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EFEITOS SÓCIOESPACIAIS DE GRANDES PROJETOS NA AMAZÔNIA
ORIENTAL: UMA REFLEXÃO A PARTIR DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DAS POPULAÇÕES ATINGIDAS PELA UHE/ESTREITO/MA
Fernando Ferreira de Almeida Universidade Estadual do Maranhão
Jailson de Macedo Sousa Universidade Estadual do Maranhão - UEMA
[email protected] Resumo A região amazônica até a primeira metade do século XX era entendida como um espaço isolado que não despertava interesses capitalistas. No entanto, a partir de 1950 a região passou a experimentar intenso processo de reconfiguração mediante a atuação do Estado tanto na economia quanto no território. Não fugindo as regras desse processo o município de Estreito, localizado no sudoeste do maranhão após ter sido submetido à implantação da UHE (Usina Hidrelétrica) desde o ano de 2006 vem enfrentado inúmeras transformações acerca de sua dinâmica urbana e regional. Nesse movimento, buscou-se identificar a dinamicidade dos efeitos (impactos) sócioespaciais positivos e negativos que a instauração da Usina Hidrelétrica de Estreito trouxe para este município bem como para os sujeitos simples que vivenciam historicamente a região e que tiveram os seus respectivos modos de vida alterados. Palavras-chave: Usina Hidrelétrica. Efeitos Sócioespaciais. Sudoeste do Maranhão. Estreito.
Introdução
A região amazônica até a primeira metade do século XX era entendida como um espaço
isolado que não despertava interesses capitalistas. No entanto, a partir de 1950 a região
passou a experimentar intenso processo de reconfiguração mediante a atuação do Estado
tanto na economia quanto no território. Tal ação visa promover a integração espacial do
país por meio da difusão de grandes projetos econômicos. Deste modo, a região
amazônica passou a ser entendida como espaço estratégico para a difusão de projetos
desta natureza sob o ideário da integração espacial do país, assim o espaço regional
amazônico recebeu diversos investimentos ligados às políticas de desenvolvimento
regional, no intuito de articular esta região ao sistema produtivo nacional e
internacional.
Desse modo, a região passou a apresentar a partir de 1950 mudanças relevantes em seu
padrão de organização espacial através da colonização pública e privada das terras e
também por meio da difusão de projetos minero-metalúrgicos e energéticos. Outros
elementos fundamentais que também têm corroborado para a legitimação de uma nova
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dinâmica regional se associam à construção de rodovias, ferrovias e o aproveitamento
do potencial hídrico. Nesse sentido Becker (1982) destaca:
Modifica-se a percepção da Amazônia, que assume posição-chave frente às prioridades políticas e econômicas de ordem interna e externa. [...] pelo seu valor estratégico e pelo alto valor de seus recursos naturais, a região é capaz de atrair inovações e efeitos difusores do desenvolvimento, tais como capital, tecnologia, população – tanto de centro nacionais como de centro mundiais, tornando-se um verdadeiro campo de atração de forças externas. (BECKER, 1982, p. 63-65).
A Amazônia assume nesse contexto uma nova percepção e adquire posição de destaque
para os agentes hegemônicos, uma vez que, até a primeira metade do século XX a
região era compreendida como uma barreira à ocupação humana.
No entanto, neste novo cenário a região passa a ser vista como “fronteira de recursos”
ou “fronteira do capital,” atraindo inovações e externalidades, ou seja, forças exógenas
diretamente vinculadas ao capital monopolista e que conseqüentemente passaram a
atuar de forma marcante, provocando fortes mutações no espaço regional amazônico.
Estes fatores são decorrentes do planejamento governamental que acentuou de forma
significativa o processo de ocupação e povoamento da região. Para Becker (2007)
A partir do segundo e terceiro quartéis do século XX, acelerou-se sobremaneira o passo do progresso de ocupação da Amazônia, marcado pelo planejamento governamental, com a formação do moderno aparelho de Estado e sua crescente intervenção na economia e no território. (BECKER, 2007, p.25)
Percebe-se crescente intervenção do Estado na economia e no território, sobretudo,
através do governo de Juscelino Kubitschek por meio das políticas de desenvolvimento
regional baseadas na Energia e Transporte e no célebre programa em Cinqüenta anos
em Cinco, culminando na realização de várias ações, tais como: a construção da rodovia
Belém-Brasília e recentemente a implantação de projetos energéticos. Tais ações
objetivaram integrar este espaço ao restante do país. Becker (2004) ao considerar estes
aspectos destaca que
[...] Esta integração nacional caracteriza-se, inicialmente, por duas ações corretivas induzidas pela elaboração espacial: a criação da Sudene (1959), que reflete simultaneamente a preocupação com a periferia e com os interesses do “centro”; a construção de Brasília, que simboliza a nova percepção do espaço nacional, decorrente das modificações geradas pela nova conjuntura econômica, social e política. Data dessa época o primeiro lançamento das primeiras rodovias para a articulação da grande “ilha” amazônica ao sistema espacial: a Belém-Brasília e a São Paulo-Cuiabá-Acre, as quais, num movimento de pinças, estabelecem grande arco em torno da Híléia. (BECKER, 2003, p. 61).
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A implantação de grandes eixos rodoviários se apresentou como sendo fundamental,
como a construção da rodovia Belém-Brasília entre os anos de 1958 a 1960 para o
processo de articulação da região amazônica às demais áreas do país. Foi por meio desta
que ocorreu à dinamização dos fluxos migratórios no espaço amazônico, bem como a
ligação direta a capital do país – Brasília. A rodovia Belém-Brasília desempenhou papel
importante para que grandes investimentos fossem destinados à região, possibilitando
intensas mudanças na estrutura socioeconômica da região. Dentre a principal mudança,
tem-se a quebra do isolamento da Amazônia, vinculando-a ao dinâmico sistema
produtivo nacional.
A região adquiriu novos conteúdos frente a tais transformações que passaram a
viabilizar uma nova configuração passando a ser entendida como um espaço
privilegiado para a atuação ampliada do capital. No seio desta lógica é preciso refletir
sobre os significados da modernização imposta à região que a atinge de forma
avassaladora.
São gerados nesse espaço efeitos nefastos e irreversíveis como é o caso dos impactos
negativos causados pela Usina Hidrelétrica de Estreito, uma vez que tal
empreendimento apresenta fortes vínculos com os atores hegemônicos que alteraram de
forma intensiva a região para defender os seus interesses.
Esse cenário de transformações que a região amazônica assume a partir de 1950 só pode
ser compreendido mediante o caráter “modernizador” e às sucessivas “modernizações”
que são impostos à região. Para compreender melhor estas novas feições apresentamos a
seguir algumas contribuições teóricas que tratam destes projetos de modernizadores,
ressaltando as suas principais características e os seus efeitos difusores no território
brasileiro.
A modernidade ambígua e a organização e a organização da sociedade moderna no
Brasil
Em sua definição conceitual Giddens (1991, p. 11) afirma que “[...] modernidade refere-
se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do
século XVI e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua
influência”. Desse modo, a partir do século XVI desencadearam-se processos
vertiginosos de transformações econômicas, sociais e políticas decorrentes da revolução
científica que forneceram à sociedade um modelo de racionalidade conduzido pela
ciência moderna.
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Nessa direção, a ciência moderna propicia segundo Sousa (2010, p. 4) “[...] uma nova
forma de interpretar o mundo que passa a ser apreendido através do conhecimento
racional”. Todavia, a modernidade que se difunde nas distintas regiões do território,
principalmente àquela desenvolvida no âmbito da região amazônica, não fica imune às
manifestações antagônicas impregnadas deste caráter modernizador, sendo carregada de
ambigüidades.
Nesse processo, faz-se necessário entender os reais sentidos desta suposta modernidade
que se encontra intimamente ligada aos discursos estabelecidos pelos agentes
hegemônicos, uma vez que essa modernidade de acordo com Martins (2008)
[...] não é feita pelo encontro homogeneizante da diversidade do homem, como sugere a globalização. É constituída pelos ritmos desiguais do desenvolvimento econômico e social, pelo acelerado avanço tecnológico, pela acelerada e desproporcional acumulação de capital, pela imensa e crescente miséria da globalização dos que têm fome e sede de justiça, de trabalho, de sonho, de alegria. Fome e sede de realização democrática das promessas da modernidade, do que ela é para alguns e, ao mesmo tempo, parece ser para todos. (MARTINS, 2008, p. 19).
É evidente o sentido antagônico que se materializa com esta modernização, onde a
sociedade não é beneficiada em sua totalidade, revelando a verdadeira face das
contradições existentes nos discursos difundidos pelos atores hegemônicos. Os agentes
econômicos e políticos projetam em seus discursos os sentidos que lhes convém.
O moderno se apresenta de modo restritivo, beneficiando apenas uma pequena parcela
da população em detrimento da totalidade, produzindo contradições que se manifestam
através da exclusão social de grandes parcelas da população. Por este viés a edificação
da Usina Hidrelétrica de Estreito se insere nessa lógica ambígua. Observa-se que a
maioria das populações inseridas nesses projetos não tem usufruído das riquezas
produzidas.
É preciso indagar sobre as contradições embutidas nesses projetos, pois antes de um
empreendimento desse porte ser posto em prática, levanta-se a bandeira do progresso,
ou seja, há um rompimento com as marcas do passado e o delineamento de um novo
tempo.Segundo Martins (2008, p.18) “A modernidade, enquanto moda e momento é
também a permanência do transitório e da incerteza”. Ao considerar esta perspectiva de
análise, a região amazônica a partir de 1950 passa a ser considerada como lócus
privilegiado para a difusão de projetos modernizadores por meio das intervenções
realizadas pelo Estado e pelo capital. Nesse sentido Sousa (2009) enfatiza
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Este período [...] se relaciona com o processo recente de ocupação da Amazônia [...] caracterizado pela atuação conjunta do estado e do capital que, agindo conjuntamente subsidiaram direta/indiretamente a ocupação da região através de projetos de natureza diversificada. Suas ações se voltaram para a construção de rodovias, a implantação dos projetos de colonização e a instauração de programas agropecuários e mineradores. (SOUSA, 2009, p. 57).
Estas ações promovidas pelas forças políticas e econômicas apresentaram como objetivo
central instaurar a integração nacional que se caracteriza pelo caráter modernizante
através dos diferentes projetos econômicos direcionados para a Amazônia. Cabe
ressaltar também que essa modernidade que se apresenta no espaço regional amazônico
possui fortes traços com o seu contexto histórico. Nessa direção, Gonçalves (2001)
enfatiza que:
A Amazônia é, na verdade, um dos muitos lados da modernidade. Foi a modernidade que criou os primeiros fortes militares na Amazônia; que saqueou suas entranhas para retirar as “drogas do sertão”; que destribalizou os índios, aldeando-os e desespiritualizando-os. Foi a modernidade que se apropriou das “bolas que contrariavam a lei da gravidade”, como a ignorância de um moderno colonizador se expressou a respeito da borracha e lhes deu outros múltiplos usos, com destaque para a indústria de pneumáticos, parte do símbolo maior individualismo do mundo moderno: o automóvel. É hoje a modernidade que auxílio a indústria química, de tratores, motosserras e correntões, além de barrar os rios para produzir energia e, assim aumentar sua capacidade no trabalho de resolver suas entranhas. (GONÇALVES, 2001, p. 67).
Evidencia-se a partir desses elementos que a modernidade/modernização que se
expressam no cenário regional amazônico traduz um processo oriundo desde a
exploração da borracha e que se caracteriza por usurpar as riquezas naturais existentes
na região.
Os agentes que conduziram essa “modernidade” antes não são os mesmos de hoje.
Todavia, as características ambíguas e contraditórias denotam similaridades apesar dos
distintos períodos históricos. Dado esses aspectos, este estudo realizou uma análise
acerca desta suposta modernidade visando entender como esta se configura no contexto
atual. Tal análise é realizada através dos efeitos sócioespaciais acarretados no município
de Estreito por meio da construção da Usina Hidrelétrica de Estreito, considerando a
representação dos sujeitos simples que vivenciam historicamente a região.
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Desenvolvimento
A edificação dos grandes projetos econômicos, com destaque para aqueles vinculados à
produção energética tem sido um traço característico no território brasileiro.
Trata-se de uma ação comandada pelo modo de produção capitalista que tem buscado
assegurar a sua reprodução ampliada no território brasileiro. Não fugindo às regras
desse processo o município de Estreito1, localizado na Mesorregião Sul Maranhense e
no sudoeste do Maranhão foi um dos subespaços escolhidos para a construção de um
empreendimento hidrelétrico. A este respeito chaves (2009) comenta:
[...] O projeto da UHE de Estreito existe desde os anos 70. A Eletrobrás cumprindo a ordem dos governos militares mapeou cada bacia da região amazônica a fim de determinar quais seriam as prováveis áreas para a construção de empreendimentos hidrelétricos. E no final do governo FHC, entre os anos de 2001 a 2002, o projeto aparece com um dos prioritários para serem licitados. (CHAVES, 2009, p.122).
A construção da Usina Hidrelétrica de Estreito faz parte do Plano Decenal (2000/2009)
elaborado pelo Grupo Coordenador dos Sistemas Elétricos que estabelece que a
construção desse empreendimento hidrelétrico é de vital importância para atender a
demanda de energia nacional. Assim, no ano de 2002, o projeto da Usina Hidrelétrica de
Estreito foi licitado e a concessão foi adquirida pelo CESTE - Consórcio Estreito de
Energia que é formada pelas empresas: Tractebel, Vale, Alcoa, Billiton e Camargo
Côrrea. Sendo que somente esta última é brasileira, ou seja, o referido consórcio
apresenta-se intimamente ligado ao capital monopolista global, revelando assim,
relações que vem de fora para dentro e que passam a exercer forte domínio e controle
nas regiões e populações que estão sendo abarcadas por este em empreendimento.
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Em relação ao percentual de participação de cada empresa que integra o consórcio
Estreito, tem-se, a Suez/Tractebel com 40%; a Vale com 30%; Alcoa Alumínio com
25,49% e a Camargo Corrêa com 4,44%.
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Este empreendimento integra as ações econômicas embutidas no planejamento do
Programa de Aceleração do Crescimento PAC do governo federal. Estima-se que são
movimentados recursos na ordem de bilhões de reais. Tal projeto tem ocasionado forte
mudança na dinâmica urbana de Estreito dada a implantação da Usina Hidrelétrica e
envolve o capital tanto nacional como internacional, sendo necessário, nesse sentido,
estudos de natureza científica para questionar os prós e contras que envolvem projetos
desta natureza.
Nessa direção, a construção da UHE de Estreito se edifica a partir de sentidos
antagônicos. Sendo o primeiro relacionado às relações de poder manifestadas no espaço
de implantação do empreendimento, que passa a ser alvo de novos atores (agentes
políticos e econômicos) que tem promovido mudanças nesse espaço de acordo com seus
interesses. O segundo se refere às populações existentes nesses espaços que são afetadas
pela imposição de novos usos, fazendo com que estas percam os acessos aos seus meios
tradicionais de vida, especialmente a terra.
Esse processo de reconfiguração do espaço regional visa atrair grandes empresas para se
implantarem na região, gerando a reprodução ampliada do Capital, ou seja, fornece
suporte para os novos grandes investimentos de capital no país. Desse modo, Gonçalves
(2001, p. 59) destaca que: “A energia subsidiada pelo governo brasileiro tornou-se um
atrativo para os grandes investimentos estrangeiros que passaram a atuar em associação
a grandes capitais nacionais, sobretudo originários do centro-sul do país ou estatais,
como no caso da Companhia Vale do Rio Doce”.
Dentre os discursos promovidos pelos agentes hegemônicos (políticos e econômicos) no
que tange a instauração das hidrelétricas é destacado que o Brasil possui vasta
quantidade de recursos hídricos distribuídas sob terrenos planálticos que possibilitam
seu aproveitamento. É defendido também que este método de geração de energia é o
que provoca menos impacto em relação, por exemplo, a energia nuclear e a que utiliza a
queima dos combustíveis fósseis.
O aumento da oferta de energia por meio da edificação da Usina de Estreito-Ma se
insere assim como um caminho necessário para se alcançar o crescimento econômico e
promover o desenvolvimento de determinadas atividades e regiões. Não seria errôneo
afirmar que as empresas que integram o CESTE têm interesses similares para o
funcionamento desse empreendimento. Por exemplo, as demandas da Vale e da Alcoa,
empresas produtoras de minério e alumínio que necessitam de muita energia, pois como
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se sabe as indústrias eletrointensivas são as que usufruem da boa parte da energia
produzida. Somente seis setores consomem 30% da energia elétrica do país, são eles: a
produção de aço, a produção de ferro-ligas, o cimento, a produção dos metais não
ferrosos (como o alumínio primário), a produção de química e o setor de papel e
celulose.
Dentro desse contexto, este estudo buscou ouvir os sujeitos simples que vivenciam o
lócus de implantação do empreendimento hidrelétrico, no intuito de entender como
quais as transformações positivas e negativas que o referido projeto trouxe para o
município de Estreito-Ma. Assim, o trabalho está sendo desenvolvido considerando os
seguintes objetivos:
Objetivo Geral:
Compreender os efeitos sócio-espaciais “positivos e negativos” ocasionados pela
implantação da UHE no município de Estreito-Ma e suas repercussões regionais.
Objetivos Específicos:
Analisar as mudanças socioeconômicas, culturais e ambientais processadas na região de
Estreito do Maranhão a partir da instalação da Usina Hidrelétrica de Estreito-Ma.
Refletir sobre as contradições geradas através dos conflitos entre os agentes econômicos
responsáveis pelo empreendimento e as populações diretamente atingidas;
Nessa direção, a natureza de investigação desta pesquisa tem como alicerce maior a
busca de uma compreensão aprofundada sobre a essência que se debruça por detrás dos
grandes projetos “modernizadores” que tem sido responsável pelas mudanças
socioeconômicas, culturais e ambientais, com a ênfase na Usina Hidrelétrica de
Estreito– Ma.
Dessa forma, é de salutar importância investigar a natureza impregnada junto com essas
modernizações, visando identificar quais são as suas principais características e efeitos
difusores sobre a região. Foi assim com Estreito, ao buscar compreender as
modificações processadas na dinâmica regional mediante à instauração da Hidrelétrica.
Este trabalho utilizou um conjunto de procedimentos metodológicos. Destacou-se a
visita de campo in loco com a coleta dos depoimentos dos sujeitos simples que
vivenciam a região atingida pela construção da barragem da Usina Hidrelétrica de
Estreito, como pescadores, ribeirinhos, lavradores, dentre outros. Adotou-se também a
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utilização do método dialético pelo fato de o objeto de investigação desta pesquisa, ou
seja, a construção da Usina Hidrelétrica de Estreito se desenvolver num cenário
ambíguo, em virtude dos interesses distintos dos sujeitos que vivenciam esta região.
O uso do método dialético objetiva justamente compreender os divergentes e distintos
interesses que se debruçam em relação ao fenômeno social em estudo. Este método de
interpretação da realidade se apóia numa concepção fundamentada através do
materialismo dialético. Gil (2007, p.31) argumenta que o materialismo dialético
considera que “todos os objetos e fenômenos apresentam aspectos contraditórios, que
são organicamente unidos e constituem a indissolúvel unidade dos opostos”. Desse
modo, os fenômenos não podem ser compreendidos de forma isolada e homogênea,
sendo preciso recorrer às bases da dialética para interpretar a realidade em sua dinâmica
ou totalidade, considerando o cenário de suas ambivalências.
Associou-se ainda para este estudo, o emprego da abordagem fenomenológica pelo fato
desta pesquisa estudar a realidade no intuito de descrevê-la, de apresentá-la como ela é
em sua experiência pura. Desta forma, a fenomenologia baseia-se no estudo das
essências existentes no fenômeno. A abordagem fenomenológica parte do estudo do
próprio fenômeno que se realiza por meio da análise da essência da percepção e da
consciência dos indivíduos com base em suas experiências. Assim sendo, Triviños
(1987, p. 97) destaca que a fenomenologia “põe em relevo as percepções dos sujeitos e,
sobretudo, o significado que os fenômenos têm para as pessoas”.
Destaca-se ainda nesta investigação a utilização das representações sociais das
populações atingidas pela construção da Usina Hidrelétrica de Estreito – Ma, no intuito
de compreender como a chegada do novo, configurado por este projeto modernizador
vem interferindo na cotidianidade dos sujeitos simples, acarretando em mudanças em
seus respectivos modos de vida. Serge Moscovici entende que (1994, p.19) “as
representações sociais são um conhecimento de segunda mão, cuja operação básica
consiste na contínua apropriação de imagens, das noções que a ciência não cessa de
inventar”.
Esta pesquisa prezou pelo caráter qualitativo. Segundo Minayo (2002, p.21) “A
pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa [...] com
um nível de realidade que não pode ser quantificado”. Esta modalidade de pesquisa
caracteriza-se por buscar uma profunda compreensão do contexto da situação,
considerando o universo de significados, aspirações, crenças, valores e atitudes
impregnados nos fatos. Tais procedimentos metodológicos se apresentaram como
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relevantes para se alcançar os objetivos previamente definidos, pois são um caminho
que deve ser percorrido para se chegar aos resultados, ou seja, a uma reflexão resultante
da comparação entre o que foi dito pelos representantes do CESTE com os depoimentos
dos sujeitos simples
Resultados preliminares
Os efeitos positivos da instauração e funcionamento da UHE – de Estreito - Ma
A construção da UHE de Estreito provocou grandes mudanças socioeconômicas no
município. Desse modo, cabe ressaltar aquelas que foram de natureza positiva. Assim
em virtude da implantação da obra, o município de Estreito presenciou um grande fluxo
de pessoas que se dirigiram para a região em razão da construção do empreendimento.
Tal fato contribuiu de forma significativa para a legitimação de um maior dinamismo
para a economia local. O Consórcio Estreito de Energia em virtude do aumento do
contingente populacional realizou algumas obras de infra-estrutura no município de
Estreito, a saber:
Ampliação e melhoria dos hospitais, construção de postos de saúde, aqui em Estreito mesmo nós construirmos três postos de saúde e reformamos o hospital e o equipamento todo. Além disso, nós assumimos durante o período um convênio com a prefeitura onde a gente passava mensalmente 100 mil reais para pagar os médicos, porque teve uma demanda de aumento de médicos em determinado ponto [...] Na área de educação, fizemos a reforma e ampliação de escolas. Na parte de segurança nós construirmos o comando geral da polícia em frente à obra que não tinha. Construirmos a sede do corpo de bombeiros com doação de caminhão, lancha, ambulância e foram doados também viaturas para a polícia de Estreito de forma a fortalecem a estrutura local para absorve esse impacto. (Isac Cunha, Representante do CESTE, entrevista realizada em 10/05/2012).
Tal processo segundo os representantes do empreendimento contribuíram para a
melhoria da qualidade do município que passou a contar com uma nova estrutura tanto
nos hospitais quanto nas escolas, e ao mesmo tempo compensou o aumento do número
de pessoas dirigidas para o município.
Outro efeito tido como positivo foi a geração de emprego por parte do empreendimento.
Foram aproximadamente 10.000 mil empregos diretos e 25.000 mil indiretos,
totalizando 35.000 postos de trabalhos na fase de implantação da obra, ou seja, houve
um grande afluxo de trabalhadores na época da obra. Além disso, segundo o Consórcio
foi dada prioridade para a contratação da mão-de-obra local na área atingida pela
barragem. Para esse processo, visando absorver a maior quantidade possível de pessoas
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o CESTE disponibilizou para os moradores cursos profissionalizantes nos ramos de
pedreiro em alvenaria, eletricista predial, armador de ferragens, carpinteiro de forma,
instalador de água e esgoto, pinto de obras, soldador, informática, dentre outros.
Segundo o Consórcio CESTE foram absorvidos um percentual total de 80 % da mão-de-
obra local, considerando os respectivos municípios que foram atingidos e os dois
Estados que estão diretamente associados ao empreendimento, ou seja, os Estados do
Maranhão e do Tocantins.
Além disso, com a implantação e funcionamento da Usina Hidrelétrica o município de
Estreito passou a receber os impostos vinculados a geração de energia, contribuindo
assim para a aplicação desses recursos em benefícios para moradores do município de
Estreito. Nessa direção o Consórcio afirma que
Cada município teve um impacto diferenciado em função disso eles recebe os impostos e tem os chamados royalties voltados para cada município que tiveram suas áreas afetadas, recebendo um percentual (o royalties) que é um valor equivalente a compensação pela área que eles perderam. Então cada município já recebe hoje em função das cincos máquinas que estão gerando, já tão recebendo royalties, na hora que entrar a oitava máquina esse valor vai aumentar um pouco mais. [...] Agora Estreito é o mais beneficiado porque além dos royalties ele recebe o ISSQN da geração, porque as turbinas estão no município de Estreito. (Isac Cunha, Representante do CESTE, entrevista realizada em 10/05/12).
Ao todo foram 12 municípios atingidos pela área de abrangência da Usina Hidrelétrica
de Estreito, sendo 10 no Estado do Tocantins e 2 no Estado do Maranhão. Destes, o que
recebe maior repasse de impostos é o município de Estreito, em função de no mesmo se
localiza grande parte do empreendimento.
O outro efeito apontado como positivo por parte do Consórcio Estreito de Energia, foi o
grande número de pessoas que aceitaram o pagamento da indenização sem a
necessidade da participação jurídica, ou seja, boa parte dos atingidos concordaram com
os valores das indenizações que foram pagos pelo CESTE. Segundo o representante do
empreendimento:
Menos de 5 % (cinco) hoje não tem uma situação definida porque não aceitaram os preços de indenização e entraram na justiça. Aí o CESTE também não tem o que fazer. Mas é um índice satisfatório em razão de termos mais de 95 % (noventa e cinco) dos casos solucionados. Para um empreendimento desse tamanho é um dado satisfatório. (Isac Cunha, Representante do CESTE entrevista realizada em 10/05/12).
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Ao considerar a dinamicidade do empreendimento, bem como as transformações acerca
dos fatores tanto ambientais quanto sociais, o número de indenizações negociadas
mostrou-se como um dado expressivo que demonstra o compromisso do CESTE com os
atingidos, no entanto há também as contradições por trás do discurso.
Os efeitos negativos da instalação e funcionamento da UHE – de Estreito - ma A construção da Usina Hidrelétrica no município de Estreito ocasionou uma série de
impactos no meio sócioespacial em virtude das inúmeras transformações que foram
realizadas do lócus de instalação do empreendimento. Além disso, são muitas as
contradições que permeiam junto a edificação deste grande projeto modernizador.
Conforme Rocha (1999, p. 136) “[...] o objetivo da empresa consiste em obter o
máximo de lucro, o que não significa apenas lucrar o máximo possível com a venda da
energia produzida, significa reduzir os custos do empreendimento, repassando-os a
sociedade”. Nesse contexto, a instalação da Usina Hidrelétrica de Estreito provocou como principal
interferência a imposição dos deslocamentos forçados da população local para atender
aos interesses das empresas que integram o CESTE. Este processo é considerado
forçado porque não existe outra opção para moradores que ocupam as áreas que foram
destinadas a construção do lago da barragem, ou seja, o deslocamento se processa por
motivos ligados diretamente aos interesses do empreendimento. No bojo desse
processo, existem várias contradições edificadas entre o Consórcio CESTE e o MAB
(Movimento dos Atingidos por Barragens), que por exemplo, em relação ao número de
famílias atingidas pelo empreendimento apresentam números totalmente distintos.
Enquanto o CESTE afirma que o número de famílias atingidas a serem indenizadas
equivale a pouco mais de duas mil o MAB expõe que devem ser (cinco) mil.
Segundo o MAB, o CESTE estaria negligenciado uma grande quantidade de atingidos,
deixando assim, o ônus para o Estado. Os estudos realizados pelo CESTE se mostram
incondizentes com os verdadeiros impactos provocados pelo empreendimento. No que
tange aos pagamentos das indenizações, a maioria dos moradores que foram ouvidos
destacaram que os valores não foram suficientes para a reabilitação desses moradores
noutros locais. Além disso, outra insatisfação dos moradores em relação aos
pagamentos das indenizações se relaciona ao fato que o CESTE não levou em conta o
tempo de permanência que os sujeitos possuíam em relação as suas propriedades, ou
seja, esse critério foi deixado de lado nas negociações.
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Dentre os moradores da zona rural do município de Estreito que consideram
insatisfeitos com as indenizações ,tem-se o lavrador Antônio José que afirma: Eu fui indenizado, peguei 24 (vinte e quatro) mil na terra. ... Eu mesmo fiquei arrependido demais. O tamanho da minha propriedade era de seis alqueire e foi alagado três alqueire e mei. Por aí assim. A outra parte eu passei para um cara. O resto que sobrou não prestava mesmo, já que não tinha água era em cima de uma serra. Só se furasse um poço que fosse artesiano. Pra mim, minha estrutura não dava pra ficar. Foi melhor eu ter largado mesmo. Todo o dia antes da barragem o cara me colocava lá era 150 (cento e cinqüenta) mil na minha terra. Pra você ver como foi o prejuízo pra mim. Pra mim essa indenização não foi boa e nem justa. Um lote daquele, pra li fala uma verdade eu não tinha ele para vender por dinheiro nenhum. Não, não. Pra nós muita coisa piorou depois da barragem. Aqui é muito ruim na saúde eles acabaram com a cidade a demanda foi grande. Apiorou pra nós, apiorou. [...] Eu acho que melhorou muito ai mesmo só pra uma turma que tem muito dinheiro. Mais pra pobre mesmo fez foi se arrebentar. Agora pra nós se rebentou foi tudo. Nem temos mais o dinheiro e nem a terra. (Antônio José, Lavrador – Zona rural de Estreito, entrevista realizada em 15/05/12).
As falas das populações residentes da zona rural do município de Estreito enfatizam as
contradições ocorridas entre o discurso expresso pelo CESTE e as reais situações
concretizadas em face da UHE de Estreito. Este fato revela intensos prejuízos para os
sujeitos simples que vivenciam a região. Pois, conforme a pesquisa realizada, estes
sujeitos possuem baixa escolaridade e dependem exclusivamente de atividades de
subsistência seja através da agricultura praticada à beira do rio ou por meio da pesca.
São sujeitos que tiveram de uma hora para outra, em virtude do deslocamento forçado
as suas relações de trabalho diluídas pela instalação da UHE de Estreito.
Desse modo, percebe-se em relação aos grandes empreendimentos que segundo Cuz
(2010)
Os modos de vida são transformados, os projetos de vida daquelas pessoas são destruídos e os laços afetivos que ligam o homem a terra são arrancados de forma que ele não consegue impedir, e ele não tem outra opção a não ser se conformar com sua nova situação e sofrer as conseqüências da expulsão daquela terra. (CRUZ, 2010, p. 184).
Modifica-se assim a relação que se tinha antes e se produz uma nova realidade, em
virtude da implantação do empreendimento hidrelétrico, ou seja, ocorre a quebra dos
referenciais identitários dos sujeitos simples que vivenciavam a área afetada pelo
enchimento do lago da Usina Hidrelétrica de Estreito.
Para o presidente do assentamento Braço forte, por exemplo, a implantação e
funcionamento da Usina Hidrelétrica de Estreito trouxe efeitos tanto negativos como
positivos. No entanto, este destaca em sua fala que:
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Os pontos negativos. Esses são maiores. Para quem tem seu comércio na cidade deu pra aproveitar no começo das obras. Eles aumentaram as suas vendas e a gente sabe que teve geração de empregos. Mais pra nós que vive aqui na roça essa barragem só trouxe prejuízo. Mesmo na cidade aumentou a marginalidade, roubo, prostituição e os impactos na fauna e flora da região. O CESTE também assumiu muitos compromissos e não foi cumprido quase nada. Eles fizeram o compromisso de fazer a distribuição da água eles apenas cavaram o poço e colocaram uma caixa ai com muita luta o prefeito doou os cano da rede e a gente tá complementado cada um puxando para sua cada da maneira pode a água não é tratada apesar de ser de poço artesiano. (Humberto Pereira – Presidente do assentamento Braço forte, entrevista realizada em 15/05/12).
O que se percebe então é que as populações que possuem poucos recursos foram as
principais prejudicadas pela edificação do empreendimento hidrelétrico, como as que
retiravam os seus respectivos sustento através da pesca, da agricultura a vazante,
oleiros, dentre outros que tiveram em razão do empreendimento os seus modos de vida
alterados.
A Usina Hidrelétrica de Estreito criou grandes expectativas no município que não se
concretizaram na prática, deixando ônus dos impactos a cargo do Estado. Houve
mudanças na infra-estrutura, geração de empregos, mas estes foram momentâneos, ou
seja, estiveram vinculados somente à fase de pico da obra, de modo que passada essa
fase o município de Estreito volta a sua situação de antes da chegada do
empreendimento só que com mais problemas sociais, como o aumento da
marginalidade, violência, prostituição e desemprego.
Notas _______ 1 Verificar Figura 1 na página 7.
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