Esto Es Arte Portugues2012
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página 1
ISTO É ARTE
de Gisele Ribeiro
Este texto gira entorno de uma discussão sobre o enunciado “isto é arte”
como desdobramento do procedimento de apropriação duchampiano, explicitado por
seus readymades, e seus efeitos na concepção de arte como um problema de
linguagem, conforme elaborado pela Arte Conceitual. Para tal, propõe-se uma
reflexão sobre a teoria de Thierry De Duve em “Kant after Duchamp”1, confrontando-
a com o texto “O Ato Criador”2 de Marcel Duchamp.
Investindo na potência da linguagem e sua indeterminação, o trabalho
também se propõe como obra. Isto é, a frase que encabeça este texto assume uma
dupla função: ser o título do trabalho e, ao mesmo tempo, o lugar de enunciado que
o coloca como arte.
Segundo Ricardo Basbaum, em “Migração das Palavras para a Imagem”3
além de abrir o campo da arte para o conceito de apropriação, que permite que um
objeto produzido industrialmente seja considerado arte, e expor a noção de um
circuito institucional como determinante legitimador da obra, percebemos as
manobras de Duchamp também como:
[...] um empreendimento nominalista que não somente perturba e reinventa a relação, aparentemente estável e natural, que liga as palavras às coisas [...] mas que sobretudo redefiniu ou indefiniu o sentido da palavra arte, a qual não se funda mais sobre as condições a priori de produção da obra [...] mas a partir das condições a posteriori de sua recepção, através do preenchimento das condições de enunciação de ‘isto é arte’ por três instâncias que se entrecruzam: autor, público e instituição. O ato plástico duchampiano se realizaria no intervalo que separa e que liga a palavra e a coisa, um intervalo de indeterminação, de acaso e liberdade.4
Com relação às reflexões de Thierry De Duve, este parte do problema
kantiano em torno do juízo de gosto e suas indagações sobre a frase “isto é belo”, a
fim de propor uma atualização do problema após as experiências de Marcel
Duchamp, substituindo o enunciado “isto é belo” por “isto é arte”. No entanto,
embora a preocupação de De Duve seja a de formular uma teoria que coloque a
palavra “arte" como um nome próprio, a defesa de que a frase é a expressão de
um “sentimento” que produziria o “juízo estético moderno” entra em confronto com a
1 DE DUVE, Thierry. Kant after Duchamp. Cambridge/Londres: MIT Press/October Book, 1998. 2 DUCHAMP, Marcel. “O ato criativo”. In: BATTOCK, Gregory (org.). A nova arte. São Paulo: Ed. Perspectiva, col. Debates, 1975. 3 BASBAUM, Ricardo. “Migração das Palavras para a Imagem”. In: Gávea, Revista de História da Arte e Arquitetura, Rio de Janeiro: vol. 13, nº 13, setembro, 1995. 4 LANG, Luc apud BASBAUM, R.. Idem, p. 383.
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idéia de arte como um conceito, tal como proposto por Joseph Kosuth. Tentaremos,
então, discutir a pertinência desta atualização de Kant, apontando algumas
contradições geradas por um outro olhar/leitura5 sobre a produção de Duchamp, o
que acaba por reaproximar nosso entendimento da palavra “arte” das propostas
conceituais. Não se trata, entretanto, de estender uma provocativa disputa entre os
campos da arte e da filosofia (“Art after Philosophy”6 depois de “Kant after
Duchamp”), mas de estabelecer um diálogo entre os campos que permita uma
compreensão da prática artística como um fazer prático-teórico, além de avançar as
investigações sobre a arte como lugar público, portanto, de encontro com o outro.
O trabalho se divide em quatro capítulos, todos tendo como ponto de partida o
texto de De Duve, que será utilizado tanto em sua versão original em inglês,7 quanto
na tradução para o português publicada na Revista Arte&Ensaios.8 Sendo assim, o
primeiro capítulo trata das possíveis interpretações da frase “Todo homem é um
artista”, proposta por Joseph Beuys, e de problemas relacionados a ela. O segundo
capítulo visa discutir a defesa, por parte De Duve, de uma passagem de um “juízo
estético clássico”, baseado no “juízo de gosto”, para um “juízo estético moderno”. O
terceiro capítulo pretende explicitar de que maneira o entendimento da frase “isto é
arte” como expressão de um juízo estético pode implicar a mesma romantização
exposta pela frase de Beuys no primeiro capítulo. O quarto capítulo, por sua vez,
propõe uma alternativa para a compreensão da nossa frase/título, onde a palavra
“arte” assume o lugar de um substantivo; discute a ambigüidade da negativa, “isto
não é arte”, e sua repercussão nas questões relativas à linguagem e sua
indeterminação.
Concluímos o trabalho indagando sobre os efeitos políticos da proposta,
defendendo o entendimento da palavra “arte” não como nome próprio, mas como um
nome comum, que abre um espaço comum para o diálogo.
5 “Viewer/reader” é o modo como Kosuth se refere ao espectador. Vide “Text/context: seven remarks for you to consider while viewing/reading this exhibition”. In: KOSUTH, Joseph. Art after Philosophy and After. Cambridge/London: MIT Press, 1991. 6 KOSUTH, Joseph. “Art after Philosophy”. In: Art after Philosophy and After. Cambridge/London: MIT Press, 1991. 7 DE DUVE, Thierry. Kant after Duchamp. op. cit. 8 DE DUVE, Thierry. “Kant depois de Duchamp”. Revista Arte&Ensaio, Rio de Janeiro, nº 5, novembro 1998.
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BEUYS E A FRASE “TODO HOMEM É UM ARTISTA”
A fim de entrarmos nas reflexões de Thierry de Duve com relação à frase
“isto é arte”, propomos que passemos antes pela questão – também da ordem dos
enunciados – levantada pela afirmação de Joseph Beuys, “Jeder Mensch ist ein
Künstler” (“Todo homem é um artista”), para daí tirarmos alguns problemas que
dizem respeito tanto ao pensamento geral de Beuys quanto aos sentidos das
palavras artista e arte que estarão na base da investigação sobre a relação entre o
trabalho de arte e o espectador (participador/público/visitante) transformado em
artista, através das considerações de Thierry De Duve sobre o juízo estético.
Il. nº 1. Joseph Beuys, Jeder Mensch ist ein Künstler [Quadro-negro (Todo homem é um artista) ], 1978.
Quando, nos anos 70, Joseph Beuys formulou sua célebre afirmativa “Todo
homem é um artista”, algumas interpretações foram divulgadas, inclusive pelo
próprio Beuys, cada qual com suas respectivas implicações. Interessa aqui a análise
de três possibilidades de interpretações:
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1) haveria em todo homem um potencial que o permitiria ser artista;
2) vida é arte ou vida = arte, logo todos que desfrutamos de uma vida
(humana) seríamos artistas;
3) todos que, ao se aproximarem de um trabalho de arte, “julgarem” se “aquilo”
é ou não arte, seriam artistas.9
A primeira interpretação é o que já era corrente. Embora, naquele momento, a
idéia da arte ligada a todo e qualquer homem não fosse uma exclusividade de Beuys
– visto o próprio grupo Fluxus, do qual ele fez parte –, o que parece pertencer a seu
projeto e fazer desta afirmação, “Todo homem é um artista”, algo tão propagado é
uma afirmação inscrita nesta frase. O que a frase realmente propõe é que “todo
homem é um artista”, e não que poderia ser, se assim o quisesse (a primeira
alternativa de interpretação).
No final da década de 60 a noção de arte como potencialmente presente em
qualquer homem, independente de “talento” ou “gênio”, era corrente. Mas na
formulação de Jack Burnham, por exemplo, onde a “única questão sensata” seria:
“por que nem todo mundo é [artista]?”10, percebe-se uma interrogação que se
diferencia muito da afirmação de Beuys.
O segundo exemplo de interpretação da frase traz também uma idéia
propagada por John Cage. Num investimento libertário de alargamento, ampliação,
do campo da arte a partir dos anos 60, a formulação vida igual a arte (ou arte igual a
vida) foi extensivamente divulgada, e talvez o seja até hoje. Beuys levou essa idéia
ao extremo transformando toda sua vida – suas atividades sociais, políticas,
artísticas e afetivas (incluindo suas relações de amizade com outros artistas e
colecionadores) – em seu trabalho.
Passados alguns anos, é óbvia hoje a importância desta ampliação, assim
como os inúmeros ataques às especificidades dos campos e a dissolução das
categorias (pintura, escultura, gravura) em arte em geral, mesmo que a questão da
autonomia da arte ainda seja um problema complexo.
No entanto, percebe-se agora que a necessidade insistente de igualar arte e
vida torna aparente um problema implícito nesta equação: uma oposição entre
cultura e natureza, ou se preferirmos, conforme Adorno, entre “baixa e alta
9 Esta interpretação diz respeito ao texto de Thierry De Duve. Idem. 10 Idem. p. 127, ou “Why isn’t everybody an artist?”. In: DE DUVE, Thierry, Kant after Duchamp, op. cit., p. 287.
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culturas”11, como se a própria arte já não fizesse necessariamente parte da vida,
como se ela já não tivesse uma atuação nos sistemas sócio-políticos, e não fosse
também impregnada por eles; como se não fizesse parte dos processos de
produção e já não fosse o artista um produtor.12
No uso que Beuys (e também Cage) faz desta equação fica aparente como
sua noção de “vida” está impregnada de um ideal mítico de natureza, uma
naturalidade “pura” e “livre”, e como a “arte” estaria contaminada por uma cultura
“suja” carregada de convenções pesadas, que ao se aproximar da “vida”, as
dissolveria e se purificaria.
A terceira interpretação é elaborada pelo teórico e crítico de arte belga Thierry
De Duve em “Kant after Duchamp.” Ele aponta para o readymade de Duchamp
como tendo sido o responsável por atribuir a qualquer homem o direito (e dever) de
julgar o trabalho de arte como arte, transformando-se assim em artista.13
Segundo Thierry:
Duchamp, ao contrário [de Beuys], nunca foi um utópico. Nada poderia estar mais afastado de seu modo de pensar do que a crença na criatividade universal. Seu tipo particular de arte, o readymade, não surgiu nem da crença, nem da esperança de que todos podem ou deveriam poder ser artistas. Em vez disso, reconheceu – e bem razoavelmente – o ´fato´ de que todos já tinham se tornado artistas.14
E continua:
Diante de um readymade, não existe mais qualquer diferença técnica entre fazer e apreciar arte. Uma vez apagada essa diferença, o artista abriu mão de qualquer privilégio técnico em relação ao leigo. A profissão artista foi esvaziada de todo seu mètier, e, se o acesso a ela não é limitado por alguma barreira – seja institucional, social ou financeira – deduz-se que qualquer um pode ser artista se assim o desejar. [...] quando uma mesma e única sentença afirma que ‘isto é arte’, serve para produzir um trabalho de arte e para julgá-lo como arte,
11 Hoje a questão da autonomia da arte é retomada com outra visão, mais ampla, segundo, por exemplo, John Roberts: “Importantly, this means transforming the relationship between high-art and popular culture in Adorno’s aesthetic theory. For it is the would-be fixture of this binary opposition between ‘high’ and ‘low’ that identifies the current historical limits of Adorno’s defense of autonomy and that of his contemporary philosophical defenders, who tend to see the art of the last thirty years as a falling away from the sensual achievements of modernism. The failure to acknowledge the expanded social content of autonomy on the part of these defenders is invariably the result of their condescension, outright hostility, towards mass culture and popular culture. Yet the expanded content of the art of the last thirty years is incomprehensible without a recognition of how the ‘low’ has challenged and reconfigured the ‘high’. But, breaking with this condescension towards the popular is not an invitation to dissolve the ‘high’ into the ‘low’, as in the populist tendencies of postmodernism. Rather, it allows the possibility of a dialectics of ‘high’ and ‘low’: that is, it reestablishes the opposition between ‘high’ and ‘low’ in the light of the contradictions inherent in both of its terms.” In: ROBERTS, John, “After Adorno: Art, Autonomy, and Critique”, parágrafo 24. (fevereiro/2001). Disponível na internet via http://apexart.org/residency/roberts.php. Arquivo consultado em 2012. 12 Referência à noção de artista como produtor de Walter Benjamin. 13 DE DUVE, “Kant depois de Duchamp”, op. cit., p. 128-129. 14 Idem, p. 128.
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como se tal afirmação transformasse quem a pronuncia – profissional ou leigo – em ‘artista’. Em outras palavras, é a mera conseqüência lingüística do direito – e do dever – de qualquer um e de todos de julgar a arte como arte.15
Torna-se evidente, então, que na concepção de De Duve, é o ato de “julgar” o
trabalho, pronunciando a frase “isto é arte”, que tornaria o espectador/visitante em
artista, e não, como propunha Beuys que todos já o fossem a priori, isto é, antes
mesmo de entrar em contato com qualquer obra.
Entretanto, o que interessa focar neste momento é o “se assim o desejar”.
Propomos, então, uma réplica à frase de Beuys:
Beuys: “Todo homem é um artista”
Réplica: “Mas todo homem quer ser um artista?”
Ao refutar a afirmação de Beuys com esta pergunta, pretende-se fazer
transparecer algo submerso: o fato de que para Beuys parece claro que todo homem
quer (ou deveria querer) ser artista, pois fazer arte seria fazer o bem. Para ele, arte é
algo necessariamente positivo, bom. Assim, Beuys consegue inverter o programa do
Fluxus, preocupado em desmistificar a arte, e projeta o inverso: levar o “homem” ao
bem por meio da “Arte.”
Mas como De Duve aponta, Beuys não era um artista Fluxus “exatamente
igual aos outros” e sua crítica à atuação de Marcel Duchamp diz muito sobre essa
diferença:
Eu o critico porque, no preciso momento em que poderia ter desenvolvido uma teoria com base no trabalho realizado, ele se calou. Sou eu, hoje, quem desenvolve a teoria que ele poderia ter desenvolvido. [...] Ele fez aquele objeto [o urinol] entrar no museu e percebeu que seu deslocamento de um lugar para outro o transformava em arte. Falhou, entretanto, por não chegar à conclusão clara e simples de que todo homem é artista. 16
Beuys dizia que “se o conceito de arte se tornasse antropológico, seria
totalizado e assim se referiria a toda criatividade humana, ao trabalho humano e não
simplesmente ao trabalho de artistas.” Ele indagava: “Por que deveria o termo arte
se referir somente ao trabalho de pintores e escultores?” 17
15 Idem. Nosso grifo aqui será comentado no quarto capítulo. 16 BEUYS apud DE DUVE, idem, p. 126. 17 BEUYS, J. "Questions to Joseph Beuys," entrevistado por Jörg Schellmann and Bernd Klüser, In “Joseph Beuys: The Multiples”, ed. Jörg Schellmann (Cambridge, Mass., Minneapolis, and Munich/New York: Busch-Reisinger Museum, Walker Art Center, and Edition Schellmann, 1977, p. 24). Disponível na
página 7
Mas, ao contrário, pode-se sugerir: por que a palavra – ou nome próprio como
diria Thierry De Duve –, “arte” deveria se referir a toda criatividade humana? Que
tipo de vantagem essa atribuição traria para as demais atividades? A de “elevar”
todas as atividades humanas a um “novo patamar”? Seria a arte este patamar onde
toda a criatividade humana desejaria chegar? Seria, para Beuys, “arte” um adjetivo
que deveria qualificar toda atividade humana?
Este esquema demonstra o romantismo do qual deriva a obra de Beuys,
discutido também no texto de De Duve:
Os estudantes de Paris podiam não ser conscientes das raízes românticas de seu movimento, mas Beuys, certamente, era. Foi Novalis quem primeiro concebeu a imaginação como “a mãe de toda realidade” e quem afirmou originalmente ‘Todo homem deveria ser artista’. Beuys sempre reivindicou este legado, assim como o de Hölderlin, de Schelling, de Friedrich, ou de Runge.18
Criatividade, em sua concepção, pertence ao domínio da arte. Quando declara
não ser ela o monopólio de artistas,19 o que pretende de fato é nomear todas as
atividades (criativas) de arte, como se o homem não tivesse sempre sido criativo ao
criar a roda, o telescópio, as pirâmides, a muralha da China, a teoria do
inconsciente, e também as imagens de Lascaux, a Monalisa e a bomba atômica.
Ser “criativo” é o que todo homem já é, e sempre foi, ao exercer qualquer
atividade, da química à marcenaria. Por que deveria, então, todo homem ser artista?
Por que deveria todo homem querer ser artista? O que de tão especial existe neste
título? Por que o fazer artístico o tornaria melhor do que o exercício de qualquer
outra atividade?
THIERRY DE DUVE E O JUÍZO ESTÉTICO
Por outro lado, a réplica elaborada no capítulo anterior também questiona as
reflexões de Thierry De Duve sobre o juízo estético. Para De Duve, criatividade
também faz parte do domínio da arte, e por isso deve ser associada ao juízo
internet via http://www.walkerart.org/archive/0/9C43F5AB0D3D8FBE6167.htm. Arquivo pesquisado em 2012. 18 DE DUVE, Idem, p. 127. 19 "Creativity isn't the monopoly of artists. This is the crucial fact I've come to realize, and this broader concept of creativity is my concept of art. When I say everybody is an artist, I mean everybody can determine the content of life in his particular sphere, whether in painting, music, engineering, caring for the sick, the economy or whatever. All around us the fundamentals of life are crying out to be shaped or created. [...] Our concept of art must be universal and have the interdisciplinary nature of a university, and there must be a university department with a new concept of art and science". BEUYS, J. “Statement” In: Art Minimal & Conceptual Only from an interview with Frans Hak, 1979. Disponível na internet via http://members.aol.com/mindwebart2/page184.htm. Arquivo consultado em 2001.
página 8
estético. Ao descrever o “coeficiente pessoal de arte” de Duchamp, De Duve afirma
que este dimensiona o ato criativo individual, e que “a criatividade é a pressuposta
faculdade universal de produzir arte.”20
Assim ele continua:
É por isso que, como veremos, uma leitura ‘kantiana-depois-de Duchamp’ da noção de criatividade de Beuys inevitavelmente trai o próprio Beuys. No entanto, oferece outra interpretação, radicalmente não utópica, de sua afirmação ‘Todos são artistas’. Concretamente, o sensus communis de Kant poderia ser recolocado, depois de Duchamp, como se segue: toda mulher, todo homem, educado ou não, qualquer que seja sua cultura, língua, raça, classe social, possui Idéias estéticas, que são ou podem ser, pelas mesmas razões, idéias artísticas.21
De Duve conclui então:
Considerada após Duchamp, a idéia kantiana de supra-sensível, ou seu sensus communis, considera um requisito da razão o fato de qualquer pessoa ser dotada, de jure, se não de facto, da habilidade de produzir arte. [...] A criatividade deve ser assumida como habilidade compartilhada pela humanidade [...] a fim de que a exigência de objetividade conceitual apresentada pelo julgamento ‘isto é arte’ – meramente estético e subjetivo, no entanto – seja fundamentada e justificada.[...] Seja a criatividade, como Kant disse sobre o gosto, ‘faculdade original e natural ou apenas a Idéia de uma faculdade artificial ainda por ser adquirida’, é obrigação ética supor que dela todos são dotados.22
Embora afirme ser uma obrigação ética supor que todos são dotados de
criatividade, De Duve ainda atribui tal criatividade ao domínio da arte. Assim como
faz coincidir, já sem problemas e em concordância com Clement Greenberg, idéias
estéticas com idéias artísticas. Ora, sabemos que um dos pontos mais controversos
no debate entre Greenberg e os artistas conceituais, mais precisamente Joseph
Kosuth, se dá sobre a relação entre “estética” e “arte”.
Enquanto para Greenberg, estética e arte são coincidentes, para Kosuth são
coisas distintas.23 De Duve aponta, inclusive, esta diferença como sendo derivada
das distintas visões que cada um dos autores tem do procedimento duchampiano.
Greenberg em seu Seminário 6 teria afirmado:
Demonstrou-se algo que de fato valia a pena demonstrar. Arte do tipo da de Duchamp mostrou, como nunca acontecera até então, o quão ampliada pode ser a categoria da experiência estética formal. Embora sempre tivesse sido verdade, tinha que ser demonstrada para que pudesse ser reconhecida como
20 DE DUVE, “Kant depois de Duchamp”, op. cit., p. 146. Primeiro grifo do autor citado, o segundo nosso. 21 Idem, p. 143. 22 Idem, p. 148. Grifo nosso. 23 “Conceito foi a resposta de Kosuth para gosto e beleza, e a separação entre estética e arte, sua alternativa para a total sobreposição de arte e estética em Greenberg”. DE DUVE. idem, p. 131.
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verdadeira.24
Desde então, [dos readymades de Duchamp] tornou-se mais evidente também que tudo o que pode ser experimentado esteticamente pode também ser experimentado enquanto arte. Em resumo, arte e estética não só se sobrepõem, mas coincidem.25
Enquanto para Kosuth:
É necessário separar a estética da arte porque a estética lida com opiniões sobre a percepção do mundo em geral. No passado, um dos dois destaques da função da arte era seu valor como decoração. Assim, qualquer ramo da filosofia que lidasse com a “beleza”, e portanto com o “gosto”, era inevitavelmente obrigado a discutir também a arte. A partir desse “hábito” surgiu a noção de que havia uma conexão conceitual entre a arte e a estética, o que não é verdade.26
O problema da abordagem de De Duve, contudo, é que considera a questão
em termos de antinomias e oposições, evitando aprofundar-se nos pontos
levantados tanto por Kosuth (a citação acima é somente parcialmente mencionada
no texto de De Duve, por exemplo) quanto pelo próprio Marcel Duchamp. Isto é,
para Kosuth (depois de Duchamp) “estética” e “arte” são coisas distintas, embora
não opostas. Logo, não se trata de considerarmos uma “Arte sem estética” versus
“Estética sem arte”, como faz parecer os irônicos trabalhos de N. E. Thing Co., ACT
(Aesthetically Claimed Things) e ART (Aesthetically Rejected Things).
Quando objetos são apresentados no contexto da arte [...], eles são passíveis de considerações estéticas assim como quaisquer objetos no mundo, e uma consideração estética de um objeto existente no reino da arte significa que a existência do objeto, ou o funcionamento em um contexto de arte, é irrelevante para o juízo estético.27
Isto é, segundo Kosuth, se todos os objetos no mundo são passíveis de
considerações estéticas, logo existem coisas ou “funções” que escapam esta
apreciação e que devem ser consideradas no contexto da arte, assim como o são no
uso cotidiano. O problema “estético” torna-se assim um dos possíveis modos de
análise a serem considerados dentro do problema “artístico”, mas não poderíamos
considerá-lo como “o” problema artístico.
No entanto, antes de continuarmos, é importante precisar que em ambos os
casos (para Greenberg e para Kosuth), “estética” é considerada como algo ligado à
24 GREENBERG apud DE DUVE, “Kant depois de Duchamp”, op. cit., p. 130 25 GREENBERG apud DE DUVE, Idem. 26 KOSUTH, J. “Arte depois da Filosofia.” In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (orgs.). Escritos de Artistas, Anos 60/70. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2006, p. 214. 27 Idem.
página 10
experiência diante de características formais, e mais precisamente visuais, do
objeto. É claro, então, que uma ampliação do termo “estética” levaria o problema a
um outro ponto, embora mesmo neste caso, do ponto de vista filosófico, é hoje
bastante corrente a idéia de que os problemas estéticos não podem ser reduzidos
aos problemas artísticos e vice-versa. Segundo Jean-Marie Schaffer, por exemplo,
esta coincidência (entre estética e arte) decorre de uma compreensão da “estética”
como “doutrina filosófica”; isto é, conforme uma determinada corrente filosófica
localizada historicamente.
Para descubrir si una reflexión dedicada a la relación estética pertenece o no a la doctrina en cuestión, podemos utilizar tres indicadores empíricos bastante fiables. El primero es el modo en que se aborda la cuestión del juicio (estético). El segundo es el modo en que se trata la cuestión del estatuto ontológico de las obras de arte. El tercero es el modo en que se encara la relación entre la dimensión estética y el terreno artístico.28
De qualquer modo, o importante aqui é considerar a não oposição entre
“estética” e “arte”, mas tampouco tomá-las como coincidentes, muito menos como
sinônimos. Neste caso, não haveria “arte sem estética”,29 mas seria possível haver
“estética sem arte”. O que torna as antinomias, derivadas do pensamento kantiano,
incompatíveis.
Ao insistir nesta oposição e passar superficialmente pelas colocações de
Kosuth, desconsiderando esta ausência de oposição entre “estética” e “arte”,
percebemos que De Duve dá mais atenção aos argumentos greenberguianos, o que
o permite estabelecer uma ponte mais efetiva com Kant, que aos argumentos dos
conceituais, deixando escapar uma interpretação importante do legado
duchampiano. Se em seu texto “A propósito dos readymades”,30 Duchamp menciona
uma ausência de critérios estéticos e uma “indiferença visual” na escolha dos
readymades, não é defendendo a possibilidade de se fugir por completo de tal
“juízo”, como contra-argumenta De Duve, mas tampouco que seria este “o” juízo que
determinaria a escolha do objeto.
Aqui reside, inclusive, a diferença óbvia entre um readymade e um objet
trouvé. O objet trouvé é um “objeto encontrado” no mundo ou na vida cotidiana, que 28 SCHAFFER, Jean-Marie. Adiós a la estética. Madrid: Ed. A. Machado Libros, 2005, p. 15. 29 Assim como não há “arte sem estética”, também não há “arte sem objetos”. Vide a conversa de Ian Wilson com Robert Barry. In: DE DUVE, Kant after Duchamp, op. cit., p. 297. 30 DUCHAMP, Marcel. “Apropos of readymades”. In: DUCHAMP, Marcel, et SANOUILLET, Michel, PETERSON, Elmer (org.). The writings of Marcel Duchamp. Nova York: Oxford University Press / Da Capo Press, 1973.
página 11
por suas características “estéticas” (ou para chamar atenção destas) mereceria ser
posto no campo da arte. A citação abaixo nos mostra claramente que não é este o
caso do readymade. Seu efeito mais potente está em resistir à apreciação estética e
ainda assim poder configurar-se como objeto artístico.
UM PONTO QUE QUERO MUITO ENFATIZAR É QUE A ESCOLHA DESSES “READYMADES” NUNCA FOI DITADA POR DELEITES ESTÉTICOS.
ESSA ESCOLHA ERA BASEADA EM UMA REAÇÃO DE INDIFERENÇA VISUAL E AO MESMO TEMPO COM UMA TOTAL FALTA DE BOM OU MAL GOSTO... DE FATO UMA COMPLETA ANESTESIA.31
Embora tenhamos que concordar com De Duve que tal “indiferença visual”
seja impossível,32 podemos entender que para Duchamp o importante não era seu
valor estético, mas um outro tipo de conformação que tornaria o objeto adequado ao
campo da arte, e não necessariamente à “estética”. Sabemos, só de olhar para um
deles, que não é a aparência “feia” ou “bonita” que faz do readymade arte (embora
não faltasse quem tentasse em vão apresentar interpretações formalistas deles).
Com o readymade, no entanto, a passagem do julgamento estético clássico para o julgamento estético moderno é trazida à tona, como a substituição de “isto é arte” por “isto é belo”. Afirmar que uma pá de neve é bonita (ou feia) não a transforma em arte, e a frase mantém seu caráter de julgamento estético clássico de gosto, referente ao design da pá de neve. A forma paradigmática para o julgamento estético moderno é a frase pelo qual a pá de neve foi instituída como um trabalho de arte.33
Se a citação acima deixa claro que para De Duve o “juízo estético moderno”
não é mais um juízo de gosto – sendo inclusive este ponto que o permite atualizar o
juízo kantiano de “isto é belo” para “isto é arte”–, o que parece ainda resistir como
problema é de que modo a frase “isto é arte” pode ainda ser considerada um “juízo
estético”, ou sequer um “juízo”. Isto é, se na modernidade “arte” e “estética” não são
mais coincidentes, tal qual demonstrado por Duchamp (e reforçado por Kosuth), a
frase indicaria um “juízo artístico”, não necessariamente “estético”. Por outro lado, se
não há valor positivo, a priori, na palavra “arte”, colocar ou não um objeto dentro
deste campo, seria ainda um juízo de valor?
31 “A point which I want very much to establish is that the choice of these “readymades” was never dictated by esthetic delectation. This choice was based on a reaction of visual indifference with at the same time a total absence of good or bad taste… In fact a complete anesthesia.” DUCHAMP, idem, p. 141. 32 DE DUVE, “Kant depois de Duchamp”, op. cit., p. 130. 33 Idem, p. 135.
página 12
ISTO É ARTE / ISTO É BOM
Para Clement Greenberg era claro que o julgamento artístico era um “juízo de
valor estético” e um veredicto de gosto; se isso não acontecesse, não haveria
“arte”.34 Já em Thierry De Duve, embora admitindo que na arte moderna o juízo
estético não coincide mais com o juízo de gosto, visto que não há um limite certo
entre um sentimento de “repugnância” [disgust] e aquele da “beleza”, ou de um
sentimento de “ridículo” e aquele do “sublime” (sendo estes os pólos extremos que
configuram as duas metades do domínio legislado pela “estética” tal qual proposto
por Kant), o que parece ambíguo, ou incerto, em seu pressuposto, é em que medida,
seu “juízo estético moderno” pode ainda ser considerado um “juízo estético” e se
seria ainda, também, um “juízo de valor”.
Entretanto, embora tentando deixar o “juízo de gosto” de lado, De Duve ainda
concorda com Kant, que o juízo estético é baseado em um sentimento, e em um
sentimento positivo. Assim, do mesmo modo que a atribuição “isto é belo” é
dependente deste sentimento, também o será o “isto é arte”. Se ambos os juízos
estéticos, o clássico e o moderno, estão atrelados a esta positividade, logo ambos
são também juízos de valor.
Deste modo, a atualização da frase “isto é belo” para “isto é arte”, só pode
acontecer se, a priori, considerarmos a frase como um julgamento estético baseado
em um julgamento de valor.
Logo, se
“isto é belo”: julgamento estético clássico
“isto é arte”: julgamento estético moderno
e
julgamento estético = julgamento de valor
então
“isto é arte” = “isto é bom”
É, inclusive, importante notar que diante da incerteza deste juízo estético,
descartado como juízo de gosto na modernidade (conforme comentado no primeiro
34 “It remains: that when no aesthetic value judgment, no verdict of taste, is there, then art isn’t there either, then aesthetic experience of any king isn’t there. It is as simple as that.” GREENBERG, “Seminar Seven” apud DE DUVE, “Kant depois de Duchamp”, op. cit., p. 136.
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parágrafo), De Duve recorra ao registro histórico, como tentativa de legitimação
deste “sentimento”.
Diante do registro histórico que diz respeito à esses casos cruciais, devemos abandonar Kant, e isso é importante para nos ajudar a entender por que o registro histórico apóia decisivamente (apesar de não provar) a tese de que “isto é arte”, aplicada a um readymade –ou a um Courbet, um Matisse, ou a qualquer coisa no gênero–, é um julgamento estético, mesmo que não necessariamente um julgamento de gosto.35
Nestas bases, ao contrário da tautologia de Kosuth, a “circularidade histórica”
de Greenberg seria a garantia da universalidade do julgamento estético?
Vemos, então, o problema da “beleza” (ou do “belo”) ser simplesmente
substituído pelo problema do “bem”, ou do “bom”, onde De Duve afirmaria, assim
como Beuys, que para ser arte o “isto” deve ser bom. Podemos considerar que esta
seria uma passagem do problema estético para o problema ético, no entanto, o que
é importante ressaltar aqui é que ambos estão considerando a arte como detentora
de uma positividade absoluta, seja ela a “beleza” ou o “bem”.
Kant: “Isto é belo” / Thierry de Duve: “Isto é arte”
“Isto é belo” / “Isto é arte” / “Isto é bom”
Nesta configuração, a palavra “arte” assume o lugar de um adjetivo, implicado
pelo juízo de valor. Entretanto, é interessante como De Duve resiste a esta
conclusão, agarrando-se a idéia da arte como nome próprio, quando em outro texto
comenta:
Ora, [arte] não é um predicado, é um nome próprio. Não há critério, há somente uma lista de obras que já fazem parte da minha coleção, e que me serve de ‘critério’; quero dizer, na verdade, de base de comparação. É por isso que o julgamento estético será mais da ordem do julgamento da existência do que do julgamento de atribuição. 36
Mas ao exemplificar o que seria sua coleção, já que seria ela a base de
comparação através da qual o juízo estético seria realizado, ele diz:
A palavra arte não é um conceito, é uma coleção de exemplos – diferente para
35 DE DUVE, idem, p. 136. Grifo nosso. 36 “Or, ce n’est pas un prédicat, c’est un nom propre. Il n’y a pas de critère, il y a seulement une liste d’oeuvres qui font déjà partie de ma collection, et qui me tiennent lieu de ‘critère’, c’est-à-dire, en fait, de base de comparaison. C’est pourquoi le jugement esthétique serait plutôt de l’ordre du jugement d’existence que du jugement d’attribution.” DE DUVE, Thierry, “Cinc réflexions sur le jugement esthétique”. In: Quarto, Revue de l’École de la Cause Freudienne en Belgique, nº 53, inverno 1993-94, p. 64.
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cada um. Colocarei alguns dos meus exemplos no esquema: de um lado, um conjunto que representa a palavra ‘arte’: a Gioconda, um Pollock, porque é um artista que gosto enormemente, um Cézanne, o pássaro de Brancusi, uma última quarta de Beethoven, um livro que gosto muito, etc.. Agora, quando desenho aqui, em outro conjunto que representa a palavra ‘isto’, o mictório de Duchamp, e digo ‘isto é arte’, eu não submeto esse objeto a um conceito, eu o faço entrar na minha coleção. É por causa disso que a frase ‘isto é arte’ é um julgamento estético, um julgamento comparativo. A palavra ‘é’, que exprime uma aparente identidade de essência, é o que estabelece uma comparação. Então essa frase é um batismo que aplica ao mictório de Duchamp um nome próprio, ‘arte’, aquele que já foi aplicado de alguma maneira a toda uma série de outros objetos que entraram na minha coleção através de uma operação semelhante a um batismo.37
O primeiro problema que sua coleção nos coloca é que, embora argumente
ser arte um nome próprio e não um predicado (um adjetivo), sua coleção
denominada “arte” (ou “Arte”?) abarcaria somente coisas que lhe agradam. Se o
conjunto “arte” só contém coisas boas, só posso fazer entrar neste conjunto aquilo
que “julgo” como positivo. Logo, o conjunto de outros também só deverá conter o
que é bom, tornando inclusive desejável a todos ter uma coleção. Mesmo que o
conteúdo do conjunto varie de um para outro, manter uma coleção seria algo
universal, do sensus communis, de interesse e vontade comuns.
O termo “batismo”, utilizado na citação acima, é bastante interessante
também, já que na religião católica será este ato que transformará o homem (cristão)
em um ser diferente, e acima, dos demais animais. Nesta lógica, “batizar” um “isto”
de “arte” não pode ser entendido como uma mera denominação, mas a atribuição de
um nome que o transforma essencialmente em algo positivo. De novo:
“Isto é arte” = “Isto é bom”
Não seria isto uma mitificação da atividade? Não estaria De Duve
aproximando-se do mesmo ideal romântico atribuído, por ele próprio, a Joseph
Beuys?
No entanto, se considerarmos que a base de seu argumento está em
Duchamp, afinal o texto propõe “Kant depois de Duchamp”, deveríamos recorrer a
concepção do artista sobre a palavra “arte”. No texto “O Ato Criador”, Duchamp
expõe como entende o termo (evitando contudo a tentação de definir o que seria
arte), colocando-o não como um adjetivo, tampouco como um nome próprio, mas
37 Idem, p. 54. Grifo nosso.
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indicando-o como um substantivo.
Antes de prosseguir, gostaria de esclarecer o que entendo pela palavra “arte” –sem, certamente, tentar uma definição. O que quero dizer é que a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas, seja qual for o adjetivo empregado, devemos chamá-la de arte, e arte ruim, ainda assim, é arte, da mesma forma que a emoção ruim ainda é emoção.38
Se voltarmos, então, e testarmos a proposta de Duchamp para a palavra “arte”
na frase de Kant, a substituição proposta por De Duve torna-se problemática.
Poderíamos conceber o “belo” como ruim, bom ou indiferente? Se este algo,
denominado “arte” pode ser ruim, bom ou indiferente, sua função é a de um
substantivo, um nome comum, cuja atribuição a “isto” simplesmente o denominaria,
e não o julgaria. Assim, uma leitura de Kant depois de Duchamp trairia tanto o
próprio Kant quanto, conseqüentemente, o próprio De Duve.
A tautologia proposta por Kosuth parece, assim, muito mais próxima da
concepção de Duchamp. Isto é, denominar algo como “arte” é simplesmente colocá-
lo em um campo, e não atribuir-lhe um valor exterior, seja este qual for. Como já
diria Ad Reinhardt, “arte é arte”,39 nada mais e nada menos que isso.
No entanto, ao invés de considerarmos a proposta como uma circularidade
“estéril”, podemos entender a operação, ou experiência, de denominar algo como
“arte” como aquela que efetivamente produz o trabalho e permite que extraiamos os
mais diversos sentidos, sejam eles positivos ou não. Aceitando a tautologia,
poderíamos ainda dizer “isto é arte, mas não me interessa”, ou “isto é arte, mas é
muito ruim”, ou “isto é arte, e...”
Outro problema, apontado pela última citação de De Duve e provocado pela
concepção da frase “isto é arte” como “julgamento estético” (a ser pronunciada por
todo e qualquer homem ou mulher) seria: se alguém não gosta da pintura de
Pollock, diria mesmo assim que “não é arte”? Seria possível rever os objetos já
inseridos na história da arte e julgá-los com nossos próprios “sentimentos” se aquilo
é ou não arte? Parece claro que sua lógica mascara o poder institucional, onde
qualquer julgamento em retrocesso sobre algo já apropriado pelo sistema, mediado
pela crítica, por colecionadores, pela história, enfim, pelas instituições, acabaria por
38 DUCHAMP, Marcel. “O ato criativo”. In: BATTOCK, Gregory (org.). A nova arte, op. cit., p. 73. 39 REINHARDT, Ad. “Arte-como-arte”. In: FERREIRA, G,; COTRIM, C. (orgs.), op. cit., p. 72.
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ser aceito como arte, nos moldes da circularidade de Greenberg40 quando diz que a
objetividade do gosto é atestada por sua durabilidade, “consensus over time.”
A objetividade do gosto é provavelmente demonstrada na presença e por meio de consenso que atravessa o tempo. E não há explicação para esta durabilidade –a que cria o consenso– exceto o fato de que gosto é, em última instância, objetivo. O melhor gosto, isto é, aquele que se faz conhecido pela durabilidade de seus veredictos; e nessa durabilidade repousa a prova de sua objetividade. [...] É o registro, a história do gosto que confirma sua objetividade, e é essa objetividade que, por sua vez, explica sua história. 41
Ainda no início do primeiro capítulo, na página 5, a citação de Thierry De Duve
já demonstrava o quão sorrateiramente passaria pelo problema institucional. Ele diz
(repetimos): “A profissão artista foi esvaziada de todo seu mètier, e, se o acesso a
ela não é limitado por alguma barreira – seja institucional, social ou financeira –
deduz-se que qualquer um pode ser artista se assim o desejar.” Seria possível não
haver barreiras, mediações? Principalmente se considerarmos que um dos aspectos
mais importantes levantados pelos readymades duchampianos é a posição da
instituição como constante legitimadora da obra enquanto “arte”? Pode-se concordar
com De Duve quando afirma que “julgamos” com nossos “sentimentos”, mas não
estariam estes sempre impregnados de convenções assimiladas historicamente?
Contrapondo, então, as formulações de De Duve à concepção da palavra
“arte” apresentada por Marcel Duchamp, a frase “isto é arte” resiste à sua função de
resposta a um “juízo estético”, ou mesmo a qualquer “juízo”, apresentando-se como
uma simples denominação, ao invés de uma “nomeação”42.
ISTO É ARTE / ISTO NÃO É ARTE
Se tomarmos a concepção da palavra “arte” como um substantivo, a noção
de De Duve sobre o campo da arte como um conjunto, uma coleção, pode tornar-se
útil (o que demonstra que o teórico belga não está tão distante das propostas dos
artistas conceituais como talvez quisesse crer). Cada vez que entrássemos em
contato com a frase “isto é arte” – seja ela explicitada verbalmente ou implícita em
40 De Duve utiliza a noção de jurisprudência, que em todo caso se assemelha bastante a circularidade apontada por ele mesmo em Greenberg. Jurisprudência: [Do lat. jurisprudentia.] S. f. 1. Ciência do direito [v. direito (13)] e das leis. 2. Conjunto de soluções dadas às questões de direito pelos tribunais superiores. 3. Interpretação reiterada que os tribunais dão à lei, nos casos concretos submetidos ao seu julgamento. 41 DE DUVE, “Kant depois de Duchamp”, op. cit., p. 137. 42 No sentido de atribuição de um título por mérito, o que conduziria a um nome próprio.
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uma situação institucional qualquer43 – poderíamos confirmá-la, aceitando-a, a partir
de uma comparação com os objetos e ações existentes em nossa coleção. Tal
conformação geraria uma confirmação: “sim, isto é arte.” No entanto, o que
aconteceria quando, depois de compararmos “isto” com a nossa coleção
denominada “arte”, não houvesse conformação; isto é, se concluíssemos “isto não é
arte”?
O teste (ou comparação) proposto por De Duve parece interessante ao
demonstrar que ao colocarmos um objeto (“isto”) em relação ao conjunto “arte”,
estaríamos já experimentando este objeto no contexto da arte, no campo artístico,
analisando suas possibilidades dentro deste sistema; e se acaso voltamos com este
objeto concluindo “isto não é arte”, mesmo assim já o teríamos experimentado como
43 “o artista escolhe um objeto e o chama de arte ou, o que se equivale, o coloca em um contexto que determina o fato do objeto ser considerado arte (o que de fato significa que, mesmo de forma privada ou solipsista, o artista já o denominou arte).” DE DUVE, “Kant depois de Duchamp”, op. cit., p. 141.
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arte. Isto é, a frase “isto não é arte” acaba por gerar seu contrário “isto é arte”. Daí
parte algumas declarações bastante recorrentes entre os artistas do círculo de
Kosuth. “Se alguém chama de arte”, diz Donald Judd, “é arte.” 44
Do mesmo modo, todas as propostas que se dizem “anti-artísticas” (que de
algum modo expõe o enunciado “isto não é arte”), mas que ao negarem sua relação
com o campo convocam a palavra “arte”, acabam fazendo sentido dentro do próprio
campo da arte, o que as coloca como “arte”.
A palavra “arte” torna-se assim também algo contagioso, que contamina de
sentidos os objetos que dela se aproximam. Como as “instituições” do sistema da
arte, por mais que se fuja delas, estariam sempre a espreita. Segundo Ronaldo
Brito, em “O Moderno e o Contemporâneo (o novo e o outro novo)”, seria a
consciência da incapacidade da arte de matar a própria arte –tendo em vista que “o
projeto moderno, convém lembrar, representou um esforço duplo e contraditório:
matar a arte para salvá-la”45– e da impossibilidade de fuga total da assimilação
institucional que viria a configurar a produção contemporânea.
Entendida deste modo, a denominação “isto é arte” não deixa de ser uma
institucionalização, onde a palavra “arte” serve tanto para produzir o trabalho quanto
para institucionalizá-lo. “Arte” seria a nossa mais tênue, fluida, e inevitável,
instituição.
Marcel Broodthaers é um dos que torna visível este aspecto, quando na
Sessão de Figuras [Section des Figures] de uma de suas montagens do “Musée
d’Art Moderne”, em 1972, inscreve a frase “Isto não é um trabalho de arte” [“This is
not a work of art”] em uma etiqueta próxima a um conjunto de objetos.
44 JUDD apud KOSUTH. “Art depois da filosofia”. In: FERREIRA, G,; COTRIM, C. (orgs.). op. cit., p. 216. 45 BRITO, Ronaldo. “O Moderno e o Contemporâneo (o novo e o outro novo)”. In: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte Contemporânea Brasileira: texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001, p. 202.
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Il. nº 2: Marcel Broodthaers. Musée d’Art Moderne, Département des Aigles, Section de Figures (detalhe),1968-1972 [aqui em Dusseldorf, 1972].
Aqui, a filosofia de Wittgenstein sobre a linguagem e sua indeterminação
também parece acrescentar algo à reflexão sobre a negativa em “isto não é arte”: ao
discutir, a título de exemplo, a negação “uma rosa não tem dentes” como uma frase
correta e verdadeira, mas que, entretanto, não deixa de provocar a pergunta “pois,
onde é que uma rosa teria dentes?”,46 o filósofo nos indica que se apontamos para
algo – este papel em sua mão, por exemplo – e dizemos “isto não é um elefante”,
temos que admitir que a mera investigação sobre a possibilidade “disto” ser um
“elefante” já o convoca a atuar na questão.
Podemos também entender o trabalho “One and three chairs” [Uma e três
cadeiras] de 1965, de Kosuth, como um trabalho que provoca uma oscilação frente a
possibilidade das três formas serem e não serem “cadeiras”. Embora tenhamos, em
realidade, uma fotografia, um texto escrito, e um objeto de madeira cuja função é
subtraída quando exposto como arte, todas as formas dão, de certo modo,
passagem à ideia de cadeira. A noção de que tanto a afirmação quanto a negativa
são verdadeiras, o que as retira de uma relação de oposição, demonstra a ligação
de Kosuth com o pensamento de Wittgenstein sobre a linguagem. Do mesmo modo,
é importante constatarmos neste trabalho a irredutibilidade de uma forma a outra, o
que faz com que o trabalho (este e outros de Kosuth) não defenda uma redução de
todas as experiências ao problema textual, conforme o acusam frequentemente. “A
46 WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 287 (Parágrafo 245).
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missão da arte conceitual não é trabalhar com palavras, mas com significados”, diria
ele recentemente.47
Il. nº 4. Joseph Kosuth, One and three chairs ,1965.
No entanto, em uma insistência conservadora, tanto Wittgenstein quanto
Kosuth serão descartados, sem muitas considerações, por filósofos e teóricos da
arte preocupados com a defesa da “estética” e da “arte” contra as excessivas
contaminações da linguagem. Neste campo de batalha é recorrente a atribuição ao
enunciado de estático, fixo, cuja “precisão determinante” ameaçaria a
“ambigüidade”48 da arte. O próprio De Duve critica o texto de Kosuth neste ponto:
Pode-se dizer que a confusão mais gritante de Kosuth está entre a lógica do gênero discursivo, que não necessita de referencial para comprovar sua validez em relação à proposição, e o gênero cognitivo, que requer a designação de um referencial para sua verificação.49
A filosofia de Wittgenstein, embora também alvo de ataques e categorizada
por alguns teóricos como “racionalismo neopositivista”50, ou “positivismo lógico”,
47 “La misión del arte conceptual no es trabajar con palabras, sino con significados”. KOSUTH, J. “J. Kosuth: “Vivimos un saludable estado de descontrol”. In: ABC Las Artes y las Letras 10-16. Espanha, Março, 2007, p. 32. 48 FRANCASTEL apud BASBAUM, R., “Migração das Palavras para a Imagem”. Gávea, Revista de História da Arte e Arquitetura, Rio de Janeiro, vol. 13, nº 13, setembro 1995, p. 379. 49 “Suffice it to say that Kosuth’s most blatant confusion is between the logical genre of discourse, which does not need a referent to assign truth value to a proposition, and the cognitive genre, which requires the designation of a referent for its verification.” In: DE DUVE, Kant after Duchamp, op. cit., p. 307. 50 “El abuso lingüístico precisa de amplios conocimientos interdisciplinarios, pero su oscurantismo y
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apresenta exatamente a passagem de um pensamento mais positivista, formulado
em seu “Tratado lógico-filosófico”, de 1922, para uma pesquisa direcionada à
indeterminação da linguagem tal como seria articulada na vida cotidiana, publicada
em seu livro “Investigações Filosóficas”, de 1953.
A linguagem real da vida não considera apenas as estruturas lógicas que se podem ordenar com perfeição e transparência. A linguagem real da vida mantém-se sempre em aberto e abrindo-se para usos sempre novos e jogos em contínua reformulação.[...] A linguagem real da vida cotidiana é este poder inaugural do caos, o poder em si indeterminado e indeterminável de toda determinação e indeterminação.51
Essa segunda fase de Wittgenstein – entendida como uma investigação em
torno da linguagem, sobre sua ambigüidade e sua função como sistema arbitrário de
nomes, ao mesmo tempo em que questiona a idéia da possível existência de algo
que pudéssemos classificar como linguagem particular52 – foi de extrema
importância para os artistas como Joseph Kosuth, além de oferecer um campo fértil
de experimentações para a arte conceitual como um todo.
“Language is not transparent”. 53
A importância desta defesa da indeterminação da linguagem em Wittgenstein
e nos artistas conceituais está na possibilidade de pensarmos a palavra “arte” como
um problema de significados sem que isto indique uma simplificação dos problemas,
ou uma perda das conquistas do campo quanto a sua autonomia relativa. A
preocupação com os sentidos atribuídos implicitamente à palavra “arte” não
pressupõe uma redutibilidade das experiências aos problemas de linguagem, ao
contrário, ao admitir a “opacidade” da linguagem tentamos colocá-la como problema
tão complexo quanto aqueles derivados de outros aspectos visuais. Não se trata
então da defesa da “leitura de imagens”, como método eficaz de acesso à obra,
conforme disseminado por grande parte da semiótica. O campo da arte é entendido
como um campo atravessado por diversos estímulos (visuais, textuais, sonoros...),
que não está alheio a questões relativas ao espaço que separa “as palavras e as hermetismo llega a ser irritante. […] Naturalmente, los conceptuales más puristas no han traducido literalmente los asertos de la filosofía semántica, pero de un modo similar al Tractadus sus escritos han tenido grandes pretensiones de precisión, decididos a eliminar toda ambigüedad y metafísica y, por otro lado, extraña su estilo oscurantista, así como la manera intuitiva y metafórica de exposición.” MARCHÁN FIZ, Simón. “Del arte objetual al arte de concepto (1960-1974)”. In: La sensibilidad “posmoderna”: antologia de escritos y manifestos. Madrid: Ed. Akal, 1986, p. 260-261. 51 LEÃO, Carneiro, “Apresentação”. In: WITTGENSTEIN, Ludwig, Investigações Filosóficas. op. cit., p. 8. 52 KRAUSS, Rosalind. Passages in Modern Sculpture. Cambridge/Londres: MIT Press,1977, p. 261. 53 BOCHNER, Mel, Language is not Transparent, 1969-1970, giz e tinta em instalação de parede. Dwan Gallery, Language Show. In: STILES, Kristine et SELZ, Peter, (org.). Theories and Documents of Contemporary Art: A Source Book of Artists Writings. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 1996, p. 829.
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coisas”. Pensar seu estatuto através da linguagem não indica que arriscamos uma
definição de arte. Ao contrário, o empreendimento visa uma ampliação do termo
através de um alargamento do seu sentido.
• • •
A concepção da palavra “arte” como substantivo coloca a frase “isto é arte”
fora do âmbito do juízo, muito menos de um juízo estético, já que “arte” não teria um
valor próprio, ontológico. Como um nome (comum e não próprio) “arte” seria a
designação de um campo, ativado pela frase, provocando que o “isto”, ação ou
objeto,54 seja pensado em relação a ele. Neste processo, considerações relativas ao
território da arte vêm à tona e começam a fazer vibrar tanto objeto quanto o campo,
contaminando-se mutuamente.
Quanto ao “perigo” (que assusta muitos conservadores e protetores deste
campo) de que a frase seja praticada indiscriminadamente, basta imaginarmos que
se algo é posto como arte será avaliado como tal. E assim, pode vir a configurar um
trabalho ruim,55 enquanto o mesmo “isto”, se posto como um objeto pertencente a
outra disciplina (ao design, por exemplo), pode funcionar de modo muito
interessante e positivo. O campo ao qual os objeto são vinculados não necessitariam
ser ativados por sua “aura”, como diria Walter Benjamin, ou status, mas ao contrário
como territórios que permitiriam extrair mais sentido da relação, neste caso,
potencializando tanto o objeto quanto o campo.
O rebaixamento da palavra “arte” – de um adjetivo de valor positivo para um
substantivo – permite que se lide com o campo como qualquer outro campo do
saber, evitando (o quanto possível) mitificações. Se dizemos “isto é matemática”,
não parece estar implícita na frase que o “isto” deveria ser a priori algo celebrável.
Conseqüentemente, havendo interesse, qualquer um poderia tranquilamente
se denominar “artista”, sem o risco de cair em uma grave presunção. Este “qualquer
um” pode ser entendido como “alguém” tal como exposto por Alain Badiou, em “Para
uma nova teoria do sujeito”:
54 Importante notar que entendemos aqui “objeto” de modo amplo, podendo configurar-se inclusive como um discurso oral. 55 Aqui sim, teríamos um juízo; mas deste não se trata este texto.
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Que se deve entender por ‘alguém’? Alguém, é, por exemplo, aquele espectador cujo pensamento é possuído por um espetáculo teatral. Ele entra assim na configuração de um momento de arte. Alguém é aquele que pesquisa um problema de matemática. De repente, após o ingrato labor em que saberes obscurecidos dão voltas sobre si mesmos, ele vê a solução. Alguém é o amante cuja visão do real é ao mesmo tempo obscurecida e transfigurada, porque ele rememora, apoiado no outro, o instante da declaração.[...] O apaixonado pela matemática, o espectador cativado, o amante transfigurado, o militante entusiasta manifestam pelo que fazem um imenso interesse. O comportamento habitual do animal humano é o que Spinoza chama de ‘perseverança no ser’. O que nada mais é que a busca do interesse, isto é, da conservação de si.” 56
O projeto político implícito neste trabalho reside, então, na tentativa de propor
uma concepção da palavra “arte” que possa ser entendida como algo acessível,
embora não necessária a todos. Quando considerada como um “bem”, acima das
demais atividades e experiências, a arte parece subestimar seus interlocutores,
“visitantes interessados”, obscurecendo as estruturas de poder implicadas na sua
institucionalização.
Se houver interesse, se assim o desejar, ao se aproximar de um trabalho de
arte, o visitante se tornaria, também, agente do trabalho, enfrentando-o e atribuindo-
lhe sentido. Este enfrentamento e interesse são gradativos e nem sempre positivos,
visto que nossa coleção “arte” (mantida somente caso haja interesse) não é estática,
mas um conjunto que se modifica a todo o instante, inclusive com a obtenção de
novas informações e reflexões.
Nossa frase/título “isto é arte” é entendida, portanto, como um enunciado que
ativa um campo através de uma denominação, abrindo um espaço comum, via um
nome comum, para início de conversa.
56 BADIOU, Alain. Para uma nova teoria do sujeito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 109-113.