ENREDOS

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Quantos de nós não nos sentimos renovados no ânimo que alavanca nossa força necessária aos diversos enfrentamentos do dia a dia de nosso viver quando uma criança se aloja no seio da família. A inocência natural da infância e seus enleios podem tocar os corações mais empedernidos. Principalmente no que toca as experiências de cada um de nós com as considerações de conotação Divina ou Religiosa! O Espírito de Carlo Abrano nos dá um exemplo de que enredos podem estar em consideração nessa esperança que nasce e dos por quês não deveria ela ser alijada de nossa alma.

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Enredos

Nasce uma esperança.

Quantos de nós não nos sentimos renovados no animo que alavanca nossa força necessária aos diversos enfrentamentos do dia a dia de nosso viver quando uma criança se aloja no seio da família.

Se assim é para aqueles mais abrigados com os recursos frutos de seu trabalho ou de seus progenitores, o que não se dirá então daqueles menos desprovidos dessa “sorte”?

A inocência natural da infância e seus enleios podem tocar os corações mais empedernidos, e felizes daqueles que sabem apro-veitar esta oportunidade de ‘abertura’ na sua ‘crosta de alma’ en-durecida ou apática pelas vicissitudes que são inerentes ao árduo trabalho evolutivo.

Caminham mais rápido na estrada da evolução aqueles que conseguem o equilíbrio entre a energia prática para os ditames mundanos e a mansuetude de coração para fomentar os senti-mentos necessários a sua grandeza espiritual.

Por outro lado, em quantos lares, no seio de quantas famílias se esvaem estas esperanças quando somos chamados a enfrentar situações desconhecidas, coisas que a principio repudiamos ou simplesmente estranhas ao nosso modo de ver ou viver?

Principalmente no que toca as experiências de cada um de nós com as considerações de conotação Divina ou Religiosa!

O Espírito de Carlo Abrano nos dá um exemplo de que en-redos podem estar em consideração nessa esperança que nasce e dos por quês não deveria ela ser alijada de nossa alma.

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Introdução

As voltas que a vida dá.

Por quantas vezes usamos essa expressão quando nos deparamos com situações que nos surpreendem? Na verdade a surpresa, agradável ou não, é um sentimento es-tranho se atentarmos ao fato de que, por vezes, concluímos que, se tivéssemos pensado um pouco mais, já saberíamos.

Curiosamente, a vida nos coloca em situações que exigem reflexões, quando poderíamos como que nos pre-parar quanto às surpresas que nos cercam.

Se no cotidiano podemos observar essa realidade, que dizer então das questões ditas filosóficas, que são inerentes à natureza humana?

O meio em que nos encontramos inseridos, do seio da família ao contexto social, normalmente dita as regras da vida. E o velho costume de viver no mundo de acordo com o mundo quase sempre nos prega peças. Porque quase sempre nos perdemos na aplicação de regras como “olho por olho, dente por dente”. Ou então, não raciocinamos,

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seja qual for a instância em que estejamos colocados: na alta sociedade, na classe média, na pobreza e até mesmo na miséria. Na verdade, em qualquer desses lugares, nunca fomos muito incitados a refletir.

Não fomos e não somos educados a pensar.Esse mau hábito que sempre temos coloca-nos em

xeque quando o assunto é:

“Quem somos?” “De onde viemos?”“Para onde vamos?”

Essas questões se confundem com a nossa disposição em delegar as responsabilidades para quem nos criou, ou quando muito, com a facilidade que temos de deixar para depois coisas que não são do dia a dia costumeiro. Assim também não estamos acostumados a analisar a História da humanidade.

Gerações que nos precederam, seus modos de vida, suas derrotas, suas conquistas.

E nossos sucessores?Também eles viverão como nós?Sem considerar o passado para nortear o presente e

prevenir o futuro?Mesmo porque, observando todo o desenvolvimento

tecnológico imposto pela inteligência humana, imaginar que intimamente a alma também não se obrigue a evoluir seria quase uma blasfêmia.

Testemunhamos inúmeras vezes o destaque, em nos-so meio, de pessoas que nos conclamam a essas questões.

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Capítulo

Vinte e duas horas e quarenta minutos...

Cansado e um pouco gripado, José Eduardo esperava o circular; por anos a fio, essa era sua rotina. Já conhecia todos os que viviam naquele pedaço de rua, uma pequena comunidade de relacionamento estreito, sem, no entanto, conhecerem verdadeiramente a intimidade de cada um. Havia solidariedade e respeito. Queixumes do dia-a-dia sobre as dificuldades existentes em seus comércios e ane-dotas... se mal observado, passaria a impressão de haver ali grandes amigos!

Sua lanchonete ficava espremida entre dois prédios: de um lado, o restaurante; do outro, uma farmácia, uma ótica e uma papelaria; e em frente, o gigante laboratório que atendia os pacientes do hospital público da cidade. As árvores velhas e frondosas contribuíam para que a iluminação fosse escassa, a rua com pista dupla onde um dia havia canteiros de flores e gramas ornamentais. Hoje,

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papéis soltos, sacos e embalagens que deveriam estar nos recipientes para lixo rolavam com o vento frio da noite.

O ponto de ônibus que ficava do outro lado da rua no mesmo sentido do hospital encontrava-se depredado pelos vândalos, inimigos do bom viver e das coisas belas. Quando fora feito pela Prefeitura, era moderno e acon-chegante; encontrava-se agora sem teto, os bancos quebra-dos, a chuva fria e rala castigando os necessitados desse recurso. Nas calçadas, as barraquinhas dos vendedores ambulantes, feitas de lona e algumas de alumínio, mal pintadas, cheias de propagandas de políticos que nunca foram eleitos.

As barraquinhas encontravam-se nos mesmos lu-gares há mais de trinta anos. Segundo contam, alguns comerciantes – os donos desses comércios – formaram seus filhos, construíram suas vidas nesse ramo de negó-cio a princípio na informalidade. Passavam a imagem de pessoas sem cultura, de recursos escassos, dignos de comi-seração, pois seus comércios viviam ao relento, expostos à chuva e ao frio por anos a fio!

Era uma sociedade organizada: os novatos que ali chegavam tentando se estabelecer com seus carrinhos de alimentos eram convidados “gentilmente” a se retirarem. Quando chegou ali, há anos, percebeu algumas situações que, a princípio, lhe pareceram incríveis. Se tivesse conti-nuado em sua pequena cidade, jamais acreditaria.

Alguns dos pedintes que esmolavam nas calçadas ti-nham casas boas nos bairros afastados da cidade. Fizeram desse mister um meio de vida!

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Capítulo

José Eduardo abriu a lanchonete, o cheiro de pastel frito encheu o ambiente.

Dona Dete chegava bem cedo. Enquanto ele espalha-va as mesas na calçada, o moleque Silvio limpava o am-biente e logo em seguida já saía às compras no mercado. Era uma atividade a princípio simples, porém maçante. Em uma coisa sua mãe estava certa: sentia-se cansado, tirar umas férias seria bom. Apenas não sabia como fazer isso, por vários motivos.

Uma viagem estava fora de cogitação. Em comércio como o dele, o lucro era pequeno, o que poucos sabiam. Era um dia após o outro que fazia a diferença. Como diz um jargão popular, “são os olhos do dono que engordam o porco”. Além do mais, ele se sentia preso, parecia que tinha medo de mudanças, qualquer novidade o apavorava

Nunca pôde comentar com ninguém sua intimidade.O balcão era uma barreira providencial, conseguia

ser bom comerciante, comunicativo e agradável. E era uma tarefa fácil, os clientes itinerantes e os conhecidos

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da redondeza fazendo parte da comunidade estranha que ele observava todos os dias. Mal sabiam eles que esse comportamento natural da cidade grande permitia sua reclusão íntima, como uma lagarta no casulo.

Durante o dia, eram tantas atividades que não havia espaço para lamentações particulares; no entanto, era uma fuga consciente. Quando se permitia rememorar, sofria, uma vez que sabia que essa sua atitude estava fazendo-o perder uma boa parte da vida.

“Nem só de pão vive homem...”, sua mãe repetia sempre. Certa ela estava, não havia dúvidas. Enquanto ele

se ocupava do pão com certo esmero, deixava de lado as questões da alma. Esse era um assunto mal resolvido, mais tarde se ocuparia disso.

A lanchonete encheu-se de clientes, e os comentários eram exatamente o acidente do dia anterior. Segundo alguns, faleceram duas senhoras, e mais dois, em estado grave, foram hospitalizados.

Ao ouvir essas notícias, sentiu um gosto amargo na boca. Aquelas famílias, hoje, estariam com o mesmo senti-mento que eles ficaram no passado. Sentiu-se esmorecido de repente, parecia uma bateria fraca, suas pernas amo-lecidas, que diabos! Praguejou intimamente, com certeza estava mesmo ficando velho...

Perto das quinze horas, deu instruções aos seus fun-cionários e saiu. Se ficasse ali, iria explodir de angústia.

Desceu a rua por quatro quadras, caminhando em uma avenida que margeava um córrego canalizado. Essa

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Ao retornarmos à vida física, vimos em busca de aprimoramentos.

O corpo, esse vaso sagrado e depositário perecível, é a nossa ferramenta de trabalho, onde, como prisioneiros teremos oportunidades para trabalhar as evoluções ínti-mas e também de proporcionarmos acréscimos evolutivos em prol dos menos favorecidos.

Essa lenta caminhada de maneira imperceptível transforma o ser bruto em diamante lapidado, tornando-nos uma pedra rara e transparente, onde se refletirá a luz Divina em sua totalidade!

Os espíritos de ordem elevada são cônscios desse retorno de uma forma diferenciada, são missionários do bem, espalhando pela face da terra exemplos de dignidade e amor. Seus retornos em qualquer dos planos são cons-cientes, seus trabalhos impulsionam a evolução, em todos os níveis, das necessidades físicas e espirituais. São como

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estrelas cadentes que, ao passar, deixam seus rastros de luz iluminando o caminho pela vasta escuridão dos inferiores!

Porém, nós, em maioria, os residentes do nosso sa-grado planeta Terra de beleza majestosa, estamos aqui por leis de atrações complexas, vendo a ciência e a religião se digladiarem à procura do entendimento dessas leis.

Tanto na ciência como na religião, podem estar exa-tamente aí os maiores dos equívocos, pois necessitamos de respostas, e muitas delas são deturpadas por aqueles que deveriam ser os baluartes de nossos retornos seguros ao desencarnarmos. A necessidade de saciar as angústias íntimas nos faz perquirir de onde viemos e para onde vamos após a morte.

Seguimos e somos seguidos em nossos possíveis co-nhecimentos que, na maioria das vezes, nos levam à ban-carrota. Nessa contenda, perderam-se as contas de quantos Anjos foram imolados por conta de possíveis verdades, que não passam de engodos, às vezes até propositais, em nome do orgulho e da vaidade humana.

Esses Anjos, antes de nascerem, já são sabedores dos seus calvários.

Na hora aprazada, são imolados em silêncio, para o espanto dos incautos enfurecidos. Depois, por milênios, seus nomes são aclamados, e nós os tornamos os fiéis de-positários de nossas culpas e remorsos.

Deus, em sua plenitude, onde as palavras terrenas são insuficientes para enaltecê-lo, diante de nossos pequenos passos, propicia-nos seus intermináveis mundos compa-tíveis com a necessidade de cada um.

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As gerações de pessoas envolvidas nessa vida passa-ram, e sucederam outras. Alguns reencarnaram, outros ficaram hibernados em suas maldades.

Muitos dos serviçais sanaram seus compromissos relacionados à pessoa de Verônica na pele de dona Dinha.

A existência como dona Dinha foi de extremada dificuldade: veio ainda com posses financeiras, mas em contrapartida, com pais desamorosos. Seus sentimentos eram relegados a último plano.

Seu companheiro fora exatamente o Diogo Farias do passado, que veio, dessa vez, humilhá-la, conforme ela ha-via feito um dia. Um companheiro grosseiro, insensível; uma vida de submissão, sem amor de ambas as partes. Suas filhas foram sua salvação; caso contrário, teria sido uma vida, a seu ver, inútil. Sem estudo, uma vida simples; em sua intimidade, uma angústia que não sabia de onde vinha. Parecia que vivia sem liberdade até mesmo num simples ato de pensar. Suas filhas eram, para ela, um grande ponto

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de interrogação; apesar de todo o esforço em ser boa mãe, os resultados não eram os esperados, faltava algo que ela não sabia o que era.

Sua filha Isaltina, a mais velha, sempre ausente. Mesmo quando solteira, era como se não fosse da família. Casou-se e se foi para cidades distantes, não participava das alegrias e muito menos das tristezas. Era uma moça calma para muitos, mas no fundo ela sabia, em seu cora-ção não havia um cantinho onde ela, na velhice, pudesse abrigar-se. Percebia nela uma indiferença em relação às suas opiniões. Se pudesse desvendar o passado quando encarnada, veria, à sua frente, como sua primogênita, a estranha do lago, a companheira de Stênio. Abrigava como filha a moça cuja vida ceifara um dia, quando vivia como Verônica, rica e soberana.

Maria Rita era cheia de recalques, por mais que fizes-sem, não estava contente. Reclamava de tudo, era amargu-rada desde menina, e como vivia doente, fora mimada, e ao sarar a doença física, ficaram as mazelas da má educa-ção que deveriam ter sido cuidadas. Por ela, dona Dinha voltou-se à religião. Precisava de muita fé para compreen-der seu mau humor, fato esse de extremada valia no futuro, com o passar dos anos e com sua doença. Sem Deus, não conseguiria suportar tamanha dificuldade. Maria Rita, nessa vida como sua filha, antes fora sua mãe, quando se encontrava como Verônica. Sua alma angustiada veio fazer o seu papel. As duas, mãe e filha, resolveriam partes de suas diferenças. O amor verdadeiro deveria ao menos ser iniciado entre elas.