Estratégias de Sobrevivência de Adolescentes_Dissertacao

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA “Compreendendo as estratégias de sobrevivência de jovens antes e depois da internação na FEBEM de Ribeirão Preto” Marilia Mastrocolla de Almeida Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Ciências, Área: Psicologia. RIBEIRÃO PRETO - SP

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Dissertação acerca da realidade atual de adolescentes

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    Compreendendo as estratgias de sobrevivncia de jovens antes e

    depois da internao na FEBEM de Ribeiro Preto

    Marilia Mastrocolla de Almeida

    Dissertao apresentada Faculdade de Filosofia,Cincias e Letras de Ribeiro Preto da USP, comoparte das exigncias para a obteno do ttulo deMestre em Cincias, rea: Psicologia.

    RIBEIRO PRETO - SP

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    Compreendendo as estratgias de sobrevivncia de jovens antes e

    depois da internao na FEBEM de Ribeiro Preto

    Marilia Mastrocolla de Almeida

    Profa. Dra. Rosalina Carvalho da Silva

    Dissertao apresentada Faculdadede Filosofia, Cincias e Letras deRibeiro Preto da USP, como partedas exigncias para a obteno dottulo de Mestre em Cincias, rea:Psicologia.

    RIBEIRO PRETO - SP

    2002

  • Agradeo ao Josiel, meu marido, companheiroe tcnico particular de computador, por

    me ajudar nessa luta entre usurio e mquina!!Agradeo a minha filha , minha flor, por me proporcionar momentos

    maravilhosos que me ajudaram arecuperar a energia! Espero que todas a leituras e tempos no

    computador lhe d a curiosidade de conhecer a realidade eajudar a transform-la.

    Agradeo aos meus pais por terem me dado a oportunidade de vivenciar a minha juventude aprendendo a ser uma

    cidad que se preocupa com a vida de outras pessoas e compreende queo afeto e o cuidado com o

    outro so sentimentos imprescindveis para que consigamosviver em um mundo melhor.

  • Agradecimentos

    Agradeo Profa. Rosalina ( Lina) por ter me recebido no NEPDA e dado aoportunidade para que eu pudesse realizar mais do que um projeto de pesquisa, masum projeto de vida;

    Agradeo Edna por supervisionar o meu trabalho voluntrio na FEBEM durante oano de 1999, ano que surgiram vrias questes que nortearam esse estudo;

    Agradeo Juliana por tudo e muito mais, sem palavras, minha colega detrabalho , amiga para sempre!

    Agradeo Cissa minha mana de ATITUDE, por estar sempre ao meu lado, comquem divido as alegrias e dificuldades de trabalhar com a realidade de vida dessesnossos jovens;

    Agradeo Fer por todos os abraos e por tudo que me ensinou durante nossotrabalho na FEBEM;

    Agradeo tia Olga e ao tio Nelsinho, que foram pais postios quando me torneiuma merilia de verdade e precisei de alguns socorros!!!

    Agradeo ao Anglo e Nilza, que alm de sogros maravilhosos, me ajudaramdispondo de tempos preciosos para me auxiliar a refletir sobre vrios aspectos desteestudo !

    Agradeo Profa. Umaia, minha mestre e incentivadora de todo os meus trabalhosdesde a graduao.

    Agradeo Profa. Lucy por todos os direcionamentos dados para este estudo.

    Agradeo Marli por cuidar de nossa casa, pois sem ela no poderia dispor de todoesse tempo para me dividir entre os cuidados com a minha famlia e com esse estudo.

  • Agradeo meu av Vicente por me dar um exemplo de vida e me ensinar a percebero sofrimento do outro como algo a ser cuidado e priorizado.

    Agradeo Equipe da FEBEM por acreditar no meu trabalho e possibilitar que tudoisso fosse possvel.

    Agradeo ao Juiz de Direito da Vara da Infncia e da Juventude da Comarca, Dr.Paulo Gentile, pela oportunidade de realizar esse estudo na FEBEM.

    Agradeo ao meu truta Kiko, por ter feito o trabalho apresentado na capa desseestudo, demonstrando durante o tempo que trabalhamos juntos, uma sensibilidade euma percepo da realidade que sempre me deixou sem palavras.

    Agradeo ao meu truta Edgar com quem aprendi muito sobre a vida e quem fezsurgir as primeiras idias para comear este estudo.

  • Dedico este estudo todos os jovens que dele participaram e todos os que vivem nessa realidade to sofrida,

    mas que buscam alternativas para vivenciar, mesmo quecom atropelos e angstias aquilo que

    lhes a mais sagrado, a juventude plena...

  • Poucos segundos

    Quando eu crescer quero ser importanteTer um palcio, um carro e grande riqueza

    Tendo aos ps a todo o instanteE viver aos sorrisos sem ver tristeza.

    Quero logo crescer pra mandar em mimSem ter de obedecer s ordens de ningum

    S fazendo o que eu gosto quando estiver a fimE andar como eu quero, afinal sou algum.

    Os mais velhos reclamam que a vida difcilMas quando eu for maior mudo a vida de vez

    J construo de cara o mais alto edifcioE toda a vizinhana vai saber quem que fez.

    Essa merda de escola um sacrifcioMesmo assim a minha me me obriga a estudar

    Quero apenas poder aprender um ofcioIr atrs de um trampo e a vida mudar.

    Conheci com os amigos um lugar bem maneiroTodo mundo bem louco s curtindo barato

    Sei que eu no sei tudo e sem sou o primeiroMas bem divertido e assim eu sou grato.

    Um maluco do centro me ligou numa fitaMesmo meio na dvida resolvi me envolver

    Chego em casa com grana, minha me diz aflitaQue me expulsa e casa se eu no devolver.

    Tenho carro, moto e uma mina na bancaE uma p de maluco que me chama de amigoDiz pra eu guardar grana que a vida desbanca

    Eu escuto calado, finjo no ser comigo.

    A polcia cercou e a casa caiuA porrada comeu e eu no vi mais nada

    O parceiro ligeiro deu perdido e saiuNa imprensa e no rdio minha vida estragada

    chegada a hora, vou rever a liberdadeUma p de mano me deseja a sorte

    Resgatar meu sorriso e viver de verdadeSei que no ser fcil e terei de ser forte.

    J tarde da noite e eu ainda na ruaNo resido nem moro, sem ter onde ficar

    Foi-se o sonho, e a verdade que chega cruaVem um carro na esquina, a polcia que vem

    me enquadrar.

    Densa a brisa envolvidaJ no vejo mais o rumo do trilho

    Se avida errada no devolvida Orientar melhor que chorar pelo filho.

    Geraldo Brasileiro cumpre pena no presdio Semi-aberto Edgard de Magalhes Noronha, emTrememb, no interior paulista. (Caros Amigos Literatura Marginal A cultura da Periferia Ato II, 2002)

  • O Reggae

    Ainda me lembro aos trs anos de idadeO meu primeiro contato com as grades

    O meu primeiro dia na escolaComo eu senti vontade de ir embora

    Fazia tudo o que eles quisessemAcreditava em tudo o que eles me dissessem

    Me pediram para ter pacinciaFalhei

    Ento gritaram: - Cresa e aparea!Cresci a apareci e no v nada

    Aprendi o que era certo com a pessoa erradaAssistia o jornal da TV

    E aprendi a roubar pr vencerNada era como eu imaginava

    Nem as pessoas que eu tanto amavaMas, e da, se mesmo assim

    Vou ver se tiro o melhor pr mim.

    Me ajuda se eu quiserMe faz o que eu pedirNo faz o que eu fizerMas no me deixe aqui

    Ningum me perguntou se eu estava prontoE eu fiquei completamente tontoProcurando descobrir a verdadeNo meio das mentiras da cidade

    Tentava ver o que existia de erradoQuantas crianas Deus j tinha matado.

    Beberam o meu sangue e no me deixam viverTm o meu destino pronto e no me deixam escolher

    Vm falar de liberdade pr depois me prenderPedem identidade pr depois me bater

    Tiram todas as minhas armasComo posso me defender?

    Vocs venceram esta batalhaQuanto guerra,

    Vamos ver.

    Marcelo Bonf/Renato Russo integrantes da banda Legio Urbana

  • RESUMO

    Este estudo tem como proposta conhecer e refletir sobre as estratgias desobrevivncia para conseguir dinheiro e acesso aos bens de consumo de 104 jovensinternados na FEBEM de Ribeiro Preto, no perodo de junho a agosto de 2000.Foram utilizados para coleta dos dados um roteiro estruturado para a realizao deentrevistas individuais e a realizao de notas em dirio de campo para registro dasatividades realizadas durante o estudo. Atravs das anlises dos dados buscamosconhecer as caractersticas gerais da populao (idade, grau de escolaridade, bairrode moradia, cidade de residncia, nmero de internaes e motivos das internaes) eas estratgias de sobrevivncia realizadas ANTES e DEPOIS da internao naFEBEM (tipo de atividade, idade que iniciou a atividade, durao, valor daremunerao, destino do dinheiro e motivo para a interrupo da atividade). Osresultados encontrados indicam que a maior parte dos jovens natural da cidade ereside em bairros pobres de Ribeiro Preto, com escolaridade de at 5a e 6a srieincompletas. A infraes de maior frequncia, que levaram os jovens medidascioeducativa de internao foram o roubo e o homicdio. A faixa-etriapredominante, na primeira internao, a de 16-17 anos. Quanto as estratgias desobrevivncia observamos que todos os 104 jovens realizaram atividades para ganhardinheiro e ter acesso aos bens de consumo na sua vida. Desses, observou-se que amaioria realizou, ANTES da primeira internao na FEBEM, as Atividades Ilegais,principalmente o Ato Infracional e o Trabalho Infantil e as Atividades Legaisassociadas s Atividades Ilegais, como o Trabalho Juvenil e o Ato Infracional. Aatividades relatada pelos jovens e realizada DEPOIS da internao na FEBEM, foipredominantemente o Ato Infracional. Percebemos que as atividades de maiordurao foram o Ato Infracional e o Trabalho Infantil. A faixa-etria no incio daprtica do Ato Infracional foi de 13 a 15 anos, do Trabalho Infantil foi de 10 a 13anos e do Trabalho em Situao de Rua ficou entre 9 e 12 anos. O Trabalho emRegime de Aprendizagem e o Trabalho Juvenil apresentaram idades equivalente sdeterminadas pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA). Em geral os jovenstiveram acesso as atividades por intermdio de amigos e familiares. O AtoInfracional foi a nica atividade mencionada que apresentou maior nmero de relatosonde o incio e a prtica feita somente pelo jovem. Quanto aos motivos para ainterrupo das atividades, observamos que foram semelhantes aqueles do TrabalhoInfantil, o Trabalho Juvenil e o Trabalho em Regime de Aprendizagem como: ademisso, o jovem no gostar do tipo de atividade realizada e o valor daremunerao. O encaminhamento do jovem para a FEBEM tambm foi citado comoum motivo para interrupo dessas atividades e tambm do Ato Infracional. O AtoInfracional foi, segundo o relato dos jovens, a atividade que fornecia maior quantiaem dinheiro, chegando a ser 30 vezes maior do que as outras atividades. A maioriados jovens entrevistados relatou o gasto do dinheiro com roupas, diverso e com afamlia e namoradas. Com relao s estratgias de sobrevivncia dos jovens aps ainternao em que se deu a entrevista, observou-se que praticamente 80% dos jovenstm o interesse em realizar uma atividade para conseguir dinheiro aps a

  • desinternao, sendo que desses, 16,4% pretendem continuar a prtica do AtoInfracional e o restante pretende conseguir um trabalho. De acordo com os relatos,muitos jovens mencionaram, caso houvesse a oportunidade de escolha, o interesseem aprender atividades diferentes daquelas realizadas anteriormente. Dos jovens queno definiram o que gostariam de fazer aps a desinternao, a maioria havia sidointernado mais de uma vez na FEBEM e havia praticado somente o Ato Infracionalcomo estratgia de sobrevivncia. Os jovens que responderam que no gostariam derealizar atividade atriburam o interesse em voltar a estudar e tambm estar correndorisco de vida. Dessa forma ento conclumos que esses jovens buscaram vriasalternativas, sejam Atividades Legais ou Ilegais para conseguir dinheiro, mostrandoa necessidade dos jovens em adquirir mais autonomia para vivenciarem a juventude.Observamos tambm que muitos desses jovens tm interesse em realizar atividadesdiferentes daquelas vivenciadas e

  • ndice

    Captulo 1 - Apresentao............................................................................................1

    Captulo 2 - Introduo................................................................................................5

    Captulo 3 - Objetivos do Estudo...............................................................................21

    Captulo 4 - Procedimentos Metodolgicos...............................................................23

    4.1 - Campo de estudo ...........................................................................................23

    4.2 - Participantes...................................................................................................25

    4.3 - Abordagem Terico-metodolgica................................................................25

    4.4 - Instrumentos de coleta dos dados..................................................................26

    4.5 - Fase de adequao do instrumento de coleta de dados.................................28

    4.6 - Procedimentos ticos para o incio do estudo na FEBEM.............................29

    4.7 - Procedimentos de coleta dos dados...............................................................30

    4.8 - Procedimentos de anlise dos dados..............................................................34

    Captulo 5 - Resultados..............................................................................................43

    5.1 - Caracterizao geral dos jovens entrevistados..............................................43

    5.2 - Os jovens e as estratgias de sobrevivncia..................................................66

    5.3 - As estratgias de sobrevivncia dos jovens aps a ltima internao na

    FEBEM................................................................................................................145

    Captulo 6 - Consideraes Finais...........................................................................172

  • Captulo 7 - Referncias Bibliogrficas...................................................................180

    Captulo 8 - Anexos.................................................................................................190

    ANEXO A Termos de Consentimento.............................................................191

    ANEXO B Roteiro de Entrevista......................................................................194

    ANEXO C Termo de Apresentao..................................................................213

    ANEXO D Quadros, Tabelas e Grfico............................................................198

  • ndice de Figuras

    Figura 1 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 82

    (17 anos 7 srie incompleta)..................................................................................37

    Figura 2 - Distribuio dos jovens de acordo com a realizao de atividades ANTES

    e DEPOIS da internao na FEBEM..........................................................................68

    Figura 3 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 78

    (16 anos 7a srie incompleta)..................................................................................72

    Figura 4 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 91

    (16 anos 5a srie incompleta)..................................................................................83

    Figura 5 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 74

    (17 anos 1 colegial incompleto).............................................................................84

    Figura 6 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 25

    (17 anos, 1 colegial incompleto)................................................................................91

    Figura 7 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 83

    (18 anos 7a srie incompleta)..................................................................................92

    Figura 8 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 10

    (17 anos, 1 colegial incompleto)................................................................................95

    Figura 9 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 36

    (18 anos, 2 colegial incompleto)..............................................................................102

  • 14

    Figura 10 - Linha da Estratgia de Sobrevivncia do entrevistado n 63 (18 anos, 3

    srie)..........................................................................................................................106

    Figura 11 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    22 (18 anos, 3 srie)...............................................................................................108

    Figura 12 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n

    112 (17 anos, 1 srie)...............................................................................................111

    Figura 13 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 68

    (16 anos, 3 srie)......................................................................................................115

    Figura 14 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 35

    (17 anos, 6 srie incompleta)...................................................................................116

    Figura 15 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 80

    (17 anos, 7 srie incompleta)...................................................................................120

    Figura 16 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    52 (16 anos, 7 srie).................................................................................................123

    Figura 17 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    38 (17 anos, 1 colegial incompleto).........................................................................125

    Figura 18 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    87 (17 anos, 1 colegial incompleto).........................................................................128

    Figura 19 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    58 (15 anos, 7 srie incompleta)..............................................................................133

    Figura 20 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    85 (18 anos, 6 srie incompleta)..............................................................................135

    Figura 21 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    31 (16 anos, 7 srie incompleta)..............................................................................152

  • 15

    Figura 22 -Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n 73

    ( 15 anos, 6 srie incompleta)..................................................................................164

    Figura 23 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    58 (15 anos, 7 srie incompleta)..............................................................................168

    Figura 24 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n

    83 (18 anos, 7 srie incompleta)..............................................................................171

  • ndice de Tabelas

    Tabela 1 - Distribuio dos jovens por faixa-etria no momento da entrevista, grau

    de escolaridade, bairros de moradia e cidade de residncia segundo a condio de

    internao 2000........................................................................................................44

    Tabela 2 - Distribuio das atividades realizadas pelos jovens antes da primeira

    internao na FEBEM, segundo o nmero de internaes - 2000..............................76

    Tabela 3 Distribuio das atividades realizadas pelos jovens depois da internao

    na FEBEM segundo o nmero de internaes 2000..............................................138

    Tabela 4- Distribuio dos jovens segundo os planos de realizao de atividades

    aps a ltima internao na FEBEM subdivididos por nmero de internaes- 2000.. .

    146

  • Captulo 1

    Apresentao

    Os questionamentos que norteiam este estudo surgiram durante o meu

    trabalho realizado desde 1999 junto equipe do NEPDA Ncleo de Estudos em

    Preveno das DST/AIDS e uso indevido de drogas1 na Unidade Educacional (UE3)

    Fundao Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM) Ribeiro Preto.

    A equipe do NEPDA, cuja proposta de trabalho, na FEBEM de Ribeiro

    Preto, consistiu na realizao de um conjunto de aes que visavam promoo de

    sade e cidadania junto aos jovens que se encontram em situao de privao de

    liberdade, atuou nessa instituio desde 1998 at 2000 realizando oficinas grupais

    com os jovens internos da Unidade.

    A partir da minha atuao na FEBEM pude observar que a medida de

    1 Ncleo coordenado pela Profa. Dra. Rosalina Carvalho da Silva, sediado no Dep. de Psicologia e Educao daFFCL-USP-RP

  • 2internao aplicada isoladamente no estava atingindo o objetivo de facilitar a

    reinsero desses jovens na sociedade, de forma que os mesmos tivessem mais

    oportunidades para sair da vida do crime, e fizessem valer os seus direitos como

    pessoa em situao peculiar de desenvolvimento.

    De acordo com os dados fornecidos pela prpria Unidade em 2000,

    sobre o nmero de internaes de outubro de 1997 a outubro de 1998, dos 972 jovens

    internados nesse perodo, 489 (50,3%) haviam sido internados mais de uma vez. Em

    outubro de 1998 a outubro de 1999, esse nmero aumentou para 514 (51,1%), dos

    969 jovens que estiveram internados no perodo. Estes dados confirmam as

    limitaes da medida scio-educativa de internao como ressocializadora, j que o

    nmero de jovens que esto sendo internados aumentou nesses dois anos.

    Com o intuito de buscar respostas para minimizar essa situao de contnuas

    internaes destes jovens na FEBEM, realizei, junto com outra integrante do

    NEPDA, durante o ano de 1999, algumas atividades com os jovens internos, cuja

    proposta foi trabalhar com as questes das alternativas apontadas pelos mesmos para

    que as condies de vida deles fossem diferentes (sair da vida do crime, no correr

    mais risco de morrer etc). Nestas atividades os jovens apontaram uma srie de

    alternativas que variavam desde acabar com os policiais, fechar a FEBEM, at criar

    espaos de lazer nos bairros etc. No entanto, de todas as opinies, foi possvel

    perceber a relevncia dada dificuldade e necessidade de insero em atividades

    profissionais: "para melhorar a vida de todas as pessoas preciso ter servio na

    comunidade para que ningum venha parar aqui na FEBEM, e para no ter

    violncia" ; "eu acho que se o governo ajudasse as famlias mais pobres, e colocasse

    mais servio teria muito menos violncia" ; "precisa ter emprego pros menor, que

  • 3no ganhasse mixaria".

    Neste sentido, surgiram vrias questes como: o jovem acredita que a

    sua insero no mercado de trabalho pode impedir a prtica do Ato infracional? Este

    jovem j trabalhou? Ser que ele tem algum interesse especfico? Quais foram as

    dificuldades encontradas pelos jovens que trabalharam? Por que o jovem infraciona

    se gostaria de estar trabalhando? Ser que a internao interfere na realizao de um

    plano de trabalho?

    Uma vez que so quase inexistentes as produes sistemticas de bases de

    dados sobre jovens em conflito com a lei, como apontado por estudos realizados pelo

    Ncleo de Violncia USP (NEV- USP) em parceria com a Fundao SEADE

    (Dirio Oficial do Estado de So Paulo, 2000), torna-se de grande importncia a

    realizao de estudos que apontem algumas alternativas que possam contribuir para

    um conhecimento maior sobre estes jovens e conseqentemente com as mudanas na

    forma de atender as necessidades dos mesmos.

    Adicionalmente a esse fato tem-se que discusses a respeito da juventude

    voltam a aparecer nas teses e dissertaes, mas, que no entanto, poucas delas

    enfocam o modo como os prprios jovens vivem e elaboram as situaes do

    cotidiano de suas vidas, ou seja, no priorizam ...as consideraes dos prprios

    jovens, e suas experincias, suas percepes, formas de sociabilidade e atuao.

    (ABRAMO, 1997:25)

    Dessa forma ento, conclumos que atravs da realizao de um levantamento

    cujo tema principal fosse conhecer, a partir dos relatos dos prprios jovens privados

    de liberdade, suas estratgias para conseguir recursos e ter acesso aos bens de

    consumo durante toda a sua vida, pudesse esclarecer parte das dvidas surgidas

  • 4durante o meu trabalho e assim tambm contribuir para o aumento de espaos para

    reflexo a respeito dos jovens em conflito com a lei.

    Sendo assim, o presente trabalho foi elaborado e est sendo apresentado da

    seguinte forma: no segundo captulo, referente introduo, so abordadas as

    diferentes estratgias de sobrevivncia que o jovem encontrou ao longo da histria

    para conseguir recursos e acesso aos bens de consumo e os programas de

    atendimento essa populao que utilizam o trabalho como forma de incluso. No

    terceiro captulo so apresentados os objetivos do estudo. Os procedimentos

    metodolgicos utilizados neste estudo esto apresentados no quarto captulo. O

    quinto captulo corresponde aos resultados. As consideraes finais e as referncias

    bibliogrficas esto apresentadas respectivamente no sexto e stimo captulo.

  • 5Captulo 2

    Introduo

    2.1 - O Jovem, as Estratgias de sobrevivncia, a Histria

    As questes que envolvem a relao do jovem com as estratgias

    utilizadas por ele para conseguir recursos para o seu sustento e de sua famlia

    perpassa por vrios momentos da histria poltica, econmica e social do Brasil.

    Foram dois os perodos da histria do Brasil, marcados por grandes

    discusses e transformaes com relao a esta questo: o perodo do incio do

    regime republicano (dcadas de 20 e 30) e meados do regime ditatorial (dcadas de

    70 e 80). Em ambos os perodos observou-se que as transformaes sociais e

    consequentemente o aumento da pobreza de grande parte da populao, levou um

    grande nmero de jovens e crianas a buscar na rua, nas atividades consideradas

    infracionais e no trabalho infantil, formas de conseguir dinheiro e acesso aos bens de

    consumo.

  • 6Os anos 20 e 30

    Especificamente, nas primeiras dcadas do perodo Republicano, houve um

    crescimento populacional e industrial, devido imigrao de pessoas que vieram

    trabalhar nas indstrias localizadas nas grandes cidades, que, como apontado por

    CARMO (1998) ; MARCILIO (1998) e como complementa SANTOS (1999), gerou

    uma ...forte dicotomia entre os mundos do trabalho e da vadiagem, protagonizados

    pelo imigrante e pelo nacional, principalmente aquele advindo da escravido.

    (p.213)

    Esta poca foi marcada pela formao do binmio excluso social e

    crescimento econmico, pois o crescimento das indstrias, do comrcio e do

    mercado de servios determinou a demanda por profissionais com maior

    qualificao, gerando em contrapartida um grande contingente de indivduos que

    no atendia s necessidades do mercado, ficando ento excludo do universo da

    produo e do consumo e merc da misria e da violncia.

    De acordo com SANTOS (1999) toda essa situao criou uma crise social

    cuja conseqncia foi o aumento da criminalidade e conseqentemente dos

    mecanismos de represso.

    O aumento de crimes tambm englobava os praticados por crianas e

    adolescentes que, em geral, se resumiam queles definidos como vadiagem,

    embriaguez, furto e roubo.

    Nesta poca, as crianas e jovens tinham poucas alternativas para conseguir

    recursos financeiros como tentativa de sobrevivncia pessoal e da famlia, devido

  • 7principalmente, excluso das classes populares. Neste caso ento, ou eram

    iniciados precocemente nas atividades produtivas como fbricas, oficinas (alfaiate,

    marceneiro, serralheiros etc.) e construo civil, ou realizavam atividades de

    mendicncia nas ruas e atividades infracionais (roubo, furto e prostituio)

    (SANTOS, 1999; MOURA, 1999).

    Segundo SANTOS (1999) esses menores transitavam entre atividades

    lcitas e ilcitas, servindo de mo de obra em pequenos servios, e na falta desses,

    entregando-se prtica de pequenos furtos e roubos... (p.219).

    Os anos 70 e 80

    Na dcada de 70, inicia-se no Brasil um perodo de grande acelerao do

    processo de urbanizao, gerando um aumento da desigualdade social e

    conseqentemente um empobrecimento da populao.

    Este perodo tambm foi marcado pelas discusses sobre a questo da criana

    e do jovem que, devido ao quadro de pauperizao das famlias, buscavam

    alternativas para complementar a renda familiar atravs da realizao de atividades

    legais e ilegais (CERVINI & BURGER, 1996).

    Como apontado por MELLO (1991),

    este o contexto da vida da criana e do adolescentede baixa renda. Pertencentes famliasmarginalizadas do mercado de trabalho, excludos doacesso polticas sociais bsicas (educao, sade,habitao, saneamento etc.) encontram-se em situaode risco permanente e passam a ser alvo de polticasde assistncia social. As crianas em situaesextremas, colocadas em instituies, ou as praticantesde delitos, ou as crianas de rua, ou as que ingressamprecocemente no mercado de trabalho compem assituaes tpicas do processo que vem caracterizandoa sociedade brasileira.(p.6)

  • 8Desta forma ento, a questo do jovem e do trabalho e mais especificamente

    da aquisio de recursos financeiros se torna importante medida que

    ...se transforma, na maior parte dos casos, em umaexcluso estendida, dado que quem no tem empregono tem rendimento prprio e, portanto no possuinem condio de vivenciar a sua prpria juventude,nem motivao e disposio de elaborar projetos defuturo para a sua vida adulta. neste cenrio, de totaleroso da auto-estima e desesperana, que a violnciaencontra terreno propcio para se sofisticar, instalar ecrescer(MADEIRA & RODRIGUES, 1998:428)

    Sob a influncia dos estudos realizados da dcada de 80 referentes questo

    das reais condies de vida da criana e do jovem que trabalham nas ruas, que

    realizam atividades infracionais e que se inserem precocemente nas atividades de

    trabalho, foram sendo criadas novas concepes que chamaram a ateno da

    sociedade para esta problemtica (CERVINI & BURGER, 1996)

    Para as crianas e os jovens que realizam o trabalho infantil, de acordo com

    GOMEZ & MEIRELLES (1997),

    A concepo, no incio da industrializao, era deque crianas e adolescentes pobres deveriamtrabalhar, porque o trabalho protege do crime e damarginalidade, uma vez que o espao fabril eraconcebido em oposio ao espao da rua, consideradodesorganizado e desregulado. Alm disso, o trabalhodos menores, permitia um aumento da renda familiar,ao mesmo tempo em que podia ser visto como umaescola, a escola do trabalho.(p.136)

    Durante muitos anos, fez parte do senso comum a idia de que as pessoas

    pobres eram pobres porque no queriam trabalhar. infncia pobre tambm foi

  • 9atribuda essa mesma concepo estigmatizando-a e excluindo-a devido a sua ndole

    m. Neste contexto, o trabalho infantil era entendido como uma forma de insero

    social, recuperao da ndole boa e conseqentemente uma falsa soluo aos graves

    problemas gerados pelas crises sociais. (VOLPI, 1994)

    Segundo MADEIRA (1993), atualmente, do ponto de vista dos familiares, o

    trabalho visto como um instrumento de proteo da marginalidade e da violncia

    em geral. Para o jovem, ...o trabalho a possibilidade da conquista de um espao

    de liberdade para definir os seus itens de consumo prioritrios numa situao de

    carncia econmica e imposio muito forte de smbolos juvenis tnis, jeans, som,

    etc. (p.81).

    Esta viso de que o jovem busca autonomia financeira e poder de acesso aos

    bens materiais, tambm encontrada nos trabalhos de CERVINI & BURGER

    (1996), que defendem a idia de que o trabalho juvenil est sujeito a outros fatores

    que no seja somente a pobreza.

    Segundo CERVINI & BURGER (1996), alm da idia de que o trabalho

    infantil est diretamente associado s condies de vida da famlia, tambm se v

    vinculado com a idia de que ...quanto mais cedo o indivduo se incorpora ao

    mercado de trabalho, mais fortemente estar comprometido com o seu futuro bem-

    estar (p.27)

    Estudos apontam, atualmente, duas justificativas para o ingresso do jovem no

    mundo do trabalho. A primeira corresponde a uma anlise do ponto de vista macro,

    ou seja, a partir do comportamento geral do mercado de trabalho, da efetividade das

    redes de proteo e de garantia de renda aos segmentos mais frgeis da sociedade e

    da eficcia do sistema escolar. Na anlise micro, como segunda justificativa, a

  • 10

    discusso perpassa pelo mbito familiar, ou seja, a passagem para o mercado de

    trabalho se d pela questo financeira para atender as necessidades coletivas da

    famlia por insuficincia da renda familiar. (FUNDO DAS NAES UNIDAS

    PARA A INFNCIA, 1998 ; MADEIRA & RODRIGUES, 1998 ; POCHMANN,

    2000)

    Com relao questo da criana e do jovem em situao de rua,

    ROSEMBERG (1994) e RIZZINI & RIZZINI (1996) colocam que os valores

    atribudos aos mesmos foram sendo modificados ao longo dos tempos. At o incio

    do sculo XX, a presena de crianas e jovens nas ruas significava o abandono

    pelas famlias e, conseqentemente, o crescimento da vadiagem infantil que

    incomodava as famlias e ameaava a estabilidade da ordem pblica.

    Nas dcadas de 70-80 essa mesma populao ainda era vista como

    abandonada, sem famlia, que buscava na rua uma alternativa de sobrevivncia e

    moradia. Como aponta ADORNO et all (1999)

    No Brasil, desde o incio da dcada de 70, ao menosnas grandes cidades brasileiras, a existncia decrianas e de adolescentes vagando pelas ruas,mendigando, vigiando veculos estacionados nas ruas,vendendo balas e doces junto aos semforos, via deregra em troca de pequenas somas de dinheiro, vemsendo percebida como problema social(p.62)

    Atualmente, pode-se dizer que as crianas e jovens, que na sua grande

    maioria, no so abandonados por suas famlias, buscam na rua um espao principal

    ou secundrio onde ele possa garantir a sua subsistncia e lazer. Como coloca

    VOGEL & MELLO (1996) ...o meio pelo qual se d a sada a realizao de

    algum tipo de trabalho: vender algo ou fazer algo com o intuito de obter dinheiro

    para ajudar nas despesas do grupo familiar... (p.137), alm de, tambm,

  • 11

    possibilitar um ganho pessoal, uma fonte de recursos para garantir a suas prprias

    necessidades e desejos. (MELLO, 1991 ; VOGEL & MELLO , 1996 ; RIZZINI &

    RIZZINI, 1996)

    CERVINI & BURGER (1996) citam como as principais atividades realizadas

    pelas crianas e jovens nas ruas, a de vendedor de rua, engraxate, vigia e lavador de

    carro, carregador na feira e supermercado, catador de papel e ferro-velho.

    Existem ainda, estudos que apontam outras razes que levam a criana e o

    jovem a buscar na rua formas de sobrevivncia. Segundo RIZZINI & RIZZINI

    (1996)

    - O trabalho como legitimao tica de um estilo devida onde este aparece como um meio de incluso nasociedade.-O trabalho como obrigao compulsria concepoque apareceu em quase todas as falas: toda criana de'classe baixa' deve trabalhar.-O trabalho como forma de ocupar o tempo ocioso(controle) de forma a evitar a ociosidade.-O trabalho como preparao para a vida como umaprtica educativa.(p.79-80)

    As mesmas autoras colocam que o trabalho percebido como ...mecanismo

    disciplinador e como forma de insero no mundo aceito socialmente (p. 80).

    importante ressaltar que, segundo este estudo, para essas crianas e jovens

    que buscam alternativas de sobrevivncia nas ruas e se empenham em atividades

    mltiplas, existe o predomnio de atividades de trabalho, em relao s atividades

    infracionais. De acordo com ROSEMBERG (1994), esse resultado afasta o ...

    retrato estereotipado que tem alimentado o imaginrio social (p.44).

    Especificamente com relao s estratgias de sobrevivncia daqueles que se

  • 12

    utilizam somente de atividades infracionais, RIZZINI & RIZZINI (1996),

    comentam que,

    No h registro de pesquisas sobre o caso especficode crianas e adolescentes que exercem de formasistemtica atividades marginais infratoras nas ruascomo meio de sobrevivncia. Os estudos que existemnormalmente exploram o tema da delinqncia a partirdos locais de recepo, triagem e deteno, como ojuizado de menores e os centros de recolhimento erecuperao de infratores (p.83)

    As mesmas autoras ainda colocam que ...surpreendente que to pouca

    ateno tenha sido dada questo do trabalho nas pesquisas feitas sobre menores

    institucionalizados, em face da nfase que normalmente se d formao e

    ocupao profissional dos mesmos.(p.75)

    Em estudos recentes que abordam dentre vrias questes, a da insero

    destes jovens em atividades de trabalho, as atividades infracionais so citadas pelos

    mesmos como mais um tipo de trabalho, como apresentado por ASSIS (1999),

    Embora parea totalmente contrrio ao sensocomum, os jovens infratores que vivem do trficoconsideram como trabalho as atividades quedesempenham. Dali se origina a prpriasobrevivncia, e as vezes, a da famlia. O 'trabalho' notrfico assemelha-se ao trabalho formal no que serefere a questes como compromisso,responsabilizao, lugar no processo, tcnicas,hierarquia e normas de ascenso profissional.(p.87)

    Segundo o estudo realizado na cidade de Ribeiro Preto (KODATO &

    SILVA, 2000), vrios so os fatores que podem influenciar a entrada do jovem na

    vida infracional,

    ...a extrema pobreza e a falta de opes empurram o

  • 13

    adolescente para a marginalidade e a criminalidade,ao mesmo tempo em que ele ideologicamentecapturado pelos sonhos de consumo e grandeza,veiculados pela mdia e valorizados socialmente comosinnimo de felicidade e sucesso (p.512).

    Especificamente com relao s experincias dos jovens em atividades de

    trabalho, ASSIS (1999) aponta para uma questo importante, de que para o jovem

    autor de ato infracional ...o trabalho aparece como forma de amenizar os erros

    cometidos e de se redimirem perante a sociedade. (p.90) Os mesmos atribuem ao

    trabalho a sobrevivncia e a possibilidade de ascenso social. No entanto, segundo

    ASSIS (1999) a busca por trabalhos no-especializados, sem um interesse

    especfico, ou seja, o jovem acaba tendo duas opes, envolver-se com as atividades

    ilcitas, que acabam gerando uma renda maior, ou ento, submeter-se atividades

    que exijam pequena qualificao e ofeream baixa remunerao.

    Assim sendo, mesmo existindo semelhanas (a condio scio-econmica da

    famlia e o desejo de adquirir autonomia e bens de consumo) e diferenas entre

    aqueles que realizam trabalho infantil, trabalho em situao de rua ou ato infracional,

    a questo da valorizao do trabalho como socializador fortemente defendida,

    levando a crena de que o trabalho uma forma de prevenir a entrada ou

    reincidncia do ato infracional.

    Pode-se dizer ento, que foi, com base nessa viso do trabalho, que as

    polticas de atendimento destinadas s crianas e jovens excludos foram definidas ao

    longo destes anos.

    2.2 - O trabalho para quem precisa trabalhar

  • 14

    O trabalho para quem precisa trabalhar era a viso que norteou parte das

    polticas de atendimento direcionadas s crianas e jovens pobres ao longo da

    histria do Brasil e de vrios pases.

    De acordo com FILGUEIRAS (1996), a questo da valorizao do trabalho

    como meio de integrao social, parte dos valores trazidos pelos pases

    colonizadores, cujas estratgias de assistncia aos indivduos ditos no-integrados/

    marginais, sempre foram direcionadas para a distino entre os incapacitados para o

    trabalho e os aptos que no trabalham (indigentes, ociosos etc). (FILGUEIRAS, 1996

    ; LARANGEIRAS, 1999).

    Sendo assim, desde o Imprio, da Repblica, e mais especificamente at o

    final dos anos 80, a filosofia de atendimento das crianas e dos jovens

    marginalizados, em geral vistos como potencialmente abandonados e perigosos

    (ROSEMBERG, 1994; RIZZINI & RIZZINI, 1996 ; PASSETI, 1999) teve por base

    a educao pela recluso, onde eram inseridos em atividades profissionalizantes,

    como carpintaria, serralheria, pedreiro, funileiro, sapateiro, etc, (MARCILIO, 1998),

    ou seja, a esse contingente de crianas e adolescentes nas ruas, considerados pelas

    autoridades como moralmente abandonados, se aplicava o discurso que enaltecia o

    trabalho ... enquanto instrumento que permitiria, fornecendo-lhes uma profisso,

    resgat-los e preserv-los do contato pernicioso das ruas... (MOURA, 1998: 276).

    De acordo com as leis na poca do imprio e da repblica (Cdigo do Imprio

    de 1831 e do Cdigo Penal da Repblica), as crianas e jovens marginalizados,

    vistos como perigosos, seriam encaminhados para estabelecimentos disciplinares

    (SANTOS, 1999; MOURA, 1999).

    Estes estabelecimentos disciplinares, tambm chamados de institutos

  • 15

    privados de recolhimentos para menores (SANTOS, 1999:222) j existiam desde o

    sculo XIX, e em geral, eram fundados por congregaes religiosas ou particulares

    ligadas industrias e ao comrcio, e tinham o ensino profissional como ponto

    principal de trabalho. As vagas oferecidas por esses institutos eram destinadas aos

    filhos de operrios e comerciantes, e algumas vagas para crianas e jovens com

    problemas judiciais encaminhados pelo Estado. No entanto, o fato do Estado

    encontrar dificuldades dos diretores desses institutos em aceitarem esse jovens, fez

    com que fossem criadas instituies pblicas de recolhimento que tivesse como meta

    a ...correo e a recuperao dos jovens delinqentes... ( SANTOS 1999:223).

    Como aponta SANTOS (1997), as atividades oferecidas esse contigente de

    crianas e jovens eram, basicamente, vinculadas ao mercado informal pois,...as

    crianas e adolescentes fabricavam uma diversidade de produtos que variavam do

    picol/sorvete, passando por detergente caseiro, cermica at a construo de

    mveis coloniais (p.11) ou ento eram vinculadas s atividades profissionalizantes

    como patrulheiros-mirins, guardas-mirins etc.

    Os objetivos principais destes atendimentos eram: preparar essas

    crianas e jovens para terem bons costumes e uma profisso, a fim de serem teis a s

    mesmos e nao (MARCILIO, 1998) e, tambm uma forma de preven-los da

    entrada na vida infracional (MARCILIO, 1998 ; MOURA, 1999). De acordo com

    SANTOS (1999: 216) o caminho mais adequado era o da...pedagogia do trabalho

    entendido como principal recurso para a regenerao daqueles que no se

    enquadravam no regime produtivo vigente.,ou seja, o afastamento dessas crianas e

    dos jovens do convvio com a sociedade, tinha o objetivo de transform-los em

    trabalhadores nacionais, mo de obra fcil de ser explorada, no qualificada, e

  • 16

    facilmente adaptvel. Sendo assim, tinha um sentido muito mais poltico-ideolgico

    do que qualificao para o trabalho (PASSETI, 1999).

    2.3 Um novo olhar para o jovem e o trabalho

    Os anos 90 trouxeram crticas a estes modelos de atendimento, por no se

    preocuparem em modificar a forma de insero e atuao do jovem no mercado de

    trabalho, ou ento por estarem vinculados com a lgica da produo e do lucro.

    Como aponta MARQUES (1997) nesse perodo comearam a surgir novos

    estudos que questionavam as reflexes que tinham o Trabalho como categoria central

    na anlise da sociedade e, consequentemente, como fator determinante das chance de

    participao social, poltica e cultural dos indivduos.

    De acordo com MARQUES (1997) A dialtica do trabalho, embora

    importante, se no combinada com a dialtica de outras relaes sociais, torna-se

    inoperante para explicar o nosso tempo (p.69). Por essa razo, a autora solicita que

    seja revisto o poder do trabalho como determinante das relaes sociais, e

    especificamente, a socializao do jovem e a construo da sua identidade.

    Com base em novos olhares sobre a relao jovem x trabalho, o Estatuto da

    Criana e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, levantou ento, a

    necessidade da criao de programas sociais cuja proposta era oferecer um

    desenvolvimento integral da criana e do jovem, atravs de um conjunto de

    atividades (ldicas, culturais, esportivas etc), onde o trabalho passou a ser mais um

    componente importante no processo de desenvolvimento e construo da vida dos

    pequenos cidados (SANTOS, 1997).

    Segundo o mesmo autor, o ECA apontou para a necessidade de oferecer

  • 17

    atividades profissionalizantes remuneradas que respeitem o desenvolvimento pessoal

    e social do jovem. O trabalho se torna ento, um instrumento educativo, no qual as

    exigncias pedaggicas prevalecem sobre o aspecto produtivo. Segundo SANTOS

    (1997) ...as atividades educacionais devem assegurar ao adolescente que delas

    participem, condies de capacitao para o exerccio de atividade regular

    remunerada (p.17).

    No entanto, ABRAMO (1997) comenta que o fato de no existir, no Brasil,

    uma tradio de polticas especificamente destinadas aos jovens de baixa renda, com

    exceo da poltica educacional, faz com que ainda prevalea os princpios

    implcitos de muitos programas antigos como a ...conteno do risco real e

    potencial destes garotos, pelo seu afastamento das ruas ou pela ocupao de

    suas mos ociosas (p.26).

    Ainda segundo a autora, o objetivo acaba sendo o de ...dirimir ou pelo

    menos diminuir as dificuldades de integrao social (p.26), seja pelo atendimento

    em programas de ressocializao (realizados atravs de educao no-formal,

    oficinas ocupacionais, atividades de esporte e arte) ou em programas de

    capacitao profissional e encaminhamento para o mercado de trabalho, ...que

    muitas vezes no passam de oficinas ocupacionais, ou seja, no logram promover

    qualquer tipo de qualificao para o trabalho(p.26).

    Na viso da autora e demais autores, estes programas acabam atribuindo ao

    jovem o papel de pessoa problema ...sobre os quais necessrio intervir para

    salv-los e reintegr-los ordem social (ABRAMO, 1997:26; CARRANO, 2000).

    Se formos pensar especificamente com relao s polticas de atendimento ao

    adolescente que pratica o ato infracional, o ECA tambm trouxe contribuies

  • 18

    medida que apresenta o jovem como sujeito de direitos judiciais e sujeito s medidas

    scio-educativas, que segundo VOLPI (1997) e IEE-PUC (1999) tambm tm como

    perspectiva a ao educativa, socializadora, e da garantia dos direitos. No entanto, o

    fato destes jovens serem percebidos pela sociedade a partir de caractersticas

    estigmatizantes e discriminadoras, faz com que os tornem um problema em s

    mesmos (EL-KHATIB, 2001), e, portanto, merecedores de um tratamento que os

    dignifique e os integre na sociedade.

    Neste contexto, a medida scio-educativa de internao, realizada nas atuais

    FEBEMs (Fundao do Bem Estar do Menor), ainda se utilizam da idia do trabalho

    como forma de integrao social, prevalecendo a viso do trabalhador a anttese

    do 'infrator' (VIOLANTE, 1985:119). A autora aponta as vrias funes das

    atividades de trabalho na FEBEM: efeito coercitivo, punitivo, ressocializador, meio

    de ascenso social e como uma forma de passar o tempo da internao.

    ASSIS (1999) considera que As atividades laborativas nas instituies

    esto restritas a alguns internos, em geral de bom comportamento... (p.170) como

    cozinha, atividades administrativas, faxina e obras, as mesmas oferecidas nos

    institutos disciplinares h cem anos atrs, como tambm a marcenaria, a construo

    civil e agricultura.

    De acordo com SANTOS (1997), as propostas destas instituies a da

    educao pelo trabalho, embora no sigam os princpios da mesma, pois,

  • 19

    Os adolescentes quase nunca participavam dadeciso e do planejamento dos bens e servios a seremproduzidos; no s-lhes repassava o conhecimentoterico, apenas o aspecto prtico da atividadelaboral; e sobretudo, eles no participavam do lucrodo trabalho produzido...(p.12)

    Desta forma ento pode-se dizer que, com relao ao atendimento do jovem

    privado de liberdade, ainda prevalece o princpio da insero social atravs das

    atividades de trabalho, ou seja, segundo ASSIS (1999), existe sim uma ...

    idealizao sobre o contedo das oficinas, na crena de que elas ofeream mais

    possibilidades do que as reais(p. 171).

    Deparamos ento com a questo: quais so os aspectos mais importantes a

    serem considerados em uma prosposta de interveno com esses jovens? Aquilo que

    oferecido e valorizado pela sociedade, aquilo que direito, ou aquilo que

    desejado pelos prprios jovens?

    Desta forma, pretendemos contribuir para uma reflexo a respeito das mudanas

    sociais com relao ao jovem, que se encontra em privao de liberdade, e suas

    possibilidades de adquirir autonomia e condies reais de concretizar os seus planos

    de futuro. Se possvel pretendemos contribuir com os resultados deste estudo em

    direo a uma efetiva mudana na forma de enxergar este jovem, ou seja, no mais a

    partir de sua condio de institucionalizao, de tutelado, portando o estigma de

    periculosidade, irrecuperabilidade e inutilidade, mas sim como pessoa em situao

    peculiar de desenvolvimento, um jovem que tem necessidades prprias de sua fase

    de desenvolvimento, que almeja independncia e autonomia, que est em busca da

    formao de seus valores enquanto cidado, com direitos, deveres e desejos. Um

  • 20

    jovem que depara com uma situao de misria social, descaso e preconceito, e que

    busca alternativas para, de alguma forma, superar suas dificuldades.

    Neste cenrio encontramos um jovem, cuja necessidade e interesse em

    melhorar sua qualidade de vida ultrapassa a insero em uma atividade remunerada

    qualquer, mas um jovem que caminha atrs de sonhos que por vezes precisam ser

    encobertos, por vezes precisam ser destrudos e que, de alguma forma, deixam

    marcas de excluso.

  • 21

    Captulo 3

    Objetivos do Estudo

    Ao analisar de uma forma ampla o movimento da sociedade no sentido de

    perceber o jovem em situao de risco pessoal e social e sua relao com a insero

    no trabalho, pode-se identificar dois grandes paradigmas. O primeiro, que

    chamaremos do paradigma da incluso pelo trabalho, que compreende este jovem

    como delinquente, autor da violncia e algum que precisa trabalhar, pois o

    trabalho reintegra, previne e dignifica o homem. O segundo, nomeado de

    paradigma do direito, percebe este jovem como sujeito de direitos cuja insero no

    trabalho deve ter a funo educativa e complementar para a promoo do seu

    desenvolvimento integral.

    Entre estes dois ideais encontramos um jovem inserido numa sociedade de

    consumo que valoriza o sujeito a partir daquilo que ele possui.

  • 22

    Em busca de uma alternativa para suprir as vrias necessidades esse jovem

    cria estratgias como o Ato Infracional, o Trabalho Infantil e os Trabalhos em

    situao de rua fazendo disso uma forma de incluso seja no trabalho, no direito ou

    no consumo.

    H, atualmente, um grande contingente desses trabalhadores, o que torna

    explcitas as falhas das polticas pblicas e o descaso com o jovem. Observa-se que

    atualmente, as polticas pblicas destinadas estes jovens direcionam suas aes na

    criao de programas de insero dos mesmos no mercado de trabalho, geralmente

    em atividades de subemprego, com bolsas trabalho ou baixos salrios, que no

    refletem os interesses e experincias dos jovens, e que muitas vezes no permitem

    essa incluso social.

    Portanto, pretende-se, com este estudo, fazer um levantamento de diferentes

    aspectos referentes s estratgias de sobrevivncia dos jovens, privados de

    liberdade, ao longo de suas vidas, partindo-se tambm, para tanto, da realizao de

    uma caracterizao geral dessa populao. Pretende-se tambm identificar quais so

    os interesses destes jovens, com relao a realizao de alguma atividade que lhes

    reverta uma quantia em dinheiro tendo em vista o trmino de sua ltima internao

    na FEBEM.

    Espera-se assim, contribuir para as discusses a respeito das polticas

    pblicas direcionadas estes jovens cujo objetivo, hoje, promover a incluso social

    somente atravs do trabalho, desconsiderando outros aspectos importantes para o

    desenvolvimento psicossocial do indivduo.

  • 23

    Captulo 4

    ProcedimentosMetodolgicos

    4.1 - Campo de estudo

    Este estudo foi realizado na Fundao do Bem Estar do Menor (FEBEM)-

    Unidade Educacional-3 (UE-3) de Ribeiro Preto localizada na estrada municipal

    Ribeiro Preto - Dumont, Rodovia Mrio Doneg km 223, fora do permetro urbano

    da cidade.

    A FEBEM-RP trabalha sob regime de recluso, no qual, o jovem que pratica

    o ato infracional, considerado como crime ou contraveno penal (Art. 103, ECA),

    encaminhado pelo juiz da Vara da Infncia e Juventude para cumprir a medida scio-

    educativa de internao.

    De acordo com ECA a medida scio-educativa de internao

    ...privativa de liberdade, sujeita aos princpios debrevidade, excepcionalidade e respeito condiopeculiar de pessoa em desenvolvimento (Seo VII -

  • 24

    Art. 121)A medida de internao s poder ser aplicadaquando:I tratar-se de ato infracional cometido mediantegrave ameaa ou violncia pessoa;II por reiterao no cometimento de outrasinfraes graves; eIII por descumprimento reiterado e injustificvel damedida anteriormente imposta.(Seo VII - Art.122)

    A Unidade da FEBEM de Ribeiro Preto tinha a capacidade mxima de

    abrigar aproximadamente 180 jovens, que eram distribudos em 7 pavilhes, onde

    permaneciam durante o dia e a noite. No perodo de realizao do estudo, em geral, a

    distribuio dos jovens era feita a partir dos bairros de moradia dos mesmos, devido

    principalmente, a existncias de grupos rivais, que no podiam permanecer no

    mesmo local, sem que houvesse possibilidade de algum jovem correr risco de sofrer

    algum tipo de violncia.

    Nesses pavilhes existia um espao ao ar livre, chamado de ptio pelos

    jovens, onde costumavam jogar bola e empinar pipa. Nos espaos internos dos

    pavilhes ficavam os banheiros e os quartos chamados pelos jovens de barracos,

    onde dormiam e guardavam seus pertences (roupas e objetos pessoais). Em cada

    barraco ficavam de dois a trs jovens. Cada pavilho possua uma televiso e em

    alguns deles um vdeo-cassete utilizado pelos jovens para assistir a programao

    normal e por vezes um filme levado pelos educadores (profissionais responsveis

    pelos jovens).

    Aos jovens eram oferecidas as atividades educacionais no obrigatrias como

    a escolarizao formal e as oficinas profissionalizantes, que com poucas vagas,

    atendiam apenas um pequeno nmero de jovens que apresentavam bom

  • 25

    comportamento dentro da instituio.

    Segundo o ECA, durante a internao, obrigatrio o oferecimento de

    atividades pedaggicas como a escolarizao, profissionalizao, acesso aos meios

    de comunicao social, atividades culturais, esportivas e de lazer. Porm, o que se v

    na prtica e se discute na teoria, que ainda existem muitas dificuldades para uma

    correta aplicao das medidas scioeducativas destinadas aos jovens que praticam o

    ato infracional, principalmente devido ao preconceito e a rejeio social em atender

    o adolescente.

    4 .2 - Participantes

    Foram convidados a participar do estudo todos os jovens, com idades entre 12

    a 18 anos, que se encontravam em situao de privao de liberdade, internados na

    Unidade Educacional 3 da FEBEM de Ribeiro Preto de junho a agosto de 2000.

    4.3 - Abordagem Terico-metodolgica

    Para este estudo optamos por seguir a abordagem compreensiva da realidade

    estudada, buscando assim, compreender os fenmenos sociais a partir ponto de vista

    dos atores sociais que os experenciam.

    Para a abordagem compreensiva ...a sociedade fruto de uma inter-relao

    de atores-sociais, onde as aes de uns so reciprocamente orientadas em direo s

    aes dos outro (MINAYO, 1999), sendo a ao, o comportamento humano para o

    qual lhe atribudo um significado subjetivo.

    A ao se torna social quando so considerados os significados subjetivos a

    ela atribudos pelos indivduos e a influncia do comportamento dos outros na sua

  • 26

    realizao. (WEBER apud MINAYO, 1999)

    4.4 - Instrumentos de coleta dos dados

    Optamos pela utilizao de um Roteiro estruturado para realizao de

    entrevista individual buscando conhecer, dos indivduos entrevistados, suas opinies

    a respeito do objeto de investigao.

    Por compreender a realidade estudada como formada pela inter-relao entre

    indivduos, cujas as aes so orientadas segundo fatores subjetivos e externos, por

    influncia de outrem, consideramos que o momento da entrevista tambm

    construdo pela inter-relao dos atores envolvidos, no caso do pesquisado e do

    pesquisador, sendo as aes de ambos direcionadas por aspectos subjetivos e pela

    influncia da ao de outrem (instituio, sujeitos presentes no campo de estudo e,

    entre s).

    O roteiro criado para esse estudo foi formado por questes fechadas e uma

    questo semi-aberta, permitindo assim, obter dados possveis de comparao e

    anlise descritiva (DANCONA, 1996); alm de proporcionar o surgimento de

    informaes mais amplas onde o entrevistado pode discorrer sobre o assunto de uma

    forma menos rgida.

    Atravs deste instrumento buscamos:

    - Realizar uma caracterizao geral da populao quanto idade do

    jovem no momento da entrevista, o grau de escolaridade, local de

    residncia, o bairro de moradia, e a cidade de origem; e as

    informaes sobre o seu percurso de internao como: o nmero de

    internaes, a idade do jovem em cada uma das internaes, tempo

    da ltima internao e os motivos das internaes. Sendo que para o

  • 27

    presente estudo, foi escolhido para registro dos motivos das

    internaes, as 12 infraes mais freqentes, segundo estudos

    realizados com essa populao. So elas: roubo, furto, quebra de

    medida scio-educativa, trfico de drogas, homicdio, latrocnio,

    porte de armas, tentativa de homicdio, porte ou uso de drogas,

    estupro, receptao e outros (ASSIS, 1999 ; LOZANO, 1999).

    - Conhecer diferentes aspectos referentes s atividades realizadas

    pelos jovens para conseguir recursos e acesso aos bens de consumo

    ANTES e DEPOIS da internao na FEBEM, considerando o tipo

    de atividade realizada pelo jovem, a idade do jovem quando iniciou

    a atividade, o tempo que o jovem realizou a atividade, o motivo da

    interrupo da atividade, a quantia recebida, o destino do dinheiro

    que ele ganhava em cada atividade e a forma que o jovem encontrou

    para conseguir iniciar a atividade.

    - Identificar quais eram os interesses destes jovens na realizao de

    alguma atividade que lhes revertesse recursos aps a internao em

    que se deu a entrevista.

    Foram utilizados os registro de notas em dirio de campo com o objetivo de

    complementar os dados coletados nas entrevistas. Estes registros foram compostos

    por anotaes de carter descritivo e reflexivo que, respectivamente, corresponderam

    a: data, hora, local, atividade desenvolvida no estudo, descrio das atividades,

    fatos, posturas e falas dos participantes significativas para o estudo; comentrios e

    reflexes sobre os fatos ocorridos durante a aplicao dos procedimentos

    metodolgicos, que foram os registros subjetivos (sentimentos, idias, opinies e

  • 28

    etc) referentes ao que ocorria no dia-a-dia na FEBEM e nos demais espaos da

    pesquisa, tal como sugerem os autores TRIVNOS (1987) e BIKLEN & BOGDAN

    (1994).

    4.5 - Fase de adequao do instrumento de coleta de dados

    A fase da adequao do instrumento de coleta de dados foi realizada em junho

    de 2000. Participaram dessa fase oito jovens que estavam na chamada tranca2.

    Foram registradas em dirio de campo, no dia 20 de junho, as condies desse local.

    A tranca era localizada em um prdio semi-abandonado, nos terrenos da FEBEM,

    que compreendia dois cmodos. Nesse local, os jovens permaneciam trancados em

    quartos, contando com um banheiro e uma janela com grades em cada um dos

    cmodos. Em mdia, existiam 4 jovens por tranca.

    A opo por realizar esta etapa do estudo neste local, deveu-se a possibilidade

    de obter as opinies dos jovens e verificar as limitaes a respeito do instrumento,

    sem que houvesse a participao de outros jovens que poderiam ser includos na fase

    de coleta de dados.

    Nesta fase piloto foi esclarecido aos jovens que os dados colhidos nesta etapa

    no seriam utilizados no estudo e que a participao deles nos ajudaria a adequar o

    instrumento.

    A anlise dessa aplicao piloto mostrou que os jovens consideraram o

    instrumento simples e no consideraram que a entrevista tivesse uma durao

    inadequada.

    Foi identificado tambm a necessidade de modificar o roteiro, diminuindo a

    2 O termo tranca utilizado pelos jovens internos para designar o local onde so encaminhadosos adolescentes que possuam muitos inimigos dentro dos pavilhes, e por esse motivo nopodiam ficar l, pois corriam o risco de sofrer algum tipo de violncia por parte de jovens rivais.

  • 29

    quantidade de itens que o compunham, como a idade em que praticaram a infrao e

    a idade em que foram internados, pois, especificamente com relao estes itens, os

    jovens referiram dificuldade em lembr-los.

    O resultado final foi um roteiro (ANEXO B) dividido em trs partes:

    1 parte - dados gerais dos jovens;

    2 parte - dados sobre as estratgias de sobrevivncia realizadas pelos jovens

    ANTES e DEPOIS da internao na FEBEM 3.

    4.6 - Procedimentos ticos para o incio do estudo na FEBEM

    Para iniciar o estudo na FEBEM-RP, foi necessria a autorizao, solicitada

    por escrito, da Vara da Infncia e Juventude de Ribeiro Preto, e da equipe diretiva

    da FEBEM-RP (ANEXO A), uma vez que estes jovens estavam sob responsabilidade

    e tutela do Estado4 . O consentimento para a realizao do estudo foi dado por ambas

    as partes. necessrio ressaltar que, tanto a equipe Diretiva da Unidade, quanto o

    Juiz de Direito da Vara da Infncia e da Juventude da Comarca, j tinham

    conhecimento da atuao da pesquisadora com estes jovens atravs dos trabalhos do

    NEPDA.

    4.7 - Procedimentos de coleta dos dados

    Para o incio da fase de coleta de dados foi necessria a confirmao do

    consentimento dado pela equipe diretiva da Unidade e do Juizado da Vara da

    Infncia e da Juventude da Comarca para a realizao deste estudo.

    3 Os dados coletados na terceira parte referem-se ao estudo da mestranda Juliana Garcia Peres Murad.4 Todos os procedimentos do estudo seguiram as Diretrizes e Normas Regulamentadora de Pesquisa

    envolvendo Seres Humanos (CONSELHO NACIONAL DE SADE).

  • 30

    Na etapa seguinte foi marcada uma reunio com o Diretor da Unidade que

    forneceu uma lista com os nomes dos jovens internados. No perodo da coleta de

    dados haviam 169 jovens internados na FEBEM. Atravs desta lista foi possvel

    conhecer o nmero de jovens internados em cada pavilho da Unidade, e a partir da,

    fazer uma previso e uma programao quanto ao tempo de coleta.

    Devido a grande rotatividade de jovens na Unidade, que diariamente so

    internados e desinternados em diferentes pavilhes, houve a necessidade de ser

    estabelecido um perodo de coleta, um corte temporal no qual seriam convidados o

    nmero mximo possvel de jovens internados naquele perodo.

    Foi estimado que a permanncia durante quatro dias em cada um dos sete

    pavilhes seria suficiente, uma vez que, a mdia de jovens internados nos pavilhes

    era de 20 internos. Assim sendo, a coleta dos dados aconteceu no perodo de 26 de

    junho a 17 de agosto de 2000.

    O perodo de coleta em cada pavilho era encerrado quando no havia mais

    nenhum jovem interessado.

    Do total de jovens internados no perodo (169), 8 participaram da fase da

    aplicao das entrevistas piloto, 104 participaram das entrevistas, e 57 no foram

    entrevistados.

    Para os jovens que no foram entrevistados, foram observados motivos

    explicitados por eles, e motivos observados pela pesquisadora.

    Como motivos explcitos foram identificadas falas dos jovens como "estou

    de boa", que, segundo as grias utilizadas por eles, davam a entender que no

    estavam com vontade de participar do estudo, ou por no gostarem de falar da

    prpria vida, ou ento, por receio de que as informaes fossem enviadas para o Juiz

  • 31

    ou outro tipo de autoridade, tal como delegado.

    Em alguns momentos foram identificados motivos implcitos, como,

    quando os jovens foram abordados para entrevista no momento em que estavam

    fumando maconha nos quartos que eles dormiam.

    O uso da maconha em unidades da FEBEM tambm foi apontado por ASSIS

    (1999) em um estudo realizado em duas Unidades localizadas no Rio de Janeiro e

    Recife, no qual foi possvel identificar ... pela fala de alguns internos, que

    eventualmente h entrada de drogas especialmente maconha - nas instituies das

    duas cidades. (p.166).

    De acordo com o estudo de KODATO & SILVA (2000) realizado na

    FEBEM de Ribeiro Preto no ano de 1998, a presena de maconha na instiuio

    percebida pelo cheiro e pelos registros nos boletins internos da Unidade.

    Um outro motivo que levou alguns jovens a no participarem do estudo, foi a

    transferncia para unidades da FEBEM de So Paulo durante o perodo de coleta.

    O processo de realizao das entrevistas aconteceu da seguinte forma: no

    primeiro dia de visita foi realizado o convite para participar do estudo, atravs da

    apresentao dos objetivos com a leitura do rapport (ANEXO C), esclarecendo os

    objetivos da pesquisa, a forma de coleta dos dados, a condio de participao

    voluntria, garantia do anonimato e o tratamento sigiloso dos dados colhidos.

    Nos dias seguintes foram realizadas as entrevistas com os jovens que

    voluntariamente se interessaram em participar. As entrevistas foram feitas

    individualmente com os jovens nos respectivos pavilhes, com durao mdia de 15

    minutos cada. Embora houvesse a preocupao em tornar o momento das entrevistas

    o mais individualizado possvel, era comum a permanncia de outros jovens junto

  • 32

    com o entrevistado.

    Durante a apresentao do estudo os jovens perguntaram, vrias vezes, se as

    informaes no iriam ser entregues para o Juiz, sendo necessria a confirmao,

    tambm, repetidamente, de que as informaes ficariam somente conosco,

    reforando ento a questo do tratamento sigiloso dos dados.

    Toda essa situao veio fortalecer o compromisso e interesse em apresentar o

    resultados dos estudos para os jovens e para os funcionrios da FEBEM com o

    intuito de responder aos mesmos o resultado das entrevistas.

    Houve dificuldades, mas tambm fatores positivos que auxiliaram e

    facilitaram a realizao das entrevistas, como o fato de alguns agentes de educao,

    incentivarem os jovens a participar.

    O fato de alguns jovens conhecerem as pesquisadoras, dos trabalhos

    anteriores de promoo de sade nos pavilhes, tambm facilitou a aproximao e

    participao no estudo.

    Observamos que, havia uma maior adeso ao estudo quando os jovens que

    haviam respondido tentavam incentivar os outros a participar dizendo que era fcil e

    " pampa5, ou ento, quando o roteiro era oferecido aos jovens para uma leitura

    prvia para que os mesmos pudessem verificar se existiam dvidas com relao s

    questes.

    5 O termo a pampa utilizado pelos jovens internos para designar algo muito legal.

  • 33

    Para alguns adolescentes, a entrevista funcionou como uma oportunidade de

    mudar de ambiente, principalmente para os jovens que estavam na ala do seguro6

    onde ficavam trancados em celas, e, tambm, em alguns casos, o momento da

    entrevista se prolongava, pois os jovens traziam outros assuntos para conversar,

    principalmente sobre a angstia gerada pela espera do dia de serem desinternados.

    A entrevista na verdade foi um espao de escuta. Percebemos que esse jovem

    precisa ser escutado, pois, provavelmente, ele trs em sua histria pouco ou quase

    nenhum momento de escuta, seja na escola, na famlia ou na sociedade como um

    todo.

    Fica difcil pensar que existem espaos de escuta que efetivamente consigam

    absorver as angstias destes jovens em unidades como as FEBEMs, principalmente

    se pensarmos na proporo de tcnicos, como psiclogos e assistentes sociais, por

    jovens internos, por exemplo, no perodo da entrevista haviam trs tcnicos para 169

    internos.

    Essa situao nos fez pensar que para a realizao de um estudo, o

    pesquisador age e interage no campo de estudo em atividades relacionadas com a

    pesquisa e em atividades relacionadas com a rotina da Instituio. Percebemos que

    na verdade o estudo foi o espao de escuta, sendo esse o seu principal valor. Foi o

    mesmo que dar voz queles que esto roucos de tanto chamar a ateno da

    sociedade, que tampa os ouvidos e os esconde atrs de muros que acabam abafando

    os seus sons.

    Entendemos a pesquisa como algo que atravessa os muros, que aumenta a

    6 O termo seguro utilizado pelos jovens para designar um local separado nos pavilhes ondeficam os jovens que precisam ficar separados dos demais, em geral problemas de relacionamentocom outros jovens.

  • 34

    intensidade destes sons, principalmente, se esta pesquisa encarada como um

    dilogo que vai e vem entre o pesquisador e o pesquisado, que juntos constroem uma

    fala comum, e que, por ser embasada cientificamente, se torna uma nova

    possibilidade... para essa mesma sociedade.

    4.8 - Procedimentos de anlise dos dados

    Para a realizao do tratamento dos dados deste estudo escolhemos a

    abordagem qualitativa realizada a partir de uma anlise descritiva simples que,

    segundo SILVA (1999) e SILVA (1998) permite: descrever os dados coletados na

    amostra, a partir de comentrios simples usando mtodos numricos e mtodos

    grficos. Esta forma de anlise possibilita a descrio e anlise de uma determinada

    populao sem tirar concluses genricas.

    Essa posio tambm defendida por BOGDAN & BIKLEN (1994) Os

    dados quantitativos so muitas vezes includos na escrita qualitativa sob a forma de

    estatstica descritiva (p.194)

    Como aponta TRIVINOS (1987) A anlise qualitativa, pode ter apoio

    quantitativo, mas geralmente, se omite a anlise estatstica ou o seu emprego no

    sofisticado (p. 111).

    O processo de anlise dos dados neste estudo foi acontecendo em etapas

    distintas e complementares. Inicialmente fizemos um primeiro contato com o

    material fazendo uma leitura repetida das informaes contidas nos roteiros de

    entrevista e nas notas em dirio de campo. A partir dessa leitura foi feita uma

    primeira organizao geral do material, separando as informaes referentes

    caracterizao geral dos jovens, e os dados referentes s estratgias de sobrevivncia.

  • 35

    Em um segundo momento, para a sistematizao e tratamentos dos dados

    gerais de caracterizao dos jovens, utilizamos o programa de anlise estatstica em

    microcomputador EPIINFO 2000 que possibilitou a construo de um banco de

    dados onde foram agrupadas as seguintes variveis: idade do jovem no momento da

    entrevista, grau de escolaridade, bairros de moradia, cidades de procedncia,

    nmero de internaes na FEBEM, motivos das internaes e a idade do jovem na

    primeira internao.

    As informaes a respeito dos bairros de moradia dos jovens foram

    classificadas de acordo com o perfil de renda estabelecido pelo IBGE, Diviso dos

    bairros por Distritos Censitrios (GOLDANI, 1997) e classificados em:

    Rico nos quais mais do que 75% dos residentes cabea de famlia recebemmensalmente o equivalente a 5 salrios mnimo ou mais;

    Mdio rico nos quais de 50 a 75% recebem 5 salrios ou mais. Mdio pobre nos quais 25 a 50 % recebem 5 salrios ou mais, e Pobre at 25 % recebem 5 salrios (Quadro 1 - ANEXO D)

    Esta etapa teve o objetivo de conhecer as caractersticas gerais dos jovens

    entrevistados, alm de permitir a realizao de comparaes com dados encontrados

    em outros estudos realizados com jovens que se encontram em situao de risco

    pessoal e social, mais especificamente aqueles em situao de privao de liberdade.

    A anlise desses dados foi realizada a partir de critrios de freqncia das

    variveis investigadas, determinando as maiores e menores porcentagens por grupos

    de informaes.

    A terceira etapa de anlise teve o objetivo de organizar os dados referentes s

    experincias dos jovens em atividades para conseguir recursos e acesso aos bens de

  • 36

    consumo. Para isso, elaboramos a trajetria de vida de cada entrevistado,

    representada atravs de uma linha cronolgica (Figura 1), na qual registramos:

    (1) o nmero de ordem da internao na FEBEM e os seus motivos;

    (2) as idades no momento das internaes e no incio das atividades;

    (3) a durao de cada uma das atividades;

    (4) o tipo e algumas caractersticas das atividades (forma como conseguiu,

    quantia recebida, como gastava o dinheiro e motivo para a sua interrupo).

    (5) os planos para a realizao, aps a ltima internao7, de alguma atividade

    que lhes rendesse dinheiro ou ento que gostaria de aprender ou realizar

    caso tivessem a oportunidade de escolha.

    A partir das informaes contidas nas Linhas Cronolgicas das Estratgias

    de Sobrevivncia foram definidas categorias de anlise referentes aos tipos de

    atividade realizadas pelos jovens para conseguir recursos e para ter acesso aos bens

    de consumo.

    7 A internao em que se deu a entrevista.

  • 37

    Para este estudo consideramos:

    Atividade como sendo toda a estratgia de ao realizada pelo jovem com o

    objetivo de conseguir recursos e acesso aos bens de consumo.

    Trabalho foi utilizado para designar os tipos especficos de estratgias de

    ao.

    As atividades realizadas pelos jovens foram divididas em duas categorias:

    Atividade Legal e Atividade Ilegal

    3.7.1) Atividade Legal corresponde a todas as estratgias utilizadas

    pelos jovens que, em parte, esto amparadas em princpios legais. Neste caso ento,

    Figura 1 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 82 (17 anos 7srie incompleta)

    Olhava carro -Fazia com um amigo-Comprava cigarro, roupas e ajudava a me- Parou porque no se interessou mais e porque a polcia ameaava.

    Vendia vela no cemitrio- Fazia com u amigo- Parou porque vendeu pouco

    3 anos

    12 anos 14 anos

    9 meses

    Quando est aqui pensa que quer dar um breque, mas quando sai rua t diferente, difcil sair da vida.No tem o que gostaria de fazer.

    Trfico de drogas-fazia com o scio da bocada- Obtinha R$ 100,00semana- Comprava roupas e armas e ajudava a me

    Roubo- fazia com amigo - Quantia varivel- Comprava roupas, armas e drogas para vender e ajudava a me.

    17 anos

    1 a internao( roubo)

    16 anos

    Descarregar caminhes no supermercado Macro-Pai conseguiu o trabalho- Obtinha R$ 15,00/dia- Parou porque no gostava dos outros mandando nele e porque na rua ganhava mais do que no trabalho

    2 a internao( roubo)

    15 anos

    3 a e 4 internao(homicdio)

    4 meses

    dc

    e

    f

    g

  • 38

    o termo Legal pode derivar de,

    Legal derivado do latim legalis, de lex(lei),entende-se, a rigor, o que se faz em conformidade lei ((grifo meu)), segundo preceito ou regra institudaem lei. Mas, em sentido amplo, legal no exprimesomente o que autorizado ou introduzido pela lei.Tambm se entende legal tudo o que se possa fazer outudo o que autorizado ou conforme ao uso e aocostume, ou est assentado pela jurisprudncia. Tem,por isso, o mesmo sentido de legtimo e de lcito.Legal, pois, em ampla acepo tudo o que nocontravm a princpio de Direito, seja institudo pelalei, pelo costume ou pela jurisprudncia. (DePlacido & Silva, 1993:56)

    Nesta categoria consideramos dois tipos de trabalho: juvenil e em regime de

    aprendizagem.

    a - Trabalho juvenil: consideramos, neste estudo, todas as atividades

    realizadas pelos jovens com idade mnima bsica de 14 anos ou mais, sendo

    que o mesmo, atravs dela, recebe uma quantia de dinheiro em forma de

    salrio mensal ou dirio. Exemplificando tem-se: servente de pedreiro aos 15

    anos, recebendo R$15,00/dia (E32); padeiro aos 14 anos, recebendo R

    $200,00/ms (E91)

    b Trabalho em regime de aprendizagem: consideramos todas as

    atividades de trabalho realizadas pelos jovens, com idade mnima inferior de

    12 a 14 anos8, inseridos em programas de atendimento governamental ou no-

    governamental, cujo pagamento era feito em forma de bolsa aprendizagem

    8 Para este estudo ser adotada a idade mnima de 12 anos para trabalho aprendiz, pois, na pocaque os jovens realizaram essas atividades ainda estava em vigor a lei que determina o trabalhoaprendiz para jovens de 12 a 14 anos. Atualmente a faixa-etria adotada pela lei de 14 a 16 anos.

  • 39

    prevista no ECA, Art. 64. Exemplificando: Office boy pelo Programa

    profissionalizante Pr-Menor de Ribeiro Preto (PROMERP) com 13 anos,

    recebendo R$ 70,00/ms. (E80)

    Foram consideradas legais as atividades realizadas pelos jovens a partir da

    idade mnima bsica de 14 anos, tendo por referncia a Conveno n 138 de 1973

    proferida pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT). De acordo com essa

    Conveno, a idade mnima bsica de ingresso do jovem no mercado de trabalho no

    pode ser inferior idade em que cessa a obrigatoriedade escolar (15 anos). No

    entanto, a OIT torna facultativo aos pases que no possuem economia e sistemas

    escolares desenvolvidos, estabelecer a idade mnima de 14 anos, como o caso do

    Brasil (ABBUD, 1997 ; OIT, 1994).

    Optamos por definir as categorias, a partir das normas e princpios

    trabalhistas estabelecidas pela OIT, pois:

    - As normas e os princpios so criados atravs de discusses e

    debate no frum internacional formados por governos,

    empregadores e trabalhadores de diversos pases-membros,

    incluindo o Brasil. As normas internacionais de trabalho,

    emitidas pela OIT, so instrumentos jurdicos que

    regulamentam aspectos relacionados com o trabalho, o bem-

    estar social ou os direitos humanos. A partir do momento que

    as convenes proferidas pela OIT so aprovadas cada pas-

    membro assume um compromisso formal de aplicar suas

    disposies.

    - A questo do trabalho infantil tem estado entre as principais

  • 40

    preocupaes da OIT, medida que h crianas trabalhadoras

    no mundo inteiro. A OIT entende que o conceito Trabalho

    infantil deve ser aplicado a todas as crianas com menos de

    15 anos de idade que trabalham ou se empregam com o

    objetivo de ganhar o prprio sustento e o de sua famlia (OIT,

    1993).

    - Considera que fato comprovado a necessidade de muitas

    crianas e jovens iniciarem atividades para ganhar dinheiro,

    principalmente em pases com grande desigualdade social e

    m distribuio de renda, portanto, a OIT aponta para a

    necessidade de serem estabelecidas polticas pblicas que

    efetivamente atendam s reais necessidades das crianas e

    dos jovens, respeitando as peculiaridades do contexto no qual

    fazem parte.

    3.7.2) Atividade Ilegal corresponde a todas as estratgias utilizadas pelos

    jovens que, em parte, no esto amparadas pelos princpios legais. Neste caso ento,

    o termo Ilegal pode derivar de,

    Ilegal derivado de legal, regido pelo prefixonegativo il, o mesmo que in no qual se substitui antesdo l, quer o adjetivo exprimir tudo que contravm aoprincpio da lei ou que possa exceder o seu teor.Empregado em equivalncia a ilcito e a ilegtimo.Mas, propriamente, seu significado sensivelmente sedistingue dessas duas palavras. O ilcito o que se fazcontravindo a proibio legal. sentido que se contmno ilegal, em parte, pois que o seu de maior

  • 41

    amplitude, vai ao que a lei probe o excedente do queestava autorizado. portanto, o que no encontraapoio na lei ((grifo meu)) ou no est autorizadolegalmente. Quanto ao ilegtimo, possui esse sentidomais amplo, pois que como tal se considera nosomente o que seja contrrio a lei, mas tudo a quefaltar condio, julgada indispensvel para que surtacertos efeitos(De Placido & Silva, 1993:405).

    Nessa categoria consideramos trs tipos de trabalho:

    a - Ato infracional considerado pelo ECA como ...a conduta descrita

    como crime ou contraveno penal (ECA - Ttulo III, Captulo I, Art.103)

    realizada pelo jovem para conseguir recursos e ter acesso aos bens de

    consumo, por exemplo: trfico de drogas aos 14 anos, obtendo R$ 100,00/

    semana (E67)

    b - Trabalho em situao de rua so as atividades realizadas pelos

    jovens nas ruas que lhes revertem alguma quantia em dinheiro sem a mesma

    estar vinculada ao pagamento em forma de salrio fixo dirio, semanal ou

    mensal, como: olhar carro/moto estacionados aos 13 anos, obtendo em torno

    de R$ 20,00/dia. (E67)

    c - Trabalho infantil so as atividades realizadas pelos jovens com

    idade abaixo da idade mnima bsica de 14 anos, atravs da qual o jovem

    recebe uma quantia de dinheiro em forma de salrio dirio, semanal ou

    mensal, como exemplo: cuidar de gado aos 10 anos, recebendo R$ 150,00/

    ms (E13); pegar bolinha nas quadras de tnis aos 12 anos, recebendo R$

  • 42

    100,00/ms (E78)

    De posse das Linhas Cronolgicas das Estratgias de Sobrevivncia e das

    categorias de anlise elaboramos trs quadros (Parte do Quadro 1 - ANEXO E) nos

    quais os participantes foram distribudos a partir das atividades por eles realizadas

    ANTES9 da primeira internao na FEBEM, segundo as categorias Atividade Legal e

    Atividade Ilegal.

    Cada quadro foi composto pelas seguintes informaes:

    Dados de caracterizao geral: o nmero da entrevista, a idade do jovem no

    momento da entrevista, o grau de escolaridade, o nmero de internaes na FEBEM,

    a idade do jovem na primeira internao e o motivo das internao.

    Dados sobre as estratgias de sobrevivncia: o tipo de atividade realizada

    ANTES e DEPOIS da internao na FEBEM, a idade do jovem quando iniciou cada

    atividade, o tempo que o jovem realizou cada atividade e a trajetria de realizao

    das atividades.

    Atravs destes quadros foram elaboradas tabelas de freqncia cujo objetivo

    foi identificar quantos jovens haviam realizado cada tipo de atividade e caracteriz-

    los para assim verificar se havia algum tipo de semelhana ou diferena entre cada

    grupo e entre as caractersticas investigadas.

    9Optou-se por essa distribuio para que fossem includos todos os entrevistados.

  • 43

    Captulo 5

    Resultados

    5.1 - Caracterizao geral dos jovens entrevistados

    A caracterizao geral dos 104 entrevistados foi realizada para subsidiar

    a discusso dos dados referentes s estratgias de sobrevivncia utilizadas pelos

    jovens durante toda as suas vidas, e tambm, provocar o surgimento de algumas

    reflexes sobre as condies de vida desses jovens e seus direitos enquanto pessoa

    em desenvolvimento. Atravs destes dados foi possvel obter um perfil da populao

    investigada quanto a faixa-etria, grau de escolaridade, bairro de moradia, cidade e

    estado de procedncia, nmero de internaes na FEBEM e a idade do jovem em

    cada uma delas e os atos infracionais praticados em cada internao.

    Atravs dos dados apresentados observamos que, independente do nmero de

    internaes, a maioria dos jovens, representada por 91,3% (95) tinha idades entre 15

    e 18 anos, sendo que 46,1% (48), concentrava-se na faixa-etria de 15 a 16 anos no

    momento da entrevistas, e 45,2% (47) entre 17 a 18 anos.

  • 44

    Tabela 1 - Distribuio dos jovens por faixa-etria no momento da entrevista, grau deescolaridade, bairros de moradia e cidade de residncia segundo a condio deinternao 2000.

    Variveis Condio de internao1 internao 2 internaes Totaisn=44 n=60 n= 104

    FAIXA-ETRIA % % %13 - 14 anos 6,7 (7) 2,0 (2) 8,7 (9)15 - 16 anos 20.2 (21) 25,9 (27) 46,1 (48)17 - 18anos 15,4 (16) 29,8 (31) 45,2 (47)

    GRAU DE ESCOLARIDADE 1 - 4 srie 16,3 (17) 19,2 (20) 35,5 (37)5 - 8 srie 24,0 (25) 35,5 (37) 59,6 (62)1o 2o colegial incompleto 2,0 (2) 1,0 (1) 2,9 (3)Sem escolaridade - 1,0 (1) 1,0 (1)Sem informao - 1,0 (1) 1,0 (1) BAIRRO DE MORADIA Mdio-rico - 2,0 (2) 2,0 (2)mdio - pobre 9,6 (10) 15,4 (16) 25,0 (26)pobre 19,2 (20) 36,5 (38) 55,7 (58)Morador de rua 1,0 (1) - 1,0 (1)Outros bairros em outras cidades 12,5 (13) 3,8 (4) 16,3 (17)

    CIDADE DE RESIDNCIACidade de Ribeiro Preto 29,8 (31) 53,8 (56) 83,7 (87)Municpios de Ribeiro Preto 8,6 (9) 2,9 (3) 11,5 (12)outros Municpios 3,9 (4) 1,0 (1) 4,8 (5)

    Total 42,3 (44) 57,7 (60) 100 (104)

    O mesmo se observa em estudos realizados com jovens autores de ato

    infracional em So Paulo e no Rio de Janeiro. Observa-se que, independente do

    nmero de internaes dos jovens, a faixa-etria de maior freqncia tambm foi de

    15 a 18 anos. (ASSIS,1999 ; Dirio Oficial do Estado de So Paulo, 2000 ; VOLPI,

    2001).

    O estudo apresentado no Dirio Oficial do Estado de So Paulo (2000),

    realizado pelo Ncleo de Violncia da USP-SP (NEV-USP) em parceria com a

    Fundao SEADE (SEADE), as idades de 16 e 17 anos foram as de maior

    ocorrncia, num total de 51,5%, resultado este tambm encontrado no presente

    estudo, pois, 50,1% dos jovens entrevistados estavam com 16 a 17 anos no momento

    da entrevista (Tabela 1 do ANEXO D).

  • 45

    Refletir respeito da faixa-etria em que os jovens esto internados na

    FEBEM extremamente relevante se formos considerar dois aspectos:

    faixa-etria que corresponde a da adolescncia;

    faixa-etria utilizada como argumento pelos movimentos a favor do rebaixamento

    da idade penal para 16 anos.

    Sobre a questo da faixa-etria correspondente adolescncia, SILVA (1999)

    a caracteriza como um momento com processos de socializao bastante peculiares e

    prprios da fase, pois, os mediadores sociais e culturais desta populao se diferencia

    dos adultos e crianas e a forma de vivenciar e sentir os resultados de eventos

    sociais, econmicos e culturais tambm so diferentes, ... uma vez que os recursos

    e instrumentos de desenvolvimento so diferentes daqueles caractersticos do adulto

    e da criana (SILVA, 1999:11).

    Portanto, a autora chama a ateno para a necessidade de se considerar o

    contexto de vida deste adolescente pois ser a partir dele que essa adolescncia ser

    construda.

    Como ser que esse jovem vivncia a sua adolescncia cuja marca de

    FEBEM determina um contexto de privao de liberdade que interfere diretamente

    nos seus p