Ensaio Rui Matoso Cérebro Ciborgue v1.2 Julho 2015
description
Transcript of Ensaio Rui Matoso Cérebro Ciborgue v1.2 Julho 2015
CÉREBRO CIBORGUEINDIVIDUAÇÃO E CONSCIÊNCIA NO PÓS-HUMANO
Rui Matoso
Resumo
Retomando Foucault, parece-nos claro que as interferências psicotecnológicas na estrutura da rede neuronal (neuropoder) e nas formas de consciência (noopower/noopolítica), requerem novas formas de resistência cultural antagonistas das formas de governamentabilidade ancoradas na sujeição e submissão das subjectividades. Propõe-se neste ensaio um debate em torno da construção social da subjectividade pós-humana e da incorporação cibernética da mente. Neste sentido, defendemos que a esperança daqueles que pretendem uma política radicalmente democrática reside na expectativa de que a subjectividade política do ciborgue, enquanto sujeito pós-humano, possua características totalmente distintas de modo a não poder ser reinscrito na história do humanismo, em sentido estrito.
Palavras-chave:
Ciborgue – Neuro-ciberbehaviourismo – Cibernética - Pós-Humano
Julho 2015
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Doutoramento em Ciências da Comunicação
Rui Matoso 2015 | [email protected] | http://grupolusofona.academia.edu/ruimatoso
Anúncio da câmara fotográfica Hasselblad 205 TCC (1991)
1. INTRODUÇÃO: CÉREBRO, CONSCIÊNCIA E INCORPORAÇÃO
Não há virtualidade da consciência; há consciência da virtualidade.J.P. Sartre
In adopting/adapting a prosthesis, the person creates (or is created by) a self-identity that is no longer defined by the edict ‘I think, therefore I am’; rather, he or she is constituted in the relation ‘I can, therefore I am’.
Celia Lury
A elaboração deste ensaio visa reflectir acerca da relação entre o meio-ambiente
cibernético e os processos de individuação da mente (self) no contexto sociocultural
contemporâneo, marcado por dinâmicas políticas, tecnológicas e culturais concretas.
Neste sentido, não procuramos abarcar a reflexão ontológica em torno da consciência-em-
si, mas antes uma aproximação epistemológica à existência da mente incorporada e
historicamente situada no horizonte temporal que denominaremos genericamente como
capitalismo tardio1 e na sua actual declinação como capitalismo semiótico2.
Sendo assim, não é nosso objecto de estudo a mente solipsista enclausurada no cérebro e
na caixa negra craniana, mas antes a mente conectada dos colectivos sociotécnicos, na sua
existência material concreta e histórica.
Não nos parecerá descabido este ponto de partida, se entendermos o self (Eu: O próprio)
como um modo de ser e enquanto processo do saber - conhecer e pensamento3 - em vez de
procurar conferir-lhe um ser, para evitar cair no idealismo e no solipsismo. Neste caso, o exame da
1 Fazendo uso da reconhecida fórmula das três fases do capitalismo de Ernest Mandel, Fredric Jameson, em Culture and Finance Capital, descreve o capitalismo tardio – estádio especulativo da expansão financeira- como uma espécie de vírus desenvolvendo-se numa epidemia lançada pela máquina capitalista, ou seja, pela «descodificação generalizada de fluxos, pela desterritorialização massiva e pela conjugação de fluxos desterritorializados» (Deleuze e Guattari: 232), refletindo-se na «descodificação dos Estados pelo capital financeiro e pelas dívidas públicas» (idem: 234). Neste entrelaçado semiótico entre linguagem, imagem, código e capital vejam-se ainda as seguintes ideias: «O espetáculo é o capital a um tal grau de acumulação que se torna imagem.» (Guy Debord, A sociedade do espetáculo); «A linguagem é um vírus do espaço extra-terrestre» (William S. Burroughs, A revolução eletrónica); «Because of its cognitive power, code is uniquely suited to perform this mediating role across the entire spectrum of the extended human cognitive system.» (N. Katherine Hayles, Traumas of Code); «Dinheiro e linguagem têm algo em comum: eles não são nada e mesmo assim movem tudo» (Franco Berardi Bifo, Emancipation of the Sign);
2 Atualizando a concepção inicial de Marx, Franco Berardi Bifo incide a sua análise nos excessos do trabalho semiótico nas redes telemáticas em torno da linguagem e da informação, i.e., na produção daquilo que designa como info-mercadoria ou semiocapital: «O semiocapital apropria-se das energias neuro-psíquicas e coloca-as ao seu serviço, submetendo-as às velocidades maquínicas e compelindo a atividade cognitiva a seguir o ritmo da produtividade das redes telemáticas. » (Bifo, 2010, tradução nossa)
3 Levinas (1991:14): « Enquanto saber, o pensamento é o modo pelo qual uma exterioridade se encontra no interior de uma consciência que não cessa de se identificar, sem ter de recorrer para tal a nenhum signo distintivo e é Eu:O Próprio. O saber é uma relação do Próprio com o Outro onde o Outro se reduz ao Próprio e se despoja da sua alienabilidade (...)». Por outro lado, não nos parece que a leitura de Levinas seja incompatível com a noção de um sujeito cognoscente (self) fragmentado, dividido ou não unificado, nomeadamente, como veremos, devido às incorporações maquínicas da mente (Cf. Turkle,Sherry (2005). The Second Self: Computers and the Human Spirit. The MIT Press)
«consciência não-tética revela um certo tipo de ser a que chamaremos de 'existência'. A
existência é a distância relativamente a si, deslocação» (Sartre: 86). Estamos portanto mais
próximos da esfera da psique, ou dito de forma prosaicamente heideggeriana, do homem.
Pretendemos também contornar a tendência reducionista implícita na neurociência de
matriz biológica, que faz residir as explicações do comportamento e da cognição no nível
elementar da biologia, nas células neuronais e suas reticulações (neurocorrelação). A crítica da
correlação fisiológico-cognitiva entre a estrutura biológica neuronal e um determinado
comportamento ou estado psíquico já havia sido assinalada por Henri Bergson em 1904: «the
dogmatic affirmation of psycho-physiological parallelism is another matter altogether. It is no
longer a scientific rule, but a metaphysical hypothesis.» (Bergson, 1904).
Consequentemente, não nos parece ser possível formular uma teoria adequada acerca da
actividade do cérebro, se não dispusermos, também, de uma teoria adequada dessa actividade,
ou, como refere Howard Gardner, não é sensato falar sobre a mente, o self, ou a acção sem um
conhecimento considerável dos perigos iminentes do mentalismo: «podem conhecer-se todas as
conexões cerebrais envolvidas na formação de conceitos, mas isso não ajudará, minimamente, a
perceber o que é um conceito» (Gardner: 386).
Apesar de tudo, não se pretende negar a evidência de que os fenómenos mentais sejam
biologicamente fundados pelos mecanismos cerebrais, a mente e o corpo interagem mas não são
duas coisas diferentes, visto que os fenómenos mentais são justamente características do cérebro
(Searle: 33).
Diríamos, portanto, que o enfoque cognitivo e problemático deste ensaio procura ir ao
encontro do mundo-da-vida (Lebenswelt, Husserl), do mundo social e da experiência humana
(Dasein), onde a mente, para além da incorporação biológica individual, tem existência como
intersubjectividade e intencionalidade, como entidade relacional que expande a sua presença
com e através de outros cérebros biológicos e artificiais (telepresença). Neste sentido partilhamos
as convicções de Francisco Varela, Evan Thompson e Eleanor Rosch, apoiadas em Merleau- Ponty,
de que «as novas ciências da mente precisam de alargar o seu horizonte para poderem
acompanhar tanto a experiência humana vivida como as possibilidades de transformação
inerentes à mesma» (Varela, Thompson e Rosch: 15). Poderemos assim postular a
interdependência e consubstancialidade entre os fenómenos de cultura, poder, comunicação e
sociedade, uma vez que os estados mentais de um indivíduo se dirigem maioritariamente a um
outro4.
4 Este pressuposto é válido no contexto da comunicação mediada ou relacional, i.e., sem recurso a tecnologias de telepatia sintética - Neural Decoding Artificial Telepathy - (comunicação cérebro-cérebro). Vide, p.ex:
Quanto ao problema da incorporação cibernética da mente, este remete desde logo para a
necessidade de se verificar que a tecnogénese, após o advento da cibernética protagonizado por
N. Wiener, favoreceu a extensão telemática do sistema nervoso (McLuhan, 1964)5 e o seu
entrelaçamento protésico com múltiplas tecnologias sensoriais, analisados por Gilbert Simondon
ou Bruno Latour, entre outros.
Foi Simondon quem definiu o termo conjunto sociotécnico (socio-technical ensemble) para
se referir à “fusão” entre o homem e os computadores como relação transdutiva, i.e., à relação de
modulação entre o potencial e o atual através da operação transdutiva gerada pela conservação
da informação (Simondon, 2007: 158-160). Bruno Latour concebeu essa mediação como
paradoxo da dualidade do composto actor-rede, usando inclusive a metáfora quântica da onda-
corpúsculo6 para explicitar a originalidade da Actor-Network Theory.
Quanto ao corpo, no que se refere à aura histórica da “natureza humana”, o pensamento
de Walter Benjamim acerca da perda da aura na obra de arte na era da sua reprodutibilidade
técnica, se aplicado ao humano, levar-nos-ia igualmente a concluir que o original biológico
humano já não existe na época do humano reproduzido e modificado biotecnologicamente, e se
as próteses da era industrial eram exotécnicas, as da era contemporânea são esotécnicas. Estamos
assim na era das tecnologias moles, do software genético e mental (Baudrillard: 129).
Há muito que o ciborgue deixou de ser apenas o organismo cibernético da ficção científica,
entrando definitivamente na esfera da realidade social, a qual significa relações sociais vividas,
significa a nossa construção política mais importante, significa uma ficção capaz de mudar o
mundo (Haraway: 36). Neste enquadramento, a noção de pós-humano assume a dupla
transmutação do potencial plástico da espécie: a) ao nível biotecnológico7 o processo de
replicação sintética do ciborgue está desvinculado do processo de reprodução sexual-orgânica; b)
ao nível dos fenómenos mentais, i.e., da subjectividade individual e colectiva (individuação e
transindividuação) como lugar de desconstrução da categoria de “humano” proveniente do
http://harvardsciencereview.com/2014/05/01/synthetic-telepathy/. Contudo seria muito pertinente a breve trecho investigar as consequências e efeitos da telepatia sintética nos modos de representação da alteridade.
5 « During the mechanical ages we had extended our bodies in space. Today, after more than a century of electric technology, we have extended our central nervous system itself in a global embrace, abolishing both space and time as far as our planet is concerned.» (McLuhan , 1964)
6 «To try to follow an actor-network is a bit like defining a wave-corpuscle in the 1930s: any entity can be seized either as an actor (a corpuscle) or as a network (a wave). It is in this complete reversibility—an actor is nothing but a network, except that a network is nothing but actors—that resides the main originality of this theory. Here again, network is the concept that helps you redistribute and reallocate action.» (Latour, 2011)
7 Matoso, Rui (2015). Biotransduções. https://www.academia.edu/6966572/Biotransdu%C3%A7%C3%B5es
iluminismo, por exemplo através de Michel Foucault8 e da sua crítica da
racionalização/normalização das sociedades disciplinares e da biopolítica; ou por via da obra de
Katherine Hayles (Hayles, 1999) e da sua crítica ao individualismo humanista liberal e do livre
arbítrio auto-proclamado, à qual a categoria de pós-humano permite contrapor o
reconhecimento da agência relacional e distribuída, corrigindo assim a excessiva ênfase na
autonomia da consciência ensimesmada com uma proposta cibernética dos processos cognitivos
incorporados na carne e simultaneamente expandidos à envolvente sociocultural e tecnológica.
8 Entre outros textos, Cf. Foucault, Michel (1982). The Subject and Power. In Critical Inquiry, Vol. 8, No. 4, (Summer, 1982),The University of Chicago Press. Pp. 777-795.
2. MEIO-AMBIENTE, TRANSDUÇÃO E INDIVIDUAÇÃO
New technologies foster efficiency and madness in the same flow.
Félix Guattari
In the biotechnological age, life has taken a dramatic form;
today’s life is not only concerned with technology, it co-emerges with it.
Marie-Pier Boucher
MEIO- AMBIENTE
A ideia de que o ser humano vive e interage em ambientes que o condicionam contém
perspectivas distintas e complementares. No contexto da sociologia da cultura é usual afirmar-se
que o seres humanos vivem imersos como peixes num aquário de águas semióticas, tomando
como naturais os fluxos e as forças culturais que atravessam o quotidiano. No quadro da
modernidade, o diagnóstico avançado por Georg Simmel em As Metrópoles e a Vida Mental9
(Simmel, 2004: 76). Não terá sido por acaso que a noção de “meio”, derivada do latim medium, se
impôs como factor estruturante nos estudos das ciências da comunicação.
Historicamente considerado, o termo foi importado da mecânica para a biologia, na
segunda metade do século XVIII, surgindo na Enciclopédia, de d’Alembert e Diderot. Os
mecanicistas franceses designaram por “meio” o que Newton – e antes dele, Christian Huygens -
entendia por “éter”, o fluido (veículo da ação) que permeava os corpos e permitia a interação à
distância (Lei da Atração Universal). Na sua Óptica, Newton considera o éter como estando em
contiguidade no ar, no olho, nos nervos e nos músculos. Desse modo, seria pela acção de um
meio que se garantia a ligação de dependência entre a fonte luminosa percepcionada e os
movimentos orgânicos através dos quais o homem reage a essa sensação.
Auguste Comte, ao propor uma teoria biológica geral do meio (Cours de Philosophie
Positive, de 1838) desenvolve aquela noção como sendo o «conjunto total das circunstâncias
exteriores necessárias à existência de cada organismo» (Canguilhem, 2011: 143) , salientando a
relação de reciprocidade entre o meio e o organismo, ainda de acordo com o princípio
newtoniano da acção e da reacção.
A partir de 1859, com a publicação de Origem das Espécies, Charles Darwin propõe mais
variáveis privilegiando a relação entre o vivente e o meio, concebida como conjunto de forças
9 A publicação original Die Großstädte und das Geistesleben é de 1903.
físicas, a concorrência vital e a seleção natural. Devido às suas viagens exploratórias, Darwin está
mais próximo dos geógrafos, reconhecendo a importância da diversidade biogeográfica do meio e
a sua influência na constituição das circunstâncias concretas que suportam a vida.
A extensão da noção de meio à escala planetária dá-se por via do naturalista Alexander
von Humboldt, na sua obra Kosmos (1845) é apresentada uma síntese dos conhecimentos tendo
por objecto a vida sobre a Terra e as relações da vida com o meio físico envolvente. Esta
mundivisão da totalidade denota a abertura de um pensamento geofilosófico e da relação entre a
humanidade e o planeta, abrindo assim caminho à história universal e à geopolítica.
Contudo, será John B. Watson, que pela sua investigação no campo do comportamento
animal estará na origem dos postulados da psicologia behaviorista, Watson tinha como propósito
a objectividade científica e o estudo dos comportamentos observáveis e que pudessem ser
descritos através do conceito de estímulo e resposta, desprezando o estudo da consciência:
«Psychology as the behaviorist views it is a purely objecve experimental branch of natural science.
Its theoretical goal is the predicon and control of behavior (...) It is granted that the behavior of
animals can be invesgated without appeal to consciousness» (Watson, 1913). Deste ponto de
vista, o meio define-se como um apriori investido de todos os poderes na relação com os
indivíduos que o habitam, e assim, a situação do vivente equivale a uma condição imposta, ou a
um condicionamento pré-determinado pelo estímulo10.
A articulação entre as formulações oriundas do darwinismo, behaviorismo e mecanicismo,
continuam ainda hoje operacionais na investigação das redes telemáticas e da interação homem-
máquina, sendo o conjunto de práticas experimentais e terapêuticas designado como
neurofeedback aquele que actualmente se evidencia como resultado de um determinismo
tecnológico behaviorista, designadamente no que respeita aos fenómenos de condicionamento
desencadeados pela activação dos centros neuronais de recompensa e pelo reforço do
feedback11; ou nas experiências de manipulação das emoções – contágio emocional - dos
utilizadores da rede social Facebook12.
10 « The psychology which I should attempt to build up would take as a starting point, first, the observable fact that organisms, man and animal alike, do adjust themselves to their environment by means of hereditary and habit equipments. These adjustments may be very adequate or they may be so inadequate that the organism barely maintains its existence; secondly, that certain smuli lead the organisms to make the responses. In a system of psychology completely worked out, given the response the smuli can be predicted; given the smuli the response can be predicted.» (Watson, 1913)
11 Tal como refere Dwight E. Fultz, «behaviorists are well-positioned to develop a neuroscience-based source code in which neural activity is described in behavioral terms, providing a basis for behavioral conceptualization and education of neurofeedback providers and their clients.» (Fultz, 2009: 160)
12 Cf. o estudo Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through social networks (Kramer e outros, 2014).
Apesar de ridicularizado por John B. Watson (1913), Jakob von Uexküll tornou-se um dos
primeiros biólogos cibernéticos e um dos pensadores fundamentais para a teoria biosemiótica
através do seu conceito Umwelt. Por um lado, Uexküll rejeitou em grande medida a teoria da
selecção natural de Darwin, porque esta não lhe permitia observar a interligação harmoniosa
entre espécies e organismo. Por outro, contrariou o behaviorismo ao defender a importância da
consciência (o mundo interior) do animal na sua relação com o ambiente: «Behaviorism in
psychology, such as Pavlov's experiments on dogs, investigated animals as mechanisms without
attending to their inner processes.» (Sagan, 2010: 12). Uexküll entendia que a percepção e a
comunicação, enquanto fenómenos de criação de significado, não são exclusivos da espécie
humana, pois cada organismo tem o seu próprio umwelt13, mais simples ou mais complexo de
acordo com a própria complexidade orgânica. O processo “hermenêutico” de relação do umwelt
dos organismos com o mundo exterior das sensações (envolvente) é designado como semiose,
denotando a capacidade dos animais em geral para lidar com signos, mas diferenciando-a da
semiótica, correspondente à criação humana14.
A valorização dos processos internos na realização das interações dos organismos
sencientes nega os postulados behavioristas que apenas explicam o comportamento externo
(mecânico) através de simplificações deterministas: «According to the behaviorists, our sensibility
and our will are mere appearance. In the best case, they are to be valued only as background
noise» (Uexküll, 2010: 42).
No caso dos ciclos de regulação térmica nos sistemas complexos, como em certas plantas
ou no sistema Terra, a temperatura e o comportamento termodinâmico (entropia) são igualmente
vistos como signos num processo holístico e homeostático de feedback (cyber-Umwelt), e por
este motivo Uexküll é tido como percursor da biologia sistémica e da cibernética15.
O organismo é assim considerado como um ser ao qual nem tudo pode ser imposto,
essencialmente porque a sua existência enquanto organismo consiste em se propor ele mesmo às
coisas e ao ambiente envolvente, i.e., aquilo que é próprio do vivente é este construir o seu
próprio meio (Canguilhem, 2011: 154).
13 Universo subjectivo, mundo fenoménico, mundo-próprio, esfera significante,...são algumas das traduções possíveis que devem permitir diferenciar do termo Umgebung, meio-ambiente em sentido lato.
14 «All animals employ signs, but only humans are aware of the nature of signs as triadic relations (cf. Poinsot, Maritain and Peirce). All animals are semiosic, but only human animals are semiotic. » (Sagan, 2010: 28)
15 Para uma aproximação entre o conceito de Umwelt e a cibernética aplicada à robótica , cf. CLAUS EMMECHE (2001). Does a robot have an Umwelt? Reflections on the qualitave biosemiotics of Jakob von Uexküll. Semiotica vol. 134 (issue 1/4): pp. 653-693; 2001. (A special issue on Jakob von Uexküll)
(Uexküll, 2010: 49)
A passagem de uma análise centrada no condicionamento pelo meio (behaviorismo) a
uma outra perspetiva que valoriza o agenciamento do vivente na construção da experiência de
imersão será igualmente promovida por John Dewey no âmbito do desenvolvimento dos estudos
da interação social e da comunicação interpessoal.
Ainda do ponto de vista de uma afecção pré-simbólica na interacção com o meio-
ambiente, Dewey define meio da seguinte forma: «um meio é constituído pelas interações
existentes entre as coisas e uma criatura viva. Ele é, em primeiro lugar o teatro das ações
realizadas e das consequências suportadas no decurso da interação; não é senão em segundo
lugar que partes e aspectos do meio se tornam objetos de conhecimento. Os elementos que o
constituem são objetos de utilização, de satisfação e de sofrimento, não objetos de
conhecimento»16.
Não se trata portanto de uma adaptação (darwinista) ao meio, mas de uma formulação da
experiência como resultado da interação entre os seres vivos e a sua envolvente. A experiência,
no sentido formulado por Dewey, é portanto resultado de uma função biológica de interação
entre o organismo e o seu meio, implicando adaptação ou ajustamento mas também
transformação do meio natural, social e cultural.
Posteriormente Dewey utilizará o termo “transação” de modo a salientar que a
experiência é modulada na transação com um contexto que «pode ser designado de situação e
combina atividade e receptividade, fazer e afeção.
16 Tradução de Isabel Babo-Lança (John Dewey, Logique, p.220-221, apud Bidet, Quéré et Truc (2011) , In John Dewey, La formacion des valeurs, Paris:La Découverte, p.42.)
Na experiência há uma associação entre interior e exterior, sujeito e objeto, agir e padecer
(…) Na transação, os constituintes das entidades interatuantes são eles próprios susceptíveis de
sofrerem alteração» (Babo, 2013: 227-228). Conclui-se portanto que nesta interação (transação) o
equilíbrio surge não de forma mecânica mas devido à tensão inerente a essa dinâmica, na qual o
ser vivo perde e restabelece ciclicamente o equilíbrio com a envolvente (Dewey, 1934: 19-22).
Transposto para um contexto de esfera pública e de comunicação mediada, a noção de
experiência humana desenrola-se num meio sociocultural, repleto de instituições, padrões
culturais e num quadro de interação suportado em medias electrónicos ubíquos. É neste medium
que o individuo constitui o seu processo de individuação psicológica e colectiva, através das
múltiplas dimensões da experiência (simbólica, afectiva, biológica, etc.).
A experiência é o resultado, o sinal, e a recompensa de que a interação do organismo e
ambiente é uma transformação de interação em participação e comunicação, pois, o fruto da
comunicação deve ser a participação. Este resultado equivale assim ao significado de “cultura”, ou
seja, o produto não dos esforços dos indivíduos perante um vazio, mas da interação prolongada e
acumulativa com o meio ambiente (idem: 33).
A linguagem e a mente – como mediuns culturais- emergem assim como amplificação das
energias empregues pelo humano na interação com o meio e os indivíduos e as coisas nele
presentes. A experiência, ao mesmo tempo biológica e simbólica, resulta de uma dinâmica de
trocas de energia e tensões que configuram um padrão de associações, de entrelaçamentos entre
indivíduos, objectos, eventos e mundo, isto é, de uma «assemblage of things» da qual faz parte a
«assemblage of organic human beings» (Dewey,1929 :175).
TRANSDUÇÃO / INDIVIDUAÇÃO
Se o processo de individuação ocorre nos objetos técnicos (tecnicidade), mas também nos
sujeitos humanos nos níveis individual e coletivo, esses processos são entre si recíprocos e dão
origem a uma dimensão transindividual dos conjuntos técnicos (interconexão homem-máquina),
através de mediações meta-estáveis, as quais por sua vez geram permanente actividade de
individuação (ressonância interna, iteração progressiva).
Contudo, importa ter em consideração que existe uma distinção básica entre o vivo e o
não-vivo nos respetivos processos de individuação transdutiva: topologicamente a individuação
transdutiva do não-vivo17 ocorre à superfície de fronteira mantendo estáveis as camadas
17 «Um cristal que, a partir de um pequeno fragmento, amplia e espalha-se em todas as direções na solução aquosa, fornece a imagem mais simples da operação transdutiva: cada camada já constituída serve como base estrutural
anteriores; enquanto que nos processos transdutivos em elementos vivos, quer o interior quer a
superfície crescem pela regeneração e de forma interdependente, e, no caso das células replicam-
se (mitose celular) ao mesmo tempo que reproduzem o interior cromossómico, daí a importância
da noção de membrana para pensar os interfaces18.
A interconexão homem-máquina é para Gilbert Simondon a verdadeira escala de análise
de uma filosofia da técnica, e é onde surgem as problemáticas da auto-regulação, da informação
e sinergia. Depois da fase técnica regulada pela termodinâmica e pela energética, a
codificação/descodificação da memória magnética (arquivo) assinala a passagem do uso da noção
de forma à de informação, sendo este para Simondon o estágio em que o acoplamento entre os
dois seres (maquínico e humano) existe concretamente.
A relação entre o homem e as máquinas abertas que funcionam com margens de
indeterminação, i.e, que recebem e enviam informação, é resultante de um processo de
modulação entre o potencial e o atual através da operação transdutiva gerada pela conservação
da informação (Simondon, 2007: 158-160).
Quando após a fase industrial das tecnologias exotécnicas, as neotécnicas assumiram
formas protésicas do cérebro/mente e devieram aparelhamento racional (inteligência artificial) e
emocional (computação afectiva), o processo transdutivo da individuação mudou de fase
(desfasagem) na relação meta-estável com o meio interior (umwelt), doravante colonizado por
novas potências técnicas inauditas : biotecnologias e psicotecnologias.
A ideia de que o humano vive e interage em ambientes que o condicionam contém
perspectivas distintas e complementares: em Heidegger - Dasein (ser-aí-no-mundo) - ou em
Simondon na tríade individuo, meio-pré-individual e colectivo transindividual. Em Foucault e em
Deleuze, o contexto da individuação psíquica é marcado pela sociedade de controlo e pela
biopolítica, mas com o desenvolvimento universal de uma metaciência cibernética (Kline: 353), a
noção de pós-humano tem vindo a ganhar relevo de tal modo que não existem já diferenças
essenciais ou demarcações absolutas entre existência corporal e simulação digital, mecanismo
para acamada exterior que se vai formando; o resultado é uma estrutura reticular amplificante» (Simondon, 2009: 38).
18 A noção de membrana (e de interface) torna-se fulcral na topologia simondoniana, uma vez que constitui o mais importante elemento de mediação da vida: a permeabilidade celular, polarizada e assimétrica, está na base de todas as suas funções. Além de ser um elemento vivo, a membrana mantém o ambiente de interioridade em relação ao meio exterior, atuando como força de conexão, como ligação e como nexo. Importa ainda ter em mente que a noção técnica e filosófica de “transdução” deve também a sua própria ontogénese, por um lado ao campo da engenharia eletrónica que através das propriedades transdutivas dos componentes converte formas de energia em impulso eléctrico e informação (p.ex: Microfone - converte vibrações sonoras em sinais elétricos), e que poderíamos hoje enquadrar sob o termo generalizado de “interface” enquanto mecanismo transdutor de informação (mediação transdutiva), i.e., o processo transdutivo que ocorre no interface entre o técnico e o nãotécnico, humano e não-humano, vivo e não-vivo.
cibernético e organismo biológico, teleologia automatizada e objectivos humanos (Hayles, 1999:
3).
Todavia, esta fusão carne-máquina, apesar da sua sublimação no imaginário ciborgue sci-
fi, não requer obrigatoriamente o fetichismo do autómato, do androide ou sequer do
homem/mulher biónico(a). O evento da conexão entre cibernética, cérebro e organismo humano
já se deu há várias décadas19, somos já ciborgues de nascença20 sem necessariamente termos
circuitos electrónicos incorporados na carne ou implantes no cérebro.
De facto, quando o meio-envolvente forma ele mesmo uma bio-electro-esfera cibernética
e quando o regime de computação penetra todas as esferas da vida, social, biológica ou
económica, alterando paradigmas de governação política21 e constituindo-se globalmente como
realidade computacional ou cognisfera, o pós-humano emerge como categoria para pensar este
admirável mundo novo, sob duas perspetivas políticas antagónicas: i) um mundo de ciborgues
como imposição final de uma matrix de controlo hegemónico sobre o planeta – que significa a
abstração final corporificada na ciberguerra preventiva travada em nome da defesa, e jogada em
simuladores de realidade virtual22; ii) de uma outra perspectiva, um mundo de ciborgues pode
significar realidades sociais e corporais vividas, nas quais as pessoas não temam sua estreita
afinidade com animais e máquinas, que não temam identidades parciais, posições contraditórias
e a valorização da afinidade em vez da identidade (Haraway, 1991:295).
Nesta quarta vaga dos regimes cibernéticos da computação (Hayles 2007: 161) -e depois
da second order cybernetics23 - , também denominada, entre outras, como computational turn24
ou affective computing25, a noção de cibercultura que emergiu da Galáxia Gutenberg (M.
McLuhan) como nova fase de interdependência imposta pela electricidade que recria o mundo à
19 Segundo Katherine Hayles existem três fases de expansão da cibernética: a de primeira ordem (1945-1960); a de segunda ordem também por si denominada como autopoiética (1960-1985); a de terceira ordem ou da virtualidade (1985-1995); e a fase actual um quarto nível nomeado como regime da computação (Hayles, 2007: 161).
20 Clark, Andy (2003). Natural-born cyborgs: Minds, Technologies, and the Future of Human Intelligence. Oxford
University Press.
21 A este novo regime de governamentabilidade e controlo das subjectividades, capaz de instaurar simultaneamente uma realidade virtual, a codificação digital da vida e a redução das incertezas pelo tratamento algorítmico da informação acumulada, Antoinette Rouvroy caracteriza-o por se fundamentar em dois processos complementares: o data-behaviourism e a governação algoritmíca (Rouvroy, 2012).
22 The Military-Entertainment Complex. Vide Serious Games, Harun Farocki (https://youtu.be/TcKL-_RtU5Y )
23 https://en.wikipedia.org/wiki/Second-order_cybernetics
24 Cf. Berry, David M. (2011). The Computational Turn: Thinking About the Digital Humanities.(http://www.culturemachine.net/index.php/cm/issue/view/23 )
25 Cf. Affective computing: challenges (Rosalind Picard - MIT Media Laboratory).
imagem de uma aldeia global, vem sendo reconhecida como noosfera (Teillard de Chardin26),
semiosfera (Yuri Lotman27) ou cognisfera (Thomas Whalen28), cuja capacidade para distribuir a
«realidade sensível ao domicílio», que Paul Valéry já antevia em 192829, se encontra hoje
expandida na ubiquidade do acesso à Internet. A cognisfera é assim um termo que permite
identificar um ecossistema de interconexão cognitiva, no qual as máquinas e os organismos
humanos estão cada vez mais integrados.
Por outro lado, a vida biológica e o seu contexto (biosfera) desenhada pela engenharia
genética, tornou-se um imenso estaleiro tecnológico. Com o advento da bioinformática e da
biotecnologia, a (bio)transdução dá-se no entrosamento entre moléculas e informação/código. A
bioinformática que reduz a vida a código binário resulta na aplicação da gramática da informação
à biologia. A biotecnologia traz o problema de se pensar transdutivamente o encontro entre a
vida e a informática, sendo a transdução o atractor estranho comum entre a tecnologia, o homem
e a vida. O ADN e a sua manipulação é descrito em linguagem informática: código, mensagem,
erro, transmissão de informação. A noção de genoma como software e de célula como
computador, integra o vocabulário da biologia desde os anos 40 do Séc. XX, gerando a fusão
semiótica entre informação genética e informação cibernética (Mackenzie: 177).
A fusão genética-cibernética, bem como a conceção de gene como software, tem
persistido como dogma operacional da biologia genética. As sequências de caracteres resultantes
da codificação de proteínas ou de ADN equivale assim à manipulação de texto editável30, pelo que
após algumas operações de inserção, substituições e apagamentos é possível gerar sequências
inéditas de genes ou novas proteínas, passíveis de serem úteis no desenvolvimento de novos
produtos biofarmacêuticos, organismos transgénicos ou alimentos geneticamente modificados.
De facto é agora possível não apenas armazenar o ADN transcrito e codificado em memórias
digitais, mas também o inverso, i.e., usar a serpente da vida como suporte de armazenamento de
informação digital, completando assim a mediação biotransdutiva no coletivo sociotécnico
(dispositivo biotecnológico).
Em suma, como já anteriormente tínhamos aflorado, a condição pós-humana assenta
26 Chardin, Pierre Teilllard de (1955). Le Phénomène Humain. Paris. Éditions du Seuil.
27 Lotman, Yuri M. (2005). On the semiosphere. (Translated by Wilma Clark) Sign Systems Studies, 33.1 .
28 Whalen, Thomas (2000) ‘Data Navigation, Architectures of Knowledge’, paper presented at the Banff Summit on Living Architectures: Designing for Immersion and Interaction, Banff New Media Institute, 23 Sept.
29 Valéry, Paul (1993). La conquête de l’ubiquité, in Œuvres, Vol. II. Paris, Gallimard. (original de 1928).
30 Vide reportagem : http://www.wired.com/2015/07/crispr-dna-editing-2/
nesta convergência digital das esferas biológica e cognitiva. Afinal o ciborgue é isso mesmo, um
organismo cibernético e biotecnologicamente modificado, doravante confrontado com a
crescente presença de inteligências sintéticas e computadores orgânicos que abalam a convicção
acerca do humano, da época humanista.
É também esse o sentido do termo pós-humano usado por Robert Pepperell, quando diz
que o termo se refere à convergência geral de biologia e tecnologia ao ponto de se tornarem
indistinguíveis num horizonte pós-tecno-biológico e num meio-ambiente propício à emergência
de vida e de inteligência artificial. Portanto, se aceitarmos, que a mente, o corpo e o ambiente
não podem ser absolutamente separados, teremos que concluir que a consciência e os processos
de individuação psíquica, ou formação do self, não podem ser também totalmente isolados do
ambiente biotecnológico em que se encontram imersos (Pepperell: 22), e, desde a epigénese no
caso dos natural-born cyborgs31. Ainda assim, esta ideia não é tão recente como possa
eventualmente parecer, McLuhan já havia referido que um dos principais aspectos da era da
electricidade é o de estabelecer uma rede global expandida do sistema nervoso, o qual não é
meramente uma rede eléctrica mas que se constitui como consciência ou campo unificado de
experiência (McLuhan: 384)32.
Jake F. Dunagan, resume bem a ecologia a que nos pretendemos referir:
The brain is the biological organ that sits in our heads. It is the organ that processes
perception, sensation, attention and thought. It houses (for now) our conscious minds. The
mind, while enabled by the brain, extends beyond the brain and is part of an ecology that
includes the body, the world, and the technologies we use to think, remember, and do things.
The mind is embodied thought, and the process of how our brain-body-world system constructs
an identity, a will, and a self. (Dunagan, 2010: 52)
De forma pragmática, e no que se refere à actualidade da vida urbana sociotécnica, o
modelo ciber-urbanístico das Cidades Inteligentes (Smart Cities), assente sobre a ideia de
pretender controlar as cidades através de centros de operações cibernéticos (urban computing33)-
31 Cf. Andy Clark
32 «Any process that approaches instant interrelation of a total field tends to raise itself to the level of conscious awareness, so that computers seem to "think” (...) Obviously, they can be made to simulate the process of consciousness, just as our electric global networks now begin to simulate the condition of our central nervous system.» (McLuhan: 387).
33 http://research.microsoft.com/en-us/projects/urbancomputing/ ; http://www.spaceandculture.org/2009/05/13/models-of-urban-computing/
; http://en.wikipedia.org/wiki/Urban_computing ; http://www2.cs.uic.edu/~urbcomp2013/urbcomp2014/index.html ;
desenhados e produzidos pela IBM (unidade Smarter Cities34)- torna evidente a viragem
computacional nos modelos de governação com a qual já interagimos constantemente. Rem
Koolhaas, na conferência Digital Minds for a New Europe35, organizada pela Comissão Europeia,
questiona se as cidades inteligentes estão condenadas à estupidez, enquanto afirma que os
cidadãos que a cidade inteligente diz servir são afinal tratados como crianças. Um das
preocupações referidas pelo arquitecto, prende-se com a forma apolítica do modelo de Cidade
Inteligente, segundo o qual, os tradicionais valores europeus de liberdade, igualdade e
fraternidade foram substituídos no século XXI por conforto, segurança e sustentabilidade.
No quadro da modernidade, o diagnóstico avançado por Georg Simmel em As Metrópoles
e a Vida Mental36, é elucidativo do quanto o meio urbano contribuiu para a «intensificação da
estimulação nervosa (…) exigindo uma quantidade diferente de consciência que aquela que lhe é
exigida pela vida rural» (Simmel, 2004: 76). Este será também o ponto de partida de McLuhan
quanto ao seu entendimento da simbiose organismo-ambiente e da sua mutua transformação,
pois se num primeiro momento o ser humano constrói o ambiente social como extensão do seu
corpo físico; num segundo momento a cidade enquanto corpo político responde através da
regulação e controlo dos fluxos de informação e dos mecanismos de feedback - aplicados pela
cibernética à investigação dos mecanismos de regulação homeostática nos seres humanos,
constituindo-se por isso num dos eixos principais da cibernetização do pós-humano e dos seus
ambientes.
Se o cérebro é o lugar de integração e tradução das impressões, da percepção e da
experiência humana, permitindo-nos a interpretação dos contextos em que nos situamos, e se o
contexto envolvente é psicotecnológico, é na interação entre o cérebro e o ambiente digital das
tecnologias transparentes37 que se formam sinergias automatizadas e a simulação de estados de
consciência (fenómenos mentais) pelos computadores.
É portanto na interação entre cérebro e psicotecnologias, que operam como extensões da
psique (Kerchov, 1997: 33), que emergem alterações na consciência (enquanto campo unificado
de experiência) e na própria rede neuronal (enquanto estrutura biológica do cérebro), pois o
http://www.situatedtechnologies.net/?q=node/77 34 http://www.ibm.com/smarterplanet/us/en/smarter_cities/overview/ 35 http://ec.europa.eu/archives/commission_2010-2014/kroes/en/content/digital-minds-new-europe.html
36 A publicação original, Die Großstädte und das Geistesleben, data de 1903.
37 «A transparent technology is a technology that is so well fitted to, and integrated with, our own lives, biological capacities, and projects as to become almost invisible in use.» (Clark: 48-49)
cérebro tem de se calibrar segundo as métricas do ambiente em que vive, e as suas conexões
internas modificam-se dinamicamente em sintonia com as perturbações externas. É neste
trabalho de adaptação constante da rede neuronal (neuroplasticidade) que reside, de acordo com
Warren Neidich a operacionalidade do neuropoder (Neidich, 2010: 545).
É também neste fluxo contínuo que atravessa a mente, o corpo e a bioesfera que
acontece o processo de individuação transdutiva dos pós-humanos, sem que se consiga
determinar com exactidão as suas fronteiras materiais e mentais. Isto significa que nada pode ser
completamente externo ao humano, porque a sua extensão protésica e ubíqua não pode ser
fixada. Esta parece-nos ser uma das condições do pós-humano38, já que o “ser humano” deixou de
existir tal como estávamos comummente habituados a pensar que existia, como um entidade
separada e em perpétuo antagonismo com o ambiente que lhe é externo (Cf. Pepperell: 22)39.
Esta visão da interacção complexa entre meio-ambiente, consciência e individuação
psíquica requer modelos conceptuais e quadros teóricos não-lineares da conexão mente-corpo,
de modo a relacionar fenómenos mentais e a emergência da consciência em contexto
cibernéticos, mas requer também uma teoria da complexidade e dos sistemas complexos40 de
modo a compreender o comportamento e o agenciamento como resultado holístico da dinâmica
entre vários elementos.
Consequentemente, as teorias do pós-humano41 opõem-se às de um certo reducionismo
neurocientífico que tende a insistir na explicação dos fenómenos mentais /consciência através da
correlação e da causalidade necessária e suficiente localizada no interior do cérebro. As tentativas
levadas a cabo para visualizar e mapear a consciência nas redes neuronais são disso exemplo. Já o
modelo do denominado construtivismo neural proposto por Steven R. Quartz (1999), favorece a
construção das representações inerentes aos processos cognitivos e às estratégias flexíveis do
cérebro para lidar com meio-ambientes dinâmicos: «the dynamic interaction between intrinsic
38 Nota: O debate público em Portugal teve início em 2004, com o Ciclo de Conferências 'A Condição Pós-Humana. Técnica, Ciência e Cultura no século XXI' http://www.cecl.com.pt/redes/cph/cph-home.html
39 Para além do manifesto elaborado pelo próprio Robert Pepperell, The Posthuman Manifesto (http://www.robertpepperell.com/Posthum/cont.htm), identificámos ainda o A Metahumanist Manifesto de Jaime del Val e Stefan Lorenz Sorgner (http://www.metahumanism.eu/ ); a Transhumanist Declaration do colectivo Humanity+ (http://humanityplus.org/philosophy/transhumanist-declaration/ ); as posições tecnoprogressivas do Institute for Ethics and Emerging Technologies (http://www.ieet.org/); o Manifesto Transhumanista The Singularity is Near, de Ray Kurzweil (http://www.kurzweilai.net/ ).
40 Vide: Complex Systems Laboratory: http://complex.upf.edu/
41 « In posthuman terms, both consciousness and human existence can be considered as emergent properties arising from the coincidence of a number of complex events. (...) This might be called, as it sometimes is, an ‘embedded’, ‘enworlded’ or ‘embodied’ conception of human existence, an approach that has huge implications for areas of study such as cognitive psychology, social psychology and neurology as well as artificial intelligence and neural networking.» (Peperrell: 29-30).
brain properties and experience-dependent neural activity in the construction of the neural
structures underlying cognition» (Quartz: 56).
3. NEURO-CIBERBEHAVIOURISMO42, NEUROPOLÍTICA, TRAUMA E VIGILÂNCIA
The mode of production of material life conditions the general process of social,
political and intellectual life. It is not the consciousness of men that determines
their existence, but their social existence that determines their consciousness.
Karl Marx
The brain is a work, and we do not know it.
We are its subjects -authors and products at once- and we do not know it.
Catherine Malabou
A fase inaugural da ciência cognitiva moderna, designada como cibernética, produziu um
impressionante conjunto de resultados concretos ainda hoje em expansão43. Sabe-se contudo que
o intuito deste movimento inicial, constituído por cientistas como Jon von Neumann, Alan Turing,
Norbert Wiener, Warren McCulloch ou Walter Pitts, era o de criar uma ciência da mente. No
artigo seminal de 1943, intitulado A logical Calculus of Ideas Immanent in Nervous Activity
(McCulloch e Pitts) foram dados os passos fundamentais para a investigação do cérebro e da
actividade mental segundo as propriedades das operações lógicas, e, simultaneamente, para o
surgimento do computador digital (Neumann).
Nunca é demais salientar a simultaneidade da emergência do paradigma fundador do
estudo científico-matemático da mente com o desenvolvimento tecnológico das máquinas
digitais, bem como dos desenvolvimentos posteriores no que concerne à homologia estrutural
entre as redes neuronais e as redes neurais artificiais.
Com o advento da cibernética a distinção dualista entre meio-ambiente e indivíduo
dissolve-se a favor da predominância da interação e da interatividade controlada por ciclos de
feedback que procuram garantir a homeostase do sistema/rede. Para este fim foi necessário
constituir as duas esferas de acção (pública e privada) em sinergia e interdependência, sendo que
42 "Neuro-Ciberbehaviourismo" é um neologismo criado pelo autor para se referir à inclusão da racionalidade instrumental promovida pelos dispositivos actuais da tecnociência (vigilância, bigdata, biopolíticas, algoritmos..) no percurso histórico do behavorismo e da sua relação com outras correntes de pensamento próximas: mecanicismo, positivismo, determinismo e darwinismo.
43 Uma parte substancial do desenvolvimento histórico da cibernética até à actualidade foi registado no filme-documentário All Watched Over by Machines of Loving Grace, do realizador Adam Curtis. Quer a naturalização do societal, quer a determinação do tecnológico, enquanto totalizações das teorias dos sistemas complexos pela ideologia californiana promovida pelos digerati (tecnolibertários), bem como desde desde a Cibernética de Wiener ao Silicon Valley, está ancorada na propaganda da automatização global como valor absoluto da economia pós-industrial. (Matoso, 2015)
à política contemporânea (esfera pública) coube a tarefa de implementar a governação
algoritmíca44, fundamentada na análise estatística e preditiva dos dados, desviando-a do
conhecimento impuro, empírico e incerto da realidade material e das condições de vida concretas
das populações. E às tecnologias cibernéticas cabe a missão de instalar interfaces que permitam
codificar a natureza como informação, i.e., digitalizar e recompor a matéria sob a forma de
hipóstases computacionais (Martinho, 2011: 157), onde o ambiente/contexto se dá como matrix
desenhado para a imersão osmótica do ser digital45.
A aplicação das ideias oriundas da cibernética ao aumento da performance do ser humano
foi inicialmente desenvolvida por Manfred Clynes e Nathan Kline, em 1960 e em plena guerra
fria46, no campo da bioastronáutica, mais precisamente no desenvolvimento de ambientes
homeostáticos artificais desenhados para a adaptação humana, transformando os corpos em
organismos cibernéticos - ciborgues (Kline: 339).
A relação instrumental e ideológica entre cibernética e a corrida à conquista do espaço47
era tida por Clynes e Kline como processo de evolução biológica e desafio espiritual: «The
challenge of space travel to mankind is not only to his technological prowess, it is also a spiritual
challenge to take an active part in his own biological evolution» (Kline: 340).
Numa fase seguinte a cibernética aplicada ao organismo humano dá lugar ao
desenvolvimento da biónica protagonizado Heinz von Foerster e pelo Biological Computer
Laboratory48, amplamente financiado pelas agências militares norte-americanas, cujo programa
se apoiava nos estudos sobre redes neurais de McCulloch e Pitts, e no objectivo de mimetizar o
processamento de informação nas funções dos organismos biológicos. Já na década de 1970, a
popularização do ciborgue (masculino) dá-se através série The Six Million Dollar Man49, e pelo seu
spin off produzido pela série biónica (feminina) The Bionic Woman50.
A aproximação da investigação científica no campo da cibernética aos interesses da
44 Rouvroy, Antoinette (2014). Privacy, Due Process and the Computational Turn. Philosophers of Law Meet Philosophers of Technology, Mireille Hildebrandt & Ekatarina De Vries (eds.), Routledge.
45 Cf Negroponte, Nicholas (1995). Being Digital. New York. Alfred A. Knopf
46 Cf. Kline, Ronald (2009). Where are the Cyborgs in Cybernetics? Social Studies of Science 39/3 (June 2009). SAGE Publications. P. 339.
47 http://cyberneticzoo.com/bionics/1960-cyborg-kline-and-clynes-american/
48 http://bcl.ece.illinois.edu/
49 https://en.wikipedia.org/wiki/The_Six_Million_Dollar_Man
50 https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Bionic_Woman
governação política e dos poderes militares foi afinal idêntica à das outras disciplinas, da
comunicação, da biologia, da informática, da neurociência, etc. A excepção moral deu-se no
entanto pela intervenção de Norbert Wiener em The Human Use of Human Beings (Wiener,
1950). Todavia, o projecto cibernético vem sendo, desde a segunda metade do séc. XX,
alimentado pelas industrias dos media e das tecnologias de rede, mas também pela infraestrutura
militar, correspondendo a uma visão do Government is the Entertainment division of the military-
industrial complex (Frank Zappa), ao Military-Entertainment Complex51 ou ao Complexo Industrial
Militar Museográfico Necrocapitalista52; e que Julian Assange designa como militarização do
ciberespaço: «é como ter um tanque de guerra dentro do quarto ou um soldado debaixo da
cama», ironiza Assange para evidenciar a infiltração das agências de inteligência militares na
nossa privacidade (Assange, 2013: 10).
Do lado da esfera pessoal, e no que respeita às dinâmicas da individuação, as questões
que se colocam desde os primeiros momentos da cibernética são, por um lado, a da emergência
da inteligência artificial (incorporação maquínica da mente) e a da produção indutiva de
subjetividades dóceis e submissas aos dispositivos tecnobiopolíticos, cuja psicopolítica digital e
big data se apoderam das emoções para influenciar acções a nível pré-reflexivo (neural turn), pois
, é através das emoções que se chega às profundezas do quantified self (Han, 2014: 36), ou seja, a
emoção representa um meio eficiente para estabelecer o controlo psicopolítico do individuo.
A fusão cibernética entre o cérebro (e sistema nervoso central) e a emergência
fenomenológica da mente53 – referida em diversos momentos por Wiener – representa desde
então uma nova linha de actuação do behavorismo cibernético (ciberbehaviourismo), o qual tem
vindo a implementar-se como meio-ambiente cibernético imersivo e holístico (totalitário ?), isto
é, que procura agir em todo o ciclo do processo de feedback, automatizando a administração de
inputs lógicos e afectivos (racionalidade e emoção) na expectativa de recolher outputs calculáveis
e preemptivos54 através do uso de algoritmos evolutivos, e assim exercer uma forma de controlo
51 http://one.fibreculturejournal.org/fcj-004-the-military-entertainment-complex-a-new-facet-of-information-warfare
52 http://salonkritik.net/10-11/2015/06/necrocapitalismo_y_arte_contem_1.php
53 Neste ponto não podemos esquecer os contributos de Walter Pitts e Warren McCulloch (Embodiments of Mind, 1970 ed.Cambridge: MIT Press) para o aprofundamento da ideia cibernética de rede neuronal artificial. Cf Orit Halpern, The Neural Network: Temporality, Rationality, and Affect in Cybernetics (artigo inédito cedido pela autora)
54 Brian Massumi’s definition of “preemption”. Preemption, he argues, is not prevention, it is a different way of knowing the world. Prevention he claims “assumes an ability to assess threats empirically and identify their causes.” Preemption on the other hand is affective, it lacks representation, it is a constant nervous anticipation, at a literally neural if not molecular level, for a never fully articulated threat or future. (Brian Massumi, "Potential Politics and the Primacy of Preemption," Theory & Event 10, no. 2 (2007): 4.)
difuso e manter a homeostase nos colectivos sociotécnicos (redes telemáticas).
O entendimento de que o mecanismo de reflexo condicionado (Pavlov), ou de affective
tone como Wiener prefere designar (Wiener, 1948: 150-151), é um mecanismo biológico de
feedback relacionado com os sistemas de aprendizagem e de associação de ideias, permitiu a
Wiener especular acerca das capacidades de aprendizagem dos computadores, levando-o a firmar
que a nova revolução industrial consiste em substituir o juízo e o discernimento humano pelo das
máquinas, e neste sentido o computador surge já não como fonte de poder, mas como fonte de
controlo e de comunicação (Wiener, 1954: 71). Skinner (1981) aprofunda a noção behaviourista
pavloviana, através do condicionamento operativo (operant conditioning), o qual incide nas
estruturas cognitivas e culturais dos processos de aprendizagem através de reforço positivo 55 ou
do reforço negativo56.
Nas sociedades contemporâneas e no contexto neoliberal pós 09/11, subjugadas pela
tecnocracia da “iron cage”57 (Max Weber), onde a burocracia de Estado enclausura as
possibilidades políticas emancipatórias58, todo o comportamento humano é determinado por leis
que governam a actividade neuronal e a forma como esta é organizada no cérebro. Neste
contexto neuro-ciberbehaviourista, Ewa Hess e Hennric Jokeit identificam a emergência de um
novo tipo de capitalismo sustentado na exploração neuronal, o Neurocapitalismo (Hess e Jokeit,
2009). A aliança entre a neurociência e as indústrias farmacêuticas financiadas por capital público
e privado, formam a base do neurocapitalismo na produção de substâncias neurotransmissoras
vendidas num mercado altamente lucrativo59.
Tal como acontece com a aceleração tecnológica do capitalismo na era da globalização
financeira, as substâncias neurotrópicas que permitem o neuro-aprimoramento (neuro
enhacement) interferem biológica e culturalmente na determinação dos ciclos de actividade e de
55 Fortalece a probabilidade do comportamento pretendido que segue. O seu registro é a presença (positividade) de uma recompensa.
56 Enfraquece um determinado comportamento em proveito de outro que faça cessar o desprazer com uma situação. Portanto, o seu registro é a ausência (retirada) de um estímulo que cause desprazer após a resposta pretendida.
57 É relevante e indiciadora de uma passagem da "sociedade disciplinar" à "sociedade de controlo" que a metáfora de Weber da "iron cage" tenha sido actualizada pela neurociência por uma "Skinner box" electrificada, onde o rato isolado é sujeito a programas de condicionamento.
58 No contexto político é evidente que a União Europeia transformou-se numa ditadura de contrato social blindado, onde não é possível que partidos de esquerda governem, será que vivemos num universo político-social totalmente manipulado e doutrinado pelo fascismo financeiro ? Nota: "fascismo financeiro" é um termo cunhado por Boaventura de Sousa Santos ( http://www.ces.uc.pt/publicacoes/opiniao/bss/231.php ).
59 « In 2007 one hundred million prescriptions were issued for these drugs with sales worth more than sixteen billion dollars. These figures illustrate how, in an environment that is regulated but difficult to control, supply and subjectively perceived need can create a market turning over billions of dollars.» (Hess e Jokeit, 2009)
descanso, condicionando e adaptando a capacidade neurológica natural às exigências dos ritmos
de trabalho – o que é o capitalismo senão uma estrutura de distorção temporal (arritmia)60?
Na esfera pessoal das emoções, a neurociência vem descrevendo e representando
visualmente61 a correlação neuronal de estados mentais - o amor, ódio, alegria, altruismo ou a
mentira - reconceptualisando fenómenos mentais complexos e reduzindo-os à actividade de
neutrotransmissores como a dopamina ou a serotonina, promovendo um entendimento
reducionista e solipsista da experiência emocional e subjectiva do self62.
O que é alarmante, segundo Hess e Jokeit, é que muitas das descobertas neurocientíficas
que produzem uma transformação radical na percepção de si mesmo dos indivíduos estejam
ligados a interesses comerciais e a uma crescente exploração das patologias das emoções,
instrumentalizadas pelo neuromarketing do capitalismo mental-emocional63. É neste preciso
ponto que Martijn Konings64 analisa a lógica emocional do capitalismo que opera através da
imbricação da moralidade, da fé, do poder e das emoções, interiorizando as qualidades distintivas
da associação humana, a organização da conectividade, na lógica da economia produtiva.
Estaremos a testemunhar uma racionalização técnica e epistémica das fundações
neuronais do self, i.e., a abstração científica da subjectividade induzida pela individuação
neuronal ?
Até agora demos a entender que o dispositivo (apparutus)65da neotécnica emergiu como
60 Cf. Daniel Bensaid. A New Appreciation of Time
61 Magnetic Resonance Imaging (MRI) e Positron Emissions Tomography (PET)
62 «By viewing emotions in general terms rather than as singular events taking place in a unique temporal and spatial context, the neurosciences have created a rational justification for trying to influence them in ways other than by individual and mutual care.» (Hess e Jokeit, 2009)
63 « It is already clear that global capitalism will make excessive demands on our material, and even more so on our human−mental resources. This is evident from the oft−used term "information society", since information can only function as a commodity if it changes human behaviour, and it can only do this if we accord it our attention and engage with it emotionally. It is not by chance that feelings and the attention on which they are based form the focus of two more recent theories of capitalism: Eva Illouz's Cold Intimacies. The Making of Emotional Capitalism and Georg Franck's Mental Capitalism. Mental capitalism is an economy of attention that is controlled (i.e. generated, intensified or made scarce) via the mass media. That this volatile resource can be marketed as a commodity is only thanks to its channelling through the available channels(...) By contrast, writings on emotional capitalism describe how emotions are exploited, the shifts that have taken place in the way they are interpreted, and how they become pathologised under modern capitalist conditions» (Hess e Jokeit, 2009)
64 Konings, Martijn (2015). The Emotional Logic of Capitalism. What Progressives Have Missed. Stanford University Press.
65 Foucault: « The apparatus is thus always inscribed into a play of power, but it is also always linked to certain limits of knowledge that arise from it and, to an equal degree, condition it. The apparatus is precisely this: a set of strategies of the relations of forces supporting, and suported by, certain tyes of knowledge.» (Michel Foucault. Power/Knowledge: Seleted Interviews and Other Writings). Agambem: «Let me briefly summarize three points: a. It is a heterogeneous set that includes virtually anything, linguistic and nonlinguistic. under the same heading: discourses, institutions, buildings, laws, police measures, philosophical propositions, an so on. The apparatus itself
potência reticular de computação e recomposição/enquadramento (Ge-stell)66 sobre três aspectos
cruciais da vida humana: a genética, a comunicação e o cérebro. O biopoder da biotecnologia
possibilita enxertar código na carne e criar vida sintética; o ciberpoder67 da cibernética permite
inserir vírus na linguagem e disseminar gramáticas de controlo; o neuropoder da neurociência
permite induzir consciências artificiais - campos unificados da experiência (como diz McLuhan).
Esta nova indústria bio-tecno-neurológica é simultaneamente geradora de especulação e de
financeirização da investigação científica, mas também indutora de uma nova cultura produtora
de um novo estado de linguagem e de escrita: «Falar e escrever na idade de códigos digitais e
transcrições genéticas já não possui qualquer sentido familiar.» (Sloterdijk).
O denominador comum é a exploração alotecnológica (idem) e o exercício invisível do
controlo; computação do código e recomposição do ser através do aparelhamento estético da
experiência (Miranda: 101): neuroestética e neurocibernética68. Steven Shaviro vai mais longe na
crítica: «such is the soft fascism of the corporate network: it reconciles the conflicting imperatives
of agressive predation on one hand, and unquestioning obedience and conformity on the other.»
(Shaviro, 2003: 4).
A complexidade relacionada com a investigação da mente no pós-humano deve-se
essencialmente ao facto de vivermos numa época neurocêntrica (neurocentric age) e na
passagem de um modelo black-box da caixa-negra-craniana à sua abertura completa. Existem
diversos laboratórios a usar interfaces cérebro-computador que permitem a comunicação
bidirecional, i.e., permitem ler e escrever informação no cérebro e manipular a mente, de forma
invasiva ou não-invasiva, traduzindo (codificação/descodificação69) pensamentos e imagens
mentais70 em código digital, o que nos coloca perante uma nova dimensão da problemática da
is the network that is established between these elements. b. The apparatus always has a concrete strategic function and is always located in a power relation. c. As such, it appears at the intersection of power relations and relations of knowledge.» ( Giorgio Agamben, What Is an Apparatus? and Other Essays)
66 « Por toda a parte, assegura-se o controle. Pois controle e segurança constituem até as marcas fundamentais do desencobrimento do explorador (...) Chamamos aqui de com-posição (Ge-stell) o apelo de exploração que reune o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-ponibilidade.» (Heidegger: 20-23)
67 Vide: Matoso, Rui (2015). Redes, Cibernética e Neuropoder - breve estudo do contexto cibernético actual. (https://www.academia.edu/11837553/Redes_Cibern%C3%A9tica_e_Neuropoder_-_breve_estudo_do_contexto_cibern%C3%A9tico_actua ) l
68 https://en.wikipedia.org/wiki/Neurocybernetics
69 Cf. Stuart Hall, 'Encoding/Decoding'
70 Jack Gallant do laboratorio da Universidade da California, Berkeley, construiu um método de visualização de imagens mentais (cinema neuronal) para representar e estudar o modo como o cérebro processa informação sensorial e cognitiva. http://gallantlab.org/ . Vídeo: https://youtu.be/6FsH7RK1S2E
neuropolítica71:
Translate thought directly into digital code, will change how we communicate and
create new avenues for mental surveillance, self-modulation, and control. They will create new
dilemmas and new roles for those in power. They will be part of the evolution of
governmentality—the mindset that determines the rules and responsibilities of government—
that sees the continuous surveillance, regulation, and modulation of the mind as its
responsibility and duty(...) The governance of thought, cognitive enhancement, neurodiversity,
and the re-mapping of mental spaces is happening now, as the transformative power of
neuroscience has already woven itself into the fabric of our cognitive environments, into mind-
body-world relations, and indeed, into the fabric of our imaginations. (Dunagan, 2010: 52)
Ora, se a neurociência se propôs a descodificar e a representar a correlação neuronal da
mente e dos fenómenos mentais, o papel de uma neuropolítica72 progressista é o de
reconceptualizar essas funções e os efeitos políticos das interações cérebro-cultura-individuação,
tendo em consideração o sentido que merece a questão do potencial de transformação do pós-
humano pelas tecnologias e ambientes cibernéticos por si desenvolvidos: «man is the animal who
shapes the environment that shapes his brain (…) Infosphere is the environment where this mind-
shaping occurs» (Bifo:10).
A constituição da neuropolítica, enquanto antagonista da neuropolícia e do neuropoder73,
tem de considerar igualmente uma política da estética, uma economia política da imagem e uma
ecologia dos media, partindo por exemplo de Jacques Ranciére e da sua noção de política como
partilha e distribuição do sensível: «attention to disruptions in the sensible order: seeing what
was not seen before, hearing what was not heard before, counting what was not counted before»
(Dunagan, 2010: 58).
No capítulo dedicado a Noopower and the Social Media State(s) of Mind, Robert W. Gehl
conclui que as redes sociais digitais são instâncias do noopower, pois induzem interacções
71 «Neuropolitics is a framework that allows us to re-imagine culture, power, and political subjectivity in the light of our increasing knowledge about the human brain and extended mind.» (Dunagan, 2010: 56)
72 Comparar com a noção de "Psicopolítica". Han, Byung-Chul (2014). Psicopolítica - Neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona. Herder Editorial.
73 « Neuropower is a form of knowledge-power that works through the modulation mental processes, functions, and expressions, for individuals and aggregate populations. Through brain imaging, medical treatments and neuroceuticals, augmentation technologies, digital networks, legal regimes, and guiding conceptual paradigms, neuropower acts on mental functions that were previously unseen, ignored, off-limits, or ungovernable. Neuropower is the enabling logic of a governmentality that sees the regulation of cognition, sensation, attention, mood, and mental fitness as part of its purview and responsibility.» (Dunagan:59)
preditivas – ou seja baseadas na inter-relação entre metadata e big data e respectivos perfis
agregados a cada utilizador- que por sua vez modulam a atenção e a memória dos sujeitos (Gehl,
2014:23). Uma outra forma de o dizer é usando a noção de políticas da consciência de Michel
Foucault aplicado-a àquilo que Gehl denomina confessional medias, estaríamos assim deparados
com uma forma de poder fundada pelo cristianismo: «this form of power cannot be exercised
without knowing the inside of people's minds, without exploring their souls, without making
them reveal their innermost secrets. It implies a knowledge of the conscience and an ability to
direct it.» (Foucalt, 1982: 783).
No contexto cibernético que aqui abordamos, os objectos do noopower (poder cognitivo)
são, por um lado os produtos imateriais da inteligência, e por outro a formação da subjectividade
(self). O foco do noopower na mente humana, é por sua vez, efeito da emergência da noopolítica
enquanto paradigma das sociedades de controlo (Deleuze), tal como a biopolítica é a forma de
governamentabilidade associada às sociedades disciplinares (Foucault). É nesta transição que as
tecnologias disponíveis e os mecanismos de poder são redireccionados do corpo (alvo da
biopolítica) para a mente (alvo das noopolíticas), i.e., da vida material para a vida psíquica,
particularmente para a gestão das memórias e para a economia da atenção.
O processo de individuação psíquica do pós-humano vem sendo afectado por dinâmicas
de auto-vigilância74, do qual o superego (ego idealizado) edipiano funciona ainda como estrutura
psíquica e moral75; e por sistemas de exovigilância mental e neuronal cuja lógica se vem
propagando em torno da predição generalizada dos comportamentos de risco, e implementados
por agências secretas de inteligência - vide o caso Snowden76. O conjunto de dados recolhidos
pelos sistemas de vigilância não se confina apenas à informação que disponibilizamos via
Internet, inclui ainda os movimentos com cartão de crédito, posicionamento GPS, cartões
promocionais, autoestradas, uso de telemóvel, elementos biométricos (biometric scanning),
reconhecimento facial, reconhecimento emocional77, vídeo vigilância, etc.
74 Cf. Foucault, Michel (1988). Technologies of the Self.
75 « O ego ideal é o herdeiro com complexo de Édipo, e por isso é também a expressão dos impulsos mais fortes e das vicissitudes libidinais mais importantes do id (...) Enqaunto que o ego é essencialmente representande do mundo exterior, da realidade, o superego está em contraste com ele na medida em que é representante do mundo interior, do id.» (Freud: 37)
76 Cf. Surveillance and Society Journal (http://www.surveillance-and-society.org/journal.htm ). Surveillance Studies Network (http://www.surveillance-studies.net/). Julian Assange (Cypherpunks). Edward Snowden e Glen Greenwald - The Guardian NSA files (http://www.theguardian.com/us-news/the-nsa-files ) . Felix Stalder, Opinion. Privacy is not the antidote to surveillance (http://library.queensu.ca/ojs/index.php/surveillance-and-society/article/view/3397/3360)
77 Cf ‘Affective’ computing and emotion recognition systems: The future of biometric surveillance? (Joseph Bullington)
Os dilemas de ordem pragmática que se nos colocam são diversos, mas focam-se
essencialmente nas problemáticas de privacidade, intimidade, subjectividade e corporalidade
(data body)78.
A expansão empírica da cibernética na configuração das redes telemáticas atuais reificou-
se efectivamente como infraestrutura e potência de controlo, ou como afirmam Galloway e
Thacker, «the network, it appears, has emerged as a dominant form describing the nature of
control today (...) Perhaps there is no greater lesson about networks than the lesson about
control: networks, by their mere existence, are not liberating; they exercise novel forms of control
that operate at a level that is anonymous and nonhuman, which is to say material.» (Galloway e
Thacker: 4-5).
Diante um contexto civilizacional paranoico79 onde a vigilância activa (24/7) sobre os
cidadãos se torna ubíqua e omnipresente80, a individuação psíquica e a transindividuação
colectiva requerem novos espaços onde a privacidade seja possível. Para Michel Foucault a
privacidade é essencial enquanto espaço de resistência face ao poder hegemónico dos Estados e
das corporações, alertando-nos para a necessidade do reconhecimento das estruturas e dos
modos através do qual o poder é disseminado pelas relações sociais, comportamentos, hábitos,
estruturas de conhecimento e instituições (Hayles, 2009).
Ao relacionarmos, numa perspetiva histórica, a vigilância (escuta) ao potencial de
disseminação e inculcação de palavras-de-ordem geradoras de medo e pânico social, é porque
concordamos com a análise de Byung-Chul Han quanto ao facto de a liberdade de comunicação
ilimitada se converteu hoje num mecanismo de controlo e vigilância total – panóptico digital:
«Nos dirigimos a la época de la psicopolítica digital. Avanza desde una vigilancia pasiva hacia un
control activo. Se trata de un conocimiento de dominación que permite intervenir en la psique y
condicionarla a un nivel prerreflexivo.» (Han: 12).
Se é hoje mais fácil e eficaz aos sistemas políticos criarem sujeitos políticos sintonizados
78 Exemplos: 1) o cálculo dos seguros de saúde podem ser baseados em dados relativos ao nosso historial clínico e outros de saúde que já tenham sido disponibilizados previamente às companhias de seguros. Para nossa conveniência, dizem-nos, as empresas já sabem tudo o que precisam de saber sobre nós. O problema é que nós não sabemos o que eles já sabem sobre nós, e nem sequer temos a certeza de que as informações estão corretas, desconhecendo assim como são tomadas as decisões sobre o nosso corpo, saúde e doença. 2) A empresa à qual nos candidatámos exclui-nos da seleção prévia de candidatos devido a possuir informação errada sobre o nosso historial clínico e potenciais problemas de saúde, ou não quer contratar empregados que fiquem doentes no futuro.
79 Vide notícia de 2/7/2015, «Ator português confundido com terrorista e foi detido em Paris» http://observador.pt/2015/07/02/ator-portugues-confundido-terrorista/
80 Para uma análise, redigida por N. Katherine Hayles, do relatório «Surveillance: Citizens and the State.», do Reino Unido, Cf. Hayles (2009).
com as suas demandas, atente-se por exemplo à imposição neoliberal das políticas de
austeridade em solo europeu, o nosso maior receio pós-humano é claramente que o cérebro-
mente fique sob controlo de instituições com tecnologias virtualmente ilimitadas no seu poder
de perscrutação e inscrição neuronal81, nesse sentido urge preservar espaços de democracia
política e subjectividades ciborgue, pós-humanas, não colonizadas:
The hope for those who want a radically democratic politics is that cyborgs and posthuman
subjects will remain too "different" to be re-inscribed into narrow humanism. The foundational
epistemological assumptions that generated cybernetics were consistent with liberal humanist
values. Technologies, however, carry potentially subversive elements, and unintended
consequences (Dunagan, 2004: 7).
Apesar de tudo, ao contrário do que afirma uma certa hermenêutica freudiana do pós-
humano assente numa visão ontológica do trauma, da debilidade física ou da ansiedade da
finitude: «O melhoramento da espécie do ideário pós-humano apresenta-se, assim, como uma
manifestação daquilo que Freud chamou o regresso do reprimido, isto é, uma tentativa de
resolução complementar do trauma da incompletude» (Gil: 75). Contudo, o ciborgue não faz
parte de qualquer narrativa que faça apelo a um estado original, sendo aliás também um esforço
de contribuição para a teoria e para a cultura emancipatória socialista-feminista, na tradição
utópica de se imaginar um mundo sem género, que será talvez um mundo sem génese, mas,
talvez, também, um mundo sem fim, ou seja, a encarnação ciborguiana está fora da história da
salvação, e assim, «diferentemente das esperanças do monstro de Frankenstein, o ciborgue não
espera que seu pai vá salvá-lo por meio da restauração do Paraíso, isto é, por meio da fabricação
de um parceiro heterossexual, por meio de sua complementação em um todo, uma cidade e um
cosmos acabados» (Haraway: 39).
Mas se optarmos por uma outra funcionalidade do trauma e o entendermos como dano
emocional que ocorre como resultado de um algum acontecimento ou experiência dolorosa,
aproxima-nos da ideia de inconsciente tecnológico pós-humano, acerca do qual Hayles, na esteira
de Nigel Thrift82, se refere como lugar de afinidade e intercessão entre código informático e
trauma: «These similarities suggest that code can become a conduit through which to
understand, represent, and intervene in trauma» (Hayles, 2007: 141).
81 Por exemplo: tecnologias de telepatia sintética - Neural Decoding Artificial Telepathy - (comunicação cérebro-cérebro). Vide: http://harvardsciencereview.com/2014/05/01/synthetic-telepathy/. http://www.wired.com/2008/08/army-funds-synt/
82 Nigel Thrift, “Remembering the Technological Unconscious by Foregrounding Knowledges of Position,” Environment and Planning D: Society and Space22, no. 1 (2004): 175–90
Talvez possamos então propor duas abordagens distintas da neurociência cognitiva:
i) Abordagem conservadora: a neurociência da cognição partilha da mesma visão política
neoliberal que consiste em equacionar o individuo isoladamente (atomismo social), o
cérebro isolado e manipulado dentro da caixa craniana e o individuo como consumidor
egoísta;
ii) Abordagem progressista: a neurociência da cognição partilha da mesma visão política da
democracia radical, o cérebro conectado em rede (colectivo sociotécnico), o individuo em
processo de transindividuação e tecnologicamente expandido.
CONCLUSÃO: NEUROPLASTICIDADE E INDIVIDUAÇÃO DO CIBORGUE IRREVERENTE
The cyborg is not subject to Foucault's biopolitics;
the cyborg simulates politics, a much more potent field of operations.
Donna Haraway
Os estudos dos campos da ciência e da tecnologia tendem, segundo Rosi Braidotti, a
desprezar as implicações das suas hipóteses e posições no que se refere às implicações nos
sujeitos. Nestes campos de investigação a subjectividade fica fora do enquadramento, e com isso
também se perde a possibilidade de sustentadamente analisar politicamente a condição pós-
humana (Braidotti, 2013:42).
Retomando Foucault, parece-nos claro que as interferências psicotecnológicas na
estrutura da rede neuronal (neuropoder) e nas formas de consciência (noopower/noopolítica),
requerem novas formas de resistência cultural antagonistas das formas de governamentabilidade
ancoradas na sujeição e submissão das subjectividades. Tornam-se cada vez mais importantes,
mais até do que as resistências contra os mecanismos de dominação e exploração. Neste aspecto,
das formas de governamentabilidade, Antoinette Rouvroy, no artigo já citado, invoca a expressão
algorithmic governmentality como aquela que não permite processos de subjectivação humana,
pois, a «algorithmic governmentality is without subject: it operates with infra-individual data and
supra-individual patterns without, at any moment, calling the subject to account for himself.»
(Rouvroy, 2012: 2).
No artigo de Jake F. Dunagan - Neuro-Futures: The Brain, Politics, and Power –
encontramos o cerne de um debate em torno da construção social da subjectividade pós-humana
que nos permita lidar com as condições do pós-humano, de tal que possibilite ultrapassar o
status quo do actor político do antropoceno:
The ubiquitous political actor in the western bourgeois mindset has been the liberal
humanist subject, deemed the "phallic citizen." This subject represents the impermeable, rigid,
self-regulating, reasonable, and modest political actor who has the ability to erase the
distortions his body makes in the public sphere» (Dunagan, 2004: 6).
Neste sentido, a esperança daqueles que pretendem uma política radicalmente
democrática reside na expectativa de que a subjectividade83 política do ciborgue, enquanto
sujeito pós-humano, possua características totalmente distintas de modo a não poder ser
reinscrito na história do humanismo, em sentido estrito.
Para Rosi Braidotti, uma teoria do pós-humano seria identicamente uma «generative tool
to help us re-think the basic unit of reference for the human in the bio-genetic age known as
‘anthropocene’, the historical moment when the Human has become a geological force capable of
affecting all life on this planet» (Braidotti, 2013: 5).
Trata-se portanto, para Braidotti, da necessidade de repensar uma outra figura do
humano e de imaginar uma subjectividade que expresse e incorpore um sentido forte de
colectividade, relacionalidade e capacidade de construção de laços comunitários localizados,
mas nomádicos (nomadic subjectivity):
The posthuman subjectivity I advocate is rather materialist and vitalist, embodied and
embedded, firmly located somewhere, according to the feminist ‘politics of location’ (...) Because
a theory of subjectivity as both materialist and relational, ‘naturecultural’ and self-organizing is
crucial in order to elaborate critical tools suited to the complexity and contradictions of our
times. (idem: 51-52)
Na actualidade do debate neurocêntrico, as propriedades plásticas do cérebro -
neuroplasticidade84 - que permitem ao cérebro modificar-se a si mesmo em função da sua
resposta às mudanças do meio-ambiente, apresentam-se como uma das problemáticas
fundamentais. Para Andy Clark a plasticidade e a multiplicidade são duas constantes da nossa
maquinaria cognitiva concebida para a auto-transformação face ao meio-ambiente sociocultural,
daí a importância de se conjugar a com a visão neuro-construtivista de Steven Quartz85, para
reclamar a importância de envolventes culturais e tecnológicas amenas, catalizadoras de
desenvolvimento neuronal, de autonomia e liberdade crítica do agenciamento:
This means that the environments in which our brains grow and develop
may actually help structure the brain in quite deep and profound ways. Brain
83 «Cyborg subjectivity is refigured in accordance to the ontology of the code, "We become the codes we punch,"and cyborgs could be masters of the code.» (Dunagan, 2004: 7). Cf. Geoff Cox (2013). Speaking Code: Coding as Aesthetic and Political Expression. The MIT Press.
84 « Plasticity refers to multiple processes of brain function and structure. The brain can make new cells (neurogenesis) and new synaptic connections between neurons (synaptogenesis), and see established connections strengthened and weakened (synaptic modulation) (...) Plasticity has been correlated not only with early learning, but also with shifts in stress levels and hormones, with recovery from trauma and injury, and with learning new skills in adolescence and adulthood.» (Pitts-Taylor, 2012: 636)
85 Quartz, Steven R. (1999). The constructivist brain. Trends in Cognitive Sciences 3 (2):48-57. Elsevier Science.
plasticity or neuroplasticity refers to the capacity of the brain to modify itself in
response to changes in its functioning or environment(...) From this neurologically
and ecologically unique whirlpool, we humans emerge. We are beings factory-
tweaked and primed in order to be ready to participate in hybrid cognitive and
computational regimes, able to think and learn in ways that take us, bit-by-bit, far
beyond the scope and limits of our basic biological endowments. (Clark, 2003: 84-
86)
No entanto, tal como pudemos observar nos capítulos anteriores, o enquadramento global
da contemporaneidade não nos permite a leviandade de qualificar positivamente a amenidade da
envolvente neuronal, de forma a valorizar indubitavelmente a neuroplasticidade do cérebro pós-
humano. Segundo Boaventura de Sousa Santos, estamos confrontados com a emergência do
fascismo societal, do qual um dos seus aspetos é o fascismo financeiro que, por ser o mais
pluralista, «é também o fascismo mais virulento porque o seu espaço-tempo é o mais refratário a
qualquer intervenção democrática» (Santos, 2002: 37). Por outro lado, a crescente
mercadorização da cultura sob a égide do capitalismo tardio (globalizado e neoliberal) vem
permitindo a capitulação incondicional da cultura face aos imperativos do capital global, numa
lógica de comercialização generalizada de todos os aspetos da vida (Jappe, 2012: 100), i.e., do
conjunto das relações sociais.
Actualizando a concepção inicial de Marx, Franco Berardi “Bifo”, introduzindo o conceito
de cognitarian subjectivation, incide a sua análise nos excessos do trabalho semiótico nas redes
telemáticas em torno da linguagem e da informação, i.e., na produção daquilo que designa como
info-commodity ou semiocapital: «Semiocapital puts neuro-psychic energies to work, submitting
them to mechanistic speed, compelling cognitive activity to follow the rhythm of networked
productivity » (Bifo, 2010). Esta viragem (cognitiva) operada pelo semiocapital e pelo capitalismo
financeiro só é possível porque se operam duas descodificações em paralelo, a do capital e a da
língua. Se por um lado o capital se tornou abstracto e desterritorializado, por outro nunca como
antes a língua foi tão fortemente colonizada pelo “economês” - a economia com estatuto de
linguagem universal. É neste horizonte regulado pela esquizo-economia que o «capitalismo
esquizofreniza cada vez mais na periferia» (Deleuze e Guattari: 241), porque a «esquizofrenia é o
limite exterior do próprio capitalismo» (idem: 256).
Apesar da prudência necessária que a perspectiva foucauldiana da governamentabilidade
biopolítica86 sugere, a de termos parcimónia na celebração da liberdade inerente à
86 « As many have argued recently, pressures around our personal abilities to improve our wellness and prevent disease and even aging are suggestive of a form of power Michel Foucault identified as governmentality, where the
neuroplasticidade, é num contexto de neoliberalismo complexo e mutante como o acima descrito
que a filósofa Catherine Malabou entrevê possibilidades progressistas para a plasticidade
cerebral, possibilidades de rebelião, criatividade e antideterminismo:
To talk about the plasticity of the brain means – to see in it not only the
creator and receiver of form but also an agency of disobedience to every
constituted form, a refusal to submit to a model (…) making its history, becoming
the subject of its history, grasping the connection between the role of genetic
nondeterminism at work in the construction of the brain and the possibility of a
social and political nondeterminism, in a word, a new freedom.» (Malabou, 2008:
5–13) .
Catherine Malabou situa a neuroplasticidade no quadro da crítica da economia política,
argumentando que muitas das descrições da plasticidade são de facto justificações para uma
flexibilidade neoliberal sem limites, ou seja, sinal de que o neoliberalismo é uma economia da
plasticidade coadjuvada pelo conhecimento neurocientífico87 (Malabou,2008: 41).
No enquadramento de uma crítica à neuroplasticidade neoliberal, o manifesto ciborgue de
Donna Haraway é um autêntico reservatório de subversão, desde logo porque a identidade
ciborgue não pertence ao modelo da família orgânica nem ao projecto edipiano que o configura
ao longo da história, por isso, o ciborgue nunca reconhecerá o mito do Éden nem será reverente,
mostrando ter uma inclinação natural para unidade política sem necessidade de partidos de
vanguarda (Haraway, 293).
É a ontologia híbrida do ciborgue que lhe fornece uma política, uma imagem condensada
da imaginação e da realidade material que evoca a possibilidade de transformação histórica:
«cyborg politics is the struggle for language and the struggle against perfect communication,
against the one code that translates all meaning perfectly, the central dogma of
phallogocentrism» (idem, 304).
A mitologia ciborgue de Haraway incide na transgressão de todas fronteiras erguidas em
notions of risk and empowerment play crucial roles (...) the commercialization of bodies and biological materials in biocapitalism. Biological vitality, from the levels of surface flesh all the way to molecule, neuron and gene, has become a prime resource for ‘marketization’ in biocaptialist economies (...) Neoliberalism cannot be, as some descriptions might suggest, utterly totalizing and hegemonic. Brenda Weber (2009), following Wendy Brown (2006) and Aihwa Ong (1999), emphasizes how neoliberalism is a complex ideological apparatus that is inconsistent and ever-changing. Rather than creating wholly ‘passive and complacent’ citizens, Weber (2009: 52) argues that it instead mutates and is mutating, and is incomplete in its ability to shape the citizenry. » (Pitts-Taylor, 2012:641).
87 «The intimacy between neoliberal capitalist models of organization and neuroscientific models of the plastic brain that Malabou recognizes is two-directional. Malabou finds global capitalism saturated with neurosciencebased language, so that neuroscience serves ideologically to naturalize global capitalism.» (Pitts-Taylor, 2012: 648).
nome do humanismo e da construção social burguesa da modernidade, cuja premissa «is that the
need for unity of people trying to resist world-wide intensification of domination has never been
more acute. But a slightly perverse shift of perspective might better enable us to contest for
meanings, as well as for other forms of power and pleasure in technologically mediated societies
(…) The political struggle is to see from both perspectives at once because each reveals both
dominations and possibilities unimaginable from the other vantage point » (idem: 394).
É na conjugação de várias crises simultâneas que Braidotti considera pertinente o desafio
colocado pelo pós-humano, nomeadamente na tentativa de superação do confronto histórico
entre humanismo e anti-humanismo, e na sequência da emergência das vozes pós-colonialistas e
da crise de alteridade que essa voz vem provocando no seio do europeísmo:
The new mission that Europe has to embrace entails the criticism of narrow-minded
self-interests, intolerance and xenophobic rejection of otherness. Symbolic of the closure of the
European mind is the fate of migrants, refugees and asylum-seekers who bear the brunt of
racism in contemporary Europe.
A new agenda needs to be set, which is no longer that of European or Eurocentric
universal, rational subjectivity, but rather a radical transformation of it, in a break from Europe’s
imperial, fascistic and undemocratic tendencies. (Braidotti, 2013: 52)
REFERÊNCIAS
• AA.VV (2007). Tecnologia e sociedade (vol 2): Tecnologia humano e pós-humano. Lisboa. Universidade
Católica.
• Assange, Julian (2013). Cypherpunks: Freedom and the Future of the Internet. Or Books.
• Baudrillard, Jean (1991). Simulacros e Simulações. Lisboa. Relógio d'Água.
• Bergson, Henri (1904). Brain and Thought: A Philosophical Illusion. In Mind-Energy: Lectures and Essays.
Greenwod Press.
• Bifo, Franco Berardi (2013). The Mind’s We: Morphogenesis and the Chaosmic Spasm Social Recomposition,
Technological Change and Neuroplasticity. In Boever, Arne De e Neidich, Warren (Eds). The
Psychopathologies of Cognitive Capitalism: Part One. Berlin. Archive Books. Pp 7-32.
• Bifo, Franco Berardi (2010). Cognitarian Subjectivation. E-flux journal #20
• Braidotti, Rosi (2013). The Posthuman. Cambridge. Polity Press.
• Clark, Andy (2003). Natural-born cyborgs: Minds, Technologies, and the Future of Human Intelligence.
Oxford University Press.
• Debord, Guy (1991). A Sociedade do Espectáculo. Lisboa. Edições mobilis in mobile.
• Deleuze, Gilles e Guattari, Félix (1996). O Anti-Édipo, Capitalismo e Esquizofrenia. Lisboa. Asssírio & Alvim
• Dunagan, Jake F. (2010). Politics for the Neurocentric Age. Journal of Futures Studies, November 2010, 15(2):
51 – 70.
• Dunagan, Jake F. (2004). Neuro-Futures: The Brain, Politics, and Power. Journal of Futures Studies, November
2004, 9(2): 1 – 18.
• Foucault, Michel (1988). Technologies of the Self. In Martin, L.H. et al (1988) Technologies of the Self: A
Seminar with Michel Foucault. London: Tavistock. pp.16-49.
• Foucault, Michel (1982). The Subject and Power. In Critical Inquiry, Vol. 8, No. 4, (Summer, 1982),The
University of Chicago Press. Pp. 777-795.
• Freud, Sigmund (1989). A Estrutura da Personalidade Psíquica e a Psicopatologia. Europa-América.
• Galloway, Alexander R. e Thacker, Eugene (2007). The Exploit: A Theory of Networks (Electronic Mediations
Ser. Vol. 21). Minneapolis. U Minnesota.
• Gardner, Howard (2002). A Nova Ciência da Mente. Lisboa. Relógio d'Água.
• Gehl, Robert W. (2014). Reverse Engineering Social Media - Software, Culture, and Political Economy in New
Media Capitalism. Filadélfia. Temple University.
• Gil, Isabel Capeloa (2007). Considerações Intempestivas sobre o Pós-humano ou Memórias do Humano. In
Tecnologia e sociedade (vol 2): Tecnologia humano e pós-humano. Lisboa. Universidade Católica.
• Haney II, William S. (2005). Cyberculture, Cyborgs and Science Fiction: Consciousness and the Posthuman.
Editions Rodopi B.V., Amsterdam - New York.
• Hayles, N. Katherine. (2009). Waking up to the Surveillance Society. Surveillance & Society, 6(3): 313-316
• Hayles, Katherine N. (2006). From Cyborg to Cognisphere. Theory, Culture & Society. SAGE. Vol. 23(7–8):
159–166.
• Hayles, Katherine N. (1999). How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature, and
Informatics. The University of Chicago Press.
• Han, Byung-Chul (2014). Psicopolítica - Neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona. Herder
Editorial.
• Haraway, Donna (1991). “A Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist-Feminism in the Late
Twentieth Century,”. In Simians, Cyborgs, and Women: The Reinvention of Nature. New York. Routledge.
• Heidegger, Martin (2002). Ensaios e Conferências. Petrópolis. Editora Vozes.
• Hess, Ewa e Jokeit, Hennric (2009). Neurocapitalism. Eurozine. (http://www.eurozine.com/articles/article_2009-11-24-
jokeit-en.html)
• Jappe, Anselm (2012). Sobre a Balsa de Medusa – Ensaios acerca da decomposição do capitalismo. Lisboa.
Antigona
• Kerchov, Derrick de (1997). A Pele da Cultura. Uma Investigação Sobre a Nova Realidade Electrónica. Lisboa.
Relógio D'Água Editores.
• Kline, Ronald (2009). Where are the Cyborgs in Cybernetics? Social Studies of Science 39/3 (June 2009). SAGE
Publications. 331–362.
• Latour, Bruno (2011). Networks, Societies, Spheres: Reflections of an Actor-Network Theorist. In International
Journal of Communication 5 (2011), 796 –810.
• Levinas, Emanuel (1991). Transcendência e Inteligibilidade. Lisboa. Edições 70.
• Lury, Celia (1998). Prosthetic culture - Photography, memory and identity. NY. Routledge.
• Mackenzie, Adrian (2003). Bringing sequences to life: How bioinformatics corporealizes sequence data. In
«New Genetics and Society». Taylor & Francis.
• Malabou, Catherine (2008). What Should We Do with Our Brain?. Fordham University Press.
• Marx, Karl (1977). A Contribution to the Critique of Political Economy. Progress Publishers, Moscow.
• Matoso, Rui (2015). Biotransduções. ( https://www.academia.edu/6966572/Biotransdu%C3%A7%C3%B5es)
• Matoso, Rui (2015). Redes, Cibernética e Neuropoder - breve estudo do contexto cibernético actual.
(https://www.academia.edu/11837553/Redes_Cibern%C3%A9tica_e_Neuropoder_-_breve_estudo_do_contexto_cibern
%C3%A9tico_actua )
• McLuhan, Marshall (1964). Understanding Media- The extensions of man. Routledge.
• Miranda, José A. Bragança de (1999). Crítica da Esteticização Moderna. In AA.VV. «Imagens e Reflexões».
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Edições Universitárias Lusófonas.
• Mitchell, William J. (2003). Me++ - the cyborg self and the networked city. The MIT Press
• Neidich, Warren (2006). The Neurobiopolitics of Global Consciousness. Sarai Reader 2006: Turbulence.
• Neidich, Warren (2010). From Noopower to Neuropower: How Mind Becomes Matter. In «Cognitive
Architecture. From Biopolitics to Noopolitics. Architecture & Mind in the Age of Communication and
Information». Deborah Hauptmann and Warren Neidich (Eds). 01 0 Publishers.
• Pepperell, Robert (2003). The Post-Human Condition. Bristol. Intellect Books.
• Pickering, Andrew (2010). The cybernetic brain : sketches of another future. The University of Chicago Press.
• Pitts-Taylor, Victoria (2010). The plastic brain: Neoliberalism and the neuronal self. Health 14(6) 635–652.
Sage.
• Quartz, Steven R. (1999). The constructivist brain. Trends in Cognitive Sciences 3 (2):48-57. Elsevier Science.
• Rouvroy, Antoinette (2014). Privacy, Due Process and the Computational Turn. Philosophers of Law Meet
Philosophers of Technology, Mireille Hildebrandt & Ekatarina De Vries (eds.), Routledge.
• Santos, Boaventura de Sousa (2002). Reinventar a Democracia. Lisboa. Fundação Mário Soares e Gradiva
Publicações.
• Sagan, Dorion (2010). "Introduction: Umwelt after Uexküll". In Jakob von Uexküll, Marina von Uexküll,
Joseph D. O’Neil. A Foray Into the Worlds of Animals and Humans: With a Theory of Meaning. University of
Minnesota Press.
• Sartre, Jean-Paul (1994). Consciência de Si e Conhecimento de Si. Tradução de Pedro M.S. Alves. Lisboa.
Edições Colibri.
• Searle, John (1997). Mente, Cérebro e Ciência. Lisboa. Edições 70.
• Shaviro, Steven (2003). Connected: Or What It Means to Live in the Network Society. Electronic Mediations /
Vol. 9. Minneapolis. University of Minnesota Press.
• Simondon, Gilbert (2009). La individuación a la luz de las nociones de forma y de información . Buenos Aires:
La Cebra Ediciones y Editorial Cactus.
• Simondon, Gilbert (2007). EI modo de existencia de los objetos técnicos. Buenos Aires. Prometeo Libros.
• Skinner, B. F. (1981). Selection by Consequences. Science.Volume 213, Number 4507.
• Sloterdijk, Peter (2000). The Operable Man. On the Ethical State of Gene Technology. Translation by Joel
Westerdale and Günter Sautter. Suhrkamp, Frankfurt am Main.
• Turkle, Sherry (2005). The Second Self: Computers and the Human Spirit. The MIT Press.
• Uexküll, Jakob von (2010). A Foray Into the Worlds of Animals and Humans: With a Theory of Meaning.
University of Minnesota Press.
• Varela, Francisco; Thompson, Evan e Rosch, Eleanor (2001). A Mente Corpórea – Ciência Cognitiva e
Experiência Humana. Lisboa. Instituto Piaget.
• Watson, John B. (1913). Psychology as the Behaviorist Views it. Psychological Review, 20, 158-177.
http://psychclassics.yorku.ca/Watson/views.htm . Acedido a 23 Julho 2015.
• Wiener, Norbert (1948). Cybernetics, or Control and Communication in the Animal and the Machine. MIT
Press/John Wiley and Sons, NY.
• Wiener, Norbert (1954). Men, Machines, and the World About. In Medicine and Science. 13- 28. New York
Academy of Medicine and Science, ed. I. Galderston. International Universities Press.
• Wolfe, Cary (1998). Critical environments : postmodern theory and the pragmatics of the outside . University
of Minnesota Press.