom exemplo de um dos pilares das “cinco forças competitivas”
estabelecidas por Porter, a intensidade da rivalidade, uma vez que a inserção de um novo
produto por uma companhia promoveu o desbalanceamento dos lucros de outra.
Já na reportagem sobre a cerveja Devassa, um dos primeiros aspectos a notar-se é a
necessidade de preservação de qualquer tipo de informação sobre o lançamento do novo
produto, a qual proporcionou o envolvimento da menor quantidade de pessoas possível e
assinatura de um termo que assegurava o não vazamento de informações. Nesta situação,
também se pode citar o fato da “surpresa” para o concorrente, uma vez que isto inibiria uma
ação rápida de resposta ao lançamento da nova cerveja.
Com o surgimento da Devassa, a Schincariol pretendia atingir públicos ainda não
conquistados com os produtos do grupo já existentes, investindo pesado em marketing. Com
isto, seguindo os preceitos de Porter sobre “estratégias competitivas genéricas”, foi adotada a
estratégia do enfoque, pois a empresa focalizou-se em estar presente somente em determinado
nicho (classes A e B), sendo necessário, para isto, um bom estudo de mercado.
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Avaliando os trabalhos de Mintzberg, enxerga-se o método dos “cinco P’s para estratégia” e
que um destes “P’s” esteve presente durante o projeto de desenvolvimento da Devassa porque
a Schincariol traçou um plano não somente de concepção do produto, mas também de
lançamento, confidencialidade e projeção de mercado.
5. Conclusões
O desenvolvimento das várias formas de guerrear associado à evolução da sociedade e
tecnológica fez com que os primitivos combates táticos transformassem-se em
acontecimentos de longo alcance e destruição e que ainda pudessem ser considerados de
amplitude estratégica, operacional ou tática. Entretanto, de início, poucos foram os
pesquisadores que se envolveram neste tema.
Os estudos sobre estratégia militar que foram essenciais para o aperfeiçoamento deste campo
de pesquisa fundamentaram-se nos escritos de Vegetius, que teve grande relevância até o
século XIX, quando se tem o surgimento de Jomini e Clausewitz e um grande avanço na área.
Vale ressaltar que, independente da época em que o autor tenha vivido ou que a obra tenha
sido produzida, as idéias sobre estratégia no conceito militar são similares e dirigidas para um
mesmo foco. Tem-se como um grande exemplo o caso das obras de Sun Tzu e Vegetius.
No primeiro caso abordado, nota-se que na área militar, a estratégia e o estudo deste segmento
mostraram-se existentes. A verificação disto baseia-se nas tantas visitas, mapas, pesquisas e
estudos franceses na costa brasileira muitos anos antes de Duguay Trouin conseguir com
sucesso invadir o Rio de Janeiro. Mesmo alguns historiadores, ainda hoje, atribuírem a fácil
conquista da cidade ao mau tempo, é provado que toda estrutura militar da França, seja de
embarcações, armas e homens, era superior não só em quantidade, mas principalmente em
preparo. Aliado a estes pontos, estava a falta de recursos de Portugal produzida pelo fim da
União Ibérica o que promove a impossibilidade de pensar-se em nível estratégico para
atuação.
Após a década de 1970, percebe-se que a estratégia tratada por Jomini e Clausewitz sofreu um
desvio e começou a ser empregada também em setores até então alheios as suas aplicações. A
estratégia recebeu diversas definições distintas daquelas já empregadas na área militar e virou
sinônimo da função gerencial das companhias, sendo responsável pelo planejamento a longo
prazo, competitividade do mercado e estando diretamente relacionada as metas
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organizacionais. Porém, diferentemente da estratégia militar, estes conceitos e definições são
dispersos e variam de acordo com as ênfases adotadas pelos autores, gerando uma mistura de
idéias e uma falta de consenso final, o que torna possível afirmar, segundo estes próprios
estudiosos, que não há uma definição única para o termo.
No caso corporativo apresentado, vê-se que esta falta de conceituação sobre estratégia na
administração é capaz de ocasionar uma comparação forçada de meios táticos militares a
atitudes ditas estratégicas das empresas. De início, vale evidenciar os níveis de confronto
destas idéias, pois, no âmbito militar, os temas táticos são totalmente distintos dos
estratégicos. Esta relação de igualdade imposta no artigo, além de receber críticas demasiadas
por parte dos estudos estratégicos, também acaba por confundir ainda mais o que seria o foco
de análise da administração estratégica e impede que o estudo e pesquisa deste segmento
avancem.
Não há como negar a validade da abordagem estratégica no âmbito empresarial, até porque, já
existem disciplinas que tratam do assunto no currículo dos cursos acadêmicos. Entretanto, a
analogia criada entre a estratégia e a tática nos dois cenários discutidos neste trabalho assim
como a utilização da obra de Sun Tzu para o estudo da estratégia empresarial prejudicam a
área por comparar e querer trazer concepções estritamente militares e de guerra para um
panorama de disputa comercial, onde os objetivos diferem-se de um conflito militar.
REFERÊNCIAS
CAMINHA, J. C.; Delineamentos da estratégia, vol. 1: Política, guerra e estratégia, Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1982.
CHIAVENATO, I. ; SAPIRO, A. ; Planejamento Estratégico: fundamentos e aplicações, 2ª ed., Rio de Janeiro:
Elsevier, 2009.
FERREZ, G.; O Rio de Janeiro e a defesa do seu porto 1555 – 1800, Rio de Janeiro: Serviço de
Documentação Geral da Marinha, 1972.
GIL, A. C.; Como elaborar projetos de pesquisa, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2008.
LINHARES, T. Q.; Vegetius e o pensamento estratégico militar, Rio de Janeiro: Escola de Guerra Naval –
Marinha do Brasil, 2004.
MARTINS, R. V.; A invasão francesa ao Rio de Janeiro em 1711 e a moderna formação técnica dos
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Ciências e das Técnicas e Epistemologia, Rio de Janeiro, 2006.
MINTZBERG, H; LAMPEL, J.; QUINN, J. B.; GHOSHAL, S.; O processo da estratégia: conceitos, contextos
e casos selecionados, 4ª ed, São Paulo: Bookman, 2003.
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22
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