Entrevista Eugênio Bucci

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20/11/13 News | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito observatoriodaimprensa.com.br/news/showNews/asp0502200394.htm 2/4 indignação cívica, em uma palavra, o temperamento. A singularidade de Os Sertões decorre da excepcionalidade da matéria em coincidência com o espírito capaz de compreendê-la. É evidente erro de julgamento querer que os seus livros posteriores possam comparar- se com o primeiro em termos absolutos: são coisas diferentes. Em formulação de paradoxal ironia, pode-se pensar que ele, a exemplo de numerosos outros, cometeu o erro de estrear com a sua obra-prima... De fato, pergunta Olímpio de Souza Andrade, e Euclides depois de Os Sertões? Que pensava do seu livro, da posição em que este o colocou?. Condenado a ser competidor de si mesmo, não escondia alguma impaciente irritação, como revelava em carta a Agustín de Védia, aqui citada: era um livro bárbaro de minha mocidade, quase um erro de juventude (tinha 31 anos quando o escreveu). E escreveu-o nos três anos em que residiu na cidade de São José do Rio Pardo reconstruindo a ponte depois disso tão famosa quanto o autor e a obra, sendo sabido que já embarcara para Canudos com o projeto de escrever um trabalho de fôlego, como anunciava O Estado de S. Paulo a 30 de julho de 97, ao registrar a partida do seu correspondente. Esse trabalho, acrescentava o jornal, será por nós publicado em volume. Por incrível que pareça, observa Olímpio de Souza Andrade, o livro não teve uma fase de lançamento despida de novos sacrifícios para o seu autor. Apesar da apresentação entusiástica de Lúcio de Mendonça ao provável editor, Euclides acabou por financiar, ele próprio, com um conto e quinhentos, mais ou menos duas vezes o seu ordenado, o lançamento da primeira edição. Tais dificuldades têm levado os seus biógrafos a perguntarem pelas razões invocadas pela direção de O Estado de S. Paulo para se desinteressar da publicação (...). Seja como for, os originais foram entregues à editora Laemmert que começou por recusá-los, acreditando que não teria público: O seu erro, entretanto, se patenteava logo mais, pois que, já em fevereiro de 1903, pagava a Euclides o saldo de dois contos e duzentos daquela edição, interessando-se vivamente pela segunda, de setembro do mesmo ano, depois pela terceira, de abril de 1904, pondo no mercado, no espaço reduzido de um ano e meio, 6 mil exemplares, que traduziam o grande e legítimo sucesso editorial daquele tempo. Agora, depois de numerosas reimpressões, o livro deve ser lido na edição Leopoldo M. Bernucci (São Paulo: Ateliê/ Imprensa Oficial/ Arquivo do Estado, 2001), com modelar aparato didático (hoje mais necessário do que nunca) e excelente introdução crítica. É um dos dois livros essenciais sobre Os Sertões, o outro sendo o de Manif Zacarias (Lexicologia de Os sertões: o vocabulário de Euclides da Cunha. Florianópolis: Garapuvu, 2001), ambos completados no plano crítico e historiográfico pelo indispensável Olímpio de Souza Andrade, tornando perempta, em conjunto, a maior parte da imensa bibliografia euclidiana. Canudos só permaneceu na memória coletiva por causa de Os Sertões, em contraste com as demais erupções de milenarismo de nossa história, incidentes de restrita amplitude. Nessas perspectivas, Canudos deve sua importância à circunstância todo acidental de haver inspirado uma obra- prima de literatura, um grande livro vingador que abriu na consciência da nacionalidade a ferida incurável e o remorso que ficaram ligados ao seu nome." ENTREVISTA / EUGÊNIO BUCCI Laura Mattos "Radiobrás não será chapa-branca, diz Bucci", copyright Folha de S.Paulo, 29/1/03 "Há três semanas no cargo de presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, 43, tem em suas mãos não só o destino da Voz do Brasil, produto mais famoso da empresa de comunicação do governo. O jornalista -que já foi crítico de TV da Folha e outros veículos- comandará quatro estações de rádio, duas de televisão, um site de notícias, além da produção de publicidade de órgãos estatais. Em entrevista, ele falou dos planos para a poderosa estatal, que conta com repasse de cerca de R$ 70 milhões/ano da União. E garantiu que não será chapa-branca, apesar de dizer que não pretende fazer um jornalismo independente do Estado. Folha - Há muito o que mudar no caminho que a Radiobrás seguia? Eugênio Bucci - Sim. Mais muita coisa tem uma orientação com a qual concordo. Uma é a Agência Brasil, um site que veicula informações do

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Entrevista do Prof. Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás, ao Observatório Da Imprensa

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20/11/13 News | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

observatoriodaimprensa.com.br/news/showNews/asp0502200394.htm 2/4

indignação cívica, em uma palavra, o temperamento.

A singularidade de Os Sertões decorre da excepcionalidade da matéria

em coincidência com o espírito capaz de compreendê-la. É evidente erro

de julgamento querer que os seus livros posteriores possam comparar-

se com o primeiro em termos absolutos: são coisas diferentes. Em

formulação de paradoxal ironia, pode-se pensar que ele, a exemplo de

numerosos outros, cometeu o erro de estrear com a sua obra-prima... De

fato, pergunta Olímpio de Souza Andrade, e Euclides depois de Os

Sertões? Que pensava do seu livro, da posição em que este o colocou?.

Condenado a ser competidor de si mesmo, não escondia alguma

impaciente irritação, como revelava em carta a Agustín de Védia, aqui

citada: era um livro bárbaro de minha mocidade, quase um erro de

juventude (tinha 31 anos quando o escreveu).

E escreveu-o nos três anos em que residiu na cidade de São José do Rio

Pardo reconstruindo a ponte depois disso tão famosa quanto o autor e a

obra, sendo sabido que já embarcara para Canudos com o projeto de

escrever um trabalho de fôlego, como anunciava O Estado de S. Paulo a

30 de julho de 97, ao registrar a partida do seu correspondente. Esse

trabalho, acrescentava o jornal, será por nós publicado em volume. Por

incrível que pareça, observa Olímpio de Souza Andrade, o livro não teve

uma fase de lançamento despida de novos sacrifícios para o seu autor.

Apesar da apresentação entusiástica de Lúcio de Mendonça ao provável

editor, Euclides acabou por financiar, ele próprio, com um conto e

quinhentos, mais ou menos duas vezes o seu ordenado, o lançamento

da primeira edição. Tais dificuldades têm levado os seus biógrafos a

perguntarem pelas razões invocadas pela direção de O Estado de S.

Paulo para se desinteressar da publicação (...).

Seja como for, os originais foram entregues à editora Laemmert que

começou por recusá-los, acreditando que não teria público: O seu erro,

entretanto, se patenteava logo mais, pois que, já em fevereiro de 1903,

pagava a Euclides o saldo de dois contos e duzentos daquela edição,

interessando-se vivamente pela segunda, de setembro do mesmo ano,

depois pela terceira, de abril de 1904, pondo no mercado, no espaço

reduzido de um ano e meio, 6 mil exemplares, que traduziam o grande e

legítimo sucesso editorial daquele tempo.

Agora, depois de numerosas reimpressões, o livro deve ser lido na

edição Leopoldo M. Bernucci (São Paulo: Ateliê/ Imprensa Oficial/ Arquivo

do Estado, 2001), com modelar aparato didático (hoje mais necessário

do que nunca) e excelente introdução crítica. É um dos dois livros

essenciais sobre Os Sertões, o outro sendo o de Manif Zacarias

(Lexicologia de Os sertões: o vocabulário de Euclides da Cunha.

Florianópolis: Garapuvu, 2001), ambos completados no plano crítico e

historiográfico pelo indispensável Olímpio de Souza Andrade, tornando

perempta, em conjunto, a maior parte da imensa bibliografia euclidiana.

Canudos só permaneceu na memória coletiva por causa de Os Sertões,

em contraste com as demais erupções de milenarismo de nossa história,

incidentes de restrita amplitude. Nessas perspectivas, Canudos deve sua

importância à circunstância todo acidental de haver inspirado uma obra-

prima de literatura, um grande livro vingador que abriu na consciência da

nacionalidade a ferida incurável e o remorso que ficaram ligados ao seu

nome."

ENTREVISTA / EUGÊNIO BUCCI

Laura Mattos

"Radiobrás não será chapa-branca, diz Bucci", copyright Folha de

S.Paulo, 29/1/03

"Há três semanas no cargo de presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci,

43, tem em suas mãos não só o destino da Voz do Brasil, produto mais

famoso da empresa de comunicação do governo.

O jornalista -que já foi crítico de TV da Folha e outros veículos-

comandará quatro estações de rádio, duas de televisão, um site de

notícias, além da produção de publicidade de órgãos estatais. Em

entrevista, ele falou dos planos para a poderosa estatal, que conta com

repasse de cerca de R$ 70 milhões/ano da União. E garantiu que não

será chapa-branca, apesar de dizer que não pretende fazer um

jornalismo independente do Estado.

Folha - Há muito o que mudar no caminho que a Radiobrás seguia?

Eugênio Bucci - Sim. Mais muita coisa tem uma orientação com a qual

concordo. Uma é a Agência Brasil, um site que veicula informações do

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20/11/13 News | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

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concordo. Uma é a Agência Brasil, um site que veicula informações do

governo com credibilidade, constantemente citado como fonte em vários

veículos.

Folha - E o que tem que mudar?

Bucci - A primeira coisa é dar ao cidadão as informações a que ele tem

direito. Uma empresa como a Radiobrás, que tem quatro emissoras de

rádio, duas de TV e o site, pode contribuir muito para isso. Também

vamos estabelecer uma comunicação de mão dupla, ouvir público e

colocá-lo ativamente nas programações das emissoras.

Folha - Como seria isso?

Bucci - É necessária a presença da reclamação ou sugestão do

telespectador. Como a página do leitor e o ombudsman nos jornais. Mas

não há ombudsman de TV.

Folha - No ano passado, por sugestão do ministério da Justiça, não foi

criado o cargo de ombudsman na Radiobrás?

Bucci - Temos uma ouvidoria, mas aprofundaremos a função.

Folha - O sr. acha possível que a Radiobrás e seus veículos não caiam na

tentação do governo de uma comunicação chapa-branca?

Bucci - Costuma-se pensar em comunicação de governo para

arregimentar consciências e não para dotar o cidadão do que precisa

para seu próprio julgamento. Pela primeira vez, direito à informação não

se contradiz à comunicação do governo. Um governo como o de Lula

sabe que só na cidadania tem sustentação e não combina com a idéia de

chapa-branca.

Folha - Polêmicas do governo Lula, como elevação da taxa de juros e

Imposto de Renda, seriam tratadas como em outros veículos?

Bucci - São temas que cabem numa comunicação que a Radiobrás pode

fazer. Mas é preciso estabelecer diferenças. A Folha, por exemplo, e a

Radiobrás ocupam lugares diferentes no espaço público. A Folha busca

um jornalismo sobretudo independente do Estado, o que é essencial

para a democracia. A Radiobrás é financiada pelo Estado e não tem

pretensão de ser independente na mesma perspectiva da Folha. Mas

pode ser independente de forças que atuam de forma coercitiva na

sociedade, como a do capital.

Folha - Em 2002, o Tribunal de Contas da União verificou que a Radiobrás

cobrou valores superiores em até 345% aos do mercado na confecção de

publicidade dos órgãos estatais. Isso mudará?

Bucci - Desconheço esses casos. Mas é evidente que os preços têm que

ser os praticados no mercado.

Folha - O sr. é favorável à obrigatoriedade da transmissão da Voz do

Brasil pelas rádios?

Bucci - Sou um servidor público e minha obrigação é fazer cumprir a lei. O

que posso fazer não é discutir obrigatoriedade, mas tornar a Voz do

Brasil um noticiário mais interessante e relevante.

Folha - O sr. participará da elaboração de políticas da TV comercial?

Bucci - Pretendo opinar se tiver oportunidade. Mas essa não é uma área

que dependa da minha ação e que esteja dentro das minhas atribuições.

Portanto, eu só posso participar se for convidado. E, se for, participarei

sempre na condição de cidadão."

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