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    E S P I R I T O D E V I E I R A

    ou

    SELECTA

    D E

    P E N S A M E N T O S E C O N Ô M I C O S , P O L Í T I C O S ,

    M O R A E S , L I T T E R A R I O S ,

    C O M A B I O G R A P H I A

    DESTE CELEBRADO ESCRIPTOR.

    A P P E N D I C E

    A O S

    ESTUDOS DO BEM-COMMUM.

    P O R

    JOSÉ DA SILVA LISBOA.

    O que unicamente des ejo , he ver o Reino unid o, fiel, e obed iente;

    x>s meios de sua conservação pro m pto s, e bem app licado s; e para mi m,

    acabar o resto dos dias na minha Missão.

    Vieir.

      Cart.

      Rom.

    RI O DE JANE I RO. NA I MPRE SSÃO RE GI A.

    1 8 2 1 .

    Com Lice?iça.

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    A D V E R T Ê N C I A .

    A

    Inda que na parte I. dos

      Estudos- à« Bem-

    Cornmum

      não enumerasse ao Padre Antônio Vieira

    en tre os Escriptores Nacionaes sobre objectos de E co

    nomia política, por não ter composto obra dirccta acer

    ca das m atérias concernentes ; comtudo , tendo sido

    hum Colosso de saber nas letras divinas e hum ana s

     do>

    seu te m p o , na Pa rte I I I . t ranscrevi varias suas passa.

    gens relativas á assumptos an álogo s, annun ciando ten-

    çáo de ofFerecer luima  Selecta  de outros por  Appendice.

    M a s ,

      como a edição dos ditos

      Estudos

      em to

    das-  as Partes do Plano exige tempo; e ora he no

    tório o desvia da atten ção pu blic a á acenas improvisa»

    nos Reinos da Europa; sendo por isso importante

    que se diflundão em maior esphera as sãas doutrinas

    do di to Gran de M estre e Pregoeiro da Lealdade Na

    cional, as quaes são menos conhecidas, por se acha

    rem dispersas em seus  . numerosos escriptos , que ra

    ra s pessoas hoje possuem e lê m ; pareceo-rae conve

    nie nte ir j á publicando a annun ciada Se lecta ; afim de

    oppôr o Espirito de Vieira ao Espirito do Século.

    Aos que menosprezão

      Lição Pátria

    , e se dirigem

    sem ca ute la, nem prud ên cia , por vários escriptos

    «eduetores da Hespan ha e F ra n ç a , que ora correm

    devassos no vulgo , seja-me licito fazer a seguinte

    Adv ertência do nosso Historiador da Descoberta do

    Brasil no Prólogo da Década I I I . " Traz-se quasi em

    Provérbio. =

      Os Hespanhoes se governão p elo pre

    sente, e os Francezes pelo que está por vir.  = Não

    convém olhar sempre as cousas presentes, mas a re

    volução que «lias tem do pretérito para o futuro.

    Porque o seu curso natural he hum bem correspon

    der á outro, e hum mal á outro mal; por estarem

    as cousas futura s sujeitas a terem as vezes que j á

    tiverão, quasi como hum curso circular. — Não re-

    *i i

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    II

    provamos 09 exemplos da historia dos outro s povo»

    mais que na precedência de anteporem aos naturaes

    c familiares de casa; porque ahi ha grande perigo,

    em que pode incorrer a gen te de tenro juízo , que

    são os mancebos. Para não se corromperem com algum veneno de damnosa lição, diremos o que Pla

    tão diz em nome de Sócrates; que mais grave he o

    perigo no acceitar a disciplina ou lição de liv ro s,

    que no comprar as cousas do mantimento de que vi

    vemos. Porque este, da Praça não se leva logo no

    estômago, mas em cousa, que, se nel las houver al

    gum veneno, não pôde empecer, e ainda sobre isso

    temos o conselho do medico , que nos ensina quaes

    devemos come r, e quaes nã o; o que

      .

     não se fa i

    na compra de livros. Donde v em , que a peçonha

    da má dou trina , e leitura delles , lavra no animoprimeiro que assentemos no entendimento. — E com o,

    afim de bem obrar, o escriptores ordenarão as suas

    escripturas, aquellas são mas úteis e proveitosas pa

    ra ler, que mais movem para bem obrar. — As es

    cripturas que não tem esta utilidade de lição, além

    de se nellas perder tempo, que he a mais preciosa

    cousa da vida, barbarizáo o engenho, e escandalizai

    a alma. „

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    III

    DISCURSO PRELIMINAR.

    O Padre Antônio Vieira, ainda que bem

    conhecido como

      Pregador Regio

      em Por tugal ,

    e  Superior das Missões  no Brasil por Nom ea

    ção d 'El-Rei D . João IV . , não goza neste Re ina

    do conceito de que he digno também como

    huma das boas Cabeças Poli t icas da Nação;

    havendo por isso sido encarregado de Com-

    missÕes Diplomáticas pelo mesmo Soberano

    em varias pr ineipaes Cortes da Europa, no

    tem po mais cr it ico do E st a d o , depois da

    Restauração da Monarchia,

    El-R ei D . João V ., 3 3 annos depois de

    falecido aquelle Orador de Seus Augustos

    Predecessores, desejou resusci tar a sua fa

    ma , que começava a de cl in ar , mandando

    imp rimir a Oração fúnebre do P ad re M a

    noel Caetano de Souza, Clér igo Regular da

    Divina Pro vid enc ia, com que o Conde da

    Ericeira solemnixara as Exéquias de tão il-

    lustre Ecclesiastico , tendo sido thema o

    texto da Ep. I I . de S. Paulo á Timotheo Cap.

    I . Vers. I I .

      Fui  constituído  Pregador

    ,

      Apóstolo,

    e Mestre das Nações.

    Em 1746 Anselmo Cae tano, Doutor na U ni

    versidade de Co imb ra, deo á luz em Lisboa hum

    Re sum o dos Sermõ es imp ressos do P . Viei

    ra em dous Volum es in 4-° com o titulo de

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    IV

    Vieira Abbreviado.

      Porém o progresso das

    «ciências e o de scr éd ito que sobreveio â

    Ordem dos Jesuítas *, e que occasionou a sua

    extincça o . concorrerão a de sapprec iar o Ori

    ginal, e o Extraeto, que se fizerão raros. Este

    mesmo Compêndio além disto. sendo mui

    succincto em alguns po n to s, e amplo em ou

    t r o s ,

      contém cousas incompatíveis com o

    actual melindre dos tempos.

    Perse verou comtudo sempre a reputação:

    do Author como hum dos Mestres do Idio-

    " Na epocha d a proscripção dos Jesuítas , e da ex

    tinc çao de sua Orde m , e confiscação de seus bens .

    apparecerão escriptos bem conhecidos , de mão sup erior,

    em Li sb oa , em que se intitulou por ironia ao Pad re

    Vieira o

      façanlwso Vieira,

      falecido havia mais de setten-

    ta annos. O seu Author prescindio do Conselho do Poe

    ta de A ugusto. — Perdoa ao Sepultado. — H a jus t iça

    em confundir o indivíduo benemérito com o Corpo que

    depois abusou da Confiança Real , e do seu Inst i tuto,

    qua l o mesmo Vieira d eclara no Sermão , que vem no

    To m. XIV . das suas Obras pag. 56 ? = " O Instituto da

    „ Co mp anhia professa consiste em renvmciar os bens

    „ pr óp rio s, e fazer próprios os male s alheios. Con siste

    , , em jeuuBciar es bens próprios, porque nenhuma Casa

    ,, professa d a Com panhia pode ter propriedade al gu m a,

    „ nem ainda para o Culto Divino, de que he tão ze-

    „ loza: e Consiste em fazer próprios os majes alheios,

    ,, porque esse he o voto e obrigação dos pro fess os,

    ,, acud ir aos males com mun s e dos provimos , como

    „ se forão pró prios , e particulares» „ = Ta l foi a ob

    servância religiosa do P. Vieira, como bem mostrou o

    seu Bi og rap ho , e especialmente se manifestou pelo z el o,

    e sacrifício da própria vida e fama, com que se osten

    tou exemplar na Religião e Hum anidade , qu an do , em

    fervoroso espirito de caridade, foi do Brasil á Portugal

    a defender contra os poderosos a Liberdade dos índios,

    obtendo por isso favorável Legislação.

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    ína Lusi tano, bem que houvesse discórdia

    de opiniões

     r

      quanto a preferencia do melhor

    Clássico, segundo declara o moderno Escr i-

    ptor do Diccionario Portuguez, Antônio de

    •Moraes Si lva, no Prólogo do mesmo, di

    zendo que os  Críticos tem cada hum o seu

    mimoso..

    O Ex."

    10

      M arquez d 'A gu iar , sendo Mi

    nistro de Estado dos Negócios do Brasi l ,

    foi o primeiro que excitou a curiosidade

    publica, t ranscrevendo e louvando var ias

    passagens dos Sermões de Vieira nas

      Notas

    à s suas TraducçÕes , que em 1810 e 1 811

    deo â luz nesta Corte do Rio de Janeiro

    d o =

      Ensaio da Critica'

      = e das —

      Epístolas

    Moraes •= de Pope. * Elle ahi insinua o m é

    rito da penna dèscriptiva do mesmo Vieira-, .

    e  se authoriza com o juízo do exímio Th eolo -

    •go e Ph ilólogo o P . Antônio P e re ir a , o q u al

    aaa Diss ertação incorporada no Tom . IV das

    -Mem órias Litterarias  da Real Academia das

    Sciencias de Lisboa, diz que o P. Vieira

    d e ra á Língua Po rtug ue sa o seu ul timo

      po-

    ümento e esplendor.

    Em 1820  Roberto Southey  no I I . e I I I .

    Tomo da sua

      Historia do Brasil,

      mostrou o

    m erecim ento do P . V ieira , e de seus escr i

    p t o s ,

      com tal profu são , q ue o relatório dos

    successos do M aranhão e P a r á , no mais

    importante período do estabelecimento des

    s a s Capitanias», he quasi l iteral ex traeto dos

    * Vai. I. p»g. 20 e 75. — Vol. II. 124 *  125.

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    VI

    seus Sermões e Cartas. Até lhe attr ibue o

    ter sido o Introductor da Caneleira e Pi-

    menteira da índia na Bahia.

    Além das obras impressas de V ieira ,

    sendo algumas fora do Reino, e até tradu

    zidas em varias Línguas, ha   manuscriptos  au-

    tographos

      delle na Re al B ibliotheca desta

    C o r te : o que hé prova da sua estimação.

    Destas inéditas não fiz extractos, nem das

    t idas por apocryphas no melhor cr i tér io,

    tal como a =

      Arte de Furtar. =

    N o meu fraco en tend er ainda que o

    P .  Vieira seja á muitos respeitos beneméri

    to da Pátria, e por isso com razão o seu

    Biographo o P.

      André de Barras,

      o intitulou

    Movo

     Apóstolo

      do Bras il, o  seu maior mérito,

    não he tanto a excellencia da Linguagem,

    como a elevação de Pensamentos, pelo enla

    ce com que une os dictames do Christianis-

    mo aos deveres de todas as classes, desde o

    So bera no até o minimo vassallo. Ainda que

    na

      Econômica

     seja mais pa rc o , e men os con

    forme aos actuaes adiantamentos dessa Scien-

    cia, com tudo na  Política  he abun dan te , e

    m ui sublime po r ser a sua base o Gov erno

    Theocrat ico, e a Lei da Graça.

    JEis os motivos porque arranjei este

    Promptuar io de alguns seus Pensamentos,

    que me parecerão interessantes, pela matér ia,

    ou fôrma. Ainda onde não ha novidade na

    doutr ina, e eccentr icidade de phantasia, o

    contraste do methodo de Vieira com o pre

    sen te , serve para a historia do progresso

    do Espirito Hu m ano. O meu trabalho he dlri-

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    y-i í

    gído somente a®   eomtm&o  dos estudiosos

    asp iran tes ao &erviço do So bera no . Ainda

    •assim he ju st o e nece ssário dar desco ntos

    ao gosto e ' modo de pens ar da idade em

    qnie essereveo o sublime Gênio Nacional, a.

    qoaera se dep o titulo de

      Ptrixtdpe dos Ora*

    dores Porátguezes.

    Este Varão Apostólico, nascido em Lisboa,

    •fea os se u s -estudos n o C olleg io. de Ed uc aç ão

    da Companhia de

      JBSUS

      na Bahia, onde veio

    depois tenmmar os seus dias, falecendo qua

    si nonagenark)

      -tem

     h&97. E oi-me isto não leve

    mot ivo de consagrar a lgum monumento d e re s -

    peito ao Nome immortal de quem tanto re«*

    com me ndou ( seg un do a sua prhrase ) cam i-

    ÍÈÍHX

      sem pre pela  Estrada Real da

      Verdade

      e

    Virtude;  e q u e , fazendo votos po r melho r

    sy stem a «cono mioo , . quasi em espir ito de

    •vatiemio, presa giou o fiaturp., ora ex pe rim en

    tad o Bem-Coiimium deste R ei n o, pela vin

    da , e es t ada da Cor te , des t ' a r t e havendo p re

    gado «a Cade i r a

     v

      Evang élica da Igreja da

    Misericórdia daquelía antiga capital do en

    tã o Vice-Reinado do Principado Ultramari-

    «WD.  Vio o Profeta Malachias em espirito

    aquella felicíssima jornada, que havia de fa

    zer do Ce o á ter ra o Red em ptor e R es-

    taurad or d o m un do ; e dando as boas novas

    a -todos ©s homens, como enfermos pelo

    peecado de Adão, d iz ass im: Alegra- te en

    fermo gênero humano, a legfa- te , e começaa esperar melhor de teus males, porque vi-

    j á o .Spl de ju st iç a , e te trará a saúde nas

    azas. Cumprida temos hoje esta tão espera-

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    VIII

    da profecia. — Alegre-se o enfermo Brasil,

    porque vê também cumprida em si aquella

    pr of ec ia, qu e havia de vir hum Sol d e jus*»

    tiça a restaurallo, que traria a saúde nas

    azas. — Atégora nada luz ao Brasi l , por

    mais que dê; nada lhe monta, e nada lhe

    ap rov ei ta , por mais que faç a , e se des

    faça. — Mas alegra- te, anima-te, e dá gra

    ças á D eos , que , já por m ercê s u a , es

    tamos em tem po , q u e , se concorrer-mos com

    o nosso suor , ha de ser para nossa saúde.

    Tudo o que der a Bahia, para a Bahia ha

    de ser ; tudo o que se t i rar do Brasi l , com

    o Brasi l se ha de gastar . — Presentemente,

    sendo tão particulares as conveniências do no

    v o g ov ern o d o n osso F E L I C Í S S I M O C É S A R ,

    que Deos guarde , se ja também nova, e

    mais exacta que nunca, a sujeição. respei

    to , e rev eren cia, com qu e todos os Va ssal-

    los da mesma M agestade o ve ne rem , e obe-

    deção. — Esta he a f ineza do nosso caso,

    respei tando e obedecendo ao ORIGINAL

    S O B E R A N O , n ão n as i m ag en s , i q u e a t ég o r a

    cá se mandavão, senão nos naturaes da nos

    sa mesma terra. — " Neste Estado* ha num a

    só Vontade, hum só Entendimento , e hum

    só Po der qual o de Quem o Go verna. * „

    Eis como acclamou a I . Restauração do

    Reino , e a Con stante. Lealdade da B a h ia ,

    logo que ahi chegou tão boa no va Com

    que êxtase acclamaria a I I . Restauração na

    * Vide  Vieira Abbreviado tom. I. pag. 271 e seg.  :  e

    Cart. tom.

      III.

      pag . 15 . .

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    IX

    Presença do Invicto Libertador , que, vindo na

    sua feliz viagem.á Capital do Brasil , Se Resol-

    veq, qual Inclyto Argonauta, de Próprio Motu,

    H on rar prim eiro com a sua .Augusta Pe ssoa

    aquel la Cidade, tão bem t i tulada de

      S. Sal

    vador  ; e ahi logo pela C ar ta R egia de 28

    de Janeiro de 1808 Fazer o Manifesto do

    Seu Novo Sy stema de Comm ercio Fra nc o; e

    pelo Decreto de 23 de Fevereiro Crear huma

    Cadeira da  Sciencia Econômica,  Ordenando o

    seu estabelecimento nesta Corte, com a De

    claração no Preâmbulo de que " são neces

    sários os estudos desta Sciencia, para que os

    Meus fieis vassallos Me possão melhor ser

    vir ; e acha r-se o Brasil em circun stanc ias

    de se appl icarem alguns dos seus Pr incípios,

    sem que se caminha ás cegas, e com pas

    sos mui lentos

     „

      e ás vezes co ntrá r ios , em

    matér ias de governo? „

    A vista disto, espero que não seja pre

    cisa maior apologia, para também fazer con

    tr ibuir á Instrucção Publica nestas matér ias

    a erudição do

    r

      Padre Vieira,

      como na Par

    te I . pratiquei com a de

      João de Barros;

    vis to que o Mesmo Soberano, também de

    Motu Próprio, se Dignou Fazer-me a 'Mer*>

    cê da di ta Cadeira, e convém que as dou

    trinas econômicas tenhão o cunho do Cara

    cter Nacional .

      (

    Para , de a lgum modo, cor responder á

    R ea l Co nfiança , vendo a notória indece nte

    opposiçao (que ainda existe ) dos accexrimos

    e interesseiros sec tár ios„ do Sy ste m a, Colo

    nial, ora virtualmente extincto pelo Decreto

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    X

    da tJniSo dos t rês Reinos de Portugal , Bra

    sil , e Algarves , gradua lm ente fui dand o á

    Juz (n ã o sem algum effeito ) varias

     Memórias

    Econômicas,

      em demonstração das vantagens

    da Franq ueza do Commercio ê Ind us tr ia , e

    e de outros subsequentes

      Benefícios Políticos

    do No sso So bera no. P o r firn resolvi-me a

    publicar os meus

      Estudos,

      como obra mais

    systematica, considerando já caducas as ve

    lhas preoccupaçÕes.

    Por natural idade, e prof issão, dir igindo

    os m eus estudo s a sab er das cousas do Bra

    sil , conformei-me ao Juiz o qu e El- R ey D .

    João IV- formou do nosso Grande Homem,

    assim recomm endando ao Gov erno = " Con-

    „ suite o Padre Antônio Vieira com o conhe-

    , , c imento que tem de todo o E st a d o , e

    „ suas conquistas, as quaes correo e visitou

    „ todas em onze mezes; não havendo par te

    , , no mar r io s, e te r ra s , p or espaço de

    ,, quinhentas legoas, que não tenha visto e

    „ pizadõ. *

    E ra já tem po de tirar do olvido ( con

    tra a Seita dos Quinhèntistas ) o incompara-

    vel Méri to Li t terar io de quem tanto promo-

    veo a civilisação d o B ra s il , e no ma is diffi-

    cil empenho de dar aos salvagens indígenas

    instrú cçã o religiosa , e vida regular. Sen do

    Exemplar no ze lo do Bem-Commum, se as

    idéas do teníp o , e a ctíbiça dos Co lon os ,

    impossibili tarão a destinada extensão des bons

    effeitos do seu zelo , a s ua fama de ve se r

    * Cartas de Vieira Tom. II. -pag. 177.

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    X í

    sempre pura e esplendida. Não seja este

    Reino a  Terra do Esquecimento.

    A

      Real Academia das Sciencias ,de Lis

    boa , na Dissertação Preliminar do seu Diccio-

    nario em qu e fixou o devido conceito dos

    nossos C láss icos , fez justiça ao P ad re Antônio

    Vieira, colligindo os elogios que lhes tem

    feito Nacionaes e Estrangeiros, que até lhe

    derão o t i tulo de  Pai da Eloqüência Portu-

    gueza  :

      p or ém , pelas subtilezas do seu estilo ,

    dec ide com a senten ça de

      Quintiliano

      á  Seneca,

    que as suas obras seriao melhores, se as t i

    vesse feito com o próprio en ge nh o, m as com

    juízo alheio. Com reverencia á tão Alta Au-

    tfcor idade, cumpre-me dizer , que hoje nem

    Cicerj  e  Tácito  são havidos por m odelos da

    Ora tória e H isto ria ; aq ue lle ' por m ui florido,

    e este por mui lacônico. Reconheço que o

    nosso Orad or bem que tivesse o  dom da

    falia,  não teve sem pre economia na verda de.

    Mas esse defeito foi mais do tempo que do

    liomem. Além de que os Gênios tem privi

    légios exclusivos: o que he nodoa em es-

    cr ip tor ordinár io , he graça no preeminente ,

    e objecto de admiração, ainda cfue não em

    tudo de imitação. As obras destes originaes

    •assemelhão-se ás arvores de tronco arraigado

    cm ter re no viçoso que por mais que se

    decotem e desfolhem, semp re deixão a co

    lher, á mãos cheias, fructos e f lores. Per

    suado-m e que nas do Pa dre Vieira se acha

    rão passagens dignas dos Exemplares gregos

    e latinos. Convém se compensem as argucias

    Ja intell igencia com a riqueza da dicção.

    **

      JI

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    x i r

    Não he de razão condemnar , com os

    conhecim entos do século décimo no n o, e se

    vero escrutínio de crit ica transcend ente , os

    Litteratos do século décimo septimo. Os que

    assás contribuirão a enriquecer a Litteratura

    N acion al , e aos interesses da M onarchia, tem

    direito á perpetua gratidão e estima. Seria

    absurdo es pe ra r , que o Pa dre V ieira , fallan-

    d o ,  por exem plo , em  luz  e  moeda, empa

    relhe á

      Newton

      e

      Smith

    ; mas as suas paró

    dias semp re serão dignas de attenção á Le i

    tores cândidos , e dis cre to s, que sabem discernir o diamante do crystal . Por isso quan

    to pude , sem mutilação offensiva, ap ure i

    os extractos desta Se lec ta, desvelando-me na

    escolha somente das Obras que tiverão ap-

    provação em Ceftsura official, e que até se

    derão á luz sob os Reaes Auspícios.

    Inteiramente omit t i a obra de mera phan-

    tasia do

      Quinto Império,

      que só foi efFeito

    de paroxismo de amor da gloria do Throno

    Lu si ta no , que o insigne Diplomata desejava

    ver sobresahir no Th eatro P olít ico. Ahi fez

    a ten tativa de transc end er a esph era m ortal

    e  vér o-futuro.  Ainda assim convém dar ve-

    nia ao enthusiasmo patr iót ico no ta nd o- se ,

    que já hoje os Geographos eontão por  Quin

    ta Parte da Terra

      a

      AuUrolasia e Polyfltsia

    ,

    ( originaes des cob ertas d os nossos Arg ona u-

    tas * ) e qu e a Intell igencia e Indu stria H u

    mana ( segun do disse o

      Cantor do Oriente )

    Novos Mundos ao Mundo vão mostrando.

    *

      Veja-se o Supplemento á Encycloped. Britan. Vol. II.

    Pa rt. I . pag . 1 §. 2 , com referencia ao nosso

      Barros.

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    18/58

    X I I I

    Em tem po em q ue vemos a todas as N a

    ções , que avanção para a Riqu eza e Gran

    deza , porfiarem com em ula çã o, em assoalhar

    á Hum anidade os seus Heroes e Sá bio s, q ue

    illustrarão o próprio século, e Paiz, não nos

    he airoso desaproveitar a nobre  Herança Ja-

    ce/ite de tanta Opulencia Li t te rar ia , que e stá

    sepultada na poeira das Livrarias.

    Em conclusão: Sendo o Padre Antônio

    Vieira Honra do Reino U nid o; tendo P ort u

    gal o Brasão de lhe ter dado o nascimen

    to , app laus o , e cred ito ; e o B rasil p re -

    zando-se do Timbre de lhe haver dado o

    ensino , a s y lo , e Jazigo na Bahia , onde

    está o deposito de seus honrados ossos

    thesouro da Cidade;  tendo-se mostrado o Pa

    drão de Espirito Religioso e Civil nos he

    róico s sacrifícios , com qu e ( seg un do dis se

    no Prólog o da P a rt e I . das suas Ob ras )

    foi em toda a vida  occupado  no serviço  de Deos,

    e da Pátria;

      espero se perdoe dedicar esta

    Memória

      á

      Sombra de Grande Nome,

      atim de

    que o  Padre Grande  ( segu ndo o appellidavão

    os ín dio s ) seja d aqu i em dian te o  Pó Le

    vantado. *

      Esta Selecta, pelo menos, servirá

    á Mocidade de  Lição da Lingua.

    Se for nec essá ria m aior Apologia ao meu

    trabalho, offereço a que elle deo no dito

    Prólogo :

    " Se gos tas da affectação e pom pa de

    pala vra s, e do es t i lo , q ue chamão cu l to, não

    * He objecto de hum dos seus magníficos Sermões.

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    19/58

    XIV

    m e leias. Q uan do es te estilo m ais florecia,

    nascerão as pr im eiras verdu ras do meu ( q u e

    perd oará s q uand o encon trares ) : m as valeo-

    me tanto sem pre a clare za, que só po rqu e

    m e e nten dião , com ecei a se r o uvido : e o

    começarão também a ser os que reconhece

    rão o seu engan o e mal se ente nd ião a si

    mesmos. , ,

    " O nome de Pr im eira Pa r te com que

    sahe este Tomo, promette outras. Se me

    perguntas quantas serão ?  Só te pôde respon

    der com certeza o Author da vida. , ,

    Assim também digo a respei to das Par

    tes annunciadas no Frontispicio desta  Selecta,

    se t iverem Accei te Público. Não se espere

    achar com precisão em cada huma a matéria

    cor re spo nd ente , mas só a preponderante ;

    pois que todas as do annuncio tem entre si

    relações intimas, e difficeis de bem se extre

    marem. Aos Lei tores austeros só responderei

    com a justa queixa do nosso ant igo Poeta,

    transcripta no Diccionario da Real Academia

    das Sciencias de Lisboa:

    Por Constellação do Clima,

    Es ta Nação Por tugueza ,

    O nada estrangeiro est ima,

    O muito dos seus despreza.

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    XV

    A dita Real Academia no seu referido

    Diccionario transcreve© o juizo do P.  André

    de Barros,

      Biographo d© P . V ieira, dize nd o,

    fora dotado- d e tantas l u z e s , q u e , por si

    s ó ,  podia dar luz á toda a Lusitânia.

    Alguns Aristarchos de Portugal não só

    con testão este elo gio , mas até ecl ipsão a

    boa fama do Feliz Gênio, não vendo em suas

    obras senão chistes sentenciosos, t rocadi lhos

    dfe voc ábu los , arras tos da Es crip tura , c re-

    dulidade do vulgo. Çom semelhantes- censu-

    « í » ,

      os emulos de seu talento já em vida

    tanto lhe magoarão o espi r i to , que , sendo

    m ais de septuagenário â supplicas e instân

    c ias , obteve o refugiar -sè na Bahia - 'donde

    havia sahido havia quarenta annos, queixan

    do-se • d e

      ingratidões da Pátria,

      e dize ndo ,

    •que  os seus o não receberão.

    Estava reservado á Escr ip tores Est ran

    geiros apregoar na E urop a o méri to do Va

    rão Apostól ico.

    H e bem conhecido pelos Litteratos o

    panegyrico que lhe faz o

      Historiador  dos Es

    tabelecimentos dos Europeos nas duas índias;  o

    q u a l , t ra tando do B ra si l , t ranscreveò boa

    pa r te do ce lebrado S erm ão , que o P . Vie ira

    pregou na Igreja de Nossa Senhora d'Ajuda da

    Bahia, onde, no espir i to da mais pura lealdade,

    com sublimada g ra ça , e rel igioso ê x ta se , la

    mentou a invasão dos Hollandezes no per ío

    do da Dominação Hespanhol .

    O acima ci tado Bri tannico Escr iptor da

    Histor ia do Brasi l no tomo I I I . , suppo sto re

    conhecesse haver nos Sermões do Vieira ob-

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    21/58

    3CVI

    jectos de censura nas que int i tula

      parfes ty-

    picas e allegorkas, todav ia acclama o seu

    bom nome,

      aflirmando conterem essas

      compo

    sições extraordinárias  força de conceito', -feli

    cidade de expressão, estremada eloqüência- ,

    r ica ph anta sia, e , mais qu e tudo» 6 mani

    festo de  nobre coração, que const i tuo com

    just iça as suas obras o pr imor e t imbre dà

    Li t tera tura Por tugueza . Por i sso a té t rans-

    creveo varias passa gens no orig ina l, dizendo

    ser para  gosto dos amigos , confessando qu e

    lhe era impossível traduzillas, pelos singula

    res idiot ismos, e  estilo inimitável.

    Havendo-se pois recentemente em Paris

    e Londres feito esplendidas edições das obras

    do  Príncipe dos Poetas Portuguezes, Camões, o

    pat r io t i smo die ta , que nesta Cor te do Bra

    sil saia á luz, ao menos em miniatura, hu-

    ma collecção das doutrinas mais instruetivas

    do  Príncipe dos Oradores do Reino Unido,  que

    talvez superiormente contribuio á gloria da

    Coroa e Nação, e que além disto tem o

    particular mérito de haver sido o Defensor

    da Causa Liberal dos Indígenas deste Paiz.

    Nas actuaes circunstancias he especial

    mente at tendivel a seguinte  Lição clássica  d a -

    quel le Pregador Regio , com que applaudio

    a grat idão do Brasi l ; inspirou o dever da

    união de todos os vassallos pa ra amor á se u

    So be ran o, ainda que não tenha o a fortuna

    de viverem no lugar de Sua Residência; pro**

    pôs o Memorial do bom governo do Funda

    dor da Augusta Dynast ia Reinante , para Exem

    plar ao Pr íncipe He rdeiro e Bem -Com mum .

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    - X V I I

    " Ninguém diga que a terra do Brasil

    he ingrata: o agradecimento he fi lho do amor,

    e o amor ordinariam ente o tem po esfria , e

    a distancia apaga: porém o nosso agradeci

    m en to , como filho d e amor mais nobre

      t

    qual deve ser o dos R ei s, e da P át r ia ,

    nem o tempo com tantos mares em meio

    bastou a lhe esfriar o contentamento, nem

    as distancias tão remontadas para não ver

    e festejar as causas delle. „ *

    *' O primário effeito do amor he a união.

    S e alguém me ama ( diz Christo no Eva nge

    lho ) guarda rá o meu pre ce i to; e quem me

    não ama, não guardará os meus precei tos.

    Este effeito unitivo do amor he a Graça dos

    vassallos que amão á Seus Príncipes. Assim

    •como o amor de muitos preceitos faz hum

    só preceito , assim faça de muitos parec eres

    •hum só pa re ce r, de mu itos juízos

     >

      hum só

    juizo, de muitas vontades huma só vontade,

    •e de mu itos interess es hum só interes se. „

    " E-que interesse ha d e ser este? A Con

    veniência do Príncipe. O amor que tem outro

    interesse mais .,

    mais de enganado amor. Estavão tr istes os

    Apóstolos pela partida de Christo, e disse-

    lh es o S en ho r : se m e am areis verdadeira»-

    * # *

    —   • • — - . . . • .

    * Serm. Vol. X. pag. 505.

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    XVIII

    m en te , he cer to que havieis d e estar não

    tr istes, senão muito alegres nesta minha

    part ida. Pois, Senhor meu, a t r isteza pela

    auzencia não he amor? Em outras occasiões

    sim, neste caso não. O par t i r -me, e ausen

    tar-m e da te rr a , he grande Conveniência mi

    nha; porque vou tomar inteira posse do

    meu Re in o, e assentar -me no Thron o de

    minha gloria; e quem ama mais a minha

    Pres enç a que a minha Conveniência , nã o

    me ama fina e fielmente. Todos amão á

    porfia a Pre sen ça e Assistência do P rín ci

    p e ;

      não sei se porfiamos tanto por suas

    Conveniências: se he amor, não chegue a

    ser c iúme. . . Senhores , já que o nosso

    amor he racional, queiramos o possível. As

    sistir todos com o Príncipe m orar com o

    Príncipe, não pôde ser : amar o Pr íncipe a

    todos , e morar o Pr íncipe em to do s, isso

    he o que pôd e s er : contentemo -nos com e ste

    modo de amor; contentemo-nos com este

    modo d e G ra ça , ( ainda que seja men os v i

    sível ) e esta rem os todos contentes» *

    " A Graça que queria pedir ao Divino

    Espir i to por par te do Príncipe ( que Deos

    nos guarde ) , não he Graça n ov a, senão an

    t ig a, e su a. . . Tome este por t imbre e

    empreza de suas acções retratallas todas

    pelas do glorioso e invictissimo Libertador

    El-Rei D . João o IV . , Ne ste l ivro , nes

    te ex em pla r , neste e spe lho, Se nho r , estudar

    » Serm. Vol. XIV. pag. 33.

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    XIX

    f à   j imi tará, , e v e r á V . A. (co m o tem deli

    be rad o ) toda s as acções generosas , todos

    os attr ibu tos Re aes e todas as virtudes

    heróicas de hum Soberano Christão perfeito.

    Para com Deos, a Rel ig ião , a p iedade, o

    fcelo: para comsigo a temperança, a modés

    t ia , a so brie da de : para os su bd ito s, a pru

    dên cia , a jus t iç a , a c lemência : para com

    estran ho s a vigilância, a fortaleza , a ver

    d ad e .

      Verá V. A. hum valerosissimo Rei

    cercado sempre dos maiores per igos, mas

    nel les acautelado igualmente, e confiado: na

    confiança com recato, na cautela sem temor,

    no per igo com magnanimidade. Moderado, mas

    a moderação t com decên cia,; affavel m as a

    affabilidade com respeito; l iberal, mas a

    iiberalidade com medida.

      .

     A M agestade sem

    effectaçao ,

    c

      o Senhorio sem fasto , o M ando

    «em depend ência. Ve rá V. A. hum coração

    a l to

    r

    ,

      talhado para grandiosas emprezas, más

    c i r cunspec to e p ruden te ; p ruden te , porque

    aco nselh ado ; e bem aconselhado, porque com

    os melhores. Pacifico por inclinação; belli-

    coso por necessidade; victorioso contra seus

    inimigos se m pr e, porqu e sempre refer io £

    Deos as victorias. Bemafortunado em tudo,

    mas nunca al t ivo; porque, sendo tão gran

    d e a sua fo rtu na , era maior o seu peito .

    Observantissimo em recatar os segvedos pró

    pr ios , f idelissimo em gua rdar os alh eio s:

    •e  em sab er , e penet rar os es t ra nh os, v ig i -

    lantissim o. Cu idava de no ite o quei havia d e

    executar de dia; e pórque"media os per .sa-

    jne nto s com o po de r , se m pre , as suas idéas

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    X X

    chegavao a ser obras. Incansável no traba

    lho , posto que com suas h o ra s, e interval-

    los de allivio; mas o trabalho como tarefa

    de obrigação; o all ivio, como respiração do

    trabalh o. Sabia rei na r, po rque sabia dissimu

    lar . Pre zav a-se só d a ju sti ça r affeetava o

    nome de Justiceiro . e e ra jns to : para os

    pleiteantes Ig ua l; para os M inistros Senhor  \

    para os vassallos Pai; e para todos Rei. ,

    r

    Finalmente contra os pseudo-criticos do

    Século, presumidos de

      bom gosto

    , que só sam

    bem esquadrinhar defeitos,, encubrindo os

    méritos dos Escriptores, offereço a seguin

    te doutrina do mesm o Vieira, , com q u e , em

    espirito resoluto, sempre acclamou a verda**-

    d e ,  ainda em Auditório de Cortes.

    " Mui seguro está do seu valor quem

    tira a sua opinião á campo: e se he teme

    ridade tomar-se com m u ito s, com todo o

    Mundo se tomou quem desafiou a sua fa

    m a. Perg untou Christo Senhor Nosso aos

    D iscíp ulo s, que dizião dellc os hom ens ?

    Perguntou o Senhor , para que os Senhores

    que mandão o Mundo, se não desprezem

    de perguntar. Se pergunta a Sabedoria Di*-

    vin a, porque não pergu ntará a ignorância

    hum ana? Mas esse he o maior argumento

    de ser ignorância. Quem não pergunta, não

    qu er sab er ; quem não quer saber que r

    errar . Ha porém ignorantes tão al t ivos, que

    se desprezão de perguntar ; ou porque pre

    sumem que tudo sabem, ou porque não se

    presum a qu e lhes falta algum a cousa por

    saber . Deos guie a Náo, onde estes forem

    os Pilotos.

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    XXI

    " Não perguntou o Senhor o que era,

    senão o que se dizia. Antes de se fazerem

    as cousas, hade-se temer o que dirão; de

    pois de feitas, hade-se examinar o que di

    zem. Huma cousa he o acer to, e outra o

    applauso. A boa opinião de que tanto de

    pend e o bom go ve rno , não se fôrma do

    que h e , senão do que sé cuid a; e tanto

    se devem observar as obras próprias, como

    respei tar os pensamentos, e l ínguas alheias.

    A providencia com que Deos permitte a,

    murmuração, he porque de tão má ra iz se

    colhe o fructo da em enda. E se eu de m ur

    murado me posso fazer applaudido, porque

    nã o m e informarei do que se diz ?

    '* Respondendo os discípulos á questão,

    referirão os parec eres ou ditos do p o v o :

    erão do povo; claro está que havião de ser erra

    dos.  H uns dizião que e ra o B au tista , outros

    que era El ias, ou algum dos Prophetas an

    tigos. Grande he o ódio que os homens tem

    á idade em que nasc erão Pois assim como

    antigamen te houve tantos Prop hetas não

    poderia também agora haver hum ?  Por me

    nos *  milagre t inhão o resuscitar hum dos

    Pr op he tas passados , que nasc er em seu

    tem po outro como elle . Todo o m oderno

    desp reza o , só o antigo vene rão , e aere ditão .

    E po rqu e á Ch risto não podião negar a

    sabedoria, f ingião-lhe a antigüidade. Ora

    desenganem-se os idolatras do tempo passa

    d o ,

      que também no presente podem haver

    homens tão grandes, como os que já forão,

    e ainda maiores»

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    X X I I

    E v ó s , discípulos m eus ( continuou o

    Senhor )  vós que não sois povo,  e  estudaes na

    minha escola,

      q uem dizeis que sou eu ? Só

    Pedro disse a verdade; e por isso deo-lhe

    o Divino Mestre as chaves do seu Reino.

    E qual ha de ser o officio, ou exercício

    destas chaves ?  Fechar e abrir . Não diz isso

    o texto. As chaves que abrem e fechão, po

    dem abrir para dentro. e fechar para fora.

    Por isso vemos os thesouros tão estreitos e

    tão fechados para os outros, e tão abertos pa

    ra os que tem as chaves. Que havia logo fazer

    com el las Pedro? Atar e desatar , diz Chris

    t o .  — A peste do governo he a irresolução.

    Es tá parado o que havia de co rre r ; está sus

    pen so o qu e havia de voar por isso que

    não atamos , nem desa tam os. *

    Se hoje causa estranheza este modo de

    escrever e do utr ina r , ad vir ta -se , que já antes

    d o Século de Vieira p redom inava o equ ivoco

    até nos Conselhos de E st ad o , como se mos

    tra do segu inte pouco sabido facto , qu e

    el le descreve no tom. XIV., ul t imo dos

    S e rm õ es , em que na pag, 240 e 241 faz

    a sua Monitoria =

      Voz de Deos à Portu

    gal

      = por occasião do Co m eta de 1 69 5:

    " Vejamos o cuidado que tem a Sum

    iria Providencia de annunciar a este Reino

    seus acontecimentos com sinaes do Ceo.

    " No anno de mil quinhentos setenta

    e sete, preparando-se em Portugal a jorna-

    * Sermões Vol, 7 pag, 224 e seguintes.

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    x x n i

    da de El-Re i D . Sebastião a África, estava

    o Reino, e a Corte dividida em duas opi

    niões ; a dos m oç os , e adulad ore s, que se

    guisse o Rei a del iberação, ou apprehensão

    de seus grandes espír i tos: e a dos velhos,

    e sezu dos , que reconhecíão as perigosas

    conseqüências, lhe aconselhava o contrar io:

    senão quando apparece neste tempo hum

    grand e Com eta , como mandado por D eos

    para decidir a questão: todos o vião, e a

    cada hum parecia da côr dos seus olhos

    e do seu affecto. O s adu lad ore s, fazendo do

    nom e ve rb o, dizião que o mesmo C ometa

    desde o Ceo estava bradando ao Rei , que

    cometesse a empreza, e dizendo-lhe Deos

    por e l le : Cometa , cometa; ass im se creo;

    e com tão cegos ap pla uso s, q u e, par t ido o

    escudo das sagradas Quinas, já hião borda

    das ao lado dellas nos dóceis ( qu e dep ois

    forão lutos ) as arma s Im periaes de Ma rro

    cos.

      Pa rtio emfim a ar m ad a, e deu-se a

    infelice batalha, succedeu a morte de El-Rei

    D .  Sebast ião, ou a fal ta dél le , que he o

    mesmo; e este foi o effeito daquelle Co

    m e ta , que durou até o fim do anno.

    E st e he o único extra eto que fiz da

    longa D issertaçã o histórica do P. Vieira sobre o*

    C om etas. Não defendo a sua opinião que acerri*

    mamente sustenta, por ser ora contestada a

    me sma opinião , bem qu e se refira a K le pe r,

    e se apoie com Táci to, e outros Escr ipto

    r e s ,  os qua es estavã o persuadidos que os

    C om etas erã o annun cios de castigos do Ceo

    ás N aç õ e s, e de grandes mudanças pol i ti -

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    XXI V

    cas.  * O certo he que o Com eta de 180?

    teve notável coincidência com o immediato e

    improviso torneio da Orbita Polít ica,

    -

      que

    occasionou a vinda de S. Ma gestad e & es te

    Seu Estado Ultramarino, real isando o Pro-

    jecto de El-Rei D . João IV . , de que o P .

    Vieira foi intimo Co nfiden te, p ar a, em caso

    ext remo .  Retirada Segura  ao B ras i l , segundo

    o declarou na Carta ao Conde de Castanhe*»

    d e ,  que se vê no tom . II . das suas Car

    tas pag. 416,

    A Selecta de vários nossos mais anti

    gos C lássico s, inti tulada =  Philosophia dos

    Príncipes =,  que no fim do Século passa do

    foi tão acceita do P ú bl ic o , servio-me de

    modelo para o tran sum pto pres ente , que

    tem muitos exemplos das Nações Letradas,

    * As posteriores observações de Newton, e seguintes

    As trôno mo s, parecem convencer , que taes corpos ce

    lestes , tem suas orbitas peri ód icas , como os Pl an et as ,

    ainda que eccen tricas, e cheias de anomalias. Com tudo

    os mais mod ernos Astrônomos reconhecem- não haver hu-

    raa perfeita evidencia d e sua natureza e iden tidade de

    reapparição; pois, não obstante terem-se visto mais de 35P

    Cometas; a té o de 1759, o mais exactamente calculado,

    parecendo haver feito quatro revoluções desde 1531, nemr

    pre se tem mo strado com differenças consideráveis nas co

    res , como diz o Professor

      John Playfair

      =

      Outlines of Na

    tural Philosophy. ~r

      Vol. II . pag . 197 — Edinburgh 181 6.

    Os Redactores da Nova Encyclopedia de Edinburgh no

    Volume VII. Pa rt. I . pag . 4 confes são, que os  limitados

    poderes do homem não são capazes de saber á que destino

    os Cometas

      sã o

      mandados.

      Seja o qu e for, he notável

    que os Cometas d e 1799 , 1807 , e 1 8 1 1 , forão precurso

    res das msiores mudanças políticas na Europa.

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    xxr

    que estão continuamente dando á luz seme«

    lhantes epi tom es, com os t í tulos de —   Es

    pirito  =  Bellezas  = do s seus mais distin-

    ctos A ut h or es , p ara facilitar a instrucçã o

    do Povo.

    O Professor de Philosophia de Lisboa

    só comprehendeo na di ta

     Selecta

     as dou trinas

    dos egrégios Clássicos Portu gu ezes do nosso

    acclamado  Século de Quinhentos,  appropriados

    á instrucçã o dos q u e a D ivina Providen cia

    Con st i tuo Re gedo res das Naçõ es. N ão he

    me nos digna da att en çã o a que offereço,

    sendo proporcionada á instrucção de todas

    as classes, e com especial idade insinuando

    os deveres dos que representão a Seu So

    berano para o bom governo dos povos; o

    que, nas ac tuaes c i rcustancias , he de sum-

    ma importância; convindo a todos não per

    de r jamais o seguinte M em oria l , extraindo

    de hum Sermão pregado no M aranh ão, quan

    do o Es tad o se reparti© em dous go vernos.

    o

      '*

      A figura , que haveis de traze r sem

    pre d iante dos o lh os , he o mesmo R e i , de

    que m sois im age m : e não como au sen te ,

    senão como pre sen te , nem como *  invisível ;

    senão como vista. Mas como pôde isto ser,

    se elle está tão distante? Muito facilmente,

    senão tirares os olhos do seu reg im en to;

    no qual vereis ao mesmo Rei tão natural ,

    e i vivamen te retra tad o em sua própria f igu

    r a , como se o t ivesseis prese nte. D irme-

    heis, que no vosso regimento ledes sim as

    pa lav ras , e a f irma do R e i, mas não lhe ve

    des a figura. Ora abri melhor os olhos, e

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    XXVI

    logo a vereis. Nunca o pincel de Apelles*

    retratou tão felizmente a A lex an dre , e o re

    presentou aos olhos tão próprio, e tão vi

    vo

     r

      como os Reis no que escrevem, e or-

    den ão, se re t ra tã o , ou reproduzem a s i mes

    mos : diz o Esp ir i to S an to :

      o Sábio nas pa

    lavras produz a si próprio.. *  Mas ouçamos

    a hum Rei .

    " No tem po , em que os-Godos domina-

    vão a I tál ia , hum dos Reis, que t iverão a

    fortuna de escreve r conv a penna de Cassio-

    d o r o ,

      despachando seus regimentos a alguns

    Ministros ausentes, que nunca o t inhao vis*

    t o ,

      diz ass im : — Quando chegarem á s vossas

    mãos essas minhas letras, recebei-as como

    hum espelho do meu coração, . da minha

    v o n ta d e, e de mim mesmo : das quaes ,.

    pois me não conheceis pelo rosto, me co-

    nhecereis pelo animo..— Notai agora o que

    accrescenta com juízo verdadeiramente real.

     —«

    Folgai , diz ,. de m e ver an tes no q ue vos

    escrevo, que em minha própr ia pessoa , en

    tendendo q ue me- vede s me lhor , . do que os.

    q ue em minha CÔrte* es tão p re se n te s ; por**

    qu e vereis o que elles não ve m ,. e* sabereis

    de mim o qu e eu lhes encub ro : . . a s

    sim que por este modo nenhum damno re*-

    cebereis da minha au sê nc ia, nem a minha

    presença vos fará falta; porque na presen

    ça, como os demais, ver-me-heis o rosto; .

    e na ausência , pe lo que vos ordeno, ver -

    *. Sapieaa in verbis producet s e ipsum. Eccl. XX . 2 9.

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    xxvit

    «ne-heis a alma . — A mais perfeita figura, qu e

    inventou a na tur ez a, e não p ôde imitar a

    a r t e , he a que se vê no espelho ; porque

    o que se vê nas cores d a pintura , ou no

    vulto das esta tua s, he só huma sem elhança,

    e representação da pessoa; porém no espe

    lho não se vê semelhança, ou representa

    ção , senão a me sm a pes soa p or reflexão da s

    espéc ies. O espelho não he outra co us a,

    que hum impedimento das espécies , com

    que vemos, o qual as não deixa passar , e

    tornão para os olhos. E assim como o es

    pelho , sendo impedimento da vi st a , por

    meio da reflexão melhora a mesma vista*

    assim na ausência, que também he impedi

    mento da vista, por meio da escritura fica

    a mesma vista melhorada. Sem escritura he

    a ausência im pe dim en to, cora escr i tura he

    espelho. Este espelho pois dos Reis, era

    que mais vivamente se representa a sua

    m esm a pesso a , que n a sua própria figura,

    he o que hão de trazer sempre diante dos

    olhos o s qu e tem po r ob rigação , e officio

    se r imagens do R e i :  ente nde ndo , que , em

    quanto observarem as ordens do seu regi

    m en to , serã o imagens de C ésa r ; e pelo con

    trar io, no ponto em que se não conforma

    rem com ellas perderáÕ a sem elha nça , a

    figura, e o ser de ima gen s suas . Assim não

    ha outro meio cer to, e seguro de se con

    servarem na mteira representação de imagens

    de César os que por mercê, e authoridade

    sua, tem esse nome, senão a verdadei ra , e

    exacta observância de suas ordens. , e verem-

    WVWW.  | l

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    X X V III

    s e ,  comporem-se e retratarem -se em seus

    regimen tos como em espe lho.

    " Não ba sta , que o que ho uver de

    go vern ar , se ja homem com al m a; mas he

    necessár io, que seja alma com homem. Se

    tiver alm a, e boa alma não qu ererá fazer

    m al ; ma s, se juntamente não t iver ac t iv idad e

    r

    reso luçã o, e talento d e ho m em , não fará

    cousa boa. Deo-lhe Deos memória, entendi

    mento e von tade: a m em ór ia , p ara que

    se lem bre da sua obrigação-: o entend ime n

    to , para que saiba o que ha de m a n d a r: e

    a vontade pa ra q ue rer o que for melhor. Se n

    do hom ens de hum a só potênc ia, . ( que po r

    isso fazem impo tencias ) e faltando-lhe a m e

    mór ia , e o entendimento , só tem má von

    tade . Quem ju lga com o entendimento . pô

    de ju lgar be m , e pôde ju lgar m a l : quem

    julga com a vontade nun ca pôd e julgar

    bem. A razão he muito clara. Porque quem

    julga com o entendimento, se entende mal ,

    ju lga mal , se entende bem. ju lga bem. Po

    rém quem julga com a vontade, ou queira

    mal , ou quei ra bem, sempre ju lga mal : se

    q u er m a l , julga como apaixonado se quer

    bem, julga como cego. Ou cegueira, ou

    paixã o , vede como julg ará a vontade com

    taes adjuntos.

    " O prim eiro Apólogo que se escreve©

    no m u n d o , ( qu e he fábula com significação

    v er d ad ei ra ) foi aquelle que refere a sa

    grada Escr i tura no Cap. 9 dos Juizes. Qui-

    zerão. diz, as Arvores fazer hum Rei , que

    as governasse, dizendo  vinde,  e  governai-no» »

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    xx rx

    e forão offerecer o gov erno á oliveira a

    qua l se escusou diz en do , que não queria

    deixar o seu óleo, com que se ungem os

    homens, e se alumião os deoses e os ho

    mens. Ouvida a escusa, forão a figueira, e

    também a figueira não quiz acceitar, dizen

    do , qu e os seus figos erão muito doc es , e

    qu e não queria deixar a sua do çura. Em

    terc eiro lugar forão á vide , a qual disse ,

    qu e as suas uvas comidas erão o sabor, e

    beb idas a alegria do mundo ; e a quem tinha

    tão rico patrimônio, não lhe convinha dei-

    xallo para se meter em governos. De sorte

    que assim andava o governo universal das

    arvores , como de por ta em por ta , sem ha

    ver quem o quizesse. Mas o que eu noto

    nestas escusas he, que todas convierão em

    hum a só raz ão , e a m esm a, que e ra , não

    qu ere r cada h um a deixar os seus fructos. E

    houve alguém que dissesse , ou prop osess e

    tal cousa a estas arvores ? Houve alguém ,

    que dissesse á oliveira, que havia de deixar

    as suas azeiton as nem á figueira os seus

    figos, nem á vide as suas uvas

     t

      Ninguém.

    Somente lhe d isse rão , e prop ose rão , que

    quizessem acceitar o governo. Pois se isso

    foi só o que lhe disserão, e offerecerão, e

    ninguém lhe fallou em haverem de deixar

    os seus fructos; porq ue se escusão todas

    com os não quererem deixar ? Po rqu e en

    tend erão sem terem entendimento que quem

    acceita o governo dos outros, só ha de tra

    tar del les, e não de si ; e que senão dei

    xa totalmente o interesse» a conveniência,

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    X X X

    a utilidade, e qualquer outro gênero de bem

    particular, e próprio, não pôde tratar do

    commum.

    " Saibamos ag o ra , e não de outrera ,

    senão das mesmas arvores, se este bom go-

    verno, do modo que ellas o entenderão, se

    pôde conseguir, e exercitar com as raízes

    em terra

     ?

      Assim as que o ofFerecerão, co

    mo as que o não acceitarão, todas concor-

    d ã o ,

      que não. Que disserão as que offere-

    cerão o governo? Disserão a cada huma das

    outras: Vinde, e govemai-nos. Vinde

     ?

     Logo

    se ellas havião de ir, havião-se de arrancardo lugar, onde estavão, e deixar as suas

    raízes : e cada huma das que não acceitar

    r ã o ,  que respondeo

     ?

      Respondeo. que não

    podia ir porqu e, movendo-se, havia de dei

    xar as suas raízes: e sem raízes não podia

    dar fructo: de maneira que governar, e

    governar bem, não pôde ser com as raízes

    na terra. Governar mal, e para destruição

    do bem com mum , isso sim , e na mesma

    historia o temos, que ainda vai por diante.

    " Vendo as arvores, que as três, a que

    tínhão offerecido o governo, o não quizerão

    acceitar, diz o texto, que se forão ter cora

    o espinheiro, e lhe fizerão a mesma oflferta»

    E que respondeo o espinheiro? He reposta

    muito digna de ponderação. A proposta das

    arvores foi a mesma: vinde, e governai-nos;

    e elle re spondeo, não só como espinheiro ,

    senão como espinhado : se verdadeiram ente

    me dais o Império, vinde todas deitarvo*

    a rneus pés, e porvos á minha sombra: e

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    XXX

    se houver alguma, que repugne, sahirá tal

    fogo do espinheiro, que abraze os mais al

    tos cedros do Líbano. Não sei se reparais

    na differença. As- arvores que lhe offerece

    rão o governo, disserão-lhe v Veni e elle

    disse-lhes:  Venite.  Não sou eu o que hei de

    deixar as minhas raízes

     r

      senão vós as vos

    sas .  Em conclusão, que quem ha de gover

    nar bem, deixa as suas raízes; e quem go

    verna mal, arranca as dos subditos, e só

    trata de conservar as suas.

    No Apólogo

     r

      que referimos da Es

    critura Sagrada, em que as arvores

     1

     busca-

    r ã o ,

      e elegerão quem as governasse, he

    muito para notar, que aquellas, a que offe-

    recerão o governo, forão a oliveira, a figuei

    ra, e a vide, sem entrar outra nos pelou-

    ros desta eleição. Reparai agora nos appelli-

    dos de FigueiraÍ Vide, e Oliveira,, que to

    dos são honrados, mas da nobreza do meio.

    E porque não fizerão as arvores este mes

    mo offerecimento aos cedros, ás palmas, e

    aos cypFestes? Não são estas arvores entre

    todas as mais altas,, as mais celebradas, e

    as mais illustres ? Pois porque não entrarão

    em consideração para querer a verde, e flo-

    rente republica das plantas,, que ellas a go

    vernassem? Por isso mesmos porque erão as

    mais al tas, e as mais illustres. O alto , e o

    illustre he bom para o bizarro, e ostentoso,

    mas não para o útil, e necessário. As arvo

    res não as fez- Deos para as bandeiras dos

    ventos , senão para sustento dos homens:

    que importa que a sua altura, ou a sua

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    X X X I I

    altiveza seja muita, se o seu fructo he pou

    co ?  A quem sustentarão já mais os cedros,

    as p alm as, ou os cyprestes ? Pelo con t rar io ,

    a f igueira he a que saborea o m un do , a

    oliveira a que o alumia, a vide a que o

    alegra, e todas entre as plantas as que

    mais o suste ntão. O que diz a Esc ritura

    das outras três arvo res alt íssim as, e i l lus-

    tr issimas he, que todas buscão a sua exal

    tação nos montes mais levantados. Honrem-

    se embora com essas arvores os seus mon

    tes

     ;

      /que os nossos valles não hão m ister

    quem (proc ure a sua ex al taç ão, senão quem

    trate do nosso remédio. Os cedros, as pal

    m a s ,

      e os cy p re st es , são os gigantes das

    arvores ; e o que trouxerão os gigantes á terra,

    não foi menos q ue o dilúvio. Oh que duro

    seria o governo daquelle tr ium vira to; no for

    te do cedro, inflexível; no rugoso da palma,

    ás pe ro; no funesto do cy pre ste , t r i s te Po

    rém o das outras arvores de meã estatura

    seria igual, seria moderado, seria suave, que

    por isso todas allegarão a sua doçura. E isto

    he pelas mesmas razões o que devemos es

    perar do nosso,

    " , Mas he tal a protervia da condição

    hu m an a, e vicio tão próprio da pá tr ia , q u e ,

    por serem naturaes , domest icas , e suas as

    mesm as imagens , em vez de conciliarem

    maior veneração, obediência , e respei to , de-

    generão em desprezo, desobediência, e rebeldia. — Assim suecedeo a Saul? e a Da-

    vid , sendo ambos eleitos por D e o s, e os

    mais dignos do governo da sua pátria. Huns

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    XXXIII

    obed ecerão , out ros se rebe l larao , e em al

    guns durou a rebeldia não menos que sete

    annos inteiros, até que a experiência do

    seu erro os sujeitou á razão. *

    " O prim eiro Rei f qu e De os fez foi

    S a u l : mandou ao Profe ta Sam uel , que o

    ungisse, e a ceremonia do acto foi notável.

    Assentou-se á mesa S a u l , e deu ordem o

    P ro fe ta , que lhe puzessem diante o hom-

    bro de huma r e z , que naquel le dia t inha

    sacrificado. Esta foi a única iguaria. E por

    que se não duvidasse que o prato, e a par

    te t inhao m ys ter io , acrescentou Sam uel , que

    de industria lhe mandara guardar. Pois se

    o prato era m ys ter io so , aquel la par te da

    rez fòi reservada para Saul  não acaso. se

    não de industria; porq ue lhe reservou Sa

    muel o hombro, e não out ra par te , ou de

    mais regalo por hospede, ou de mais pro

    pr iedade por Rei

     ?

      Supposto que ungia a

    * Es ta doutrina sobre o bom governo econômico he

    huma paraphrase do Cap. IX. do Livro dos  Juizes,

    em que o Historiador Sagrado refere as desordens, re-

    belliões e anarc hia s, que sobrevierão aos Isr ae lita s,

    quando por serem de  dura cerviz,  se desconten tarão

    do seu Governo Theocratico, e alterarão a primordial

    Constituição do Estado : o que deo ouzadia á aventu

    reiros para usurparem a So beran ia, trazendo á parti

    do os pobres , vagabundos , ven aes , e facinorosos; do

    que resultarão mortandades, e instabilidade da regência,

    havendo entre o povo e o governo

      espirito péssimo

    , se

    gundo a phrase do Oráculo divino no mesmo Liv. Cap.

    XI.  Vers. 3.

    . f  h  Reg. 9. 34. — Vide Tom. XIV. pag. 30.

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    xxxtv'

    Saul , e para cabeça suprema daquél le pòvó,

    parece que a par te da rez, que se lhe de.

    via presentar, era a cabeça sacrificada. Pois

    p or qu e lhe não põe diante Sam uel a ca*>

    beca, senão o hombro ?  Porque Saul , como

    dizíam os, era o pr imeiro R e i , que Deos

    elégeo, e coroou neste mundo: e o lugar ,

    e assento próprio da Coroa (segundo a ins

    t i tuição d ivi na ) não he a ca be ça , he o

    hombro. A Coroa feia Deos para o pezo, e

    para o t rabalho : os ho m ens , abusando del ia ;

    fizerão-na pa ra o re sp le n d or , e pa ra a ma*-

    gè&tade. A Coroa feia Deos para carregar

    sobre o hom br o: os hom ens , t rocando- lhe: ©

    lugar, f izerao-na para authorizar, e adornar

    a cabeça. Assim que assentar a Coroa so

    bre a cabeça, he pôr a Coroa fora de soa

    lugar, , e seguir o esti lo dos homens: Carre

    gar a Coroa sobre o ho m bro , h e pôr a

    Coroa em seu próprio lugar , e obrar pelos

    dictames de De os. — E quem podia infun

    dir huma l ição tão a l t a , e de tão su p e

    r ior madureza em hum pensamento genero

    so de tão verdes annos , senão aquelle E s

    pirito , e virtude do A ltís sim o, qu e assim-

    o ensinou a elle, para assim nos consolar

    a nós.

    " A verdadeira Pol í t ica he o temor de

    -Deos, o respei to de Deos, a dependência

    de D e o s. e a amizade d e Deos ; e a ver

    dadeira arte de reinar he guardar sua lei .

    Os polít icos antigos estudavão pelos precei

    tos de Aristóteles, e Xenofonte; os pol í t i

    cos mod erno s e stud ão pelas malicias de Ta-

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    X X X V

    • c i t o , *

      e de ou tros indignos de se pronu ncia

    rem seu s. nomes ne ste lugar. A verdadeira

    po lí t ica, e ún ic a, he a lei de Deos. Se Deos

    sab e mais , q ue elles , e h e a verd adeira ,

    e única sabedor ia , es tudem-se , aprendão-se ,

    e sigão-se as

      razões de Estado

      de Deos.

    " Não digo, que se não leão os l ivros;

    mas toda a polít ica sem a lei de Deos he

    ignorância , he engano, he desacer to , he

    er ro , he desgoverno, he ru ína . Pelo cont ra

    r io ,  a lei de Deos s ó , sem nenhum a o utra

    polí t ica, he pol í t ica, he sciencia, he acer to,

    he governo, he conservação, he seguridade.

    To da a polít ica d e hum Re i Ch ristão se re

    duz a quat ro par tes , e a quat ro respei tos .

    Do Rei para com Deos, do Rei para com

    s i g o , do R ei para com os vassal los, do

    Rei para com os estranhos. Tudo isto acha

    rá o Rei na lei de Deos. De si para com

    Deos a religião, de si para comsigo a tem

    p e ra n ça , de si para com os vassallos a ju s

    t i ça , de si pa ra com os estranhos a pru

    dência. Para todos estes quatro rumos na

    veg ará segura a M onarch ia, se os seus con

    selhos levarem sem pre por norte a D e o s,

    e po r leme a sua l e i : disse S, Cy priano .

    Os conselhos são o governo da Republica,

    * Ainda que Tácito seja hoje do piaior credito entre

    os Po lític os , o severo e jus to juizo de Vieira contra este

    Historiador procede ( ao qu e parece ) de que como Et h-

    n i c o ,

      condemnon com falsidade e impiedade a nossa

    .S an ta Religião-,, e os primeiras Ch ris tão s, qae forão tão

    ..cruelmente martyrisados por Nero.

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    41/58

    XXXVI

    e a le i ' de De os h a de ser o governo dói*

    conselhos. C on selh o, e R epu blica , que se

    não governa pela lei de Deos, he náo sem

    leme. P or isso os Reinos d e Jero bo ão , d e

    B aa sa, de Je h u , e de tantos ou tro s, f izerão

    tão miseráveis naufrágios.

    O Pa dre Vieira definio, com espirito de

    Estadis ta , e genuíno Pat r io ta , a Monarchia

    L u s i t an a ,  para correcção dos míopes. que.

    só vêm a Nação por distr ictos, mal f i tan

    do á torrões ter m os , e seg m ento s , e não

    em vasto horr izonte, e vista comprehensiva,

    do

      Reino Unido

    , harmoniado com todos os

    seus Estados e Terr i tór ios integrantes. As

    sim diz no seu famoso Sermão de Acção

    de graças pelo Na scimen to da antiga Prin ce-

    za em 1669 depois da l.

    a

      Res tauração , que

    he não menos applicavel ao Nascimento da

    nova Princeza em 1819 depois da 2.

    a

      R e s

    tauração.

    " Que obrigação tem toda a terra â

    Primog ênita de P or tu ga l ' para vir dar graças

    á Deos pelo seu Na scime nto ?  Se Portugal

    não conhece esta obrigação, não se conhece.

    Por tugal , quanto ao Reino, he par te de

    huma par te das ter ras da Europa; mas Por

    tugal , quanto a M on arc hia , he  hum todo

    composto de todas as quatro Pa r tes da Te r

    ra na E u ro p a , na Áfr ica , na Á si a , na

    Am erica . porq ue teve a ben ção da =

    Dilatação.

      *

    • - - • • • • • i - * - i i . • - • — • • — • • • — — — - • • • • l i » « ir »

    * Vide Tom. XII. pag. 1 7 3 , onde diz : " O primeiro

    Portuguez que houve no Mundo, foi Tubal: sua memória

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    X X X V I I

    O Padre Vieira, bem conhecendo as

    regras da prudência polít ica, e a alt ivez do

    caracter Nacional, indicou as seguintes Má

    ximas de Administração, e os motivos e

    remédios dos descontentamentos do povo.

    " C hr is to , como Author da Lei N ov a

    t

    parece que, para t i rar do Mundo a Circum-

    cisão, havia de entrar condemnando-a, des-

    terrando-a, e prohibindo-a sob graves penas,

    e não a admittindo por nenhum caso. Quem

    entra a introduzir huma Lei nova, não pô

    de tirar de j rep en te os abusos da velha.

    Ha de permit t i r com dissimulação, para t i

    rar com suavidade: ha de deixar crescer o

    trigo com a ziz an ia, qua ndo não faça mal

    ás raízes do tr igo.

    " Todo o zelo he mal soffrido; mas o

    se conserva, ainda hoje , não longe da foz do nosso Tejo ,

    na povoação primeira que fundou com o nome

      Coetus Tu-

    bal,

      e, com pouca corrupção —

      Cetuval.

      — Ne ste filho

    quinto de Noé se verificou a sua benção —

      Deos te dilate

    Japhet;  porque só os Po rtu gu eze s, filhos, descen dentes , e

    suecessores de T ub al , s ã o , e forão sem contro vérsia,

    aquelles que , por suas navegações e con quista s, com o

    Astro labio, na mão se extenderão e dilatarão por todas as

    quatro par tes do immenso G l o b o . . . . Houve a lgum fi lho

    de N o é , houve algum a Nação bellicosa e numerosa que

    fosse celeb rada nas trombetas da fam a, que se dilatasse

    e extendesse tanto por todas as quatro partes da Terra? " —

    Ne nh um a. „ Os críticos que se riem de tradições imm e-

    moriaes sobre a origem das Nações, digão o que quizerem:

    o patriotismo de Vieira confundirá o empirismo dos que

    olhão para Portugal só como recineto local, pondo-se a si

    próprios á

      curta ração,

      conte ntand o-se com o seu módico

    ' do ninho paterno, quasi como  servos da gleba,  constituindo

    o Estado pequeno, tendo-o a Providencia feito Grande.

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    xxx vi i r

    zelo Po rtug uez mais' impa ciente que todos.

    A ' qualquer relíquia dos males pa ssa do s, á

    qua lquer som bra das desigualdades antigas ,.

    já tomamos o Ce o com as m ão s, porque

    não está tudo mudado, porque não está*

    eme ndado tud o. Assim se muda hum Reino ?

    Assim se emenda huma Monarchia ?  Tantos

    entendimentos assim se endireitão ?  Tantas

    von tades tão d ifferentes assim se tem pera o ?

    " R ei era C hri sto , e Rei Re dem ptor ,

    e nenhuma cousa trazia mais diante dos

    olhos que extinguir os usos da Lei velha,

    e renovar e introduzir os preceitos da Nova;

    e com ter sabe doria infinita, e braç os om ni-

    po ten tes , ao cabo de t r inta annos de Rei

    no muitas cousas deixou como as achara,

    para que seu successor S. Pedro as emen

    dasse. J á Christo não estava viv o, quando

    se rasgou o veo do Templo, f igura da Lei

    antiga. E que cousa se podia representar

    mais fácil , que romper hum tafetá em trin

    ta annos

     ?

      *

    Pouco a pouco se fazem as  cousas  grandes;

    e não ha melhor arbítr io para as concluir

    com bre vid ad e, que não as querer acabar

    de r e p e n t e . . . . Com este vagar fez Deos

    as cousas : e assim qu er q ue as facão os

    que estão em seu lu g ar , quando ellas o

    soffrem; e tenha paciência o zelo; que não

    seja tão estreito de coração. Mais dóe aos

    Re is que aos Vassallos dissimular co m . al-

    * Vide Tom. XI. pag. 421,

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    XXX IX'

    guriías co us as :" mas por força se hão de

    fazer .assim , pa ra não se fazerem por for

    ça. Não he o mesmo perm it t ir que ap -

    provar. A benevolência e dissimulação , como

    são effeitos da mesm a c ô r , equivocão-se

    facilmente nas apparencias: e quantas vezes

    se cho rarão ruínas os que se invejarão fa

    vores Vem a ser indu stria n o Prínc ipe o

    que he razão de Estado no Lavrador , que

    as espigas que ha de cortar, , essas abraça

    primeiro. *

    " Es tarem conten tes todos não pô de

    de pe nd er de hum só como mu itos se en-

    ganão. O contentamento de todos depende

    do Pr íncipe , depende dos Minis t ros , e de

    pende dos vassallos. Para todos estarem con

    ten tes hão de concorrer todo s pa ra o con ten

    tamento

      r

      huns t ratando de contentar , outros

    querendo contentar-se,

    " Seja o primeiro cuidado do Príncipe

    enxugar as lagr imas, e logo haverá menos

    descon tentam entos. M a s , vindo á prát ica des

    ta doutr ina, vejo que me dizem, que mui

    to fácil he dizer que se enx ug uem a s la

    gr imas de todos; mas como se hão de en

    xugar? Enxugar as lagr imas bom remédio

    he para não haver descontentame ntos. M as

    que remédio ha de haver para se enxuga-

    *

      Edmund Burhe,

      celebrado Antago nista dos Revolucio

    nários de todos os paizes, não disse, em substancia, melhor

    que o P. Vieira. Perm itta-se-me aqui lembrar as elo

    qüentes passagens da Traducç ão de var ias suas Ob ras ,

    -que dei á luz nesta Corte em 1812.

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    XL

    rem as lagrimas ? Fácil remédio o que Ch ri

    sto fez. Inq uirir a causa das lagrim as, e t i-

    ralla. Quando Christo appareceo á Magdale-

    na, a pr imeira cousa, que fez, foi inquir i r

    a causa po rqu e chorava. M ulher porqu e cho

    ras ?  Busque-se a causa das lagrimas; e logo

    o remédio será fácil . Bem poderá Christo

    enxug ar as lagr imas de M agd alen a, e conso

    lar a tr isteza dos discípulos sem lhe pergun

    ta r pela ca u sa , pois a sabia ; m as quiz dar

    nesta acção hum grande documento aos Prín

    cipes de como havião de proceder na cura

    de huma enfermidade tão difficultosa, como

    a de sarar descontentamentos.

    " E xam ine o Pr íncipe ex actam ente don

    de nascem as lagrimas dos vas sallos : se tem

    cau6a, ponha-lhe remédio; se não tem cau

    sa, não lhe dem cuidado. Em nenhuns Reis

    do mundo se vê isto mais cla ra m en te, que nos

    de Portugal . Conquistar a terra das t rês par tes

    do mundo a nações estranhas foi empreza que

    os Reis de Portugal conseguirão muito fácil , emuito fel izmente; mas repar t i r t rês palmos

    de terra em Portugal aos vassallos com sa

    tisfação delles foi impossível, que nenhum

    R ei pôde ac com m odar nem com facilidade ,

    nem com felicidade jamais. Mais fácil era

    antigame nte conq uistar dez Reinos na índia ,

    que repar t i r duas Comm endas em Po rtug al .

    Is to foi e isto ha de se r sem pre ; e es ta-,

    na minha opinião, he a maior difficuldade,

    que tem o governo do nosso Reino, Tanto

    assim, que se pôde pôr em problema na

    polí tica de Po r tu ga l , s e ' he m elh or , ; que

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    XLI

    os Reis facão mercês, ou que as não facão.

    Não se fazerem mercês, he faltar com o

    prêmio á v i r tu de : fazerem -se , he semear be

    nefícios para colher queixas. Pois que hão

    d e fazer os Reís^?; A q ue stã o e ra para ma ior

    vaga r. M as / pára qu e não fique ind ec isa , di

    go ent re tanto , que hum só meio acho aes

    Reis para  salvarem ambos estes inconve

    n ien tes .

     r

     E qual he ? N ão dar nada a nin

    guém? S im. O dar , e o p remiar , são cou

    sas mui differentes. Dar aos que merecem.,

    ou não merecem, he dar : dar só aos que

    m er ec em , he premiar . Não fazerem mercês

    os R e is , ser ia não serem R eis ; mas hão de

    fazel las de maneiia, que as mercês não

    •sejão dádivas, e sejão prêmios. Bem os

    Reis só aos beneméri tos, e fecharáõ as bo

    cas a todos. Quando os prêmios se dão aos

    qu e m erec em , os mesmos qu e os murm urão

    com a boca, os approvão com o coração.

    " A praxe desta pol í t ica exerci tou glo

    r iosamente no nosso Reino El-Rei D. Joãoo II . digno de ser chamado D. João o do

    bom m em orial , assim como D . João o I . se

    chamou o de boa memória. Tinha este pru

    dent íssimo Rei hum mem orial se cr et o, no

    qual trazia apontados todos os que se avan-

    tajavão em seu serviço, ou fossem Ministros

    d e E s t a d o , -  ou da Ju st iç a , ou da Fa ze nd a,

    ou da Guerra: e segundo o merecimento de

    eada hum lhe t inha dest inado os lugares, e

    os prêmios, assim como fossem vagando.

    Era provérbio dos Hebreos , de que também

    usou Chr is to . Onde houver corpo mor to , lo-

    * * * * * *

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    X L I I

    go alli correrão as águias. Falia das águias

    vulturinas, que são aves de rapina, as quaes

    tem ag.udissima vista, e subtilissimo olfato,

    e era v e n d o , ou cheirando corpo mo rto -

    logo correm a em polgai , e cevar-se nelle.

    Assim succede com a ambição dos perten-

    den tes a todos aq ue l le s, por cuja mo rte

    vaga offici©, co m m en da , v a ra , cadeira , ou

    t ra , governo, ou out ro emolumento u tü , e

    pingue, em que empregar (não d igo as unhas)

    as mãos. M as que fazia nestes casos

     •

      quo

    tidianos o R ei do bom memorial ? Com o

    nelle t inha já destina das as pe sso as, a quem

    havia de fazer o pro vim ento , reç po nd ia ,

    que já o lugar, officio, ou beneficio, estava

    provido; e as águias, que corr ião famintas

    aos despojos do morto, encolhião as azas,

    embainhavão as unhas, e ainda que quer ião

    grasnar , tapavão o bico.

    " São merecedores de hum

      não

      muito

    claro, e muito seco, cer to gênero de alvi-

    treiros, que inventando, e offerecendo novos

    arbítr ios, e industrias de accrescentar Era-»

    r i o ,  ou Fazenda Real , juntamente d izem (e

    aqu i bate o pon to ) qu e elles hão de se r

    também os exe cuto res , e para i sso pedem

    m eios , e jurisdicçÕ es. N as ce o zizania , di»

    Ch risto , entre a se ara de hum pai de fa

    míl ias; o que vendo os cr iados, vierão   Io»

    go mui zelosos encarecendo aquel la perda

    da fazenda de seu amo, e offerecendo-se a»

    ir mondar a se ar a, e arranc ar a zizania.

    ' Quereis se nh or , que a vamos colher ? C o

    lher , disserão, e não arrancar , , porque es-*

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    L X I Í

    tes zelos, e offerecimentos sempre se en*

    eaminhão á colhei ta . Resp ondeo o pai de

    famílias sem lhes agradecer o cu id ad o : o

    que respondeo

     ?

      Disse-lhe : N ão. Assim se

    ha de responder com hum   não  mui to seco,

    e  mu ito ' re so lu to , a sem elhantes propo stas.

    " O modo com que as resti tuições dá

    Fa ze nd a Real se podem fazer facilm ente ,

    ensinou aos Reis hum Monge. o qual assim

    como soube fur tar , soube também res t i tuir .

    Refere o caso M ay ôlo , C rantz io , e out ros .

    Chamava-se o Monge Fr . Theodor ico; e por

    que era homem de grande

      inteüigencià

      e

      in

    dustria,  eom m et teodbe o Impe rador Car

    los IV algumas negociações de im po rtânc ia,

    em que el le se aprovei tou de maneira, que

    competia em riquezas com os grandes se

    nho res. Advir t ido o Imp erador , mand ou-o

    chamar á sua p r es en ça , e d i ss e - lhe , que

    se apparelhasse para dar contas. Que faria

    o pobre",'. , ©u rico M onge ?, R esp on de o sem

    ser a s su s ta r, qu e já estava appa relhado ,•

    que naqraelle mesmo ponto as daria, e disse

    ass im: En, César , ent re i no serviço de V.

    Magestade com este habi to, e dez, ou doze

    7

    tostões' na bolça das esmolas das minhas

    Missas: deixe-me V- Magestade o meu ha- ;

    bi to , e os> meus to s tõ e s , e tudo o m ai * ;

    que '

      po ss uo , mande-o V. M agestade receber

    qu e he s e u , e tenh o dad o contas". -jÇom

    tanta facilidade como isto fez a sua resti

    tuiçã o o M onge , e e lle f icou gua rdan do

     *

     os

    seus v o to s , í:e o Im perad or a sua-rfazenda.

    Rei&v e Príncipes mal servido*, se

      r

    quereisr

    * * * * * * j j

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    &L1V

    salvar .a a lm a, e rec upe rar a fazenda ^ i n

    troduzi sem excepçao de pessoa as resti tui

    ções de Fr . Theodorico. Saiba-se com que

    entrou cada hürn; o de mais torne para

    donde sahio, e salvem-se todos,

    •> •

      " Oh qu e gran de ventu ra lie qu erer

    d ian te de hum Pr ínc ipe , que q u er , e pôde

    Assim seria tamb ém a m aior de todas as

    desgraças esperar o remédio de algum tão-

    pouco poderoso, que não possa , e de tão

    m á vontade , que não queira» A A ug us to

    César d isse Marco Tul l io prudente , e e le

    gantem ente , que a na ture za , e a for tuna

    lhe t inhão dado, huma a maior , e out ra a

    melhor coUsa, que podião, para fazer bem

    a muitos. A maior cousa, que pôde dar a

    for tuna a hum P r ín ci pe , he o p o d er , e a

    melhor . , que lhe pôde dar a natureza, he

    o querer , para poder , e querer fazer bem

    a todos.

    Tenho as sà s , e de sob ra , ap resen tado

    varias

      amostras

      do espi r i to ' de V iei ra , p ar aconciliar a benevolência dos compatriotas

    a quem e d*além mar, amantes do Reino

    Unido, e da Legi t ima Dynast ia da Augusta

    Casa de Bragança, que duas vezes nos tem,

    res taurado o  Nome  e o  Ser  de Por tuguezes .

    Seja o cordial voto de todos o de sua se

    guinte Peroração no acima refer ido Sermão

    de

      Acçf/o de Graça».

    Esp ir i to Co nsolad or , e- M estre Divi

    no : infinitas gra ça s vos dam os

     r

      e vos sejão

    eternamente da d as , pe lo que nos consolou

    vossa B on da de , e- pe lo q ue nos ensinou

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    XLV

    vossa Sabe doria. . Com a pa 2 , verdadeira

    m ente vo ss a , nos consolas tes o tem or , é

    afflicção" d a g u e rr a : com a es pe ran ça tão

    prom pta d a R eal descendência , nos conso

    lastes a antiga desconfiança da successão:

    com o governo presente de Pr íncipe Sobe

    ran o, ju s to , le por s i mesm o, nos consolas

    te s as desattlençÕes, e sugeições do passado .

    P or es tas gr aç as , que vos da m os , e por

    es tes m esm os benefícios tã o singu lares de

    vós recebidos, nos concedei

      r

      Senhor , a s

    que para os annos futuros, com igual con

    fiança em vossa Divina Bondade, e Sabe-,

    d o ri a , humildemente vos pedimo s. H e hoje

    o d ia , que en tre todos os do an n o , se le

    vanta vulgarmente com o nome de maior. ,

    po r che gar nelle o Sol a seu auge , e en

    cher o mais dilatado giro de sua carreira-

    A' man hã com eção ou tra vez a dec rece r os

    d ias ,

      com pregão de publico desengano a

    todas as cousas do mundo ( ainda qu e estão

    acima das sublunares) que nenhuma ha tão.

    fi rme, que não se m ud e, , nenhum a tã o le

    vantada , que não se a b a ta , nenh um a tão

    grande-, que não diminua, e torne a traz.

    pelos mesmos passos de seu augmento. Não.

    seja assim >  em nossas fortunas , So bera no „

    e Omni potente Author da nature za „ que as

    sim com o a er ea st es , podeis emendar a

    fazer constante; Co nse rvai , Se nh or , pe rpe -

    tuam ente vossos dons , e prorogai sem m u

    da nç a , nem fim , po r tod os os- anno s futu

    r o s ,  as felicidades de que tão liberalmente

    nos fizeste mercê no presente. Não as per*

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    X t . V l

    camos depois

      c

    d e Togradas, pa fs q u e não'

    resuscitem com dobrad a mágoa em nós aq ue l-

    Jas mesmas desconsòlaçõeá

      ,<

      de que tão effi-»

    caz , e cumpr idamente , e com tão esquis i

    tos remédios nos l ivrastes. Uni nos vassal

    los o amo r do P rínc ipe : confirmai no P rín

    cipe a imitação do pai : prosperai na Espo

    sa a c ontinuaçã o do s felicíssimos ann os ,

    com petind o nelles a felicidade com o nu

    mero . e o num ero com os herde iros de

    seus soberanos dotes , para que o sejão

    digníssimos da m esm a Co roa. So bre tudo-

    ensinando-nos a todos a passar de tal ma

    neira os annos breves, e incertos desta vi--

    da, que saibamos por meio delia conseguir

    as consolações dos ann os ete rno s : pois pa ra

    ser eternamente nosso Consolador, vos dip--

    nastes ser temporalmente nosso Mestre.

    O que dá realce á doutr ina do Padre

    Vieira h e , que el le in st ru e, não só com

    docum entos do Ev ang elho, mas também com

    exemplos dos nossos Sobe ranos,* que expu

    nha ha Real Capella ainda nos objectos mais

    delicados da Adm inistração Pu blica ; tend o

    só em vista a Lei d e D e o s , em que diz

    dever-sé fundar a verdadeira Polít ica, e as

    razões do ' E st ad o; podendo -se del le diz er

    com o Psalmista =  Paliava dos teus

      testemunhou

    na presença dos Reis, e não era confundido;

     

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    LXVII

    .ceneiou o pr ia ve iro , o o ultínro «tomo dos

    ,§*rraÕes de Vieira.

    No primeiro . o Censor Kegao se valeo das

    palavras de Jo b no Ca p. 51 Ver?.-35

      —

      Ou

    ça De os o meu des ejo , e* escreva hum Li

    vro o mesmo que ju lg a, para qu e eu o tra

    ga por estimação nos hombros, e por coroa

    na cabeça. =  • N ão ;ha nos S ermõ es do P .

    Vieira cousa que encontre o serviço Re a l;

    mas nmiías para

     à

     qu e V Alfceza co nt inue ,a

    obed iência , c o m , q u e obrigou ao Authop a

    dar á estampa este l ivro,

      v

    para que_saia á

    luz com os mais trabalhos tão luzidos dos

    seus estudos, e engenho, para glor ia de

    Deos, e honra deste Reino.

    N o ultimo ( qu e o he XIV - ) o Qualifica-

    dor do Santo Officio assim diz. " Na Carta

    qu e o P. Vieira escreveo á M agestade de

    El-Rei D. Affonso VI. mostrou, que a  Sabedo

    ria he melhor que a força,

      como diz Salomão

    ( Sap. Ca p. 6 Ve rs. 1 ) porque o que os no s

    sos Portuguezes na Conquista do Maranhão

    não vencerão com tanto valor e armas por

    espaço de vinte annos, venceo o Author

    com huma folha de papel em Carta aos

    Principaes dos índios daquelle E st ad o , tão

    do ut a, dis cre ta, e persu asiva , que bastou

    para os reduzir á nossa Santa Fé Catholi-

    ca, e para os sujeitar ao Império de Portu

    gal.

      E como este livro não contém cousa

    alguma que encontre nossa Santa Fé, ou

    bons costumes, me parece não só digno que

    se dê ao Prelo, mas que devemos louvar

    muito o zelo de quem o faz sahir á luz..

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    Lvnr

    Se o Público der acolhimento â annun-

    ciada

      Selecta

     com a

      Subscripção

      necessária,

    irá sahindo por Partes, para facilidade da

    edição, como

     Supplemento

      aos

      Estudos do

     Bem

    Commum.

    E R R A T A S .

    Advertência pag. n. lin. 18 e 19 o escripto

    res — os escriptores — mas úteis — mais

    úteis — Discurso pag. 24 msiores — maiores

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