Epidemiologia Da Leishmaniose

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2319 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(11):2319-2327, nov, 2006 ARTIGO ARTICLE Epidemiologia da leishmaniose tegumentar na Comunidade São João, Manaus, Amazonas, Brasil Epidemiology of tegumentary leishmaniasis in São João, Manaus, Amazonas, Brazil 1 Gerência de Leishmanioses, Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, Manaus, Brasil. 2 Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Brasil. 3 Centro Universitário Nilton Lins, Manaus, Brasil. 4 Programa de Pos-graduação em Medicina Tropical, Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, Brasil. Correspondência Jorge A. O. Guerra Gerência de Leishmanioses, Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. Av. Pedro Teixeira 25, Manaus, AM 69040-000, Brasil. [email protected] Jorge Augusto de Oliveira Guerra 1,2 Jéfferson Augusto Santana Ribeiro 2 Leíla Inês de Aguiar Raposo da Camara Coelho 1,2 Maria das Graças Vale Barbosa 1,3,4 Marcilene Gomes Paes 1 Abstract In Manaus, Amazonas State, Brazil, the degree of individual exposure to leishmaniasis is relat- ed to disorganized land occupation. In order to evaluate predisposing factors for an outbreak, confirm the parasitological diagnosis, treat pa- tients, and assess etiological agents, reservoirs, and vectors, a 12-month study was conducted in Manaus in a community located along the BR-174 federal highway. Some 451 individuals were studied, among whom 17 cases of Ameri- can tegumentary leishmaniasis (ATL) were di- agnosed (six women and 11 men). Age varied from one to 64 years. Eleven patients had from one to three lesions. As for reservoirs, three opos- sums were captured. No hemoflagellates were found in the blood tests. Lutzomyia umbratilis was the predominant vector species captured. Many ATL patients were engaged in activities that exposed them to Leishmania vectors. Some patients may have been infected in the house- hold and peridomiciliary environments. The epidemiological profile of ATL in this commu- nity is similar that of other foci in the region. This case series characterizes ATL as an endemic local public health problem. Cutaneous Leishmaniasis; Leishmania; Disease Outbreaks Introdução A leishmaniose é um problema de saúde públi- ca mundial e considerada pela Organização Mundial da Saúde 1 como uma das cinco doen- ças infecto-parasitárias endêmicas de maior relevância. As leishmanioses estão amplamen- te distribuídas nas Américas, estendendo-se desde o sul dos Estados Unidos ate o norte da Argentina. No Brasil, apresenta-se em franco cresci- mento, tanto em magnitude como em expan- são geográfica, observando-se a coexistência de um duplo perfil epidemiológico, expresso pela manutenção de casos oriundos dos focos anti- gos ou de áreas próximas a eles e pelo apareci- mento de surtos epidêmicos associados a fato- res como o acelerado processo de expansão das fronteiras agrícolas, a implantação de áreas de garimpos, a construção de estradas, e pro- cesso de invasão na periferia das cidades, entre vários outros. No período de 1985 a 1999, fo- ram registrados no país 388.155 casos autócto- nes de leishmaniose tegumentar americana. O coeficiente de detecção de leishmaniose tegu- mentar americana no Brasil aumentou de 10,45/ 100 mil habitantes para 18,63/100 mil habitan- tes, com a melhoria do fluxo de informação 2 . De acordo com dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) 3 , são registra- dos no período de 1999 a 2003, cerca de 33.872 casos de leishmaniose tegumentar americana

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ARTIGO ARTICLE

Epidemiologia da leishmaniose tegumentar na Comunidade São João, Manaus, Amazonas, Brasil

Epidemiology of tegumentary leishmaniasis in São João, Manaus, Amazonas, Brazil

1 Gerência de Leishmanioses,Fundação de MedicinaTropical do Amazonas,Manaus, Brasil.2 Faculdade de Ciências da Saúde, UniversidadeFederal do Amazonas,Manaus, Brasil.3 Centro Universitário Nilton Lins, Manaus, Brasil.4 Programa de Pos-graduaçãoem Medicina Tropical,Universidade do Estado doAmazonas, Manaus, Brasil.

CorrespondênciaJorge A. O. GuerraGerência de Leishmanioses,Fundação de MedicinaTropical do Amazonas.Av. Pedro Teixeira 25,Manaus, AM 69040-000, [email protected]

Jorge Augusto de Oliveira Guerra 1,2

Jéfferson Augusto Santana Ribeiro 2

Leíla Inês de Aguiar Raposo da Camara Coelho 1,2

Maria das Graças Vale Barbosa 1,3,4

Marcilene Gomes Paes 1

Abstract

In Manaus, Amazonas State, Brazil, the degreeof individual exposure to leishmaniasis is relat-ed to disorganized land occupation. In order toevaluate predisposing factors for an outbreak,confirm the parasitological diagnosis, treat pa-tients, and assess etiological agents, reservoirs,and vectors, a 12-month study was conductedin Manaus in a community located along theBR-174 federal highway. Some 451 individualswere studied, among whom 17 cases of Ameri-can tegumentary leishmaniasis (ATL) were di-agnosed (six women and 11 men). Age variedfrom one to 64 years. Eleven patients had fromone to three lesions. As for reservoirs, three opos-sums were captured. No hemoflagellates werefound in the blood tests. Lutzomyia umbratiliswas the predominant vector species captured.Many ATL patients were engaged in activitiesthat exposed them to Leishmania vectors. Somepatients may have been infected in the house-hold and peridomiciliary environments. Theepidemiological profile of ATL in this commu-nity is similar that of other foci in the region.This case series characterizes ATL as an endemiclocal public health problem.

Cutaneous Leishmaniasis; Leishmania; DiseaseOutbreaks

Introdução

A leishmaniose é um problema de saúde públi-ca mundial e considerada pela OrganizaçãoMundial da Saúde 1 como uma das cinco doen-ças infecto-parasitárias endêmicas de maiorrelevância. As leishmanioses estão amplamen-te distribuídas nas Américas, estendendo-sedesde o sul dos Estados Unidos ate o norte daArgentina.

No Brasil, apresenta-se em franco cresci-mento, tanto em magnitude como em expan-são geográfica, observando-se a coexistência deum duplo perfil epidemiológico, expresso pelamanutenção de casos oriundos dos focos anti-gos ou de áreas próximas a eles e pelo apareci-mento de surtos epidêmicos associados a fato-res como o acelerado processo de expansãodas fronteiras agrícolas, a implantação de áreasde garimpos, a construção de estradas, e pro-cesso de invasão na periferia das cidades, entrevários outros. No período de 1985 a 1999, fo-ram registrados no país 388.155 casos autócto-nes de leishmaniose tegumentar americana. Ocoeficiente de detecção de leishmaniose tegu-mentar americana no Brasil aumentou de 10,45/100 mil habitantes para 18,63/100 mil habitan-tes, com a melhoria do fluxo de informação 2.

De acordo com dados do Departamento deInformática do SUS (DATASUS) 3, são registra-dos no período de 1999 a 2003, cerca de 33.872casos de leishmaniose tegumentar americana

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por ano no Brasil. A doença é registrada em to-dos os estados, observando-se sua expansãoem amplitude e número de casos com 169.361casos. A Região Sul apresenta o menor número,com 3.952 e a Região Norte o maior, com 61.339no período descrito, e taxas de incidência por100 mil habitantes entre 114,8 e 163,5, para aRegião Norte. No Amazonas, foram registrados12.005 casos para o mesmo período, com taxasmédias de incidência de 86,77, sendo que noano de 2003 esta taxa foi de 121,03 com 3.174casos, 60,18% no Município de Manaus.

Na Amazônia, a leishmaniose tegumentaramericana está agrupada sob três diferentes for-mas clínicas: leishmaniose cutânea, leishma-niose cutânea difusa e leishmaniose mucosa.No Estado do Amazonas a leishmaniose cutâ-nea é a de maior predomínio, principalmentena região de Manaus 4,5.

No Amazonas, a leishmaniose tegumentaramericana é primariamente uma zoonose 5,com ciclo de transmissão ocorrendo entre osflebotomíneos e os animais silvestres. Na maio-ria das vezes, o homem se infecta ao alterar oambiente interpondo-se ao ciclo silvestre aopenetrar nesse ecossistema 6.

Dentro do município, e principalmente naperiferia da cidade de Manaus, o grau de expo-sição dos indivíduos acometidos está relacio-nado diretamente a processos de ocupação de-sordenada ou às chamadas invasões. Dessa for-ma, geralmente a leishmaniose tegumentar ame-ricana ocorre em lugares de assentamentos po-pulacionais recentes e relacionada a desmata-mentos 7,8 em populações próximas a áreas defloresta primária, onde a Leishmania (Viannia)guyanensis é enzoótica, 4 e em decorrência daconstrução de habitações desordenadas e semqualquer planejamento, os indivíduos ficamexpostos aos vetores.

É provável que a transmissão também ocor-ra no intra e no peridomicílio na região de Ma-naus, primeiro pela proximidade com as áreasde floresta 9, pois grande parte das casas em as-sentamentos populacionais recentes é cons-truída a menos de 100m da orla da floresta e osindivíduos são alcançados pelo raio de ação dosvetores, que chegam às casas também atraídospela luz 10; outro motivo é que sua fonte de re-pasto sangüíneo, que era feita nos animais sil-vestres, fica mais escassa pela presença huma-na, entretanto essa transmissão parece ser tran-sitória, pois uma vez completada a urbaniza-ção a transmissão cessa. Paes et al. 9, em estu-do em bairro de implantação antiga na cidadede Manaus, observaram um novo surto de leis-hmaniose tegumentar americana no qual 9,8%dos casos estudados eram crianças menores de

cinco anos, sugerindo transmissão no intra eperidomicílio. Andrade 10, em estudo realizadona Cidade de Deus, bairro da periferia de Ma-naus, localizado imediatamente à Reserva Flo-restal Adolpho Ducke, verificou a ocorrência devários casos de leishmaniose tegumentar ame-ricana na rua que tem limite com a reserva.

Dentre os possíveis reservatórios silvestresda L. (V.) guyanesis, à preguiça (Choloepus di-dactylus) tem sido atribuído o papel principalna Amazônia brasileira 6 e em alguns locais daGuiana Francesa 11 nas áreas de floresta primá-ria. Também implicado como importante reser-vatório silvestre está o Tamandua tetradactyla(tamanduá), e secundariamente temos Proe-chimys sp. (rato silvestre) e o Didelphis marsu-pialis (gambá) 5,6,12. Os parasitas podem serencontrados na pele e nas vísceras desses ani-mais 13,14, embora seu encontro não seja fácil.

O D. marsupialis adquire especial impor-tância em áreas de floresta alteradas pelo ho-mem 6,13,14 com uma taxa de infecção na regiãode Manaus de mais de 20% 12. Este animal sealimenta em refugos domésticos nos limites dafloresta próximos às casas, 5 ocorrendo cons-tante circulação entre o meio florestal, onde seinfecta, e o ambiente humano, onde serve defonte de infecção para os flebótomos ali pre-sentes 10, estabelecendo possivelmente, dessaforma, um elo entre o ciclo silvestre e o perido-micílio.

A transmissão da leishmaniose tegumentaramericana na região de Manaus é atribuída àsLutzomyia umbratilis e Lutzomyia anduzei, con-siderados, respectivamente, vetores principal esecundário da L. (V.) guyanensis, o parasito pre-valente na etiologia da leishmaniose tegumen-tar americana/leishmaniose cutânea na região15. No estudo de Naiff et al. 4, das espécies deLeishmania identificadas de 65 indivíduos por-tadores de leishmaniose tegumentar america-na da região amazônica brasileira, a L. (V.) gu-yanensis foi encontrada em 83% dos casos, dosquais, 91% apresentavam lesão cutânea.

A outras espécies também é atribuída aetiologia de casos de leishmaniose cutânea naAmazônia, tais como L. (L.) amazonensis, L. (V.)naiffi, L. (V.) lainsoni, L. (V.) shawi, L. (V.) bra-ziliensis e L. (V.) lindenbergi 16.

Maior número de casos é registrado no pe-ríodo das chuvas (outubro a maio) 17,18 quandohá aumento da densidade de vetores.

Durante o atendimento ambulatorial realiza-do na Fundação de Medicina Tropical do Ama-zonas (FMTAM), observou-se que alguns casosde leishmaniose tegumentar americana proce-diam do Km 4 da BR-174, localidade denomi-nada São João. Essa comunidade possui cerca

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de 450 famílias. Como é uma área ainda em for-mação, não possui estruturas elementares desaúde: é um bairro sem saneamento básico, re-de de esgotos e encanamento de água, e há as-falto apenas na rua principal.

A malária era o mais grave problema de saú-de local, mas ocorria em áreas focais. A leishma-niose tegumentar americana parecia ser umproblema de saúde importante na populaçãonaquela ocasião, e, portanto, merecedora deatenção e orientação visando a seu controle.

Este estudo teve como objetivos avaliar fato-res predisponentes à gênese do surto de leish-maniose tegumentar americana; analisar a do-ença humana em seus aspectos sociais e econô-micos e sua implicação na gênese do surto;confirmar o diagnóstico parasitológico e trataros doentes; capturar e identificar prováveis re-servatórios silvestres da leishmaniose tegu-mentar americana na área; e orientar e aplicarmedidas preventivas.

Metodologia

O estudo foi desenvolvido no período de agos-to 2001 a julho de 2002. A área de estudo é lo-calizada em zona rural do Município de Ma-naus, Km 4 da BR-174, no sentido Manaus-BoaVista. O acesso é asfaltado e pela rodovia demesmo nome, e o assentamento está organi-zado.

A maioria das habitações é de madeira comcobertura de zinco ou amianto. Grande parte dapopulação utiliza água de poços ou de fontesnaturais tipo cacimbas. As condições de assis-tência à educação e saúde ainda são precárias.Existe uma escola e um Posto de Saúde funcio-nando onde um médico atende a cada 15 dias.

Foi feita entrada quinzenal na área, por mé-dico, técnicos da Gerência de Leishmaniosesda FMTAM (GLEISH/FMTAM) e os participan-tes do projeto para controle dos pacientes emtratamento e esclarecimento diagnóstico (porbiópsia) de casos suspeitos não confirmados pe-la escarificação. Casos que necessitaram de es-clarecimento diagnóstico, ou acompanhamen-to diferenciado, foram encaminhados à FMTAMpara atendimento ambulatorial.

Nos pacientes com lesões suspeitas foi feitacoleta da linfa-dérmica das bordas das lesõespela técnica da escarificação, para confirma-ção diagnóstica e tratamento. Também foramfeitas biópsias das lesões de pacientes para se-meadura em cultura (NNN ou agar sangue eSchnneider’s) e inoculação em “hamster” para,e no sucesso do isolamento, identificar as ce-pas de Leishmania prevalentes na área.

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Os casos positivos na lâmina foram acom-panhados por médico da GLEISH/FMTAM paratratamento específico, considerando as condi-ções do doente (outras doenças, idade, peso,gravidez etc.). Os esquemas de tratamento fo-ram prescritos conforme orientação do Minis-tério da Saúde do Brasil. As pacientes grávidascom leishmaniose tegumentar americana só fa-riam os chamados tratamentos específicos apóso parto, porém foram acompanhadas durante agravidez por médicos da GLEISH/FMTAM.

O resgate dos doentes para controle clínicofoi feito por agentes de saúde locais, em cola-boração com a Secretaria Municipal de Saúdede Manaus, inclusive com a utilização das ins-talações do posto médico para atendimento depacientes.

As estratégias em relação aos animais sil-vestres foram realizadas com a colaboração dacomunidade. Fez-se na área captura de ani-mais silvestres suspeitos de serem reservató-rios, com exposição de armadilhas nas perife-rias das casas e nas matas adjacentes a estas,nos limites de no máximo 300m dos domicílioshumanos. O período de exposição de armadi-lhas foi de sete dias, durante três meses conse-cutivos no ultimo trimestre de trabalho.

Foi sacrificado, para exame de vísceras, umexemplar de cada grupo encontrado, sendodestes pesquisada a presença de formas amas-tigotas de Leishmania em baço, fígado, linfo-nodos glândulas anais e pele, sendo feito exa-me histopatológico corado pela hematoxilinaeosina, de todo este material, além de imprintpara exame direto corado pelo Giemsa ou pa-nótico; os demais, após examinados, foram mar-cados e soltos. Os animais foram avaliados pa-ra alterações de pelagem ou lesões suspeitas,coletas de amostras de sangue para avaliar he-moflagelados em culturas que, se positivas, se-riam também inoculadas em “hamsters” na ten-tativa de isolamento e caracterização das cepasutilizando-se a técnica de anticorpos monoclo-nais.

Todos os animais possuíam uma ficha indi-vidual para registro de seus caracteres, e forammantidos em cativeiro de acordo com as nor-mas de manuseio de animais silvestres pelo me-nor tempo possível (apenas o necessário paracoleta dos exames) na GLEISH.

A permissão do Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos Recursos Naturais Renováveis(IBAMA) para manuseio dos animais silvestres,licença número 40/2002, foi concedida a partirde 10 de abril de 2002.

Em relação às medidas preventivas, foramrealizadas orientações a todos que eram aten-didos no posto sobre a forma de adquirir leis-

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hmaniose tegumentar e sobre a importância dequando necessário desmatar, não habitar deimediato e evitar penetrar na mata nos horá-rios de maior atividade dos vetores.

O estudo foi desenvolvido de acordo comos requisitos do Conselho Nacional de Saúde,Resolução 196/96, sendo aprovado pelo comitêde ética em pesquisas envolvendo seres huma-nos da FMTAM.

Em projeto paralelo, desenvolvido pela Sub-gerência de Entomologia da FMTAM, foramrealizadas coletas de insetos nas áreas de matae peridomicílio para avaliar a densidade e di-versidade de espécies de flebotomíneos na área.

Os flebotomíneos foram coletados durante12 meses consecutivos, cinco dias a cada mês,em áreas de mata e no domicílio (extra, peri eintradomicílio) da comunidade, por meio decoletas manuais utilizando-se rede entomoló-gica “puçá”, capturadores manuais, armadi-lhas de luz CDC (estrato de 1m) e armadilhasDisney.

As coletas manuais no intradomicílio e pe-ridomicílio foram realizadas em dois dias, du-rante a semana de estudo, no horário de 18:00às 21:00, em residências localizadas até 100mda borda da floresta que rodeia a comunidade.As coletas na base de árvores foram realizadasdo segundo ao quarto dia durante 3 horas diá-rias (8:00 às 11:00), em diversos pontos dentroda mata delimitada para execução do estudo.

As coletas com as armadilhas CDC na mataeram iniciadas às 17:00 do primeiro dia (tro-

cando-se as bolsas às 08:00 do dia seguinte) eencerradas às 08:00 do quinto dia. No perido-micílio foram colocadas nas casas onde seriamrealizadas as capturas noturnas.

As armadilhas Disney foram colocadas apartir do primeiro dia, trocando-se as bandejasuntadas com óleo mineral diariamente às 08:00e retiradas no quinto dia.

Após as coletas o material foi levado para oLaboratório de Entomologia da FMTAM, ondeforam realizadas triagens, dissecações, monta-gem de lâminas e identificação das espécies,utilizando-se chaves dicotômicas.

Resultados

Durante o período de estudo atendeu-se 451pacientes no ambulatório da Comunidade SãoJoão, o coeficiente de prevalência encontradopara essa comunidade foi de 3,06 para 10 milhabitantes. Foram diagnosticados 17 casos deleishmaniose tegumentar americana, cuja dis-tribuição mensal se encontra na Figura 1.

Em apenas um caso a Leishmania foi isola-da e aguarda-se a identificação da cepa. Seis pa-cientes eram do sexo feminino e 11 do mascu-lino. O paciente mais novo tinha um ano de ida-de e o mais velho, 64 anos. Seis casos tinhamentre 20 e 29 anos (Tabela 1).

Os estudantes constituíram o grupo predo-minante em relação à ocupação com 4 casos, se-guidos pelos agricultores com 3 casos (Tabela 2).

Figura 1

Leishmaniose tegumentar americana na Comunidade São João, BR-174, Km 4, Manaus, Amazonas, Brasil.

Distribuição mensal dos casos de leishmaniose tegumentar americana, agosto de 2001 a julho de 2002.

0

1

2

3

4

5

6

7

Jul/2002Jun/2002Mai/2002Abr/2002Mar/2002Fev/2002Jan/2002Dez/2001Nov/2001Out/2001Set/2001Ago/2001

Paci

ente

s

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Onze pacientes tinham entre uma e três le-sões, sendo as úlceras as mais freqüentes.

As leishmanides e infecção secundária fo-ram observadas em sete doentes e a linfangiteem quatro.

O diagnóstico dos casos de leishmaniosetegumentar americana foi feito com base emdados clínicos e confirmado pelo exame diretoem 16 pacientes. Em um paciente o diagnósti-co foi apenas clínico. O aspirado das lesões foifeito em quatro pacientes, pois nesta época oserviço de leishmaniose teve problemas de con-taminação das culturas, conseguindo-se o iso-lamento da cepa em somente um deles, assimcomo desenvolvimento de lesões em “hamster”,aguardando-se a identificação da cepa (Figura 2).

Os antimoniais foram utilizados para trata-mento em 13 doentes; a pentamidina em dois;a azitromicina em um; uma paciente grávida te-ve involução espontânea das lesões. Cinco doen-tes tiveram recidiva das lesões e foram tratadosnovamente (Tabela 2).

Em relação aos animais silvestres, devido àdemora da liberação da licença pelo IBAMA,houve tempo para se realizarem apenas doisperíodos de exposição das armadilhas que fo-ram colocadas na mata em locais diferentes emcada mês. Foram capturados três gambás (D.marsupialis). Estes animais foram examinadosem busca de lesões sugestivas de leishmaniosetegumentar americana, que não foram encon-tradas, e tiveram sangue coletado e semeadoem cultura. Um animal foi sacrificado, realiza-do exame histopatológico de suas vísceras efeita inoculação em “hamster”. Os outros doisanimais foram devolvidos a seu habitat natu-ral. Também foi feita exposição de armadilhasno mês de janeiro de 2002, não havendo captu-ra de animais. Os resultados das culturas dostrês animais foram negativos, não se observoudesenvolvimento de lesões nos “hamsters” e a

histopatologia não mostrou sinais de infecçãopor Leishmania.

Foram coletados e identificados 4.104 espé-cimes de Psychodidae: Phlebotominae distri-buídos em 49 espécies, dentre as quais desta-cam-se Lu. umbratilis 1.325 espécimes, repre-sentando 32,3% do material desse grupo, tendosido coletada durante o ano inteiro, seguida deLu. anduzei 820, Lu. (Trichophoromyia) eurypy-ga, 492, Lu. olmeca nociva 207, Lu. (Trichopy-gomyia) trichopyga 191, Lu. flaviscutellata 185e Lu. (Psychodopygus) davisi, 154 (Tabela 3). Des-se material chama-se a atenção para o registrode 24 espécimes de Lu. umbratilis, um de Lu.anduzei e um de Lu. olmeca nociva, coletadosno peridomicílio.

Discussão

Com o final do ano e início do período das chu-vas, observou-se aumento do número de casosde leishmaniose tegumentar americana, perfilcaracterístico àquele observado em diversos es-tudos 10,17,18, condizente com os resultados en-

Tabela 1

Leishmaniose tegumentar americana na Comunidade São João, BR-174, Km 4,

Manaus, Amazonas, Brasil. Distribuição de casos segundo a idade e o sexo.

Idade (anos) Número de pacientes TotalMasculino Feminino

< 10 0 1 1

10-19 1 3 4

20-29 6 0 6

30-39 4 1 5

> 40 0 1 1

Tabela 2

Leishmaniose tegumentar americana na Comunidade São João, BR-174, Km 4, Manaus, Amazonas, Brasil.

Resposta ao tratamento administrado.

Número de 1o tratamento 2o tratamento Totalpacientes Medicação utilizada Cura Recidiva Medicação utilizada Cura

13 Antimoniais 9 4 Antimoniais 3 13

Anfotericina B 1

2 Pentamidina 2 0 2

1 Azitromicina 0 1 Antimoniais 1 1

1 Não tratado 1 0 1

17 12 5 5 17

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contrados neste trabalho. Boecken 19 verificouque o número de casos de leishmaniose tegu-mentar americana tem correspondência diretacom o índice pluviométrico na região de Ma-naus.

Provavelmente esse fenômeno deva-se aoaumento da densidade dos vetores de leishma-niose tegumentar americana na base das árvo-res, na floresta, segundo verificado por Pajot etal. 11, na Guiana Francesa, onde a maioria doscasos ocorria no início do período chuvoso (de-zembro e janeiro), quando as fêmeas infecta-das de Lu. umbratilis eram excepcionalmenteabundantes na base das árvores na floresta, fa-to mais uma vez comprovado pela captura demaior número de flebotomíneos nesse perío-do, destacando-se a predominância da Lu. um-bratilis.

A variação observada em relação à distri-buição de casos entre as diversas faixas etáriasapontam para a possibilidade de transmissãodomiciliar, peridomiciliar e ocupacional. Gru-pos de menor idade, principalmente abaixo deseis anos, e idosos costumam ficar dentro ouao redor das casas, indivíduos em fase produti-va, que se estima entre 20 e 50 anos, estão sobmaior risco para aquisição da leishmaniose te-gumentar americana devido às suas atividadeslaborativas na floresta, geralmente agriculturaou extrativismo. Boecken 19, em estudo realiza-do sobre o perfil epidemiológico da leishma-niose tegumentar americana em Manaus, veri-

ficou que a maioria dos casos de leishmaniosetegumentar americana ocorreu em pacientesjovens do sexo masculino, com predomínio en-tre 20 e 29 anos.

Atualmente, tem-se observado uma mu-dança no padrão epidemiológico de transmis-são das leishmanioses em diversos países daAmérica do Sul, com uma importante domici-liação de vetores em países como a Venezuela,Peru, Bolívia e Brasil 20. Por este motivo o pen-samento de que a leishmaniose tegumentaramericana na América do Sul desapareceria co-mo uma simples conseqüência da desfloresta-ção tem sido revisto; estes exemplos constituemuma convincente evidência de que o aumentoda domiciliação da transmissão de leishmanio-se cutânea, já bem caracterizada em determi-nadas áreas no Brasil 21, está se expandindo naAmérica Latina 20,22.

Uma parte significativa dos pacientes deleishmaniose tegumentar americana deste es-tudo tem atividades que os expõem aos vetoresda Leishmania, como agricultura e trabalho emgranjas. A maioria era do sexo masculino e ti-nha entre 20 e 29 anos. Houve um grupo de pa-cientes que possivelmente foi infectado no in-tra/peridomicílio, como uma criança de 12 me-ses 23 e uma senhora de 64 anos, e ainda umacasuística importante de donas-de-casa e estu-dantes. A aquisição da doença, nestes casos,pode ter ocorrido devido a flebótomos infecta-dos, que foram atraídos em direção às casas porvários fatores, dentre eles a presença de ani-mais domésticos, do homem, ou a presença deluz nas casas 16, sugerindo a transmissão no pe-ri/intradomicílio 9. Na Comunidade São João,as habitações são construídas próximas à orlada floresta e a atividade humana se desenvolvenesta ou em suas adjacências. Não há na litera-tura relatos de Lu. umbratilis, adaptado ao ha-bitat peridoméstico 13; os indivíduos entram emcontato com os vetores devido ao raio de al-cance desses insetos a partir de seu habitat na-tural na floresta 10. Em estudo epidemiológicorealizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, ob-servou-se que 9% dos casos ocorrem na faixaetária entre zero e nove anos de idade 24, po-rém na faixa de 5 a 15 anos a leishmaniose te-gumentar americana também é freqüente, sejapor penetração desses menores em áreas demata em atividades de extrativismo vegetal,cultivo, desmatamento ou simplesmente porhabitar próximo à floresta, entrando em conta-to com os vetores em seu ambiente natural, pa-drão comum no Município de Manaus 8,9,17.

Os habitantes da Comunidade São João cos-tumam adentrar a mata para atividades extra-tivistas e mesmo buscar água em cacimbas ce-

Figura 2

Leishmaniose tegumentar americana na Comunidade São João, BR-174, Km 4,

Manaus, Amazonas, Brasil. Exames realizados nos doentes.

0

5

10

15

20

Exame diretoCulturaInoculação em hamsters

BiópsiaSorologia

Paci

ente

s

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do pela manhã, período do dia em que parecehaver maior chance de infecção por Leishma-nia, pois os flebotomíneos ainda são coletadosem grande quantidade nas bases das arvoresnas primeiras horas da manhã, conforme obser-vado em estudos feitos na região 7,25. Assim, al-guns dos pacientes estudados, que não possuíamatividade relacionada à mata, poderiam tam-bém ter se infectado ao adentrar a floresta paraextrativismo, busca de água ou mesmo lazer.

Os reservatórios silvestres da leishmaniosetegumentar americana, reconhecidos na regiãode Manaus são: C. didactylus; T tetradactyla;Proechimys sp. e D. marsupialis, sendo este úl-timo um dos reservatórios mais importantes,pois tem o hábito de transitar no peridomicíliohumano, estabelecendo um elo entre ciclo sil-vestre e peridomiciliar 6,10,12,13.

Guerra et al. 18, em trabalho com reservató-rios em área periférica de Manaus, avaliaram20 exemplares de D. marsupialis, dos quais secoletou material para cultura, obtendo isola-mento de flagelados no sangue periférico, que,no entanto, não foram caracterizados comoleishmânias. Na Comunidade São João é fre-qüente o relato de D. marsupialis na periferiadas casas, sugerindo que estas, reconhecida-mente reservatórios de leishmaniose, por seucaráter sinantrópico, estejam exercendo estepapel em seu trânsito peridomicílio-mata, po-dendo ser encontrada alta taxa de infecção des-tes animais, explicável por uma diminuição nonúmero dos reservatórios primários bem comoaumento no número de gambás, atraídos pelohomem, nas áreas degradadas 26.

Em virtude do atraso na concessão da licen-ça para manuseio de animais silvestres peloIBAMA, retardou-se o início das atividades decaptura. Dessa forma, poucos exemplares foramcapturados, não permitindo adequada avalia-ção da taxa de infecção nos mesmos, bem co-mo sua importância na cadeia de transmissãono local.

Com relação às características clínicas, nacasuística de Romero et al. 27, pacientes comleishmaniose tegumentar americana por L. (V.)guyanensis apresentavam lesões mais numero-sas e de menor diâmetro que os pacientes in-fectados por L. (V.) braziliensis. As lesões pre-dominaram acima da cintura e o envolvimentolinfático ocorreu em 61,8% dos pacientes. Aocorrência de indivíduos com numerosas le-sões pode ser explicada pela ocorrência de pi-cadas simultâneas por vários insetos infecta-dos 4. Em nosso estudo, a maioria dos pacien-tes tinha entre uma e três lesões. A resposta aotratamento é variável em diversas séries apre-sentadas, e os antimoniais foram eficientes em

Tabela 3

Leishmaniose tegumentar americana na Comunidade São João, BR-174, Km 4,

Manaus, Amazonas, Brasil. Relação das espécies de flebotomíneos coletadas.

Espécie Total %

Brumptomyia pintoi (Costa Lima, 1932) 4 0,10

Lutzomyia abonnenci (Floch & Chassignet, 1947) 3 0,07

Lu. amazonensis (Root, 1934) 3 0,07

Lu. andersoni (Le Point & Desjeux, 1988) 2 0,05

Lu. anduzei (Rozeboom, 1942) 820 20,00

Lu. antunesi (Coutinho, 1939) 18 0,44

Lu. aragaoi (Costa Lima, 1932) 27 0,66

Lu. ayrozai (Barreto & Coutinho, 1940) 1 0,02

Lu. b. barrettoi (Mangabeira, 1942) 1 0,02

Lu. chagasi (Costa Lima, 1941) 3 0,07

Lu. claustrei (Abonnenc, Léger & Fauran, 1979) 9 0,22

Lu. corossoniensis (Le Point & Pajot, 1978) 2 0,05

Lu. cuzquena (Martins, Llanos & Silva, 1975) 2 0,05

Lu. davisi (Root, 1934) 154 3,75

Lu. dendrophyla (Mangabeira 1942) 9 0,22

Lu. eurypyga (Martins, Falcão & Silva, 1963) 492 12,00

Lu. evangelistai (Martins & Fraiha, 1971) 1 0,02

Lu. flaviscutellata (Mangabeira, 1942) 185 4,51

Lu. furcata (Mangabeira, 1941) 26 0,63

Lu. geniculata (Mangabeira, 1941) 12 0,29

Lu. Georgii (Freitas & Barret, 2002) 18 0,44

Lu. gomezi (Nitzulescu, 1931) 55 1,34

Lu. h. hirsuta (Mangabeira, 1942) 38 0,93

Lu. infraspinosa (Mangabeira 1941) 23 0,56

Lu. inpai (Young & Arias, 1977) 7 0,17

Lu. longispina (Mangabeira, 1942) 1 0,02

Lu. lutziana (Costa Lima, 1932) 2 0,05

Lu. monstruosa (Floch & Abonnenc, 1944) 70 1,71

Lu. nematoducta (Young & Arias, 1984) 24 0,58

Lu. olmeca nociva (Young & Arias, 1982) 207 5,04

Lu. paraensis (Costa Lima, 1941) 1 0,02

Lu. pilosa (Damasceno & Causey, 1944) 4 0,10

Lu. rorotaensis (Floch & Abonnenc, 1944) 79 1,92

Lu. ruii (Arias & Young, 1982) 8 0,19

Lu. scaffi (Damasceno & Arouck, 1956) 4 0,10

Lu. sericea (Floch & Abonnenc, 1944) 4 0,10

Lu. shannoni (Dyar, 1929) 8 0,19

Lu. sordellii (Shannon & Del Ponte, 1927) 81 1,97

Lu. spathotrichia (Martins, Falcão & Silva, 1963) 12 0,29

Lu. squamiventris squamiventris (Lutz & Neiva, 1912) 5 0,12

Lu. triacantha (Mangabeira, 1942) 72 1,75

Lu. trichopyga (Floch & Abonnenc, 1945) 191 4,65

Lu. trinidadensis (Newstead, 1922) 1 0,02

Lu. trispinosa (Mangabeira, 1942) 47 1,15

Lu. tuberculata (Mangabeira, 1941) 7 0,17

Lu. ubiquitalis (Mangabeira, 1942) 31 0,76

Lu. umbratilis (Ward & Fraiha, 1977) 1.325 32,30

Lu. walkeri (Newstead, 1914) 1 0,02

Lu. williamsi (Damasceno, Causey & Arouck, 1945) 4 0,10

Total 4.104 100,00

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69,23% dos casos com apenas uma série de tra-tamento, diferente de Romero et al. 27, mas nos-sa pequena casuística não nos permite inferirmaiores comentários a este respeito.

O registro das espécies Lu. umbratilis e Lu.anduzei, confirma o que já fora descrito quantoà sua predominância em regiões de florestas deterra firme na região da cidade de Manaus 14,15,

24. A presença desses vetores no peri e intrado-micílio e o fato de que as pessoas têm o acessoà mata, demonstra que os moradores da comu-nidade e os trabalhadores das propriedadesparticulares vizinhas estão expostos à transmis-são da leishmaniose tegumentar americana,necessitando de um plano de vigilância e con-trole entomológico para combater as popula-ções desses e de outros insetos vetores de doen-ças e, assim, contribuir para a melhoria da qua-lidade de vida desses moradores.

A leishmaniose é endêmica na área, e é umproblema de saúde pública para a Comunida-de São João.

A leishmaniose tegumentar americana naComunidade São João apresenta um perfil clí-

nico-epidemiológico semelhante a outros fo-cos já descritos na região 9,10,17,18, observadoem outras localidades em área rural do muni-cípio e na periferia da cidade de Manaus, commoradias próximas das matas, pessoas aden-trando e modificando essas matas e se expon-do aos vetores.

D. marsupialis parece ser um animal im-portante na cadeia de transmissão da leishma-niose tegumentar americana no local, entretan-to, são necessários mais estudos para estabele-cer sua importância como reservatório da leis-hmaniose tegumentar americana nessa comu-nidade, como já demonstrado em outras loca-lidades dentro do município.

A Lu. umbratilis foi a espécie prevalente naárea, indicando, mais uma vez, seu papel comoprincipal transmissor da leishmaniose tegu-mentar americana no município. No entanto, éimportante a manutenção de medidas educati-vas dirigidas à comunidade, além de vigilânciaepidemiológica, entomológica e de reservató-rios, visando ao controle dos casos.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Nelson Ferreira Fé pela iden-tificação das espécies de flebotomíneos e auxílio nascoletas dos reservatórios. Gisele Santos, Flávio Fé eElcimar Neves pelo auxílio nas coletas de flebotomí-neos e Omarina Guerra pela revisão do texto.

Colaboradores

J. A. O. Guerra coordenou e atuou em todo o trabalhode pesquisa, elaborou, redigiu e fez as correções fi-nais do artigo. J. A. S. Ribeiro participou de todo o tra-balho de pesquisa, da elaboração e redação do artigoe da revisão bibliográfica. L. I. A. R. C. Coelho partici-pou da parte de laboratório na pesquisa e da elabora-ção do texto. M. G. V. Barbosa participou na pesquisa,na redação geral do texto e discussão do trabalho naparte dos vetores e reservatórios. M. G. Paes partici-pou de todo o trabalho de pesquisa e na elaboraçãoda introdução e discussão do texto.

Resumo

Em Manaus, Amazonas, Brasil, o grau de exposiçãodos indivíduos à leishmaniose está relacionado aosprocessos de ocupação desordenada. Para avaliar fa-tores predisponentes à gênese do surto, confirmar odiagnóstico parasitológico, tratar os doentes, avaliaragentes etiológicos, reservatórios e transmissores, rea-lizou-se um estudo em Manaus, numa comunidadelocalizada no Km 4 da BR-174, durante 12 meses.Atendeu-se 451 indivíduos, dos quais foram diagnosti-cados 17 casos de leishmaniose tegumentar america-na. Seis pacientes eram mulheres e 11 homens. A idadevariou de um a 64 anos. Onze pacientes tinham entreuma e três lesões. Em relação aos reservatórios, trêsmarsupiais foram capturados. Não foram encontra-dos hemoflagelados nos exames realizados. Dentre osinsetos capturados, Lutzomyia umbratilis foi a espéciepredominante. Grande parte dos pacientes de leis-hmaniose tegumentar americana tem atividades queos expõem aos vetores da Leishmania. Um grupo depacientes foi infectado possivelmente no intra/perido-micílio. O perfil epidemiológico da leishmaniose tegu-mentar americana nessa comunidade é semelhanteàquele observado em outros focos na região. Com essacasuística, a leishmaniose tegumentar americana écaracterizada como endêmica e como um problema desaúde pública local.

Leishmaniose Cutânea; Leishmania; Surtos de Doenças

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EPIDEMIOLOGIA DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR 2327

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Recebido em 04/Jul/2005Versão final reapresentada em 10/Jan/2006Aprovado em 17/Jan/2006