EDUCAÇÃO ESPECIAL E SAÚDE MENTAL: caminhos, … · Palavras- Chave: Educação Especial, Saúde...
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EDUCAÇÃO ESPECIAL E SAÚDE MENTAL: caminhos, possibilidades e
desafios
Sueli Augusti Lira¹
Orientadora: Maria Júlia Lemes Ribeiro²
Resumo
Este trabalho tem por temática a interlocução entre a Educação Especial e os conhecimentos da área de Saúde Mental, focado nos caminhos, desafios e possibilidades educacionais. A partir da localização histórica sobre o percurso de vida social e educacional das pessoas que apresentam deficiência intelectual e das que apresentam transtornos mentais, contextualizamos a Educação Especial. Apresentamos os encaminhamentos educacionais devidos, bem como, o conhecimento sobre as diferenças entre as duas condições - deficiência e transtorno mental - com vistas à contribuir com o docente na elaboração de uma prática pedagógica que possibilite o aprendizado e desenvolvimento dos alunos.
Palavras- Chave: Educação Especial, Saúde Mental, Deficiência Intelectual,
Transtorno Mental, Interlocução.
1 Introdução
O tratamento destinado pela sociedade às pessoas deficientes e doentes
mentais, guarda estreita relação no sentido dos mitos e crenças, que permearam as
ações nesse contexto. Ambas condições – deficiência e doença – foram entendidas
de formas muito diversas ao longo da história, abordando questões de segregação e
exclusão dessas pessoas. Assim, ainda há controvérsias e desconhecimento
quando se direciona o trabalho no cotidiano das escolas, pois a multiplicidade de
condições de intelectualidade no contexto escolar, na maioria das vezes, é
interpretada de forma errônea, as reais dificuldades não são identificadas e os
alunos, confundidos entre pessoas deficientes e pessoas com doença mental.
Para tanto é necessária a mudança de paradigmas, percepções e olhares
neste contexto, focando a interlocução entre a Educação Especial e os
conhecimentos que a área da Saúde Mental pode contribuir na prática inclusiva. Em
última análise, podemos afirmar que o objetivo de qualquer ação em educação,
especial ou regular, deve primar pela promoção de saúde para todos os indivíduos.
Buscar medidas de intervenção compatíveis com as necessidades educacionais
especiais dos alunos, e alcançar resultados satisfatórios tanto para o educando
como para o professor.
1.1 Contextualização História da Educação Especial
Para Platão, citado por Misés (1977), na idade Antiga, no Egito as pessoas
com deficiências eram divinizadas; no entanto na Grécia onde se cultuava o corpo,
eles eram exterminados, ou abandonados em rios e montanhas. Platão exprime-se
assim, em A República: “Quanto aos filhos de sujeito sem valor e aos que forem mal
constituídos de nascença, as autoridades os esconderão como convém, num lugar
secreto que não deve ser divulgado”.
Sêneca, por sua vez, citado por Cassemiro (1996), já era mais veemente:
Nós matamos cães danados, os touros ferozes e indomáveis, degolamos as ovelhas doentes com medo que infectem o rebanho, asfixiamos os recém-nascidos mal constituídos; mesmo as crianças que forem débeis ou anormais nós as afogamos; não se trata de ódio, mas da razão que nos convida separar das partes sãs aquelas que podem corrompê-las...Em Esparta elas eram prioridade do Estado; eram os velhos que decidiam após exame jogá-las do alto do Monte Taygetos.
As citações acima denunciam que, historicamente, já eram observadas
desde a idade antiga, políticas extremas de exclusão de pessoas com deficiência e
doença mental. Na antiga Grécia, as crianças eram abandonadas nas montanhas,
em Roma atiradas nos rios.
As noções acerca das deficiências e doenças mentais eram ligadas ao
misticismo e ocultismo, a falta de conhecimento e discernimento devidos á estas
condições, em muito contribuiu para que as pessoas acometidas por estas
dificuldades fossem marginalizadas, segregadas, e muitas vezes ignoradas.
Registros históricos dispostos em diferentes obras, como livros, arte, e outros,
comprovam que vem de longo tempo a resistência à aceitação social dessas
pessoas, denunciando como suas vidas eram ameaçadas.
Ao longo da Idade Média, nos países europeus, os ditos “deficientes” eram
associados à imagem do diabo e aos atos de feitiçaria, sendo então perseguidos e
mortos, pois faziam parte de uma mesma categoria, a dos excluídos. Por isso,
deviam ser afastados do convívio social ou, muitas vezes sacrificados, pois
representavam uma ameaça a sociedade. Comenta-se que havia posições
ambíguas: uma seria marca da purificação divina, a expiação dos pecados; e a
outra, a expressão do poder sobrenatural, ou seja, o privilégio de ter acesso às
verdades inatingíveis para a maioria. Tanto uma como a outra assinala a falta de
conhecimento presente naquele momento histórico, carregado de mitos e crenças
que por anos perdurou na história de atendimento à pessoa com deficiência e
doença mental.
Algumas literaturas apontam que os primeiros ensinamentos referentes a
educação especial teve início na Espanha, em 1550, quando o Padre Beneditino
Ponce de León passou a educar crianças surdas. Antes disso, inexistia qualquer tipo
de atendimento às crianças excepcionais. As primeiras instituições públicas na
Europa foram destinadas aos cegos e aos surdos, ainda no século XVI. Para os
deficientes mentais, isto ocorreu somente a partir do século XIX, pois (QUIROS;
GUELLER apud BUENO, 2004, p.96), “com a separação das crianças em pavilhão
próprio, efetuada por Edouard Seguin, no Hospício de Bicêtre, em 1840, que se
constituiu no marco efetivo do início da educação do deficiente mental”.
Até então, não havia distinção clara entre doença e deficiência mental, os
considerados na categoria de “loucos, eram colocados em asilos, hospitais, onde
não pudessem oferecer perigo à sociedade. A situação dramática e desumana
nesses locais despertava nos médicos, a necessidade de separar as crianças que ali
viviam, muitas vezes em condições de total abandono. Somente a partir do século
XVIII são criados os primeiros locais específicos para essas pessoas.
Segundo Bueno (2004), os séculos XVII e XVIII representaram o início do
movimento contraditório de participação-exclusão que caracterizou o
desenvolvimento da sociedade capitalista, que se baseou na homogeneização para
a produtividade e que perpassou a história da educação especial.
Um marco nesse percurso histórico, na França, foram os estudos de Jean
Marie Gaspar Itard (1775 -1838), que investiu grande parte de sua vida na
recuperação de Victor, um menino encontrado por volta do ano de 1800 na floresta
de Aveyron, onde viveu por muitos anos, sem nenhum contato com a civilização, de
forma totalmente isolada das práticas culturais humanizadas.
Conforme relata Pessoti (1984), Philippe Pinel, famoso médico do século
XVIII, Victor era um caso incurável, tanto que seu diagnóstico, referia a um indivíduo
que não era desprovido de recursos intelectuais, mas um idiota essencial.
Contrapondo-se ao diagnóstico e prognóstico de Pinel, o médico Jean Itard, voltou-
se para a desafiadora tarefa de educar Victor.
Nascia talvez a primeira tentativa de educar e viabilizar o desenvolvimento
cognitivo, devendo-se a Itard o primeiro esforço e estudo sistemático de reabilitação
de uma criança com necessidades especiais. Após a realização desse trabalho, e
através de observações sistematizadas sobre as estimulações sensoriais e sociais,
ele escreveu um livro que se tornou útil para os estudos da Psiquiatria Infantil.
Conforme Leon (apud JANUZZI, 2004), Itard foi o pioneiro da pedagogia e
da psicologia diferencial, pois as utilizava para melhorar a discriminação sensorial e
desenvolver a plasticidade funcional, cujas técnicas ainda hoje são utilizadas por
psicólogos, sob forma de testes. Assim, por meio da utilização de procedimentos
médico-pedagógicos com essa criança, Jean Marie Gaspar Itard é considerado o
precursor da Educação Especial.
A partir de 1782, Frederico Froebel entra também para a história da
educação especial, criando métodos educacionais para crianças consideradas
“normais” e “anormais”.
No período de 1812 a 1880, surge o nome do médico Edouard Seguin, aluno
de Itard, dando continuidade ao trabalho e estudos de seu professor. Ele
considerava relevante a estimulação dos órgãos sensoriais, bem como a realização
de tarefas práticas do cotidiano na educação de “excepcionais”. Seguin fundou nos
Estados Unidos dezenove escolas destinadas à educação das crianças com
deficiência mental.
Para Silveira Bueno (1993) o trabalho de Seguin consiste em um marco
efetivo para o início da educação do deficiente mental, pois o atendimento desde o
século XVI, era o internamento em instituições, cujo objetivo não era oferecer uma
educação e sim, a contenção da ordem social, ou seja, a única finalidade era a
segregação dos “loucos” que ameaçavam a paz da sociedade.
Para Pessotti (1984), o médico Edouard Seguin é considerado o primeiro
especialista na área médica em deficiência mental, dedicando-se também ao ensino,
pois sua proposta educativa destinava-se a um trabalho do uso dos sentidos e de
atitudes necessárias para a menor dependência e um maior convívio das crianças.
Maria Montessori, médica italiana, foi também uma educadora que trouxe
valiosas contribuições na evolução da educação especial, a partir dos
conhecimentos escritos por Itard e da teoria proposta por Seguin. Montessori
desenvolveu um programa de treinamento para crianças deficientes mentais,
dedicando-se à preparação de professores primários em Roma. As técnicas de
Montessori deram ênfase à “auto-educação”, com base na utilização de materiais
didáticos, como blocos, encaixes, objetos coloridos e letras em relevo. Tais materiais
de grande significado para o desenvolvimento, ainda são encontrados nas práticas
atuais de sala de aula, e muito utilizados na Educação Especial.
São destacados ainda outros nomes na história da educação especial, em
diversos países, como: Na Europa, Alice Descoeudres (1928), médica belga, autora
de uma proposta curricular para deficientes mentais leves, sua orientação era a de
que as atividades educativas deveriam ser desenvolvidas em ambiente natural,
mediante instrução individual e grupal, focalizando deficiências sensoriais e
cognitivas. Na Suiça, Piaget e Rey contribuíram com estudos para a Psiquiatria
Infantil. Na Áustria, Freud renovou as concepções psiquiátricas, seguido por Melanie
Klein e Anna Freud. Em Portugal, Fontes fundou instituições especializadas no
atendimento de crianças retardadas. Na Rússia, grande destaque foi Pavlov que,
baseado nos reflexos condicionados, deu um novo caminho aos estudos da
Psiquiatria Infantil. Nos Estados Unidos, além da ocorrência de diversos fatos que
contribuíram para o desenvolvimento da educação especial, são destacados
também, os nomes do reverendo Thomás H. Gallaudet, fundador da American
School, de West Hartford, Connecticut, primeira escola pública para surdos em
1817, e de Samuel Gridley Howe, responsável pela orientação da primeira escola
pública para deficientes mentais. (Mazzota, 2001)
No Brasil, a história da Educação Especial é iniciada no século XIX, por
iniciativa do Governo Imperial, através do Decreto Imperial nº 1428. D. Pedro II
fundou na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje
chamado de Instituto Benjamin Constant (IBC).
Após a proclamação da República, o atendimento educacional
proporcionado aos excepcionais no Brasil foi, pouco a pouco, se expandindo e
adquirindo caráter prioritário de educação especial.
Conforme relata Mazzota (2001) por volta de 1950, os pais de crianças com
desenvolvimento mental retardado começaram a se organizar, com o objetivo
principal de proporcionar atendimento à crianças e jovens nas escolas públicas
primárias, organizando a National Association for Retardet Children – NARC. A
NARC. Segundo Mazzota (2001), esta associação exerceu grande influência em
vários países, tendo sido a inspiradora da criação das Associações de Pais e
Amigos dos Excepcionais – APAES – no Brasil. Até então, tais crianças,
principalmente as “retardadas mentais treináveis”, eram excluídas da escola, em
virtude da existência de leis e regulamentos.
No Brasil, ainda podemos destacar nos atendimentos para os Deficientes
Mentais, o Instituto Pestalozzi de Canoas, criado em 1926; a Sociedade Pestalozzi
de Minas Gerais, criada em 1935, e a do Rio de Janeiro fundada em 1948. O
atendimento nessas instituições era destinado ao amparo de crianças e
adolescentes deficientes mentais, reeducando-as para uma possibilidade de
melhoria de vida. Era estruturado em quatro regimes de atendimento: residência,
semi-residência, externato e ambulatório, sendo ainda responsável pela instalação
das primeiras oficinas pedagógicas para deficientes mentais no Brasil. E, em 1954
na cidade do Rio de Janeiro, foi fundada a primeira APAE – Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais.
As APAEs passaram a ter grande força política e educacional no Brasil, e
encarregar-se pela educação das crianças com comprometimento intelectual
moderado, severo e profundo. Dentre essas, também eram atendidas as crianças
com doença mental, o que, na verdade ocorre em função da dificuldade do ensino
regular em atender essa população.
Dessa forma nos remetemos a história do atendimento, em que os autores
afirmavam o desconhecimento da doença mental e a diferença da deficiência
mental. Com base neste desconhecimento muitas crianças foram atendidas
educacionalmente nas Escolas Especiais. Cabe aí, uma observação, a de que, até
hoje, isto ocorre em alguns municípios (pela falta de outro local para o atendimento,
e quando elas não conseguem permanecer no ensino regular).
Atualmente, no Estado do Paraná, as escolas mantidas pelas APAEs, foram
credenciadas como escolas de Educação Básica na Modalidade Educação
Especial. Daí, a grande importância de estudos, em que a pretensão é de que os
professores das escolas regulares e especiais sejam informados sobre as duas
condições, a da deficiência intelectual e da doença mental. Isto os instrumentalizará
para atender educacionalmente o aluno com deficiência mental e doença mental, de
forma a garantir um trabalho efetivo, com vistas à mudanças no desenvolvimento e
aprendizagem.
A história mostra que o percurso imprimido pelas pessoas deficientes
encontra-se imbricado com o caminho empreendido também pelas pessoas doentes
mentais, ou seja, é caracterizado por uma longa luta de familiares, movimentos da
sociedade civil e de categorias específicas de profissionais, que até hoje lutam,
dependendo, de estudos e empreendimentos dos educadores e de toda sociedade
em prol dos educandos.
2 Conceitos utilizados
Conceitos são, em geral limitados, tendo em vista as múltiplas influências que
os circunscrevem, historicamente construídos, modificando ao longo dos tempos e
lugares, em diferentes culturas.
2.1 Deficiência Intelectual
Para melhor localizar o leitor, passamos a apresentar os conceitos veiculados
nas políticas públicas acerca dos termos “doente mental”e “deficiente mental”.
De acordo com a Associação Americana de Deficiência Intelectual e do
Desenvolvimento – AADID/2010, deficiência intelectual é caracteriza pela limitação
significativa tanto no funcionamento intelectual como no comportamento adaptativo
que se expressam nas habilidades conceituais, sociais e práticas. A deficiência
origina-se antes dos 18 anos de idade (AADID,2010,p.1).
A dificuldade em detectar com clareza os diagnósticos de deficiência
intelectual, pela complexidade em conceituá-la e pela grande quantidade e
variedades de abordagens do mesmo, tem levado ao longo dos anos a uma série de
definições e revisões do seu conceito. A medida do coeficiente de inteligência (QI)
foi utilizada durante muitos anos como parâmetro de definição dos casos. O próprio
CID 10 (Código Internacional de Doenças, desenvolvida pela Organização Mundial
de Saúde), ao especificar o Retardo Mental (F70-79) propõe uma definição ainda
baseada no coeficiente de inteligência, classificando-o entre leve, moderado e
profundo, conforme o comprometimento.
Além de toda essa pluralidade de conceitos e que em muitos casos são
antagônicos, existe a dificuldade de estabelecer um diagnóstico diferencial entre o
que seja “doença mental” e “deficiência mental”, principalmente no caso de crianças
pequenas que estão na idade escolar.
No Decreto nº 3298/99 no seu artigo 4º, inciso IV, baseado no DSM de
1995, deficiência mental refere-se ao funcionamento intelectual significativamente
inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas
a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação, cuidados
pessoais, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, saúde e
segurança, habilidades acadêmicas, lazer, trabalho, autonomia e independência.
Para o atendimento educacional, o documento – base maior, refere a
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, que
entende os alunos com deficiência e transtornos intelectuais e mentais, como:
população que deve ser atendida preferencialmente no ensino regular, considerando
a pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos ao longo prazo, de natureza
física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ser
restringida sua participação efetiva na escola e na sociedade.
Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que
apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na
comunicação, um repertório de interesses sociais recíprocas e na comunicação, um
repertório de interesses e atividades restrito, esteriotipado e repetitivo. Incluem-se
nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose
infantil.
De acordo com a Secretaria de Estado da Educação do Paraná e
Departamento de Educação Especial, uma das características do sujeito com
deficiência intelectual é a “significativa limitação do funcionamento na área
intelectual e, o reconhecimento do atraso desta área, o qual permite elaborar e
desenvolver um trabalho que atenderá suas peculiaridades e limitações, passando,
então a não ser mais concebida como um traço definitivo e imutável, mas como uma
condição, à medida que suas necessidades especiais sejam respondidas, visando
seu desenvolvimento global” (SEED/DEE, 2006, p.1).
2.2. Transtorno Mental
De acordo com o CID-10 (OMS, 1993), o termo “transtorno” não é exato,
porém é usado para indicar a existência de um conjunto de sintomas ou
comportamentos clinicamente reconhecíveis, associados na maioria dos casos, a
sofrimento e interferências com funções pessoais. A incidência de transtornos
mentais na infância, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, é de 10 a
20% de crianças em idade escolar, o que representa aproximadamente 12 milhões
entre crianças e jovens.
As doenças psíquicas anteriormente eram classificadas basicamente em
neurose e psicose. Sendo que a partir da Classificação Internacional das Doenças
em sua 10ª revisão CID-10 e na obra da última edição do Manual de Diagnóstico e
Estatística de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-
IV-1994), há uma nova classificação e um detalhamento de categorias de
transtornos mentais e de comportamento.
A nomenclatura utilizada hoje pelo Ministério da Saúde é Transtorno Mental,
e pelo Ministério da Educação é Transtornos Globais do Desenvolvimento utilizado a
partir do documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva – Portaria nº 555 de 07/01/2008, que define esses alunos como
aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e
na comunicação, um repertório de interesses e atividades restritos, estereotipados e
repetitivos.
A partir de 2008, Transtornos Globais de Desenvolvimento refere-se
especificamente a alunos com diagnósticos de autismo, síndromes do espectro de
autismo, como por exemplo: Síndrome de Asperger e Rett e Psicose Infantil
3. A Intervenção
Com o objetivo de informar os professores do ensino regular e especial
sobre as contribuições e implicações da Educação Especial e os conhecimentos da
área da Saúde Mental, considerando a existência do aluno com transtorno mental na
Escola Especializada, foi organizado como proposta do PDE, um curso de 32 (trinta
e duas horas) presenciais, em que foram trabalhados os seguintes temas:
Contextualização histórica da Educação Especial ; Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva; Conceitos de Deficiência Intelectual
e Transtorno Global do Desenvolvimento – Autismo, Síndrome de Asperger,
Psicoses e Esquizofrenias; Estratégias de Atendimentos para a prática pedagógica;
Textos; Vídeos e documentários.
Ressalta-se que, inicialmente os professores participaram de uma pesquisa
em que foram investigados conhecimentos sobre a Deficiência Intelectual e
Transtorno Mental, para que fosse programada a intervenção considerando as
demandas dos professores participantes. Com relação às respostas dos
professores, foi possível identificar em algumas, palavras-chave que são coerentes
com a temática, e em outras, foi percebida claramente a “confusão” que alguns
educadores têm em conceituar deficiência intelectual e transtornos mentais, bem
como em pontuar quais são os transtornos mentais encontrados nas instituições
escolares. A análise inicial ocorreu com 30 professores de Escolas de Educação
Especial (atualmente denominadas de Escolas de Educação Básica na Modalidade
Educação Especial).
Com base nesta fase inicial, procedeu-se a organização dos temas a serem
perseguidos no curso. Em termos de metodologia, foram utilizadas as técnicas de
aula expositiva, dinâmicas e grupos de estudos e discussão de filmes.
Todos os professores estiveram presentes no curso, o que possibilitou
alcançar os objetivos e atender as dúvidas individuais e coletivas, resguardando, é
claro, os percentuais de no mínimo setenta e cinco por cento de conteúdos
aprendidos.
Paralelamente a esta atividade presencial - implementação – ocorreu
também o grupo de trabalho em rede – GTR, conforme proposta do PDE.
A descrição dessa atividade, inclui inicialmente, o primeiro Fórum, que
propunha aos participantes que levantasse sugestões acerca do tema apresentado,
ao que responderam que trata-se de um tema muito pertinente, polêmico, complexo
e que exige muitas reflexões, bem como muito conhecimento. Uma das afirmações
em evidência, foi sobre a importância de acreditar que o aluno é capaz de
estabelecer relações, criar vínculos e aprender. Outro dado relevante foi a
articulação de uma rede de apoio para as escolas regulares ou especiais. A
formação dos profissionais, e que eles deveriam ter a compreensão do
desenvolvimento humano e dos processos de aprendizagem, também foi destacado
por todos os cursistas, bem como a construção de estratégias pedagógicas. Todos
afirmaram que deve-se levar em conta a singularidade, bem como proporcionar uma
boa acolhida.
No segundo fórum, norteado pela tarefa de sugerir implementações sobre a
unidade didática, todos concordaram sobre: a necessidade de criar ambientes
inclusivos, que o trabalho articulado produz um resultado melhor, que sempre é
necessário um planejamento e valorização do trabalho em equipe. Também
pontuaram que é preciso que o professor esteja atento aos “sintomas e
características”, que o aluno apresenta; promover grupos de estudos, ciclos de
palestras, para conversar com todos os professores. Pensar em objetivos claros e
pré-definidos.
No terceiro fórum, os professores participantes fizeram sugestões, entre as
quais, a de que a equipe da escola deve buscar fundamentação teórica a fim de
implementar uma prática pedagógica efetiva, estabelecer vínculos entre professores
e alunos, e, por último, que os conceitos trabalhados se constituam em ferramentas
teóricas com as quais, transformamos a realidade. Ressaltaram ainda que o
posicionamento de um professor, diante de uma manifestação comportamental,
contará com as ideias e concepção teórica que fundamenta sua prática. Poderá
propor uma articulação entre diferentes áreas do conhecimento, dialogando
portanto, com outros profissionais que se ocupam desta temática.
Percebemos que em ambas as formas - presencial e em rede - de realizar o
estudo sobre a deficiência intelectual e o transtorno mental, houve grande interesse
dos professores e contribuições importantes para a prática pedagógica. O espaço
para a realização de trocas de informações e estudo enriquece sobremaneira a
forma de atuar em sala de aula. Muitas mudanças ainda ocorrerão no campo da
saúde mental, no que se refere ao resgate da cidadania desses alunos, e o
professor é a figura importante, pois no cotidiano, observa, intervém, media, no
sentido de promover o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos.
Considerações finais
As reflexões acerca da articulação dos conhecimentos na área da
Educação Especial e Saúde Mental, nos remetem a muitos questionamentos, pois o
número de educandos afetados por algum tipo de transtorno é assustador, tanto nas
escolas de ensino comum como nas escolas de educação básica na modalidade de
educação especial.
No atual contexto educacional, a escola é para “todos”, este é o discurso
que permeia as políticas educacionais, no entanto, na prática, algumas dificuldades
se impõem. Inicia-se por requerer dos educadores, melhor formação e capacitação
continuada, e a necessidade de estabelecer um canal de comunicação eficaz entre
educadores. A intenção é de construir uma rede de apoio à inclusão dos alunos com
necessidades especiais, decorrentes de transtorno mental, buscar a construção de
estratégias pedagógicas que possam os auxiliar.
Entende-se que não existe um único método, ou uma “receita pronta” que
dará conta, pois cada educando apresenta uma singularidade e o trabalho deve
estar pautado na percepção e no acolhimento dos alunos que está buscando o seu
desenvolvimento. Refletir sobre esses alunos é de grande importância do ponto de
vista do atendimento pedagógico, pois até a década de 90, ainda não havia um
“lugar” na política educacional.
O conhecimento sobre as patologias possibilita um repensar sobre as
atividades pedagógicas que podem ou não ser desenvolvidas com o aluno que
apresenta um transtorno mental. O entendimento a respeito desses norteará uma
melhor organização do trabalho pedagógico e dos planos de aula dos educadores.
Um dos pontos evidenciados pelos cursistas do GTR é o estabelecimento dos
vínculos, e acolhida, duas palavras que fizeram referências neste trabalho. Ficou
explícito nas palavras dos educadores, que consideram a união, a troca de
experiências e o estudo coletivo, como relevantes para o processo educativo, pois,
conhecer o aluno e pensar em estratégias com objetivos claros e pré-definidos é
essencial para o sucesso da aprendizagem.
Caminhamos durante esse estudo, nos referindo à deficiência intelectual e a
doença mental, porque trata-se de um assunto que traz muita polêmica no trabalho
nas escolas. A criança que apresenta deficiência intelectual não apresenta,
necessariamente, a doença mental e vice-versa. Entender a diferença, as
características destas condições possibilita ao professor, a elaboração de um
trabalho que, de fato, resulte em produção e desenvolvimento do aluno.
Esta proposta de estudo, veio de encontro ás necessidades de um grupo de
professores, porém, ressaltamos que, não é condição apenas da escola onde
trabalham, mas, de uma grande maioria, que necessita de uma formação que venha
ao encontro do desconhecimento das dúvidas e incertezas que ocorrem no cotidiano
da prática pedagógica.
Por fim, entendemos que a proposta foi implementada, dentro das
necessidades apontadas pelos educadores, e alcançou seu objetivo á medida que
os instrumentalizou a refletir, construir uma prática pedagógica embasada
cientificamente e comprometida com a aprendizagem e desenvolvimento da
diversidade no contexto escolar.
Referências
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