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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
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EDUCAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO ENTRE OS GUARANI MBYÁ
DA ALDEIA KO’ Ẽ JU PORÃ
CIARAMELLO, Patrícia Regina (UNICENTRO)
VESTENA, Carla Luciane Blum (Orientadora/UNICENTRO)
A Educação Escolar Indígena é uma realidade antiga no Brasil, com suporte
legal e amplamente discutida entre diferentes povos indígenas e agentes não-indígenas
de diversas áreas (antropólogos, linguistas, educadores, indigenistas) com ela
envolvidos. Pode-se, inclusive, afirmar a impossibilidade de se falar em “uma
realidade”, mas sim em realidades que diferem e muitas vezes se contrapõem, que
variam de acordo com o contexto histórico do Povo Indígena à qual se refere, com a
realidade do lugar e das relações com a sociedade não-indígena, com as políticas de
implementação e gestão, entre outros tantos fatores.
Os caminhos educacionais dos povos indígenas quase sempre se dão de forma
sinuosa, cheios de atalhos, de obstáculos. São permeados por anseios, expectativas,
exigências, desilusões, interesses diversos. Partindo da realidade local, da educação
tradicional que recebem em sua Aldeia, nas Casas de Reza e outros locais sagrados, da
relação com os mais velhos e na vivência com as tarefas do dia-a-dia. Seguindo para a
escolarização, que acontece em escolas próprias ou até mesmo em escolas não-
indígenas, mas que na maioria das vezes segue o padrão ocidental. Para, enfim, entre
dificuldades, desilusões e evasões, alguns poucos chegarem ao nível superior.
Pensar escolarização indígena não diz respeito à simples transposição de um
modelo de escola ocidental para uma comunidade indígena, mas deve-se levar em conta
qual o projeto de vida da comunidade, o que e como a escola pode contribuir com esse
projeto, o que eles pensam sobre a escola e o que esperam dela. Partindo disso, ter a
consciência de qual caminho querem trilhar, o que esperam dos cinco primeiros anos de
escolarização e o que farão depois de findado esse primeiro período. Continuarão a
estudar? Onde? Pra quê? Em que condições? Chegarão ao Ensino Superior? Com qual
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objetivo? Retornarão à aldeia após formados? Enfim, esses são apenas alguns relevantes
questionamentos antes que se afirme ou se critique a escolarização indígena e, mais que
isso, reflexões necessárias para que se pense um caminho educacional que não
corrobore com o histórico processo de discriminação, preconceitos, fracassos.
Trilhando por esse caminho, o presente artigo se constitui como parte integrante
de minha dissertação de Mestrado em Educação, ainda em andamento, cujo objetivo é
acompanhar os caminhos percorridos pelo povo indígena Guarani, da aldeia Ko’ẽ ju
Porã, localizada na Reserva Indígena Marrecas, no município do Turvo/PR, desde a
educação recebida tradicionalmente, em comunidade, passando pelo período em que
ingressam nos primeiros anos de escolarização – Séries Iniciais do Ensino Fundamental,
na Escola Estadual Indígena Arandu Pyahu, na própria aldeia, seguido pelo momento
em que decidem entre encerrar os estudos ou seguir para as Séries Finais do Ensino
Fundamental, em escola não-indígena fora da aldeia, até o momento em que concluem
o Ensino Médio e podem (conseguem) ou não chegar ao Ensino superior.
Algumas considerações são postas em questões: Como se dá o processo de
Educação tradicional? Qual o histórico de escolarização desta comunidade? Como
entendem e o que esperam da escola localizada na aldeia? Qual o percurso que
percorrem os jovens quando terminam os anos de escolarização da aldeia? Quais os
problemas enfrentados por eles para darem sequência aos estudos? Quais as
dificuldades encontradas pelas escolas e universidades não-indígenas que recebem esses
indígenas?
Enfim, o objetivo principal da pesquisa é analisar os caminhos educacionais
percorridos pelas crianças, jovens e até adultos Guarani, desde a aldeia Ko’ẽ ju Porã até
a Universidade, levantando quais as dificuldades encontradas por eles e pelos não-
indígenas com os quais se relacionam e buscando quais os principais motivos de evasão,
para que assim possam ser refletidas alternativas para melhora de tal realidade.
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Povo Guarani – quem são, onde vivem e como se dá sua educação tradicional
No Estado do Paraná, atualmente, vivem cerca de 13.300 indígenas, das etnias
Xetá, Kaingáng e Guarani, habitando, em sua maioria, as 17 Terras Indígenas
demarcadas pelo Governo Federal (http://www.museuparanaense.pr.gov.br). Na região
do município de Guarapuava, existe a Reserva Indígena Marrecas, localizada no
município do Turvo e demarcada para o Povo Indígena Kaingáng, etnia predominante
na região, mas que abriga também um grupo de cerca de 80 pessoas da etnia Guarani
Mbya, que formam a Aldeia Ko’ẽ ju Porã e junto da qual o presente trabalho estará se
realizando.
Os Guarani são uma etnia do Tronco Linguístico Tupi-Guarani, dividem-se (de
acordo com critérios linguístico e culturais) em Mbyá, Nhandéva e Kaiová (Kaiowá) e
não se limitam ao território brasileiro, abrangendo o Brasil, a Argentina, a Bolívia, o
Uruguai e o Paraguai. Comumente são conhecidos como povo nômade, pois mantêm
laços de parentesco e afinidades com aldeias distantes, perambulando com frequência
para visitar seus parentes ou até mesmo mudando-se de aldeia para outra, preservando
assim sua Língua e Cultura.
Nos tempos antes da colonização europeia, quando este território pertencia aos
Povos Indígenas apenas, os Guarani distribuíam-se do litoral às florestas subtropicais do
planalto, até o Rio Paraná ao Oeste. Geralmente suas aldeias eram estabelecidas nas
regiões de floresta, onde viviam da caça, da coleta e da agricultura e onde permaneciam
por cerca de cinco a seis anos e de onde se mudavam na sequência, permitindo ao solo
descansar e à fauna se recompor. Após alguns anos retornavam ao mesmo local,
iniciando um novo ciclo (http://www.museuparanaense.pr.gov.br).
Sabe-se que no século XVIII deu-se início às empreitadas pelos sertões de
Guarapuava, com grande incentivo do governo vigente e com intuito não só de ocupar
as terras, mas para isso, decretar “guerra justa” aos povos indígenas que por aqui
habitavam (LEITE, 2008, p.169). Entre os séculos XVIII e XIX, muitos indígenas
foram mortos e daqueles que sobreviveram, sabe-se que enquanto alguns foram
utilizados como mão-de-obra na pecuária (entre outras atividades) ou reunidos em
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aldeamentos e reservas, outros conseguiram fugir em direção ao litoral, local
considerado como sagrado para essa etnia.
Hoje, no Estado do Paraná, eles representam cerca de 30% da população
indígena, um total de aproximadamente 4.000 indígenas
(http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br; http://www.socioambiental.org/).
Os guaranis possuem seus métodos próprios de ensino-aprendizagem que
articulam dois universos: o cosmológico e o sociológico, por isso mantém em sua aldeia
uma Casa de Reza, também conhecida como Opy, lugar considerado como sagrado e
central na Educação Tradicional.
O conceito de Educação Tradicional ou Educação Indígena pode ser melhor
entendido nos escritos de Melià (1979), grande estudioso da Cultura Guarani, para
quem a “Educação Indígena” deve ser compreendida enquanto processo, onde se ensina
e se aprende a cultura indígena em termos de “socialização integrante”, ou seja, o ensino
e a aprendizagem são tidos como parte de um processo a “satisfazer as necessidades
fisiológicas, assim como à criação de formas de arte e religião” (p.10). A educação,
assim dizendo, não pode ser considerada de forma genérica, pois é composta de
diferentes aspectos e fases, cada qual com seu tempo de duração, dedicação e esforço.
Como essa educação diz respeito aos processos de socialização próprios de cada
sociedade, pode-se dizer que existem tantos modelos de educação, quanto existem
Culturas, sendo preciso analisar cada uma delas para compreender esses processos.
Em outras palavras, a Educação Indígena pode ser considerada como o processo
educativo pelo meio do qual os mais velhos, que já possuem em sua memória pessoal as
taxonomias culturais tentam transmitir os saberes aos mais novos, inserindo-os nesse
saber local e próprio. Essa educação se dá prioritariamente pela transmissão oral, pela
compreensão de sua genealogia, aprendendo a organização da vida natural, no contato
direto dos mais jovens com os mais velhos (ITURRA, s.d). A oralidade é a mais
valorizada forma de transmissão de saberes entre os Guarani, eles ensinam e aprendem
conversando; é a partir disso que são repassados a história de seus antepassados, as
experiências pessoais, os ensinamentos divinos... (http://www.socioambiental.org/).
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Escolarização indígena no contexto do Brasil e do Paraná
Paralelamente a esse processo de Educação Indígena, porém de forma bem
menos natural e muito mais imposta, podemos localizar a Educação Escolar Indígena.
Como apontado anteriormente, a escolarização indígena é temática antiga, é realidade
desde o início da colonização do Brasil até os dias de hoje, já tendo se revestido de
diversas “caras”: catequizadora, integradora, algumas geridas por indigenistas ou por
ONGs, outras pelo Estado; abarcadas por leis, decretos e pareceres em diferentes
governos. Enfim, como diria Wilmar D’Angelis (2012), escolas com cara de “cara
pálida”. Não são escassas as discussões, mas infelizmente ainda são raras as práticas de
escolarização autônoma, ou seja, onde a escola indígena seja pensada, planejada,
organizada e gerida de forma autônoma pelo próprio povo em questão.
No século XVI, as Escolas para Índios eram pensadas com força e tenacidade
por missionários jesuítas, que procuravam através delas assimilarem os indígenas e os
converterem em cristãos, o que acontecia por meio de catequeses ou mesmo internatos.
Tal realidade perdurou por anos, fosse nas mãos dos missionários católicos ou de
qualquer outra religião e até mesmo no entendimento oficial dos colonizadores, durante
o Império e ainda nos primeiros anos de República, permanecia a mentalidade de
assimilação, aculturação ou mesmo de indiferença em relação aos povos indígenas
(CIARAMELLO, 2005).
Já no século XX, auge da modernidade, muda-se um pouco o rumo da Educação
Escolar Indígena, com a chegada do SIL – Summer Institute of Linguistics em 1956,
que encontrou grande apoio do Governo e de Universidades. Apesar de utilizar-se de
técnicas distintas, como a escrita de diversas Línguas Indígenas, o SIL, no entanto, não
fugia do perfil civilizatório. A distinção se dava no fato de não abolir a “diferença”, mas
sim domesticá-la, o que, para Silva, M. (1994, p.44), significa dizer que “a diferença
deixou de representar um obstáculo para se tornar um instrumento do próprio método
civilizatório”.
O viés religioso da escolarização indígena seguiu com força por diversos anos,
pois não era interesse do Estado por realmente em prática uma escolarização que não só
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respeitasse, mas desse voz aos povos Indígenas. Ainda assim, na década de 1960 e
1970, assistiu-se a um crescimento de estudos e interesses por parte da Antropologia, da
Linguística e da Educação, o que resultou num Estatuto do Índio (1973) onde se muda o
foco de assimilação para integração do Índio à Comunhão Nacional.
A discussão sobre a autonomia das sociedades indígenas, o caráter ideológico da
educação, o ensino bilíngue e o estatuto do monitor indígena trabalhando na escola,
inicia-se na década de 1980, a partir da mobilização de indígenas e indigenistas
buscando a construção de uma educação escolar sintonizada com os interesses, direitos
e especificidades dos povos e culturas indígenas, onde se possam articular informações,
práticas pedagógicas e reflexões dos próprios indígenas sobre seu passado e futuro, seus
conhecimentos e projetos. A escola passa a ser considerada uma via de acesso a
informações centrais para tomadas de decisões.
No entanto, o sonho de uma escola diferenciada autônoma não ganhou essa
força toda, o que ocorreu desde então foi uma ambiguidade na implementação de
política de Educação Escolar Indígena, com poucas mudanças práticas. As maiores
mudanças vieram por parte dos próprios povos indígenas que passaram a se unir e se
mobilizar em prol da oficialização de suas escolas diferenciadas, “alternativas”,
conquistando com isso a inclusão de três artigos na Constituição de 1988
(CIARAMELLO, 2005).
Desde então, entra ano, sai ano... somos governados por um ou por outro...
criam-se políticas, leis, decretos, pareceres. Chegamos ao século XXI, ano 2012, e a
Escolarização Indígena continua um sonho. Observam-se ainda muitas escolas “para
índios” e não escolas indígenas. A situação piora ainda mais nos casos em que não há
escola na própria aldeia que contemple todos os anos de escolarização. Quando existe a
escola, mesmo ela não sendo totalmente autônoma, ainda pode se constituir como um
espaço de fronteira, de trocas, de possibilidades. Mas quando esses indígenas, crianças
e/ou jovens, são obrigados a sair da aldeia pra dar continuidade aos estudos, seguindo
para um universo cultural diferente, para escolas onde os demais alunos, os professores
e funcionários muitas vezes não estão “preparados” para lidar com as diferença, as
dificuldades se tornam grandes crateras, de onde esses indígenas acabam saindo por
meio da evasão.
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Apesar de séculos de contato de indígenas com não-indígenas, de décadas de
discussão por parte de antropólogos, linguistas, educadores, indigenistas e dos próprios
povos indígenas, ainda se questionam sobre as especificidades desses povos, sobre a
cosmologia própria, sobre suas formas de ver o mundo e se relacionar com ele. Sobre a
“dificuldade” que estes têm de se relacionar com a sociedade envolvente. Enfim, ainda
existem questionamentos sobre a não integração do índio à sociedade não-indígena.
Por outro lado torna-se possível questionar sobre quais os objetivos desses
indígenas de quererem dar continuidade aos estudos, ao menos nessas condições. É isso
que esperam da escolarização? É esse tipo de aprendizagem que desejam? Ainda há
muito a dialogar com os povos indígenas sobre o que a escola representa para eles, qual
a escolarização que desejam, qual tem sido o aproveitamento dos conteúdos escolares
que têm recebido.
No Paraná, o contexto da escolarização indígena não teve um caminhar
diferente do apresentado anteriormente, de forma mais ampla. O que os documentos
oficiais apontam é que a criação e oficialização de escolas em áreas indígenas ocorreu
apenas a partir de 1982, sendo que entre este ano e 1984 já estavam autorizadas e em
funcionamento 18 estabelecimentos de ensino. Destas, treze tinham como mantenedoras
a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e uma era mantida pela Missão de Cristianismo
Decidido.
Desde 1991, o Estado do Paraná vem discutindo as propostas da Educação
Escolar Indígena partindo dos princípios legitimados pela Constituição vigente. A
definição inicial do NEI/PR (Núcleo de Educação Indígena – Paraná) contido na
Resolução 1.119/92 era “(...) um espaço de trabalho e reflexão de pessoas e entidades
que respeitando e considerando processos culturais próprios das populações indígenas,
elaborar diretrizes que garantam uma educação diferenciadas nas áreas indígena e
fora delas propiciando condições físicas e pedagógica” (PARANÁ, 1992). A pauta de
tais discussões girava em torno de temas como: contratação e pagamento de professores
indígenas, currículo e calendário diferenciado, ensino bilíngue, merenda escolar,
formação de professores, evasão escolar, falta de material para alunos e professores,
necessidade de construção, ampliação e reforma nas escolas indígenas.
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A partir do ano de 1996, foi realizado um convênio entre a Secretaria de Estado
da Educação (SEED) e os Conselhos Indígenas (Guarapuava e Londrina), dando início à
contratação de monitores bilíngues. Apesar da contratação dos próprios índios para
atuarem em suas escolas ser motivo de comemoração, isso não necessariamente
assegurava aos alunos indígenas uma educação escolar específica e de qualidade, pois
não havia uma política pública no Estado do Paraná voltada para a formação inicial e
continuada e acompanhamento pedagógico dos contratados.
Outro marco na história da Escolarização indígena no Paraná se deu em 05 de
dezembro de 2002, quando foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) a
Deliberação Nº 09/02 que dispõe sobre a criação e funcionamento da Escola Indígena,
autorização e reconhecimento de cursos no âmbito da Educação Básica, no Estado do
Paraná. Esta Deliberação define, pois, que o estabelecimento de ensino que oferte
educação escolar indígena em Educação Básica, localizado em Terras Indígenas, será
reconhecido como Escola Indígena. Assim, para atender à Resolução Conselho
Nacional da Educação (CNE) Nº 003/99 e a Deliberação Nº 09/02 citada anteriormente,
no ano de 2005, foi criada na SEED a Coordenação da Educação Escolar Indígena,
dando início às discussões sobre a estadualização das escolas indígenas do Paraná.
Em janeiro de 2006, o Governo do Paraná/SEED publica Editais específicos
para Processo de Seleção Simplificado (PSS) para Professor Substituto na área de
atuação da Educação Infantil e no Ensino Fundamental para as Escolas Indígenas,
Auxiliares de Serviços Gerais e Professor Pedagogo das Escolas Indígenas. Essa medida
institucional modifica o quadro das escolas indígenas, sendo agora composto com um
grande número de Professores indígenas, bem como Auxiliares de Serviços Gerais
indígenas e Pedagogos. O Governo do Paraná reconhece, nos Editais N.º4/2006 e
05/2006 –DG/SEED, janeiro de 2006 e Edital N.º 54/2006 – DG/SEED, abril de 2006, a
obrigatoriedade da administração pública em ofertar a Educação Escolar Indígena na
forma de lei.
No dia 23 de maio de 2008 o então Secretário de Estado de Educação Maurício
Requião de Mello e Silva assina a Resolução Nº. 2075/2008 que dispõe sobre a
organização e o funcionamento das Escolas Indígenas no Sistema de Ensino do Estado
do Paraná. A partir desta Resolução os Estabelecimentos de Ensino que funcionam em
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aldeias indígenas são reconhecidas como unidades escolares próprias, autônomas e
específicas e inseridas no Sistema Estadual de Ensino tendo como responsável por sua
criação e funcionamento o Estado; também é reconhecido direito ao bilinguismo e à
interculturalidade, o que demandam organização, funcionamento e diretrizes específicas
e diferenciadas. Portanto, a partir do ano de 2009 o Estado do Paraná passou a ser o
mantenedor de todas as escolas indígenas jurisdicionadas neste estado.
A Escola Estadual Indígena Arandu Pyahu, escola Guarani junto à qual a
presente pesquisa se desenvolve, existe desde o ano de 2005. De início, os guaranis
estudavam à 11Km de sua aldeia, mas ainda na área de Marrecas, na escola indígena
Kaingang, no entanto, devido às dificuldades de acesso e às diferenças culturais e
linguísticas, e com a formação de uma professora Guarani em Licenciatura Indígena,
conseguiram transferir a escola para dentro da aldeia, ainda que em pequena construção
improvisada para atendê-los. O Governo do Estado do Paraná iniciou, então, a
construção de uma escola indígena padrão, melhor estruturada e equipada, que é
utilizada por eles desde o ano de 2012, mesmo sem ainda ter sido inaugurada
oficialmente. A escola atende apenas ao Anos Iniciais do Ensino Fundamental e,
atualmente, a Educação de Jovens e Adultos; para dar continuidade aos estudos em
idade correta, é necessário que eles se desloquem à escola não-indígena mais próxima à
aldeia, localizada a aproximadamente 30Km, enfrentando dificuldades de transporte e
adaptação.
De acordo com as características culturais Guarani, além das aldeias não se
formarem com número grande de famílias, a mudança entre aldeias é comum, fazendo
com que o número de crianças varie de ano a ano (de 23 crianças, aproximadamente, em
2012, restaram apenas 06 neste ano de 2013). A escola conta com três professores
indígenas: a professora da classe, a de língua Guarani e o professor de Educação Física
e Artes.
Ensino Superior – ingresso e permanência
Caminho parecido ao da escolarização básica segue a discussão do acesso de
indígenas ao Ensino Superior, para ilustrar, trago na íntegra um trecho de um “texto-
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consulta”, escrito por D’Angelis (2012) para o encontro Leitura e escrita em escolas
indígenas: domesticação x autonomia, e transcrito em seu mais recente livro
Aprisionando Sonhos:
Grande parte dos projetos de escolas indígenas hoje em desenvolvimento no país não rompe com a lógica da continuidade do estudo, muitas vezes pensada como a forma de não estabelecer discriminação sobre os índios, garantindo-lhes o direito de acesso ao ensino médio e superior das escolas dos “brancos”. É evidente que o acesso ao ensino superior não está nem estará, de fato, ao alcance de todos os índios, mas se estivesse, as questões a responder seriam: (i) se haverá espaço e forma de absorção, nas aldeias, para todos esses profissionais; (ii) se, uma vez formados em escolas dos brancos, em profissões dos brancos, vivendo longe de suas aldeias, estes profissionais (ou, pelo menos, parte deles) vão estar interessados em retornar às suas aldeias; (iii) se aqueles índios que se urbanizarem, em função desse tipo de estudo, não reproduzirão a experiência salesiana dos serventes e domésticas. Enfim, a primeira questão central que se coloca é: não estão as escolas indígenas já viciadas pela perspectiva da continuidade do estudo, colocadas como ponte e porta de acesso às escolas dos brancos de níveis superiores? (...)
No início da pesquisa, quatro Guaranis da aldeia Ko’ ẽ ju Porã desejavam
prestar o vestibular, já haviam inclusive tentado uma vez, sem sucesso. Destes, uma
mudou de aldeia, um desistiu, uma terceira passou em quarto lugar no vestibular
convencional para Pedagogia da UNICENTRO mas quando o resultado saiu ela se
encontrava em outra aldeia e não pode ser localizada a tempo para realização da
matrícula. O quarto indígena passou no curso de Geografia da UNICENTRO e
agora compartilha as dificuldades encontradas não só em seu ingresso, mas
principalmente em sua permanência na instituição.
Considerações Finais
São por essas, entre tantas questões apontadas anteriormente, que o presente
trabalho tem por objetivo dialogar com a comunidade Guarani, da aldeia Ko’ ẽ ju
Porã, sobre quais suas expectativas, seus sonhos, seus desejos em relação à
escolarização de suas crianças, jovens e até mesmo adultos, traçando um paralelo
com os caminhos que realmente esses indígenas vêm percorrendo, desde a
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Educação tradicional recebida na própria aldeia até o ingresso (ou não) à
Universidade.
Acredita-se que as dificuldades encontradas no processo de escolarização
não sejam exclusivas desta aldeia, nem deste povo, mas que permeiam a realidade
vivenciada por diversas etnias indígenas. Sendo assim, aprofundando os estudos
locais, se torna possível refletir também sobre essas outras realidades e as
possibilidades de mudanças positivas.
REFERÊNCIAS
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CIARAMELLO, Patrícia Regina. Educação Escolar Indígena: um olhar desde a Pedagogia. Monografia de Conclusão do Curso de Graduação. Campinas, SP: UNICAMP, 2005.
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