ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS · 2016-08-15 · A maioria dos materiais...
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ENSINO DE CIÊNCIAS DO SOLO PARA ESTUDANTES SURDOS Noely Maria Lesnau1
Valentim da Silva2 RESUMO Os estudantes surdos, por apresentarem necessidades linguísticas diferenciadas, possuem dificuldade de se apropriarem dos conhecimentos científicos, sendo pela ausência de sinais específicos em Libras (Língua Brasileira de Sinais) para os conceitos, ou por métodos e materiais didáticos que não dialogam com a realidade e/ou as especificidades dos mesmos. O solo, como componente dos ecossistemas e elemento essencial à vida, deve ser compreendido e preservado. Para que se possibilite uma aprendizagem sobre o ensino de ciências do solo para estudantes surdos, há necessidade de procedimentos metodológicos que contemplem os processos, que levem em conta o conhecimento prévio do estudante surdo e que envolvam materiais que o favoreçam na apropriação de conceitos de forma contextualizada. As atividades e encaminhamentos metodológicos desenvolvidos possibilitaram aos estudantes surdos, do 6º ano do Colégio Alcindo Fanaya, construir novos conceitos e estabelecer diferentes relações, proporcionando novo significado ao ensino de ciências do solo. Palavras-chave: Ensino de ciências; Ciências do solo; Ciências do solo para surdos.
1. INTRODUÇÃO
Segundo as diretrizes curriculares da educação básica (Paraná, 2008), do
estado do Paraná, deve ser abordado o ensino de ciências do solo, principalmente
na educação fundamental. Estabelecendo atuação prioritária nas áreas de Ciências
e Geografia, sendo complementada nas demais áreas através dos temas
transversais. Ressalta-se que existem alguns desafios relacionados a abordagens e
contextualizações para o desenvolvimento do ensino desta ciência nas escolas da
rede pública. Segundo Lima (2005), alguns destes desafios estão vinculados aos
livros didáticos que apresentam conceitos fragmentados e descontextualizados, não
estabelecendo dialogo com a realidade das escolas e dos educandos, e favorecendo
a fragilização do ensino em ciências do solo. Ressalta-se também que as
abordagens desse tema de modo fragmentado, dificulta a construção de conceitos
que relacionam questões socioambientais dos educandos. Ainda, em algumas
situações, encontramos abordagens equivocadas nos livros didáticos. Outro ponto,
que favorece a superficialidade desse tema, são abordagens quase exclusivas sobre
o uso dos solos para atividades agrícolas, e deste modo desconsiderando as
necessárias compreensões sobre as áreas urbanas e de preservação. Assim, 1 Professora PDE: Especialista em limnologia e programação neurolinguística, graduada em biologia, professora da Rede Estadual de Ensino – SEED – PR - Colégio Estadual para Surdos Alcindo Fanay Jr. E-mail: [email protected] 2 Orientador PDE: Professor Doutor em Química pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Docente do Curso de Licenciatura em Ciências do setor Litoral da UFPR. E-mail [email protected]
distanciam-se as finalidades e os saberes sobre solo, desconsiderando-o como
parte dos diversos ecossistemas, essencial à vida.
Contribuindo com esses desafios, relacionadas ao ensino de ciências do solo,
também encontramos abordagens pertinentes à formação de docentes. Pois, os
processos tradicionais de formação inicial e continuada de professores, que atuam
na rede pública de ensino, contribuem para essa descontextualização.
Dentro destas, o ensino de ciências do solo, para estudantes surdos,
apresenta-se com desafios evidenciados, a serem superados. Para além das
situações apontadas, ainda apresentam-se características específicas, voltadas
principalmente as questões de comunicação para e com esses sujeitos. Nesta
perspectiva, para que se possibilite a construção de conceitos em ciências do solo,
os estudantes surdos necessitam de procedimentos metodológicos adequados que
respeitem suas particularidades. Sendo assim, processos que contemplam os
conhecimentos prévios, favorecem múltiplas relações conceituais, possibilitando
construir e integrar os saberes dos estudantes surdos com os acadêmicos,
proporcionando compreensão da realidade local e regional.
Reconhecendo as possibilidades e os desafios, propõe-se realizar algumas
abordagens metodológicas, práticas e experimentais, que buscam promover
aprendizagem significativa para os estudantes surdos do 6º ano do Colégio Estadual
para Surdos Alcindo Fanaya Junior, escola bilíngue no município de Curitiba-PR.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Ensino para surdos
No Brasil, o direito das crianças surdas à educação bilíngue é garantido pelo
Decreto Federal nº 5626, de 22 de dezembro de 2005. Este documento estabelece a
oferta obrigatória da educação bilíngue, no ensino básico aos estudantes surdos,
sendo Libras a primeira língua e a língua portuguesa, na modalidade escrita, a
segunda. Embora se constate a oralização em alguns surdos.
Dentro do exposto, necessita-se desenvolver estratégias pedagógicas que
contemplem os estudantes surdos e possibilitem a construção de conceitos
acadêmicos. De acordo com Quadros (2005), para garantir a educação bilíngue,
para estudantes surdos, o currículo deve ser organizado na perspectiva visual-
espacial.
A maioria dos materiais didáticos disponibilizados para o ensino de surdos,
apresentam previamente a necessidade do domínio da língua portuguesa, tanto
escrita como falada. Desta forma limitando-os, já que os mesmos apresentam
dificuldades no domínio da leitura e escrita, e dificultando na apropriação de
conceitos.
2.2. Ensino de Ciências
As atuais Diretrizes Curriculares da Educação Básica (Paraná, 2008), para o
ensino de ciências, afirma que esta disciplina tem como objeto de estudo o
conhecimento científico, que resulta da investigação da natureza, e propõem uma
prática pedagógica que integre conceitos dos sujeitos com os acadêmicos, e valorize
o pluralismo metodológico.
Segundo Bizzo (2009), a apropriação de novos conceitos, deve considerar as
características de cada estudante e as múltiplas possibilidades de relações
integradas aos saberes prévios dos sujeitos, ou seja, são possibilidades de
relação/integração, mediado pelas metodologias, experimentos, diálogos, estímulos
e fundamentações teóricas entre os saberes escolares e os vivenciados pelos
estudantes. O conceito científico torna-se de difícil entendimento para os surdos,
quando não há uma “visualização” adequada, podendo em algumas situações
interferir até de modo negativo no processo de aprendizagem.
Desta forma, busca-se a constituição de uma ótica para o ensino de ciências,
para estudantes surdos, de acordo com os parâmetros apresentados na LDB (Brasil,
1996), que abrangem os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,
na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
2.3. Ensino de ciências do solo
Não é o solo simplesmente um pedaço de chão, mas um sistema bastante
complexo, que traz como integrantes minerais na forma de agregados
granulométricos (argila, silte e areia) e matéria orgânica em constante
transformação, decomposição e intemperismo, sendo que possuem macros e micros
poros que podem armazenar água e ar e, também, muita vida, e desta forma
mantendo uma grande (bio)diversidade.
Segundo Bridges (1997), o solo é um componente essencial do meio
ambiente, constitui a parte superficial da litosfera, integra a maioria dos
ecossistemas, é reservatório dos ciclos biogeoquímicos, desempenha importante
papel na existência e manutenção da vida na Terra e na conservação da
biodiversidade. Embora tenha sua importância desconsiderada e desvalorizada, a
qual é negligenciada nos diferentes níveis de ensino dentro do atual contexto
escolar, o que, consequentemente gera crescimento dos problemas ambientais
ligados a degradação do solo.
O estudo científico do solo, a aquisição e disseminação de informações do
papel que o mesmo exerce na natureza e sua importância na vida do homem, são
condições primordiais para sua proteção e conservação, é uma garantia da
manutenção de meio ambiente sustentável.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
O projeto de intervenção pedagógica PDE foi desenvolvido no período de
2012 e implementado no primeiro semestre de 2013 no Colégio Estadual para
Surdos Alcindo Fanaya Junior, município de Curitiba-PR. Foi definido como público
alvo a turma do 6º ano do ensino fundamental, constituída por cinco estudantes
surdos bilíngues (Libras primeira língua e leitura em português como segunda
língua). Os cinco estudantes, com diferentes níveis de domínio em libras e leitura na
língua portuguesa foram denominados de:
E1 - estudante com bom domínio em libras e boa leitura;
E2 - estudante mediano em Libras e leitura mediana, também apresenta boa
oralidade;
E3 - estudante mediano em Libras e leitura mediana, pouco oralizado;
E4 - estudante mediano em Libras e leitura fraca;
E5 - estudante com dificuldade em Libras e nenhuma leitura.
3.1. Encaminhamentos didáticos pedagógicos
Fundamentando-se em Anastasiou & Alves (2004), sobre a aula expositiva
dialogada. Adaptamos as abordagens com auxilio de recursos visuais, buscando
através da mediação via dialogo em libras e na língua portuguesa, possibilitar a
construção de conceitos, organização, sistematização, interpretação, análise crítica,
comparação e dos temas abordados.
Os encaminhamentos são pertinentes às estratégias que visam o relato de
vivências, auxiliando na identificação dos conhecimentos prévios dos estudantes,
das suas práticas sociais, e desta forma possibilitando estabelecer relações entre os
seus saberes e os saberes apresentados.
Corroborando, Amaro et al (2005), que aponta a necessidade de obter
informações prévias sobre um determinado tema, desenvolveu-se um questionário
com cinco questões na língua portuguesa, sendo traduzido em libras no momento da
aplicação. Nas questões, os temas abordados foram: 1ª Fazer uma representação
do entendimento de solo; 2ª) Identificar locais que encontramos o solo; 3ª)
Reconhecer a importância do solo; 4ª) Identificar as cores e assinalar quais são
possíveis encontrar no solo; 5ª) Identificar, entre as algumas sugestões, o que pode
ser encontrado no solo.
Realizaram-se caminhadas de observação no bosque e arredores da escola,
com a finalidade de identificar a diversidade dos ecossistemas e a presença de
diferentes tipos de solos. Nessas, foram coletadas amostras de solos, e ainda os
estudantes trouxeram amostras de solos de suas residências, para desenvolver
atividades experimentais.
Propiciou-se a visitação a experimentoteca do Projeto de Extensão
Universitária Solo na Escola no setor Agrárias da UFPR, na qual os estudantes
examinaram um perfil didático de solo, participaram das atividades, experimentos e
demonstrações com diferentes tipos de solos do Brasil.
3.2. Atividades experimentais
As atividades experimentais descritas estão apresentadas em maiores
detalhes na produção didático pedagógica (Lesnau, 2012).
Utilizando, comparativamente, as amostras coletadas, observou-se a
composição granulométrica, textura dos solos, e ainda foi desenvolvido experimento
de simulação da composição do solo, adaptado de Lima (2007).
Para representar a formação do solo, demonstrando que os solos são
derivados de rochas, foi desenvolvida uma maquete, de acordo Lima (2007).
Adaptados de Capeche (2009) e Favoretto (2007) foram desenvolvidos
experimentos de impacto da gota de chuva e escoamento superficial; demonstrando
a ação da erosão e contextualizando com os impactos ambientais, sociais e
econômicos.
Para realizar experimentos que auxiliam na identificação de algumas
propriedades de solos, como porosidade, dureza, friabilidade, pegajosidade e
plasticidade, baseou-se em Lima (2007) e USP (2007).
Produziu-se tintas, de acordo com Capeche (2010), Carvalho (2009) e Lima
(2007), a partir dos diferentes tipos de solos coletados. Ainda, confeccionou-se
cartazes representativos sobre o solo.
3.3. Atividades com o Grupo de Trabalho em Rede (GTR)
Simultaneamente à implementação do projeto, houve a colaboração de um
grupo de trabalho em rede (GTR), formado por 13 professores da rede pública de
ensino do estado do Paraná, que participaram de forma virtual, através do sistema
moodle. O GTR é uma das atividades obrigatórias do PDE, previstas no Plano
Integrado de Formação Continuada do Programa, cujo objetivo é a socializar e
integrar sugestões nas produções do Professor PDE.
3.4. Processos avaliativos
Para os processos avaliativos, fundamenta-se em Demo (2004), respeitando
as orientações do Art. 24 da LDB (Brasil, 1996), a qual dispõe que:
”avaliação continua e cumulativa, do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre eventuais provas finais.” (Brasil, 1996, p. 58)
Neste sentido, as atividades desenvolvidas, sobre os aspectos de
conhecimentos construídos, relacionados ao ensino de solos, estão baseadas nos
encaminhamentos sobre: respostas do questionário (registros escritos e desenhos);
relatos em libras; atividades de observação; coletas de amostras de solo; visitação
ao projeto solo na escola; desenvolvimentos dos experimentos; produção de
material didático pedagógico sobre o ensino de solos; apresentação e exposição dos
materiais produzidos e interação com os demais estudantes do Colégio Alcindo
Fanaya Jr.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
O público alvo tem a Libras como disciplina curricular e conta com a maioria
dos professores bilíngues ou com a presença de intérprete de Libras, o que os
auxilia significativamente na compreensão dos conteúdos na escola, possibilitando o
acesso ao conhecimento aos estudantes surdos, respeitando sua diferença e
lembrando que a linguagem tem importante papel no processo de significação
conceitual.
4.1. Questionário diagnóstico
Esse mecanismo pretende contemplar os sujeitos e identificar algumas
lacunas conceituais a respeito do ensino de ciências do solo. Sendo que a análise
dos dados coletados nos questionários auxiliou na identificação dos conhecimentos
prévios dos estudantes sobre o solo, demonstrando a fragilidade desses
conhecimentos. A figura 01 mostra um dos estudantes respondendo ao questionário.
Figura 01 – Estudante surdo respondendo o questionário diagnóstico.
Através das representações gráficas na figura 02, via “desenhos”, os
estudantes E1, E2, E3 e E4, demonstram entendimento sobre o solo, relacionando à
granulometria, já que se pode identificar pontinhos ou tracinhos. Ainda, E1, E3 e E4
relacionaram, no entendimento sobre o solo, conceitos pertinentes à presença de
plantas, destaque às raízes. Apenas E1 fez registro de animais e presença de água.
Já, os encaminhamentos metodológicos utilizados não contemplaram o estudante
E5, ressaltando-se que o mesmo não é bilíngue (domínio em libras e leitura em
português), e ainda não é oralizado.
Figura 02 - Representação gráfica, dos estudantes surdos, sobre o entendimento do solo.
E1
Algumas das informações “desenhadas”, como solo e areia, não podem ser
diferenciadas na figura 02. Essa informação, não está relacionada a habilidade
artística dos estudantes, mas sim há sobre posição de sinais, representado na figura
03. A qual utiliza o mesmo sinal para conceituar o solo (fig. 03-A) e a areia (fig. 03-
B), de acordo com o dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais
brasileira (Capovilla & Raphael, 2001).
E2
E3
E4
E5
Figura 03. Sinal em libras para solo (A) e para areia (B)
Fonte: recorte de Capovilla & Raphael, 2001, p. 1207 (A) e p. 222 (B).
A pergunta quanto aos locais onde o solo pode ser encontrado foi mal
formulada e não atingiu os alunos. Os cinco estudantes responderam ao
questionamento com uma única palavra: plantas, chão, jardim, bosque, pedra,
respectivamente para E1, E2, E3, E4 e E5. Sugerindo que há uma dificuldade de
entendimento entre o questionamento na língua portuguesa, limitando os quatro
estudantes com bom domínio em libras. Ainda evidencia-se que há falta de sinais
para os diferentes locais que se podem encontrar solos, afirmativa que se sustenta
na ausência de respostas para a questão.
Quanto a considerar o solo importante, todos os estudantes escolheram a
resposta afirmativa.
Na questão de múltipla escolha e com auxilio visual, foram inseridas diversas
cores: marrom, verde, branco, cinza, preto, laranja, rosa, vermelho, amarelo, e azul.
Permitido escolher mais de uma alternativa, todos os estudantes marcaram o
marrom como cor de solo, destes, três marcaram o verde, dois marcaram o cinza e o
preto, um o laranja e outro o rosa. Ainda, nenhum dos estudantes marcou as cores
azul, vermelho e amarelo.
Esses dados demonstram que os estudantes não estiveram em contato com
diferentes tipos de solos, haja vista que dominam em libras ou em língua portuguesa
as cores. Por serem moradores de área urbanizada e terem poucas oportunidades
de estarem em contato com ambientes naturais, e quando isso acontece se destaca
a observação de animais e em segundo plano de plantas, ficando o solo
praticamente esquecido. A não ser no parquinho, a areia para brincar e quando tem
a vivência de plantar, em uma horta ou jardim. Nessa questão a linguagem não foi
diferencial.
Na última questão, de múltipla escolha sem apoio visual, os estudantes
assinalaram o que tem no solo. Como sugestão de “coisas” que podem ser
encontrado nos solos, foram acrescentadas alternativas: pedra, plantas, água,
A B
animais, ar, açúcar e sal. As informações do questionário demonstram que todos os
estudantes dominam o entendimento de que as plantas e pedras fazem parte do
solo. Essa informação se torna relevante, pois de acordo com Lima (2007), o solo
tem como material de origem as rochas, e o intemperismo destas resulta em pedras,
ainda as plantas é um dos fatores de formação de solos. Desta forma, através
destas informações, permite-se hipotetizar que os estudantes estabelecem relações
conceituais entre o material de origem os fatores de formação de solo.
Somente o estudante E1, com bom domínio bilíngue, estabeleceu relação
com animais e o solo. A ausência dessa relação, entre animais e o solo, nos demais
estudantes, demonstra a fragilidade da construção de conceitos no ensino de
ciências, com currículo fragmentado e disciplinar. Pois ao abordar os seres vivos no
ensino de ciências, a ausência de sinais em libras, os desafios de superação com os
materiais didáticos não específicos para os surdos, as abordagens
descontextualizadas, a desconsideração sobre os saberes prévios dos estudantes,
contribuem para um ensino sem sentido e que não interagem com o cotidiano dos
estudantes.
Já, três estudantes (E1, E2 e E4) identificaram a água como substância
encontrada no solo, e somente o estudante E2 estabeleceu relação entre o solo e o
ar. Novamente, demonstrando que o domínio bilíngue favorece aos surdos
estabelecer relações conceituais sobre diferentes temas.Entre todos os estudantes,
os dados demonstram que nenhum estabeleceu relação com o solo e a presença de
açúcar e sal.
4.2. Desafios para com o domínio em libras
O método de aula expositiva dialogada favoreceu na troca de informações e
relatos de vivências. Embora esses dois encaminhamentos tenham sido fragilizados
pela constatação de ausência de vocabulário específico em libras. A falta de sinais
para algumas abordagens em libras dificulta, tanto os estudantes como o professor,
no processo de entendimento dos “diálogos”. Dado essa ausência de sinais, os
recursos visuais favoreceram os estudantes a estabelecer diversas relações
conceituais, pertinentes ao tema.
Observou-se, durante os relatos de vivências, que os estudantes E1, E2, E3 e
E4, identificam o solo como elemento presente no cotidiano. Essa afirmação indica o
domínio de informações e conceitos prévios a respeito da ciência do solo. Esse
indicativo favoreceu o estabelecimento relações conceituais novas que estavam
sendo apresentadas com os seus saberes prévios. Já o estudante E5 apresentou
dificuldade em interagir, atribuído a falta de domínio em Libras e na leitura em língua
portuguesa.
Observou-se que os estudantes bilíngues estabelecem maiores relações
conceituais e podem dominar maior número de informações. No sentido contrário,
estudantes com dificuldade bilíngue, estabelecem menor número de relações
conceituais, por falta de sinais em libras, demonstrando a dificuldade de abordagens
sobre temas específicos, sendo nesse caso o ensino de ciências do solo para os
estudantes surdos.
4.3. Atividades de campo
Os cinco estudantes surdos foram extremamente observadores e participaram
ativamente das caminhadas, realizando atividades de comparação e coleta de
amostras. Na figura 04 um dos estudantes confirma a presença de seres vivos no
solo.
Figura 04 - Estudante manuseando solo.
Identificaram solo em diversos locais, diferenciando as colorações, texturas,
tamanho de partículas, existência ou não de seres vivos, também perceberam a
umidade concluindo ter presença de água. Relataram que responderam diferente no
questionário, pois nunca haviam percebido essas características do solo, nem que
ele estava presente em tantos lugares.
Realizaram também as coletas de amostras, três colheres de sopa, de cada
local, que foram acondicionadas em sacos plásticos e organizadas em caixas de
papelão, que foram guardadas no laboratório de ciências do colégio. A professora
ajudou na escrita das identificações.
Na aula de campo no setor de agrárias da UFPR foi houve grande interesse
dos estudantes. A primeira observação deles, assim que desceram do ônibus, foi
que era o lugar que eles haviam visto em um dos vídeos apresentados na escola, e
perguntarem pelas pessoas que estavam no filme. Dois monitores, sem
conhecimento em Libras, do projeto Solo na Escola, acompanharam o grupo na
visita, a professora e um intérprete traduziram as informações e questionamentos.
Os estudantes identificaram os experimentos que já haviam realizado, fizeram
perguntas aos monitores e também, explicaram, em Libras, alguns dos
experimentos. Na observação do perfil do solo, relacionaram com a maquete que
haviam montado.
4.4. O grupo de trabalho em rede - GTR
O GTR foi um momento muito importante justamente pela possibilidade de
troca de experiências e sugestões com os professores participantes, que possuem
formação diferenciada e pertencem a realidades diversas. Os professores
analisaram o projeto de intervenção e o material didático, discutindo sua relevância e
aplicabilidade.
4.5. Atividades experimentais
As atividades experimentais foram realizadas em grupo pelos estudantes, no
laboratório de ciências com a orientação da professora. Foram os momentos de
maior entendimento, experimentando e descobrindo.
Na montagem da maquete da formação do solo (Fig. 05) todos os estudantes
colaboraram e puderam perceber que a alteração das rochas com o passar do
tempo e a ação do clima, organismos e relevo formaram o solo, que a camada de
solo poderá ter diferentes espessuras dependendo da ação desses fatores. A
maquete foi usada posteriormente na apresentação para os outros estudantes da
escola, com apoio visual dos painéis.
Figura 05 – Maquete da formação do solo.
Na atividade de simulação da composição do solo cada estudante manipulou
os materiais com suas diferenças granulométricas, lembrando que o solo não é
apenas o produto de um punhado de granulometrias misturadas, sendo o
experimento uma hipotética constituição do solo.
Para a verificação da porosidade do solo os estudantes tinham claro que a
pedra não absorveria a água e que a esponja absorveria (Fig. 06), mas o torrão de
solo seco gerou dúvidas, os experimentos demonstraram a capacidade de absorção
de água e a presença de ar no solo, foto que os encantou (a saída da bolha de ar de
dentro do torrão de solo seco quando colocado dentro da água, como mostra a
figura 07).
Figura 06 – Verificando, comparativamente, a capacidade de absorção de água em rocha (A); espoja (B); e agregado de solo (C).
A B C
Figura 07 - Observando a presença de ar no solo.
Nos experimentos que abordaram a erosão eles puderam evidenciar a
importância da cobertura vegetal na conservação do solo.
A produção de tintas a partir dos solos foi a atividade mais divertida, puderam
perceber a gama de cores que pode ser encontrada além das que eles
manusearam. Todos os painéis e cartazes para a exposição foram feitos com essas
tintas. Organizou-se uma coloroteca (figura 08) com amostras de todas as tintas
produzidas. Também foi realizada uma atividade de pintura com tinta dos solos para
os alunos das turmas da Educação Infantil ao 5º ano, coordenada pelos estudantes
do 6º ano.
Figura 08 - Coloroteca montada pelos estudantes surdos.
Como um dos processos de avaliação foi montado um painel (fig. 09), na
parede do hall superior do colégio, com o material produzido, e organizada uma
exposição com os experimentos realizados. Os estudantes convidaram todas as
turmas da escola para assistirem as explicações. As apresentações (4) foram em
Libras com o apoio do painel e dos experimentos. E1, E2 e E3 tiveram bastante
facilidade e responderam os questionamentos, E4 teve um pouco de dificuldade, e
E5 não consegui explicar sua parte, mas os estudantes estavam tão integrados que
um dava suporte ao outro. Foram aplaudidos e elogiados pelos colegas e
professores após cada apresentação.
Figura 09 - Painel com o material produzido durante as aulas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades e encaminhamentos metodológicos possibilitaram aos
estudantes surdos, do 6º ano do Colégio Alcindo Fanaya, construir novos conceitos
estabelecer diferentes relações, proporcionando novo significado ao ensino de
ciências do solo.
A educação bilíngue tem potencial para atender os estudantes surdos, mas
há necessidade de criação de vocabulário para expressar os conceitos científicos
em Libras, pois a ausência de sinais e a sobre posição conceitual dificultam a
aprendizagem dos estudantes surdos, inclusive no ensino de ciência do solo.
Verificou-se que práticas pedagógicas que possibilitam o respeito às diferenças de
domínio de linguagem e comunicação, auxiliam na quebra de barreiras e
potencializam a construção de conceitos pertinentes as ciências do solo.
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