Esqueci-me como se chama | Histórias e poemas de Daniil Harms
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Esquec i-me
Daniil harmsCOmo se chama
HISTÓRIAS E POEMAS DEGonçalo vianaI L
US
TR
AÇ
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DE
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ficha técnica
BRUAÁ EDITORAR. José da Silva Fonseca, 473080-140 Figueira da Foz
título
Esqueci-me como se chama
©texto
Daniil Harms
©ilustração
Gonçalo Viana
©tradução
Nina Guerra e Filipe Guerra
©revisão
Helder Guégués
©edição
Bruaá editora
design gráfico
Bruaá design
impressão
Norprint, Artes Gráficas S.A.
1.a edição
Setembro, 2011
isbn
978-989-8166-13-5
depÓsito legal
331965/11
Todos os direitos reservados.
t . +351 938 649 027f . +351 211 454 939
Esquec i-me
Daniil harmsCOmo se chama
HISTÓRIAS E POEMAS DEGonçalo vianaI L
US
TR
AÇ
ÃO
DE
4
ÍNDICE
O OURIÇOCORAJOSO
óleode peixe 18
6
20
14
12
UMA HISTÓRIANO
JARD
IM ZO
OLÓG
ICO
A CORRIDA
5
24
2826
22
UM CASOMISTERIOSO
COMO A MACHAOBRIGOU O BURROA LEVÁ-LA À CIDADE
ESQUEC I-ME
COMO SE CHAMA
O CIRCOPRINTINPRAM
30 Sobre o Kolka Pânkin,
o Petka Erchov Que Nãoque foi ao Brasil, eac
redi
tava
em n
ada
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– Pronto – disse o Igor, pondo um caderno em cima da mesa –, vamos escrever uma história.– Vamos – disse a Lenotchka, sentando-se na cadeira.O Igor pegou num lápis e escreveu:“Era uma vez um rei…”Aqui o Igor ficou pensativo e levantou os olhos para o tecto. A Lenotchka espreitou o caderno e leu o que o Igor lá tinha escrito.– Já existe uma história assim – disse a Lenotchka.– Como é que sabes? – perguntou o Igor.– Sei, porque li – disse a Lenotchka.– Então de que é que fala? – perguntou o Igor.– Bem, uma vez o rei estava a beber chá com maçãs e de repente engasgou-se, e a rainha começou a bater-lhe nas costas para o bocado de maçã voltar a sair da garganta. E o rei pensou que a rainha lhe estava a bater, por isso deu-lhe com o copo na cabeça. Aí a rainha zangou-se e bateu no rei com o prato. E o rei bateu na rainha com a tigela. E a rainha bateu no rei com a cadeira. E o rei levantou-se e bateu na rainha com a mesa. E a rainha fez tombar o aparador em cima do rei. Mas o rei saiu de baixo do aparador e atirou a coroa à rainha.Então a rainha pegou no rei pelos cabelos e atirou-o pela janela. Mas o rei entrou de novo no quarto por outra janela, pegou na rainha e enfiou-a no fogão. Mas a rainha saiu pela chaminé para o telhado, depois desceu pelo pára-raios até ao jardim e voltou a entrar no quarto pela janela. O rei nessa altura estava a acender o fogão para queimar a rainha.
UMAHISTÓRIA
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A rainha foi sorrateiramente por trás do rei e empurrou-o. O rei foi assim projectado para dentro do forno e ardeu todo. É esta a história – disse a Lenotchka.– Uma história muito estúpida – disse o Igor. – Eu queria escrever uma completamente diferente.– Então escreve – disse a Lenotchka.
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O Igor pegou no lápis e escreveu:“Era uma vez um bandido…”– Espera! – gritou a Lenotchka. – Já existe uma história assim!– Não sabia – disse o Igor.– Mas é claro que existe – disse a Lenotchka –, será que não conheces a história de como um bandido, fugindo dos guardas, saltou para cima do cavalo, mas não acertou e caiu do outro lado no chão? O bandido praguejou e voltou a saltar para cima do cavalo, mas de novo calculou mal o salto e caiu do outro lado no chão. O bandido levantou-se, brandiu o punho, saltou para cima do cavalo e falhou mais uma vez e caiu do outro lado, estatelado no chão. Aí o bandido sacou a pistola do cinto, disparou para o ar e saltou de novo para cima do cavalo, mas com uma força tal que falhou o salto mais uma vez e esborrachou-se no chão. Então o bandido arrancou o chapéu da cabeça, pisou-o e saltou novamente para cima do cavalo e de novo falhou o salto, esborrachou-se no chão e partiu a perna. O cavalo afastou-se para o lado.O bandido, coxeando, correu para junto do cavalo e deu-lhe um soco na testa. O cavalo fugiu. Nesse momento apareceram os guardas, agarraram no bandido e levaram-no para a prisão.– Bem, então quer dizer que não vou escrever sobre o bandido – disse o Igor.– Então vais escrever sobre quem? – perguntou a Lenotchka.– Vou escrever uma história sobre um ferreiro – disse o Igor.
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O Igor escreveu:“Era uma vez um ferreiro…”– Também já existe uma história assim! – gritou a Lenotchka.– Então? – disse o Igor e pousou o lápis.– Então não sabes – disse a Lenotchka. – Era uma vez um ferreiro. Um dia, estava ele a forjar uma ferradura, e levantou o martelo com tanta força que o martelo se soltou do cabo, voou pela janela, matou quatro pombos, bateu contra uma torre de incêndio, desviou-se para o lado, partiu o vidro da casa do comandante dos bombeiros, voou por cima da mesa à qual estavam sentados o próprio comandante dos bombeiros e a mulher, furou a parede da casa do comandante dos bombeiros e voou de novo para a rua. Na rua derrubou um poste de lampião, fez cair no chão o vendedor de gelados e bateu na cabeça do Karl Ivánovitch Schusterling, que por momentos tinha tirado o chapéu para arejar a cabeça. Depois de ter batido na cabeça de Karl Ivánovitch Schusterling, o martelo ricocheteou para trás, de novo atirou ao chão o vendedor de gelados, empurrou do telhado dois gatos que andavam à luta, fez cair uma vaca, matou quatro pardais, voltou a irromper na forja do ferreiro e foi encaixar-se no seu cabo, que o ferreiro continuava a segurar na mão direita. Tudo isto aconteceu tão depressa que o ferreiro não reparou em nada e continuava a forjar a ferradura.
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– Significa então que já foi escrita uma história sobre um ferreiro, por isso vou escrever uma história sobre mim próprio – disse o Igor e começou a escrever:“Era uma vez o Igor…”– Sobre o Igor também já existe uma história – disse a Lenotchka. – Era uma vez um rapaz chamado Igor, e uma vez ele foi ter com…– Espera – disse o Igor –, eu queria escrever uma história sobre mim próprio.– Sobre ti também já foi escrita uma história – disse a Lenotchka.– Não pode ser! – disse o Igor.– Acredita que foi – disse a Lenotchka.– Mas onde? – admirou-se o Igor.– Olha, compra o livro ESQUECI-ME COMO SE CHAMA, e lá poderás ler uma história sobre ti próprio – disse a Lenotchka.O Igor comprou o livro ESQUECI-ME COMO SE CHAMA e leu exactamente esta mesma história que tu acabaste de ler.
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– Já foste ao jardim zoológico?– Já.– Viste o leão?– Aquele com a tromba?– Não, esse é o elefante, o leão não é assim.– Ah, um com duas bossas.– Não! Com uma juba!– Ah! Sim, sim, com a juba, aquele com um bico.– Mas qual bico! Com presas.– Sim, com presas e asas.– Não, isso não é um leão.– Então é o quê?– Não sei. O leão é amarelo.– Sim, amarelo, quase cinzento.– Não, é mais quase vermelho.– Sim sim sim, com uma cauda.– Sim, uma cauda e garras.
NO JARDIM ZOOLÓGICO
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– Qual quê! Não existem ratos com asas.
– Mas que raio de leão é esse?! Isso é antes um rato.
– Já sei! Com garras e do tamanho de um tin
teiro!
– Bem, então é um pássaro.– É isso. Eu também acho que é pássaro.
– Eu estava a falar-te do leão.– E eu também, do pássaro leão.
– Mas achas que o leão é um pássaro?– Parece-me que é um pássaro.
E ainda por cima está sempre a chilrear:
– Com a cabeça redonda?– Sim, com uma cabeça redonda.
– E voa?– Voa.– Então digo-te já: é um tentilhão!
– Pois claro! É isso mesmo: um tentilhão.
– Mas eu perguntei sobre o leão.
– Pronto, o leão não vi.
– Isso mesmo. Cinzentinho e amarelinho.
“TURLI - TIRLI TUT - TUT - TUT”– Espera! Não é aquele cinzentinho e amarelinho?
– Pois claro.
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fIM
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Daniil Harms, de seu nome verdadeiro Daniil
Ivánovitch Iuvatchov, nasceu em S. Petersburgo
em 1905. Perseguido pelo regime e impedido
de publicar (um par de poemas é tudo quanto
consegue publicar em vida), Harms, tal como outros
autores seus contemporâneos, consegue sobreviver
escrevendo para revistas infantis. Estes textos,
muitas vezes desafiando os moldes da produção
literária didáctica e temente ao regime, acabam por
atirá-lo para a prisão por duas vezes. Da segunda
vez, Daniil Harms já não sairá com vida. Morre de
fome a 2 de Fevereiro de 1942.
Com Leninegrado já cercada pelo exército nazi,
a sua mulher, Marina Malich, e o seu amigo Iákov
Drúskin regressam à casa onde viviam, quase
destruída por uma bomba, e recuperam a mala
onde Harms havia guardado os seus manuscritos,
salvando assim uma obra que só vinte anos depois
começaria a ser divulgada e publicada na URSS.
ESQUECI-ME COMO SE CHAMA é o nosso
pequeno contributo para que cada vez mais leitores
possam conhecer e celebrar uma das vozes mais
originais da literatura russa do século XX.
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ISBN 978-989-8166-13-5