Efésios 6.10-24 Cheung

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EFÉSIOS 6.10-20 Finalmente, fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder. Vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as ciladas do Diabo, pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais. Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo. Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça e tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz. Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus. Orem no Espírito em todas as ocasiões, com toda oração e súplica; tendo isso em mente, estejam atentos e perseverem na oração por todos os santos. Orem também por mim, para que, quando eu falar, seja-me dada a mensagem a fim de que, destemidamente, torne conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador preso em

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EFÉSIOS 6.10-20

Finalmente, fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder. Vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as ciladas do Diabo, pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais. Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo.

Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça e tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz. Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.

Orem no Espírito em todas as ocasiões, com toda oração e súplica; tendo isso em mente, estejam atentos e perseverem na oração por todos os santos. Orem também por mim, para que, quando eu falar, seja-me dada a mensagem a fim de que, destemidamente, torne conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador preso em correntes. Orem para que, permanecendo nele, eu fale com coragem, como me cumpre fazer.

Martyn Lloyd-Jones observe que há três perigos relacionados à batalha espiritual: 1) Pensar que não há batalha, 2) Evitar a batalha e 3) Lutar com as armas erradas.1 A passagem de Efésios 6 é apenas uma das muitas contidas nas Escrituras que lembra a nós, Cristãos, que estamos envolvidos numa batalha espiritual, exortando-nos a nos engajarmos ativamente nela, e mostrando-nos quais são as armas que Deus disponibilizou para nós.

1 D. Martyn Lloyd-Jones, Knowing the Times; The Banner of Truth Trust, 1989; p. 200-207.

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Porque estamos em guerra, e porque há forças malignas neste mundo que ameaçam a paz e a unidade que Cristo estabeleceu para a Igreja, Paulo conclui sua carta com um chamado às armas. Assumidamente, a ênfase de Paulo aqui é na defesa;2 isso ocorre provavelmente em função da ênfase prévia na preordenação de Deus e no trabalho de Cristo ao longo da carta. Portanto Paulo agora fala de nossa batalha espiritual não tanto como um conflito indefinido entre dois reinos, mas como nosso esforço para “permanecermos firmes” contra as forças hostis que corrompem o que Deus preparou para nós em Cristo.3

Assim Paulo fala a seus leitores que vistam “toda a armadura de Deus”. Toda a armadura de Deus é de fato completa, incluindo tudo o que os Cristãos precisam para “ficar firmes contra as ciladas do Diabo”. Ao contrário do que algumas pessoas parecem pensar, as armas que Deus nos dá não são místicas em sua essência e poder. Ao contrário, cada peça da armadura refere-se ao conteúdo doutrinário de uma área da fé Cristã e à sua aplicação em nossas vidas. Vamos explorar resumidamente essas áreas de verdades bíblicas que constituem nossas armas defensivas e ofensivas.

Inicialmente Paulo exorta seus leitores a que “fortaleçam-se no Senhor”, ou mais literalmente, “sejam fortalecidos”. Na voz passiva, o verbo implica que não somos nós que fortalecemos a nós mesmos, mas somos continuamente dependentes de Deus para que nos fortaleça. Os Cristãos recebem sua força de Deus - somente somos fortalecidos pelo “seu forte poder”.

Anteriormente, Paulo indica que o mesmo poder que Deus exerceu na ressurreição de Cristo está sendo disponibilizado para o benefício daqueles que estão em Cristo (Ef 1.18-20). Deus já aplica esse grande 2 Não obstante, quando o context requer, Paulo transforma a metáfora da guerra numa mais agressiva e ativa (veja 2 Co 10.3-5).3 A exposição seguinte em 6.10-17 tem sido adaptada de uma série de sermões, publicados anteriormente como The Armor of God. Ver também John MacArthur, How to Meet the Enemy (Chariot Victor Publishing, 1992), e William Gurnall, The Christian in Complete Armour (The Banner of Truth Trust).

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poder a nós, de forma que não precisamos implorar a Ele para torna-lo disponível; ao invés disso, seu poder será manifesto em nossas vidas quando nossas mentes forem “iluminadas”, para que conheçamos “a incomparável grandeza do seu poder para conosco, os que cremos, ...esse poder Ele exerceu em Cristo” na sua ressurreição e exaltação. É por esse entendimento teológico que devemos estudar e orar.

O poder que Deus disponibilizou a nós é mais do que suficiente. Na realidade, é por meio do “poder que atua em nós” que ele fará “infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos” (Ef 3.20). Podemos ter confiança para enfrentar pressões, circunstâncias adversas, poderes hostis, e até forças demoníacas, sabendo que Deus colocou em nossas vidas um poder tão forte que ressuscitou a Jesus dos mortos. Este poder está disponível a todos os que estão em Cristo.

Assim, quando Paulo diz “fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder”, ele não sugere que devemos fazer isso apenas orando a Deus para nos fortalecer, mas também entendendo o que Ele nos deu em Cristo. Quando um Cristão compreende que o poder de Deus foi aplicado a ele através de Cristo, ele deixa de temer outras pessoas, situações adversas e poderes hostis. Ele se lembra do que diz a Bíblia: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8.31)

Paulo afirma que Deus escolheu “dar a conhecer entre os gentios a gloriosa riqueza deste mistério, que é Cristo em vocês, a esperança da glória” (Colossenses 1.27). João explica: “Se alguém confessa publicamente que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e ele em Deus” (1 Jo 4.15). A Bíblia afirma que nós somos “santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em” nós (1 Co 3.16). João afirma em 1 Jo 4.4: “Filhinhos, vocês são de Deus e os venceram”. Por os, ele se refere aos espíritos que inspiram “falsos profetas”, até mesmo o espírito do anticristo (1 Jo 4.1-3). Nós os vencemos porque “aquele

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que está em vocês é maior do que aquele que está no mundo” (1 Jo 4.4).

Podemos vencer o mundo quando acreditamos no e dependemos do poder de Deus. Os escolhidos de Deus estão destinados a vencer (Rm 8.37), afinal “Quem é aquele que vence o mundo? Somente aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus” (1 Jo 5.5).

O verso 11 então diz “vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as ciladas do diabo”. A palavra que foi traduzida por cilada é (methodeia) que significa o uso de truques ou estratagemas para enganar – engano é o “método” pelo qual Satanás procura derrotar o crente. É em vestir “toda a armadura de Deus” que seremos capazes de “ficar firmes” contra o diabo.

Pedro também alerta que o diabo quer nos atacar: “Estejam alertas e vigiem. O Diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar. Resistam-lhe, permanecendo firmes na fé, sabendo que os irmãos que vocês têm em todo o mundo estão passando pelos mesmos sofrimentos” (1 Pe 5.8-9). Ele nos diz para permanecermos acordados – “estejam alertas e vigiem”. Apesar de o diabo “andar ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar”, podemos resistir a ele e permanecer imóveis em nossa postura de fé. O apóstolo João nos assegura: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não está no pecado; aquele que nasceu de Deus o protege, e o Maligno não o atinge”(1 Jo 5.18).

O engano é a arma de Satanás. Ele mentirá para nós e tentará bombardear-nos com argumentos e pensamentos antibíblicos, e os que falham em escapar “da armadilha do diabo” são aprisionados para “fazerem a sua vontade”(2 Tm 2.26). Por outro lado, Jesus diz “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (Jo 8.31-32).

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Somente os Cristãos são verdadeiramente livres. O resto do mundo “está sob o poder do maligno”(1 Jo 5.19). Isso ocorre porque somente os Cristãos possuem e afirmam a verdade e, pelas lentes das Escrituras, eles são capazes de verdadeiramente perceber a realidade. Sobre os não Cristãos, Paulo diz: “O deus desta era cegou o entendimento dos descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Co 4.4). Quem não é Cristão são cegos em sua mente e, portanto, negam a realidade. Portanto a batalha espiritual é travada na mente. Mesmo depois de se tornar Cristão, o diabo continuará atacando sua mente com mentiras, tentando minar sua fé em Cristo.

Jesus nos fornece valiosas percepções sobre a natureza do diabo quando ele diz aos Fariseus: “Vocês pertencem ao pai de vocês, o Diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). Quando o diabo conta uma mentira, o faz a partir de sua própria natureza. Mentir é próprio do diabo. Assim, ele ataca o povo de Deus espalhando mentiras que afastam as pessoas de Deus.

Como consequência disso, a natureza de nosso conflito espiritual contra o diabo é intelectual. É como Paulo afirma: “As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (2 Co 10.4-5). As armas dadas por Deus a nós “são poderosas em Deus para destruir fortalezas” que, na verdade são “argumentos” contrários ao “conhecimento de Deus”. Portanto lutamos para levarmos “cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. É assim que se dá a batalha espiritual e é para este propósito que Deus nos deu “toda a armadura de Deus”.

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No verso 12, Paulo escreve: “pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais”. Nossa luta não é material, mas espiritual, e afirmar que estamos envolvidos numa batalha espiritual significa que nosso conflito tem a ver com intelecto, com ideias e com argumentos.

Dizer que nossa luta é espiritual não a transforma numa luta mística; portanto, não pensemos, como alguns tendem a fazer, que ao dizermos que algo é “espiritual” estamos nos referindo a algo “místico” ao invés de intelectual, pois é a mente ou o intelecto que lidam com coisas espirituais. Ao afirmar que temos armas com “poder divino”, Paulo se refere a habilidades dadas por Deus para “destruirmos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levarmos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”.

Penetrar no poder de Deus por meio do entendimento intelectual da verdade teológica trará a nós confiança nos resultados. Já vimos que Deus está aplicando a nós o mesmo poder que levantou Jesus dos mortos. É o mesmo poder que traz energia ao nosso trabalho cristão: “Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo. Para isso eu me esforço, lutando conforme a sua força, que atua poderosamente em mim”(Cl 1.28-29).

Satanás não pode resistir ou sequer se igualar a esse poder. É por isso que dizemos que quando vestirmos “toda a armadura de Deus”, seremos capazes de “ficar firmes contra as ciladas do diabo”. Também é por isso que Tiago pode assegurar aos seus leitores dizendo: “Portanto, submetam-se a Deus. Resistam ao diabo, e ele fugirá de vocês” (Tg 4.7).

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É óbvio que, ao discutirmos as obras do diabo, devemos manter em mente que até mesmo ele está debaixo do controle soberano de Deus e que aquele nada pode fazer que não tenha sido decretado por Deus. Portanto até o diabo é um dos meios pelos quais Deus concretiza seus propósitos. A qualquer momento, Deus pode aniquilá-lo; mesmo assim, Deus nos ordenou para que resistamos ao diabo pelo conhecimento das Escrituras e pelo poder do Espírito – para a Glória de Deus e para nossa santificação.

Uma vez que o verso 11 nos instrui a vestir a armadura completa de Deus, devemos pegar cada uma das armas que Deus nos tem dado, sem negligenciar nenhuma delas, para que estejamos preparados a “ficar firmes contra as ciladas do diabo”. O verso 12 afirma que “a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra (...) as forças espirituais do mal”. Devemos reconhecer a realidade dos poderes demoníacos, que espíritos do mal são reais. Debaixo da vontade soberana de Deus, estes seres fazem uso dos poderes da enganação para cegarem pessoas a fim de que não enxerguem a verdade da palavra de Deus. É por meio da graça soberana de Deus que somos iluminados a respeito da verdade e habilitados a afirma-la. Paulo explica: “ninguém pode dizer: ‘Jesus é o Senhor’, a não ser pelo Espírito Santo”(1 Co 12.3). Deus remove nossa cegueira espiritual e transmite suas verdades a nossas mentes por meio das Escrituras.

Jesus ora: “Santifica-os pela verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). Não apenas nosso conhecimento inicial acerca das coisas de Deus vem das Escrituras, mas todo nosso crescimento espiritual subsequente também deriva das Escrituras, e isso é a base da nossa santificação progressiva. Relacionado a isso, Paulo escreve: “transformem-se pela renovação da sua mente” (Rm 12.2). Estamos sendo “renovados em conhecimento” (Co 3.10) – não por experiências místicas, nem ainda principalmente pela oração. Somente quando entendemos e retemos verdades bíblicas em nossas

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mentes que viveremos em obediência a Deus e poderemos resistir ao diabo quando ele vem contra nós.

Paulo prossegue no verso 13: “Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo”. A armadura de Deus não apenas nos protege das ciladas do diabo, mas também nos capacita a permanecermos inabaláveis no dia mau. Em outras palavras, quando cada peça da armadura que Deus nos tem dado estiver intacta, poderemos enfrentar o inimigo num combate frente a frente com confiança.

Paulo compara a armadura que Deus nos tem dado àquela utilizada pelos soldados romanos. Obviamente, a diferença é que nossas armas não são físicas, mas espirituais. Contudo não são espirituais no sentido de serem místicas; ao contrário, cada peça da armadura representa um conjunto de verdades bíblicas (e suas implicações) que protegem uma certa área de nossa caminhada cristã.

Por exemplo, é possível que, ao se referir à salvação como um capacete, Paulo esteja afirmando que as verdades bíblicas sobre salvação devam proteger nossas mentes. Ou, quando a justiça é assemelhada a uma couraça, talvez signifique que nosso entendimento sobre a justiça de Cristo e nossa justificação sirvam para guardar nossa consciência contra acusações.

Em qualquer caso, uma vez que Paulo dá nomes às doutrinas, podemos estar confiantes de que cada peça da armadura corresponde a uma doutrina bíblica que devemos aprender de forma a sermos vitoriosos nas batalhas contra o inimigo. Uma vez que compreendemos verdades doutrinárias com nossas mentes, da forma que são iluminadas pelo Espírito Santo, é inegável que essas armas espirituais são intelectuais por natureza.4

4 Muitas pessoas procuram dar a essas armas uma ênfase moral. Por exemplo, “justiça” deveria significar nossa integridade pessoal e santidade ao invés do que as Escrituras ensinam sobre “justiça”. Não sou contra a interpretação moral dessas armas; contudo, até a moral se baseia no intelectual.

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O aspecto relevante é que quando vestimos toda a armadura de Deus, nós não o fazemos imaginando a nós mesmos vestidos numa armadura mística com um aspecto que faz lembrar a de um soldado romano, nem tampouco exercitamos o poder existente em nossas armas por meio de movimento físico. Pelo contrário, nossas armas são “poderosas em Deus” para “destruirmos argumentos ... e ... levarmos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. Num conflito espiritual, nós lidamos com argumentos e pensamentos, com a mente e com o intelecto. Tal é a natureza da batalha e das armas.

Portanto interpretaremos a metáfora utilizada por Paulo para descrever as armas espirituais correspondentes a cada peça da armadura do soldado romano no sentido de que a salvação e um capacete por uma razão, ou seja, para proteger a mente como um capacete protege a cabeça. Desta perspectiva, comparar “verdade” com o cinturão da armadura de um soldado romano também é apropriado. Ainda que isso leve a analogia de Paulo longe demais, desde que tenhamos sempre em mente que essas armas são intelectuais dadas a nós para combatermos argumentos intelectuais contra o diabo, estamos raciocinando dentro dos limites do texto.

Paulo afirma que a verdade é como um cinturão. Na armadura do soldado romano, é o cinturão que sustenta no lugar todos os demais itens da armadura. Da mesma forma, a verdade segura tudo em seu devido lugar em nossa jornada cristã e, portanto, é uma prioridade. Sem a verdade revelada a nós por Deus nas Escrituras, não haveria justiça, paz, fé, nem salvação para nós “vestirmos”. Sem a verdade revelada a nós por Deus nas Escrituras, não teríamos a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.

O que queremos dizer com verdade? Jesus afirma: “’Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão

Moralidade não ocorre num vácuo em nossos corpos – tem a ver com nossos pensamentos, disposições e decisões. Neste sentido, até a moralidade é mental e intelectual.

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meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (Jo 8.31-32). Você só saberá a verdade se “permanecer firme” ao ensinamento (logos = palavra, arrazoado, doutrina) de Jesus. Ao contrário da opinião de muitas pessoas, o poder, a força de um Cristão não repousa na experiência, oração ou companheirismo, mas na verdade, ou seja, nos princípios teológicos e doutrinas bíblicas ensinados pelas Escrituras. Sem a verdade, não podemos definir – e logo não podemos “vestir”- as outras partes da nossa armadura, como justiça, fé e salvação. Como Cristão, sua prioridade deve ser adquirir conhecimento da verdade. Uma vez que Deus nos revela a verdade a nós por meio das palavras das Escrituras, devemos perseguir estudos teológicos e bíblicos para construir a base de nossa vida espiritual.

Jesus afirma que o conhecimento da verdade nos libertará. À medida que nosso conhecimento sobre a verdade, bem como nosso comprometimento com ela, crescem, gradualmente nos tornamos mais e mais protegidos do engano. É como Paulo explica: “Nós, porém, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito procedente de Deus, para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente” (1 Co 2.12). Enquanto o diabo mente para nós e tenta nos enganar – apesar de estar sob o decreto soberano de Deus –, Deus nos enviou o Espírito Santo a nossos corações para que “entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente”.

Como Pedro afirma: “Seu divino poder nos deu tudo de que necessitamos para a vida e para a piedade, por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude”(2 Pe 1.3). Em Cristo, Deus já “nos deu tudo de que necessitamos para a vida”, mas é “por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou” que essas provisões são aplicadas a nós. Tal conhecimento é baseado somente nas Escrituras, e é o Espírito Santo que soberanamente concede a nós entendimento e concordância com esse entendimento.

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Muitos Cristãos acreditam na mentira de que o espiritual é irracional e que o intelectual não é espiritual, ou seja, de que espiritualidade e racionalidade são mutuamente excludentes. Mas como as armas divinas nos foram dadas para “destruirmos argumentos” e “levarmos cativos todo pensamento”, não nos tornaremos mais espirituais ao ignorarmos a natureza essencialmente intelectual da vida e da fé bíblicas. Ao contrário, ignorar o intelecto significa parar completamente de resistir ao diabo e a seu engano. Ao se descartar todas as armas divinas, tornaremo-nos, de acordo com os padrões bíblicos, seres completamente não espirituais.

Paulo então menciona a couraça da justiça: “Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça” (6.14). Éramos todos pecadores antes da conversão, e apesar de Deus ter soberanamente modificado nossas disposições básicas na regeneração, como Cristãos nós não atingimos a perfeição e continuamos a pecar. Essas transgressões, por sua vez, ameaçam nossa confiança quando nos aproximamos de Deus.

João escreve: “Amados, se o nosso coração não nos condenar, temos confiança diante de Deus e recebemos dele tudo o que pedimos, porque obedecemos a seus mandamentos e fazemos o que lhe agrada” (1 Jo 3.21-22). Ter uma forma de verdadeiramente duelar com o pecado que leve à libertação da condenação é essencial para permanecer com confiança na presença de Deus, o que vem de um entendimento da justiça que Deus nos concedeu por meio de Cristo. Essa justiça então funciona como uma “couraça” em nossa batalha espiritual, guardando nosso coração e consciência.

Precisamos saber que jamais atingiremos a verdadeira justiça por nossas boas obras; ao contrário, ela deve ser imputada a nós por Deus. Paulo afirma que a justiça é uma dádiva (Rm 5.17: “Se pela transgressão de um só a morte reinou por meio dele, muito mais aqueles que recebem de Deus a imensa provisão da graça e a dádiva da justiça reinarão em vida por meio de um único homem, Jesus

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Cristo”) que Deus concede a seus eleitos pela fé: “Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus” (2 Co 5.21). A Bíblia ensina que “o homem é justificado pela fé, independente da obediência à lei” (Rm 3.28). Jesus não cometera pecado algum, mas “o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós” (Is 53.6), de forma que “todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Contudo, se Deus não nos concedeu fé para crer em Jesus Cristo para salvação, então não somos justos: “Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus” (Jo 3.18).

As Escrituras nos exortam a nos aproximarmos “de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada” (Hb 10.22). O Cristão é uma pessoa justa, não por causa de suas boas obras, mas porque ele foi justificado por Deus por meio da fé na obra de Jesus Cristo. Esse conhecimento nos dá a base a partir da qual podemos resistir a qualquer coisa que procure minar nossa confiança na aproximação de Deus em louvor e oração.

Cristãos continuam a cometer pecados de tempos em tempos, mas Deus providenciou uma solução para os pecados cometidos após a conversão, de forma que nossa comunhão com ele possa permanecer intacta. Apesar de o pecado ser indesculpável, Deus, que “sabe do que somos formados” e se “lembra de que somos pó” (Sl 103.14), teve misericórdia de nós e nos deu um Advogado, de forma que se “alguém pecar, temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo” (1 Jo 2.1). Isto é, “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9).

Obviamente, um verdadeiro Cristão não abusará da graça de Deus pecando constantemente, pensando que tudo o que ele precisa fazer é confessar seus pecados após cometê-los. A pessoa que assim

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procede não é nem um Cristão, visto que um Cristão é alguém que tenha sido genuinamente modificado por Deus: “Todo aquele que é nascido de Deus não pratica o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; ele não pode estar no pecado, porque é nascido de Deus” (1 Jo 3.9). Paulo também escreve: “Que diremos então? Continuaremos pecando para que a graça aumente? De maneira nenhuma! Nós, os que morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele?” (Rm 6.1-2). Quem ama a Deus obedecerá sua palavra: “Porque nisto consiste o amor a Deus: em obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados” (1 Jo 5.3).

Depois da couraça da justiça, Paulo afirma que, ao vestir toda a armadura de Deus, devemos ter nossos “pés calçados com a prontidão do Evangelho da paz” (6.15). As Escrituras, às vezes, usam a expressão “andar” para representar nossa conduta diária, tal como Paulo afirma: “Porque andamos pela fé, não pelo que vemos” (2 Co 5.7; Versão King James). Portanto, quando Paulo afirma que o “Evangelho da paz” (ou “a prontidão” deste) é como um guia nos pés para nossa caminhada cristã, ele está nos dizendo que o conteúdo intelectual do Evangelho não deve ser apenas um tópico de discussão durante atividades e tempos específicos, mas sim uma parte integral e PERVASIVE da nossa conduta diária. No contexto da batalha espiritual, o Evangelho é o meio pelo qual manteremos o nosso território bem como avançaremos o reino de Deus, ampliando suas fronteiras.

Programas, caridade, música e até mesmo orações não são os meios decisivos pelos quais permaneceremos firmes e conquistar o território do inimigo. Ao contrário, é pela pregação do conteúdo intelectual do Evangelho que vamos destruir fortalezas que foram erguidas nas mentes dos não Cristãos.

Nosso Evangelho é um Evangelho da paz, mas esta paz não ser mantida com os inimigos de Deus, tais como demônios e não crentes

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– imediatamente após a queda do homem, Deus estabeleceu inimizade entre os Filhos de Deus e os filhos de Satanás (Gn 3.15: “Porei inimizade entre você a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este ferirá a sua cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar.”). É impossível ter verdadeira paz com alguém que pertença ao reino da escuridão. Ao contrário, esta paz só deve existir com Deus e com Cristãos. Como diz João: “Proclamamos o que vimos e ouvimos para que vocês também tenham comunhão conosco. Nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo” (1 Jo 1.3). Somente quando permanecemos firmes no território conquistado e conquistamos território inimigo com este Evangelho, outros poderão juntar-se a nós nessa comunhão. Paulo diz em Romanos 16.20: “O Deus da paz esmagará Satanás debaixo dos pés de vocês”.

Paulo afirma que devemos ter a prontidão que vem do Evangelho da paz, de forma a não sabermos o conteúdo do Evangelho para nós mesmos, mas para estarmos preparados para articulá-lo e defende-lo perante os outros. Pedro também dá essa instrução em 1 Pedro 3.15: “Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que pedir a razão da esperança que há em vocês”.

Estejam sempre prontos para utilizar o Evangelho para destruir as fortalezas intelectuais antibíblicas que se instalaram nas mentes dos outros. Jamais sejam pegos sem um argumento para a forma de ver o mundo do Cristão, ou sem uma refutação contra pensamentos não cristãos. Devemos estar preparados para responder a qualquer pessoa que perguntar sobre a fé cristã. Devemos ter um conhecimento preciso e compreensivo das doutrinas bíblicas sermos capazes de defendê-las conclusivamente contra todas as objeções. Esta responsabilidade é de todos os Cristãos; portanto todo Cristão deve mergulhar no estudo de teologia e apologética.

O mandamento bíblico para o Cristão é de que ele deveria ir “pelo mundo e pregar o Evangelho a todas as pessoas” (Mc 16.15). Não é

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uma opção. Jesus ordena que seus discípulos preguem o Evangelho ao mundo inteiro. Desta forma destruiremos as obras de Satanás.

Paulo afirma: “Não me envergonho do Evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16). O Evangelho é o “poder de Deus”, os meios pelos quais Deus completará seus propósitos na terra. Deus nos fez seus representantes, de forma que podemos pregar seus mandamentos às nações: “No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam” (At 17.30).

Uma vez concretizado em nossas mentes que o Evangelho é “o poder de Deus”, não nos “envergonharemos do Evangelho”, ou seremos embaraçados pelas suas reivindicações e demandas. Quando começarmos a entender e afirmar que o Cristianismo é superior a todos os outros sistemas de crenças, que é o único que realmente representa e revela Deus, e que é a única fonte de verdade e conhecimento, cessaremos de ser tímidos quanto à apresentação de suas reivindicações e demandas ao mundo. Uma vez convencidos disso e tendo aprendido a articular e defendê-lo perante outro, teremos atingido a “prontidão do Evangelho da paz”.

O Evangelho é de fato boas novas para os eleitos de Deus, e conduz o crente a um estado de paz com Deus e seu povo. É o “cheiro de vida” para aqueles que o aceitam, mas como também é uma arma contra o inimigo, carrega o “cheiro de morte” para aqueles que rejeitam seus clamores e demandas (2 Co 2.16). Portanto o pregador do Evangelho traz o poder de Deus para convocar e salvar aqueles a quem Deus escolheu para acreditar e, ao mesmo tempo, traz destruição e condenação para aqueles a quem Deus designou como réprobos. O pregador do Evangelho é um mensageiro de Deus, liberando seu poder para salvar e destruir, para justificar e condenar.

Entretanto, ao contrário de muitas pessoas, discordo de que o que é comumente chamado de “evangelismo” seja a maior prioridade da

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igreja. Ao contrário, as Escrituras indicam que o ministério do ensino – isto é, o treinamento teológico dos crentes – têm precedência sobre o evangelismo, e que o evangelismo não é um fim em si mesmo, mas significa o meio pelo qual os eleitos são trazidos para a Igreja a fim de que possam ser ensinados.

Isso pode soar estranho para aqueles que estão acostumados a ouvir que evangelismo é a prioridade número um da igreja. Esta visão antibíblica tem feito com que muitas pessoas negligenciem investir no e participar do treinamento teológico dos crentes. Como resultado, a maioria dos Cristãos são fracos no intelecto, ignoram doutrinas bíblicas e mostram-se incompetentes para defenderem a fé. Afinal, sem o treinamento extensivo dado pela igreja e outras instituições (como a família), quantos Cristãos atingirão a “prontidão” descrita acima? E como alguém pode pregar o Evangelho corretamente sem ter ao menos um entendimento básico das doutrinas bíblicas? Porém tendo Deus ordenado a nós a proclamar e a defender a fé, sem treinamento bíblico e teológico, torna-se impossível para um Cristão obedecer a Deus.

Nenhum Cristão duvida do zelo evangelístico de Paulo, que descreve seu próprio ministério como segue:

“A eles quis Deus dar a conhecer entre os gentios a gloriosa riqueza deste mistério, que é Cristo em vocês, a esperança da glória. Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo. Para isso eu me esforço, lutando conforme a sua força, que atua poderosamente em mim.” (Colossenses 1.27-29)

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Ele diz: “admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem em toda a sabedoria; para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo” (Co 1.28). O apóstolo afirma que está fazendo a obra de seu ministério, segundo a força de Deus que atua poderosamente nele (v. 29), para que ele possa, não apenas trazer pessoas para Cristo, mas, além disso, “apresentar a todos perfeitos em Cristo”. Paulo ainda afirma que é “para este fim” (v.29) que ele trabalha.

Maturidade é o objetivo do ministério cristão, não a conversão. Esta deve ser considerada apenas como um dos primeiros passos que os eleitos dão em direção à maturidade e perfeição em Cristo. Tanto o evangelismo quanto o ensino servem ao fim último de se produzir Cristãos maduros para serem apresentados a Cristo. Esta deveria ser a prioridade da Igreja. Enquanto o evangelismo é concluído uma vez que Deus tenha soberanamente concedido arrependimento e fé, um crente requer ensinamento bíblico e teológico ao longo de sua vida. O evangelismo é um meio de curta duração para um processo de longa duração (o ensino) que, por sua vez, conduz a um fim último (maturidade e perfeição). Portanto vislumbrar o evangelismo como a tarefa mais relevante da igreja significa distorcer a natureza do ministério bíblico, e frequentemente ocorre que a maturidade espiritual, o verdadeiro objetivo, nunca é alcançada ou sequer considerada.

Uma vez que a principal tarefa da Igreja é ensinar os crentes, a maior parte do tempo e dinheiro devem ser destinados à educação teológica e bíblica dos Cristãos, quer sob a forma de sermões, palestras, livros, fitas, programas de rádio e TV, ou outros meios. Colocar o evangelismo acima de tudo produz o acúmulo de crentes fracos e falsos convertidos, além de fazer da Igreja um testemunho pobre para o mundo e isso, por sua vez, enfraquece o próprio evangelismo. Desta forma, colocar o evangelismo como prioridade número um é antibíblico e autodestrutivo.

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No que é comumente chamado de “Grande Comissão”, um trecho muito utilizado para encorajar o evangelismo, Jesus afirma:

“Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos.” (Mt 28.18-20)

Se Jesus pretende ordenar apenas o evangelismo, por que este mandamento inclui “ensinar” as pessoas? Se Jesus pretende ordenar o que muitos chamam hoje de “evangelismo”, então porque ele está ordenando que ensinemos os não Cristãos a “obedecer a tudo o que ele ordenou”? Quando as pessoas realizam o que consideram ser o “evangelismo”, elas recitam todos os mandamentos nas Escrituras aos descrentes? Mas esta passagem possui sentido completo quando nos damos conta de que Jesus tem o ministério do ensino em mente – o mandamento é o de “fazer discípulos...ensinando-os a obedecer”.

Ainda que pensemos que as palavras “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” refiram-se apenas ao “evangelismo”, devemos admitir que a parte final “ensinando-os a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês” refere-se ao ministério do ensino, e que o anterior (evangelismo) conduz ao posterior (ensino). Evangelismo é somente um meio de se produzir convertidos, de forma que possamos ensiná-los a obedecer a todos os mandamentos de Cristo. Portanto, aqueles que exaltam o evangelismo às custas do ministério de ensino desafiam o próprio mandamento de Cristo que dizem obedecer.

Resumindo, a Bíblia diz que o propósito do ministério é o de produzir Cristãos maduros (Ef 4.12-14: “com o fim de preparar os santos para

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a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro.”). Obviamente que, para se tornar maduro em Cristo, deve-se primeiro estar em Cristo, e daí a razão para o evangelismo. Isso também implica que o evangelismo não é o último alvo do ministério Cristão, mas o meio pelo qual Deus chama seus eleitos para a união com Cristo e, pelo processo de santificação, para se tornarem maduros nele. Portanto, o evangelismo não é um ministério ou uma responsabilidade mais importante do que o ministério de ensino, mas serve apenas como uma forma de trazer as pessoas ao ministério de ensino. Até o próprio evangelismo depende nas instruções doutrinárias primárias recebidas por aquele que evangeliza. Porque as Escrituras definem todas as crenças cristãs, doutrina necessariamente precede todas as atividades cristãs.

Portanto “a prontidão do evangelho da paz” deve significar algo mais do que ter apenas compreensão suficiente do Evangelho para dizer às pessoas o que devem fazer para se tornarem Cristãos, mas deve implicar um entendimento claro das doutrinas bíblicas. Se assim não fosse, todos os Cristãos estariam suficientemente preparados, uma vez que todos já teriam aprendido o bastante para se tornarem Cristãos, e ninguém precisaria obter, de forma deliberada, esta “prontidão”. Contudo, o fato de que Paulo nos diz para vestirmos a “prontidão” do Evangelho implica que não seja algo automático, o que implica, por sua vez, que alguns Cristãos podem não estar prontos com o Evangelho. Somente o ministério de ensino pode remediar esta falta de preparo e qualquer ministério “evangelístico”

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que não forneça ensino meticuloso e claro da teologia cristã é incompleto e antibíblico.

Chegando ao verso 16, Paulo introduz o escudo da fé: “Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno.” A palavra grega traduzida por “escudo” é θυρεον (thyreon), e Wood escreve como se segue:

Thyreon é derivado de thyra (uma porta) e refere-se ao grande escudo oblongo ou oval que o soldado romano segurava diante de si para proteção. Consistia de duas camadas de madeira coladas, cobertas com linho e couro e envolvido por ferro. Soldados frequentemente lutavam lado a lado com uma parede sólida (testudo) de escudos. Mas até mesmo um único combatente se encontrava suficientemente protegido. Após o cerco a Dyrrachium5, Sceva contou não menos do que 220 dardos presos em seu escudo. Para o Cristão esse escudo de proteção é a fé (πιστεως).6

A questão é se “fé” refere-se aqui à crença subjetiva dos Cristãos ou ao conteúdo objetivo do Cristianismo. Wood responde: “Crer não pode se divorciar daquilo em que se crê, e não se deve traçar um a linha rígida entre esses dois aspectos”.7 Mas sua afirmativa não trata a questão de forma direta. Mesmo que crer não possa ser separado daquilo em que se crê, o que se crê pode ser distinguido daquilo em que se deveria crer. Ou seja, a crença subjetiva do que se diz Cristão nem sempre corresponde ao conteúdo objetivo do Cristianismo. Obviamente, neste caso, o que é utilizado como escudo da pessoa

5 Dyrrhachium (também conhecida como Epidamnus, atualmente Durrës na Albânia)6 Wood, p. 88.7 Ibid., p. 88.

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não é o “escudo da fé”, e o indivíduo permanece sem a completa proteção espiritual.

Já afirmamos que cada peça da armadura representa a doutrina bíblica correspondente, mas isso significa que cada peça da armadura se refere a um aspecto objetivo da fé cristã, e não somente o que o indivíduo crê sobre o assunto. Ou seja, o cinturão da verdade se refere à verdade em si, e não somente ao nosso comprometimento com ela. Do mesmo modo, a couraça da justiça representa a doutrina bíblica acerca do assunto, e não apenas como o indivíduo a percebe.

Certamente, Paulo não está dizendo a seus leitores para “vestirem suas crenças subjetivas”, uma vez que a crença subjetiva nunca deixa de estar vestida na mente de uma pessoa. Ao contrário, o que ele quer dizer é que os Cristãos devem intencionalmente “vestir” algo que possa ou “ser vestida” ou “ser tirada” – ou seja, algo que tenha existência objetiva e validade independentemente das crenças subjetivas do indivíduo. Por exemplo, a espada do Espírito é a palavra de Deus, não nossas crenças sobre a palavra de Deus. Ao dizer para usarmos a espada, Paulo nos diz para crer e aplicar nela.

Paulo chama seus leitores a tomarem posse e identificarem-se com as doutrinas bíblicas representadas pelas peças da armadura. Verdade é verdade por si mesma, independentemente do comprometimento de alguém a ela ou não; contudo não beneficiará aquele que não a tenha vestido para estruturas seus pensamento e ações. O conteúdo do Evangelho permanece o mesmo até se uma pessoa tiver apenas um entendimento parcial dele, mas quando ele o veste por meio de estudo e treinamento intensivos, e permite que o Evangelho governe sua conduta diária, ele se torna alguém preparado para fazer avanças o Reino de Deus. Da mesma maneira, o escudo da fé pode muito bem representar o conteúdo objetivo da fé cristã, mas protegerá apenas aquele que o apanhar e utilizar diante de si.

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Sobre os ataques de demônios contra a Igreja, Wood escreve: “Mas no contexto de Efésios eles parecem ter sido tentativas deliberadas para destruir a unidade do corpo de Cristo (3.14-22; 4.1-16, 27) por meio da invasão de falsas doutrinas e do fomento da dissensão (4.2, 21, 31 , 32; 5.6)”8. Paulo instrui os Filipenses a terem “o mesmo modo de pensar” (Fp 2.2) e que eles deveriam com “o mesmo modo de pensar” lutar “unânimes pela fé evangélica” (1.27). Uma igreja dificilmente terá “o mesmo modo de pensar” quando seus membros não conseguem concordar com o conteúdo do Evangelho, nem quando falsas doutrinas tenham dominado a mente dos que se dizem crentes. Divisão e heresia impregnam a igreja hoje porque ela negligenciou o estudo da teologia bíblica e da apologética.

Falsas doutrinas são como “setas inflamadas”, espalhando rapidamente a destruição. Mas o escudo da fé pode “apagar todas as setas inflamadas do Maligno”. Se o escudo da fé se refere ao conteúdo da fé Cristã, então pegá-lo significaria aprender e afirmar o conteúdo das Escrituras. Aqueles que entendem completamente e afirmam com convicção doutrinas bíblicas são capazes de resistir e superar as falas ideias que são enviadas em seus caminhos.

Apesar de se requerer força e disciplina para se pegar o escudo e segurá-lo diante de nós, seu uso é, às vezes, muito simples, especialmente quando se está sujeito a ataques particulares contra nossas mentes:

Apesar de Paulo não fornecer exemplos das setas inflamadas, Hodge menciona pensamentos horríveis, ultrajantes e céticos, além de sugestões sutis de cupidez, descontentamento e vaidade. Estas, ou qualquer outra que a forma de linguagem possa representar, devem ser extintas pela fé. Pensamentos malignos devem ser expulsos e

8 Ibid., p. 68.

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substituídos por bons pensamentos. Se na dificuldade duvidarmos ou do poder ou da sabedoria de Deus, devemos dizer a nós mesmos: Eu creio em Deus Pai Todo-Poderoso” ou repetirmos alguns versículos que falem de sua amável ternura. Portanto as doutrinas de fé expulsarão nossas falsas ideias. 9

O fato de o escudo da fé e as setas inflamadas serem intelectuais e doutrinários por natureza produz certas implicações, a saber, “devemos já ter estudado e memorizado algo das Escrituras, a fim de termos algo para lembrar. Este estudo é como pegar o escudo em primeiro lugar.”10 Alguém que seja fraco no entendimento bíblico e teológico ainda não pegou o escudo da fé e, de fato, não poderá fazê-lo até que aprenda os básicos da teologia e da apologética. Até então, ele tem pouca proteção contra ideias falsas que venham contra ele. Uma vez que um membro da igreja tenha sido machucado ou infectado por falsas doutrinas, o estrago pode rapidamente se espalhar, se não houver uma verificação cuidadosa, pois “um pouco de fermento leveda toda a massa” (Gl 5.9). É importante para os líderes da igreja ensinarem seu povo, de forma que eles se tornem habilidosos no uso do escudo da fé (Hb 5.13-14: “Quem se alimenta de leite ainda é criança, e não tem experiência no ensino da justiça. Mas o alimento sólido é para os adultos, os quais, pelo exercício constante, tornaram-se aptos para discernir tanto o bem quanto o mal.”).

Portanto pegar o escudo da fé não é apenas uma questão de vontade, mas também de entendimento. Não é só uma questão de volição, mas também de compreensão. De fato, entendimento intelectual das doutrinas bíblicas necessariamente precede o consentimento volitivo a eles, uma vez que a vontade não pode se 9 Clark, Ephesians; p. 208.10 Ibid., p. 208.

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submeter a algo que não esteja lá. Se o escudo da fé representa o conteúdo objetivo das Escrituras, então a compreensão intelectual e o consentimento volitivo às Escrituras representam o ato de pegá-lo. O grande tamanho do escudo é significativo. O conhecimento da verdade numa área pode não oferecer proteção precisa e suficiente contra a falsidade e confusão em outra área. Portanto, pegar o escudo da fé implica obter um completo entendimento das Escrituras.

O capacete era “a parte mais decorativa da armadura antiga”11, e Paulo utiliza essa peça atrativa da armadura para representar a salvação: “Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6.17). Hodge escreve:

Aquilo que adorna e protege o Cristão, que o habilita a levantar sua cabeça com confiança e alegria, é o fato de que ele é salvo. Ele é um dos redimidos, transportado do reino das trevas para o reino do filho do amor de Deus. Se ainda debaixo de condenação, se ainda afastado de Deus, um estrangeiro, e alienado, sem Deus e sem Cristo, o Cristão não teria coragem para entrar neste conflito. É porque ele é um concidadão dos santos, um filho de Deus, participante da salvação do Evangelho, que ele pode encarar até os inimigos mais potentes com confiança, sabendo que ele se tornará mais que vencedor por meio daquele que o amou.12

Num sentido, Deus revela sua bondade a todos: “Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mt 5.45). Até aqueles hostis a Deus precisam depender

11 Hodge, p.286.12 Hodge, p. 286.

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constantemente do sustento divino para a própria existência, “‘Pois nele vivemos, nos movemos e existimos’” (Atos 17.28). Todos deveriam ser movidos pela bondade de Deus, tanto para o arrependimento quanto para crer em Cristo. Entretanto, sem a soberana decisão de Deus, eles não podem se arrepender nem crer; portanto, a bondade geral de Deus resulta na condenação eterna dos réprobos.

As Escrituras mostram-nos que a graça salvífica de Deus é revelada e aplicada somente aos seus eleitos, e os ímpios não tem parte nisso. Portanto a salvação distingue Cristãos do resto da humanidade. Cristãos são o povo eleito de Deus: “Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2.9). Todos os demais seres humanos não são salvos porque Deus não os escolheu.

O capacete pode representar a salvação cristã de uma outra maneira significativa além de sua atratividade, ou seja, “o termo utilizado no grego (δεξασθε = dexasthe) significa literalmente receber ou aceitar. Os demais itens foram estendidos ao soldado para que ele os pegasse. O capacete e a espada seriam entregues a eles por um criado ou por seu escudeiro. O verbo é apropriado para descrever o ‘ato de doação’ da salvação”.13

O capacete representa a salvação cristã de forma adequada não só por causa de sua atratividade, mas também por causa da maneira que o Cristão o coloca. Apesar de o crente adornar as outras partes da armadura por apanhá-las de vontade própria ou colocando-as, a salvação depende completamente de Deus.14 O Cristão não deve se jactar de que “aceitou a Cristo” porque ele é melhor ou mais sábio do 13 Wood, p. 88.14 Não obstante, isso é só uma questão de ênfase, uma vez que até a vontade de colocar as outras peças da armadura também provém da vontade soberana de Deus (Fp 2.12-13: “Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas em minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele.”)

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que os descrentes por ele mesmo, quando na realidade foi Deus quem soberanamente o escolheu e o aceitou. A única razão pela qual somos capazes de amar a ele é “porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4.19). Portanto, ao invés de nos parabenizarmos e nos gabarmos, deveríamos oferecer ações de graças a Deus, que nos escolheu e nos mostrou sua misericórdia, não por causa de qualquer condição inerente a nós, mas por causa de sua graça soberana.

Se há algum significado na salvação ser representada por um guia de cabeça, alguns indicam que a metáfora se refere a clareza de pensamento15, mas outros consideram isso “muito imaginativo”16. A fim de se entender uma passagem corretamente, não deveríamos aplicar uma metáfora num sentido que excede a intenção do escritor; contudo, até se Paulo não enfatiza explicitamente o intelecto com o capacete como uma metáfora, muitos elementos ao longo da passagem implicam em tal análise.

Por exemplo, verdade, justiça, o Evangelho, fé (tanto nos aspectos subjetivos quanto objetivos), salvação, e a palavra de Deus, todos implicam conteúdo intelectual a ser entendido pela mente. Portanto, mesmo que fazer da salvação um capacete não é em si uma tentativa de enfatizar a compreensão intelectual da soteriologia, a inclusão desta ênfase é algo de que não se pode fugir. Em outro trecho, Paulo escreve “[As Escrituras] são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus” (2 Tm 3:15). A sabedoria para salvação vem de uma compreensão intelectual da Bíblia, aplicada a nossas mentes pelo Espírito Santo para produzir conversão e santificação.

Temos chegado a vários pontos a partir da metáfora de que a salvação é como um capacete para o Cristão. Primeiro, salvação é a “parte mais ornamental” do Cristianismo, tanto que “até os anjos anseiam observar” (1 Pe 1:12). Além disso, a fé com a qual afirmamos

15 Clark, Ephesians; p. 209. 16 Ibid., p. 209.

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que o Evangelho “não vem de nós, é dom de Deus”, de forma que “ninguém pode se gabar” (Ef 2.8-9). Em adição a isso, é de fundamental importância que obtenhamos uma profunda compreensão da salvação, uma vez que somente então estaremos vestindo o capacete da salvação de forma adequada, o que é capaz de nos proteger das numerosas falsas doutrinas que cercam o assunto.

A peça final da armadura é a espada, que representa a palavra de Deus: “Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6.17). Em tempos antigos, havia uma variedade de tipos de espadas, que variavam em comprimento e peso; contudo, como Paulo está desenhando sua metáfora a partir das armas dos soldados romanos, a “espada” só pode se referir à espada reta e curta dos soldados romanos.17 Isto também é indicado pela palavra usada por Paulo, (μαχαιραν = machaira), ao contrário da palavra para a espada comprida, (ρομφαια = rhomphaia), usada em Lucas 2.35.

Alguns comentaristas observam que a espada é a única arma utilizada para atacar no conjunto da armadura descrito. Na verdade, a espada é tanto uma arma de defesa quanto de ataque. Além de seu propósito óbvio de aniquilar o inimigo, ela também serve para bloquear alguns dos ataques desferidos por ele.18 A implicação de a espada ser curta é a de que a luta envolve disputas bastante próximas do inimigo, o que requer o uso de uma arma relativamente leve e flexível.

O fato de a espada ser “do Espírito” (του πνευματος = tou pneumatos) não significa apenas que ela possui uma natureza espiritual (como numa “espada espiritual”), mas também que a espada, como mencionada conjuntamente com o capacete, seria entregue ao soldado por um escudeiro, 19 e, portanto, Barth acredita

17 Barth, p. 776.18 Marvin Vincent, Vincent’s Word Studies in the New Testament, Vol. 3; Hendrickson Publishers, p. 410.19 Wood, p. 88.

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que signifique “a espada fornecida pelo Espírito”.20 A espada é “do Espírito” no sentido de que é produzida pelo Espírito Santo é dada a nós por Ele.

Encontramos algumas dificuldades quando chegamos ao ponto em que se afirma que esta espada é dita como sendo “a palavra de Deus”. Há diversas interpretações propostas, e, dado que uma delas é obviamente falsa, lidaremos com ela primeiro.

A primeira interpretação ensina que as palavras da Escritura, particularmente aquelas “dadas” à pessoa pelo Espírito em determinado instante, quando pronunciadas pela boca crente de um Cristão, forma o que constitui ou uma espada real ou figurada no reino espiritual para infligir danos nas forças demoníacas.

Esta interpretação mística sugere que o poder da espada do Espírito não repousa no conteúdo intelectual da palavra de Deus, mas na força bruta que ela contém para derrotar o inimigo. Contudo, como Gordon Fee escreve: “ [Paulo] simplesmente não teria entendido a fascinação com ‘palavras’ que se encontra dentre carismáticos contemporâneos”. A interpretação em questão falha ao considerar “a maneira que ele geralmente utiliza este tipo de linguagem”.21

A segunda interpretação, também muito popular entre os carismáticos, afirma que, uma vez que a palavra grega ρημα (= rhema) é utilizada em “a palavra de Deus” em oposição a logos, a espada do Espírito deve se referir a uma “palavra” dada em determinado instante pelo Espírito Santo.

É verdade que podemos depender do Espírito Santo para trazer à nossa consciência versos das Escrituras que precisamos para confrontar um determinado pensamento, tentação ou argumento. Contudo, seria bobagem pensar que até versículos bíblicos obviamente relevantes são ineficientes contra um pensamento ou

20 Barth, p. 776.21 Gordon Fee, God’s Empowering Presence; Hendrickson Publishers, 1994; p. 728-729.

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argumento antibíblicos se não forem primeiramente trazidos à memória de alguma maneira pelo Espírito em dado momento. Mas esta bobagem mística parece ser o que esta segunda afirmação enuncia ou implica.

O Cristão obtém sua “espada” e se torna treinado no seu uso por meio do seu treinamento bíblico e teológico na igreja. Tendo se preparado, ele não deveria esperar que uma palavra especial seja dada a ele no momento em que ele sofre algum ataque, uma vez que ele já possuiria um número de versos aplicáveis das Escrituras em mente. O Cristão não deveria esperar nenhuma unção especial do Espírito antes de aplicar um verso bíblico obviamente relevante para a situação.

Este segundo ponto de vista leva longe demais a alegada distinção entre ρημα (= rhema) e λογον (= logos), pois as duas palavras são frequentemente intercambiáveis no Novo Testamento.22 Um número de falsas doutrinas pode ser traçado para a excitada pregação popular daqueles que tenham aplicado as falsas distinções entre essas duas palavras ao extremo; elas dão a impressão de que, apesar de logos ser a palavra de Deus, é menos utilizável e efetiva enquanto o Espírito não a transforma na palavra rhema. Este ensino é falso e antibíblico. Paulo escreve: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2 Tm 3.16-17). Todo versículo bíblico é “inspirado por Deus” – “vivo” e efetivo em todo tempo, ainda que não haja nenhuma unção espiritual especial para proferi-lo.

Dito isso, o uso de Paulo da palavra rhema pode, de fato, ter alguma significância. Gordon Fee escreve:

22 Foulkes, p. 184.

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Ao passo que essas palavras são quase sinônimas e, portanto, podem frequentemente ser utilizadas uma no lugar da outra, rhema tende a pôr ênfase no que é falado em determinado ponto, enquanto logos frequentemente enfatiza o conteúdo da “mensagem” (como em Marcos 4.14: “O semeador semeia a palavra – logos)23.

Contudo isso não conduz ao segundo ponto de vista descrito acima. Como Fee continua:

Se esta distinção se aplica aqui, então Paulo está quase certamente se referindo ainda ao Evangelho, como ele faz em Romanos 10.17 (“Consequentemente, a fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra – ρηματος - de Cristo.”), mas a ênfase está agora na anunciação da mensagem, inspirada pelo Espírito. Em termos mais modernos, ao insistir com eles que peguem a espada do Espírito e depois ao identificar esta espada com a “palavra de Deus”, Paulo não está identificando a “espada” com o livro, mas com a proclamação de Cristo que, em nosso caso, de fato encontra-se no livro.24

Assim prosseguimos para o terceiro ponto de vista que afirma que a espada do Espírito não é nada além do que a proclamação e aplicação das palavras das Escrituras. Refere-se ao que é intelectual e não místico. Das três posições citadas, esta é a única que reflete o

23 Referência inserida por mim.24 Fee, p. 728-729.

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significado e a intenção da metáfora de Paulo sobre a espada do Espírito ser a palavra de Deus.

Portanto o conteúdo de rhema não é diferente de logos, apesar de que, em certos casos, rhema pode denotar a efetiva comunicação do conteúdo. Sempre que as ideias cristãs discordarem das não cristãs, o crente deve estar preparado não apenas para defender seu território, mas também para invadir e capturar território do inimigo. Toda vez que um Cristão defende ideias cristãs verbalmente e ataca as ideias não cristãs de uma forma bíblica, ele está empunhando a espada do Espírito. A expressão verbal e intelectual da palavra de Deus é a rhema de Deus; é uma espada que vem do Espírito.

É tolice e não espiritual pensar que devemos esperar até que o Espírito Santo “vivifique” algum versículo bíblico antes que possamos efetivamente responder um pensamento ou argumento antibíblico, mesmo sabendo como respondê-lo a partir dos nossos estudos prévios das Escrituras. Ao invés disso, as Escrituras, por si mesmas, sustentam que cada versículo bíblico é verdadeiro, efetivo e “vivo” em todo tempo (2 Tm 3.16; Hb 4.12). Você deve utilizar o que já sabe sobre as Escrituras para combater o inimigo, ao invés de pensar que tudo o que você sabe sobre as Escrituras é inútil até o momento em que é “vivificado” para sua solução particular. Isso também significa que, se você sabe muito pouco, você não será capaz de superar com efetividade ataques espirituais dirigidos contra você. A solução é não esperar por um “avivamento” místico oriundo do Espírito Santo; ao invés disso, a única solução é um programa de educação teológica intensa (2 Tm 2.15: “Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem do que se envergonhar, que maneja corretamente a palavra da verdade.”25).

25 As versões em inglês trazem a ideia de que 2 Tm 2.15 traz a ideia de esforço para a apresentação como obreiro aprovado, o que a versão em português não enfatiza tanto. Nas versões em inglês, encontra-se do your best (faça o seu melhor – New International Version), give diligence (tenha zelo – American Standar Version), let it be your care (seja o seu cuidado – Basic English) e study (estude – King James). Pesquisando no original grego, encontrei σπουδασον ( = spoudazo), que tem como significado estudar.

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Vamos agora analisar um exemplo de como Jesus maneja a espada do Espírito contra o diabo:

Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.

Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome. O tentador aproximou-se dele e disse: "Se você é o Filho de Deus, mande que estas pedras se transformem em pães". Jesus respondeu: "Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus’".

Então o diabo o levou à cidade santa, colocou-o na parte mais alta do templo e lhe disse: "Se você é o Filho de Deus, jogue-se daqui para baixo. Pois está escrito: ‘Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, e com as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra’". Jesus lhe respondeu: "Também está escrito: ‘Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus’".

Depois, o diabo o levou a um monte muito alto e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e o seu esplendor. E lhe disse: "Tudo isto lhe darei, se você se prostrar e me adorar". Jesus lhe disse: "Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus e só a ele preste culto’".

Então o diabo o deixou, e anjos vieram e o serviram.

(Mateus 4:1-11)

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Esta passagem ilustra como Jesus utiliza a espada do Espírito para vencer a tentação. Em todas as três tentações, ele aplica citações diretas das Escrituras para neutralizar as palavras de Satanás.

Inicialmente, ele cita Deuteronômio 8.3 para resistir ao diabo. Vendo como Jesus utiliza as Escrituras para se defender da primeira vez, o diabo faz uma segunda tentativa e cita os versos do Salmo 91.11-12, esperando enganar e persuadir a Cristo. Mas Jesus cita Deuteronômio 6.16: "Também está escrito: ‘Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus’".

Todas as batalhas espirituais envolvem a autoridade e aplicação das Escrituras, além de raciocínios e argumentos teológicos. Na segunda tentação, Satanás cita uma passagem bíblica que, quando entendida e aplicada de maneira equivocada, parecem permitir a Jesus pular do templo. Mas Jesus percebe que Satanás distorceu a passagem, então afirma: “também está escrito” nas Escrituras que não se deve tentar a Deus, expondo, assim, o mal uso da passagem do Salmo 91.11-12.

Essa troca produz várias implicações importantes. Por exemplo, a resposta que Jesus dá necessariamente assume a unidade das Escrituras, ou seja, uma parte da Bíblia concorda com todas as demais partes, e que uma parte da Bíblia jamais contradiz outra parte. Isso é consistente com um princípio da hermenêutica que Cristãos de fé afirmam há tempos. Além do mais, a forma como Jesus lida com a tentação fortemente embasa a disciplina da teologia sistemática.

Manejar a espada do Espírito significa apresentar e defender verdades bíblicas e atacar crenças antibíblicas por meio de argumentos rigorosamente bíblicos e racionais. Portanto, esta arma pode ser aplicada a pregação, textos, debates e simples conversas em que o Cristão apresenta e defende a cosmovisão bíblica, atacando e refutando crenças antibíblicas.

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Tudo isso parecerá estranho àqueles acostumados a considerarem a espada do Espírito de uma perspectiva mística, ao invés de pensar nela como um ato de debater contra inimigos do pensamento bíblico ou defender a fé contra o ataque deles. Entretanto é a abordagem mística da espada do Espírito que é estranha ao pensamento bíblico. Contra a abordagem mística, devemos insistir que a espada do Espírito refere-se a apresentações e argumentos intelectuais cujo conteúdo e forma derivam das Escrituras. Como Matthew Henry afirma: “A palavra de Deus é muito necessária e de grande utilidade para o Cristão, de forma a se manter na guerra espiritual e obter êxito...com isso superamos o ataque dos oponentes. Argumentos bíblicos são os mais poderosos.”26

A resposta de Cristo à segunda tentação de Satanás mostra que a palavra do Espírito avança no reino de Deus por meio da argumentação bíblica. Então, na terceira tentação, ele sela a derrota de Satanás com uma outra correta aplicação das Escrituras e obtém vitória. É pelo manuseio persistente da espada do Espírito desta forma que tomaremos os territórios agora ocupados pelo diabo – ou seja, resgataremos a mente dos eleitos e confundiremos a mente dos réprobos (2 Co 4.4-6: “O deus desta era cegou o entendimento dos descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus. Pois não nos pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo, o Senhor, e a nós como escravos de vocês, por amor de Jesus. Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo.” e 2 Co 10.3-5: “Pois, embora vivamos como homens, não lutamos segundo os padrões humanos. As armas com as quais lutamos não são humanas; pelo contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo.”26 Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible; Hendrickson Publishers, 1991; p. 2319.

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Exemplos do manejo da espada do Espírito por meio de argumentação bíblica abundam no ministério de Paulo (At 17.2-4: “Segundo o seu costume, Paulo foi à sinagoga e por três sábados discutiu com eles com base nas Escrituras, explicando e provando que o Cristo deveria sofrer e ressuscitar dentre os mortos. E dizia: "Este Jesus que lhes proclamo é o Cristo". Alguns dos judeus foram persuadidos e se uniram a Paulo e Silas, bem como muitos gregos tementes a Deus, e não poucas mulheres de alta posição.”; At 17.16-17: “Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de ídolos.Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam.”; At 18.4-5: “Todos os sábados ele debatia na sinagoga, e convencia judeus e gregos. Depois que Silas e Timóteo chegaram da Macedônia, Paulo se dedicou exclusivamente à pregação, testemunhando aos judeus que Jesus era o Cristo.” E At.18.19: “Chegaram a Éfeso, onde Paulo deixou Priscila e Áquila. Ele, porém, entrando na sinagoga, começou a debater com os judeus.”). Ele é enfático sobre a natureza intelectual de nosso conflito com Satanás (2 Co 10.3-5). O diabo “cegou o entendimento dos descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo” (2 Co 4.4), e é nosso propósito “destruir argumentos” que tenham sido levantados contra a fé bíblica, e “levar cativo todo pensamento para torná-lo obediente a Cristo”.

Alguém que poderosamente maneja a espada do Espírito é alguém que possui conhecimento teológico considerável e poderes de argumentação soberbos. Por outro lado, alguém que não tem esses recursos espirituais não poderá nunca infligir dano ao reino das trevas. Prestemos, por essa razão, atenção às palavras do apóstolo Paulo: “Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem do que se envergonhar, que maneja corretamente a palavra da verdade” (2 Tm 2.15).

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Como Paulo menciona a oração no verso 18, algumas pessoas questionam se ela não é outra peça da armadura. Mas como Paulo não menciona se a oração corresponde a alguma parte da armadura, não devemos assumir que ele ainda tenha a metáfora da armadura em sua mente. Não obstante, a figuração militar de fato continua.

Consequentemente, ele insta seus leitores a permanecerem alertas e, ao invés de relaxarem sua vigilância espiritual, eles devem persistir em oração, ou seja, “em todas as ocasiões, com toda oração e súplica” e para “perseverarem na oração por todos os santos”.

Por fim, ele também faz um pedido pessoal por oração. Este pedido é importante, porque nos diz com o que Paulo mais se preocupa. Com isso em mente, lemos que ele pede aos crentes que orem para que ele “destemidamente torne conhecido o mistério do evangelho”. Esta é a preocupação adequada de cada ministro – pregar o Evangelho e fazê-lo destemidamente.

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6. CONCLUSÃO

EFÉSIOS 6.21-24

Tíquico, o irmão amado e fiel servo do Senhor, lhes informará tudo, para que vocês também saibam qual é a minha situação e o que estou fazendo. Enviei-o a vocês por essa mesma razão, para que saibam como estamos e para que ele os encoraje.

Paz seja com os irmãos, e amor com fé da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível.

Cada parte da carta de Paulo é sujeita a objeções e repulsa por parte dos descrentes e heréticos. Consequentemente, também acharão cada parte deste comentário sujeita a objeções e repulsa. Durante minha exposição, afirmamos e estudamos as doutrinas da absoluta soberania de Deus,27 a depravação total do homem, a expiação particular de Cristo, o chamado irresistível do Espírito e a preservação dos santos.28 Todos os descrentes e heréticos, incluindo a maioria daqueles que se dizem Cristãos, abominam estas doutrinas bíblicas.

De uma forma ordenada, e seguindo a estrutura da carta de Paulo, nós evoluímos da predestinação para a regeneração, da regeneração para a reconciliação, e da reconciliação para santificação. Dentre outras coisas, discutimos a tolice e a maldade de todos os que não são Cristãos, a ênfase intelectual da fé cristã e a estrutura de autoridade no lar. Mostramos que o Cristianismo é completamente determinístico e intelectual. Em contraste, a essência do “Cristianismo” popular consiste de antideterminismo e anti-intelectualismo. A implicação necessária disso é que o “Cristianismo” popular é anti-cristianismo.

27 Isso inclui eleição incondicional e reprovação ativa. Cada não Cristão – cada pessoa que não foi mudada ou convertida por Deus – é um inimigo de Cristo (Mt 12.30: “Aquele que não está comigo, está contra mim”.)28 Portanto afirmamos e estudamos “Os Cinco Pontos do Calvinismo”.

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O que tudo isso significa? Se descrentes e heréticos pensam que o Cristianismo é sujeito a objeções e a repulsa, e se o Cristianismo popular é na verdade anti-cristianismo, isso quer dizer que o mundo odeia o Cristianismo, e portanto odeiam Cristãos, e odeiam o Cristianismo e os Cristãos porque, em primeiro lugar, odiaram a Cristo (Jo 15.18: “Se o mundo os odeia, tenham em mente que antes me odiou.”).29 Por essa razão, ou seja, porque o mundo odeia a Cristo, ao Cristianismo e aos Cristãos, é uma questão de importância suprema para nós apanharmos as armas espirituais dadas a nós por Deus, de forma que possamos permanecer firme e manter aquilo que Deus realizou para nós em Cristo.

Para concluir, então, “Se alguém não ama o Senhor, seja amaldiçoado” (1Co 16.21), mas “A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível” (Ef 6.24).

29 Cada não Cristão – cada pessoa que não foi mudada ou convertida por Deus – é um inimigo de Cristo (Mt 12.30: “Aquele que não está comigo, está contra mim”.)