Estratégias de Sobrevivência de Adolescentes_Dissertacao
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA
Compreendendo as estratgias de sobrevivncia de jovens antes e
depois da internao na FEBEM de Ribeiro Preto
Marilia Mastrocolla de Almeida
Dissertao apresentada Faculdade de Filosofia,Cincias e Letras de Ribeiro Preto da USP, comoparte das exigncias para a obteno do ttulo deMestre em Cincias, rea: Psicologia.
RIBEIRO PRETO - SP
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA
Compreendendo as estratgias de sobrevivncia de jovens antes e
depois da internao na FEBEM de Ribeiro Preto
Marilia Mastrocolla de Almeida
Profa. Dra. Rosalina Carvalho da Silva
Dissertao apresentada Faculdadede Filosofia, Cincias e Letras deRibeiro Preto da USP, como partedas exigncias para a obteno dottulo de Mestre em Cincias, rea:Psicologia.
RIBEIRO PRETO - SP
2002
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Agradeo ao Josiel, meu marido, companheiroe tcnico particular de computador, por
me ajudar nessa luta entre usurio e mquina!!Agradeo a minha filha , minha flor, por me proporcionar momentos
maravilhosos que me ajudaram arecuperar a energia! Espero que todas a leituras e tempos no
computador lhe d a curiosidade de conhecer a realidade eajudar a transform-la.
Agradeo aos meus pais por terem me dado a oportunidade de vivenciar a minha juventude aprendendo a ser uma
cidad que se preocupa com a vida de outras pessoas e compreende queo afeto e o cuidado com o
outro so sentimentos imprescindveis para que consigamosviver em um mundo melhor.
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Agradecimentos
Agradeo Profa. Rosalina ( Lina) por ter me recebido no NEPDA e dado aoportunidade para que eu pudesse realizar mais do que um projeto de pesquisa, masum projeto de vida;
Agradeo Edna por supervisionar o meu trabalho voluntrio na FEBEM durante oano de 1999, ano que surgiram vrias questes que nortearam esse estudo;
Agradeo Juliana por tudo e muito mais, sem palavras, minha colega detrabalho , amiga para sempre!
Agradeo Cissa minha mana de ATITUDE, por estar sempre ao meu lado, comquem divido as alegrias e dificuldades de trabalhar com a realidade de vida dessesnossos jovens;
Agradeo Fer por todos os abraos e por tudo que me ensinou durante nossotrabalho na FEBEM;
Agradeo tia Olga e ao tio Nelsinho, que foram pais postios quando me torneiuma merilia de verdade e precisei de alguns socorros!!!
Agradeo ao Anglo e Nilza, que alm de sogros maravilhosos, me ajudaramdispondo de tempos preciosos para me auxiliar a refletir sobre vrios aspectos desteestudo !
Agradeo Profa. Umaia, minha mestre e incentivadora de todo os meus trabalhosdesde a graduao.
Agradeo Profa. Lucy por todos os direcionamentos dados para este estudo.
Agradeo Marli por cuidar de nossa casa, pois sem ela no poderia dispor de todoesse tempo para me dividir entre os cuidados com a minha famlia e com esse estudo.
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Agradeo meu av Vicente por me dar um exemplo de vida e me ensinar a percebero sofrimento do outro como algo a ser cuidado e priorizado.
Agradeo Equipe da FEBEM por acreditar no meu trabalho e possibilitar que tudoisso fosse possvel.
Agradeo ao Juiz de Direito da Vara da Infncia e da Juventude da Comarca, Dr.Paulo Gentile, pela oportunidade de realizar esse estudo na FEBEM.
Agradeo ao meu truta Kiko, por ter feito o trabalho apresentado na capa desseestudo, demonstrando durante o tempo que trabalhamos juntos, uma sensibilidade euma percepo da realidade que sempre me deixou sem palavras.
Agradeo ao meu truta Edgar com quem aprendi muito sobre a vida e quem fezsurgir as primeiras idias para comear este estudo.
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Dedico este estudo todos os jovens que dele participaram e todos os que vivem nessa realidade to sofrida,
mas que buscam alternativas para vivenciar, mesmo quecom atropelos e angstias aquilo que
lhes a mais sagrado, a juventude plena...
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Poucos segundos
Quando eu crescer quero ser importanteTer um palcio, um carro e grande riqueza
Tendo aos ps a todo o instanteE viver aos sorrisos sem ver tristeza.
Quero logo crescer pra mandar em mimSem ter de obedecer s ordens de ningum
S fazendo o que eu gosto quando estiver a fimE andar como eu quero, afinal sou algum.
Os mais velhos reclamam que a vida difcilMas quando eu for maior mudo a vida de vez
J construo de cara o mais alto edifcioE toda a vizinhana vai saber quem que fez.
Essa merda de escola um sacrifcioMesmo assim a minha me me obriga a estudar
Quero apenas poder aprender um ofcioIr atrs de um trampo e a vida mudar.
Conheci com os amigos um lugar bem maneiroTodo mundo bem louco s curtindo barato
Sei que eu no sei tudo e sem sou o primeiroMas bem divertido e assim eu sou grato.
Um maluco do centro me ligou numa fitaMesmo meio na dvida resolvi me envolver
Chego em casa com grana, minha me diz aflitaQue me expulsa e casa se eu no devolver.
Tenho carro, moto e uma mina na bancaE uma p de maluco que me chama de amigoDiz pra eu guardar grana que a vida desbanca
Eu escuto calado, finjo no ser comigo.
A polcia cercou e a casa caiuA porrada comeu e eu no vi mais nada
O parceiro ligeiro deu perdido e saiuNa imprensa e no rdio minha vida estragada
chegada a hora, vou rever a liberdadeUma p de mano me deseja a sorte
Resgatar meu sorriso e viver de verdadeSei que no ser fcil e terei de ser forte.
J tarde da noite e eu ainda na ruaNo resido nem moro, sem ter onde ficar
Foi-se o sonho, e a verdade que chega cruaVem um carro na esquina, a polcia que vem
me enquadrar.
Densa a brisa envolvidaJ no vejo mais o rumo do trilho
Se avida errada no devolvida Orientar melhor que chorar pelo filho.
Geraldo Brasileiro cumpre pena no presdio Semi-aberto Edgard de Magalhes Noronha, emTrememb, no interior paulista. (Caros Amigos Literatura Marginal A cultura da Periferia Ato II, 2002)
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O Reggae
Ainda me lembro aos trs anos de idadeO meu primeiro contato com as grades
O meu primeiro dia na escolaComo eu senti vontade de ir embora
Fazia tudo o que eles quisessemAcreditava em tudo o que eles me dissessem
Me pediram para ter pacinciaFalhei
Ento gritaram: - Cresa e aparea!Cresci a apareci e no v nada
Aprendi o que era certo com a pessoa erradaAssistia o jornal da TV
E aprendi a roubar pr vencerNada era como eu imaginava
Nem as pessoas que eu tanto amavaMas, e da, se mesmo assim
Vou ver se tiro o melhor pr mim.
Me ajuda se eu quiserMe faz o que eu pedirNo faz o que eu fizerMas no me deixe aqui
Ningum me perguntou se eu estava prontoE eu fiquei completamente tontoProcurando descobrir a verdadeNo meio das mentiras da cidade
Tentava ver o que existia de erradoQuantas crianas Deus j tinha matado.
Beberam o meu sangue e no me deixam viverTm o meu destino pronto e no me deixam escolher
Vm falar de liberdade pr depois me prenderPedem identidade pr depois me bater
Tiram todas as minhas armasComo posso me defender?
Vocs venceram esta batalhaQuanto guerra,
Vamos ver.
Marcelo Bonf/Renato Russo integrantes da banda Legio Urbana
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RESUMO
Este estudo tem como proposta conhecer e refletir sobre as estratgias desobrevivncia para conseguir dinheiro e acesso aos bens de consumo de 104 jovensinternados na FEBEM de Ribeiro Preto, no perodo de junho a agosto de 2000.Foram utilizados para coleta dos dados um roteiro estruturado para a realizao deentrevistas individuais e a realizao de notas em dirio de campo para registro dasatividades realizadas durante o estudo. Atravs das anlises dos dados buscamosconhecer as caractersticas gerais da populao (idade, grau de escolaridade, bairrode moradia, cidade de residncia, nmero de internaes e motivos das internaes) eas estratgias de sobrevivncia realizadas ANTES e DEPOIS da internao naFEBEM (tipo de atividade, idade que iniciou a atividade, durao, valor daremunerao, destino do dinheiro e motivo para a interrupo da atividade). Osresultados encontrados indicam que a maior parte dos jovens natural da cidade ereside em bairros pobres de Ribeiro Preto, com escolaridade de at 5a e 6a srieincompletas. A infraes de maior frequncia, que levaram os jovens medidascioeducativa de internao foram o roubo e o homicdio. A faixa-etriapredominante, na primeira internao, a de 16-17 anos. Quanto as estratgias desobrevivncia observamos que todos os 104 jovens realizaram atividades para ganhardinheiro e ter acesso aos bens de consumo na sua vida. Desses, observou-se que amaioria realizou, ANTES da primeira internao na FEBEM, as Atividades Ilegais,principalmente o Ato Infracional e o Trabalho Infantil e as Atividades Legaisassociadas s Atividades Ilegais, como o Trabalho Juvenil e o Ato Infracional. Aatividades relatada pelos jovens e realizada DEPOIS da internao na FEBEM, foipredominantemente o Ato Infracional. Percebemos que as atividades de maiordurao foram o Ato Infracional e o Trabalho Infantil. A faixa-etria no incio daprtica do Ato Infracional foi de 13 a 15 anos, do Trabalho Infantil foi de 10 a 13anos e do Trabalho em Situao de Rua ficou entre 9 e 12 anos. O Trabalho emRegime de Aprendizagem e o Trabalho Juvenil apresentaram idades equivalente sdeterminadas pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA). Em geral os jovenstiveram acesso as atividades por intermdio de amigos e familiares. O AtoInfracional foi a nica atividade mencionada que apresentou maior nmero de relatosonde o incio e a prtica feita somente pelo jovem. Quanto aos motivos para ainterrupo das atividades, observamos que foram semelhantes aqueles do TrabalhoInfantil, o Trabalho Juvenil e o Trabalho em Regime de Aprendizagem como: ademisso, o jovem no gostar do tipo de atividade realizada e o valor daremunerao. O encaminhamento do jovem para a FEBEM tambm foi citado comoum motivo para interrupo dessas atividades e tambm do Ato Infracional. O AtoInfracional foi, segundo o relato dos jovens, a atividade que fornecia maior quantiaem dinheiro, chegando a ser 30 vezes maior do que as outras atividades. A maioriados jovens entrevistados relatou o gasto do dinheiro com roupas, diverso e com afamlia e namoradas. Com relao s estratgias de sobrevivncia dos jovens aps ainternao em que se deu a entrevista, observou-se que praticamente 80% dos jovenstm o interesse em realizar uma atividade para conseguir dinheiro aps a
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desinternao, sendo que desses, 16,4% pretendem continuar a prtica do AtoInfracional e o restante pretende conseguir um trabalho. De acordo com os relatos,muitos jovens mencionaram, caso houvesse a oportunidade de escolha, o interesseem aprender atividades diferentes daquelas realizadas anteriormente. Dos jovens queno definiram o que gostariam de fazer aps a desinternao, a maioria havia sidointernado mais de uma vez na FEBEM e havia praticado somente o Ato Infracionalcomo estratgia de sobrevivncia. Os jovens que responderam que no gostariam derealizar atividade atriburam o interesse em voltar a estudar e tambm estar correndorisco de vida. Dessa forma ento conclumos que esses jovens buscaram vriasalternativas, sejam Atividades Legais ou Ilegais para conseguir dinheiro, mostrandoa necessidade dos jovens em adquirir mais autonomia para vivenciarem a juventude.Observamos tambm que muitos desses jovens tm interesse em realizar atividadesdiferentes daquelas vivenciadas e
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ndice
Captulo 1 - Apresentao............................................................................................1
Captulo 2 - Introduo................................................................................................5
Captulo 3 - Objetivos do Estudo...............................................................................21
Captulo 4 - Procedimentos Metodolgicos...............................................................23
4.1 - Campo de estudo ...........................................................................................23
4.2 - Participantes...................................................................................................25
4.3 - Abordagem Terico-metodolgica................................................................25
4.4 - Instrumentos de coleta dos dados..................................................................26
4.5 - Fase de adequao do instrumento de coleta de dados.................................28
4.6 - Procedimentos ticos para o incio do estudo na FEBEM.............................29
4.7 - Procedimentos de coleta dos dados...............................................................30
4.8 - Procedimentos de anlise dos dados..............................................................34
Captulo 5 - Resultados..............................................................................................43
5.1 - Caracterizao geral dos jovens entrevistados..............................................43
5.2 - Os jovens e as estratgias de sobrevivncia..................................................66
5.3 - As estratgias de sobrevivncia dos jovens aps a ltima internao na
FEBEM................................................................................................................145
Captulo 6 - Consideraes Finais...........................................................................172
-
Captulo 7 - Referncias Bibliogrficas...................................................................180
Captulo 8 - Anexos.................................................................................................190
ANEXO A Termos de Consentimento.............................................................191
ANEXO B Roteiro de Entrevista......................................................................194
ANEXO C Termo de Apresentao..................................................................213
ANEXO D Quadros, Tabelas e Grfico............................................................198
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ndice de Figuras
Figura 1 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 82
(17 anos 7 srie incompleta)..................................................................................37
Figura 2 - Distribuio dos jovens de acordo com a realizao de atividades ANTES
e DEPOIS da internao na FEBEM..........................................................................68
Figura 3 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 78
(16 anos 7a srie incompleta)..................................................................................72
Figura 4 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 91
(16 anos 5a srie incompleta)..................................................................................83
Figura 5 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 74
(17 anos 1 colegial incompleto).............................................................................84
Figura 6 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 25
(17 anos, 1 colegial incompleto)................................................................................91
Figura 7 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 83
(18 anos 7a srie incompleta)..................................................................................92
Figura 8 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 10
(17 anos, 1 colegial incompleto)................................................................................95
Figura 9 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 36
(18 anos, 2 colegial incompleto)..............................................................................102
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14
Figura 10 - Linha da Estratgia de Sobrevivncia do entrevistado n 63 (18 anos, 3
srie)..........................................................................................................................106
Figura 11 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
22 (18 anos, 3 srie)...............................................................................................108
Figura 12 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n
112 (17 anos, 1 srie)...............................................................................................111
Figura 13 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 68
(16 anos, 3 srie)......................................................................................................115
Figura 14 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 35
(17 anos, 6 srie incompleta)...................................................................................116
Figura 15 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 80
(17 anos, 7 srie incompleta)...................................................................................120
Figura 16 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
52 (16 anos, 7 srie).................................................................................................123
Figura 17 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
38 (17 anos, 1 colegial incompleto).........................................................................125
Figura 18 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
87 (17 anos, 1 colegial incompleto).........................................................................128
Figura 19 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
58 (15 anos, 7 srie incompleta)..............................................................................133
Figura 20 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
85 (18 anos, 6 srie incompleta)..............................................................................135
Figura 21 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
31 (16 anos, 7 srie incompleta)..............................................................................152
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15
Figura 22 -Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n 73
( 15 anos, 6 srie incompleta)..................................................................................164
Figura 23 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
58 (15 anos, 7 srie incompleta)..............................................................................168
Figura 24 - Linha Cronolgica das Estratgias de Sobrevivncia do entrevistado n
83 (18 anos, 7 srie incompleta)..............................................................................171
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ndice de Tabelas
Tabela 1 - Distribuio dos jovens por faixa-etria no momento da entrevista, grau
de escolaridade, bairros de moradia e cidade de residncia segundo a condio de
internao 2000........................................................................................................44
Tabela 2 - Distribuio das atividades realizadas pelos jovens antes da primeira
internao na FEBEM, segundo o nmero de internaes - 2000..............................76
Tabela 3 Distribuio das atividades realizadas pelos jovens depois da internao
na FEBEM segundo o nmero de internaes 2000..............................................138
Tabela 4- Distribuio dos jovens segundo os planos de realizao de atividades
aps a ltima internao na FEBEM subdivididos por nmero de internaes- 2000.. .
146
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Captulo 1
Apresentao
Os questionamentos que norteiam este estudo surgiram durante o meu
trabalho realizado desde 1999 junto equipe do NEPDA Ncleo de Estudos em
Preveno das DST/AIDS e uso indevido de drogas1 na Unidade Educacional (UE3)
Fundao Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM) Ribeiro Preto.
A equipe do NEPDA, cuja proposta de trabalho, na FEBEM de Ribeiro
Preto, consistiu na realizao de um conjunto de aes que visavam promoo de
sade e cidadania junto aos jovens que se encontram em situao de privao de
liberdade, atuou nessa instituio desde 1998 at 2000 realizando oficinas grupais
com os jovens internos da Unidade.
A partir da minha atuao na FEBEM pude observar que a medida de
1 Ncleo coordenado pela Profa. Dra. Rosalina Carvalho da Silva, sediado no Dep. de Psicologia e Educao daFFCL-USP-RP
-
2internao aplicada isoladamente no estava atingindo o objetivo de facilitar a
reinsero desses jovens na sociedade, de forma que os mesmos tivessem mais
oportunidades para sair da vida do crime, e fizessem valer os seus direitos como
pessoa em situao peculiar de desenvolvimento.
De acordo com os dados fornecidos pela prpria Unidade em 2000,
sobre o nmero de internaes de outubro de 1997 a outubro de 1998, dos 972 jovens
internados nesse perodo, 489 (50,3%) haviam sido internados mais de uma vez. Em
outubro de 1998 a outubro de 1999, esse nmero aumentou para 514 (51,1%), dos
969 jovens que estiveram internados no perodo. Estes dados confirmam as
limitaes da medida scio-educativa de internao como ressocializadora, j que o
nmero de jovens que esto sendo internados aumentou nesses dois anos.
Com o intuito de buscar respostas para minimizar essa situao de contnuas
internaes destes jovens na FEBEM, realizei, junto com outra integrante do
NEPDA, durante o ano de 1999, algumas atividades com os jovens internos, cuja
proposta foi trabalhar com as questes das alternativas apontadas pelos mesmos para
que as condies de vida deles fossem diferentes (sair da vida do crime, no correr
mais risco de morrer etc). Nestas atividades os jovens apontaram uma srie de
alternativas que variavam desde acabar com os policiais, fechar a FEBEM, at criar
espaos de lazer nos bairros etc. No entanto, de todas as opinies, foi possvel
perceber a relevncia dada dificuldade e necessidade de insero em atividades
profissionais: "para melhorar a vida de todas as pessoas preciso ter servio na
comunidade para que ningum venha parar aqui na FEBEM, e para no ter
violncia" ; "eu acho que se o governo ajudasse as famlias mais pobres, e colocasse
mais servio teria muito menos violncia" ; "precisa ter emprego pros menor, que
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3no ganhasse mixaria".
Neste sentido, surgiram vrias questes como: o jovem acredita que a
sua insero no mercado de trabalho pode impedir a prtica do Ato infracional? Este
jovem j trabalhou? Ser que ele tem algum interesse especfico? Quais foram as
dificuldades encontradas pelos jovens que trabalharam? Por que o jovem infraciona
se gostaria de estar trabalhando? Ser que a internao interfere na realizao de um
plano de trabalho?
Uma vez que so quase inexistentes as produes sistemticas de bases de
dados sobre jovens em conflito com a lei, como apontado por estudos realizados pelo
Ncleo de Violncia USP (NEV- USP) em parceria com a Fundao SEADE
(Dirio Oficial do Estado de So Paulo, 2000), torna-se de grande importncia a
realizao de estudos que apontem algumas alternativas que possam contribuir para
um conhecimento maior sobre estes jovens e conseqentemente com as mudanas na
forma de atender as necessidades dos mesmos.
Adicionalmente a esse fato tem-se que discusses a respeito da juventude
voltam a aparecer nas teses e dissertaes, mas, que no entanto, poucas delas
enfocam o modo como os prprios jovens vivem e elaboram as situaes do
cotidiano de suas vidas, ou seja, no priorizam ...as consideraes dos prprios
jovens, e suas experincias, suas percepes, formas de sociabilidade e atuao.
(ABRAMO, 1997:25)
Dessa forma ento, conclumos que atravs da realizao de um levantamento
cujo tema principal fosse conhecer, a partir dos relatos dos prprios jovens privados
de liberdade, suas estratgias para conseguir recursos e ter acesso aos bens de
consumo durante toda a sua vida, pudesse esclarecer parte das dvidas surgidas
-
4durante o meu trabalho e assim tambm contribuir para o aumento de espaos para
reflexo a respeito dos jovens em conflito com a lei.
Sendo assim, o presente trabalho foi elaborado e est sendo apresentado da
seguinte forma: no segundo captulo, referente introduo, so abordadas as
diferentes estratgias de sobrevivncia que o jovem encontrou ao longo da histria
para conseguir recursos e acesso aos bens de consumo e os programas de
atendimento essa populao que utilizam o trabalho como forma de incluso. No
terceiro captulo so apresentados os objetivos do estudo. Os procedimentos
metodolgicos utilizados neste estudo esto apresentados no quarto captulo. O
quinto captulo corresponde aos resultados. As consideraes finais e as referncias
bibliogrficas esto apresentadas respectivamente no sexto e stimo captulo.
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5Captulo 2
Introduo
2.1 - O Jovem, as Estratgias de sobrevivncia, a Histria
As questes que envolvem a relao do jovem com as estratgias
utilizadas por ele para conseguir recursos para o seu sustento e de sua famlia
perpassa por vrios momentos da histria poltica, econmica e social do Brasil.
Foram dois os perodos da histria do Brasil, marcados por grandes
discusses e transformaes com relao a esta questo: o perodo do incio do
regime republicano (dcadas de 20 e 30) e meados do regime ditatorial (dcadas de
70 e 80). Em ambos os perodos observou-se que as transformaes sociais e
consequentemente o aumento da pobreza de grande parte da populao, levou um
grande nmero de jovens e crianas a buscar na rua, nas atividades consideradas
infracionais e no trabalho infantil, formas de conseguir dinheiro e acesso aos bens de
consumo.
-
6Os anos 20 e 30
Especificamente, nas primeiras dcadas do perodo Republicano, houve um
crescimento populacional e industrial, devido imigrao de pessoas que vieram
trabalhar nas indstrias localizadas nas grandes cidades, que, como apontado por
CARMO (1998) ; MARCILIO (1998) e como complementa SANTOS (1999), gerou
uma ...forte dicotomia entre os mundos do trabalho e da vadiagem, protagonizados
pelo imigrante e pelo nacional, principalmente aquele advindo da escravido.
(p.213)
Esta poca foi marcada pela formao do binmio excluso social e
crescimento econmico, pois o crescimento das indstrias, do comrcio e do
mercado de servios determinou a demanda por profissionais com maior
qualificao, gerando em contrapartida um grande contingente de indivduos que
no atendia s necessidades do mercado, ficando ento excludo do universo da
produo e do consumo e merc da misria e da violncia.
De acordo com SANTOS (1999) toda essa situao criou uma crise social
cuja conseqncia foi o aumento da criminalidade e conseqentemente dos
mecanismos de represso.
O aumento de crimes tambm englobava os praticados por crianas e
adolescentes que, em geral, se resumiam queles definidos como vadiagem,
embriaguez, furto e roubo.
Nesta poca, as crianas e jovens tinham poucas alternativas para conseguir
recursos financeiros como tentativa de sobrevivncia pessoal e da famlia, devido
-
7principalmente, excluso das classes populares. Neste caso ento, ou eram
iniciados precocemente nas atividades produtivas como fbricas, oficinas (alfaiate,
marceneiro, serralheiros etc.) e construo civil, ou realizavam atividades de
mendicncia nas ruas e atividades infracionais (roubo, furto e prostituio)
(SANTOS, 1999; MOURA, 1999).
Segundo SANTOS (1999) esses menores transitavam entre atividades
lcitas e ilcitas, servindo de mo de obra em pequenos servios, e na falta desses,
entregando-se prtica de pequenos furtos e roubos... (p.219).
Os anos 70 e 80
Na dcada de 70, inicia-se no Brasil um perodo de grande acelerao do
processo de urbanizao, gerando um aumento da desigualdade social e
conseqentemente um empobrecimento da populao.
Este perodo tambm foi marcado pelas discusses sobre a questo da criana
e do jovem que, devido ao quadro de pauperizao das famlias, buscavam
alternativas para complementar a renda familiar atravs da realizao de atividades
legais e ilegais (CERVINI & BURGER, 1996).
Como apontado por MELLO (1991),
este o contexto da vida da criana e do adolescentede baixa renda. Pertencentes famliasmarginalizadas do mercado de trabalho, excludos doacesso polticas sociais bsicas (educao, sade,habitao, saneamento etc.) encontram-se em situaode risco permanente e passam a ser alvo de polticasde assistncia social. As crianas em situaesextremas, colocadas em instituies, ou as praticantesde delitos, ou as crianas de rua, ou as que ingressamprecocemente no mercado de trabalho compem assituaes tpicas do processo que vem caracterizandoa sociedade brasileira.(p.6)
-
8Desta forma ento, a questo do jovem e do trabalho e mais especificamente
da aquisio de recursos financeiros se torna importante medida que
...se transforma, na maior parte dos casos, em umaexcluso estendida, dado que quem no tem empregono tem rendimento prprio e, portanto no possuinem condio de vivenciar a sua prpria juventude,nem motivao e disposio de elaborar projetos defuturo para a sua vida adulta. neste cenrio, de totaleroso da auto-estima e desesperana, que a violnciaencontra terreno propcio para se sofisticar, instalar ecrescer(MADEIRA & RODRIGUES, 1998:428)
Sob a influncia dos estudos realizados da dcada de 80 referentes questo
das reais condies de vida da criana e do jovem que trabalham nas ruas, que
realizam atividades infracionais e que se inserem precocemente nas atividades de
trabalho, foram sendo criadas novas concepes que chamaram a ateno da
sociedade para esta problemtica (CERVINI & BURGER, 1996)
Para as crianas e os jovens que realizam o trabalho infantil, de acordo com
GOMEZ & MEIRELLES (1997),
A concepo, no incio da industrializao, era deque crianas e adolescentes pobres deveriamtrabalhar, porque o trabalho protege do crime e damarginalidade, uma vez que o espao fabril eraconcebido em oposio ao espao da rua, consideradodesorganizado e desregulado. Alm disso, o trabalhodos menores, permitia um aumento da renda familiar,ao mesmo tempo em que podia ser visto como umaescola, a escola do trabalho.(p.136)
Durante muitos anos, fez parte do senso comum a idia de que as pessoas
pobres eram pobres porque no queriam trabalhar. infncia pobre tambm foi
-
9atribuda essa mesma concepo estigmatizando-a e excluindo-a devido a sua ndole
m. Neste contexto, o trabalho infantil era entendido como uma forma de insero
social, recuperao da ndole boa e conseqentemente uma falsa soluo aos graves
problemas gerados pelas crises sociais. (VOLPI, 1994)
Segundo MADEIRA (1993), atualmente, do ponto de vista dos familiares, o
trabalho visto como um instrumento de proteo da marginalidade e da violncia
em geral. Para o jovem, ...o trabalho a possibilidade da conquista de um espao
de liberdade para definir os seus itens de consumo prioritrios numa situao de
carncia econmica e imposio muito forte de smbolos juvenis tnis, jeans, som,
etc. (p.81).
Esta viso de que o jovem busca autonomia financeira e poder de acesso aos
bens materiais, tambm encontrada nos trabalhos de CERVINI & BURGER
(1996), que defendem a idia de que o trabalho juvenil est sujeito a outros fatores
que no seja somente a pobreza.
Segundo CERVINI & BURGER (1996), alm da idia de que o trabalho
infantil est diretamente associado s condies de vida da famlia, tambm se v
vinculado com a idia de que ...quanto mais cedo o indivduo se incorpora ao
mercado de trabalho, mais fortemente estar comprometido com o seu futuro bem-
estar (p.27)
Estudos apontam, atualmente, duas justificativas para o ingresso do jovem no
mundo do trabalho. A primeira corresponde a uma anlise do ponto de vista macro,
ou seja, a partir do comportamento geral do mercado de trabalho, da efetividade das
redes de proteo e de garantia de renda aos segmentos mais frgeis da sociedade e
da eficcia do sistema escolar. Na anlise micro, como segunda justificativa, a
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10
discusso perpassa pelo mbito familiar, ou seja, a passagem para o mercado de
trabalho se d pela questo financeira para atender as necessidades coletivas da
famlia por insuficincia da renda familiar. (FUNDO DAS NAES UNIDAS
PARA A INFNCIA, 1998 ; MADEIRA & RODRIGUES, 1998 ; POCHMANN,
2000)
Com relao questo da criana e do jovem em situao de rua,
ROSEMBERG (1994) e RIZZINI & RIZZINI (1996) colocam que os valores
atribudos aos mesmos foram sendo modificados ao longo dos tempos. At o incio
do sculo XX, a presena de crianas e jovens nas ruas significava o abandono
pelas famlias e, conseqentemente, o crescimento da vadiagem infantil que
incomodava as famlias e ameaava a estabilidade da ordem pblica.
Nas dcadas de 70-80 essa mesma populao ainda era vista como
abandonada, sem famlia, que buscava na rua uma alternativa de sobrevivncia e
moradia. Como aponta ADORNO et all (1999)
No Brasil, desde o incio da dcada de 70, ao menosnas grandes cidades brasileiras, a existncia decrianas e de adolescentes vagando pelas ruas,mendigando, vigiando veculos estacionados nas ruas,vendendo balas e doces junto aos semforos, via deregra em troca de pequenas somas de dinheiro, vemsendo percebida como problema social(p.62)
Atualmente, pode-se dizer que as crianas e jovens, que na sua grande
maioria, no so abandonados por suas famlias, buscam na rua um espao principal
ou secundrio onde ele possa garantir a sua subsistncia e lazer. Como coloca
VOGEL & MELLO (1996) ...o meio pelo qual se d a sada a realizao de
algum tipo de trabalho: vender algo ou fazer algo com o intuito de obter dinheiro
para ajudar nas despesas do grupo familiar... (p.137), alm de, tambm,
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11
possibilitar um ganho pessoal, uma fonte de recursos para garantir a suas prprias
necessidades e desejos. (MELLO, 1991 ; VOGEL & MELLO , 1996 ; RIZZINI &
RIZZINI, 1996)
CERVINI & BURGER (1996) citam como as principais atividades realizadas
pelas crianas e jovens nas ruas, a de vendedor de rua, engraxate, vigia e lavador de
carro, carregador na feira e supermercado, catador de papel e ferro-velho.
Existem ainda, estudos que apontam outras razes que levam a criana e o
jovem a buscar na rua formas de sobrevivncia. Segundo RIZZINI & RIZZINI
(1996)
- O trabalho como legitimao tica de um estilo devida onde este aparece como um meio de incluso nasociedade.-O trabalho como obrigao compulsria concepoque apareceu em quase todas as falas: toda criana de'classe baixa' deve trabalhar.-O trabalho como forma de ocupar o tempo ocioso(controle) de forma a evitar a ociosidade.-O trabalho como preparao para a vida como umaprtica educativa.(p.79-80)
As mesmas autoras colocam que o trabalho percebido como ...mecanismo
disciplinador e como forma de insero no mundo aceito socialmente (p. 80).
importante ressaltar que, segundo este estudo, para essas crianas e jovens
que buscam alternativas de sobrevivncia nas ruas e se empenham em atividades
mltiplas, existe o predomnio de atividades de trabalho, em relao s atividades
infracionais. De acordo com ROSEMBERG (1994), esse resultado afasta o ...
retrato estereotipado que tem alimentado o imaginrio social (p.44).
Especificamente com relao s estratgias de sobrevivncia daqueles que se
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utilizam somente de atividades infracionais, RIZZINI & RIZZINI (1996),
comentam que,
No h registro de pesquisas sobre o caso especficode crianas e adolescentes que exercem de formasistemtica atividades marginais infratoras nas ruascomo meio de sobrevivncia. Os estudos que existemnormalmente exploram o tema da delinqncia a partirdos locais de recepo, triagem e deteno, como ojuizado de menores e os centros de recolhimento erecuperao de infratores (p.83)
As mesmas autoras ainda colocam que ...surpreendente que to pouca
ateno tenha sido dada questo do trabalho nas pesquisas feitas sobre menores
institucionalizados, em face da nfase que normalmente se d formao e
ocupao profissional dos mesmos.(p.75)
Em estudos recentes que abordam dentre vrias questes, a da insero
destes jovens em atividades de trabalho, as atividades infracionais so citadas pelos
mesmos como mais um tipo de trabalho, como apresentado por ASSIS (1999),
Embora parea totalmente contrrio ao sensocomum, os jovens infratores que vivem do trficoconsideram como trabalho as atividades quedesempenham. Dali se origina a prpriasobrevivncia, e as vezes, a da famlia. O 'trabalho' notrfico assemelha-se ao trabalho formal no que serefere a questes como compromisso,responsabilizao, lugar no processo, tcnicas,hierarquia e normas de ascenso profissional.(p.87)
Segundo o estudo realizado na cidade de Ribeiro Preto (KODATO &
SILVA, 2000), vrios so os fatores que podem influenciar a entrada do jovem na
vida infracional,
...a extrema pobreza e a falta de opes empurram o
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adolescente para a marginalidade e a criminalidade,ao mesmo tempo em que ele ideologicamentecapturado pelos sonhos de consumo e grandeza,veiculados pela mdia e valorizados socialmente comosinnimo de felicidade e sucesso (p.512).
Especificamente com relao s experincias dos jovens em atividades de
trabalho, ASSIS (1999) aponta para uma questo importante, de que para o jovem
autor de ato infracional ...o trabalho aparece como forma de amenizar os erros
cometidos e de se redimirem perante a sociedade. (p.90) Os mesmos atribuem ao
trabalho a sobrevivncia e a possibilidade de ascenso social. No entanto, segundo
ASSIS (1999) a busca por trabalhos no-especializados, sem um interesse
especfico, ou seja, o jovem acaba tendo duas opes, envolver-se com as atividades
ilcitas, que acabam gerando uma renda maior, ou ento, submeter-se atividades
que exijam pequena qualificao e ofeream baixa remunerao.
Assim sendo, mesmo existindo semelhanas (a condio scio-econmica da
famlia e o desejo de adquirir autonomia e bens de consumo) e diferenas entre
aqueles que realizam trabalho infantil, trabalho em situao de rua ou ato infracional,
a questo da valorizao do trabalho como socializador fortemente defendida,
levando a crena de que o trabalho uma forma de prevenir a entrada ou
reincidncia do ato infracional.
Pode-se dizer ento, que foi, com base nessa viso do trabalho, que as
polticas de atendimento destinadas s crianas e jovens excludos foram definidas ao
longo destes anos.
2.2 - O trabalho para quem precisa trabalhar
-
14
O trabalho para quem precisa trabalhar era a viso que norteou parte das
polticas de atendimento direcionadas s crianas e jovens pobres ao longo da
histria do Brasil e de vrios pases.
De acordo com FILGUEIRAS (1996), a questo da valorizao do trabalho
como meio de integrao social, parte dos valores trazidos pelos pases
colonizadores, cujas estratgias de assistncia aos indivduos ditos no-integrados/
marginais, sempre foram direcionadas para a distino entre os incapacitados para o
trabalho e os aptos que no trabalham (indigentes, ociosos etc). (FILGUEIRAS, 1996
; LARANGEIRAS, 1999).
Sendo assim, desde o Imprio, da Repblica, e mais especificamente at o
final dos anos 80, a filosofia de atendimento das crianas e dos jovens
marginalizados, em geral vistos como potencialmente abandonados e perigosos
(ROSEMBERG, 1994; RIZZINI & RIZZINI, 1996 ; PASSETI, 1999) teve por base
a educao pela recluso, onde eram inseridos em atividades profissionalizantes,
como carpintaria, serralheria, pedreiro, funileiro, sapateiro, etc, (MARCILIO, 1998),
ou seja, a esse contingente de crianas e adolescentes nas ruas, considerados pelas
autoridades como moralmente abandonados, se aplicava o discurso que enaltecia o
trabalho ... enquanto instrumento que permitiria, fornecendo-lhes uma profisso,
resgat-los e preserv-los do contato pernicioso das ruas... (MOURA, 1998: 276).
De acordo com as leis na poca do imprio e da repblica (Cdigo do Imprio
de 1831 e do Cdigo Penal da Repblica), as crianas e jovens marginalizados,
vistos como perigosos, seriam encaminhados para estabelecimentos disciplinares
(SANTOS, 1999; MOURA, 1999).
Estes estabelecimentos disciplinares, tambm chamados de institutos
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15
privados de recolhimentos para menores (SANTOS, 1999:222) j existiam desde o
sculo XIX, e em geral, eram fundados por congregaes religiosas ou particulares
ligadas industrias e ao comrcio, e tinham o ensino profissional como ponto
principal de trabalho. As vagas oferecidas por esses institutos eram destinadas aos
filhos de operrios e comerciantes, e algumas vagas para crianas e jovens com
problemas judiciais encaminhados pelo Estado. No entanto, o fato do Estado
encontrar dificuldades dos diretores desses institutos em aceitarem esse jovens, fez
com que fossem criadas instituies pblicas de recolhimento que tivesse como meta
a ...correo e a recuperao dos jovens delinqentes... ( SANTOS 1999:223).
Como aponta SANTOS (1997), as atividades oferecidas esse contigente de
crianas e jovens eram, basicamente, vinculadas ao mercado informal pois,...as
crianas e adolescentes fabricavam uma diversidade de produtos que variavam do
picol/sorvete, passando por detergente caseiro, cermica at a construo de
mveis coloniais (p.11) ou ento eram vinculadas s atividades profissionalizantes
como patrulheiros-mirins, guardas-mirins etc.
Os objetivos principais destes atendimentos eram: preparar essas
crianas e jovens para terem bons costumes e uma profisso, a fim de serem teis a s
mesmos e nao (MARCILIO, 1998) e, tambm uma forma de preven-los da
entrada na vida infracional (MARCILIO, 1998 ; MOURA, 1999). De acordo com
SANTOS (1999: 216) o caminho mais adequado era o da...pedagogia do trabalho
entendido como principal recurso para a regenerao daqueles que no se
enquadravam no regime produtivo vigente.,ou seja, o afastamento dessas crianas e
dos jovens do convvio com a sociedade, tinha o objetivo de transform-los em
trabalhadores nacionais, mo de obra fcil de ser explorada, no qualificada, e
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16
facilmente adaptvel. Sendo assim, tinha um sentido muito mais poltico-ideolgico
do que qualificao para o trabalho (PASSETI, 1999).
2.3 Um novo olhar para o jovem e o trabalho
Os anos 90 trouxeram crticas a estes modelos de atendimento, por no se
preocuparem em modificar a forma de insero e atuao do jovem no mercado de
trabalho, ou ento por estarem vinculados com a lgica da produo e do lucro.
Como aponta MARQUES (1997) nesse perodo comearam a surgir novos
estudos que questionavam as reflexes que tinham o Trabalho como categoria central
na anlise da sociedade e, consequentemente, como fator determinante das chance de
participao social, poltica e cultural dos indivduos.
De acordo com MARQUES (1997) A dialtica do trabalho, embora
importante, se no combinada com a dialtica de outras relaes sociais, torna-se
inoperante para explicar o nosso tempo (p.69). Por essa razo, a autora solicita que
seja revisto o poder do trabalho como determinante das relaes sociais, e
especificamente, a socializao do jovem e a construo da sua identidade.
Com base em novos olhares sobre a relao jovem x trabalho, o Estatuto da
Criana e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, levantou ento, a
necessidade da criao de programas sociais cuja proposta era oferecer um
desenvolvimento integral da criana e do jovem, atravs de um conjunto de
atividades (ldicas, culturais, esportivas etc), onde o trabalho passou a ser mais um
componente importante no processo de desenvolvimento e construo da vida dos
pequenos cidados (SANTOS, 1997).
Segundo o mesmo autor, o ECA apontou para a necessidade de oferecer
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17
atividades profissionalizantes remuneradas que respeitem o desenvolvimento pessoal
e social do jovem. O trabalho se torna ento, um instrumento educativo, no qual as
exigncias pedaggicas prevalecem sobre o aspecto produtivo. Segundo SANTOS
(1997) ...as atividades educacionais devem assegurar ao adolescente que delas
participem, condies de capacitao para o exerccio de atividade regular
remunerada (p.17).
No entanto, ABRAMO (1997) comenta que o fato de no existir, no Brasil,
uma tradio de polticas especificamente destinadas aos jovens de baixa renda, com
exceo da poltica educacional, faz com que ainda prevalea os princpios
implcitos de muitos programas antigos como a ...conteno do risco real e
potencial destes garotos, pelo seu afastamento das ruas ou pela ocupao de
suas mos ociosas (p.26).
Ainda segundo a autora, o objetivo acaba sendo o de ...dirimir ou pelo
menos diminuir as dificuldades de integrao social (p.26), seja pelo atendimento
em programas de ressocializao (realizados atravs de educao no-formal,
oficinas ocupacionais, atividades de esporte e arte) ou em programas de
capacitao profissional e encaminhamento para o mercado de trabalho, ...que
muitas vezes no passam de oficinas ocupacionais, ou seja, no logram promover
qualquer tipo de qualificao para o trabalho(p.26).
Na viso da autora e demais autores, estes programas acabam atribuindo ao
jovem o papel de pessoa problema ...sobre os quais necessrio intervir para
salv-los e reintegr-los ordem social (ABRAMO, 1997:26; CARRANO, 2000).
Se formos pensar especificamente com relao s polticas de atendimento ao
adolescente que pratica o ato infracional, o ECA tambm trouxe contribuies
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medida que apresenta o jovem como sujeito de direitos judiciais e sujeito s medidas
scio-educativas, que segundo VOLPI (1997) e IEE-PUC (1999) tambm tm como
perspectiva a ao educativa, socializadora, e da garantia dos direitos. No entanto, o
fato destes jovens serem percebidos pela sociedade a partir de caractersticas
estigmatizantes e discriminadoras, faz com que os tornem um problema em s
mesmos (EL-KHATIB, 2001), e, portanto, merecedores de um tratamento que os
dignifique e os integre na sociedade.
Neste contexto, a medida scio-educativa de internao, realizada nas atuais
FEBEMs (Fundao do Bem Estar do Menor), ainda se utilizam da idia do trabalho
como forma de integrao social, prevalecendo a viso do trabalhador a anttese
do 'infrator' (VIOLANTE, 1985:119). A autora aponta as vrias funes das
atividades de trabalho na FEBEM: efeito coercitivo, punitivo, ressocializador, meio
de ascenso social e como uma forma de passar o tempo da internao.
ASSIS (1999) considera que As atividades laborativas nas instituies
esto restritas a alguns internos, em geral de bom comportamento... (p.170) como
cozinha, atividades administrativas, faxina e obras, as mesmas oferecidas nos
institutos disciplinares h cem anos atrs, como tambm a marcenaria, a construo
civil e agricultura.
De acordo com SANTOS (1997), as propostas destas instituies a da
educao pelo trabalho, embora no sigam os princpios da mesma, pois,
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19
Os adolescentes quase nunca participavam dadeciso e do planejamento dos bens e servios a seremproduzidos; no s-lhes repassava o conhecimentoterico, apenas o aspecto prtico da atividadelaboral; e sobretudo, eles no participavam do lucrodo trabalho produzido...(p.12)
Desta forma ento pode-se dizer que, com relao ao atendimento do jovem
privado de liberdade, ainda prevalece o princpio da insero social atravs das
atividades de trabalho, ou seja, segundo ASSIS (1999), existe sim uma ...
idealizao sobre o contedo das oficinas, na crena de que elas ofeream mais
possibilidades do que as reais(p. 171).
Deparamos ento com a questo: quais so os aspectos mais importantes a
serem considerados em uma prosposta de interveno com esses jovens? Aquilo que
oferecido e valorizado pela sociedade, aquilo que direito, ou aquilo que
desejado pelos prprios jovens?
Desta forma, pretendemos contribuir para uma reflexo a respeito das mudanas
sociais com relao ao jovem, que se encontra em privao de liberdade, e suas
possibilidades de adquirir autonomia e condies reais de concretizar os seus planos
de futuro. Se possvel pretendemos contribuir com os resultados deste estudo em
direo a uma efetiva mudana na forma de enxergar este jovem, ou seja, no mais a
partir de sua condio de institucionalizao, de tutelado, portando o estigma de
periculosidade, irrecuperabilidade e inutilidade, mas sim como pessoa em situao
peculiar de desenvolvimento, um jovem que tem necessidades prprias de sua fase
de desenvolvimento, que almeja independncia e autonomia, que est em busca da
formao de seus valores enquanto cidado, com direitos, deveres e desejos. Um
-
20
jovem que depara com uma situao de misria social, descaso e preconceito, e que
busca alternativas para, de alguma forma, superar suas dificuldades.
Neste cenrio encontramos um jovem, cuja necessidade e interesse em
melhorar sua qualidade de vida ultrapassa a insero em uma atividade remunerada
qualquer, mas um jovem que caminha atrs de sonhos que por vezes precisam ser
encobertos, por vezes precisam ser destrudos e que, de alguma forma, deixam
marcas de excluso.
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21
Captulo 3
Objetivos do Estudo
Ao analisar de uma forma ampla o movimento da sociedade no sentido de
perceber o jovem em situao de risco pessoal e social e sua relao com a insero
no trabalho, pode-se identificar dois grandes paradigmas. O primeiro, que
chamaremos do paradigma da incluso pelo trabalho, que compreende este jovem
como delinquente, autor da violncia e algum que precisa trabalhar, pois o
trabalho reintegra, previne e dignifica o homem. O segundo, nomeado de
paradigma do direito, percebe este jovem como sujeito de direitos cuja insero no
trabalho deve ter a funo educativa e complementar para a promoo do seu
desenvolvimento integral.
Entre estes dois ideais encontramos um jovem inserido numa sociedade de
consumo que valoriza o sujeito a partir daquilo que ele possui.
-
22
Em busca de uma alternativa para suprir as vrias necessidades esse jovem
cria estratgias como o Ato Infracional, o Trabalho Infantil e os Trabalhos em
situao de rua fazendo disso uma forma de incluso seja no trabalho, no direito ou
no consumo.
H, atualmente, um grande contingente desses trabalhadores, o que torna
explcitas as falhas das polticas pblicas e o descaso com o jovem. Observa-se que
atualmente, as polticas pblicas destinadas estes jovens direcionam suas aes na
criao de programas de insero dos mesmos no mercado de trabalho, geralmente
em atividades de subemprego, com bolsas trabalho ou baixos salrios, que no
refletem os interesses e experincias dos jovens, e que muitas vezes no permitem
essa incluso social.
Portanto, pretende-se, com este estudo, fazer um levantamento de diferentes
aspectos referentes s estratgias de sobrevivncia dos jovens, privados de
liberdade, ao longo de suas vidas, partindo-se tambm, para tanto, da realizao de
uma caracterizao geral dessa populao. Pretende-se tambm identificar quais so
os interesses destes jovens, com relao a realizao de alguma atividade que lhes
reverta uma quantia em dinheiro tendo em vista o trmino de sua ltima internao
na FEBEM.
Espera-se assim, contribuir para as discusses a respeito das polticas
pblicas direcionadas estes jovens cujo objetivo, hoje, promover a incluso social
somente atravs do trabalho, desconsiderando outros aspectos importantes para o
desenvolvimento psicossocial do indivduo.
-
23
Captulo 4
ProcedimentosMetodolgicos
4.1 - Campo de estudo
Este estudo foi realizado na Fundao do Bem Estar do Menor (FEBEM)-
Unidade Educacional-3 (UE-3) de Ribeiro Preto localizada na estrada municipal
Ribeiro Preto - Dumont, Rodovia Mrio Doneg km 223, fora do permetro urbano
da cidade.
A FEBEM-RP trabalha sob regime de recluso, no qual, o jovem que pratica
o ato infracional, considerado como crime ou contraveno penal (Art. 103, ECA),
encaminhado pelo juiz da Vara da Infncia e Juventude para cumprir a medida scio-
educativa de internao.
De acordo com ECA a medida scio-educativa de internao
...privativa de liberdade, sujeita aos princpios debrevidade, excepcionalidade e respeito condiopeculiar de pessoa em desenvolvimento (Seo VII -
-
24
Art. 121)A medida de internao s poder ser aplicadaquando:I tratar-se de ato infracional cometido mediantegrave ameaa ou violncia pessoa;II por reiterao no cometimento de outrasinfraes graves; eIII por descumprimento reiterado e injustificvel damedida anteriormente imposta.(Seo VII - Art.122)
A Unidade da FEBEM de Ribeiro Preto tinha a capacidade mxima de
abrigar aproximadamente 180 jovens, que eram distribudos em 7 pavilhes, onde
permaneciam durante o dia e a noite. No perodo de realizao do estudo, em geral, a
distribuio dos jovens era feita a partir dos bairros de moradia dos mesmos, devido
principalmente, a existncias de grupos rivais, que no podiam permanecer no
mesmo local, sem que houvesse possibilidade de algum jovem correr risco de sofrer
algum tipo de violncia.
Nesses pavilhes existia um espao ao ar livre, chamado de ptio pelos
jovens, onde costumavam jogar bola e empinar pipa. Nos espaos internos dos
pavilhes ficavam os banheiros e os quartos chamados pelos jovens de barracos,
onde dormiam e guardavam seus pertences (roupas e objetos pessoais). Em cada
barraco ficavam de dois a trs jovens. Cada pavilho possua uma televiso e em
alguns deles um vdeo-cassete utilizado pelos jovens para assistir a programao
normal e por vezes um filme levado pelos educadores (profissionais responsveis
pelos jovens).
Aos jovens eram oferecidas as atividades educacionais no obrigatrias como
a escolarizao formal e as oficinas profissionalizantes, que com poucas vagas,
atendiam apenas um pequeno nmero de jovens que apresentavam bom
-
25
comportamento dentro da instituio.
Segundo o ECA, durante a internao, obrigatrio o oferecimento de
atividades pedaggicas como a escolarizao, profissionalizao, acesso aos meios
de comunicao social, atividades culturais, esportivas e de lazer. Porm, o que se v
na prtica e se discute na teoria, que ainda existem muitas dificuldades para uma
correta aplicao das medidas scioeducativas destinadas aos jovens que praticam o
ato infracional, principalmente devido ao preconceito e a rejeio social em atender
o adolescente.
4 .2 - Participantes
Foram convidados a participar do estudo todos os jovens, com idades entre 12
a 18 anos, que se encontravam em situao de privao de liberdade, internados na
Unidade Educacional 3 da FEBEM de Ribeiro Preto de junho a agosto de 2000.
4.3 - Abordagem Terico-metodolgica
Para este estudo optamos por seguir a abordagem compreensiva da realidade
estudada, buscando assim, compreender os fenmenos sociais a partir ponto de vista
dos atores sociais que os experenciam.
Para a abordagem compreensiva ...a sociedade fruto de uma inter-relao
de atores-sociais, onde as aes de uns so reciprocamente orientadas em direo s
aes dos outro (MINAYO, 1999), sendo a ao, o comportamento humano para o
qual lhe atribudo um significado subjetivo.
A ao se torna social quando so considerados os significados subjetivos a
ela atribudos pelos indivduos e a influncia do comportamento dos outros na sua
-
26
realizao. (WEBER apud MINAYO, 1999)
4.4 - Instrumentos de coleta dos dados
Optamos pela utilizao de um Roteiro estruturado para realizao de
entrevista individual buscando conhecer, dos indivduos entrevistados, suas opinies
a respeito do objeto de investigao.
Por compreender a realidade estudada como formada pela inter-relao entre
indivduos, cujas as aes so orientadas segundo fatores subjetivos e externos, por
influncia de outrem, consideramos que o momento da entrevista tambm
construdo pela inter-relao dos atores envolvidos, no caso do pesquisado e do
pesquisador, sendo as aes de ambos direcionadas por aspectos subjetivos e pela
influncia da ao de outrem (instituio, sujeitos presentes no campo de estudo e,
entre s).
O roteiro criado para esse estudo foi formado por questes fechadas e uma
questo semi-aberta, permitindo assim, obter dados possveis de comparao e
anlise descritiva (DANCONA, 1996); alm de proporcionar o surgimento de
informaes mais amplas onde o entrevistado pode discorrer sobre o assunto de uma
forma menos rgida.
Atravs deste instrumento buscamos:
- Realizar uma caracterizao geral da populao quanto idade do
jovem no momento da entrevista, o grau de escolaridade, local de
residncia, o bairro de moradia, e a cidade de origem; e as
informaes sobre o seu percurso de internao como: o nmero de
internaes, a idade do jovem em cada uma das internaes, tempo
da ltima internao e os motivos das internaes. Sendo que para o
-
27
presente estudo, foi escolhido para registro dos motivos das
internaes, as 12 infraes mais freqentes, segundo estudos
realizados com essa populao. So elas: roubo, furto, quebra de
medida scio-educativa, trfico de drogas, homicdio, latrocnio,
porte de armas, tentativa de homicdio, porte ou uso de drogas,
estupro, receptao e outros (ASSIS, 1999 ; LOZANO, 1999).
- Conhecer diferentes aspectos referentes s atividades realizadas
pelos jovens para conseguir recursos e acesso aos bens de consumo
ANTES e DEPOIS da internao na FEBEM, considerando o tipo
de atividade realizada pelo jovem, a idade do jovem quando iniciou
a atividade, o tempo que o jovem realizou a atividade, o motivo da
interrupo da atividade, a quantia recebida, o destino do dinheiro
que ele ganhava em cada atividade e a forma que o jovem encontrou
para conseguir iniciar a atividade.
- Identificar quais eram os interesses destes jovens na realizao de
alguma atividade que lhes revertesse recursos aps a internao em
que se deu a entrevista.
Foram utilizados os registro de notas em dirio de campo com o objetivo de
complementar os dados coletados nas entrevistas. Estes registros foram compostos
por anotaes de carter descritivo e reflexivo que, respectivamente, corresponderam
a: data, hora, local, atividade desenvolvida no estudo, descrio das atividades,
fatos, posturas e falas dos participantes significativas para o estudo; comentrios e
reflexes sobre os fatos ocorridos durante a aplicao dos procedimentos
metodolgicos, que foram os registros subjetivos (sentimentos, idias, opinies e
-
28
etc) referentes ao que ocorria no dia-a-dia na FEBEM e nos demais espaos da
pesquisa, tal como sugerem os autores TRIVNOS (1987) e BIKLEN & BOGDAN
(1994).
4.5 - Fase de adequao do instrumento de coleta de dados
A fase da adequao do instrumento de coleta de dados foi realizada em junho
de 2000. Participaram dessa fase oito jovens que estavam na chamada tranca2.
Foram registradas em dirio de campo, no dia 20 de junho, as condies desse local.
A tranca era localizada em um prdio semi-abandonado, nos terrenos da FEBEM,
que compreendia dois cmodos. Nesse local, os jovens permaneciam trancados em
quartos, contando com um banheiro e uma janela com grades em cada um dos
cmodos. Em mdia, existiam 4 jovens por tranca.
A opo por realizar esta etapa do estudo neste local, deveu-se a possibilidade
de obter as opinies dos jovens e verificar as limitaes a respeito do instrumento,
sem que houvesse a participao de outros jovens que poderiam ser includos na fase
de coleta de dados.
Nesta fase piloto foi esclarecido aos jovens que os dados colhidos nesta etapa
no seriam utilizados no estudo e que a participao deles nos ajudaria a adequar o
instrumento.
A anlise dessa aplicao piloto mostrou que os jovens consideraram o
instrumento simples e no consideraram que a entrevista tivesse uma durao
inadequada.
Foi identificado tambm a necessidade de modificar o roteiro, diminuindo a
2 O termo tranca utilizado pelos jovens internos para designar o local onde so encaminhadosos adolescentes que possuam muitos inimigos dentro dos pavilhes, e por esse motivo nopodiam ficar l, pois corriam o risco de sofrer algum tipo de violncia por parte de jovens rivais.
-
29
quantidade de itens que o compunham, como a idade em que praticaram a infrao e
a idade em que foram internados, pois, especificamente com relao estes itens, os
jovens referiram dificuldade em lembr-los.
O resultado final foi um roteiro (ANEXO B) dividido em trs partes:
1 parte - dados gerais dos jovens;
2 parte - dados sobre as estratgias de sobrevivncia realizadas pelos jovens
ANTES e DEPOIS da internao na FEBEM 3.
4.6 - Procedimentos ticos para o incio do estudo na FEBEM
Para iniciar o estudo na FEBEM-RP, foi necessria a autorizao, solicitada
por escrito, da Vara da Infncia e Juventude de Ribeiro Preto, e da equipe diretiva
da FEBEM-RP (ANEXO A), uma vez que estes jovens estavam sob responsabilidade
e tutela do Estado4 . O consentimento para a realizao do estudo foi dado por ambas
as partes. necessrio ressaltar que, tanto a equipe Diretiva da Unidade, quanto o
Juiz de Direito da Vara da Infncia e da Juventude da Comarca, j tinham
conhecimento da atuao da pesquisadora com estes jovens atravs dos trabalhos do
NEPDA.
4.7 - Procedimentos de coleta dos dados
Para o incio da fase de coleta de dados foi necessria a confirmao do
consentimento dado pela equipe diretiva da Unidade e do Juizado da Vara da
Infncia e da Juventude da Comarca para a realizao deste estudo.
3 Os dados coletados na terceira parte referem-se ao estudo da mestranda Juliana Garcia Peres Murad.4 Todos os procedimentos do estudo seguiram as Diretrizes e Normas Regulamentadora de Pesquisa
envolvendo Seres Humanos (CONSELHO NACIONAL DE SADE).
-
30
Na etapa seguinte foi marcada uma reunio com o Diretor da Unidade que
forneceu uma lista com os nomes dos jovens internados. No perodo da coleta de
dados haviam 169 jovens internados na FEBEM. Atravs desta lista foi possvel
conhecer o nmero de jovens internados em cada pavilho da Unidade, e a partir da,
fazer uma previso e uma programao quanto ao tempo de coleta.
Devido a grande rotatividade de jovens na Unidade, que diariamente so
internados e desinternados em diferentes pavilhes, houve a necessidade de ser
estabelecido um perodo de coleta, um corte temporal no qual seriam convidados o
nmero mximo possvel de jovens internados naquele perodo.
Foi estimado que a permanncia durante quatro dias em cada um dos sete
pavilhes seria suficiente, uma vez que, a mdia de jovens internados nos pavilhes
era de 20 internos. Assim sendo, a coleta dos dados aconteceu no perodo de 26 de
junho a 17 de agosto de 2000.
O perodo de coleta em cada pavilho era encerrado quando no havia mais
nenhum jovem interessado.
Do total de jovens internados no perodo (169), 8 participaram da fase da
aplicao das entrevistas piloto, 104 participaram das entrevistas, e 57 no foram
entrevistados.
Para os jovens que no foram entrevistados, foram observados motivos
explicitados por eles, e motivos observados pela pesquisadora.
Como motivos explcitos foram identificadas falas dos jovens como "estou
de boa", que, segundo as grias utilizadas por eles, davam a entender que no
estavam com vontade de participar do estudo, ou por no gostarem de falar da
prpria vida, ou ento, por receio de que as informaes fossem enviadas para o Juiz
-
31
ou outro tipo de autoridade, tal como delegado.
Em alguns momentos foram identificados motivos implcitos, como,
quando os jovens foram abordados para entrevista no momento em que estavam
fumando maconha nos quartos que eles dormiam.
O uso da maconha em unidades da FEBEM tambm foi apontado por ASSIS
(1999) em um estudo realizado em duas Unidades localizadas no Rio de Janeiro e
Recife, no qual foi possvel identificar ... pela fala de alguns internos, que
eventualmente h entrada de drogas especialmente maconha - nas instituies das
duas cidades. (p.166).
De acordo com o estudo de KODATO & SILVA (2000) realizado na
FEBEM de Ribeiro Preto no ano de 1998, a presena de maconha na instiuio
percebida pelo cheiro e pelos registros nos boletins internos da Unidade.
Um outro motivo que levou alguns jovens a no participarem do estudo, foi a
transferncia para unidades da FEBEM de So Paulo durante o perodo de coleta.
O processo de realizao das entrevistas aconteceu da seguinte forma: no
primeiro dia de visita foi realizado o convite para participar do estudo, atravs da
apresentao dos objetivos com a leitura do rapport (ANEXO C), esclarecendo os
objetivos da pesquisa, a forma de coleta dos dados, a condio de participao
voluntria, garantia do anonimato e o tratamento sigiloso dos dados colhidos.
Nos dias seguintes foram realizadas as entrevistas com os jovens que
voluntariamente se interessaram em participar. As entrevistas foram feitas
individualmente com os jovens nos respectivos pavilhes, com durao mdia de 15
minutos cada. Embora houvesse a preocupao em tornar o momento das entrevistas
o mais individualizado possvel, era comum a permanncia de outros jovens junto
-
32
com o entrevistado.
Durante a apresentao do estudo os jovens perguntaram, vrias vezes, se as
informaes no iriam ser entregues para o Juiz, sendo necessria a confirmao,
tambm, repetidamente, de que as informaes ficariam somente conosco,
reforando ento a questo do tratamento sigiloso dos dados.
Toda essa situao veio fortalecer o compromisso e interesse em apresentar o
resultados dos estudos para os jovens e para os funcionrios da FEBEM com o
intuito de responder aos mesmos o resultado das entrevistas.
Houve dificuldades, mas tambm fatores positivos que auxiliaram e
facilitaram a realizao das entrevistas, como o fato de alguns agentes de educao,
incentivarem os jovens a participar.
O fato de alguns jovens conhecerem as pesquisadoras, dos trabalhos
anteriores de promoo de sade nos pavilhes, tambm facilitou a aproximao e
participao no estudo.
Observamos que, havia uma maior adeso ao estudo quando os jovens que
haviam respondido tentavam incentivar os outros a participar dizendo que era fcil e
" pampa5, ou ento, quando o roteiro era oferecido aos jovens para uma leitura
prvia para que os mesmos pudessem verificar se existiam dvidas com relao s
questes.
5 O termo a pampa utilizado pelos jovens internos para designar algo muito legal.
-
33
Para alguns adolescentes, a entrevista funcionou como uma oportunidade de
mudar de ambiente, principalmente para os jovens que estavam na ala do seguro6
onde ficavam trancados em celas, e, tambm, em alguns casos, o momento da
entrevista se prolongava, pois os jovens traziam outros assuntos para conversar,
principalmente sobre a angstia gerada pela espera do dia de serem desinternados.
A entrevista na verdade foi um espao de escuta. Percebemos que esse jovem
precisa ser escutado, pois, provavelmente, ele trs em sua histria pouco ou quase
nenhum momento de escuta, seja na escola, na famlia ou na sociedade como um
todo.
Fica difcil pensar que existem espaos de escuta que efetivamente consigam
absorver as angstias destes jovens em unidades como as FEBEMs, principalmente
se pensarmos na proporo de tcnicos, como psiclogos e assistentes sociais, por
jovens internos, por exemplo, no perodo da entrevista haviam trs tcnicos para 169
internos.
Essa situao nos fez pensar que para a realizao de um estudo, o
pesquisador age e interage no campo de estudo em atividades relacionadas com a
pesquisa e em atividades relacionadas com a rotina da Instituio. Percebemos que
na verdade o estudo foi o espao de escuta, sendo esse o seu principal valor. Foi o
mesmo que dar voz queles que esto roucos de tanto chamar a ateno da
sociedade, que tampa os ouvidos e os esconde atrs de muros que acabam abafando
os seus sons.
Entendemos a pesquisa como algo que atravessa os muros, que aumenta a
6 O termo seguro utilizado pelos jovens para designar um local separado nos pavilhes ondeficam os jovens que precisam ficar separados dos demais, em geral problemas de relacionamentocom outros jovens.
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intensidade destes sons, principalmente, se esta pesquisa encarada como um
dilogo que vai e vem entre o pesquisador e o pesquisado, que juntos constroem uma
fala comum, e que, por ser embasada cientificamente, se torna uma nova
possibilidade... para essa mesma sociedade.
4.8 - Procedimentos de anlise dos dados
Para a realizao do tratamento dos dados deste estudo escolhemos a
abordagem qualitativa realizada a partir de uma anlise descritiva simples que,
segundo SILVA (1999) e SILVA (1998) permite: descrever os dados coletados na
amostra, a partir de comentrios simples usando mtodos numricos e mtodos
grficos. Esta forma de anlise possibilita a descrio e anlise de uma determinada
populao sem tirar concluses genricas.
Essa posio tambm defendida por BOGDAN & BIKLEN (1994) Os
dados quantitativos so muitas vezes includos na escrita qualitativa sob a forma de
estatstica descritiva (p.194)
Como aponta TRIVINOS (1987) A anlise qualitativa, pode ter apoio
quantitativo, mas geralmente, se omite a anlise estatstica ou o seu emprego no
sofisticado (p. 111).
O processo de anlise dos dados neste estudo foi acontecendo em etapas
distintas e complementares. Inicialmente fizemos um primeiro contato com o
material fazendo uma leitura repetida das informaes contidas nos roteiros de
entrevista e nas notas em dirio de campo. A partir dessa leitura foi feita uma
primeira organizao geral do material, separando as informaes referentes
caracterizao geral dos jovens, e os dados referentes s estratgias de sobrevivncia.
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35
Em um segundo momento, para a sistematizao e tratamentos dos dados
gerais de caracterizao dos jovens, utilizamos o programa de anlise estatstica em
microcomputador EPIINFO 2000 que possibilitou a construo de um banco de
dados onde foram agrupadas as seguintes variveis: idade do jovem no momento da
entrevista, grau de escolaridade, bairros de moradia, cidades de procedncia,
nmero de internaes na FEBEM, motivos das internaes e a idade do jovem na
primeira internao.
As informaes a respeito dos bairros de moradia dos jovens foram
classificadas de acordo com o perfil de renda estabelecido pelo IBGE, Diviso dos
bairros por Distritos Censitrios (GOLDANI, 1997) e classificados em:
Rico nos quais mais do que 75% dos residentes cabea de famlia recebemmensalmente o equivalente a 5 salrios mnimo ou mais;
Mdio rico nos quais de 50 a 75% recebem 5 salrios ou mais. Mdio pobre nos quais 25 a 50 % recebem 5 salrios ou mais, e Pobre at 25 % recebem 5 salrios (Quadro 1 - ANEXO D)
Esta etapa teve o objetivo de conhecer as caractersticas gerais dos jovens
entrevistados, alm de permitir a realizao de comparaes com dados encontrados
em outros estudos realizados com jovens que se encontram em situao de risco
pessoal e social, mais especificamente aqueles em situao de privao de liberdade.
A anlise desses dados foi realizada a partir de critrios de freqncia das
variveis investigadas, determinando as maiores e menores porcentagens por grupos
de informaes.
A terceira etapa de anlise teve o objetivo de organizar os dados referentes s
experincias dos jovens em atividades para conseguir recursos e acesso aos bens de
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36
consumo. Para isso, elaboramos a trajetria de vida de cada entrevistado,
representada atravs de uma linha cronolgica (Figura 1), na qual registramos:
(1) o nmero de ordem da internao na FEBEM e os seus motivos;
(2) as idades no momento das internaes e no incio das atividades;
(3) a durao de cada uma das atividades;
(4) o tipo e algumas caractersticas das atividades (forma como conseguiu,
quantia recebida, como gastava o dinheiro e motivo para a sua interrupo).
(5) os planos para a realizao, aps a ltima internao7, de alguma atividade
que lhes rendesse dinheiro ou ento que gostaria de aprender ou realizar
caso tivessem a oportunidade de escolha.
A partir das informaes contidas nas Linhas Cronolgicas das Estratgias
de Sobrevivncia foram definidas categorias de anlise referentes aos tipos de
atividade realizadas pelos jovens para conseguir recursos e para ter acesso aos bens
de consumo.
7 A internao em que se deu a entrevista.
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37
Para este estudo consideramos:
Atividade como sendo toda a estratgia de ao realizada pelo jovem com o
objetivo de conseguir recursos e acesso aos bens de consumo.
Trabalho foi utilizado para designar os tipos especficos de estratgias de
ao.
As atividades realizadas pelos jovens foram divididas em duas categorias:
Atividade Legal e Atividade Ilegal
3.7.1) Atividade Legal corresponde a todas as estratgias utilizadas
pelos jovens que, em parte, esto amparadas em princpios legais. Neste caso ento,
Figura 1 - Linha Cronolgica da Estratgia de Sobrevivncia do Entrevistado n 82 (17 anos 7srie incompleta)
Olhava carro -Fazia com um amigo-Comprava cigarro, roupas e ajudava a me- Parou porque no se interessou mais e porque a polcia ameaava.
Vendia vela no cemitrio- Fazia com u amigo- Parou porque vendeu pouco
3 anos
12 anos 14 anos
9 meses
Quando est aqui pensa que quer dar um breque, mas quando sai rua t diferente, difcil sair da vida.No tem o que gostaria de fazer.
Trfico de drogas-fazia com o scio da bocada- Obtinha R$ 100,00semana- Comprava roupas e armas e ajudava a me
Roubo- fazia com amigo - Quantia varivel- Comprava roupas, armas e drogas para vender e ajudava a me.
17 anos
1 a internao( roubo)
16 anos
Descarregar caminhes no supermercado Macro-Pai conseguiu o trabalho- Obtinha R$ 15,00/dia- Parou porque no gostava dos outros mandando nele e porque na rua ganhava mais do que no trabalho
2 a internao( roubo)
15 anos
3 a e 4 internao(homicdio)
4 meses
dc
e
f
g
-
38
o termo Legal pode derivar de,
Legal derivado do latim legalis, de lex(lei),entende-se, a rigor, o que se faz em conformidade lei ((grifo meu)), segundo preceito ou regra institudaem lei. Mas, em sentido amplo, legal no exprimesomente o que autorizado ou introduzido pela lei.Tambm se entende legal tudo o que se possa fazer outudo o que autorizado ou conforme ao uso e aocostume, ou est assentado pela jurisprudncia. Tem,por isso, o mesmo sentido de legtimo e de lcito.Legal, pois, em ampla acepo tudo o que nocontravm a princpio de Direito, seja institudo pelalei, pelo costume ou pela jurisprudncia. (DePlacido & Silva, 1993:56)
Nesta categoria consideramos dois tipos de trabalho: juvenil e em regime de
aprendizagem.
a - Trabalho juvenil: consideramos, neste estudo, todas as atividades
realizadas pelos jovens com idade mnima bsica de 14 anos ou mais, sendo
que o mesmo, atravs dela, recebe uma quantia de dinheiro em forma de
salrio mensal ou dirio. Exemplificando tem-se: servente de pedreiro aos 15
anos, recebendo R$15,00/dia (E32); padeiro aos 14 anos, recebendo R
$200,00/ms (E91)
b Trabalho em regime de aprendizagem: consideramos todas as
atividades de trabalho realizadas pelos jovens, com idade mnima inferior de
12 a 14 anos8, inseridos em programas de atendimento governamental ou no-
governamental, cujo pagamento era feito em forma de bolsa aprendizagem
8 Para este estudo ser adotada a idade mnima de 12 anos para trabalho aprendiz, pois, na pocaque os jovens realizaram essas atividades ainda estava em vigor a lei que determina o trabalhoaprendiz para jovens de 12 a 14 anos. Atualmente a faixa-etria adotada pela lei de 14 a 16 anos.
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39
prevista no ECA, Art. 64. Exemplificando: Office boy pelo Programa
profissionalizante Pr-Menor de Ribeiro Preto (PROMERP) com 13 anos,
recebendo R$ 70,00/ms. (E80)
Foram consideradas legais as atividades realizadas pelos jovens a partir da
idade mnima bsica de 14 anos, tendo por referncia a Conveno n 138 de 1973
proferida pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT). De acordo com essa
Conveno, a idade mnima bsica de ingresso do jovem no mercado de trabalho no
pode ser inferior idade em que cessa a obrigatoriedade escolar (15 anos). No
entanto, a OIT torna facultativo aos pases que no possuem economia e sistemas
escolares desenvolvidos, estabelecer a idade mnima de 14 anos, como o caso do
Brasil (ABBUD, 1997 ; OIT, 1994).
Optamos por definir as categorias, a partir das normas e princpios
trabalhistas estabelecidas pela OIT, pois:
- As normas e os princpios so criados atravs de discusses e
debate no frum internacional formados por governos,
empregadores e trabalhadores de diversos pases-membros,
incluindo o Brasil. As normas internacionais de trabalho,
emitidas pela OIT, so instrumentos jurdicos que
regulamentam aspectos relacionados com o trabalho, o bem-
estar social ou os direitos humanos. A partir do momento que
as convenes proferidas pela OIT so aprovadas cada pas-
membro assume um compromisso formal de aplicar suas
disposies.
- A questo do trabalho infantil tem estado entre as principais
-
40
preocupaes da OIT, medida que h crianas trabalhadoras
no mundo inteiro. A OIT entende que o conceito Trabalho
infantil deve ser aplicado a todas as crianas com menos de
15 anos de idade que trabalham ou se empregam com o
objetivo de ganhar o prprio sustento e o de sua famlia (OIT,
1993).
- Considera que fato comprovado a necessidade de muitas
crianas e jovens iniciarem atividades para ganhar dinheiro,
principalmente em pases com grande desigualdade social e
m distribuio de renda, portanto, a OIT aponta para a
necessidade de serem estabelecidas polticas pblicas que
efetivamente atendam s reais necessidades das crianas e
dos jovens, respeitando as peculiaridades do contexto no qual
fazem parte.
3.7.2) Atividade Ilegal corresponde a todas as estratgias utilizadas pelos
jovens que, em parte, no esto amparadas pelos princpios legais. Neste caso ento,
o termo Ilegal pode derivar de,
Ilegal derivado de legal, regido pelo prefixonegativo il, o mesmo que in no qual se substitui antesdo l, quer o adjetivo exprimir tudo que contravm aoprincpio da lei ou que possa exceder o seu teor.Empregado em equivalncia a ilcito e a ilegtimo.Mas, propriamente, seu significado sensivelmente sedistingue dessas duas palavras. O ilcito o que se fazcontravindo a proibio legal. sentido que se contmno ilegal, em parte, pois que o seu de maior
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41
amplitude, vai ao que a lei probe o excedente do queestava autorizado. portanto, o que no encontraapoio na lei ((grifo meu)) ou no est autorizadolegalmente. Quanto ao ilegtimo, possui esse sentidomais amplo, pois que como tal se considera nosomente o que seja contrrio a lei, mas tudo a quefaltar condio, julgada indispensvel para que surtacertos efeitos(De Placido & Silva, 1993:405).
Nessa categoria consideramos trs tipos de trabalho:
a - Ato infracional considerado pelo ECA como ...a conduta descrita
como crime ou contraveno penal (ECA - Ttulo III, Captulo I, Art.103)
realizada pelo jovem para conseguir recursos e ter acesso aos bens de
consumo, por exemplo: trfico de drogas aos 14 anos, obtendo R$ 100,00/
semana (E67)
b - Trabalho em situao de rua so as atividades realizadas pelos
jovens nas ruas que lhes revertem alguma quantia em dinheiro sem a mesma
estar vinculada ao pagamento em forma de salrio fixo dirio, semanal ou
mensal, como: olhar carro/moto estacionados aos 13 anos, obtendo em torno
de R$ 20,00/dia. (E67)
c - Trabalho infantil so as atividades realizadas pelos jovens com
idade abaixo da idade mnima bsica de 14 anos, atravs da qual o jovem
recebe uma quantia de dinheiro em forma de salrio dirio, semanal ou
mensal, como exemplo: cuidar de gado aos 10 anos, recebendo R$ 150,00/
ms (E13); pegar bolinha nas quadras de tnis aos 12 anos, recebendo R$
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42
100,00/ms (E78)
De posse das Linhas Cronolgicas das Estratgias de Sobrevivncia e das
categorias de anlise elaboramos trs quadros (Parte do Quadro 1 - ANEXO E) nos
quais os participantes foram distribudos a partir das atividades por eles realizadas
ANTES9 da primeira internao na FEBEM, segundo as categorias Atividade Legal e
Atividade Ilegal.
Cada quadro foi composto pelas seguintes informaes:
Dados de caracterizao geral: o nmero da entrevista, a idade do jovem no
momento da entrevista, o grau de escolaridade, o nmero de internaes na FEBEM,
a idade do jovem na primeira internao e o motivo das internao.
Dados sobre as estratgias de sobrevivncia: o tipo de atividade realizada
ANTES e DEPOIS da internao na FEBEM, a idade do jovem quando iniciou cada
atividade, o tempo que o jovem realizou cada atividade e a trajetria de realizao
das atividades.
Atravs destes quadros foram elaboradas tabelas de freqncia cujo objetivo
foi identificar quantos jovens haviam realizado cada tipo de atividade e caracteriz-
los para assim verificar se havia algum tipo de semelhana ou diferena entre cada
grupo e entre as caractersticas investigadas.
9Optou-se por essa distribuio para que fossem includos todos os entrevistados.
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43
Captulo 5
Resultados
5.1 - Caracterizao geral dos jovens entrevistados
A caracterizao geral dos 104 entrevistados foi realizada para subsidiar
a discusso dos dados referentes s estratgias de sobrevivncia utilizadas pelos
jovens durante toda as suas vidas, e tambm, provocar o surgimento de algumas
reflexes sobre as condies de vida desses jovens e seus direitos enquanto pessoa
em desenvolvimento. Atravs destes dados foi possvel obter um perfil da populao
investigada quanto a faixa-etria, grau de escolaridade, bairro de moradia, cidade e
estado de procedncia, nmero de internaes na FEBEM e a idade do jovem em
cada uma delas e os atos infracionais praticados em cada internao.
Atravs dos dados apresentados observamos que, independente do nmero de
internaes, a maioria dos jovens, representada por 91,3% (95) tinha idades entre 15
e 18 anos, sendo que 46,1% (48), concentrava-se na faixa-etria de 15 a 16 anos no
momento da entrevistas, e 45,2% (47) entre 17 a 18 anos.
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Tabela 1 - Distribuio dos jovens por faixa-etria no momento da entrevista, grau deescolaridade, bairros de moradia e cidade de residncia segundo a condio deinternao 2000.
Variveis Condio de internao1 internao 2 internaes Totaisn=44 n=60 n= 104
FAIXA-ETRIA % % %13 - 14 anos 6,7 (7) 2,0 (2) 8,7 (9)15 - 16 anos 20.2 (21) 25,9 (27) 46,1 (48)17 - 18anos 15,4 (16) 29,8 (31) 45,2 (47)
GRAU DE ESCOLARIDADE 1 - 4 srie 16,3 (17) 19,2 (20) 35,5 (37)5 - 8 srie 24,0 (25) 35,5 (37) 59,6 (62)1o 2o colegial incompleto 2,0 (2) 1,0 (1) 2,9 (3)Sem escolaridade - 1,0 (1) 1,0 (1)Sem informao - 1,0 (1) 1,0 (1) BAIRRO DE MORADIA Mdio-rico - 2,0 (2) 2,0 (2)mdio - pobre 9,6 (10) 15,4 (16) 25,0 (26)pobre 19,2 (20) 36,5 (38) 55,7 (58)Morador de rua 1,0 (1) - 1,0 (1)Outros bairros em outras cidades 12,5 (13) 3,8 (4) 16,3 (17)
CIDADE DE RESIDNCIACidade de Ribeiro Preto 29,8 (31) 53,8 (56) 83,7 (87)Municpios de Ribeiro Preto 8,6 (9) 2,9 (3) 11,5 (12)outros Municpios 3,9 (4) 1,0 (1) 4,8 (5)
Total 42,3 (44) 57,7 (60) 100 (104)
O mesmo se observa em estudos realizados com jovens autores de ato
infracional em So Paulo e no Rio de Janeiro. Observa-se que, independente do
nmero de internaes dos jovens, a faixa-etria de maior freqncia tambm foi de
15 a 18 anos. (ASSIS,1999 ; Dirio Oficial do Estado de So Paulo, 2000 ; VOLPI,
2001).
O estudo apresentado no Dirio Oficial do Estado de So Paulo (2000),
realizado pelo Ncleo de Violncia da USP-SP (NEV-USP) em parceria com a
Fundao SEADE (SEADE), as idades de 16 e 17 anos foram as de maior
ocorrncia, num total de 51,5%, resultado este tambm encontrado no presente
estudo, pois, 50,1% dos jovens entrevistados estavam com 16 a 17 anos no momento
da entrevista (Tabela 1 do ANEXO D).
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Refletir respeito da faixa-etria em que os jovens esto internados na
FEBEM extremamente relevante se formos considerar dois aspectos:
faixa-etria que corresponde a da adolescncia;
faixa-etria utilizada como argumento pelos movimentos a favor do rebaixamento
da idade penal para 16 anos.
Sobre a questo da faixa-etria correspondente adolescncia, SILVA (1999)
a caracteriza como um momento com processos de socializao bastante peculiares e
prprios da fase, pois, os mediadores sociais e culturais desta populao se diferencia
dos adultos e crianas e a forma de vivenciar e sentir os resultados de eventos
sociais, econmicos e culturais tambm so diferentes, ... uma vez que os recursos
e instrumentos de desenvolvimento so diferentes daqueles caractersticos do adulto
e da criana (SILVA, 1999:11).
Portanto, a autora chama a ateno para a necessidade de se considerar o
contexto de vida deste adolescente pois ser a partir dele que essa adolescncia ser
construda.
Como ser que esse jovem vivncia a sua adolescncia cuja marca de
FEBEM determina um contexto de privao de liberdade que interfere diretamente
nos seus p